concubinato

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arquivo juridico sobre concubinato

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  • REVISTA DA ESMESC, v. 14, n. 20, 2007

    O CONCUBINATO NO DIREITO DE FAMLIA BRASILEIRO | 193

    O CONCUBINATO NO DIREITO DE

    FAMLIA BRASILEIRO

    Marlia Pereira Biehler1

    Resumo : A presente pesquisa tem por objetivo promover uma anlise crtica do concubinato no Direito de Famlia brasileiro, confrontando-se os aspectos da lei, da doutrina e da jurisprudncia. Diante de decises equivocadas que vm criando verdadeiras aberraes jurdicas, como o caso da triao como derivativo da meao do cnjuge virago quando indevidamente dividida com a concubina, busca-se um estudo sistemtico acerca desta suposta modernidade jurdica para que se tenha uma viso ftico-jurdica despida de falsos dogmas.

    Palavras-chave : Concubinato. Unio Estvel. Casamento. Efeitos Patrimoniais.

    Abstract : )e present researchs objective is to promote a critical analysis of the concubinage in the Brazilian Family Law, collating the aspects of the law, the doctrine and the jurisprudence. By mistaken decisions that has been creating truly legal aberrations, as in the case that the marital estate was divided in three, because the wife had to give the concubine the third part of her community property, the goal is to promote a systematic study about this supposed legal modernity, so that it will be possible to ponder the facts and the law without false dogmas.

    1 Advogada e aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina ESMESC, orientada pela Professora Renata Raupp Gomes.

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    Key words : concubinage, common-law marriage, marriage, estates effects

    1 Introduo

    O concubinato existiu em todos os tempos e em todas as civili-zaes, sendo visvel sua repercusso na vida jurdica2.

    Antes da consolidao da Babilnia, alguns povos ofereciam hospedagem e suas mulheres aos seus hspedes; entre os hebreus, em que proliferava a poligamia, viu-se Salomo, que, alm das se-tecentas mulheres, desfrutava ainda de mais trezentas concubinas, e se havia de observar a hierarquia existente: primeiro as esposas, em seguida as concubinas, e s ento as meretrizes. Esta era a realidade em que viviam os hindus, os persas e os chineses3.

    Na Grcia, o concubinato era aceito em funo dos cultos a Vnus e Adnis, os quais exaltavam o sexo, poca em que no havia distino entre filho legtimo e ilegtimo. Posteriormente, com Li-curgo e Slon, foi adotada a monogamia e as concubinas passaram a ser uma classe regulamentada. Em Roma, era o concubinato a unio mais comum embora sem efeitos jurdicos , cujo significado re-presentava a comunidade mtua de vida, sem que a parceira desfru-tasse da condio de mulher legtima, condio que perdurou at que Constantino considerasse ilegal esta unio4.

    As normas cannicas reconheciam direitos prole oriunda da unio livre, desde que a concubina fosse desimpedida, nica, e man-tida sob o mesmo teto e para toda a vida o chamado concubinatus

    2 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil: direito de famlia. v. 5. Rio de Janeiro, Forense, 2004. p. 533.

    3 GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A unio estvel e os pressupostos subjacentes. In: Questes contro-vertidas no direito de famlia e das sucesses. Srie grandes temas de direito privado v. 3. Coordena-do por Mrio Luiz Delgado e Jones Figueirdo Alves. So Paulo: Mtodo, 2005. p. 202.

    4 GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A unio estvel e os pressupostos subjacentes. p. 203.

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    legitimus , sendo que a Igreja a admitia apenas quando o homem no possusse esposa5.

    Na Frana, viu-se pela primeira vez o reconhecimento da so-ciedade de fato com carter comum nas relaes de concubinato, ocasio em que se passou a reconhecer a prole ilegtima desde que proveniente de relacionamento notrio, com o que lhe foi outorgada a certido de batismo oficial6.

    No sculo XVI passou a ser reconhecido no Brasil, com as Ordenaes Filipinas, o concubinato puro ou seja, entre pesso-as desimpedidas como uma forma de casamento de fato7, o que dava direito meao dos bens adquiridos na constncia da relao. Tendo-se em vista que o casamento civil ainda no era conhecido, as Ordenaes admitiam validade tambm ao casamento religioso e ao contrato particular de casamento8.

    Apenas a partir do dia 24 de janeiro de 1890, com o Decreto 181, foi institudo o casamento civil e deixou-se de reconhecer os efeitos jurdicos das relaes familiares de fato, do casamento religio-so e do contrato particular. Seguindo esta ideologia, o Cdigo Civil de 1916 ignorou por inteiro as unies de fato entre pessoas desimpe-didas, ressaltando-se seu cuidado ao punir o concubinato adulterino com o objetivo de resguardar o patrimnio da famlia regularmente constituda pelo matrimnio9.

    5 GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A unio estvel e os pressupostos subjacentes. p. 203.

    6 GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A unio estvel e os pressupostos subjacentes. p. 203.

    7 Configurava-se na circunstncia de um homem e uma mulher viverem juntos em pblica voz e fama de marido e mulher, por tanto tempo que, segundo direito, baste presumir matrimnio entre eles, posto se no provem as palavras do presente (Quarto Livro das Ordenaes, Ttulo XLVI, 2). (SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Unio estvel, concubinato e sociedade de fato: uma distino necessria. In: Ques-tes controvertidas no direito de famlia e das sucesses. Srie grandes temas de direito privado v. 3. Coordenado por Mrio Luiz Delgado e Jones Figueirdo Alves. So Paulo: Mtodo, 2005. p. 227).

    8 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Unio estvel, concubinato e sociedade de fato: uma distino neces-sria. p. 227-228.

    9 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Unio estvel, concubinato e sociedade de fato: uma distino neces-sria. p. 228.

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    Esta realidade passou a ser modificada com a legislao previ-denciria, a qual promoveu o reconhecimento das relaes de fato sob a exigncia exclusiva de dependncia econmica10. A jurispru-dncia, da mesma forma, passou a lapidar o conceito atual de unio estvel e a reconhecer seus efeitos jurdicos ora omitidos pelo Cdigo Bevilqua; com isso, criou-se a distino entre concubinato puro11 e concubinato impuro12.

    2 A constitucionalizao da entidade familiar e o Cdigo Civil de 2002

    A matria era analisada pela jurisprudncia com a necessria prudncia at o advento da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 198813, a qual, encarando a nova realidade brasileira, consolidou a famlia como a base da sociedade, sendo-lhe dispensada especial proteo14 pelo Estado em seu artigo 22615.

    10 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Unio estvel, concubinato e sociedade de fato: uma distino neces-sria. p. 229.

    11 Concubinato puro aquele efetivado entre pessoas de sexos diferentes, de forma estvel, livre e sem impedimento legal. (...) a unio fiel com dedicao recproca do casal, que mantm, entre si, laos ntimos de forma notria, por um longo perodo de tempo. (...) se caracteriza, ainda, pela assis-tncia mtua dos filhos comuns, com presumida fidelidade da mulher ao homem. (LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de famlia e das sucesses. 3. ed. v. 5. So Paulo: RT, 2004. p. 216)

    12 Concubinato impuro aquele efetivado entre pessoas de sexos diferentes, de forma estvel, porm com algum impedimento para a realizao do casamento civil. O casamento esprio pode ser classifi-cado em: a) concubinato adulterino, ante a existncia de impedimento matrimonial de, ao menos, um dos concubinos, que se encontra civilmente casado com outra pessoa; e b) concubinato incestuoso, decorrente do parentesco prximo entre os concubinos, que pudesse impedir o casamento civil deles. (LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de famlia e das sucesses. p. 217)

    13 Doravante denominada Constituio Federal.

    14 PEREIRA, Mrio da Silva. Instituies de direito civil: direito de famlia. p. 533-534.

    15 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Art. 226 - A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado. 1 - O casamento civil e gratuita a celebrao. 2 - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. 3 - Para efeito da proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em casamento. 4 - Entende-se, tambm, como entidade familiar a comunidade formada por qual-quer dos pais e seus descendentes. 5 - Os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 6 - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divrcio, aps prvia separao judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou compro-

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    Verifica-se, assim, o reconhecimento expresso de trs espcies de famlia: as famlias conjugais, que so constitudas pelo casamento, as famlias cuja constituio ocorre com a unio estvel, e as fam-lias monoparentais, consideradas aquelas formadas por qualquer dos pais e seus descendentes. Importa mencionar que as espcies expres-sas no texto constitucional no excluem outras formas implcitas de entidades familiares, tais como a unio homoafetiva, a parentalidade socioafetiva, irmos que vivem juntos, avs e netos, entre outros16. Houve, em sntese, a quebra do estigma das famlias extraconjugais.

    Relevante observar, entretanto, que a Constituio Federal no equiparou a unio estvel ao casamento, uma vez que garantiu a facilitao da converso da primeira no segundo. Unio estvel e casamento so institutos diversos, uma vez que no se cogitaria a converso se possussem o mesmo conceito operacional17.

    Da mesma maneira que se pode afirmar que casamento e unio estvel no possuem o mesmo significado, faz-se possvel verificar a existncia de distino entre as expresses unio estvel e concubina-to. Com o surgimento do Cdigo Civil de 2002, a diferenciao en-tre o casamento, a unio estvel e o concubinato tornou-se explcita.

    Tem-se, destarte, que casamento , com base nos arts. 151118 e 151419, o contrato solene que, gerando a sociedade conjugal ou a

    vada separao de fato por mais de dois anos. 7 - Fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel, o planejamento familiar livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e cientficos para o exerccio desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituies oficiais ou privadas. 8 - O Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes.

    16 PEREIRA, Rodrigo da Cunha; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A criao de um novo estado civil no direito brasileiro para a unio estvel. In: Questes controvertidas no direito de famlia e das sucesses. Srie grandes temas de direito privado v. 3. Coordenado por Mrio Luiz Delgado e Jones Figueirdo Alves. So Paulo: Mtodo, 2005. p. 264.

    17 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil: direito de famlia. p. 534.

    18 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.511. O casamento estabelece comunho plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cnjuges.

    19 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vnculo conjugal, e o juiz os declara casados.

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    unio legtima entre o homem e a mulher, vem estabelecer os deveres e obrigaes recprocas20. Por outro lado, considera-se estvel a unio notria, contnua e duradoura entre homem e mulher21; se houver impedimento matrimonial em unio permanente ou no eventual ainda que notria, contnua e duradoura , ser esta considerada concubinato22. Nos casos em que a pessoa casada estiver separada judicialmente ou de fato, a unio ser considerada estvel.

    H que se salientar a inadequao da classificao doutrinria tradicional da expresso concubinato em puro ou impuro, dian-te do que traz o legislador do Cdigo Miguel Reale. O concubi-nato dito puro refere-se ao que hoje tratado como unio estvel, enquanto o impuro, de natureza adulterina, denominado apenas como concubinato.

    Neste sentido, ensina Milton Paulo de Carvalho Filho23 que o art. 1727 tem por finalidade deixar clara a diferena entre o concu-binato e a unio estvel, posto que o primeiro corresponde ao concubi-nato impuro ou adulterino (o puro a unio estvel), que se caracteriza pela clandestinidade e deslealdade do relacionamento, no eventual, daquelas pessoas de sexos diferentes que esto impedidas de se casar e, portanto, de constituir famlia.

    Verificadas as distines conceituais, passa-se analise dos efei-tos patrimoniais que podem surgir do concubinato.

    20 SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 268.

    21 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.723. reconhecida como entidade familiar a unio estvel entre o homem e a mulher, configurada na convivncia pblica, contnua e duradoura e estabelecida com o ob-jetivo de constituio de famlia. 1 A unio estvel no se constituir se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; no se aplicando a incidncia do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. 2 As causas suspensivas do art. 1.523 no impediro a caracterizao da unio estvel.

    22 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.727. As relaes no eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

    23 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. In: Cdigo civil comentado. Coordenado por Cezar Peluso. Barueri: Manole, 2007. p. 1719.

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    3 Dos supostos e possveis efeitos patrimoniais decorrentes do concubinato

    Com a dissoluo da unio estvel, garantido ao companheiro o direito metade dos bens adquiridos onerosamente na constncia do relacionamento24, bem como o direito a alimentos25. Alm disso, pode o companheiro suprstite obter na sucesso a totalidade, um tero da herana, quota equivalente devida por lei aos filhos comuns ou metade da quota que couber aos filhos do autor da herana26.

    Conforme j foi salientado, por ter significado diverso do insti-tuto da unio estvel, o concubinato no gera direitos nem deveres, nem produz os efeitos da unio estvel27.

    H quem entenda que a distino entre a unio estvel e o con-cubinato seja apenas conceitual e pregue a aplicao da eqidade em funo da omisso de regulamentao legal deste. Ocorre, porm, que no se trata de uma mera omisso, mas de uma vedao legal, nitidamente perceptvel pela dificuldade de aplicao do instituto, a qual no pode ser confundida com o fato de a lei somente coibir as prticas que beneficiam a concubina, sem maiores referncias ex-pressas ao concubinato como um instituto jurdico28.

    24 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.725. Na unio estvel, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se s relaes patrimoniais, no que couber, o regime da comunho parcial de bens.

    25 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.694. Podem os parentes, os cnjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatvel com a sua condio social, inclusive para atender s necessidades de sua educao. 1 Os alimentos devem ser fixados na proporo das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. 2 Os alimentos sero apenas os indispensveis subsistncia, quando a situao de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

    26 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participar da sucesso do ou-tro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigncia da unio estvel, nas condies seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, ter direito a uma quota equivalente que por lei for atribuda ao filho; II - se concorrer com descendentes s do autor da herana, tocar-lhe- a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessveis, ter direito a um tero da herana; IV - no havendo parentes sucessveis, ter direito totalidade da herana.

    27 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. In: Cdigo civil comentado. p. 1720.

    28 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de famlia e das sucesses. p. 221.

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    relevante tambm a meno antiga indenizao por servi-os prestados, a qual dizia respeito remunerao de servios do-msticos ou rurais prestados pela companheira quando padecia de regulamentao a unio estvel. Destarte, diante da inexistncia de qualquer previso do que poca era denominado concubinato puro, especialmente quanto ao direito a alimentos, alguns magis-trados decidiam no sentido de suprir as lacunas da lei e no deixar desamparada a companheira apenas porque sua unio no era for-mal. Parte da doutrina considera at mesmo humilhante esta inde-nizao em funo de equiparar a companheira a uma mera pres-tadora de servios domsticos. Com a previso constitucional da unio estvel e, posteriormente, com a criao de leis a respeito e a devida regulamentao no Cdigo Civil de 2002, esta indenizao, meio inadequado e combatido para amparar a companheira, perdeu totalmente seu objeto29.

    Entretanto, o uso do termo concubinato segue causando con-fuso e h, ainda, quem defenda, equivocadamente, pagamento desta natureza concubina amasiada. Alm de tratar-se de situao ftica diversa, passvel de questionamento acerca de quais servios domsticos efetivamente esto sendo indenizados no concubinato adulterino, uma vez que estes, o cuidado da casa e dos filhos30, ge-ralmente ocorrem no lar matrimonial. Novamente surge o questio-namento: quais servios denominados domsticos esto sendo de fato indenizados? Mais que um lapso, esta remunerao representa a contrapartida aos nicos servios domsticos possveis, isto , aos favores sexuais prestados, os quais no so passveis de remune-

    29 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de famlia. 37. ed. v. 2. So Paulo: Saraiva, 2004. p. 41-42.

    30 (...) demandava pelo pagamento de seus servio domstico, aceitando indenizao por cama, mesa e banho, quando no era empregada, sequer messalina, ridculo estipndio que atribua um salrio mnimo por ano de convivncia. Depois de 1988 erigiram-se as novas entidades familiares, e o concubinato subjacente transmudou-se em unio estvel, agora com as galas de instituto e honras de salvaguarda. (GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. p. 220-221).

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    rao lcita31. A legitimao e o amparo jurdico a uma espcie de prostituio em detrimento da famlia tm sua discusso como inadmissvel, pelo menos na esfera do direito de famlia.

    Com efeito, h que se reconhecer a possibilidade de que os bens amealhados com sacrifcio conjunto sejam partilhados na proporo do aporte de cada parceiro, conforme prev a lei em caso de dissolu-o de sociedade de fato. Esta possibilidade cristalizou-se por meio da Smula n 380 do STF, ressaltando-se que a existncia ou no desta sociedade de fato, entre concubinos ou no, diz respeito ao direito das obrigaes, e no ao direito de famlia32. Ademais, este patrimnio h que ser distinto daquele formado na constncia da convivncia com o cnjuge33.

    Em relao aos efeitos previdencirios, a construo jurispru-dencial diversificada: h julgados que reconhecem a distino do concubinato e da unio estvel por intermdio da interpretao sis-temtica34, bem como h outros que, equivocadamente, consideram

    31 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Unio estvel, concubinato e sociedade de fato: uma distino neces-sria. p. 230.

    32 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia: Lei n 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 913.

    33 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Unio estvel, concubinato e sociedade de fato: uma distino neces-sria. p. 235.

    34 PREVIDENCIRIO. BENEFCIO ESTATUTRIO. PENSO POR MORTE. ESPOSA LEGTIMA E COMPA-NHEIRA. CONCUBINATO ADULTERINO. CONSTITUIO FEDERAL, ART. 226. LEI N 9.278/96, ART. 1. 1 No presente caso, a esposa do finado servidor pblico foi obrigada a ratear a penso por morte com suposta companheira dele (ou convivente, como estabelece a Lei n 9.278/96). Trata-se do chamado concubinato adulterino. 2 Dispe o artigo 226, pargrafo 3, da vigente Constituio da Repblica que para efeito de proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua converso em casamento. 3 Permitir que suposta amsia de servidor receba penso pela sua morte, em detrimento da esposa legtima seria permitir o absurdo. A norma constitucional prev que a lei dever facilitar a converso da unio estvel em casa-mento, o que, obviamente, impossvel se um dos conviventes for casado. 4 No se pode admitir que uma Constituio que traduz em captulo especial a preocupao do Estado quanto famlia, trazendo-a sob o seu manto protetor, desejasse debilit-la e permitir que unies adulterinas fossem reconhecidas como unies estveis, hiptese em que teramos bigamia de direito (TJERJ AC n 1999.001.12292). Em uma sociedade monogmica, o ordenamento jurdico no protege o concubinato adulterino, relao paralela ao matrimnio. A caracterizao da unio estvel depende, inicialmente, da falta de impedi-mento de ambos os companheiros em estabelecer a relao. (TRF 2 Regio, AC 262934/RJ, rel. Juiz Antnio Cruz Neto, j. 29/5/2002).

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    o concubinato como se unio estvel fosse em funo da convivn-cia more uxrio35, razo pela qual exigida apenas a comprovao da dependncia36.

    Verifica-se, por fim, a impossibilidade de se atribuir ao relacio-namento clandestino a eficcia da unio estvel, mesmo que deste tenha conhecimento parcela da comunidade, conforme preceitua Silvio Neves Baptista37, pois a lei exige para a produo dos efeitos pr-prios da unio estvel, inclusive para a segurana do trfico jurdico, que a convivncia seja aberta, clara, ostensiva, e sobretudo exclusiva, j que a simultaneidade de dias relaes, uma formada pelo casamento e outra gerada fora dele (ou por duas ou mais relaes concubinrias), descarac-terizaria inteiramente a estabilidade da unio extramatrimonial.

    Tem-se, destarte, alm do desamparo legal de direitos concu-bina, a impossibilidade jurdica de interpretao extensiva a esta dos direitos atribudos companheira.

    35 PREVIDENCIRIO. PENSO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIO ESTVEL. DEPENDNCIA ECO-NMICA PRESUMIDA. CONCUBINATO IMPURO. COMPROVAO. CONSECTRIOS. (...) 2. Conforme orientaes trazidas pela Constituio Federal de 1988, que fazem emergir a isonomia entre o casamen-to e a unio estvel, de se reconhecer os efeitos que gera o concubinato, ainda que impuro, no mbito previdencirio, devendo a penso ser rateada entre a esposa, a concubina e os demais dependentes. (...) Da anlise dos documentos probatrios carreados aos autos, depreende-se que no foi suficien-temente refutada qualquer possibilidade de coabitao entre o falecido e a esposa, inexistindo, pois, separao de fato. Assim, a relao do de cujus com a autora definida pela jurisprudncia como de concubinato impuro ou, ainda, de concubinato adulterino. No obstante, tenho que o estado civil de casado do falecido no impede a concesso do benefcio companheira em conjunto com a esposa, desde que as provas produzidas nos autos no deixem dvidas acerca da unio estvel e a relao de dependncia econmica da autora com o de cujus. (TRF4, AC n 2000.72.05.003747-5/SC Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, publicado em 09/04/2007).

    36 PREVIDENCIRIO. PENSO POR MORTE. RATEIO DO BENEFCIO ENTRE ESPOSA E CONCUBINA. PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL DE DEPENDNCIA ECONMICA. 1. Se a concubina comprovou que dependia economicamente do segurado falecido, nos termos do artigo 22, 3, do Decreto n 3.048/99, faz jus ao rateio do benefcio de penso com a esposa, no ocorrendo qualquer ilegalidade no ato administrativo do INSS que deferiu a penso pro rata entre todas as depen-dentes do de cujus. (...) (TRF4, AC, processo 2001.70.00.010567-9, Sexta Turma, Rel. Des. Nylson Paim de Abreu, publicado em 29/09/2004)

    37 BAPTISTA, Silvio Neves. Unio estvel de pessoa casada. In: Questes controvertidas no direito de famlia e das sucesses. Srie grandes temas de direito privado v. 3. Coordenado por Mrio Luiz Delgado e Jones Figueirdo Alves. So Paulo: Mtodo, 2005. p. 305.

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    4 Da proibio de doar e testar em favor da concubina e suas conseqncias jurdicas

    Primeiramente, importa salientar que as limitaes impostas ao concubinato ocorrem no plano patrimonial, com o objetivo exclusi-vo de resguardar os direitos da famlia constituda pelo casamento38, alm de demonstrar a manuteno do sistema monogmico atravs da obstruo ao reconhecimento de relaes concomitantes39. Dian-te desta realidade, trouxe o Cdigo Miguel Reale a impossibilidade de doar e de testar em favor da concubina.

    Prev o art. 550 do Cdigo Civil40 a proteo ao acervo patri-monial dos cnjuges atravs da anulao da doao feita por um dos consortes ao seu cmplice no adultrio at dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. Cumpre ressalvar que a liberalidade atacada refere-se ao perodo em que o doador se ache em companhia do cnjuge, e no dele separado de fato. Discute-se se a legitimidade ad causam para pleitear a anulao sucessiva, sendo do cnjuge enganado enquanto estiver vivo e, posteriormente, dos herdeiros ne-cessrios, ou se o direito do herdeiro lesado atual, e no de mera expectativa, pois para alguns civilistas esta posio melhor atende ao interesse da sociedade, posto que no prolonga a tolerncia da amea-a da revogao por muitos anos, o que seria um inconveniente com o qual o ordenamento jurdico no pode compadecer41.

    Alm disso, os bens, mveis ou imveis, passveis de reivindi-cao so aqueles comuns ao casal e condicionam-se prova de que

    38 OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Distino jurdica entre unio estvel e concubinato. In: Questes controvertidas no direito de famlia e das sucesses. Srie grandes temas de direito privado v. 3. Coordenado por Mrio Luiz Delgado e Jones Figueirdo Alves. So Paulo: Mtodo, 2005. p. 258.

    39 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de famlia e das sucesses. p. 219.

    40 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 550. A doao do cnjuge adltero ao seu cmplice pode ser anulada pelo outro cnjuge, ou por seus herdeiros necessrios, at dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

    41 ALVES, Jones Figueirdo. In: Novo cdigo civil comentado. Coordenado por Ricardo Fiza. 4. ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2005. p. 494-496.

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    estes no foram adquiridos pelo esforo comum do outro cnjuge e do seu concubino, se o casal estiver separado de fato h mais de cinco anos42. Em relao meno ao prazo de cinco anos, h enten-dimento de que este representa um resqucio do Projeto do Cdigo Civil, o qual impunha como requisito ao reconhecimento da unio estvel a existncia do relacionamento por aquele perodo. Excluda esta exigncia do artigo que trata da unio estvel, no h lgica na sua manuteno no art. 1.642, V, sendo que torna possvel ao o cnjuge separado de fato que venha a reclamar meao em bens auferidos sem sua contribuio, o que daria margem ao enriqueci-mento ilcito. A jurisprudncia, entretanto, tem sanado este lapso do legislador e aplicado a incomunicabilidade dos bens adquiridos aps a separao de fato, independentemente de prazos43.

    O mesmo ocorre no dispositivo legal que torna nulo44 o testa-mento em favor do concubino45 por testador casado ao ressalvar o caso em que este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cnjuge h mais de cinco anos46. Esta norma merece reparos na medida em que tambm contrasta com a possibilidade da configurao da unio estvel de pessoa casada sem se exigir prazo mnimo47. Igualmente, a doutrina critica o cochilo legislativo em razo do qual se omitiu a

    42 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mu-lher podem livremente: (...) V - reivindicar os bens comuns, mveis ou imveis, doados ou transferidos pelo outro cnjuge ao concubino, desde que provado que os bens no foram adquiridos pelo esforo comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; (...).

    43 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. In: Cdigo civil comentado. p. 1.608.

    44 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.900. nula a disposio: (...) V - que favorea as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802.

    45 Nota-se a impreciso no emprego da palavra companheiro, que exclusivo da unio estvel, em vez de concubino, que seria adequado na espcie descrita no artigo. (OLIVEIRA, Euclides de. p. 258.)

    46 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.801. No podem ser nomeados herdeiros nem legatrios: (...) III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cnjuge h mais de cinco anos; (...).

    47 Enunciado n 269 da III Jornada de Direito Civil Art. 1.801: A vedao do art. 1.801, inc. III, do Cdigo Civil no se aplica unio estvel, independentemente do perodo de separao de fato (art. 1.723, 1).

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    situao do testador casado e separado judicialmente que, por certo, tem livre disponibilidade para testar em favor do companheiro48.

    Alm das limitaes acima analisadas, verifica-se tambm a in-validade da instituio do concubino como beneficirio de seguro de pessoa, se ao tempo do contrato o segurado no estava separa-do judicialmente nem separado de fato49, bem como a ilicitude da deixa de bens ao filho do concubino, quando no o for tambm do testador50, disposio que confirma o entendimento jurisprudencial j sumulado51.

    Tem-se, desta maneira, que a disposio patrimonial em favor da concubina, seja atravs de ato inter vivos ou causa mortis, vai de encontro tutela do patrimnio familiar promovida pelo Cdigo Civil de 2002. H, diante da previsibilidade da anulao dos atos de doao em favor da amsia e do vasto e detalhado contedo proba-trio disponvel nos processos em que as concubinas buscam obter vantagem patrimonial da relao clandestina, a possibilidade de se buscar o ressarcimento dos valores doados.

    5 Consideraes finais

    O reconhecimento dos direitos da concubina excetuando-se os casos de putatividade e de dissoluo da sociedade de fato surge na jurisprudncia aps a vigncia do Cdigo Civil de 2002 sob o suposto manto da vanguarda e da modernidade. A questo mesmo mascarada, pois, conforme se pde observar no incio do presente estudo, o reconhecimento do concubinato no algo moderno; ao contrrio, regride s civilizaes antigas e, pelo menos neste aspecto,

    48 OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Distino jurdica entre unio estvel e concubinato. p. 258.

    49 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 793. vlida a instituio do companheiro como beneficirio, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou j se encontrava separado de fato.

    50 BRASIL. Cdigo Civil. Art. 1.803. lcita a deixa ao filho do concubino, quando tambm o for do testador.

    51 Smula n 447 do STF: vlida a disposio testamentria em favor de filho adulterino do testador com sua concubina.

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    ultrapassadas. Da mesma maneira, no faz muito tempo a cultura brasileira viu seus homens mantendo mulheres paralelamente ao seu casamento e suas respectivas esposas sendo social e culturalmente induzidas a fingir desconhecimento e relevar, posto que a separao (ou desquite) era algo profundamente estigmatizado. Pois bem, re-conhecer os direitos da concubina seria juridicizar exatamente este comportamento h tanto combatido e convalidar um conservadoris-mo machista arraigado e travestido de evoluo.

    Esta proteo pretendida pela concubina muitas vezes deferi-da pelos tribunais , alm de ser um retrocesso jurdico, concretiza a desigualdade cultural entre homens e mulheres, a qual vedada constitucionalmente. Ora, no h na jurisprudncia brasileira sequer um caso de um homem que esteja pleiteando meao, penso por morte ou indenizao por servios prestados de uma mulher com quem tenha mantido relao de concubinato. Desta forma, no cor-responde o reconhecimento em questo realidade ftica de maneira que se possa assegurar a igualdade formal e material a que se refere a Constituio Federal.

    Ademais, tem-se dito do suposto locupletamento do concubino e o princpio da solidariedade52, o que, em tese, busca que o concu-bino seja solidrio e no se aproveite do convvio extramatrimonial para acumular riquezas e vantagens, de maneira que deixe amparada a concubina. Ora, esta garantia j tem a concubina, visto que pos-svel a partilha dos bens amealhados com sacrifcio conjunto atravs da dissoluo da sociedade de fato. Ocorre, porm, que busca guari-da tambm aquela que no contribuiu para a formao de qualquer patrimnio comum, mas que apenas recebeu doaes que a manti-nham o que, conforme j foi analisado, passvel de anulao e restituio.

    De fato deve ser perturbador a um magistrado deixar em situ-ao de desamparo a concubina que por tanto tempo dividiu sua

    52 GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A unio estvel e os pressupostos subjacentes. p. 224.

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    vida com um homem casado. Mas no se pode enxergar apenas este desamparo; deve-se ver alm e analisar tambm a situao da famlia formalmente constituda que tantas vezes teve seu patrimnio lesado para sustentar a relao clandestina, ou mesmo se ponderando quan-tas vezes este cnjuge deixou de dar ateno sua prole ou ao seu consorte para dispor de tempo para a concubina. O manto da soli-dariedade omite que dar para um sempre tirar do outro; o cnjuge adulterino j tirara da sua famlia tanto quanto possvel, patrimonial e emocionalmente, enquanto manteve o relacionamento escuso. Ga-rantir direitos patrimoniais e status de entidade familiar relao de concubinato legitima e perpetua este prejuzo. lamentvel, mas tambm razovel, afirmar-se que esta mulher ficar desamparada, mas apenas porque assim o escolheu; afinal, no fora obrigada a rela-cionar-se clandestinamente ou a no prover seu prprio sustento.

    Sabe-se tambm que defensores do reconhecimento do concu-binato clamam pelo amparo jurdico de uma situao que uma re-alidade. Ora, parece bvio que esta celeuma e tantas outras existe no mundo jurdico apenas porque ocorre de fato. No se pode, en-tretanto, buscar como soluo aos desafios e controvrsias jurdicas a legitimao ou legalizao de tudo o que ocorre na prtica. Seria o mesmo que conceber a regulamentao do furto ou da fraude por-que de fato acontecem no mundo real. O fato de no se conseguir impedir uma prtica e a constatao de que faz parte da realidade social no servem como fundamento para defender seu reconheci-mento jurdico.

    Tem-se, portanto, que promover uma interpretao sistemtica do ordenamento jurdico, posto que ficou explcita a inteno do legislador de efetuar a distino entre os institutos do casamento, da unio estvel e do relacionamento concubinrio. Alm do aspecto meramente conceitual, verifica-se que na prtica tambm diferem os relacionamentos exclusivos, dos concomitantes, de modo que tam-bm no se faz coerente equipar-los.

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    com muita satisfao que se recebe a deciso do STJ no Recur-so Especial n 931155, no qual aplicou exatamente esta necessria distino e reparou a tempo uma injustia que seria concretizada sob a gide da justia. Nas palavras da Ministra Nancy Andrighi em sesso da 3 Turma do STJ, no dia 7 de agosto de 2007, a existncia de impedimento para se casar por parte de um dos companheiros, como, por exemplo, na hiptese de a pessoa ser casada, mas no separada de fato ou judicialmente, obsta a constituio de unio estvel, razo pela qual decidiu a Corte por deferir a pretenso da esposa em detrimento ao pleito da amsia por ser considerado ser ilegal reconhecer como unio estvel a relao de concubinato ocorrida simultaneamente a casamento vlido e sem separao de fato.

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