conjur - raul zaffaroni defende contenção do poder punitivo do estado.pdf

2
T e x t o p u b l i c a d o q u a r t a , d i a 2 9 d e a g o s t o d e 2 0 1 2 Z a f f a r o n i d e f e n d e c o n t e n ç ã o d o p o d e r p u n i t i v o P O R E L T O N B E Z E R R A O I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e C i ê n c i a s C r i m i n a i s a b r i u , n e s t a t e r ç a - f e i r a ( 2 8 / 8 ) , s e u 1 8 º S e m i n á r i o I n t e r n a c i o n a l d e C i ê n c i a s C r i m i n a i s c o m d o i s o l h a r e s e s t r a n g e i r o s s o b r e o D i r e i t o . A p r i m e i r a p a l e s t r a d o d i a f o i d o m i n i s t r o d a S u p r e m a C o r t e a r g e n t i n a R a u l Z a f f a r o n i , q u e d e f e n d e u a c r i a ç ã o d e u m a d o g m á t i c a d e c o n t e n ç ã o d o p o d e r p u n i t i v o . T e m o s d e f a z e r u m f i l t r o d o p o d e r p u n i t i v o . A n o s s a f u n ç ã o é d e C r u z V e r m e l h a . N ã o p o d e m o s e v i t a r a g u e r r a , a f i r m o u . P a r a o p r o f e s s o r d a U n i v e r s i d a d e d e B u e n o s A i r e s , o m u n d o a t u a l v i v e n u m a e s p é c i e d e a d o r a ç ã o c e g a p e l a p u n i ç ã o , c o m o s e e l a f o s s e c a p a z d e r e s o l v e r t o d o s o s p r o b l e m a s c o n t e m p o r â n e o s , d a e c o n o m i a a o m e i o a m b i e n t e . O p o d e r p u n i t i v o v i r o u u m í d o l o , q u e c o m o r e l i g i ã o f a l s a , t e m o s s e u s f a n á t i c o s . E m s u a p a l e s t r a , Z a f f a r o n i f e z c r í t i c a s d u r a s à i m p r e n s a e c o n s i d e r o u - a e m p a r t e r e s p o n s á v e l p e l o c l i m a p a r a n o i c o q u e e x i s t e n a s o c i e d a d e c o n t e m p o r â n e a . A m í d i a e s t á c r i a n d o u m a s o c i e d a d e p a r a n o i c a . E o ú n i c o c r i m i n o s o q u e v e m o s é o g a r o t o d a f a v e l a . C h a m o u a t e n ç ã o p a r a u m a s s u n t o a o q u a l t e m s e d e d i c a d o a e s t u d a r : o p e n s a m e n t o j u r í d i c o n a A l e m a n h a p r é - S e g u n d a G u e r r a e s u a i n f l u ê n c i a n a A m é r i c a L a t i n a . E s t a m o s i m p o r t a n d o d o u t r i n a s q u e p r o v i n h a m d e E s t a d o s l e g a i s d e D i r e i t o s e m c o n t r o l e d e c o n s t i t u c i o n a l i d a d e . U m t ó p i c o q u e o d e i x a p a r t i c u l a r m e n t e i n t r i g a d o r e f e r e - s e à a t u a ç a o d a c o m u n i d a d e j u r í d i c a n o p e r í o d o d o n a z i s m o . N ã o e s t á m u i t o e s c l a r e c i d o p a r a n ó s o q u e a c o n t e c e u c o m o s a b e r j u r í d i c o e n t r e 1 9 3 3 e 1 9 4 5 , q u a n d o H i t l e r e s t e v e n o p o d e r . S e g u n d o o p r o f e s s o r , o n e o k a n t i a n i s m o , c o m o d i s c u r s o d e f o r n e c e r u m a c o n s t r u ç ã o n e u t r a e v a z i a , s e r v i u d e b a s e p a r a o p r e e n c h i m e n t o d a s i d e i a s n a z i s t a s . A c o r p o r a ç ã o j u d i c i á r i a d e W a i m a r f o i a p r i m e i r a i n i m i g a d a R e p ú b l i c a d e W a i m a r e p a s s o u d e 3 3 a 4 5 s e m p e r c e b e r o s m i l h õ e s d e m o r t o s , a f i r m o u . A p e s a r d e c o n c e n t r a r s u a c r í t i c a n a s i d e i a s c o n s e r v a d o r a s e d e e x t r e m a - d i r e i t a , Z a f f a r o n i t a m b é m a b r i u f o g o s o b r e a b a s e m a r x i s t a d o p e n s a m e n t o d a e s q u e r d a . A e s q u e r d a a r r a s t a a q u e l a m o r a l m a r x i s t a q u e n ã o é m u i t o d i f e r e n t e d a m o r a l c o n s e r v a d o r a . O p r o l e t a r i a d o s a d i o t e m q u e s e r s a l v o d o p r o l e t a r i a d o s u j o e i s s o d e u n o s t a l i n i s m o . N o f i m d e s u a p a l e s t a , Z a f f a r o n i d e i x o u u m a q u e s t ã o n o a r : " E s t a m o s e m c o n d i ç õ e s d e d e f e n d e r , n o D i r e i t o P e n a l , o s l i m i t e s d o p o d e r p u n i t i v o n o m o m e n t o e m q u e o p o d e r p u n i t i v o e s t á a m e a ç a n d o o s D i r e i t o s H u m a n o s n o m u n d o t o d o ? " A c o r d o s e R o g a t ó r i a s J á o a d v o g a d o a m e r i c a n o B r u c e Z a g a r i s t r a t o u s o b r e c o o p e r a ç ã o i n t e r n a c i o n a l e m m a t é r i a p e n a l e n t r e B r a s i l e E s t a d o s U n i d o s e a b o r d o u a s d i f e r e n ç a s e n t r e a c a r t a r o g a t ó r i a e o s M L a t s ( M u t u a l L e g a l A s s i s t a n c e T r e a t y o u A c o r d o d e A s s i s t ê n c i a J u d i c i á r i a e m M a t é r i a P e n a l ) . E l e d e f e n d e u o s t r a t a d o s c o m o m e c a n i s m o m a i s e f i c a z d o q u e a s c a r t a s r o g a t ó r i a s . A s c o r t e s a m e r i c a n a s l e v a r ã o m a i s s e r i a m e n t e u m p e d i d o f e i t o c o m b a s e n u m a c o r d o d e c o o p e r a ç ã o m ú t u a d o q u e n u m a c a r t a r o g a t ó r i a , d i z . N O T Í C I A S

Upload: junior-luiz

Post on 18-Feb-2015

17 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Texto publicado quarta, dia 29 de agosto de 2012

Zaffaroni defende contenção do poder punitivo

POR ELTON BEZERRA

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais abriu, nesta terça-feira (28/8), seu 18ºSeminário Internacional de Ciências Criminais com dois olhares estrangeiros sobre oDireito. A primeira palestra do dia foi do ministro da Suprema Corte argentina RaulZaffaroni, que defendeu a criação de uma “dogmática de contenção do poderpunitivo”.

“Temos de fazer um filtro do poder punitivo. A nossa função é de Cruz Vermelha. Nãopodemos evitar a guerra”, afirmou. Para o professor da Universidade de Buenos Aires,o mundo atual vive numa espécie de adoração cega pela punição, como se ela fossecapaz de resolver todos os problemas contemporâneos, da economia ao meioambiente. “O poder punitivo virou um ídolo, que como religião falsa, tem os seusfanáticos”.

Em sua palestra, Zaffaroni fez críticas duras à imprensa e considerou-a em parteresponsável pelo clima “paranoico” que existe na sociedade contemporânea. “A mídiaestá criando uma sociedade paranoica. E o único criminoso que vemos é o garoto dafavela.”

Chamou atenção para um assunto ao qual tem se dedicado a estudar: o pensamentojurídico na Alemanha pré-Segunda Guerra e sua influência na América Latina.“Estamos importando doutrinas que provinham de Estados legais de Direito semcontrole de constitucionalidade”.

Um tópico que o deixa particularmente intrigado refere-se à atuaçao da comunidadejurídica no período do nazismo. “Não está muito esclarecido para nós o que aconteceucom o saber jurídico entre 1933 e 1945”, quando Hitler esteve no poder. Segundo oprofessor, o neokantianismo, com o discurso de fornecer uma construção neutra evazia, serviu de base para o preenchimento das ideias nazistas. “A corporaçãojudiciária de Waimar foi a primeira inimiga da República de Waimar e passou de 33 a45 sem perceber os milhões de mortos”, afirmou.

Apesar de concentrar sua crítica nas ideias conservadoras e de extrema-direita,Zaffaroni também abriu fogo sobre a base marxista do pensamento da esquerda. “Aesquerda arrasta aquela moral marxista que não é muito diferente da moralconservadora. O proletariado sadio tem que ser salvo do proletariado sujo e isso deuno stalinismo”.

No fim de sua palesta, Zaffaroni deixou uma questão no ar: "Estamos em condiçõesde defender, no Direito Penal, os limites do poder punitivo no momento em que opoder punitivo está ameaçando os Direitos Humanos no mundo todo?"

Acordos e RogatóriasJá o advogado americano Bruce Zagaris tratou sobre cooperação internacional emmatéria penal entre Brasil e Estados Unidos e abordou as diferenças entre a cartarogatória e os MLats (Mutual Legal Assistance Treaty ou Acordo de AssistênciaJudiciária em Matéria Penal). Ele defendeu os tratados como mecanismo mais eficazdo que as cartas rogatórias. “As cortes americanas levarão mais seriamente umpedido feito com base num acordo de cooperação mútua do que numa cartarogatória”, diz.

NOTÍCIAS

Segundo Zagaris, os tribunais atendem aos pedidos de carta rogatória “por questãode cortesia”. Nos tratados, a cooperação é obrigatória. Entre as vantagens dostratados, ele elencou a possibilidade de requerer documentos, registros, sequestro econfisco de bens e oitivas.

Disse também que, com a adoção de tratados, a burocracia é menor, o que resultanum tempo mais curto para a efetivação dos pedidos. Na carta rogatória, o pedido dotribunal é enviado ao Ministério da Justiça local, que reenvia a solicitação ao seucongênere do outro país, e só depois disso a solicitação chega ao outro tribunal. “Pormais que eu queria essa prova no Brasil não posso espera 18 meses. Ainda mais quea prova admitida no Brasil talvez não seja a mesma que a dos EUA.”

ELTON BEZERRA é repórter da revista Consultor Jurídico.