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Revista Latino-Americana de História Vol. 1, nº. 3 – Março de 2012 Edição Especial – Lugares da História do Trabalho © by RLAH Página 10 Conferência de Abertura: Os Lugares da Pesquisa em História do Trabalho 1 . Beatriz Ana Loner ** A bem dizer, lugares de trabalho são todos os locais em que existe atividades humanas, o que significa que uma história do trabalho seria a história do homem na sua evolução no tempo. Obviamente uma definição tão ampliada não auxilia em nada a pesquisa, pois, por generalista demais, tudo fica sendo o lugar da pesquisa e também nada é o seu lugar. Por outro lado, este termo também remete aos locais em que se pode pesquisar sobre o trabalho, e portanto a referenciação é dupla e pretendo aqui utilizála destas duas formas, demonstrando o ampliamento do campo sobre o trabalho na história e também das técnicas e métodos utilizados para isso. Em primeiro lugar, deve-se dizer que a construção de uma área na historiografia dedicada ao trabalho, também tem uma história. Claramente havia trabalhadores antes do capitalismo, nos campos, nas cidades, em todo o lugar. Como servos em algumas partes, camponeses em outras; nas Américas eram os escravos, entre os nativos chamavam-se mytaios ou ainda, encomiendados, enfim, os nomes eram muitos. Seus trabalhos variavam, bem como a forma de serem realizados, mas não no essencial: sempre eram atividades de transformação do mundo natural, necessárias, feitas para atender as necessidades de sobrevivência física ou cultural da humanidade . Com o trabalho na produção de mercadorias e as novas atividades econômicas das cidades, grande quantidade de agentes do trabalho passaram a viver e conviver nas zonas urbanas, formando, pelo seu número, ou importância econômica, um setor que deveria ser levado em conta pelos nobres, realeza e clero, no jogo político. Se a burguesia francesa afirmava que integrava o povo e que este era a parcela produtiva da sociedade, o setor que produzia, isso não era por simples retórica ou exagero durante a revolução, mas para deixar claro com quem esperavam – e contavam – liderar em manifestações, ou arrastar atrás de si. Povo, e suas manifestações pejorativas, como malta, massa ou ralé, dependendo de quem e 1 Este texto é a expressão da Conferência de Abertura das VI Jornadas do GT Mundos do Trabalho da ANPUH- RS, apresentada em 06 de outubro de 2011, em Santa Maria – RS. ** Docente aposentada da UFPel, Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação e do Departamento de História da UFSM, Doutora em Sociologia pela UFRGS.

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Conferência de Abertura: Os Lugares da Pesquisa em História do

Trabalho1. Beatriz Ana Loner**

A bem dizer, lugares de trabalho são todos os locais em que existe atividades

humanas, o que significa que uma história do trabalho seria a história do homem na sua

evolução no tempo. Obviamente uma definição tão ampliada não auxilia em nada a pesquisa,

pois, por generalista demais, tudo fica sendo o lugar da pesquisa e também nada é o seu lugar.

Por outro lado, este termo também remete aos locais em que se pode pesquisar sobre o

trabalho, e portanto a referenciação é dupla e pretendo aqui utilizála destas duas formas,

demonstrando o ampliamento do campo sobre o trabalho na história e também das técnicas e

métodos utilizados para isso.

Em primeiro lugar, deve-se dizer que a construção de uma área na historiografia

dedicada ao trabalho, também tem uma história. Claramente havia trabalhadores antes do

capitalismo, nos campos, nas cidades, em todo o lugar. Como servos em algumas partes,

camponeses em outras; nas Américas eram os escravos, entre os nativos chamavam-se

mytaios ou ainda, encomiendados, enfim, os nomes eram muitos. Seus trabalhos variavam,

bem como a forma de serem realizados, mas não no essencial: sempre eram atividades de

transformação do mundo natural, necessárias, feitas para atender as necessidades de

sobrevivência física ou cultural da humanidade.

Com o trabalho na produção de mercadorias e as novas atividades econômicas das

cidades, grande quantidade de agentes do trabalho passaram a viver e conviver nas zonas

urbanas, formando, pelo seu número, ou importância econômica, um setor que deveria ser

levado em conta pelos nobres, realeza e clero, no jogo político. Se a burguesia francesa

afirmava que integrava o povo e que este era a parcela produtiva da sociedade, o setor que

produzia, isso não era por simples retórica ou exagero durante a revolução, mas para deixar

claro com quem esperavam – e contavam – liderar em manifestações, ou arrastar atrás de si.

Povo, e suas manifestações pejorativas, como malta, massa ou ralé, dependendo de quem e

1 Este texto é a expressão da Conferência de Abertura das VI Jornadas do GT Mundos do Trabalho da ANPUH-RS, apresentada em 06 de outubro de 2011, em Santa Maria – RS. ** Docente aposentada da UFPel, Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação e do Departamento de História da UFSM, Doutora em Sociologia pela UFRGS.

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para quem era falado, não importa. Importa que sua presença física e sua importância

econômica se fizeram sentir na construção das nações modernas.

Começaram então, a desenvolver-se estudos sobre as atividades econômicas urbanas

primeiramente e, depois, sobre seus agentes. Muitos destes estudos realizavam-se dentro do

campo da economia, ou, no máximo, da história econômica.

Inicialmente, abarcavam apenas os empresários/capitalistas e suas empresas, fazendo

parte das chamadas “as classes produtivas”. Na decantação que houve no grande bloco do

trabalho com o passar do tempo, os empresários e capitalistas ficaram com o adjetivo de

produtivas, deixando aos trabalhadores os rótulos pejorativos de “massa” e “classes

perigosas” em termos políticos e sociais. Neste processo, que aconteceu em vários lugares,

embora em tempos diferentes, sua existência, política e social era visível, bem como sua

possível importância, o que pois sempre era objeto de disputa, era o espaço e a forma pela

qual eles o ocupariam na consolidação das nações (especialmente ao sul do equador), e,

consequentemente, o interesse dos estudiosos sobre eles.

Embora em outros continentes, como Europa e Estados Unidos, eles tenham mais

rapidamente se alçado à altura de estudos acadêmicos, aqui no Brasil apenas em meados das

décadas de 1950 e 1960, a sociologia e depois a história, começaram a se preocupar com o

estudo dos trabalhadores urbanos.

Já havia pesquisas sobre outros tipos de trabalhadores mas eles não eram reconhecidos

pela sua característica de trabalhadores em si, mas por algum outro diferencial, fosse quando

trabalhassem no campo (parceiros, camponeses, agregados, meeiros, canavieiros) ou fosse

pela sua origem étnica (imigrantes, caboclos, nordestinos), ou ainda pelo seu status jurídico

(escravos, libertos).

O estudo sobre os trabalhadores e seu movimento, na realidade, começou com os

trabalhos de militantes, até hoje uma grande fonte sobre o movimento organizado e suas

correntes, o que também era o forte de suas narrativas, utilizando como principais fontes, os

jornais operários e as entrevistas com antigos companheiros de militância.

Evidentemente, quando a área de estudos sobre os trabalhadores iniciou seu processo

de agregação, suas pesquisas privilegiavam muito mais o aspecto político e a atuação

organizada de classe do que propriamente a vida dos trabalhadores em seu todo. E o

trabalhador modelo era o operário fabril, sendo este o referencial ao redor do qual outras

categorias deveriam ser pesquisadas. Dessa forma, deixava-se de fora das pesquisas, a imensa

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maioria dos trabalhadores que conhecemos, que não era militante, não trabalhava dentro de

fábricas nem era organizado em sindicatos ou associações. Na segunda metade do século XX,

quando entrou na academia, a história do trabalho abarcava apenas o trabalho urbano livre,

com ênfase no movimento operário e suas manifestações, correntes ideológicas, partidos

políticos e suas lideranças.

Em parte esta predileção ocorreu porque estivera nas mãos de militantes, que tinham

uma tendência a valorizar as manifestações e os grupos de que participaram, nas primeiras

décadas. Mas em parte também porque os historiadores acadêmicos brasileiros, dos anos 1960

e 1970, quando começou a estruturação da pós graduação no Brasil, estavam marcados pelo

movimento operário europeu e buscavam investigar a classe operária como agente político

organizado.

Segundo Sader e Paoli, em artigo que alcançou grande divulgação, nos estudos

sociológicos dos anos 1950/1960, de Simão Azis e José Albertino Rodrigues, entre outros, a

busca das dificuldades de modernização no Brasil, veio encontrar um argumento na

fragilidade da classe operária, que, por ter origem rural e pouca consciência classista, não

cumpria seu papel dentro da luta de classes no país, não impulsionando os empresários e

políticos a que tivessem atitudes modernizantes em relação à economia e a política.

Nos anos 1970, com a derrota das correntes de esquerda para a ditadura, a busca

concentrou-se nos motivos que faziam a classe operária não se comportar como deveria, não

ter “a consciência de classe que deveria ter” e não seguir o modelo europeu de movimento

organizado, sendo presa fácil de ideologias não classistas e até populistas. Buscava-se, na

verdade, compreender o que deu de errado com o país, e especialmente com uma classe ainda

mitificada como era o operariado fabril naquele momento.

Ainda havia outro problema, não percebido então, e que custou a ser superado.

Obviamente, os principais estudos principiaram pelos dois estados mais importantes na

primeira república, um porque dono do maior parque industrial e o outro porque sede do

poder político. E como São Paulo teve uma intensa imigração estrangeira urbana, que

terminou alijando boa parte dos nacionais, brancos ou negros, dos postos fabris, a versão que

surgiu do movimento operário, e que já fazia parte dos relatos militantes, muito

representativos do centro do país, era este: uma classe operária imigrante, consciente, mas não

entrosada na vida política do país, pois era estrangeira, e que desta forma, rebelava-se ou

construía suas associações e movimentos longe dos partidos ou até contra eles. No Rio de

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Janeiro a situação era caracterizada como ligeiramente outra, pois era a capital e então

operários nacionais e suas lideranças eram encontrados desde o início da república

participando de reuniões com políticos e/ou autoridades. Também se sentia na metrópole, uma

grande atração pela política partidária por parte de suas lideranças. Mas, ironicamente, a

situação carioca é que foi considerada excepcional e debitada a presença do governo federal e

não aquela de São Paulo.

Dessa forma, com um modelo europeu centrado no trabalho livre e desenvolvido há

muito mais tempo que no Brasil e com um modelo brasileiro marcado pela predominância do

trabalhador imigrante, os estudos costumavam partir de um marco situado no início do

período republicano no Brasil. Este era 1889, às vezes 1900, em alguns casos, 1888. Em todos

eles, embora justificado de diversas formas, o que estava implícito era que o trabalho só

poderia ser objeto de pesquisa diferenciado quando tivesse agentes ativos donos de sua

liberdade, no caso os trabalhadores livres. Para os períodos históricos anteriores, em que os

trabalhadores estavam ainda sujeitos a coerção física se os deixava para os trabalhos sobre

escravidão, como se não houvesse continuidade entre estes dois ramos dos trabalhadores.

Aliás, havia uma discussão sobre se o escravo poderia ser agente ativo, ou seria sempre

passivo, pois, a rigor, não teria direito a vontade e atuação própria. Se os primeiros

pesquisadores, ainda pelos anos 40 como Caio Prado e outros, retiravam a agência dos

escravos, isso estava plenamente dentro do paradigma da época, de que o verdadeiro

trabalhador deve estar completamente livre, até para poder desligar-se ideologicamente do

capitalismo e propor novas formas de organização política e divisão econômica da produção.

Isso compôs dois blocos de especialistas entre os historiadores – aqueles da

escravidão, que desenvolveram sofisticados métodos e aplicaram teorias que lhes permitiam

descobrir a agência escrava em mínimos detalhes de suas atividades ou atos – e aqueles dos

trabalhadores organizados, com seu corolário de estudos (partidos, lideranças, correntes,

greves, reivindicações, sindicatos, vida). Criou-se um campo diferenciado, que levou o nome

de “formação do mercado de trabalho e disciplinamento do trabalhador” exatamente para

aqueles que queriam discutir a passagem de uma forma do trabalho ao outro.

Quanto as fontes, utilizavam-se os documentos escritos oficiais, como leis, decretos e

outras legislações estatais, além de atas, jornais, revistas, panfletos, manifestos, fontes dos

próprios trabalhadores e raras entrevistas. A história oral ainda não tinha alcançado o

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desenvolvimento que tem hoje, por um lado, e, por outro, a busca pelo passado muito remoto

prejudicava a utilização desta metodologia.

A situação começou a mudar na historiografia brasileira, por perto dos anos 1980,

devido a uma série de razões: a primeira foi a incorporação de teóricos como Thompson,

Gramsci e outros autores que enfatizavam a experiência como um critério fundamental para a

construção da classe operária, ao mesmo tempo que deixavam entrever que o modelito

europeu, até então seguido, estava longe de ser universal. A segunda, foi a gradativa

secundarização do modelo marxista estruturalista, até então predominante. Na vida nacional e

mundial, os questionamentos ao pensamento marxista-leninista, mais precisamente, a falência

da teoria do partido único e de quadros, como O partido da classe, também levavam a busca

de uma visão mais matizada e menos comprometida com os motivos porque não ocorrera a

revolução, em termos acadêmicos, como Sader e Paoli, no artigo já citado, deixam claro.

Outra mudança fundamental ocorreu naturalmente, com a sucessão das gerações de

historiadores, o incremento de sua sofisticação conceitual e teórica, resultado em parte dos

estudos de pós-graduação e em parte também das novas tendências historiográficas francesas

e inglesas, com as várias sequências da nova história, história social, história cultural,

novíssima história cultural, etc. entre outras.

A modificação dos enfoques, da forma de abordagem do sujeito e do objeto, a busca

por novos métodos e, especialmente, fontes de pesquisa passou a ser fundamental e resolveu-

se de forma muito satisfatória, abrindo novos campos para a pesquisa. Passou-se assim, a

buscar o operário e o trabalhador comum, em sua vida quotidiana, em sua atuação dentro das

fábricas e nas vilas ou locais de moradia operária. Não posso deixar de dizer que considero

esta mudança também produto de certo desencanto com os rumos políticos do país, já que a

restauração da ordem democrática ao final da ditadura, trouxe a percepção de que as questões

sociais e políticas no país, são muito mais complexos e intrincados do que se esperava, de

forma que, ou provocaram o afastamento dos diletantes da esfera política, ou intensificaram

tendências contrárias à uma história militante.

Como resultado, os trabalhos e as pesquisas se tornaram mais complexos, buscando-se

entender o trabalhador comum e suas prioridades, a motivação de suas ações, sem

compromissos políticos pré-estabelecidos e com um nível teórico mais exigente, além da

busca da interdisciplinaridade, pois alguns estudos passaram a buscar o auxílio de outras

ciências, como a sociologia e a antropologia, neste campo específico.

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Com relação aos métodos e técnicas então, a ampliação foi decisiva, pois a

possibilidade de uso de técnicas de história oral com trabalhadores comuns, buscando seja o

chão de fábrica seja o cotidiano da vida operária, de seu lazer, de práticas culturais, tudo

passou a ser fonte de estudos e também, fonte para estudos. Da literatura as cantigas, da dança

ao esporte, dos clubes ao cinema, a história dos trabalhadores, primeiro mesclada com “a

história dos de baixo”, depois até incorporando-a, tudo passou a ser estudado, até personagens

que antes faziam parte do reino da contravenção, ou que estavam longe de serem considerados

como trabalhadores pelos estudos anteriores.

Há cerca de dez anos, portanto, muito recentemente, finalmente o muro que separava

os historiadores do trabalho livre, de seus congêneres do trabalho escravo começou a ruir.

A partir da instigação de Silvia Lara, num artigo pequeno e muito conhecido, no qual

ela dizia que se tinha que se passar a ver o escravo como um trabalhador, com status

diferenciado e características diversas, mas não menos trabalhador do que os demais, se

passou a buscar formas de fazer esta integração nos nossos estudos, com o que se incorporou

ao tema, no Brasil um espaço cronológico de cerca de quatro séculos, além de uma imensa

possibilidade de pesquisas sobre o trabalho forçado através da violência física e jurídica.

Outro ponto que reputo muito importante para o avanço dos estudos sobre o trabalho

foi a formação do GT MUNDOS DO TRABALHO, DA ANPUH NACIONAL, do qual

estamos hoje abrindo mais um dos encontros de suas regionais, no caso, a região

tradicionalmente mais organizada, aquela do Rio Grande do Sul. Rememorando os avanços

obtidos nestes últimos anos, como a ligação com os pesquisadores da área do trabalho

coercitivo, a ampliação dos temas e também das formas de abordagem dos objetos, vejo que

houve muitos progressos, que são consolidados em cada encontro do GT, nacional ou

regional.

Ao lado disso, está também ocorrendo o que representa a superação do “modelo” da

composição do trabalhador fabril na Primeira República, com o entendimento de que São

Paulo é um caso especial no contexto de uma nação que se constituiu com a utilização do

trabalho negro e mestiço, no período colonial e imperial, e que na república, continuou, em

suas várias regiões com a utilização da parcela dos trabalhadores de cor como operários, mais

do que dos brancos. Alias, estes últimos por terem maiores chances e expectativas de

ascensão social, terminaram orientando seus filhos para outras profissões, enquanto no caso

dos afro-descendentes, gerações inteiras de famílias negras tiveram que se contentar com

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postos de trabalho manual – e, portanto, em termos de práticas culturais de famílias operárias,

pode-se pensar que estes últimos tenham mais a contribuir do que os primeiros.

Nesses cerca de 10 anos, o GT Mundos Do Trabalho, em seus encontros, tanto dentro

da Anpuh nacional, quanto das regionais, tem-se proposto mesas e simpósios temáticos nos

quais a troca de experiências, a discussão e análise dos novos trabalhos e suas tendências são

uma constante. Realmente, acredito que é em grande parte devido a divulgação da área de

especialidade do trabalho que hoje em dia pode-se ver uma espécie de renascimento e

dinamização destes estudos, com uma abrangência muito maior do que seria pensada

anteriormente.

Da mesma forma, nos encontros mais recentes, tem-se visto a acentuada incorporação

de ainda novas fontes sobre o trabalho, estas oriundas da atividade governamental, seja a

executiva através de suas agências burocráticas, como por exemplo, o Ministério do Trabalho

(muito utilizado em termos de leis e boletins, mas agora ampliando-se para reclamatórias,

correspondências, etc.) até as delegacias regionais do trabalho e sua vasta documentação de

carteiras de trabalho, contratos, discursos de autoridades (inclusive fotos e vídeos ou

pequenos filmes). Quanto ao judiciário, é ainda mais recente e forçada pela necessidade de

defesa deste tipo de documentação, a incorporação do uso dos processos da Justiça do

Trabalho, como principal fonte, seja como documentação agregada ou pontual, no uso para

trabalhos acadêmicos, da graduação até o doutorado.

Assim, o mundo do trabalho, como atualmente é chamado, abriu-se para compreender

variados tipos de estudos e pesquisas, com abordagens inovadoras, de enfoques ou problemas

complexos. Quanto às fontes elas sofreram também um processo de expansão com a internet e

seus recursos, e também de especialização ou agregação de material muitas vezes, ainda não

utilizado. Lembro aqui, como exemplo, as fontes abordadas pela colega Gláucia, referentes à

correspondências enviadas para Getúlio Vargas por cidadãos comuns, durante o estado novo.

Deste modo, hoje em dia esta área deixou de ser um território pequeno e com poucos

cultores, para um espaço de discussões e definições pujante na historiografia, abrangente e

transdisciplinar, como veremos ainda neste encontro. Renovaram-se os estudos sobre

lideranças ou partidos, reveu-se vários mitos ou análises já solidificadas na historiografia,

diversificaram-se estudos, inclusive adaptando, ao estudos do trabalho e seus agentes, várias

outras modalidades ou abordagens, como por exemplo, o retorno do gênero biográfico, a

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utilização da literatura como fonte para as pesquisas, e, uma necessária interlocução com o

direito, especialmente na questão do uso das fontes oficiais, como da Justiça do Trabalho.

Considero que se pode dizer que a área dos estudos do trabalho aprendeu a se

reinventar, deixou seu gueto e agora segue rapidamente no sentido de ser considerada uma das

áreas temáticas importantes na historiografia brasileira pela sua abrangência e quantidade de

historiadores que agrega.

***

Agora, vou deixar o coletivo para falar do individual e depois voltar a um coletivo

personalizado. Passo agora a detalhar as experiências desenvolvidas por mim e meus colegas

no Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas, tentando

demonstrar, através dos trabalhos e do acervo que está preservado lá, as possibilidades e

experiências possíveis na pesquisa sobre trabalho e trabalhadores.

Bem, quanto a minha trajetória nos caminhos da história do trabalho, ela segue muito

de perto a própria evolução do campo. Assim, quando comecei minha pesquisa de mestrado,

ela teve por tema o estudo do Partido Comunista do Brasil nos anos de 1947 a 1954- a fase do

chamado “Manifesto de Agosto”, momento em que a radicalização muito exagerada da

estratégia e táticas do PCB levou o partido até posições de extrema esquerda. Na ocasião

trabalhei basicamente com uma revista partidária e realizei algumas entrevistas com

lideranças. Mesmo tratando com fontes mais ligadas à direção partidária – eu me perguntava,

por vezes, como seria vista aquela política pelo militante de base, como ele faria para

harmonizar a radicalidade da política de enfrentamento proposta, com seus relacionamentos

no emprego, sua vida comum e, se casado, com sua esposa, filhos, vizinhos, família, festas,

trabalho, enfim, a cotidianidade de vida de um trabalhador, com muitos outros compromissos

do que apenas aquele de soldado do partido e, de repente, se vê envolto em situações

excepcionais e extremamente perigosas, na atividade partidária e que poderiam – e facilmente

desbordavam – para o envolvimento daqueles mais próximos a ele. Os depoimentos de

história oral permitem vencer estes questionamentos, pois em entrevistas tanto daquele tempo,

quando atuais, feitas por pesquisadores do tema, se tornou claro que havia uma instância

intermediária, no caso, o próprio dirigente de base, que filtrava e adaptava as instruções do

comitê central para as bases, tornando-as possíveis de serem aceitas de acordo com as

condições especiais daquele bairro, fábrica ou região.

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Dez anos depois, quando fiz minha proposta de doutorado, já sob a influência teórica

de Thompson, a perspectiva era entender que fatores influíram na formação da classe operária

em determinado local e tempo, compreendendo-a como não necessariamente sempre formada,

mas sempre em mutação, organizando-se, desorganizando-se e, talvez, reorganizando-se

novamente, a luz dos resultados de sua própria luta e da conjuntura política global e nacional.

Procurava entendê-la em dois prismas, um de uma cidade portuária e fabril e a outra de cidade

também industrializada, mas com características diversas. Na procura dos fatores que

influenciaram a formação do operariado em cada cidade, tive o cuidado de procurar as

possíveis interferências que poderiam ter influenciado em sua consolidação, advindas dos

espaços urbanos em que se situava, desde suas experiências no emprego, nas greves ou nos

sindicatos, até em suas vivências na cidade, as sociedades que freqüentavam, os times para os

quais torciam, os bailes, festas e demais atividades de que participavam.

Parti da idéia de Przeworski que, numa dada sociedade, qualquer indivíduo tem

múltiplas escolhas entre as quais pode optar e várias delas não são mutuamente exclusivas.

Elas contribuem para caracterizá-lo e conferir-lhe certa identidade. Todavia, como estas são

múltiplas e sendo a identidade coletiva de classe mais uma entre outras, é necessário coletar

todas as prováveis fontes de identificação possíveis, para analisar porque o operário típico de

Pelotas agia de tal forma, perante determinada situação, enquanto os operários de Rio Grande,

frente a mesma condição, poderiam reagir de forma diferenciada.

A esta altura, já tinha feito uso de várias fontes e técnicas variadas, entre as quais

destaco principalmente jornais diários, aos quais agreguei atas, correspondências e jornais de

associações. Ainda fiz uso da história oral, mas meu último corte cronológico, com data final

em 1937, jogou este material apenas para pesquisas futuras.

Continuando no singular, vou falar de um ramo atual da pesquisa na qual estou

envolvida e que simboliza bem tanto a abertura da área, quanto as possibilidades de utilização

de várias técnicas ao mesmo tempo.

Durante o doutorado, a descoberta de um grande número de operários negros,

particularmente na cidade pelotense e que tinham uma rede organizativa completamente

diferenciada dos demais grupos, incluindo times esportivos e uma federação esportiva (o que

também aconteceu em Porto Alegre e em Rio Grande), me levou a privilegiar um setor dentre

os trabalhadores, a focar as pesquisas em uma parcela menor do conjunto operário, pois passei

a pesquisar os trabalhadores afro-descendentes, uma comunidade muito especial pelo fato de,

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sobre ela recair uma discriminação de classe, acoplada a outra, de cor. Estes eram os que

possuíam menores chances de ascensão social, estando-lhes fechadas muitas oportunidades de

saídas para a classe média, ou empregos não manuais. Assim, ao permanecer por mais tempo

formando parte no grande conjunto dos trabalhadores, famílias inteiras tinham que

desenvolver muitas estratégias alternativas para sobrevivência e normalmente, suas

associações e jornais teriam muitas características operárias, ao lado daquela da origem afro-

descendente.

Dessa forma, comecei pesquisas sobre os trabalhadores negros de Pelotas, cidade na

qual eles constituíram cerca de um terço da mão de obra durante a primeira república. Sua

rede organizativa, seus clubes de carnaval e de lazer, sua federação de futebol, jornais,

lideranças, num primeiro momento, tudo isso me chamou a atenção e fizemos, em conjunto

com a professora Lorena Gill, um projeto de história oral sobre seus clubes carnavalescos, que

foi muito positivo, tanto para nossos estudos, quanto, posso dizer, para os dois únicos clubes

ainda existentes, que passaram nos últimos tempos por um processo de afirmação de sua

negritude e de integração de seu trabalho com o movimento negro, o que, obviamente, não

credito ao nosso projeto, embora considere que tenha sido importante para a comunidade

negra da região, mas muito mais as políticas atuais do governo para este grupo.

Neste caso, o uso das técnicas de história oral, de fotografias e panfletos do clube foi

de grandíssima importância para nossos resultados, os quais, embora o projeto tenha

terminado há três anos, somos ainda chamadas a apresentar e a escrever sobre ele.

De outro lado, esta pesquisa permitiu, tal como atualmente está acontecendo com a

pesquisa de ofícios em vias de extinção (da qual vou falar adiante), a formação de muitos

bolsistas e estagiários, que participaram na elaboração da pesquisa desde os primeiros

momentos de coleta de dados em documentos escritos, passando por todas as etapas das

técnicas em história oral, até a análise e apresentação de dados, fato que considero de extrema

valia, pois há outros tipos de pesquisa que não tem abertura tão grande à participação de

alunos de graduação, pelas suas próprias características – e sabemos que este é uma tarefa que

deve ser cumprida pelos docentes pesquisadores.

Posteriormente, já bem pavimentada a pesquisa sobre os anos republicanos, a

curiosidade sobre a atividade anterior, nos tempos da abolição e mesmo antes, me fez voltar

bem atrás, até a década de 1880 e mapear, através dos meus mais caros instrumentos de

pesquisa – os jornais diários - a vida da comunidade negra pelotense. Muita coisa se

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esclareceu então, muitos aprofundamentos do que havia sido visto na tese e nas pesquisas

posteriores, tiveram lugar com esta ida ao passado.

Mas tenho que confessar que, quando agreguei a meus métodos cotidianos, algumas

outras fontes de pesquisas que nunca tinha pensado em utilizar, os resultados foram ainda

melhores e me permitiram ir muito mais longe na tentativa de reconstrução do que fora a

Pelotas de 1870 a 1930. Estes “novos” instrumentos para mim, são muito conhecidos pela

maioria dos pesquisadores de nossa área, pois dizem respeito as cartas de alforria e demais

instrumentos jurídicos de validação da propriedade escrava, como inventários e testamentos, e

processos crime, seja de trabalhadores livres ou escravos.

Foi através destes últimos, que consegui juntar várias situações e entender algumas

insinuações dos jornais, bem como, às vezes, ter alguns desapontamentos, como aquele de

descobrir que um dos militantes socialistas, afrodescendente, um “militante de toda a vida”,

sempre encontrado na presidência ou secretaria de várias associações, praticamente

amparando-as até seu final, talvez fizesse isso porque, de certa forma, elas auxiliavam a

encobrir sua verdadeira profissão, aquela que sustentava a ele e sua família, que era a de

banqueiro do jogo do bicho. Assim, de santos ou heróis - dependendo do historiador - eles vão

despindo as personificações imaginárias que nós lhes atribuímos e vão se transformando em

pessoas normais, comuns.

Filosoficamente, cantarolo para mim mesma, a estrofe de Gilberto Gil, da canção

“Procissão”:

“Eu também estou do lado de Jesus, só que acho que ele se esqueceu, de dizer que na

terra a gente tem, que arranjar um jeitinho prá viver........”

Estas novas/velhas fontes permitiram também avançar muito na pesquisa. Quando se

abriu o campo de estudo também se alargaram em muito os espaços materiais ou virtuais para

a pesquisa.

Quero deixar aqui meu testemunho, como pesquisadora que chegou ao estudo dos

escravos pelo lado do trabalho livre: as fontes sobre alforrias são riquíssimas. Por elas, estou

conseguindo recuperar e, se quiser, montar arvores genealógicas de alguns dos meus

biografados, traçar laços de parentescos ou amizades ou remontar a laços étnicos provenientes

da África, visíveis ainda no comportamento de famílias afrodescendentes no espaço das duas

cidades que pesquiso, ou redes de solidariedade entre plantéis, dos quais descendem os

trabalhadores que pesquiso depois de 1888.

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A publicação, há cerca de 10 anos, do resumo das cartas de alforria do interior do

estado gaúcho, seguidos agora de outros volumes dos arquivos sobre a escravidão, pelo

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, facilitaram enormemente a pesquisa, a

ponto de, às vezes, na busca de uma informação, se termina achando outra não imaginada.

Este tipo de pesquisa é prazerosa e a reputo como particular, individual, no sentido que me

dão extrema satisfação de realizá-las, nessa mescla de trabalho de detetive com romancista,

para dar vida aos meus personagens. Se apresentei um pouco de minhas pesquisas, foi no

sentido de demonstrar como o cruzamento de fontes, a ampliação da área e os novos enfoques

nos possibilitam crescer e produzir neste campo.

Bem, depois de ir ao individual, devo falar do plural, que é a parte mais importante do

trabalho realizado no Núcleo de Documentação Histórica. Ao longo dos 21 anos do Núcleo

completados em março de 2011, seus pesquisadores e bolsistas, em conjunto ou isoladamente

fizeram várias pesquisas com base em entrevistas de história oral temática, como de análise

das trajetórias de um grupo do MST, que havia invadido áreas de cultivo da Universidade e

conseguiram ser lá assentados. Também foi feita pesquisa junto a um grupo de quilombolas

da Serra de Canguçu, com características extremamente peculiares, isso em relação ao campo.

Quanto aos trabalhadores urbanos, além das pesquisas já citadas, pelo mesmo método

pesquisaram-se imigrantes judeus ou uruguaios e saúde do trabalhador, bem como mulheres

negras. Com base em documentos escritos, a relação entre grupos de artesãos e literatura ao

final do século XIX e a abolição na região sul também tiveram destaque. Cada uma destas

pesquisas conseguia reunir uma equipe com variados estágios de experiência acadêmica,

propiciando o crescimento do grupo e o treinamento dos recém-chegados.

Por outro lado, cedo nos demos conta que era impossível ficar apenas na figura de

pesquisador, sem exercer, também, a função de preservação, guarda ou resgate de acervos.

Assim, tivemos que arcar (embora com uma formação precária, mas que ainda era melhor do

que a daqueles que cuidavam dos acervos) com a organização ou assessoramento de arquivos

documentais ou acervos mais variados, de instituições díspares como a Biblioteca Pública

Pelotense e o Clube Carnavalesco Fica AI, além de dar assistência a outros projetos.

Depois, houve a vinda de acervos inteiros, em regime de comodato, como do DCE da

UFPel, do Grêmio de estudantes do IFSUL, ou do Diretório Municipal do PT. A partir de

inícios de 2001, demos guarida a um acervo extremamente importante, aquele da Delegacia

Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, que anteriormente estava com a UFRGS, mas

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sem espaço adequado ou condições de pesquisa. Então, suas 627.000 fichas-espelho,

contendo o formulário preenchido pelos trabalhadores para conseguir sua carteira de trabalho,

de 1933 até 1968 foi deixado a nossa guarda.

Por fim, em parceria com o Tribunal do Trabalho da quarta Região, conseguimos em

2005 a guarda de processos trabalhistas da comarca de Pelotas pelo Núcleo, processo

renovado agora com a incorporação de mais dois lotes, o que faz com que tenhamos o mais

completo arquivo de processos da justiça do trabalho gaúcha, desde seus inícios até o ano de

1995, num total de mais de 100.000 processos.

Atualmente, estes três acervos estão nos possibilitando várias formas de pesquisas

conjuntas.

O acervo da DRT está sendo digitado meticulosamente em um banco de dados próprio

e, mesmo em andamento, o trabalho já permite fazer muitos cruzamentos e tipos diferentes de

pesquisa. O acervo da Justiça do Trabalho está sendo pacienciosamente listado em relação aos

dados principais de cada processo, sendo utilizado, pela equipe do núcleo, acoplado a

pesquisas com história oral, especialmente em um dos projetos, que trata dos ofícios em

extinção. Assim, é possível ver, pelos autos, as principais reclamatórias e dificuldades

internas de cada profissão, para empregados e empregadores, e depois aprofundar estes pontos

através das entrevistas com velhos trabalhadores.

Realmente, acho que o mais importante é a interessante forma de trabalho – muito

utilizada pelas bolsistas do nosso núcleo – que é de mesclar os dados sobre profissões a partir

dos processos trabalhistas - com as entrevistas com antigos trabalhadores.

Também há outras formas pelas quais estes dados estão sendo utilizados, confirmando

dados de empresas e seus processos de trabalho, seja fazendo buscas por velhos trabalhadores

entre os reclamantes na justiça, por mestrandos de história ou de outros programas.

Encerrando, gostaria de dizer ainda que, em poucos anos – 20 anos no total das

mudanças na busca do “trabalhador comum” e dez anos de existência do GT Mundos do

trabalho - conseguimos ampliar nosso campo e hoje estamos mantendo uma boa interação,

embora resguardando a especificidades de cada regime de trabalho- entre aqueles que lidam

com o trabalhador livre e aqueles que lidam com o trabalhador escravo. Hoje, temos que nos

preocupar com a guarda e a preservação incólume de acervos, como aqueles da Justiça do

Trabalho, tarefa ainda em andamento, mas extremamente importante para que se tenha o

registro de parte importante da história dos trabalhadores desde meados do século XX e do

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seu grau de confiança na justiça. Sempre penso nas possibilidades que o estudo quantitativo

dos processos possa trazer, em termos de em que década e em qual cidade os trabalhadores

mais utilizaram aeste instrumento, ou então, em traçar a evolução dos motivos das

reclamatórias no estado, por cidade, sexo, idade ou profissões. As facilidades em buscar um

dado indivíduo, importante por algum motivo, como tendo feito uma reclamatória a Justiça e

poder avaliar suas razões e procedimentos.

Enfim, as possibilidades são tão imensas, de uso deste material, que acho que

realmente precisamos de outra nova geração de pesquisadores – a qual, espero, já seja

encontrada entre os próprios participantes desse encontro.

Grata.

Referências

LARA, Silvia Hunold. Escravidão, Cidadania e História do Trabalho no Brasil. In:

Projeto História. São Paulo, nº 16, fev. 1998, p. 25-38.

SADER, E. e PAOLI, M. Sobre classes populares no pensamento sociológico brasileiro (

Notas de leitura sobre acontecimentos recentes). In: CARDOSO, Ruth.( org.) A aventura

antropológica- teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p.39-67.

SIMÃO, Azis. Sindicato e estado. São Paulo: Dominus, 1966

RODRIGUES, José Albertino. Sindicalismo e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, Difel,

1968.

Autora Convidada

Recebido em Março de 2012