+conexõesmarcelocoutinho*sãopaulo,17demarçode2008–edição562–*marcelocoutinh

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Marcelo Coutinho* N os anos 90, um dos principais problemas da Tecnologia da Informação era o chamado “Paradoxo da Produtividade”. Nos Estados Unidos, apesar de investimentos descomunais em informática desde o final da década de 70, a produ- tividade crescia em uma velocidade muito menor que os recursos investidos. Em alguns setores, como o de serviços, estava praticamente estagna- da.Robert Solow, ganhador do Nobel de Economia em 1987, chegou a dizer que “vemos computadores em todos os lugares, exceto nas estatísticas de pro- dutividade”. Stephen Roach, economista chefe do Morgan Stanley e um dos mais respeitados analis- tas financeiros do mundo, analisou o problema ob- servando a relação entre avanços na velocidade de processamento, custos declinantes de armazena- gem de dados, investimentos em TI, emprego e lu- cratividade entre 1960 e meados dos anos 80. Sua conclusão foi a de que todo o avanço no setor tinha um impacto “insignificante” sobre o desempenho econômico. Pare- ce um contra-senso, não é? Intuitiva- mente, esperamos que investimentos em automação resultem em aumentos de produção. O “Paradoxo da Produtivi- dade” só foi resolvido em meados dos anos 90, quando diversos estudiosos do as- sunto começaram a se perguntar se não estavam medindo “a coisa errada”. Ou seja, não bastava levar em conta a “produtividade das coisas” (unidades de produtos fabricadas), mas também a produtividade do capital como um todo, incluindo os chamados “ativos intangíveis”: ganhos com a redução de es- toques, serviços ao consumidor, melhor controle sobre contas a pagar e a receber, aplicações finan- ceiras decorrentes da sobra de caixa, logística, etc. Bingo. Por este tipo de medida, o investimento em TI gerava ganhos espetaculares na produtividade do capital.Faço uma simplificação brutal do proble- ma por motivos de espaço, mas nos últimos meses, tanto nos eventos que tenho acompanhado como em palestras em empresas e conversas com exe- cutivos de diversos segmentos, noto muita incerte- São Paulo, 17 de março de 2008 – Edição 562 – www.bites.com.br A nova equação do capitalismo za sobre o quanto as tecnologias associadas com a chamada Web 2.0 realmente “agregam valor”.As dúvidas vão além do meramente operacional (por exemplo, “como implantar comunidades digitali- zadas de marca?”), passando por questões como “quem controla?” e chegando ao inevitável “não podemos liberar acesso ao Orkut, YouTube, Blogs e outras coisas, porque senão a produtividade vai pro espaço”.Concordo que existem muitos setores, e muitas funções, nas quais esse uso deve ser limi- tado, ou no mínimo monitorado. Mas quando come- ço a ouvir este tipo de argumento vindo de empre- sas de comunicação, departamentos de marketing de grandes anunciantes e mesmo agências de publicidade (na semana passada, o Blue Bus, tradi- cional site do setor, reproduziu um comentário do Wall Street Journal sobre o assunto), me pergun- to se não estamos criando um novo “Paradoxo da Produtividade”, ou seja, medindo a coisa errada. Na economia industrial, a geração de riqueza é dada pela combinação de trabalho + capital + matéria prima + energia. A medida da produtividade aqui é ligada a produtos “tangíveis”, ou seja, o custo de se produzir uma unidade de algum bem. Com certeza ainda existem muitos setores operando sobre este paradigma, e irão continuar a existir durante mui- to tempo. Entretanto, serão setores com margens cada vez menores ou sujeitos a pressões de cus- tos elevadas (similares a que a expansão chinesa produz sobre o mercado de commodities). Em uma economia cada vez mais digitalizada, é no mínimo uma miopia querer medir a produtividade com base nestes mesmos critérios. Não sou economista, mas quando olho para os departamentos de ma- rketing de grandes organizações, para empresas como Google, Microsoft, escritórios de advocacia, agências de publicidade, veículos de comunicação e outras do gênero, me parece que a geração de riqueza é, cada vez mais, fruto da combinação de trabalho + capital + idéias + conexões. É claro que estamos vivendo um processo de transição e em uma mesma organização estas duas formas de geração de riqueza vão conviver durante anos, ou mesmo décadas. Mas a falta de um instrumento de mensuração adequado (ou uma mensuração “míope”, como a que acabo de descrever) não pode ser justificativa para privar uma organização deste potencial de inovação. Conforme o setor em que sua organização opera, diria que os riscos de “proibir” são maiores que os riscos de monitorar. Inclusive porque em muito pouco tempo a primeira geração socializada sob este paradigma vai chegar ao mercado de trabalho. No geral, são jovens que se acostumaram com um alto grau de autonomia e pouca simpatia por ambientes insti- tucionalizados. Se sua organização não tiver outra estratégia para lidar com eles além do “é proibido”, corre o risco de enfrentar dificuldades crescentes para obter recursos humanos capazes de enfrentar a nova realidade da com- petição global. Por outro lado, é preciso que todos aqueles que “surfam” na onda da Web 2.0 –blogueiros, empresários de redes so- ciais, empresas que tem por modelos de negócios este tipo de ambiente— entendam que se adota- rem uma postura “olímpica” em relação ao capital (ou seja, os investidores e anunciantes), vão con- seguir gerar muito brilho, mas pouco calor. Mais do que discursos revolucionários, precisam criar outros indicadores de retorno de investimento. Se isto não ocorrer, veremos outra bolha encher, e es- tourar, antes de ter uma idéia clara sobre o enorme potencial destas tecnologias nos processos orga- nizacionais tradicionais. t+c+i+c *Marcelo Coutinho é diretor-executivo do IBOPE Inteli- gência e professor de Pós-Graduação na Cásper Líbero. Artigo originalmente publicado no IDG Nov (www.idgnow. com.br). reproduzido em bites sob autorização do autor. Trabalho + capital + idéias + conexões

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Trabalho + capital + idéias + conexões Marcelo Coutinho* São Paulo, 17 de março de 2008 – Edição 562 – www.bites.com.br *Marcelo Coutinho é diretor-executivo do IBOPE Inteli- gência e professor de Pós-Graduação na Cásper Líbero. Artigo originalmente publicado no IDG Nov (www.idgnow. com.br). reproduzido em bites sob autorização do autor.

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Page 1: +conexõesMarceloCoutinho*SãoPaulo,17demarçode2008–Edição562–*MarceloCoutinh

Marcelo Coutinho*

Nos anos 90, um dos principais problemas da Tecnologia da Informação era o chamado “Paradoxo da Produtividade”. Nos Estados

Unidos, apesar de investimentos descomunais em informática desde o final da década de 70, a produ-tividade crescia em uma velocidade muito menor que os recursos investidos. Em alguns setores, como o de serviços, estava praticamente estagna-da.Robert Solow, ganhador do Nobel de Economia em 1987, chegou a dizer que “vemos computadores em todos os lugares, exceto nas estatísticas de pro-dutividade”. Stephen Roach, economista chefe do Morgan Stanley e um dos mais respeitados analis-tas financeiros do mundo, analisou o problema ob-servando a relação entre avanços na velocidade de processamento, custos declinantes de armazena-gem de dados, investimentos em TI, emprego e lu-cratividade entre 1960 e meados dos anos 80. Sua conclusão foi a de que todo o avanço no setor tinha um impacto “insignificante” sobre o desempenho econômico. Pare-ce um contra-senso, não é? Intuitiva-mente, esperamos que investimentos em automação resultem em aumentos de produção. O “Paradoxo da Produtivi-dade” só foi resolvido em meados dos anos 90, quando diversos estudiosos do as-sunto começaram a se perguntar se não estavam medindo “a coisa errada”. Ou seja, não bastava levar em conta a “produtividade das coisas” (unidades de produtos fabricadas), mas também a produtividade do capital como um todo, incluindo os chamados “ativos intangíveis”: ganhos com a redução de es-toques, serviços ao consumidor, melhor controle sobre contas a pagar e a receber, aplicações finan-ceiras decorrentes da sobra de caixa, logística, etc.Bingo. Por este tipo de medida, o investimento em TI gerava ganhos espetaculares na produtividade do capital.Faço uma simplificação brutal do proble-ma por motivos de espaço, mas nos últimos meses, tanto nos eventos que tenho acompanhado como em palestras em empresas e conversas com exe-cutivos de diversos segmentos, noto muita incerte-

S ã o P a u l o , 1 7 d e m a r ç o d e 2 0 0 8 – E d i ç ã o 5 6 2 – w w w. b i t e s . c o m . b r

A nova equaçãodo capitalismo

za sobre o quanto as tecnologias associadas com a chamada Web 2.0 realmente “agregam valor”.As dúvidas vão além do meramente operacional (por exemplo, “como implantar comunidades digitali-zadas de marca?”), passando por questões como “quem controla?” e chegando ao inevitável “não podemos liberar acesso ao Orkut, YouTube, Blogs e outras coisas, porque senão a produtividade vai pro espaço”.Concordo que existem muitos setores, e muitas funções, nas quais esse uso deve ser limi-tado, ou no mínimo monitorado. Mas quando come-ço a ouvir este tipo de argumento vindo de empre-sas de comunicação, departamentos de marketing de grandes anunciantes e mesmo agências de publicidade (na semana passada, o Blue Bus, tradi-cional site do setor, reproduziu um comentário do Wall Street Journal sobre o assunto), me pergun-to se não estamos criando um novo “Paradoxo da Produtividade”, ou seja, medindo a coisa errada. Na

economia industrial, a geração de riqueza é dada pela combinação de trabalho + capital + matéria prima + energia. A medida da produtividade aqui é ligada a produtos “tangíveis”, ou seja, o custo de se produzir uma unidade de algum bem. Com certeza ainda existem muitos setores operando sobre este paradigma, e irão continuar a existir durante mui-to tempo. Entretanto, serão setores com margens cada vez menores ou sujeitos a pressões de cus-tos elevadas (similares a que a expansão chinesa produz sobre o mercado de commodities). Em uma economia cada vez mais digitalizada, é no mínimo uma miopia querer medir a produtividade com base nestes mesmos critérios. Não sou economista, mas quando olho para os departamentos de ma-rketing de grandes organizações, para empresas

como Google, Microsoft, escritórios de advocacia, agências de publicidade, veículos de comunicação e outras do gênero, me parece que a geração de riqueza é, cada vez mais, fruto da combinação de trabalho + capital + idéias + conexões. É claro que estamos vivendo um processo de transição e em uma mesma organização estas duas formas de geração de riqueza vão conviver durante anos, ou mesmo décadas. Mas a falta de um instrumento de mensuração adequado (ou uma mensuração “míope”, como a que acabo de descrever) não pode ser justificativa para privar uma organização deste potencial de inovação. Conforme o setor em que sua organização opera, diria que os riscos de “proibir” são maiores que os riscos de monitorar. Inclusive porque em muito pouco tempo a primeira geração socializada sob este paradigma vai chegar ao mercado de trabalho. No geral, são jovens que se acostumaram com um alto grau de autonomia

e pouca simpatia por ambientes insti-tucionalizados. Se sua organização não tiver outra estratégia para lidar com eles além do “é proibido”, corre o risco de enfrentar dificuldades crescentes para obter recursos humanos capazes de enfrentar a nova realidade da com-petição global. Por outro lado, é preciso

que todos aqueles que “surfam” na onda da Web 2.0 –blogueiros, empresários de redes so-ciais, empresas que tem por modelos de negócios este tipo de ambiente— entendam que se adota-rem uma postura “olímpica” em relação ao capital (ou seja, os investidores e anunciantes), vão con-seguir gerar muito brilho, mas pouco calor. Mais do que discursos revolucionários, precisam criar outros indicadores de retorno de investimento. Se isto não ocorrer, veremos outra bolha encher, e es-tourar, antes de ter uma idéia clara sobre o enorme potencial destas tecnologias nos processos orga-nizacionais tradicionais.

t+c+i+c

*Marcelo Coutinho é diretor-executivo do IBOPE Inteli-gência e professor de Pós-Graduação na Cásper Líbero. Artigo originalmente publicado no IDG Nov (www.idgnow.com.br). reproduzido em bites sob autorização do autor.

Trabalho + capital + idéias + conexões