conclusão em: 19 de dezembro de 2001 - cmvm - homepage · apenas designada por helena martins),...
TRANSCRIPT
Proc. n.º 14882/01.5TDLSB
1.ª Secção
I. RELATÓRIO
Os arguidos
LUCIANO MANUEL RIBEIRO DA SILVA PATRÃO, casado,
administrador de empresas e docente universitário, filho de Luciano dos
Santos Patrão e de Maria Julieta Ribeiro da Silva Patrão, nascido a 12 de
Março de 1954, em Águeda, residente na Travessa Santa Maria, n.º 3, em
Sintra;
JOÃO MANUEL RODRIGUES MARTINS, casado, administrador de
empresas, filho de filho de Manuel Inácio Martins e de Maria Arminda
Maurício Rodrigues, nascido a 6 de Abril de 1956 em Alcongosta, Fundão,
residente na Rua Sousa Lopes, n.º 6, 3.º Esq.º, em Lisboa e
MARIA HELENA DIAS DOS SANTOS MARTINS, casada, técnica
superior do Ministério da Saúde, filha de Manuel Ferreira dos Santos e de
Maria da Graça Ferreira Dias, nascida a 3 de Janeiro de 1955, em
Alcongosta, Fundão, residente na rua Sousa Lopes, n.º 6, 3.º Esq.º, em
Lisboa,
encontram-se pronunciados pela prática, em co-autoria, de um crime
de abuso de informação p. e p. pelo art. 378.º n.ºs 1 e 4 do Código dos
Valores Mobiliários. Os arguidos João Manuel Rodrigues Martins e Maria
Helena Dias dos Santos Martins estão ainda pronunciados pela prática de
um outro crime de abuso de informação p. e p. pelo art. 378.º n.ºs 3 e 4 do
Código dos Valores Mobiliários.
Todos os arguidos apresentaram contestação, em que alegam não ter
praticado os crimes que lhes são imputados, bem como apresentaram rol de
testemunhas.
O arguido Luciano Manuel Ribeiro da Silva Patrão, na sua
contestação, veio invocar igualmente a nulidade do despacho de pronúncia.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O tribunal é competente.
O Ministério Público é dotado de legitimidade para o exercício da
acção penal.
Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais que cumpra
apreciar e que obstem a um conhecimento de mérito, com excepção da
nulidade invocada pelo arguido Luciano Patrão em sede de contestação e
que se irá apreciar em seguida.
Nulidade da pronúncia
O arguido Luciano Patrão invoca na sua contestação a nulidade do
despacho de pronúncia com fundamento na falta de indicação dos factos
típicos.
Compulsados os autos constata-se que tal matéria já foi sobejamente
apreciada a propósito da alegada nulidade da acusação e que foi um dos
fundamentos para a abertura da instrução por parte do arguido Luciano
Patrão, como igualmente se constata que, face ao regime de nulidades
previsto no Código de Processo Penal, não se tratando aqui de uma
nulidade insanável, deveria a mesma ter sido invocada aquando da leitura
da decisão instrutória.
Por outro lado, tendo em consideração que o disposto no art. 311.º n.º
2 do Código de Processo Penal, o tribunal de julgamento apenas pode
sanear o processo nos casos em que não houve instrução o que,
seguramente, não se verifica na presente situação.
Em bom rigor a questão agora suscitada pelo arguido apenas poderá
relevar em sede de fundamentação de direito, ou seja, se o tribunal entender
que, efectivamente, os factos não são suficientes para integrar a prática dos
crimes pelos quais os arguidos estão pronunciados deverá proferir decisão
absolutória, conhecendo do mérito.
Pelo exposto, julgo improcedente a alegada nulidade.
III. DOS FACTOS
1. FACTOS PROVADOS
Da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, assim
como de toda a prova constante dos autos e respectivos apensos,
resultaram provados os seguintes factos:
a) Factos provados da pronúncia
1. À data dos factos que de seguida vão descrever-se, a sociedade
Lusomundo – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (adiante apenas
designada de Lusomundo), era uma sociedade cotada na Bolsa de Valores de
Lisboa e Porto (actualmente Euronext Lisboa).
2. Estavam admitidas à cotação acções ordinárias (às quais correspondia o
código FLU AP) e acções preferenciais sem voto (às quais correspondia o
código FLU VE).
3. Também à data dos factos, o arguido Luciano Manuel Ribeiro da Silva
Patrão (adiante apenas designado por Luciano Patrão), era administrador da
Lusomundo, tendo funções efectivas na sua Administração, bem como em
outras sociedades do grupo.
4. O arguido Luciano Patrão era titular de, pelo menos, duas contas
bancárias à ordem: conta n.º 503/12815875 no Banco Português do
Atlântico e a conta n.º 3889796/001 no Crédito Predial Português.
5. Além disso, Luciano Patrão era administrador único da sociedade
Lupageste – Consultores de Gestão. S.A. (adiante apenas designada por
Lupageste).
6. A Lupageste tem por objecto social a prestação de serviços de
consultadoria de empresas, gestão de patrimónios, gestão imobiliária,
concepção e desenvolvimento de iniciativas promocionais, representações
promocionais, prestação de serviços de publicidade e marketing, estudos de
mercado, projectos de investimento e consultadoria financeira.
7. Esta sociedade era, à data dos factos, titular da conta n.º 8734571 no
balcão da Arrábida, Gaia, do Banco Nacional de Crédito Imobiliário.
8. O arguido Luciano Patrão estava autorizado a movimentar apenas com a
sua assinatura, esta conta.
9. Quanto aos arguidos João Manuel Rodrigues Martins (adiante apenas
designado por João Martins) e Maria Helena Dias dos Santos Martins (adiante
apenas designada por Helena Martins), são casados um com o outro.
10. São, por outro lado, pais de João Pedro Santos Martins, nascido a 29 de
Novembro de 1980 que, à data dos factos, era estudante.
11. João Martins e Helena Martins eram, à data dos factos, titulares da conta
bancária número 3018029 na sucursal do Barclays Bank de Gibraltar.
12. Além disso eram, conjuntamente com o filho de ambos, João Pedro
Santos Martins, titulares da conta à ordem 701/203502407 na agência da
Avenida da República do Barclays Bank, em Lisboa.
13. Eram ainda titulares da conta de depósitos à ordem n.º 362200022758
do Banco de Santander, agência do Areeiro, em Lisboa.
14. Os arguidos João Martins e Helena Martins eram, desde 24 de Março de
2000, procuradores da sociedade Hubbell Consultants Limited (adiante apenas
designada por Hubbell).
15. A Hubbell é uma sociedade com sede em 23, Portland House, Glacis
Road, em Gibraltar.
16. Foi constituída a 9 de Março de 2000 e está registada no Registo das
Sociedades de Gibraltar sob o número 73.489.
17. O seu objecto social é, entre muitos outros, praticar as actividades de
investimento, comércio e/ou possuir propriedades, desempenhar e
transaccionar com todos os tipos de trust, administração, consultoria,
serviços e actividades intermediárias e actuar como nominnes, trustees,
agentes, promotores e corretores.
18. Porém, não tem actividade em Gibraltar.
19. A sua única sócia, que é igualmente directora e secretária, desde a data
da sua constituição, é a Fiduciary Trust Limited, uma outra sociedade
constituída em Gibraltar, onde tem sede, em 3, Bell Lane.
20. Ou seja, a Hubbell tem a natureza das chamadas sociedades offshore,
com sede num paraíso fiscal, permitindo aos seus verdadeiros beneficiários
económicos realizar negócios sem terem que revelar a respectiva
identidade.
21. Embora os arguidos João Martins e Helena Martins sejam ambos
procuradores da Hubbell, João Martins é tido pela mesma e pela sua única
sócia como o seu ultimate beneficial owner, isto é, como o beneficiário das
suas actividades.
22. A Hubbell era titular de uma conta bancária à ordem na agência na
Avenida da República, em Lisboa, do Barclays Bank, com o número
701/203504163 à qual estava associada uma conta de valores mobiliários
com o número 701/130155088.
23. Além disso, a Hubbell era também titular de uma outra conta bancária,
na sucursal do Barclays Bank de Gibraltar, com o número 3014708.
24. Os arguidos João Martins e Helena Martins estavam ambos autorizados
a movimentar estas duas contas da Hubbell no Barclays Bank de Gibraltar e
de Lisboa.
25. Estavam também autorizados a ordenar ou executar qualquer tipo de
actos de gestão da sociedade relacionados com estas contas.
26. Os arguidos Luciano Patrão e João Martins conhecem-se.
27. São amigos próximos.
28. A 3 de Abril de 2000 a PT-Multimédia – Serviços de Telecomunicações e
Multimédia, SGPS, SA (adiante apenas designada por PTM) tomou público que iria
lançar uma oferta pública de aquisição (adiante apenas designada por OPA) sobre
acções emitidas pela Lusomundo.
29. Esta OPA foi resultado de um processo de negociações entre
representantes da PTM e representantes da Lusomundo.
30. O arguido Luciano Patrão tomou parte neste processo de negociações,
em representação da Lusomundo e na qualidade de membro do seu
Conselho de Administração.
31. Neste processo, o arguido Luciano Patrão esteve presente em reuniões
com representantes da PTM tendo em vista negociar as condições de
lançamento da OPA e de definição de estratégias para o futuro da
Lusomundo.
32. A 22 de Março de 2000 o arguido Luciano Patrão participou, com Jaime
Batista da Costa, ambos com representantes da Lusomundo, numa reunião
com Zeinal Bava e Manuel Rosa da Silva, ambos representantes da PTM.
33. No dia 28 de Março de 2000, em reunião que se iniciou às 10 horas, o
Conselho de Administração da PTM deliberou que a sociedade iria lançar
uma OPA sobre 1.891.485 acções ordinárias da Lusomundo e sobre a
totalidade das suas 4.500.000 acções preferenciais sem voto, constando da
respectiva acta o seguinte:
«O Senhor Presidente do Conselho de Administração fez o ponto da
situação sobre as conversações que têm decorrido com a Lusomundo
anunciando a intenção de se poder, dentro em breve, assinar o acordo de
cooperação que passaria igualmente pelo lançamento de uma oferta pública
de aquisição de acções da Lusomundo. A este propósito especificou que a
Sociedade, como entidade oferente propõe-se lançar uma oferta de
aquisição sobre 1.891.485 acções ordinárias representativas de 31,5% do
capital social com direito de voto da Lusomundo que, considerando a
existência de acções próprias conferem no momento presente 37,8% dos
direitos de voto, e a totalidade das 4.500.000 acções preferenciais sem voto
representativas do capital social da Lusomundo, e que se encontram
admitidas no mercado de cotações oficiais da Bolsa de Valores de Lisboa.
Apresentada a proposta foi deliberado aprovar os termos da mesma
delegando-se no Senhor Presidente do Conselho de Administração, Dr.
Eduardo Martins, os poderes para outorgar o acordo de cooperação e para
praticar todos os actos necessários à concretização da Oferta Pública de
Aquisição de acções da Lusomundo.»
34. A 3 de Abril de 2000 a PTM comunicou à Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários (adiante apenas designada por CMVM) esta operação que, a 4
de Abril, anunciou publicamente, bem como a respectiva contrapartida, que
era de € 80 por cada acção ordinária (FLU AP) e de € 40 por cada acção
preferencial sem voto (FLU VE).
35. O arguido Luciano Patrão acompanhou as negociações entre a
Lusomundo e a PTM e por isso ficou a saber da intenção última de vir a
comprar uma parte importante do capital social da primeira.
36. Porque interveio nas negociações, tomou parte na formação do acordo
entre as duas sociedades.
37. O arguido Luciano Patrão soube da intenção de lançamento da OPA
pela PTM pelo menos após o dia 28 de Março.
38. O arguido Luciano Patrão tinha conhecimento de que a negociação
visava uma cooperação entre as duas sociedades e que poderia incluir o
lançamento de uma OPA.
39. Os arguidos João Martins e Helena Martins não estavam a par da
existência de negociações entre a Lusomundo e a PTM, nem da deliberação
do Conselho de Administração desta última de 28 de Março de 2000.
40. Todos os arguidos têm formação universitária em economia.
41. O arguido Luciano Patrão, sabedor de que ia ser lançada uma OPA,
percebeu que quem detivesse acções da Lusomundo na data em que fosse
anunciado aquele lançamento poderia vir a ganhar muito dinheiro com a
venda das acções após este anúncio.
42. Nas datas em que decorriam as negociações entre a Lusomundo e a
PTM os valores das cotações em bolsa das acções da Lusomundo eram
inferiores aos valores que vieram a ser propostos como contrapartida pela
PTM.
43. Assim acontecia, em particular, com as acções preferenciais sem voto
(FLU VE).
44. Nas duas semanas que antecederam o anúncio de lançamento da OPA
o preço da cotação destas acções oscilou entre o valor mínimo de € 28,02 e
o valor máximo de € 34,47.
45. Os valores finais das contrapartidas oferecidas apenas foram
determinados em dia próximo ao anúncio da OPA e não estavam ainda
fixados a 28 de Março de 2000, dia da deliberação da Administração da
PTM.
46. O arguido Luciano Patrão não disse aos arguidos João Martins e Helena
Martins, por não os saber, quais eram os valores das contrapartidas.
47. Os arguidos Luciano Patrão e João Martins conheciam, por ser do
conhecimento público, as cotações das acções FLU AP.
48. Os arguidos Luciano Patrão e João Martins aperceberam-se de que as
cotações vinham subindo de forma regular e sustentada, pelo menos desde
havia duas semanas.
49. Os arguidos Luciano Patrão e João Martins vieram a verificar também
que a 28 de Março de 2000 as cotações subiram bastante, fechando a € 75
e que nos dias que se seguiram e que antecederam o anúncio público da
OPA a cotação de fecho veio a subir mais, até atingir € 79,95, a 31 de
Março. 56
50. Por outro lado, o arguido Luciano Patrão sabia que, para a OPA ser bem
sucedida, a PTM que oferecer uma contrapartida pelo menos igual (senão
superior) ao preço das acções em bolsa.
51. Os arguidos Luciano Patrão e João Martins também sabiam que, no dia
27 de Março de 2000, o preço das acções FLU VE tinha oscilado entre os €
30 e os € 32 e que, a 28 Março de 2000, oscilou entre € 32 e € 34.
52. Em data que não foi possível determinar, mas anterior a 30 de Março de
2000, o arguido João Martins decidiu comprar uma grande quantidade de
acções FLU VE.
53. A arguida Helena Martins deu ordem de bolsa para aquisição de acções
preferenciais sem voto da Lusomundo (FLU VE) ao Barclays Bank, agência
da Avenida da República, em Lisboa, o que fez na qualidade de procuradora
da Hubbell.
54. Em consequência destas ordens, a Hubbell veio efectivamente a adquirir
em bolsa, a 30 de Março, 30.000 acções e a 31 de Março, mais 18.000
acções.
55. Ou seja, adquiriu nos dois dias 48.000 acções Lusomundo FLU VE.
56. A 30 de Março, adquiriu-as ao preço médio de € 32,77 por acção e a 31
de Março, ao preço médio de € 32,62 por acção.
57. O preço global destas aquisições foi de € 1.568.868 (à data
314.529.794$00).
58. Ou seja, o preço médio de cada acção deste conjunto foi de € 32,68.
59. A 31 de Março de 2000 a cotação das acções FLU VE fechou a € 32. 78
60. Porém, a 4 de Abril de 2000, ou seja, no dia imediato ao do anúncio do
lançamento da OPA, a cotação das acções FLU VE fechou a € 40.
61. Neste dia, 4 de Abril de 2000, a Hubbell veio a vender em bolsa todas as
48.000 acções que comprara.
62. Fê-lo ao preço de €40 por acção.
63. Ou seja, vendeu o conjunto das acções pelo valor global de € 1.912.468
ou 383.415.450$00.
64. Uma vez que o preço de aquisição destas acções fora € 1.568.868 (ou
314.529.794$00), obteve mais valias líquidas de € 343.600 (ou
68.885.615$00).
65. Estes negócios de bolsa, de compra e venda, foram efectuados sobre a
conta de valores mobiliários com o número 701/130155088, na agência da
Avenida da República, em Lisboa, do Barclays Bank, titulada pela Hubbell.
66. Tal conta foi aberta por João Martins e Helena Martins, na qualidade de
procuradores da Hubbell, a 30 de Março de 2000 e teve nesta ocasião a sua
primeira transacção.
67. O pagamento das aquisições de acções FLU VE pela Hubbell foi
efectuado a partir da conta à ordem o número 701/203504163, na mesma
agência do Barclays Bank, na Avenida da República, em Lisboa.
68. Também esta conta foi aberta a 30 de Marco de 2000 por João Martins e
Helena Martins, na qualidade de procuradores da Hubbell.
69. Para a liquidação financeira da compra das 48.000 acções FLU VE, o
arguido João Martins reuniu fundos.
70. Todos esses fundos foram encaminhados para a conta titulada por João
Martins e Helena Martins na agência do Barclays Bank da Avenida da
República e depois transferidos para conta de João Martins e Helena Martins
na sucursal do Barclays Bank de Gibraltar, de onde foram transferidos para
a conta da Hubbell na sucursal do Barclays Bank de Gibraltar e daqui para a
conta da Hubbell em Lisboa.
71. Ou seja, o arguido João Martins reuniu fundos que fez movimentar de
Lisboa para Gibraltar e de novo para Lisboa.
72. Foi reunido capital na já referida conta à ordem número 701/203502407
titulada por João Martins e Helena Martins na agência do Barclays Bank, na
Avenida da República, em Lisboa.
73. A partir desta conta, com referência de 30 de Março de 2000, João
Martins deu ao Barclays Bank uma ordem de transferência da quantia de
315.000.000$00 (ou € 1.571.213,37) para a conta número 3018029, titulada
por ele e por Helena Martins na sucursal do Barclays Bank de Gibraltar.
74. Esta conta foi aberta nesse mesmo dia, 30 de Março de 2000.
75. A partir desta conta número 3018029 do Barclays Bank de Gibraltar,
também com referência a 30 de Março de 2000, João Martins deu outra
ordem de transferência, desta vez da quantia 313.000.000$00, para a conta
da Hubbell com o número 3014708 nessa mesma sucursal do Barclays Bank
de Gibraltar.
76. Esta última conta viria a ser aberta no dia seguinte 31 de Marco de 2000.
77. Desta última conta número 3014708, da Hubbell no Barclays Bank de
Gibraltar, João Martins deu uma ordem de transferência da quantia de
310.000.000$00 (ou € 1.546.273), para a conta à ordem número
701/203504163, titulada pela Hubbell na agência do Barclays Bank na
Avenida da República, em Lisboa.
78. Esta transferência foi processada com referência a 31 de Março de 2000.
79. Mais tarde, a 4 de Abril de 2000, a Hubbell procedeu à liquidação
financeira da compra das acções FLU VE que efectuara a 30 e 31 de Março
de 2000.
80. Assim, a 30 de Março de 2000, João e Helena Martins, conjuntamente
com João Pedro Santos Martins, filho de ambos, contraíram em seu próprio
nome, junto do Barclays Bank, um empréstimo titulado por um contrato de
abertura de crédito penhor, no montante de 250.000.000$00.
81. Tal contrato, veio a ser alterado, por força de um aditamento de 4 de
Abril de 2000, mas com data valor de 31 de Março, que elevou o montante
de crédito para 315.000.000$0.
82. Aquele valor veio a ser creditado pelo Barclays Bank na já referida conta
à ordem número 701/203502407, titulada por João Martins e Helena Martins,
conjuntamente com o filho de ambos João Pedro Santos Martins, na agência
da Avenida da República, em Lisboa do Barclays Bank.
83. Mais tarde, vieram a ser pagos juros de 1.028.539$00 respeitantes à
utilização deste crédito, que foram pagos por esta mesma conta e portanto,
suportados por João Martins e Helena Martins, conjuntamente com o filho de
ambos João Pedro Santos Martins, titulares da mesma.
84. Ou seja, destinando-se este crédito a pagar as acções compradas pela
Hubbell, os juros a ele inerentes não foram suportados por esta sociedade,
tendo-o sido por João Martins e Helena Martins.
85. O arguido Luciano Patrão abordou o seu pai, Luciano Santos Patrão, a
quem, quando, precisava, era normal pedir dinheiro emprestado.
86. Em regra, seu pai não lhe pedia explicações, o que também aconteceu
desta vez.
87. Satisfazendo o seu pedido de empréstimo de dinheiro, Luciano Santos
Patrão emitiu sobre a sua conta n.º 0697/329675000 na Caixa Geral de
Depósitos o cheque n.º 1179727741, datado de 3 de Abril de 2000, no
montante de 10.000.000$00, que entregou ao arguido Luciano Patrão.
88. Além deste montante, este arguido mobilizou quantias que lhe
pertenciam.
89. Para o efeito, sobre contas suas, emitiu dois cheques no valor de
4.000.000$00, cada um, ambos datados de 4 de Abril de 2000.
90. Emitiu o cheque n.º 3627654241 sobre a sua conta n.º 503/12815875, no
Banco Português do Atlântico e emitiu o cheque n.º 0349147248 sobre a sua
conta n.º 3889796/001, no Crédito Predial Português.
91. Luciano Patrão entregou estes três cheques a João Martins e Helena
Martins, que os depositaram em contas bancárias tituladas por ambos.
92. Os cheques no montante de 10.000.000$00 (emitido por Luciano Patrão)
e de 4.000.000$00 (emitido por Luciano Patrão sobre a sua conta n.º
3889796/001, no Crédito Predial Português) foram depositados por João
Martins na conta n.º 37192231/001 no Banco Totta & Açores, titulada por
João Martins e Helena Martins.
93. Por sua vez, o cheque no montante de 4.000.000$00 (emitido por
Luciano Patrão sobre a sua conta n.º 503/12815875, no Banco Português do
Atlântico), foi depositado por Helena Martins na conta n.º 222956441/001 no
Banco Totta & Açores também titulada por João Martins e Helena Martins.
94. Este montante, obtido pelo arguido Luciano Patrão foi canalizado por
João Martins para a conta à ordem número 701/203502407, titulada por si e
por Helena Martins, conjuntamente com o filho de ambos João Pedro Santos
Martins, na agência da Avenida da República, em Lisboa do Barclays Bank.
95. Após a venda das acções FLU VE, a 4 de Abril de 2000, o produto da
respectiva venda, no montante de € 1.912.468 € (ou 383.415.410$00), foi
depositado na conta à ordem número 701/203504163, titulada pela Hubbell
no Barclays Bank na Avenida da República, em Lisboa.
96. Uma parte deste produto da venda das acções veio a ser utilizado por
João Martins e Helena Martins para amortizar o custo da respectiva
aquisição e os encargos contraídos para lhe fazer face.
97. Por essa razão, João Martins e Helena Martins ordenaram transferências
bancárias da conta da Hubbell em Lisboa para a conta da Hubbell em
Gibraltar, desta conta para a conta de João Martins e Helena Martins em
Gibraltar e, desta última, para a conta dos mesmos arguidos em Lisboa.
98. Assim, com referência a 7 de Abril de 2000, Helena Martins deu ordem
de transferência da quantia de 320.000.000$00 da conta à ordem da Hubbell
no Barclays Bank, na Avenida da República, em Lisboa, para a conta da
Hubbell no Barclays Bank de Gibraltar.
99. Desta conta, por sua vez, foi transferido, por ordem de João Martins, o
valor de 320.000.000$00 para a conta número 3018029 titulada por ele e por
Helena Martins na sucursal do Barclays Bank de Gibraltar.
100. De seguida, também com referência a 7 de Abril de 2000, a partir da
conta número 3018029, titulada por ela e por João Martins, Helena Martins
deu ordem de transferência da quantia de 322.000.000$00, para a conta
número 701/203502407, titulada por João Martins e Helena Martins na
agência do Barclays Bank, na Avenida da República, em Lisboa.
101. Quando o produto da venda das acções FLU VE foi transferido para a
conta n.º 701/203502407 titulada por João Martins e Helena Martins no
Barcays Bank na Avenida da República, em Lisboa, estes dois arguidos
procederam à amortização do crédito de que haviam beneficiado junto do
banco.
102. O arguido João Martins emitiu cheques sobre a conta n.º
22.295.641/001 do Banco Totta & Açores, por si e pela arguida Helena
Martins titulada, a 11 de Abril de 2000.
103. O seu montante global era de 18.000.000$00, ou seja, exactamente o
mesmo montante que o arguido Luciano Patrão tinha entregue ao arguido
João Martins.
104. O arguido João Martins emitiu os cheques
- n.º 1194489277, no montante de 2.500.000$00
- n.º 0294489278, no montante de 3.500.000$00
- n.º 8194489280, no montante de 12.000.000$00.
105. Todos eles foram emitidos ao portador e entregues a Luciano Patrão.
106. Este, por sua vez, deu-lhes o seguinte destino:
- o cheque n.º 1194489277, no montante de 2.500.000$00, depositou-
o na sua conta n.º 503/12815875, no Banco Português do Atlântico, por si
titulada;
- o cheque n.º 0294489278, no montante de 3.500.000$00, depositou-
o na conta n.º 7491696/001 no Crédito Predito Português, titulada por Maria
Isabel Stilwell;
- o cheque n.º 8194489280, no montante de 12.000.000$00,
entregou-o a seu pai, Luciano Santos Patrão, em pagamento do empréstimo
que lhe pedira e que acima se referiu e ainda de um outro, anterior; este, por
sua vez, depositou-o na sua conta n.º 0697/329675000 na Caixa Geral de
Depósitos sobre a qual, aliás, emitira o cheque que usara para lhe emprestar
o dinheiro.
107. O arguido João Martins emitiu sobre a conta n.º 701/203502407 do
Barclays Bank, titulada por ele e por Helena Martins, um cheque, com o n.º
2112808834, datado de 13 de Abril de 2000, no valor de 31.000.000$00.
108. Este cheque veio a ser depositado na conta n.º 22.295.641/001 do
Banco Totta & Açores, também titulada por estes dois arguidos, a 14 de Abril
de 2000.
109. Nessa mesma data, 14 de Abril, João Martins emitiu sobre esta conta
no Banco Totta & Açores três cheques, no valor global de 31.044.000$00,
que entregou a Luciano Patrão.
110. O arguido João Martins emitiu os cheques:
- n.º 6394489282, no montante de 10.000.000$00
- n.º 5494489283, no montante de 15.000.000$00
- n.º 4594489284, no montante de 6.044.000$00.
111. Todos eles vieram a ser depositados em contas bancárias pertencentes
ou movimentadas por Luciano Patrão.
112. Assim:
- o cheque n.º 6394489282, emitido ao portador, no montante de
10.000.000$00, foi depositado na conta n.º 503/12815875, no Banco
Português do Atlântico, titulada por Luciano Patrão;
- o cheque n.º 5494489283, foi emitido à ordem da Lupageste no
montante de 15.000.000$00 e foi depositado na conta n.º 8734571, no
Banco Nacional de Crédito Imobiliário, titulada por esta sociedade;
- o cheque n.º 4594489284, também emitido ao portador, no montante
de 6.044.000$00, foi depositado na conta n.º 3889796/001, no Crédito
Predial Português, titulada por Luciano Patrão.
113. Além das compras de acções acima referidas, João Martins decidiu
ainda comprar outras acções em seu nome.
114. O arguido João Martins decidiu comprar acções da Lusomundo ainda
antes da realização dos negócios acima descritos.
115 Logo a 28 de Março de 2000, Helena Martins deu ao Banco de
Santander ordem de compra em bolsa de 1.500 acções FLU VE.
116. Esta operação seria efectuada naquela data, ao preço de € 31.37 por
acção, portanto no valor global de € 47.057,36 (ou 9.434.342$00).
117. Foi feita através da conta de depósitos à ordem n.º 362200022758 do
Banco de Santander, agência do Areeiro, Lisboa, titulada por João Martins e
Helena Martins e pelo filho de ambos João Pedro Santos Martins.
118. Os arguidos venderam estas acções a 4 de Abril de 2000, ao preço de
€ 40 por acção, ou seja, pelo valor bruto de € 60.000 (ou 12.028.920$00).
119. Após dedução de corretagem, comissões bancárias e taxa de
realização de operações de bolsa este valor cifrou-se em € 59.723
1.973.579$00).
120. Ou seja, com esta operação, João Martins e Helena Martins obtiveram
mais valias de € 12.666,60 (ou 2.539.425$00).
121. Por outro lado, a 31 de Março de 2000, Helena Martins deu ao Barclays
Bank, agência da Avenida da República, em Lisboa, ordem de compra de
600 acções FLU VE.
122. Tais acções vieram a ser compradas ao preço de € 32,31 por acção, ou
seja, pelo preço global de € 19.478,25 (ou 3.905.038$50).
123. Esta operação foi feita sobre a conta n.º 701/203507407 titulada por
João Martins e Helena Martins na agência da Avenida da República, em
Lisboa, do Barclays Bank.
124. Estes dois arguidos vieram a vender todas estas 600 acções a 4 de
Abril de 2000, ao preço de € 40,09 cada acção, ou seja, pelo valor líquido,
após dedução de corretagem, comissões bancárias e taxa de realização de
operações de bolsa, de € 23.944,55 (ou 4.800.451 $00).
125. Com esta operação, João Martins e Helena Martins obtiveram mais
valias líquidas, após dedução de corretagem, comissões bancárias e taxa de
realização de operações bolsa, de € 4.466,30 (ou 895.413$00).
126. Além das compras que se descreveram, João Martins e Helena Martins
não efectuaram nenhumas outras transacções em bolsa sobre acções da
Lusomundo em nenhuma das duas contas referidas (no Barclays Bank e no
Banco Santander) pelo menos no decurso do período de 1 de Janeiro a 31
de Julho de 2000.
127. Não obstante, tinham na sua conta do Barclays Bank uma carteira de
títulos que, a 31 de Março de 2000, valia € 1.357.427,58 (ou
272.139.796$00).
128. Quando foi publicitado o lançamento da OPA uma imediata subida das
cotações das acções emitidas pela Lusomundo.
129. João Martins e Helena Martins conheciam bem Luciano Patrão e
sabiam quais eram as respectivas funções na Lusomundo.
130. Os arguidos João e Helena Martins pretendiam com estes negócios de
bolsa ganhar dinheiro através da compra de acções FLU VE e da sua
posterior venda.
131. Todos os arguidos agiram de uma forma livre, voluntária e consciente.
b) Factos provados da contestação do arguido Luciano Patrão
132. As negociações levadas a cabo pelos accionistas de referência da
Lusomundo com diversos grupos económicos já tinham sido trazidas a
público, designadamente, por alguns órgãos de comunicação social.
133. Algumas notícias da imprensa disponíveis nessa mesma data davam
como praticamente certo o acordo em causa entre Lusomundo e PTM.
134. Tendo em conta a hora a que se iniciou a reunião da PTM (10 horas) e
a hora em que se dá a primeira ordem de compra (10 horas e 50 minutos), a
reunião não poderia ser a base da decisão da opção de compra levada a
cabo pelo arguido João Martins.
135. Nessa reunião nada é referido a propósito de elementos de paridade de
preço.
136. Ninguém sabia qual seria a cotação das acções na data do anúncio
preliminar e não era de forma alguma seguro que a evolução das cotações
se verificaria sempre em sentido ascendente até esse momento.
137. Nos dias imediatamente antecedentes do anúncio preliminar, ocorreram
variações negativas de cotações de um dia para o outro, mesmo sendo
mantida a relação de paridade de dois para um.
138. O mercado revelava já a paridade, por vezes até mesmo a níveis
superiores.
139. A paridade de dois para um não era informação nova, sendo antes
revelada pelo mercado estando à vista de quem quisesse ver.
140. A reunião de 28 de Março de 2000 foi uma reunião interna da PTM, na
qual não esteve presente o arguido Luciano Patrão nem ninguém da
Lusomundo.
141. Com referência ao dia 28 de Março de 2000, o arguido Luciano Patrão
e as restantes pessoas que integravam o grupo de negociadores dos
accionistas de referência da Lusomundo não sabiam sequer se o acordo iria
ser feito com a PTM.
142. Em 28 de Março de 2000 decorriam duas negociações paralelas: uma
com a PTM, outra com o BCP/EDP.
143. As negociações em questão decorreram de forma paralela e simultânea
até Sábado, dia 1 de Abril de 2000.
144. Só no Sábado, dia 1 de Abril de 2000, é que o Senhor Tenente Coronel
Luís Silva, principal accionista da Lusomundo e seu Administrado Delegado,
tomou a decisão de aceitar a proposta da PTM.
145. Ficou acordado que os detalhes finais e a sua respectiva formalização
contratual seriam redigidos no dia seguinte, isto é, Domingo dia 2 de Abril e,
havendo acordo quanto a todos os detalhes, assinados ao final da tarde no
Hotel Ritz em Lisboa.
146. No dia 2 de Abril foi comunicado ao Senhor Tenente Coronel Luís Silva
que todos os detalhes haviam sido acordados e que se havia chegado a
acordo quanto à redacção dos documentos contratuais.
147. Só então o Senhor Tenente-Coronel Luís Silva informou o Senhor Eng.
Jardim Gonçalves que tinha optado pela aliança com a PTM em detrimento
do BCP/EDP.
148. Só nesse momento foi fechada a frente negocial com o BCP/EDP.
149. O acordo com a PTM viria a ser celebrado no dia 2 de Abril e, na
sequência do mesmo, a PTM fez, no dia 4 de Abril, terça-feira, o anúncio
preliminar de lançamento da OPA.
150. O arguido Luciano Patrão, até perto do termo das negociações,
desconhecia se a PTM se propunha pagar por cada acção um preço
superior à respectiva cotação mercado.
151. Para a Lusomundo e para os seus accionistas de referência era
absolutamente indiferente o preço da OPA, porque nem a Lusomundo, nem
os seus accionistas de referência, iriam proceder à venda de uma única
acção, pelo que nada receberiam pela concretização da OPA e ficariam na
mesma posição qualquer que viesse a ser o preço da aquisição das acções.
152. As negociações não tinham como objecto um acordo de compra e
venda de acções, mas antes um acordo de cooperação entre duas entidades
para o desenvolvimento de projectos futuros. É neste cenário e apenas
neste – de futuros parceiros de negócios – que seria natural que a PTM se
tornasse num accionista da Lusomundo.
153. Era irrelevante para a Lusomundo a forma como a PTM alcançaria essa
posição accionista que não tinha de passar necessariamente por uma OPA.
154. A questão do preço das acções era acessória pois, atendendo ao
figurino contratual, tal apenas dependia da vontade da PTM de tomar uma
posição maior ou menor no capital da Lusomundo.
155. Por isso a questão do preço não aparece reflectida na acta, só tendo a
começado a ser discutida no dia 31 de Março.
156. No dia 29 de Março de 2000 há uma quebra da cotação das acções,
passando as mesmas de 75,61 em 28 de Março e para 72,00 no dia 29.
157. Os papéis referentes à Lusomundo eram largamente apetecíveis aos
investidores.
158. Em Fevereiro de 2000 transaccionaram-se três milhões e trezentas mil
acções preferenciais sem voto da Lusomundo.
159. Em Março do mesmo ano tal volume mensal foi de um milhão e
trezentas mil acções.
160. Em apenas dois meses de verificou uma rotação de mais de 100% das
acções Lusomundo admitidas à negociação.
161. Tais papéis eram cobiçados pelo mercado porquanto reflectiam uma
diferença pouco habitual e pouco lógica do ponto de vista económico.
162. É comum os mercados valorizarem as acções ordinárias relativamente
às preferenciais sem voto, todavia as diferenças são habitualmente ligeiras e
raramente superiores a 15%.
163. Tal diferença assinalável e pouco usual, de imediato atraiu a atenção
dos investidores profissionais, que antecipavam que o preço das acções
preferenciais era anormalmente baixo relativamente às ordinárias.
164. E daí a elevadíssima procura que este tipo de acções suscitou nos dias
que antecederam o anúncio preliminar.
165. A paridade só foi objecto de consagração contratual no dia 1 de Abril,
consagração contratual essa que se limitou a reflectir a própria paridade
estabelecida peio mercado.
166: Em 3 e 4 de Abril de 2000, data dos cheques referidos nos artigos 109.º
e 111.º da acusação, já todas as operações de compra descritas nos autos
se haviam efectivado.
167. Em 4 de Abril de 2000 não só estavam já efectuadas as compras, como
foi a data da venda das acções.
168. Na lógica da operação tal como descrita, não tinha, pois, o arguido
João Martins qualquer necessidade de se financiar junto do arguido Luciano
Patrão como efectivamente não ocorreu.
c) Factos provados da contestação do arguido João Martins
169. O arguido João Martins há muito que desenvolve actividades no
mercado de capitais.
170. Entre Junho de 1999, data da sua saída do Grupo BTA e Maio de 2000,
altura em ingressou no Grupo CGD, o arguido não manteve qualquer vínculo
profissional, exerceu actividades de consultoria em regime liberal, dispondo,
assim, de mais tempo para se dedicar a investimentos pessoais.
171. Dado o seu passado profissional e a vasta experiência que havia
adquirido, era absolutamente natural que o arguido João Martins viesse a
privilegiar – como efectivamente sucedeu – os investimentos em bolsa.
172. Em Julho de 1999 o Arguido abriu conta no Barclays Bank, na área de
Private Banking.
173. Em 29 de Novembro de 1999 o arguido João Martins solicitou ao
Barclays a activação de uma conta corrente caucionada entre
60.000.000$00 (€ 299.278,74) e 100.000.000$00 (€ 498.797,90).
174. E, em 20 de Janeiro de 2000, dada a evolução favorável do mercado de
capitais, celebra um adicional à conta corrente no valor de 40.000.000$00 (€
199.519,16).
175. Só através do Barclays o arguido João Martins tinha investimentos
alavancados em bolsa, totalmente independentes dos em causa nos
presentes autos, no montante de 140.000.000$00 (€ 698.317,06).
176. O arguido João Martins era e é um investidor qualificado, experiente e
capaz de assumir riscos.
177. Na sua qualidade de investidor o arguido João Martins estava
especialmente atento aos movimentos especulativos.
178. Em finais de 1999, inícios de 2000, em todos os mercados bolsistas das
economias ocidentais verificou-se uma grande aproximação entre empresas
ligadas à então denominada ―nova economia‖ e empresas ditas ―de
conteúdos‖.
179. Assistiu-se, ao tempo, a uma enorme ―bolha‖ especulativa em torno das
empresas da ―nova economia‖, em detrimento das empresas da ―velha
economia‖ que, durante esse período, foram desvalorizadas pelos
investidores, maxime pelos especulativos.
180. Das empresas da ―velha economia‖, entre as que escaparam a essa
desvalorização e foram, ao contrário, alvo de forte valorização, encontravam-
se as detentoras de meios de comunicação social, então reapelidadas de
―empresas de conteúdos‖.
181. Com efeito, considerava-se, na conjuntura económica de 1999/2000,
que as empresas do futuro seriam as da ―nova economia‖ e que estas
precisavam, por seu turno, para assegurar a sua viabilidade e rendibilidade,
de adquirir sólidas empresas de conteúdos.
182. Um exemplo internacional desta tendência foi a fusão entre a Time
Warner e a American On Line (AOL).
183. A bolsa portuguesa não foi insensível a esta conjuntura.
184. Na sequência deste processo internacional verificou-se também a
realização de várias ofertas públicas de subscrição e venda de acções
representativas do capital social de sociedades da ―nova economia‖ na Bolsa
de Valores de Lisboa.
185. O maior expoente dessas sociedades da ―nova economia‖ em Portugal
foi a PTM, promovida pela Portugal Telecom.
186. Os investidores, portugueses e internacionais, quer da PT, quer da
PTM, consideravam, em finais de 1999, que o principal defeito da PTM era
não ter uma forte presença na área dos conteúdos.
187. Ao tempo poucas ―empresas de conteúdos‖ se encontravam cotadas na
Bolsa de Valores de Lisboa, isto é, sociedades detentoras de empresas
comunicação social, sendo uma delas a Lusomundo.
188. Era assim manifesto, para qualquer investidor especulativo, que a
Lusomundo seria, mais cedo ou mais tarde, objecto de cobiça, isto é de
tentativa de aquisição.
189. A tudo isto estava o arguido João Martins atento.
190. Por outro lado, o arguido João Martins, como pessoa há muito ligada ao
mercado de capitais, sempre teve acesso a diversos ―research‖ de
sociedades cotadas.
191. Teve acesso e estudou o research ―Iberian 2000 Outlootf’ elaborado
pela Mello Valores – Sociedade Financeira de Corretagem e publicado em
Dezembro de 1999, que recomendava claramente a compra de acções
preferenciais sem voto da Lusomundo.
192. Teve também acesso e estudou o ―Market Outlook and Top Picks‖,
elaborado pela MC – Corretagem, SA, em Janeiro de 2000.
193. Este estudo seleccionava os seis melhores valores mobiliários para
investir no ano 2000, entre os quais incluía as acções preferenciais sem voto
da Lusomundo como ―strong outperform‖’, a mais alta recomendação de
compra.
194. No estudo em referência, dos seis melhores valores mobiliários para
investir só três, entre os quais as acções preferenciais sem voto da
Lusomundo, receberam a classificação de ―strong outperform‖.
195. Teve ainda acesso e estudou o ―Equities Spain – Portugal‖, elaborado
pelo Banco Argentaria, datado de Janeiro – Fevereiro de 2000, que também
dava a recomendação máxima de compra para as acções preferenciais sem
voto da Lusomundo.
196. Sublinhe-se que quer a MC – Corretagem quer o Argentaria davam a
sua recomendação para o investimento em acções na Bolsa Portuguesa
para todo o ano de 2000 e coincidiam numa única recomendação de
compra: as acções preferenciais sem voto da Lusomundo.
197. Teve acesso e estudou o research elaborado, em Fevereiro de 2000,
pelo prestigiado BPI – Banco Português de Investimentos, que não só
recomendava a compra de acções preferenciais sem voto da Lusomundo,
fixando um preço objectivo de € 32,80, como referia, que ―(…) acreditamos
que o maior risco de acções preferenciais está de alguma forma reduzido e
que o actual desconto de 40% relativamente às ordinárias é exagerado. Para
aqueles investidores que detêm acções ordinárias da Lusomundo nós
recomendamos a troca para acções preferenciais‖.
198. Por outro lado, o arguido João Martins, por imperativo da sua actividade
profissional, acompanhava especialmente a evolução das cotações dos
diversos títulos.
199. No mês de Fevereiro de 2000, as acções preferenciais sem voto da
Lusomundo valorizaram-se 159,9%: a cotação de fecho em 31 de Janeiro de
2000 era de € 11.56 e, em 29 de Fevereiro de 2000, de € 30,05.
200. Por outro lado, o próprio comportamento da cotação revelava estar-se
na presença de um título altamente especulativo uma vez que, em Fevereiro
de 2000, apresentava elevadíssimas oscilações de preço (entre mínimo e
máximo), a saber:
intra-dia: 42.4% (€ 16,05 vs € 22,85 em 11 de Fevereiro de 2000)
intra-mês: 212.5% (€ 11,60 em 1 de Fevereiro de 2000 vs € 36,25 em 24
de Fevereiro de 2000)
201. Em 24 de Fevereiro de 2000 transaccionaram-se 392.000 acções
preferenciais sem voto da Lusomundo, quando, no ano de 1999, o volume
médio diário transaccionado era de 16.600 acções.
202. Por outro lado, o volume mensal de transacções das acções
preferenciais sem voto registou nessa altura um aumento exponencial: em
Fevereiro de 2000 transaccionaram-se cerca de 3.300.000 acções — uma
rotação de 73,3% da totalidade das acções dessa categoria admitidas
negociação; em Março de 2000, o volume mensal de transacções foi cerca
de 1.300.000 acções.
203. Verificou-se, assim, em apenas dois meses, uma rotação de mais de
100% das acções dessa categoria admitidas à negociação.
204. Atento o que acima se descreveu, qualquer investidor qualificado
concluiria estar em presença de um título altamente especulativo, o que
estava em consonância com o facto de a Lusomundo ser das poucas
sociedades cotadas na Bolsa de Valores de Lisboa apta a satisfazer a forte
apetência do mercado por ―empresas de conteúdos‖.
205. A par da informação especializada, também a comunicação social
difundia regularmente notícias acerca da actividade bolsista e sobre
sociedades com valores mobiliários admitidos à cotação.
206. Quer a situação positiva da Lusomundo quer, sobretudo, o interesse de
importantes agentes económicos em participar no seu capital social se foi
tornando, no primeiro trimestre de 2000, cada vez mais do domínio público.
207. Em 30 de Janeiro de 2000 é publicada uma notícia no Correio da
Manhã com o título: ―Impresa e Jornalgest dominam investimentos‖.
208. Em 10 de Fevereiro de 2000 o Diário de Notícias revelava, sob o título:
―Lusomundo vende posição na Investec: (…) A perspectiva de bons
resultados extraordinários em 2000, com os potenciais ganhos obtidos na
alienação da participação na Investec, somados ainda aos 13.7 milhões de
contos de indemnização exigidos a Jacques Rodrigues, por quebra de
contrato, fez subir a cotação das acções do grupo multimédia. Ontem as
acções preferenciais sem voto da Lusomundo movimentaram mais de 150
mil títulos, fechando em valorização de 7.69%, com os investidores a
acreditarem que, mais cedo ou mais tarde, passarão a ordinárias‖.
209. Em 25 de Fevereiro de 2000, sob o título ―Lusomundo interessada na
televisão digital‖ o Diário Económico noticiava: ―A televisão continua a ser
um objectivo do grupo. Depois de perder a Investec, a Lusomundo está
atenta à TV Digital e ao cabo‖.
210. Em 1 de Marco de 2000 o Media XXI noticiava, sob o título ―Grupo
Lusomundo e a Bola a 70 mil à hora‖: ―(…) Com um investimento de 4
milhões de contos, para implantar de raiz uma gráfica tecnologicamente
avançada, o Grupo Lusomundo aliou-se ao jornal A Bola, de Mário Arga e
Lima (…). A nova unidade deu os primeiros passos com a impressão na
madrugada de 4 de Fevereiro do n.º 9565 do Jornal A Bola, Seguiu-se o
semanário Tal & Qual, do Grupo Lusomundo, em 17 de Fevereiro. Em lista
de espera estão os jornais Jornal de Noticias, o Diário de Noticias e o 24
Horas, a aguardar o finalizar de testes, para se iniciar a produção‖.
211. No dia 17 de Março de 2000 o Diário Económico, sob o título
―Lusomundo com conteúdos na Holding BCP/EDP‖, noticiava: ―O Grupo
Lusomundo vai ser um dos parceiros da holding resultante da aliança entre o
BCP/Sabadell e a EDP, noticiou ontem a agência Lusa (…)‖. Os contornos
do acordo foram ontem anunciados no Porto por Jardim Gonçalves e Mário
Cristina de Sousa, respectivamente presidentes do BCP e da EDP(…). É
precisamente nos dois últimos sectores (telefonia móvel e área dos serviços
não financeiros baseados na Internet) que o «know-how» da Lusomundo
poderá constituir uma mais valia. (…)‖.
212. O Tenente-Coronel Luís Silva era membro do Conselho Superior do
Banco Comercial Português.
213. Em 24 de Março de 2000, o Euronotícias anunciava: ―PT Multimédia
quer maioria da Lusomundo‖.
214. Em 25 de Março de 2000, o Público, sob o título ―PT Multimédia e
BCP/EDP disputam conteúdos – Lusomundo e Impresa cobiçadas‖,
noticiava «Timing e sentido de oportunidade são mesmo, nas áreas da
Internet e media, a alma do negócio. A PT Multimédia e o BCP/EDP
encontram-se numa acesa disputa por conteúdos para os seus projectos da
―nova economia‖ e as empresas mais cobiçadas são, neste momento, a
Lusomundo e a Impresa de Pinto Balsemão. Há algumas ofertas e imensos
contactos‖.
215.. O arguido João Martins, com base na informação de que dispunha,
tomou a decisão de investir em acções preferenciais sem voto da
Lusomundo, por serem cada vez mais certos e persistentes os rumores de
que a mesma viria a curto prazo a integrar-se num grande projecto da ―nova
economia‖, com a inerente valorização das suas acções.
216. A acentuada valorização das acções preferenciais sem voto da
Lusomundo foi uma constante ao longo do primeiro trimestre de 2000.
217. Perante as circunstâncias supra descritas, era para o arguido João
Martins seguro que o interesse revelado pelos dois mais importantes
projectos portugueses da ―nova economia‖ na Lusomundo desencadearia,
mais cedo ou mais tarde, uma OPA sobre as acções desta última.
218. Por outro lado, à luz das recomendações das mais prestigiadas
instituições de crédito e sociedades financeiras, era óbvio que, tomada a
decisão de investir em títulos da Lusomundo, se optasse por o fazer em
acções preferenciais sem voto, não só por estas terem muito mais liquidez
do que as acções ordinárias, como por não fazer sentido, do ponto de vista
da racionalidade económica, que a diferença de cotação entre as acções
ordinárias e as preferenciais sem voto fosse tão significativa.
219. Tal diferença de cotação entre as acções ordinárias e as preferenciais
sem voto não era, por isso, tecnicamente justificada, o que era, aliás,
evidenciado por especialistas, não só no estudo supra transcrito do BPI,
onde se lia: ―(…) o actual desconto de 40% relativamente às ordinárias é
exagerado (…)‖, como, em estudo divulgado pela Mello Valores, ―Iberian
Equity Research/Company Profiles/4th Quarter 1999, nos seguintes termos:
―(…) Dado que não acreditamos que faça sentido um desconto entre
preferenciais e ordinárias nós temos diferentes notações para ambas as
acções: VENDA para as acções ordinárias e COMPRA para as acções
preferenciais‖.
220. Em finais de Fevereiro ou início de Março de 2000, em data que não foi
possível apurar, o arguido João Martins tomou a decisão de investir em
acções preferenciais sem voto da Lusomundo.
221. Para realizar esse investimento o arguido João Martins, procurou obter
um adicional ao financiamento em conta-corrente caucionada de que já
dispunha e constituir uma sociedade veículo em termos eficientes e comuns
na área do private banking.
222. Desde inícios de Março de 2000 o arguido João Martins reuniu-se no
Barclays, por diversas vezes, com o fim de obter o referido adicional ao
financiamento em conta-corrente caucionada.
223. Assim, só em 29 de Março de 2000 o arguido João Martins ficou em
condições de realizar o investimento em acções preferenciais sem voto da
Lusomundo, com recurso a esse financiamento e utilizando a sociedade
veículo entretanto constituída.
224. A constituição da Hubbell não obedeceu a qualquer propósito de ocultar
a identidade do arguido João Martins ou de sua mulher, a arguida Helena
Martins.
225. Mesmo sem a intervenção de uma autoridade judicial, a Financial
Services Commission de Gibraltar facultou à CMVM toda a informação
relativa à sociedade, designadamente a identidade do seu ultimate beneficial
owner.
226. A decisão de investimento em acções preferenciais sem voto da
Lusomundo foi tomada pelo arguido João Martins com base na sua análise
da evolução dos títulos e do mercado, fundada em informação pública e
assente na sua própria experiência profissional.
227. Na data da deliberação da PTM a 28 de Março de 2000 as negociações
entre a PTM e a Lusomundo não estavam concluídas.
228. Da deliberação da PTM não constava sequer a paridade de dois para
um entre as acções ordinárias (FLU AP) e as acções preferenciais sem voto
(FLU VE).
229. A paridade de dois para um entre as acções FLU AP e as FLU VE era
praticamente uma constante nas respectivas cotações em mercado.
230. Todos os recursos financeiros aplicados na compra das acções da
Lusomundo foram obtidos pelo arguido João Martins e consistiram nos
financiamentos por este contraídos para o efeito junto do Barclays, cuja
negociação teve inicio em momento anterior ao da reunião de 22 de Março
de 2000 entre os representantes da Lusomundo e da PTM.
231. Foi a partir do financiamento que foi provisionada a conta bancária da
Hubbell, pelo valor de 313.000.000$00 (€ 1.561.237,42), conta na qual foi
integralmente debitado o valor correspondente à aquisição das 48.000
acções FU VE da Lusomundo.
232. O arguido Luciano Patrão não contribuiu para o pagamento das acções
adquiridas pela Hubbell.
233. O investimento foi efectuado em 30 e 31 de Março de 2000, em virtude
de só nesta data o arguido João Martins ter podido dispor do financiamento
que solicitou para o efeito e de só em data imediatamente anterior ter em
seu poder a procuração da Hubbell que o habilitava a agir em nome e
representação desta.
234. Os três cheques emitidos pelo arguido Luciano Patrão têm data
subsequente à da aquisição dos títulos: um é de 3 de Abril de 2000 e dois
deles são mesmo emitidos na data da ordem de venda das acções, a 4 de
Abril de 2000.
235. Todos aqueles cheques foram depositados em contas junto do Banco
Totta & Açores e os respectivos valores disponibilizados em conta,
respectivamente, em 5 de Abril (no caso de dois deles) e 7 de Abril de 2000
(no caso do terceiro).
236. Ainda que a liquidação efectiva das aquisições em bolsa se faça no
terceiro dia útil posterior ao da ordem de compra, tal significa que as ordens
de compra de 30 e de 31 de Março foram efectivamente debitadas em conta
a 4 e 5 de Abril de 2000, respectivamente.
237. Dos valores depositados no Banco Totta, o arguido João Martins viria a
transferir, para um depósito especial no Barclays, o valor de 12.500.000$00
(€ 62.349,74), o qual foi creditado com data-valor de 7 de Abril de 2000.
238. O montante total dos três cheques, 18.000.000$00 (€ 89783,62), não
estava disponível ao tempo da liquidação efectiva das ordens de compra dos
títulos, datadas de 30 e 31 de Março de 2000, o que revela que o arguido
Luciano Patrão não contribuiu para o financiamento da sua aquisição.
239. A primeira ordem de compra do dia 28 de Março é dada pela arguida
Helena Martins às 10 horas e 50 minutos junto do Banco Santander.
240. Esta ordem de bolsa é dada 50 minutos após o início da reunião do
Conselho de Administração da PTM, realizado a 28 de Março de 2000, que
teve início às 10 horas.
241. Àquela hora nem sequer deveria ainda ter sido tomada qualquer
deliberação acerca da Lusomundo, assunto que correspondia ao quarto
ponto da ordem de trabalhos da reunião.
242. No dia 28 de Março de 2000 era já firme a intenção do arguido João
Martins proceder à aquisição de acções preferenciais sem voto da
Lusomundo, o que desde logo fez socorrendo-se dos valores que para o
efeito tinha disponíveis.
243. O arguido sempre desenvolveu e desenvolve presentemente, com
carácter regular, operações pessoais de investimento no mercado de
capitais, aplicando valores similares e por vezes superiores aos descritos
nos presentes autos.
244. E fê-lo, até 2006, com recurso à Hubbell que utilizou como sociedade
veículo de tais investimentos, tendo, nesse ano, decidido desactivar aquela
sociedade.
245. O investimento em acções da Lusomundo, em apreço nos presentes
autos, não foi nem o primeiro nem o último dos investimentos feitos em bolsa
pelo arguido João Martins.
246. A arguida Helena Martins foi alheia à decisão de investimento na
Lusomundo, tendo apenas assinado alguns documentos bancários, por ser
co-titular de contas bancárias do arguido João Martins e procuradora da
Hubbell, agindo sempre de acordo com as suas instruções e somente
quanto este se encontrava impossibilitado de o fazer.
247. A 28 de Março de 2000 não havia qualquer certeza quanto ao sucesso
das negociações, que prosseguiam e não estavam fechadas ou à beira de
conclusão, nem quanto à efectiva concretização da OPA.
248. O lançamento da OPA ainda estava dependente da celebração de um
acordo de cooperação, o qual só foi concluído em 2 de Abril de 2000 e
assinado no dia seguinte.
249. Não era a mera assinatura das partes o que faltava a 28 de Março de
2000.
d) Factos provados da contestação da arguida Helena Martins
250. A ora Arguida, pese embora tenha formação superior em economia,
não possui quaisquer conhecimentos ou experiência na área do mercado de
capitais.
251. A arguida exerce a sua actividade profissional no âmbito da saúde,
como técnica superior no Departamento de Gestão Financeira do IGIF –
Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, tendo estado na
situação de licença sem vencimento de longa duração entre à data dos
factos.
252. Por essa razão, nos factos em apreço nos presentes autos não tomou
quaisquer decisões, limitando-se a praticar os actos descritos e em que teve
intervenção a pedido de seu marido.
253. O que estava legitimada a fazer porquanto era co-titular de contas
bancárias e procuradora da sociedade Hubbell.
254. Em tudo o mais limitou-se a executar as instruções que seu marido lhe
transmitiu, agindo em conformidade com as mesmas, sempre que este
esteve impossibilitado de as executar pessoalmente.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
a) Factos não provados da pronúncia
1. Luciano Patrão e João Martins conhecem-se desde o tempo em que
ambos frequentavam a universidade.
2. Os arguidos Luciano Patrão e João Martins são visita de casa um do
outro.
3. A reunião de 22 de Março de 2000 destinou-se a discutir a aquisição de
acções da Lusomundo pela PTM e as respectivas condições.
4. Após esta reunião, não ocorreu nenhuma outra até 28 de Março de 2000.
5. O arguido Luciano Patrão soube da deliberação do Conselho de
Administração da PTM no sentido do lançamento da OPA pela PTM sobre
acções da Lusomundo e, por isso, ficou bem ciente naquela data de que era
firme este projecto.
6. Ficou também ciente naquela data de que o preço que a PTM iria pagar
por cada acção seria superior à respectiva cotação no mercado.
7. O arguido Luciano Patrão tinha conhecimento de que nesta negociação,
além da OPA, era necessário chegar a um acordo de cooperação entre as
duas sociedades, lateral ao lançamento da OPA, por há data haver planos
da PTM para o futuro da Lusomundo.
8. Soube que, ao mesmo tempo que deliberou lançar a OPA, a PTM tinha já
um entendimento firme com a Lusomundo sobre o acordo de cooperação
que, todavia, na data daquela deliberação, não estava ainda assinado.
9. Em circunstâncias que não foram apuradas, Luciano Patrão deu a
conhecer a João Martins e Helena Martins a existência dos preparativos
desta OPA.
10. Tal terá acontecido, mas foi seguramente em data anterior a 28 de
Março de 2000.
11. Os arguidos João Martins e Helena Martins, sabedores de que ia ser
lançada uma OPA, perceberam que quem detivesse acções da Lusomundo
na data em que fosse anunciado aquele lançamento poderia vir a ganhar
muito dinheiro com a venda das acções após este anúncio.
12. Porém, veio a dizer-lhes que, pelo menos a partir da deliberação da
Administração da PTM, a 28 de Março de 2000, já era certo, por ter sido
acordado entre a PTM e a Lusomundo, que o preço a pagar pelas acções
ordinárias (FLU AP) seria o dobro do preço a pagar pelas acções
preferenciais sem voto (FLU VE).
13. Esta relação de preço, que fazia equivaler o valor de duas acções FLU
VE a uma acção FLU AP, fora acertada pelas duas sociedades em função
da reestruturação empresarial e estatutária que a PTM pretendia fazer à
Lusomundo.
14. A arguida Helena Martins conhecia, por ser do conhecimento público, as
cotações das acções FLU AP.
15. A arguida Helena Martins apercebeu-se de que as cotações vinham
subindo de forma regular e sustentada, pelo menos desde havia duas
semanas.
16. A arguida Helena Martins veio a verificar também que a 28 de Março de
2000 as cotações subiram bastante, fechando a € 75 e que nos dias que se
seguiram e que antecederam o anúncio público da OPA a cotação de fecho
veio a subir mais, até atingir € 79,95, a 31 de Março.
17. Os arguidos sabiam, pelo menos desde 28 de Março de 2000, que o
preço de contrapartida para as acções FLU VE seria metade do preço
proposto para as acções FLU AP.
18. Os arguidos João Martins e Helena Martins sabiam que para a OPA ser
bem sucedida a PTM que oferecer uma contrapartida pelo menos igual
(senão superior) ao preço das acções em bolsa.
19. Por isso, logo a 28 de Março de 2000, facilmente concluíram que o preço
da contrapartida para as acções FLU VE seria seguramente de pelo menos
€ 37,50, correspondente a metade de € 75 (que foi o preço de fecho desse
dia).
20. Nos dias que se seguiram, vieram a concluir que, em virtude da subida
das cotações das acções FLU AP, o preço mínimo da contrapartida para as
acções FLU VE seria de, pelo menos, € 40.
21. A arguida Helena Martins também sabia que, no dia 27 de Março de
2000, o preço das acções FLU VE tinha oscilado entre os € 30 e os € 32 e
que, a 28 Março de 2000, oscilou entre € 32 e € 34.
22. Os arguidos estavam cientes de que as acções eram transaccionadas
em bolsa a valores bastante inferiores ao valor que seguramente iria ser
pago como contrapartida na OPA, valor esse que, como se disse, não
obstante não conhecerem, sabiam ser previsivelmente de € 37,50 a € 40.
23. Em data anterior a 30 de Março de 2000 os três arguidos decidiram
conjuntamente comprar uma grande quantidade de acções FLU VE.
24. Iriam fazê-lo de imediato, antes do previsto anúncio da OPA, altura em
que este negócio ainda era secreto.
25. Planearam comprar essas acções para as vender logo de seguida,
quando fosse anunciada publicamente a OPA, altura em que com toda a
probabilidade o preço das acções subiria pelo menos até ao preço proposto
como contrapartida pela PTM.
26. Combinaram que a cargo de todos os arguidos ficava angariar recursos
financeiros para pagar as compras e que os lucros que obtivessem no
negócio seriam entre eles repartidos, sendo 45% dos mesmos para Luciano
Patrão e 55% para João Martins e Helena Martins.
27. Uma vez que eram do conhecimento público as ligações de Luciano
Patrão à Lusomundo, ficou a cargo de João Martins e Helena Martins
proceder às compras em bolsa e aos pagamentos inerentes.
28. Decidiram ainda todos os arguidos, em conjunto, que estes negócios de
bolsa não iriam ser efectuados por nenhum deles, a título pessoal,
acordando que o seriam por uma sociedade com sede numa jurisdição off-
shore, de modo a não ser conhecida a verdadeira identidade dos respectivos
comitentes.
29. Vieram a acordar que os negócios seriam efectuados pela Hubbell.
30. A arguida Helena Martins deu as ordens de bolsa para aquisição de
acções preferenciais sem voto da Lusomundo ao Barclays Bank em
execução do plano entre todos os arguidos combinado.
31. A 30 de Março de 2000, por telefone, Helena Martins, deu ao Barclays
Bank, agência da Avenida da República, em Lisboa, diversas ordens de
compra de pequenas quantidades de acções FLU VE.
32. O mesmo aconteceu no dia seguinte, 31 de Março, durante o qual
Helena Martins deu ordem de compra de 25.150 acções FLU VE.
33. Para a liquidação financeira da compra das 48.000 acções FLU VE, os
arguidos reuniram fundos, como estava acordado.
34. Os arguidos reuniram fundos que fizeram movimentar de Lisboa para
Gibraltar e de novo para Lisboa para esconder a verdadeira origem do
dinheiro utilizado para liquidar as compras das acções FLU VE.
35. Pretendiam os arguidos com os movimentos bancários relativos à
reunião de fundos para compra das acções que, numa eventual investigação
destas operações, não fosse descoberta a origem de dinheiro e a verdadeira
identidade dos seus donos.
36. Foi com o intuito de ocultar a origem do dinheiro e a verdadeira
identidade dos seus donos que foi reunido capital na já referida conta à
ordem número 701/203502407 titulada por João Martins e Helena Martins na
agência do Barclays Bank, na Avenida da República, em Lisboa.
37. Na forma de obtenção de fundos para o negócio, João e Helena Martins,
por um lado e Luciano Patrão, por outro, procederam de forma diferente.
38. O arguido Luciano Patrão preferiu, para financiar a aquisição das acções
Lusomundo, por um lado mobilizar dinheiro seu e por outro, pedir dinheiro
emprestado a familiares.
39. João Martins procedeu ao pagamento a Luciano Patrão das quantias por
ele reunidas para financiar a operação.
40. Pagou-lhe ainda cerca de metade (45%) das mais valias resultante deste
negócio.
41. O arguido João Martins emitiu cheques seus directamente destinados a
devolver a Luciano Patrão os financiamentos que este obtivera para pagar
as compras de acções FLU VE.
42. O arguido João Martins emitiu sobre a conta n.º 701/203502407 do
Barclays Bank, titulada por ele e por Helena Martins, o cheque, com o n.º
2112808834, datado de 13 de Abril de 2000, no valor de 31.000.000$00,
tendo em vista pagar ao arguido Luciano Patrão sua parte nas mais valias
obtidas.
43. Os três cheques emitidos sobre a conta do Banco Totta & Açores no
valor global de 31.044.000$00 destinavam-se a entregar a Luciano Patrão as
mais valias que lhe correspondiam em resultado dos negócios de bolsa que
se descreveram.
44. O valor global destes cheques era de exactamente 45% das mais valias
obtidas pela Hubbell com a venda das acções FLU VE que acima se
descreveu.
45. A arguida Helena Martins decidiu ainda comprar outras acções em seu
nome.
46. A arguida Helena Martins decidiu comprar acções da Lusomundo ainda
antes da realização das compras pela Hubbell.
47. Ao dar a conhecer a João Martins e Helena Martins o processo de
negociação que decorria entre a Lusomundo e a PTM, tendo em vista o
lançamento de uma OPA desta última sobre o capital daquela e a posterior
deliberação do Conselho de Administração da PTM nesse sentido, Luciano
Patrão sabia que estava a informá-los de factos que conhecia em razão das
suas funções de administrador da Lusomundo e por ter tido intervenção
naquele processo de negociação.
48. Todos os arguidos sabiam que estes factos, que eram concretos e
rigorosos – e portanto precisos – eram confidenciais.
49. Sabiam também que se fossem divulgados, tais factos iriam provocar
uma imediata subida das cotações das acções emitidas pela Lusomundo.
50. Estavam portanto bem cientes de que a informação que este lhes deu a
conhecer provinha de um administrador de uma sociedade cujo capital social
estava admitido à cotação em bolsa.
51. Os arguidos decidiram comprar em bolsa uma grande quantidade de
acções FLU VE porque a respectiva cotação era inferior ao valor que sabiam
que viria a ser oferecido por elas na OPA, a qual sabiam ir ser anunciada.
52. Acordaram entre todos comprar aquelas acções porque sabiam que iria
ser publicamente anunciada uma OPA sobre as mesmas e em consequência
desse anúncio, a sua cotação em bolsa iria seguramente subir até ao valor
da respectiva contrapartida.
53. O mesmo aconteceu com João Martins e Helena Martins quanto às
acções que decidiram comprar por conta própria, à margem do que tinham
acordado com Luciano Patrão.
54. O arguido Luciano Patrão pretendia com estes negócios de bolsa ganhar
dinheiro através da compra de acções FLU VE e da sua posterior venda.
55. Os arguidos sabiam que estavam a ganhar dinheiro com a compra e
posterior venda das acções na posse de informações que outros
investidores que eventualmente viessem a comprar ou vender aquelas
acções não tinham.
56. Os arguidos sabiam que as suas actuações eram ilícitas e punidas por
lei.
b) Factos não provados da contestação do arguido Luciano
Patrão
57. Só na pendência do presente processo e por consulta ao mesmo, teve o
arguido Luciano Patrão conhecimento do teor da acta da reunião de 10 de
Março ou da decisão de OPA da PTM.
58. A decisão de aquisição e os termos desta são da exclusiva
responsabilidade do arguido João Martins.
59. Os fluxos monetários recebidos do arguido João Martins têm que ver
com uma operação de índole imobiliária e não com a partilha de receitas de
vendas de acções.
c) Factos não provados da contestação do arguido João Martins
60. Foi sugerida ao arguido João Martins pelo seu gestor de conta a
obtenção de financiamento para aquisição de valores mobiliários na
modalidade de conta corrente caucionada (em que a carteira de valores
mobiliários adquirida ao abrigo do crédito concedido serve de garantia da
dívida).
61. Foi o próprio Banco a sugerir ao arguido João Martins a constituição de
uma sociedade veículo para a realização de investimentos.
62. O arguido João Martins efectuou, pelo menos, três reuniões no Barclays,
em 15, 21 e 29 de Março de 2000, de forma a obter esse financiamento
adicional, o qual só ficou garantido nessa última reunião.
63. Por outro lado, só em 28 ou 29 de Março de 2000 o arguido João Martins
recebeu todos os documentos referentes à Hubbell.
64. A decisão de investimento em acções preferenciais sem voto da
Lusomundo foi tomada pelo arguido João Martins exclusivamente com base
na sua análise da evolução dos títulos e do mercado, fundada em
informação pública e assente na sua própria experiência profissional, nada
tendo a ver com informação que lhe tivesse sido transmitida pelo arguido
Luciano Patrão, nada tendo a ver com informação que lhe tivesse sido
transmitida pelo arguido Luciano Patrão.
65. Antes de 2 de Abril de 2000, a única reunião entre representantes da
Lusomundo e da PTM foi a de 22 de Março de 2000, e, portanto, a única em
que, antes daquela data, esteve presente o arguido Luciano Patrão.
66. Só a 2 de Abril de 2000 teve lugar nova reunião entre representantes da
Lusomundo e da PTM, para ―ajuste final do acordo‖.
67. Entre 22 de Março de 2000 e 3 de Abril do mesmo ano não tiveram lugar
quaisquer encontros entre representantes da Lusomundo e da PTM.
68. Não há, igualmente, durante esse lapso de tempo, vestígio de contactos,
ainda que informais, entre representantes de ambas as sociedades.
69. Na reunião havida a 22 de Março de 2000 apenas se ―abordaram
hipóteses de negociação‖.
70. Os cheques em causa nos presentes autos respeitam a um concreto
negócio, efectuado entre os arguidos João Martins e Luciano Patrão,
negócio esse que releva de uma situação do foro pessoal deste último.
71. O arguido João Martins decidiu fazer o investimento em causa sem
dispor de qualquer informação privilegiada.
d) Factos não provados da contestação da arguida Helena
Martins
72. A arguida Helena Martins nunca tomou conhecimento, através do
arguido Luciano Patrão ou de qualquer outra pessoa, de informação
relacionada com o processo negocial que precedeu a OPA lançada pela
PTM sobre a Lusomundo, em 4 de Abril de 2000.
73. Como igualmente nunca tomou, com base em tal pretensa informação –
que nunca lhe foi transmitida e de que nunca dispôs –a decisão de adquirir
acções preferenciais sem voto da Lusomundo quer para si/ quer em nome
de outrem, designadamente o arguido Luciano Patrão.
3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O tribunal fundou a sua convicção, no essencial, na análise crítica de
toda a prova produzida e examinada em audiência e ainda na prova
constante do processo, tendo a mesma sido ponderada à luz das regras da
experiência comum e tendo sempre presente o princípio da presunção de
inocência dos arguidos.
Assim, grande parte da matéria considerada provada deveu-se ao
teor dos documentos juntos aos autos e seus anexos, documentos esses
que comprovam tais factos e não foram postos em causa (com excepção
dos documentos juntos pelos arguidos na penúltima sessão de julgamento)
por nenhum dos intervenientes processuais, ou seja, todos os documentos
juntos aos autos pelo Ministério Público não foram postos em crise pelos
arguidos que, aliás, deles se socorreram para a sua defesa, assim como o
Ministério Público (com excepção dos já indicados) não colocou em crise os
documentos juntos pela defesa.
Nomeadamente, foram considerados provados através dos
documentos juntos aos autos os seguintes factos elencados nos Factos
Provados:
- n.ºs 1 e 2 com base nos documentos juntos aos autos pela CMVM
que comprovam a existência da Lusomundo, sua cotação em Bolsa à data
dos factos e tipos de acções admitidas, factos estes também confirmados
pelas testemunhas Pedro Fragoso Lopes Wilton Pereira, José Pedro
Fazenda Martins, António Carlos Nunes Gageiro, Cristina Dulce Matos
Rodrigues Dias e José Jorge Alves dos Santos, todos eles exercendo
funções à data dos factos na CMVM.
- n.º 3 com base também nos elementos recolhidos pela CMVM na
investigação, sendo certo que também as testemunhas inquiridas, em
especial Jaime Luciano Marques Batista da Costa, responsável pela área
financeira da Lusomundo à data dos factos, e Luís Augusto da Silva, CEO
da Lusomundo à data.
- n.ºs 4, 7, 8, 11 a 13, 22 a 24, 65 a 78, 80 a 83, 87 a 112, 117, 123,
126, 127, 173 a 175, 234, 235 e 237 com base nos elementos remetidos e
juntos aos autos pelas instituições bancárias a que respeitam,
nomeadamente contratos de abertura de contas e de crédito, cópias dos
cheques, cópias dos talões de depósitos, cópia de ordens de transferência,
documentos estes exaustivamente examinados em audiência e confirmado o
respectivo teor pelas testemunhas que exerciam funções na CMVM à data
dos factos e que procederam à recolha da grande maioria de tais elementos
de prova.
- n.ºs 5 e 6 com base na certidão remetida pela competente
Conservatória do Registo Comercial junta aos autos e referente à sociedade
Lupageste.
- n.ºs 9 e 10 com base na certidão do assento de casamento dos
arguidos e na certidão do assento de nascimento do filho de ambos, João
Pedro Martins e que, atendendo à sua idade à data dos factos e o facto de
estar sempre mencionado nos elementos bancários que o mesmo é
estudante, se verifica plausível que o mesmo era estudante à data.
- n.ºs 14 a 17, 19, 21 e 25 com base na documentação relativa à
sociedade em causa, a Hubbell, junta no apenso 2, nomeadamente a
procuração, registo e contrato.
- n.ºs 28, 33, 34 e 228 com base na cópia do anúncio da OPA junto
aos autos, assim como na cópia da Acta da Assembleia da PTM ocorrida a
28 de Março de 2000 e cujo teor foi confirmado pelos respectivos
participantes (cujas identificações constam da mesma) que foram inquiridos,
em especial Eduardo Augusto Marques Henriques Martins, Presidente da
Assembleia da PTM à data dos factos.
- n.ºs 42 a 44, 53 a 64, 79, 113 a 122, 124 a 126, 128, 137 a 139, 156,
158 a 160, 166, 167, 199 a 203, 216, 229, 239, 240, com base em toda a
documentação colidida pela CMVM no decurso da investigação
relativamente às cotações das acções, bem como compras e vendas por
parte de Hubbell e dos arguidos João e Helena Martins. Também foram
valorados os documentos juntos pelos arguidos, em especial o arguido João
Martins, em sede de instrução, documentos estes também relativos ao
mesmo núcleo de factos. Todos eles, conjugados com a restante
documentação, em especial bancária, confirmam as transacções efectuadas,
respectivos valores e mais valias obtidas (de resto, não postas em causa
pelos arguidos em sede de contestação).
- n.ºs 132, 133, 207 a 214 com base nas cópias das notícias que
foram juntas aos autos não só no decurso da investigação como igualmente
pelos arguidos em sede de instrução.
- n.ºs 191 a 197e 219 (apenas quanto ao conteúdos dos ―research‖)
com base no teor dos ―research‖ juntos aos autos pelo arguido João Martins.
A resposta aos Factos Provados n.ºs 18 e 20 deveu-se ao facto de os
arguidos não terem posto em causa a natureza da Hubbell como sociedade
off shore, natureza esta, aliás, confirmada pela testemunha Rui Bolsa, gestor
de conta dos arguidos João e Helena Martins e que confirmou tais factos.
Ora, é do conhecimento geral quais as finalidades deste tipo de sociedade
que, além da optimização fiscal, também permitem a ocultação dos negócios
dos seus beneficiários (questão diversa é se, no caso presente, tal foi a
intenção dos arguidos, ou seja, se os arguidos pretenderam ocultar-se
através da off shore, aspecto que analisaremos mais adiante).
No que respeita aos Factos Provados e Não Provados relativos ao
relacionamento entre os arguidos (Factos provados n.ºs 26, 27 e 129 e
Factos não provados n.ºs 1 e 2), o tribunal valorou as declarações das
testemunhas Jaime Rodrigues Antunes e Franquelin Garcia Alves, que
conhecem os arguidos e, em virtude de tais relações, demonstraram
conhecimento directo dos factos.
Também o tribunal valorou o facto de os arguidos terem apresentado
em audiência (constando também das respectivas contestações)
documentos relativos a um negócio que justificaria o fluxo monetário havido
entre ambos. De tais documentos, assim como do facto de, entre os
arguidos ter existido tal troca de quantias, se constata que os mesmos se
conheciam e seriam amigos próximos. Na verdade, dos documentos juntos
(um contrato promessa de compra e venda com procuração irrevogável
passada pelo promitente vendedor a favor do promitente comprador
conferindo poderes para outorgar a respectiva escritura pública
inclusivamente a favor de um terceiro), parece resultar existir entre os
arguidos um elevado nível de confiança. Independentemente de se
considerar que existiu real negócio entre os arguidos que motivou a troca de
quantias monetárias, trata-se de uma actuação que demonstra a existência
de um claro clima de confiança mútua entre os arguidos.
Daqui se retira, então, que os arguidos são amigos próximos e,
logicamente, conhecem as respectivas actividades profissionais, tanto mais
que são semelhantes e dentro do mesmo meio profissional, que é restrito.
De todo o modo, não foi feita qualquer prova de que os arguidos se
conheciam desde os tempos de faculdade, sendo certo que o pai do arguido
Luciano Patrão até afirmou que a amizade entre os arguidos seria recente,
não dos tempos de faculdade.
Quanto aos Factos Provados sob os n.ºs 85, 86, 87 e parte do 106, o
tribunal valorou o depoimento credível da testemunha Luciano Santos
Patrão, pai do arguido Luciano Patrão, conjugado com as cópias dos
cheques e elementos bancários.
No que concerne aos Factos Provados e Não Provados relativos às
negociações entre a Lusomundo e a PTM, papel, conhecimento e
participação do arguido Luciano Patrão nas mesmas (Factos provados sob
os n.ºs 29 a 32, 35 a 39, 41, 45, 50, 135, 140 a 155, 165, 247 a 249 e Factos
não provados sob os n.ºs 3 a 8, 17, 57, 65 a 69) o tribunal tomou
especialmente em consideração os depoimentos das testemunhas que
estiveram presentes ou de alguma forma tiveram participação directa nas
negociações, sua conclusão e celebração do acordo, a saber:
- Luís Augusto da Silva (também referenciado nos autos como Tenente-
Coronel Luís Silva), à data CEO da Lusomundo;
- Manuel Francisco Rosa da Silva, à data director de Novos Negócios da
PTM;
- Jaime Luciano Marques Baptista da Costa; à data responsável pela
área financeira da Lusomundo;
- Eduardo Augusto Marques Henriques Martins, à data Presidente do
Conselho de Administração da PTM.
- Zeinal Abedin Mahomed Bava, à data administrador executivo da
PTM.
Quanto aos depoimentos das testemunhas da CMVM relativamente a
tal matéria (Pedro Fragoso Lopes Wilton Pereira, José Pedro Fazenda
Martins, António Carlos Nunes Gageiro, Cristina Dulce Matos Rodrigues
Dias e José Jorge Alves dos Santos), os mesmos não assumem grande
relevância na medida em que não assistiram às negociações, resultando
evidente que as declarações de tais testemunhas, quanto a este núcleo de
factos, apenas se baseia nos elementos que estão no processo, sendo um
conhecimento indirecto e, na sua totalidade, fundado na interpretação que
dão a tais elementos.
Todas as testemunhas em causa atestaram que o arguido Luciano
Patrão tomou parte activa nas negociações, nomeadamente o Tenente-
Coronel Luís Silva afirmou que aquele foi uma peça essencial nas mesmas.
Ora, atendendo à participação do arguido Luciano Patrão nas negociações,
forçoso é concluir que o mesmo teve sempre conhecimento do conteúdo das
mesmas e em primeira linha.
Assim, tomando como ponto de partida o cronograma apresentado
pela PTM a pedido da CMVM e que consta a fls. 39 do Apenso 1, temos
que:
- A 22 de Março teve lugar uma reunião entre Zeinal Bava e Manuel
Rosa da Silva pela PTM e o arguido Luciano Patrão e Jaime Baptista da
Costa por parte da Lusomundo, onde se abordaram hipóteses de
negociação, com conhecimento a Eduardo Martins e Tenente-Coronel Luís
Silva.
- 24 de Março existiu um contacto entre Zeinal Bava, Manuel Rosa da
Silva e Diogo Rocha para estudo e elaboração de modelo contratual.
- 28 de Março teve lugar a deliberação do Conselho de Administração
da PTM (que consta no n.º 33 dos Factos Provados).
- 29 de Março teve lugar uma reunião entre Zeinal Bava, Manuel Rosa
da Silva e Diogo Rocha para apreciação da primeira versão do modelo
contratual.
- 31 de Março teve lugar uma reunião, com conhecimento de Eduardo
Martins, entre Zeinal Bava e Diogo Rocha para apreciação da segunda
versão do modelo contratual, cujo teor foi dado a conhecer ao Dr. Murteira
Nabo (à data Presidente da Portugal Telecom).
- 1 de Abril teve lugar uma reunião entre Zeinal Bava, Manuel Rosa da
Silva e Diogo Rocha para ajuste do clausulado.
- 2 de Abril teve lugar uma reunião final entre a Portugal Telecom, a
PTM e a Lusomundo para ajuste final do acordo.
- 3 de Abril foi assinado o contrato.
De referir que o presente cronograma não deverá ser entendido em
termos absolutos, ou seja, não deve ser retirada a conclusão, a partir deste
cronograma, de que as negociações foram levadas a cabo apenas através
dos actos aí descritos. Na verdade, atendendo ao tipo de negociações em
causa, com toda a certeza existiram muitos mais contactos entre as partes
que não se mostram reflectidos em tal cronograma pois, por um lado, resulta
claro do mesmo que apenas se atendeu à posição da PTM em tal
negociação (o que faz sentido na medida em que o cronograma foi pedido à
PTM, logo reflecte o papel e actividade desta nas negociações. Teria sido
relevante para a análise das negociações a solicitação de cronograma à
Lusomundo, o que permitiria um cruzamento de dados. Contudo, tal não foi
feito e em sede de julgamento já não fazia sentido solicitar tal informação
face ao tempo entretanto decorrido). Por outro lado, também resultou das
declarações da testemunha Eduardo Martins que o cronograma não reflecte
com precisão a negociação na medida em que tal testemunha confirmou que
a elaboração do mesmo não obedeceu a um rigor extremo. Acresce ainda
que, conforme referiu a testemunha Jaime Batista da Costa, na semana
anterior à assinatura do acordo e lançamento da OPA existiram reuniões
diárias entre os negociadores.
Assim sendo, o cronograma deverá ser apenas atendido como ponto
de partida para a reconstrução da evolução das negociações, razão pela
qual não se atendeu exclusivamente a ele na fixação dos factos provados e
não provados. Ora, como ponto de partida temos que, conjugando o
cronograma com o teor da deliberação do Conselho de Administração da
PTM de 28 de Março, apenas existe uma referência expressa à preparação
de uma OPA a partir dessa mesma data, ou seja, o dia 28 de Março. Até
então nenhuma referência é feita no cronograma a tal, sendo certo que
também dos depoimentos das testemunhas acima indicadas não resultou
claro qual a data certa em que o acordo delineado passou a incluir a
existência de uma OPA.
Na verdade, as testemunhas não foram claras e precisas quanto a tal
informação, nomeadamente Luís Augusto da Silva não foi rigoroso,
afirmando que a inclusão da OPA no desenho do acordo terá sido na
semana de 20 a 25 de Março, ou Manuel Rosa da Silva que afirmou que
teve contactos com os negociadores da Lusomundo relativamente à OPA e
durante o mês de Março, não sabendo precisar que data, mas afirmando
que o tempo que tais negociações demoram pode variar muito e até durar
até apenas 24 horas.
De notar que, conforme resultou claro do depoimento das
testemunhas assim como resulta do teor do acordo de cooperação firmado
entre a PTM e a Lusomundo, as negociações não visavam a OPA como
objectivo único e final, mas sim tinham como finalidade obter um acordo de
cooperação entre a PTM e a Lusomundo, na medida em que aquela
pretendia, para a prossecução dos seus objectivos, uma parceria com uma
empresa de ―conteúdos‖ (aliás, conforme Eduardo Martins, Presidente da
PTM naquela data, afirmou, a PTM estava igualmente em negociações com
a SIC, que não resultaram em qualquer acordo por ter sido decidida a
cooperação com a Lusomundo).
Como tal, porque a OPA não era propriamente o objectivo mas sim
um ponto do acordo (importante mas não imprescindível pois a PTM não
estava obrigada ao lançamento da OPA), dificilmente se poderá falar que
nas negociações que decorreram sempre se discutiu a OPA ou que estava
em discussão a OPA mas também um acordo de cooperação. O que
efectivamente estava em discussão era um acordo de cooperação em que, a
final, um dos seus pontos essenciais foi o lançamento de uma OPA.
Contudo, é possível concluir que, pelo menos a partir do dia 28 de
Março, o acordo de cooperação que se encontrava em negociação incluía o
lançamento da OPA sobre parte das acções ordinárias e a totalidade das
acções preferenciais sem voto. Isto porque, pese embora a deliberação da
PTM ter sido tomada sem a presença dos representantes da Lusomundo
(por isso lhes era desconhecida, sendo certo que também nenhuma prova
se fez de tal conhecimento naquele mesmo dia), é por demais lógico que a
PTM só iria deliberar sobre tal matéria a partir do momento em que já estava
delineado um acordo entre ambas as empresas.
Porém, isto não quer dizer que, a partir de tal data, era certo que o
acordo se iria realizar com toda a certeza. Na verdade, diversos factos
apontam para que, em tal data, ainda não existiam certezas quanto à
efectiva celebração do acordo entre a PTM e a Lusomundo e consequente
OPA.
Em primeiro lugar, se atendermos ao cronograma e às declarações de
Eduardo Martins, verificamos que, mesmo da parte da PTM, as certezas só
ocorreram, pelo menos, a partir de 31 de Março, data em que o projecto do
acordo foi dado a conhecer ao Presidente da Portugal Telecom, Dr. Murteira
Nabo. Conforme declarou Eduardo Martins, a PTM, em caso de decisões
chave obtinha o aval da Portugal Telecom e do seu Presidente, pelo que
antes de este acordar no projecto não é possível afirmar que o acordo e a
OPA se iriam realizar com toda a certeza.
Em segundo lugar, também Eduardo Martins afirmou que a frente
negocial com a SIC (que, caso fosse a avante, impediria qualquer acordo
com a Lusomundo, conforme o mesmo afirmou) apenas ficou encerrada
naquele fim-de-semana (em noite de Globos de Ouro), ou seja, após 31 de
Março.
Em terceiro lugar e por seu lado, o Tenente-Coronel Luís Silva
afirmou que apenas decidiu pela PTM em detrimento da parceria com o
BCP/EDP (com quem se encontrava igualmente a negociar) no dia 1 de
Abril. Ora, se atendermos à personalidade deste, cuja assertividade ficou
bem evidente nas suas declarações, é perfeitamente plausível concluir que,
sem a palavra final do Tenente-Coronel Luís Silva não existiriam certezas
quanto à parte com a qual a Lusomundo iria celebrar acordo.
Assim, temos que não é de todo possível determinar a partir de que
data as negociações incluíam o lançamento da OPA, apenas tendo como
referência o dia 28 de Março como sendo a data em que tal lançamento
passou a ser um dos pontos do acordo face ao teor da deliberação. Mas,
mesmo assim, subsistem algumas dúvidas pois sempre se pode colocar a
hipótese de que a deliberação em causa não reflecte algo que já era objecto
de negociação com a Lusomundo, mas sim que se trata da aprovação de
uma proposta a apresentar (então, nesse caso, a 28 de Março os
representantes da Lusomundo desconheciam a intenção da PTM em lançar
a OPA). Porém o lançamento da OPA já estaria a ser discutido naquele fim-
de-semana anterior ao respectivo anúncio, pois foi a altura em que foi
apresentado o texto do acordo e sua assinatura.
Quanto aos termos da OPA, verificou-se que ninguém declarou que,
logo a 28 de Março, a PTM estabeleceu a paridade de dois para um no
preço da OPA. Tal paridade era a existente no próprio mercado há meses,
logo poderia ser um facto a concluir do próprio comportamento do mercado e
não necessariamente por ter sido fixado como uma das condições da OPA.
De resto, nada impedia a PTM de determinar outros termos relativamente à
paridade do preço dos dois tipos de acções, nomeadamente até no aumento
do valor a pagar pelas acções especiais sem voto por forma a garantir a
aquisição da sua totalidade atendendo a que tal era um dos termos da OPA.
Mesmo que se considere que os arguidos conheciam da OPA, os
factos constantes da pronúncia apenas fariam sentido se os arguidos
soubessem a data precisa do lançamento da OPA. Face às flutuações das
acções apenas seria possível retirar as conclusões referidas na pronúncia
quanto ao preço da OPA se se tivesse a certeza de que a OPA seria lançada
mesmo após o dia 28 de Março. Ora, em nenhum lado se afirma que os
arguidos sabiam a data do lançamento da OPA, mas apenas que ela seria
lançada em breve.
Aliás, o próprio Tenente-Coronel Luís Silva referiu nas suas
declarações que o preço da OPA foi formado com base no mercado, pelo
que sempre teria que reflectir a paridade já existente.
Quanto ao momento temporal em que nas negociações se tratou da
OPA e seus termos, verifica-se que terão ocorrido muito próximo da data de
assinatura do acordo e anúncio da OPA, se atendermos às declarações
prestadas pelas testemunhas, que referiram tratar-se de uma negociação
rápida, nomeadamente Jaime Batista da Costa referiu que as negociações
demoraram cerca de 3 a 4 dias, em que o último tema de negociação foi o
preço da OPA, dado este que não era essencial para a Lusomundo e seus
accionistas de referência pois a OPA não visava o controlo daquela e os
accionistas de referência não iriam vender acções na OPA.
Relativamente aos Factos provados e Não Provados respeitantes à
aquisição das acções Lusomundo por parte dos arguidos João e Helena
Martins em seu nome e em nome da Hubbell, respectivo processo decisório
e execução da operação, assim como a alegada colaboração do arguido
Luciano Patrão, o tribunal considerou o seguinte:
Em primeira linha, no que a este núcleo de factos respeita, sendo
certo que aqui reside o verdadeiro objecto do processo a par com os factos
relativos às negociações, cumpre afirmar que os arguidos, por força do
princípio constitucional da presunção de inocência, não estão obrigados a
prestar declarações, não são obrigados a justificar as suas actuações ou
explicar as suas motivações, sendo certo que o seu silêncio nunca os
poderá desfavorecer.
Assim sendo, perante a não justificação por parte dos arguidos, ou
uma justificação pouco plausível, de alguns dos factos, não pode o tribunal,
sob pena de violação de tal princípio constitucional, valorar negativamente
tal atitude e daí extrair conclusões desfavoráveis à defesa.
Por isso, incumbindo à acusação provar que os arguidos agiram em
acordo e determinados pela prestação de informações por parte do arguido
Luciano Patrão, cumpre analisar os factos e prova sob esse prisma.
De todos os elementos dos autos apenas temos como factos
indicadores de que os arguidos agiram em comum acordo na aquisição das
acções o seguinte:
- a troca de quantias monetárias entre os arguidos contemporâneas
com a aquisição e venda das acções;
- a intervenção do arguido Luciano Patrão nas negociações entre a
Lusomundo e a PTM;
- a aquisição de um elevado lote de acções por parte dos arguidos
João e Helena Martins;
- a aquisição ocorrida em vésperas de OPA.
Tais factos levam, efectivamente, à suspeita de que os arguidos
agiram no uso de informação privilegiada.
Contudo, dos elementos dos autos resulta que apenas permanece a
suspeita, não sendo possível formular um juízo seguro, a partir de tais
factos, de que existiu acordo entre todos os arguidos.
Desde logo nos deparamos com dificuldade de justificar a troca das
quantias monetárias entre os arguidos como uma forma de financiamento
das aquisições ou de reforço das garantias do empréstimo contraído pelos
arguidos João e Helena Martins conforme foi em audiência declarado pelas
testemunhas da CMVM.
Na verdade, à data da compra das acções (30 e 31 de Março) os
arguidos João e Helena Martins tinham já ao seu dispor a quantia necessária
para realizar as aquisições através do empréstimo contraído, não
necessitando do financiamento adicional por parte do arguido Luciano
Patrão no valor de 18.000.000$00 entregue em três cheques.
Tanto assim é que os cheques em causa nem sequer contêm data de
emissão anterior à data das compras e muito menos foram depositados
anteriormente às aquisições, o que é claramente indicador de que não havia
necessidade, para financiar a aquisição, da quantia entregue pelo arguido
Luciano Patrão aos restantes arguidos. Ora, não faz sentido falar em
financiamento de uma aquisição depois de realizada a mesma, sendo por
demais evidente que não foi essa a finalidade da entrega daqueles três
cheques no montante total de 18.000.000$00.
Em audiência avançaram as testemunhas da CMVM com outra
hipótese justificativa de tal entrega, ou seja, que aquela entrega serviu para
garantir o pagamento do empréstimo porque o Barclays exigia que, no prazo
de 15 dias úteis, o arguido João Martins reforçasse as garantias prestadas
por a quantia mutuada ter ultrapassado a margem de garantia exigida pelo
banco.
Porém, não ficou demonstrado que o Barclays tenha feito,
efectivamente, tal exigência, conforme resultou das declarações das
testemunhas e João Paulo Cabral Marujo Carrapatoso e Rui Miguel Neves
do Nascimento Bolsa, ambos funcionários do Private Banking do Barclays à
data dos factos, o primeiro sendo o seu responsável e o segundo o gestor de
conta dos arguidos João e Helena Martins. Estas testemunhas afirmaram
claramente que não existia qualquer exigência de prestação de garantias
adicionais na medida em que o empréstimo estava garantido não só pela
carteira de títulos já existente como também pelas acções adquiridas através
de tal empréstimo pois, apesar de ter sido feita através da Hubbell, para o
Barclays não existiam dúvidas de que se tratava de um mero veículo de
investimento dos arguidos e não de uma terceira entidade (tal resulta
também dos elementos bancários, sendo evidente que a criação e utilização
da Hubbell foi realizada com total conhecimento e aval do banco).
Por outro lado, o documento de fls. 266 do Apenso 2 que as
testemunhas da CMVM utilizaram como justificativo para concluir pela
exigência de tal garantia não passa de um documento interno do Barclays,
facto este confirmado por Rui Bolsa, documento este que não se
consubstancia em nenhuma declaração negocial, pelo que não impõe
qualquer obrigação aos arguidos João e Helena Martins.
De qualquer forma, constata-se que, à data em que os cheques foram
depositados em conta bancária (que não foi o Barclays) dos arguidos João e
Helena Martins (4 e 6 de Abril – cfr.a fls. 316 e 319 do Apenso 2), já estes
não só haviam adquirido as acções como procediam à sua venda (a venda
da totalidade das acções ocorreu a 4 de Abril). Ora, naquela data já o
arguido João Martins sabia qual o lucro que iria obter com a venda das
acções (a OPA já tinha sido lançada) e, mesmo antes de decorridos os
referidos 15 dias úteis, o arguido teria disponível (como teve) o valor obtido
com a venda que o possibilitaria liquidar o empréstimo. Não faz, assim,
qualquer sentido que se conclua que tal entrega foi motivada pela
necessidade de reforço da garantia (tanto mais que foi depositada em conta
bancária fora do Barclays, sendo que, à data dos factos, a disponibilidade
das quantias depositadas por cheque demoravam alguns dias).
Mas também a justificação avançada pelos arguidos para a troca das
quantias monetárias entre eles também não colhe quanto a esta entrega de
três cheques no valor total de 18.000.000$00 por parte do arguido Luciano
Patrão aos restantes arguidos pois, figurando o primeiro como promitente
vendedor, não existe qualquer justificação para pagar alguma quantia ao
promitente comprador.
Concluindo, esta entrega de três cheques por parte de Luciano Patrão
não apresenta qualquer justificação plausível, ficando o tribunal na
ignorância do que sucedeu.
Já quanto ao fluxo inverso, ou seja, as quantias pagas pelos arguidos
João e Helena Martins ao arguido Luciano Patrão sempre poderiam ter como
justificação a partilha dos lucros na transacção idealizada por todos.
Contudo, não existe qualquer facto que leve à conclusão de que o acordo
entre os arguidos era no sentido de adquirir acções em conjunto e partilhar
os lucros (falecendo a hipótese de participação no financiamento por parte
do arguido Luciano Patrão não subsiste qualquer indício de que o acordo era
e compra conjunta). Perante os indícios até se poderia concluir que o
arguido Luciano Patrão apenas vendeu a informação que detinha e a
entrega das quantias por parte dos restantes arguidos consubstancia-se no
pagamento do preço. Perante esta incerteza dos termos de um possível
acordo entre os arguidos, pois os poucos factos que o indiciam não são
suficientes para concluir que existia um acordo e que acordo era esse
(repare-se que até o cálculo da quantia entregue pelos arguidos João e
Helena Martins ao arguido Luciano Patrão não corresponde aos alegados
45% dos lucros e que tal percentagem é bastante excessiva se atendermos
a que quem correria os maiores riscos sempre seriam os restantes
arguidos), não pode o tribunal considerar provado que, efectivamente, existiu
um acordo e quais os contornos do mesmo por os factos indiciários
apontarem para diversas soluções.
Por outro lado, conforme ficou explicitado aquando da análise das
negociações entre a PTM e a Lusomundo, a data em que ficou certo e
seguro de que iria haver uma OPA dificilmente seria antes das aquisições
por parte dos arguidos João e Helena Martins a 28 de Março de 2000, sendo
certo que tais aquisições ocorreram, muito provavelmente, ao mesmo tempo
em que decorria a Assembleia da PTM e na qual o arguido Luciano Patrão
não esteve presente, pois não fazia parte da mesma, se atendermos às
horas de ambas.
Ora, a aquisição das acções em 28 de Março está necessariamente
enquadrada na decisão levada a cabo pelo arguido João Martins em adquirir
acções Lusomundo, sendo absurdo considerar que esta aquisição não tem
qualquer relação com as restantes (essas, sim, realizadas em data posterior
à deliberação da PTM). Daí que se possa com certeza afirmar que a decisão
de adquirir acções Lusomundo por parte do arguido João Martins ocorreu
antes de 28 de Março, sendo certo que para tal também apontam as
declarações das testemunhas João Paulo Carrapatoso e Rui Bolsa quando
se reportaram à data em que começou a ser executada a operação de
compra (apontando a decisão para período bastante anterior).
Quanto à forma como foi montada a operação de aquisição das
acções, em especial as negociações tidas, quando decorreram, e forma
como foi obtido o financiamento, a escolha da realização do investimento
naquelas acções e através de off shore e respectiva motivação, a forma
como foi executada a operação, nomeadamente a forma das ordens de
compra, o tribunal valorou as declarações de Rui Bolsa e João Paulo
Carrapatoso, que foram essencialmente no mesmo sentido e se revelaram
credíveis e desinteressadas (apenas divergiram quanto a quem sugeriu o
empréstimo e utilização da off shore, tendo o primeiro afirmado que tal partiu
do arguido João Martins e a segunda afirmado que foi sugerido pelo Banco.
Contudo, tais factos não assumem particular relevância, sendo até provável
que tal ideia tenha partido do próprio arguido, atendendo a que o mesmo é
profundo conhecedor do meio). Também foi ponderado o teor do depoimento
das restantes testemunhas indicadas pelo arguido João Martins que o
conhecem e com algumas das quais o arguido discutiu tal investimento.
Acresce ainda que, se atendermos ao perfil de investidor do arguido
João Martins, tal como resulta não só da prova documental, como
igualmente dos testemunhos prestados em audiências (Franquelin Garcia
Alves, Valentim Cipriano Martins, Carlos Gomes Nogueira, João Paulo
Carrapatoso, Rui Bolsa, João Miguel da Silva Lourenço, Rui Alberto
Henriques de Sá e António Sarmento Gomes da Mota, todos eles
conhecedores do arguido e que, unanimemente, traçaram um perfil de
investidor idêntico), não é o seu comportamento tão anómalo como parece
numa primeira análise, sendo certo que o que chamou a atenção da CMVM
foi o facto de as aquisições terem sido realizadas por uma off shore que
nunca tinha tido intervenção na Bolsa de Lisboa, quando a compra foi feita
pelo arguido João Martins através de tal sociedade.
Na verdade, resulta dos autos prova abundante que o arguido sempre
exerceu funções nesta área, foi corretor da Bolsa de Lisboa, trabalhou para
diversas instituições financeiras ligadas ao investimento e sempre investiu
ele próprio na Bolsa de Valores de Lisboa e não só (tinha, à data dos factos,
investimentos em Bolsas estrangeiras e no mercado cambial). Também
resultou da prova produzida e junta aos autos que, à data dos factos, o
arguido não se encontrava ligado a qualquer instituição financeira (como se
verificava anteriormente e posteriormente aos factos), estando a desenvolver
projectos em regime liberal. Por isso, tinha o arguido tempo e disponibilidade
para se lançar num investimento de grande vulto como o verificado.
Também aqui releva o facto de a área onde foi realizado o
investimento por parte do arguido era muito apetecível na época conforme
referiram as testemunhas acima indicadas, bem como outras. Na verdade,
resultou mais que demonstrado da inquirição das testemunhas (inclusive da
CMVM) e dos elementos juntos aos autos que o mercado vivia um certo
período de euforia quanto às empresas da ―nova economia‖.
É certo que a aquisição em vésperas de OPA levanta suspeitas fortes,
contudo, face ao teor das negociações entre a Lusomundo e a PTM e as
datas em que decorreu a montagem da operação conforme foi explicitado
pelas testemunhas João Paulo Carrapatoso e Rui Bolsa, também aqui se
torna difícil afirmar com segurança que o arguido sabia da OPA ou, pelo
menos, que a OPA era uma realidade segura antes de o arguido decidir a
aquisição.
No que respeita à utilização da Hubbell, ao contrário do alegado pelas
testemunhas da CMVM, tal não criou grandes dificuldades à investigação.
Se atendermos ao teor do ofício que foi remetido para a autoridade de
Gibraltar, não só a CMVM já estava na posse de abundantes elementos que
ligavam a Hubbell aos arguidos João e Helena Martins (informações
prestadas pelo Barclays), como existiu um contacto prévio em que aquela
autoridade explicitou com pormenor a forma como deveria ser feita a
solicitação, o que é demonstrativo da colaboração pronta que existiu. Ao
contrário do que as testemunhas afirmaram a resposta não demorou meses,
a solicitação foi realizada em finais de Julho de 2001 e a resposta foi
remetida em princípios de Setembro do mesmo ano, ou seja, de permeio
existe um mês, Agosto, claro período de férias em que a actividade das
instituições abranda o seu ritmo.
Além disso, quando questionadas sobre os motivos porque afirmam
ser Gibraltar uma jurisdição onde é difícil obter informação, nomeadamente
qual a experiência anterior em relação a ela, nenhuma das testemunhas foi
capaz de indicar uma só vez em que tiveram dificuldades nas investigações
por causa da jurisdição de Gibraltar, apenas indicando outras que aqui não
estão em causa.
Verifica-se também dos autos (declarações da testemunha Rui
Alberto Henriques de Sá, gestor do Private Banking do Barclays de 2004 a
3006, e documentos bancários juntos aos autos) que a Hubbell foi
posteriormente utilizada pelo arguido João Martins para outros
investimentos, o que leva a concluir que a mesma não serviria só para
ocultar a identidade dos arguidos na compra das acções (nas restantes e
posteriores aquisições através da Hubbell, ao que consta, não estava em
causa o uso de informação privilegiada pelo que, se o arguido a utilizou, foi
por outro motivo).
De referir ainda que os documentos apresentados pelos arguidos
como justificativos da troca de quantias monetárias não são determinantes
para afirmar com segurança e certeza que as mesmas foram motivadas por
tal negócio. Em bom rigor, tais documentos apenas atestam que foram
emitidas aquelas declarações, mas não asseguram que, efectivamente,
existiu o pagamento do preço. É certo que são um possível justificativo, tal
como é um argumento possível o que consta da pronúncia quanto à
justificação para a troca de dinheiro, contudo, verifica-se que nenhuma das
duas é segura e convincente ao ponto de permitir o tribunal concluir que
existiu um acordo entre os arguidos para a compra das acções na posse de
informação veiculada pelo arguido Luciano Patrão sobre a existência de uma
OPA.
A verdade é que a prova produzida não foi suficiente para ultrapassar
a situação de prova indiciária, não tendo a mesma a total capacidade de
assegurar uma certeza objectiva e segura de que os factos ocorreram, na
totalidade, conforme descritos na pronúncia.
Relativamente aos restantes factos o tribunal valorou, quanto ao
comportamento do mercado na data dos factos, nomeadamente os factos
relativos ao interesse pelas empresas da chamada ―nova economia‖, as
características e comportamento das acções da Lusomundo no mercado e
todos os factos conexos com a realidade bolsista que se vivia à data, o
depoimento das testemunhas da CMVM, assim como o depoimento de
Franquelin Garcia Alves, Valentim Cipriano Martins, Carlos Gomes Nogueira,
João Paulo Carrapatoso, Rui Bolsa, João Miguel da Silva Lourenço, Rui
Alberto Henriques de Sá, Jaime Rodrigues Antunes, António Sarmento
Gomes da Mota, todas elas tendo revelado conhecimento profundo sobre os
assuntos em causa em virtude das suas actividades profissionais.
No que respeita ao conhecimento por parte dos arguidos Luciano
Patrão e João Martins da situação do mercado relativamente às acções
Lusomundo e conclusões que daí poderiam retirar, o tribunal considerou
que, quanto ao primeiro, atendendo às suas funções dentro da empresa,
naturalmente que estaria a par da situação e, quanto ao segundo, fazendo
habitualmente investimentos na Bolsa e estando a planear um investimento
nas acções Lusomundo, é natural que igualmente tivesse conhecimento da
sua situação.
Quando aos factos relativos à arguida Helena Martins, não foi
produzida prova suficiente de que tivesse a par de tudo e que também ela
tomasse decisões em conjunto com o seu marido sobre as aquisições em
causa, tendo as testemunhas Maria de Fátima da Silva Rodrigues Morais e
Matilde Pereira Gomes, amigas da arguida, referido que esta não relevava
grande interesse pelo mercado de capitais e investimentos em Bolsa, tendo
outros interesses e uma ocupação profissional diversa da tal meio, mas que
tratava de assuntos ligados a esses investimentos a solicitação do marido.
Por último, quanto a grande parte da matéria considerada não
provada o tribunal entendeu não ter sido produzida prova suficiente sobre a
mesma, assim como parte dela estar em contradição com factos
considerados provados.
A matéria alegada e não considerada como provada ou como não
provada, deveu-se ao facto de se tratar de matéria conclusiva ou matéria de
direito que não deverá ser aqui tomada em conta.
IV. DO DIREITO
Comete o crime de abuso de informação quem disponha de
informação privilegiada devido à sua qualidade de titular de um órgão de
administração ou de fiscalização de um emitente ou de titular de uma
participação no respectivo capital e a transmita a alguém fora do âmbito
normal das suas funções ou, com base nessa informação, negoceie ou
aconselhe alguém a negociar em valores mobiliários ou outros instrumentos
financeiros ou ordene a sua subscrição, aquisição, venda ou troca, directa
ou indirectamente, para si ou para outrem (art. 378.º n.º do Código dos
Valores Mobiliários na sua versão vigente à data dos factos).
Por sua vez dispõe o n.º 4 do mesmo preceito que qualquer pessoa
não abrangida pelos números anteriores que, tendo conhecimento de uma
informação privilegiada cuja fonte seja alguma das pessoas aí referidas e,
com base nessa informação, negoceie em valores mobiliários é igualmente
punido pela prática do mesmo crime de abuso de informação.
Dos factos dados como provados não resulta o preenchimento, por
parte dos arguidos, das condutas típicas previstas no crime que lhes é
imputado.
Na verdade, não se apurou que os arguidos tenham agido de comum
acordo na compra das acções por parte dos arguidos João e Helena Martins,
ou seja, que esta compra foi fundada em informações prestadas pelo
arguido Luciano Patrão, sendo certo que apenas este poderá ser
considerado como o detentor da informação privilegiada. Também não se
provou que os arguidos João e Helena Martins tenham realizado a compra
das acções, quer em seu próprio nome, quer em nome da Hubbell, por força
de alguma informação que lhes foi prestada e que não estava acessível ao
público em geral.
Acresce ainda que se verifica que a informação em causa –
realização de uma OPA – não poderá ser considerada precisa à data em
que se realizam as primeiras compras (28 de Março de 2000) na medida em
que, em tal data não estavam consolidadas as negociações ao ponto de
existir uma certeza razoável em como a OPA se iria realizar, pois não só a
PTM e a Lusomundo negociavam com outras entidades como igualmente a
negociação não tinha como principal e único objectivo uma OPA mas sim um
acordo de cooperação cujo modelo final incluía a OPA.
Em face do que ficou exposto, porque não se encontram preenchidos
os elementos típicos dos crimes imputados aos arguidos, impõe-se a sua
absolvição.
V. DISPOSITIVO
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo improcedente a pronúncia
e, consequentemente, absolvo os arguidos LUCIANO MANUEL DOS
SANTOS PATRÃO, JOÃO MANUEL RODRIGUES MARTINS e MARIA
HELENA DIAS DOS SANTOS MARTINS da prática, em co-autoria, de um
crime de abuso de informação p. e p. pelo art. 378.º n.ºs 1 e 4 do Código dos
Valores Mobiliários.
Absolvo igualmente os arguidos JOÃO MANUEL RODRIGUES
MARTINS e MARIA HELENA DIAS DOS SANTOS MARTINS da prática de
um crime de abuso de informação p. e p. pelo art. 378.º n.ºs 3 e 4 do Código
dos Valores Mobiliários.
Sem custas.
Deposite e notifique, sendo também o conselho Directivo da CMVM
com cópia (art. 387.º do Código dos Valores Mobiliários).
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2008
(processado e revisto pela signatária)