configuração de cooperativas na agricultura familiar no município

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Crises do Capitalismo, Estado e Desenvolvimento Regional Santa Cruz do Sul, RS, Brasil, 4 a 6 de setembro de 2013 CONFIGURAÇÃO DE COOPERATIVAS NA AGRICULTURA FAMILIAR NO MUNICÍPIO DE TERRA NOVA DO NORTE MT LOVATO, Deonice Maria Castanha Resumo: Este estudo tem como objeto de análise as Cooperativas no município de Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso, buscando estabelecer a relação da organização das cooperativas a partir da formação de comunidades rurais mediante um processo de colonização. Estabeleceram-se como objetivos a análise do processo histórico de ocupação na região; a atuação da cooperativa pioneira na formação de agrovilas; a organização atual das cooperativas que atuam no modo produtivo rural e as perspectivas para o desenvolvimento local e regional. O procedimento metodológico teve as seguintes etapas: primeiro, foi realizada uma revisão bibliográfica de livros, artigos, documentos oficiais que abordam o tema sobre a migração para a Amazônia mato-grossense. Em seguida, realizou-se a pesquisa empírica com base na entrevista semiestruturada com os agricultores familiares para entender como ocorreu o processo de ocupação na região e à luz da teoria compreender a formação das comunidades rurais e sua atividade produtiva. Também foram entrevistados os dirigentes das cooperativas do município para compreender as perspectivas de desenvolvimento local. A pesquisa, na medida em que permitiu entender o processo de ocupação da região, possibilitou-nos ilustrar que as comunidades rurais se constituem atualmente em unidades geográficas nas quais concretiza na permanência no meio rural, voltado para a agricultura familiar em uma relação de dependência com as cooperativas, embora sinalizem para a busca de iniciativas que geram trabalho e renda. Palavras-chave: Comunidades rurais. Cooperativas. Desenvolvimento Local. Introdução Com base no estudo da migração para a Amazônia, este trabalho tem como objeto de análise as configurações socioeconômicas no espaço rural do município de Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso buscando estabelecer a relação com a formação das comunidades rurais a partir do processo de colonização, com o objetivo geral de verificar as perspectivas para o desenvolvimento local da população no campo. Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso Campus de Colíder E-mail: [email protected]

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Crises do Capitalismo, Estado e Desenvolvimento Regional

Santa Cruz do Sul, RS, Brasil, 4 a 6 de setembro de 2013

CONFIGURAÇÃO DE COOPERATIVAS NA AGRICULTURA

FAMILIAR NO MUNICÍPIO DE TERRA NOVA DO NORTE – MT

LOVATO, Deonice Maria Castanha

Resumo: Este estudo tem como objeto de análise as Cooperativas no município de Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso, buscando estabelecer a relação da organização das cooperativas a partir da formação de comunidades rurais mediante um processo de colonização. Estabeleceram-se como objetivos a análise do processo histórico de ocupação na região; a atuação da cooperativa pioneira na formação de agrovilas; a organização atual das cooperativas que atuam no modo produtivo rural e as perspectivas para o desenvolvimento local e regional. O procedimento metodológico teve as seguintes etapas: primeiro, foi realizada uma revisão bibliográfica de livros, artigos, documentos oficiais que abordam o tema sobre a migração para a Amazônia mato-grossense. Em seguida, realizou-se a pesquisa empírica com base na entrevista semiestruturada com os agricultores familiares para entender como ocorreu o processo de ocupação na região e à luz da teoria compreender a formação das comunidades rurais e sua atividade produtiva. Também foram entrevistados os dirigentes das cooperativas do município para compreender as perspectivas de desenvolvimento local. A pesquisa, na medida em que permitiu entender o processo de ocupação da região, possibilitou-nos ilustrar que as comunidades rurais se constituem atualmente em unidades geográficas nas quais concretiza na permanência no meio rural, voltado para a agricultura familiar em uma relação de dependência com as cooperativas, embora sinalizem para a busca de iniciativas que geram trabalho e renda. Palavras-chave: Comunidades rurais. Cooperativas. Desenvolvimento Local.

Introdução

Com base no estudo da migração para a Amazônia, este trabalho tem como

objeto de análise as configurações socioeconômicas no espaço rural do município de

Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso buscando estabelecer a relação com a

formação das comunidades rurais a partir do processo de colonização, com o objetivo

geral de verificar as perspectivas para o desenvolvimento local da população no

campo.

Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso – Campus de Colíder

E-mail: [email protected]

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Estabeleceram-se como objetivos a análise do processo histórico de ocupação

na região; o meio ambiente e o modo produtivo e as perspectivas para o

desenvolvimento local da população do campo.

O município de Terra Nova do Norte-MT foi escolhido por apresentar

peculiaridades em sua origem e por sediar atualmente duas cooperativas: a

Cooperativa Agropecuária Mista Terranova Ltda - COOPERNOVA e a Cooperativa de

Agricultores Ecológicos do Portal da Amazônia – COOPERAGREPA.

A partir da pesquisa bibliográfica, foram levantados dados teóricos e com base

em entrevista semiestruturada realizada junto às populações das comunidades rurais,

analisando sua ocupação no processo inicial da colonização , sua organização

econômica pautada na agricultura familiar e as perspectivas das comunidades rurais

quanto ao desenvolvimento local e ao ajustamento dos produtores familiares na atual

fase do capitalismo.

1. Contextualização da origem do município de Terra Nova do Norte

Para este estudo é fundamental compreender os motivos que fizeram surgir o

Programa Terranova, cuja origem remonta nos acontecimentos do Estado do Rio

Grande do Sul, notadamente a região nordeste do Estado, em que os trabalhadores

rurais cultivavam as terras com lavouras de soja, trigo e milho nas reservas dos índios

kaingang1i, na condição de arrendatários2.

Convém destacar que a ação indígena de expulsão dos agricultores em suas

reservas está além da explicação que no início do mês de maio de 1978 os índios,

com base no Estatuto do Índio de 1973, expulsaram todos os camponeses de suas

reservas3.

Os conflitos pela posse da terra nesse caso foi assim descrito por Martins

(1995, p. 106-107):

Há poucos meses ocorreu a rebelião dos índios Kaingang, na região de Nonoai, no Rio Grande do Sul, que culminou com a expulsão de

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centenas de lavradores, muitos dos quais ocupando terra indígena como arrendatários do órgão oficial que se encarrega da tutela do índio, que é a Funai, transformaram-se em patrões dos Kaingang, utilizando-os como mão-de-obra de suas lavouras.

A expulsão dos agricultores pelos índios é assim relatada segundo Schaefer

(1985, p. 82):

Em inícios de 1978 os índios resolveram expulsar de suas reservas em Nonoai no Rio Grande do Sul, os milhares de colonos que ao longo de 40 anos foram ocupando e se instalando nas terras indígenas. O próprio Serviço de Proteção ao Índio (SPI) chegou a incentivar na década de sessenta tal ocupação, arrendando oficialmente as terras da reserva aos colonos. A situação em 1978 se tornou crítica e o governo estadual teve que enviar tropas à região, sendo várias centenas de famílias alojadas num parque de exposição de animais em Esteio, perto de Porto Alegre.

Diante da situação de emergência, o governo federal por meio do Ministério

do Interior, Maurício Rangel Reis, no mês de maio de 1978 convidou a Cooperativa

Agropecuária Mista de Canarana Ltda. – COOPERCANA, liderada pelo pastor luterano

Norberto Schwantes4, a apresentar um projeto de assentamento dos colonos no

Estado de Mato Grosso e assim credenciar a cooperativa para proceder o rápido

assentamento das famílias. Considerando que na época, para o regime militar,

Schwantes já havia empreendido dois projetos de colonização5 com certo êxito no

Mato Grosso.

Na verdade, a partir da década de 1970, crescia no Estado do Rio Grande do

Sul o movimento dos trabalhadores rurais que exigiam a reforma agrária, porém, o

governo federal via na possibilidade das cooperativas a ocupação de grandes áreas

territoriais no norte de Mato Grosso por colonos proletários, sem precisar alterar a

estrutura fundiária no Sul.

Dessa forma, Castro [et alL] (1994, p. 46), pontua que,

A união das cooperativas com o governo federal nos projetos de colonização significou, na realidade, uma articulação visando dar um direcionamento ao desenvolvimento agrário conservador que as lutas sociais no campo, muitos intensas no Sul da década de 70, poderiam comprometer. O poder público, ao aliar-se com as cooperativas, fez delas um instrumento para a reforma na estrutura agrária, subordinando-as e tornando-as veículo de suas políticas. Desta aliança

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o poder público emergiu ainda mais fortalecido ao fazer com que a cooperativa se tornasse co-participante de um governo que não mais conseguia legitimar-se.

Esse empreendimento conjunto representou a primeira experiência de

colonização oficial no Estado de Mato Grosso, sob a coordenação do INCRA, que

tratado diretamente pelo Conselho de Segurança Nacional, pois se temia que o

acontecimento alcançasse a dimensão de uma convulsão social agrária no Sul do

país.

Observa-se que a emergência de assentar as famílias não era em si na

primeira instância com a situação de calamidade em que se encontravam as pessoas,

mas sim com o transbordamento do acontecimento em conflitos sociais em plena

ditadura militar. Na verdade, o Estado do Rio Grande do Sul nesse momento

começava evidenciar conflitos e movimentos organizados pela reforma agrária.

Nesse contexto, o Programa Terranova estava inserido no âmbito da questão

agrária do Brasil na década de 1970, em que a expansão do capitalismo no campo foi

marcado por uma modernização conservadora sem alterar a estrutura fundiária e ao

mesmo tempo, apresentava uma “possível solução” aos camponeses expropriados de

suas terras ou em vias de expropriação.

Na região amazônica, a abertura das novas frentes de ocupação apresenta um

caráter contraditório da formação da estrutura fundiária na lógica do desenvolvimento

capitalista, pois, conforme Oliveira (1997, p. 143) observa, “o processo que leva os

grandes capitalistas a investirem na fronteira contém o seu contrário, a necessária

abertura aos camponeses e demais trabalhadores do campo”.

1.1 Objetivos e diretrizes do Projeto Terranova

O modelo de assentamento realizado com o Projeto Terranova foi chamado de

Projeto de Ação Conjunta – PAC, em que consistia em um projeto de colonização

implantado pelo Governo Federal (INCRA) e gerenciado por uma cooperativa, no caso

a COOPERCANA - Cooperativa Agropecuária Mista de Canarana Ltda, que ficou a

cargo da elaboração e execução dos Projetos.

Os colonos deveriam associar-se à cooperativa e esta venderia os lotes aos

colonos pelo mesmo valor de aquisição pela cooperativa. O colono por sua vez, teria o

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financiamento para a aquisição do lote, para ferramentas, implementos agrícolas e

custeio anual das lavouras.

De acordo com as diretrizes estabelecidas no Programa Terranova (1978, p.

68), a cooperativa deveria assumir os gastos de infraestrutura física, se

responsabilizaria por dez alqueires desmatados de cada lote e a construção da

moradia do colono, tudo isso incluído no valor do lote adquirido.

Por sua vez, a cooperativa prestará ao colono associado toda a assistência

técnica com a produção agrícola e a sua comercialização, bem como prestar

assistência social e recreativa à comunidade rural.

Na proposta inicial não havia sido previsto o sistema de assistência aos

parceleiros em nucleamentos urbanos secundários, as agrovilas, o que não constou

no orçamento preliminar, porém, em tempo, foi incluído no orçamento os recursos

necessários para a formação das agrovilas.

Com referência a formação de agrovilas, essa opção é explicitada por

Schwantes (1989, p. 152-153):

Para não dispersar as famílias pela mata e eventualmente termos problemas com surtos de malária, e para ter condições de oferecer escolas às crianças achei que deveríamos localizar os colonos em agrovilas. De 100 a 150 famílias em cada agrovila, calculei. Uma grande agrovila a cada 10 quilômetros, assim o lote mais distante ficaria a cinco quilômetros da agrovila, com acesso pela J-1 ou pela BR. Contrataríamos tratores, abriríamos as agrovilas, perpendiculares às estradas, cada agricultor receberia 2 hectares de terra na agrovila para que pudesse fazer sua horta caseira e manter ali uma vaca de leite. Construiríamos pequenas casas de madeira de 40 metros quadrados. [...] E a partir de então, teríamos condições de construir uma agrovila a cada 15 dias, ou seja, receber 100 famílias a cada 15 dias.

O núcleo urbano principal estava previsto para ser dimensionado e detalhado

nos estudos do Projeto da 2ª etapa, a ser construído no entroncamento da J-1 com a

BR-163 e posteriormente uma unidade de um hospital a ser construída no núcleo de

apoio, embrião da futura cidade de Terra Nova do Norte, conforme os dados do

Projeto Terranova I (1978, p. 77).

Quanto aos objetivos do Projeto Terranova destacamos alguns itens no

aspecto social, político e econômico contido no documento dos estudos técnicos do

Programa de Colonização Terranova I (1978, p. 24-25):

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Reassentamento em caráter de emergência, de 1.000 famílias de colonos que já foram expulsos ou que estão na iminência de serem desalojados de áreas indígenas nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Proporcionar aos colonos o acesso à propriedade de um lote rural, a ser adquirido através de crédito fundiário, e integrante de um Projeto de Colonização pelo qual se assegure as condições mínimas de infra-estrutura física, social e econômica, necessárias para, através de sua exploração agrícola, garantir as melhores condições de subsistência da família. [...] Promover e agilizar o processo de povoamento dos grandes vazios demográficos da Amazônia, mato-grossense, mediante ocupação a ocupação racional e ordenada do território através de Programas de Colonização, ordenado o fluxo migratório com a transferência para essas regiões, de famílias de colonos desalijados de áreas indígenas e que compõem os grandes produtores rurais sem terra, excedentes de regiões minifundiárias do Sul do país. [...] Ampliação da oferta de trabalho, dimensionado a nível de ocupação familiar, pela abertura de novas frentes de assentamento de agricultores em programas de colonização agrícola. Expansão das fronteiras agrícolas do país pela incorporação de novas áreas no processo produtivo. Formação de novas comunidades de produtores rurais devidamente assistidos pelo sistema cooperativo. Promover e acelerar o processo de desenvolvimento social e econômico da Amazônia mato-grossense.

Nesse sentido, o projeto na sua primeira etapa foi elaborado com as limitações

de um projeto de assentamento de emergência, inclusive os custos de transporte das

famílias para a área do Programa era de responsabilidade do Governo Federal.

Com relação às fontes de recursos financeiros, estava previsto o financiamento

fundiário no Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do

Norte e do Nordeste - PROTERRA, junto ao Banco do Brasil com recursos alocados

pelo Banco Central. Dessa forma, a concessão de terras foi feita no início do INCRA

para a cooperativa, e assim a mesma conseguiu um financiamento fundiário.

Estava incluído para os investimentos na infraestrutura social do Projeto pela

cooperativa, o financiamento para planos específicos pelo Programa de Polos

Agropecuários e Agros minerais da Amazônia - POLAMAZÔNIA6 e o Programa

Nacional de Armazenagem - PRONAZEM7.

Quanto à infraestrutura social foi previsto em cada agrovila áreas necessárias

à instalação de um posto de serviços da COOPERCANA, de uma escola, um

ambulatório médico e dentário e um centro social e recreativo, e de outros

equipamentos comunitários, como oficinas, depósitos e templos religiosos.

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O atendimento à educação e a saúde no início da implantação do Projeto

ficaria a cargo da cooperativa e depois os órgãos públicos se responsabilizariam por

cada setor.

Quanto à produção agrícola, o Programa previa que o suporte econômico

seria o cultivo das culturas temporárias de arroz, milho, feijão, mandioca e amendoim

durante os dois a três anos da abertura e desbravamento da terra; e posteriormente,

as culturas permanentes de cacau, café, banana e guaraná.

Inclusive constava no Projeto inicial os gastos com a produção das culturas

temporárias nos três primeiros anos, com os níveis de produtividade e o lucro obtido

por cultura, uma vez que, a cooperativa contava com parte do recurso investido seria

coberto com a venda dos lotes aos colonos.

Os parceleiros8 foram assentados nas agrovilas que correspondiam aos

Setores A, B, C, D, E e F e formaram as seguintes agrovilas: Agrovila Esteio (1ª),

Agrovila Planalto (2ª), Agrovila Nonoai (3ª), Agrovila Guarita (4ª), Agrovila Xanxerê (5ª)

e a Agrovila Miraguaí (6ª).

Cada família recebeu um lote rural de 100 ha, um lote para-rural9 na agrovila e

mais 100 ha de reserva florestal, que compunha umas das áreas das Quatro reservas

de condomínio, destinadas a reserva legal de 50% correspondente na época.

Devido a vinda de outros migrantes vindos do Sul e do Sudeste no início dos

anos de 1980, grandes áreas das reservas foram ocupadas.

Para dar continuidade ao assentamento das famílias remanescentes das

reservas indígenas de agricultores sem terra no Rio Grande do Sul, foi elaborada a

segunda parte do programa denominado Projeto Terranova II. Porém, foi realizado em

caráter de emergência porque o governador gaúcho apressou a COOPERCANA para

transferir as famílias, porque não queria mais ter que arcar com os gastos destas.

Assim, a transferência de 210 famílias ocorreu de dezembro de 1979 a

fevereiro de 1980, em regime precário devido a época das chuvas fortes no norte de

Mato Grosso.

No total vieram no Projeto Terranova II aproximadamente 434 famílias, para

os setores G, H e I, respectivamente denominadas de Agrovila Charrua (7ª), Agrovila

Minuano (8ª) e Agrovila Norberto Schwantes (9ª). As famílias para a 2ª etapa do

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Projeto eram provenientes das cidades gaúchas de Nonoai, Planalto e Tenente

Portela. O final do assentamento dos colonos no Projeto Terranova II foi concluído em

dezembro de 1980.

O tamanho do lotes diminuiu porque o novo diretor do INCRA julgou muito

grande os lotes da primeira etapa do Projeto, cada colono recebia da mesma forma

que no Terranova I três áreas descontínuas, o lote rural que foi de 50 ha, um lote para-

rural e 50 ha de reserva florestal.

Assim, foram assentados colonos em nove agrovilas, num total de 1.071

famílias assentadas no Projeto Terranova I e II.

Em fins de 1982, o INCRA assentou mais um núcleo, ocupando o Setor H,

chamado de 10ª Agrovila, em que foram assentados 160 famílias de posseiros que

ocupavam desordenadamente uma área destinada a receber 180 agricultores

desalojadas de uma reserva indígena do município de Barra do Garças.

A cada lote rural do setor corresponde a um lote na Agrovila. Quanto à

mudança para o lote rural ficava a critério da família do colono. Porém, a maioria dos

colonos transferiram para o lote rural com a família devido a distância da agrovila de 5

a 9 km a pé. Muitos venderam ou alugaram o terreno na agrovila para outros

migrantes.

Conforme pontua as diretrizes do Projeto Terranova I (1978, p. 29), o crédito

para a compra dos lotes é de até 100% do valor do lote, para pagamento no prazo de

14 anos, com carência de 4 anos, a taxa de juros de 12% ao ano, sem correção

monetária e como garantia era a hipoteca do lote e o instrumento era a escritura de

compra e venda com contrato de abertura de crédito.

Quanto às culturas permanentes para o lote padrão foi selecionado o cultivo

do café, do cacau, do guaraná, da seringueira e da pimenta do reino. A cultura do café

e do cacau teria a orientação técnica-econômica da Coopercana e regidas por

políticas através de entidades governamentais, que controlariam a produção,

beneficiamento e a comercialização, conforme dados dos estudos técnicos do

Programa de Colonização Terranova I (1978, p. 135-136).

A exploração madeireira foi comercializada no momento da abertura dos

lotes, em que a cooperativa instalou uma serraria no núcleo de apoio para viabilizar o

aproveitamento da madeira.

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A configuração do espaço rural do atual município de Terra Nova do Norte

começa a se delinear com a ocupação e organização em trono das agrovilas. Daí vai

desencadear um processo característica de uma ruralidade permeada pelas relações

estabelecidas entre seus componentes. Processo esse em curso nos dias de hoje.

1.2 Desdobramentos e crise da COOPERCANA

Muitos acontecimentos marcaram o Projeto Terranova I e II desde seu

princípio, como a visita do presidente da república, General Emílio G. Médici, que

estava marcada para o mês de setembro de 1978, porém o Conselho de Segurança

Nacional vetou a vinda, devido a denúncias contra Norberto Schwantes e a

COOPERCANA. A partir daí, o governo federal revogou o decreto de criação do

Projeto Terranova, porém, uma comissão liderada por Schwantes foram até Brasília,

em que o presidente voltou atrás, no entanto, modificou o Projeto com cortes nos

recursos financeiros.

No final de novembro de 1978, o governo federal foi contrário a transferência

das terras à cooperativa, e foi oficialmente comunicado em janeiro de 1979, no

gabinete do ministro do Interior em Brasília, que foi alterado os compromissos

assumidos pela Exposição de Motivos Interministerial nº 041/78, em que as terras do

Projeto Terranova I e II pertenceria à União e o INCRA iria titular diretamente os

colonos.

Por sua vez, a cooperativa perdeu estímulo pelo Projeto, pois esperava obter

vantagens com a concessão das terras e se considerou apenas como uma prestadora

de serviços.

Segundo os dirigentes da COOPERCANA, em seu Informe Institucional, o

Projeto não foi abandonado por razões de ordem moral e ética diante da situação dos

colonos que se encontravam dependentes da assistência que a cooperativa lhes vinha

proporcionando.

Dessa forma, o Projeto Terranova I e II estava totalmente dependente de

investimentos oficiais, o que a partir daí surgiram muitas dificuldades para os colonos

parceleiros e para a própria COOPERCANA.

A situação tornou-se pior com a posse do presidente Ernesto Geisel a partir de

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abril de 1979, e os novos dirigentes do INCRA demoraram a se inteirar do Projeto

Terranova. Até então não tinha sido expedido nenhum título de propriedade e o atraso

do financiamento. Os primeiros títulos do lote de terra saíram a partir de junho de 1979

e os primeiros financiamentos aos colonos em fins de julho de 1979 a janeiro de 1980.

Em 1980, foi um ano crítico com a falta de incentivo e assistência técnica fez

com que a cooperativa racionasse os mantimentos e o auxílio aos colonos. Ocorreram

muitos desentendimentos entre os colonos e a COOPERCANA, segundo relatos dos

colonos entrevistados um deles foi um protesto dos parceleiros em 1981, quando a

cooperativa quis descontar o gasto dos colonos antes do prazo. Os colonos revoltosos

tomaram a sede da cooperativa e estabeleceram um prazo para negociar as contas

dos colonos devedores.

Em 23 de julho de 1980, o Programa Terranova I recebeu a visita do

governador do Rio Grande do Sul, Amaral de Souza, e deputados estaduais, em que

constataram as péssimas condições de vida dos colonos e a partir disso, o Projeto foi

visitado e fiscalizado por representantes de órgãos federais. Segundo os

entrevistados, a administração da cooperativa ficou difícil.

De acordo com o documento enviado ao presidente do INCRA em dezembro

de 1980, a cooperativa relata as dificuldades de estradas, a malária, a falta de

vocação agrícola do colono e a crise financeira da cooperativa diante do grande

retorno dos colonos ao Sul. Dificuldades esta que, em 1981, na Agrovila Esteio

permaneceu apenas dezesseis famílias.

Na verdade, os colonos estavam endividados, pois, a cooperativa foi

intermediária entre o Banco do Brasil e os colonos, em que todos os gastos com o

Programa foi debitado na conta dos colonos parceleiros. Constatou-se que em 1982,

60% dos colonos estavam endividados.

Em dois anos foram passados mais de quinze médicos, em uma situação

crítica de doenças tropicais, principalmente a malária, que em 1980 detectou cerca de

3.720 casos da doença. A malária não era conhecida pelos colonos sulistas, o que

dificultava a prevenção da mesma.

Devido às dificuldades financeiras em 1981, a cooperativa fechou o hospital,

em seguida os médicos abriram o hospital particular, no entanto, a carência dos

colonos piorou ainda mais.

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Assim, o Projeto Terranova em crise provocou a desistência de muitos colonos

parceleiros, desiludidos com as promessas feitas e diante das dificuldades financeiras,

a falta de infra-estrutura e péssimas condições sociais. Segundo Santos (1993, p.

169), “a escassez de alimentos, a falta de assistência, de medicamentos, de meios

financeiros em suma”.

Oliveira (1997, p. 151) analisa que,

O projeto Terra Nova, implantado em área de mais de 200 mil há, conheceu rapidamente problemas particularmente relacionados com a malária e com a distância dos centros consumidores do país. Assim, o projeto passou a se constituir numa espécie de marco para o processo de retorno dos gaúchos que foram transferidos do Rio Grande do Sul para o Mato Grosso.

Registrou-se praticamente 80% de desistência dos colonos no Projeto

Terranova no período de 1979 a 1981, em que a maioria retornou ao Sul, de acordo

com o relato de Santos (1993, p. 169):

Para voltar para o Sul, os agricultores venderam com abatimento seus títulos de propriedade ou seus contratos de compra da propriedade. Em certos casos, chegaram a baixar o preço dos títulos de propriedade até o equivalente da passagem de volta para a família; ou ainda estabelecendo todo um sistema de troca entre uma parcela em Terranova e um lote no Sul. [...] O retorno ao Sul se tornou possível graças à rede familiar e de vizinhança que permaneceu lá, por precária e instável que fosse.

Com relação aos colonos parceleiros, Santos (1993, p. 148) faz uma

importante análise ao destacar que foram os pioneiros forçados ao sabor das

dificuldades, pois foram “aqueles que mais sofreram a precariedade das condições de

assentamento, de vida e de produção no Programa”.

No entanto, metade destes que ficaram com as terras atualmente venderam as

terras e residem na cidade como trabalhadores assalariados em vários ramos de

atividades ou como funcionários públicos.

De acordo com o levantamento do estudo em questão, atualmente cerca de

10% dos colonos pioneiros permaneceram no Projeto Terranova.

Em um processo contraditório, ao mesmo tempo que houve uma significativa

saída de colonos parceleiros, Terra Nova do Norte também recebeu uma segunda leva

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de migrantes, os chamados colonos compradores10, que vinham do Sul mediante o

rumor de notícias que o governo federal estava vendendo lotes a preços irrisórios.

Dessa maneira, os colonos compradores eram pequenos proprietários no Sul e

com venda de suas terras resgataram os títulos de propriedade dos colonos parceleiro

a preços baixos e ainda sobrava algum dinheiro para investir na produção.

Também havia os camponeses posseiros, embora alguns deles terem chegado

antes da colonização do Projeto Terranova. Entretanto, o seu movimento torna-se

mais intenso a partir de 1980. Segundo Santos (1993, p. 150-151), o crescimento de

posseiros11 foi significativo, pois de início cerca de 800 pessoas, “atingindo cinco mil

pessoas em 1984”.

Os posseiros ocuparam as terras devolutas situadas atrás dos lotes dos

colonos, repartiram as áreas entre 50 a 100 ha e ficaram meio escondidos

praticamente por um ano. A abertura das terras foi por conta própria e não tiveram

acesso ao crédito e comercialização pela cooperativa.

Quanto à formação do núcleo urbano este desde o início da implantação do

Projeto Terranova já tinha sido pensado. O projeto da cidade12 foi feito pelo arquiteto

Pedro Wily Kirst, iniciou-se a venda dos terrenos urbanos em que foi inaugurado em

12 de abril de1982, com a denominação Terra Nova do Norte.

As primeiras construções incluíam: a sede administrativa da cooperativa, uma

unidade de recebimento e armazenamento de cereais, o posto de gasolina, o hospital

da Fundação SESP13, a escola estadual Doze de Abril com o ensino médio, um

supermercado da Companhia Brasileira de Alimentos - COBAL entre outras.

Conforme relata Santos (1993, p.132), sem demorar muito “a cidade atraiu os

estabelecimentos necessários a seu funcionamento: em 1984, já se podia contar com

56 estabelecimentos comerciais. O povoado viu logo constituir-se sua elite local”.

A emancipação de Terra Nova do Norte aconteceu no dia 13 de maio de 1986,

através da Lei Estadual nº. 4.995, com território desmembrado do município de

Colíder.

Das 10 comunidades constituídas no início do projeto de assentamento, três se

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desmembraram do município por meio de emancipação própria, as Agrovilas Planalto

(2ª), Nonoai (3ª) e Guarita (4ª) formam hoje o município de Nova Guarita, ocorrido em

1992.

A medida que a cidade de Terranova começou a se formar, a primeira

aglomeração urbana do Projeto que foi em torno da sede da COOPERCANA e do seu

entreposto de alimentos, o local começou a decair.

A dinâmica do fluxo populacional na região tornou-se mais intenso com a

ocorrência de muitos garimpos, por volta do ano de 1983.

A atividade garimpeira aconteceu em um processo paralelo aos projetos de

colonização, que na maioria dos casos foram fadados ao insucesso. Assim, o garimpo

representou uma atividade “compensatória” dos migrantes iludidos e esperançosos

com um futuro melhor.

2. O papel da COOPERNOVA na dinâmica da agricultura familiar

A agricultura familiar em Terra Nova do Norte tem atualmente sua dinâmica

pautada na Cooperativa Agropecuária Mista de Terra Nova – COOPERNOVA, que foi

fundada em 1987 por desmembramento da COOPERCANA, a responsável pela

colonização do Projeto Terranova I e II, em que a COOPERNOVA se confunde com a

própria história do município.

De acordo com as entrevistas realizadas com os proprietários rurais atuais e

dirigentes da COOPERNOVA, o desmembramento ocorreu tendo em vista que os

associados da Coopernova das Unidades Terranova, Nova Guarita e Norberto

Schwantes em numero de 201 dificilmente participavam das decisões tomadas pela

matriz em Barra do Garças, distante 1.300 Km de Terra Nova do Norte.

Tendo em vista a trajetória histórica de Terra Nova do Norte, sua economia

sempre teve na agropecuária sua base de sustentação e passou por três fases

distintas, como se pode notar:

Na primeira fase, de 1979 a 1985, a produção agrícola de arroz, milho, feijão e

café foram expressivos onde as lavouras eram formadas após a derrubada da mata e

os cultivos eram manuais, no início do processo de ocupação da região pelos colonos

do Sul.

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A segunda fase, no período de 1986 a 1991, foi um período em que a atividade

agrícola perdeu impulso, pela descoberta de garimpos de ouro na região, trazendo

mais problemas principalmente de saúde (malária e leischmaniose) do que riqueza.

De acordo com a pesquisa realizada, este período mais precisamente em

1989 a Fundação Banco do Brasil autorizou a APRONOVA – Associação dos

Produtores Rurais de Terra Nova a elaborar o Plano de Desenvolvimento Comunitário

Integrado - PDCI, com projetos de apoio voltados à produção agrícola, construção de

escolas e um Centro Comunitário que amenizaram os impactos sofridos com dura

realidade do retorno da atividade garimpeira.

Em 1991 vieram às mudanças com reuniões nas comunidades rurais e foram

criados comitês educativos onde foram definidas prioridades e metas a curto, médio e

longo prazo.

Na terceira fase, de 1992 até o momento, a produção agrícola praticamente se

tornou uma atividade de subsistência colocando a pecuária em primeiro lugar na

economia municipal. Devido às características de solo, topografia e sistema fundiário a

pecuária de leite foi a alternativa encontrada na época para gerar renda principalmente

nas pequenas propriedades.

A partir daí iniciava-se o ciclo da pecuária de leite que com os financiamentos

concedidos pelas linhas de crédito incrementaram tanto a produção como a

capacidade de recepção de leite da indústria tornando atualmente o município de

Terra Nova do Norte, como o maior produtor de leite da região Norte do Estado e a

COOPERNOVA como a indústria de maior captação de leite.

Conforme os Catálogos COOPERNOVA (2007) e (2008), suas principais

atividades são assim destacados:

- Bovinocultura de leite: A principal atividade desenvolvida pela Cooperativa é a de

recebimento e industrialização de leite em queijos e outros derivados atividade esta

desenvolvida por 85% (oitenta e cinco por cento) do quadro social cuja produção

média situa-se em torno de 50 litros de leite/dia. Toda a produção de derivados

lácteos (queijos – prato e mussarela, manteiga e doces) tem venda certa para os

estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

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- Fruticultura: Iniciado em 2002, o Projeto de Fruticultura envolvendo 212 produtores

que cultivam cajueiro anão precoce, maracujá, abacaxi, acerola, cupuaçu, graviola e

goiaba, totalizam a área cultivada de 405 hectares.

- Regularização de documentos: Anualmente a Cooperativa presta serviços de

regularização de documentos aos seus associados, no preenchimento de declaração

anual de produtor rural junto à Secretaria da Fazenda do Estado de Mato Grosso, a

Declaração de ITR, a Declaração de Isento de CPF junto à Receita Federal e a

Declaração de Cadastro de Imóvel Rural junto ao INCRA.

- Elaboração de projetos e assistência técnica: Contando com um Departamento

Técnico composto por técnicos agrícolas, Médico Veterinário, engenheiro agrônomo,

em que a cooperativa elabora projetos técnicos para custeio e investimento através de

convenio com o Banco do Brasil.

- Produção de mudas frutíferas e florestais: Em parceria com a Prefeitura Municipal de

Terra Nova do Norte e a Comissão Executiva do Plano Cacaueiro – CEPLAC, do

Ministério da Agricultura a cooperativa mantém para produção de mudas frutíferas e

para reflorestamento um viveiro, onde são produzidas as mudas utilizadas nos

projetos de fruticultura, mudas estas com variedades e clones fornecidas pela

EMBRAPA.

- Produção de ração, concentrados e suplementos minerais: Através de convenio com

o Banco Mundial e a Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso foi

implantada em 1998 pela Cooperativa uma fabrica para produção de rações

concentrados e suplementos minerais para bovinos, suínos, aves visando o

aproveitamento das matérias primas produzidas na região tais como milho e soja.

- Recebimento, secagem e armazenamento de cereais: Os associados tem à

disposição duas unidades para recebimento, secagem e armazenamento

principalmente de arroz e milho com capacidade de recepção diária 120 Toneladas e

capacidade estática de armazenagem de 130.000 sacas.

- Loja de produtos agros veterinários: Estão instaladas na cidade de Terra Nova do

Norte e Nova Guarita lojas para atendimento aos associados com o fornecimento de

bens de produção e insumos utilizados nas propriedades nas atividades agrícolas e

pecuárias.

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- Loja de produtos alimentícios: venda de vários tipos de queijos, polpa de frutas,

frutas in natura, doces caseiros e salames dos sócios.

Dessa forma, a diversificação da produção é outra estratégia direcionada para

o aumento da renda das populações rurais do território. Ações no sentido de fomentar

a produção estão sendo desenvolvidas.

Conforme entrevista com os atuais dirigentes da COOPERNOVA, esta iniciou

com 210 agricultores associados e hoje conta com cerca 2.170 associados, sendo

desta metade dos associados pertencem ao município de Terra Nova do Norte e os

demais municípios são: Nova Guarita, Nova Santa Helena, Colíder e Peixoto de

Azevedo, Matupá, Novo Mundo e Guarantã do Norte, todos com atividades

desenvolvidas com pequenos produtores rurais na pecuária leiteira.

Atualmente a COOPERNOVA se destaca no cenário estadual por ser a maior

cooperativa em números de associados no Estado de Mato Grosso endo em sua

maioria, cerca de 98%, agricultores familiares, cujas propriedades fazem parte de

diversos assentamentos do INCRA na região, totalizando em dezembro de 2012,

2.237 associados, segundo dados do histórico no site COOPERNOVA Agroindustrial

(2013).

Convém destacar que a produção leiteira na região tem condições de dobrar a

produção, porém, o produtor familiar encontra-se com poucos recursos para ampliar o

investimento na produção.

Quanto à incorporação de tecnologia, metade dos produtores de leite possuem

resfriador e muitos utilizam a ordenha mecanizada.

Nesse sentido, a dinâmica da agricultura familiar em Terra Nova do Norte está

no âmbito da atuação da COOPERNOVA, que garante a fixação do agricultor no

campo e ao mesmo tempo a ruralidade embora em outro contexto do que ocorreu no

processo de ocupação das agrovilas, continuam a manter as atividades comunitárias

com promoção de eventos festivos, religiosos e recreativos.

Portanto, o pequeno proprietário com sua produção não desaparecem com as

transformações no processo de trabalho, coexistindo de forma complementar com o

grande capital, como se constata na afirmação de Ianni (1999, p. 39), em que “a

pequena produção continua a ser importante no conjunto da vida socioeconômica no

mundo agrário”.

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3. A COOPERAGREPA e a produção orgânica em Terra Nova do Norte

No município de Terra Nova do Norte está localizada a sede da Cooperativa de

Agricultores Ecológicos do Portal da Amazônia – COOPERAGREPA, inaugurada em

agosto de 2003 com a produção orgânica de laticínios, frangos, mandioca, verduras,

doces, frutas, café, castanha do Brasil, guaraná em pó, açúcar mascavo e melado.

Sua criação fazia parte do programa Vida Rural Sustentável, coordenado pelo Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, composta por cerca de

300 famílias em 10 municípios do Portal da Amazônia, atuando na área de café,

açúcar mascavo, rapadura, leite, mel entre outras atividades.

Foi criada a marca BioAgrepa, marca registrada dos produtos orgânicos da

COOPERAGREPA presentes na merenda escolar e nos pequenos supermercados.

Conforme pontua Olival (2005),

Segundo o site da BioAgrepa (2009), no ano de 2004, a COOPERAGREPA e

seus sócios receberam o primeiro Certificado de Produtos Orgânicos, da certificadora

ECOCERT Brasil.

Nesse mesmo ano, com apoio do MDA – Ministério do Desenvolvimento

Agrário, a COOPERAGREPA apresentou seus produtos certificados na BioFach

América Latina, realizada na cidade do Rio de Janeiro e em 2005 participou da

BioFach Alemanha, em que foi até realizado um contato com a Multikraft – Áustria,

empresa parceira na concretização da primeira exportação da COOPERAGREPA,

porém, de acordo com seus dirigente, o problema maior foi a pouca produção para

atender a demanda para exportar.

No início, a COOPERAGREPA mantinha a produção de orgânicos em Terra

Nova do Norte, destaca-se o melado e rapadura de cana-de-açúcar na Comunidade

São Roque, com 10 famílias associadas e na Comunidade Miraguaí, com 15 famílias

associadas. Com o leite na Comunidade Xanxerê, com 9 famílias associadas e a

produção de mandioca na Comunidade Novo Progresso, com10 famílias associadas.

De acordo com o site da BioAgrepa (2009), a COOPERAGREPA conquistou

os seguintes prêmios: Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente – 1º Lugar na

Categoria Negócios Sustentáveis em 2005; Prêmio Valores do Brasil – 1º Lugar na

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Categoria Bioma Amazônia em 2008 e Prêmio FINEP de Inovação Tecnológica – 3º

Lugar na Categoria Pequenas Empresas em 2008.

Em maio de 2010, a COOPERAGREPA participou do 5º Salão do Turismo, em

São Paulo e, conforme destaca Teixeira (2010), “a COOPERAGREPA é a única

associação mato- grossense selecionada pelo Ministério do Turismo neste ano para

levar seus produtos ao mercado da agricultura familiar no evento”.

A COOPERAGREPA passou por um período de crise, em que ocorreu a

desistência de muitos associados e o Programa do SEBRAE desfez a parceria com a

cooperativa. A diretoria ficou inativa e a sede ficou fechada por uns dois anos.

Em 2012, a COOPERAGREPA composta por outra diretoria está tentando

reerguer e estimular a produção orgânica. Mediante entrevista, atualmente a

cooperativa tem cerca de noventa sócios ativos, distribuídos nos municípios de Terra

Nova do Norte, Guarantã do Norte, Nova Guarita e Novo Mundo.

Quanto à fiscalização da produção orgânica, em cada comunidade há uma

pessoa responsável para garantir a certificação dos produtos, que são frutas, verduras

e legumes.

O que está mantendo a cooperativa são dois projetos: um é com a CONAB -

Companhia Nacional de Abastecimento da seguinte forma: um funcionário da prefeitura

municipal passa de ônibus toda semana recolhendo os produtores, controlado por uma

ficha do que foi recebido que fica com o proprietário. Os produtos são distribuídos para

a merenda escolar das escolas públicas, APAE, albergue e Secretaria de Assistência

Social.

Todo início do mês, os produtores trazem o canhoto da ficha do que

entregaram e veem na sede da cooperativa receber o valor correspondente ao que

entregou em cheque do Banco do Brasil. Esse dinheiro é repassado diretamente da

CONAB para a cooperativa, em que 7% do valor fica para os gastos de manutenção

da cooperativa.

De acordo com a entrevista, o segundo projeto é firmado com a Inter-

Amercican Foundation - Fundação Interamericana (IAF), que é um órgão

independente do Governo dos Estados Unidos, foi criada pelo Congresso dos EUA em

1969 para canalizar a ajuda para o desenvolvimento diretamente às pessoas de baixa

renda organizadas na América Latina e no Caribe.

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A Fundação Interamericana mantem várias parcerias no Brasil, porém com a

COOPERAGREPA é única no Estado de Mato Grosso, conforme está no site da IAF

(2013): “Cooperativa de Agricultores Ecológicos do Portal da Amazônia

(Cooperagrepa), US$43.000 por um ano; contrapartida comprometida: US$29.500”.

Segundo Goulart e Goulart (2011) destacam que:

E nesse sentido é necessário a implantação de uma nova política organizacional na Cooperagrepa, na qual privilegie a formalização do controle interno da entidade. Outro ponto importante é instrumentalizar um orçamento social, que proporcione visibilidade as dimensões econômicas e financeiras da cooperativa. E por fim, melhorar os serviços prestados aos cooperados de forma geral, com ênfase nas ações operacionais, como por exemplo: a logística de escoamento da produção agrícola dos produtores.

Portanto, a alternativa para a produção orgânica no município representa uma

oportunidade de geração de renda aos agricultores familiares a longo prazo, pois há

necessidade de se avançar na mobilização e organização social, ter uma produção em

escala maior e um apoio logístico para atingir o mercado.

Considerações finais

Dessa forma, o presente estudo pretendeu contribuir com a discussão em torno

do desenvolvimento local na dinâmica da agricultura familiar, levando em

consideração a atuação das cooperativas, tanto a COOPERCANA que promoveu a

ocupação da região bem como o desempenho das atuais cooperativas no município

de Terra Nova do Norte, a COOPERNOVA e a COOPERAGREPA.

Nesse contexto, ressalta-se que os agricultores familiares encontram

dificuldades para a sua reprodução social no meio rural. Entretanto, uma parte tem

resistido e, aos poucos, conseguido incorporar certas inovações às atividades

agropecuárias, outros têm procurado alternativas de renda por meio do

desenvolvimento de novas atividades como a fruticultura e a produção orgânica.

Portanto, a pesquisa, na medida em que permitiu entender o processo de

ocupação da região, possibilita-nos ilustrar primeiro, que os agricultores familiares

apesar das transformações no processo produtivo, constataram-se a grande

dependência destes com as cooperativas locais; segundo, persiste um grau de baixa

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capitalização de investimentos dos agricultores familiares para aumentar sua

produção; terceiro, há sinalização, pela busca de alternativas, com a diversificação de

outras atividades e com a agricultura orgânica que possam promover um

desenvolvimento local endógeno.

Notas

1 Convém destacar conforme relata Santos (1993, p. 116), que os índios “kaingang já haviam

sido deslocados para essas regiões, situadas no nordeste do Rio Grande do Sul, no final do século XIX, em conseqüência da chegada dos imigrantes europeus em suas terras”. 2 De acordo com Schaefer ( 1985, p. 83), “moraram na reserva cerca de 1500 famílias de

agricultores e o INCRA já em 1975 deveria ter assentado estas famílias em outras áreas”. 3 Comentou-se entre os colonos que em 1977 os índios já recebiam orientações de padres

indigenistas para expulsar os camponeses de suas reservas, porém, não é fato oficial. 4 Segundo Wagner (1995, p. 89), “o pastor Schwantes tornou-se polêmico por ter feito uma

sólida aliança com o regime militar para financiar seus projetos de colonização. [...] Ao mesmo tempo, o pastor dava proteção aos refugiados políticos da ditadura militar em Tenente Portela”. 5 As cidades de Canarana e Água Boa surgiram com o processo de colonização da Coperativa

31 de Março Ltda. - COOPERCOL, fundada por Norberto Schwantes em Tenente Portela – RS, depois fundou a COOPERCANA para o Projeto Terranova. 6 O orçamento do POLAMAZÔNIA estava direcionado para a infra-estrutura social: escolas,

hospital e saneamento básico. 7 O PRONAZEM é uma linha de crédito destinada a financiar projetos de armazenagem de

produtos agrícolas, secadores e demais equipamentos para operar com cereais. Este programa resultou na injeção de grandes recursos por parte do Governo Federal, visando cobrir as deficiências da capacidade armazenadora 8 Parceleiro é o trabalhador rural assentado pelo INCRA.

9 Lote para-rural variava de 1,6 ha a 1,8 ha distribuídos ao longo das ruas projetadas do setor

administrativo de cada agrovila, tendo ao centro as áreas destinadas à instalação dos equipamentos econômicos e de serviços comunitários. 10 Segundo Santos (1993, p. 150), esses colonos começaram a chegar por volta de 1980, “mas o INCRA e a Cooperativa tardaram em reconhecer a existência desses colonos compradores. Isto só aconteceu em 1982, em conseqüência de várias reivindicações e pressões espontâneas feitas por esses colonos”. 11

Esses posseiros eram provenientes de vários Estados do Brasil, entre eles conforme destaca Santos (1993, p. 150): “do Nordeste (Bahia, Maranhão, Piauí), no Norte (Pará), do Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso do Sul), e mais recentemente do Sul”. 12

De acordo com Santos (1993, p. 132), “toda a superfície urbana é propriedade da Cooperativa de Colonização, que fez aí um loteamento, conservando sempre uma vasta extensão como reserva de terras urbanas”. 13

A criação do Serviço Especial de Saúde Pública – SESP, ocorreu durante a 2ª Guerra

Mundial, como conseqüência do convênio firmado entre os governos brasileiro e norte-

americano em 1942. O SESP tinha como atribuições centrais, naquele momento, sanear a

Amazônia e a região do vale do rio Doce, onde se produzia borracha e minério de ferro,

matérias-primas estratégicas para o esforço de guerra americano, tendo em vista os altos

índices de malária e febre amarela que atingiam os trabalhadores desta região. Através da lei

nº 3.750, de 1960, o SESP foi transformado em Fundação vinculada ao Ministério da Saúde,

Fundação Serviço de Saúde Pública, adquirindo caráter permanente.

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FOTO 01 – Produtos derivados do leite da COOPERNOVA Fonte: www.coopernova-mt.com.br

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FOTO 02 – Produtos orgânicos da marca BioAgrepa Fonte: www.biogrepa.com