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teoria da consciencia

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    Chalmers e Searle nos estudos da conscincia: algum avano?

    Chalmers and Searle in studies of consciousness: an advance?

    Rodrigo Canal e Joo Antonio de Moraes

    Departamento de Filosofia, Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho (UNESP), Marlia, So Paulo, Brasil

    Resumo

    Este ensaio tem por objetivo apresentar e discutir as possveis contribuies de David Chalmers e John Searle para os estudos da conscincia. Esses filsofos desenvolvem teorias que buscam um entendimento mais amplo, serio e profundo do que seria a conscincia. Questes como: qual a natureza da conscincia? Quais mecanismos so responsveis para seu surgimento? guiam esses estudos, presentes nas Cincias Cognitivas e Filosofia da Mente. Chalmers desenvolve sua teoria a partir da hiptese de que a conscincia um fenmeno emergente de propriedades fsicas, contudo no redutvel a elas. O filsofo fundamenta sua teoria a partir da procura pela soluo do que ele chama de problema difcil da conscincia, que consiste no problema de se explicar a natureza da experincia. John Searle, por sua vez, parte do pressuposto de que a conscincia constitui um problema biolgico, e no um mistrio metafsico. Assim a conscincia tratada por ele como uma propriedade causalmente emergente do crebro. Enfim, apontaremos e discutiremos, no final do trabalho, sobre um possvel avano que ambas as teorias da conscincia poderiam possibilitar, no mnimo, na formulao de problemas relevantes para os estudos recentes da conscincia. Cien. Cogn. 2009; Vol. 14 (2): 262-275.

    Palavras-chave: conscincia; dualismo naturalista; estrutura da conscincia; David Chalmers; John Searle.

    Abstract

    This paper aims at showing and discussing the possible contributions of David Chalmers and John Searle to the studies of consciousness. These philosophers have developed theories that seek a wide, serious and deep understanding of what consciousness would be. Questions as: what the nature of consciousness? What mechanisms are responsible for it arise? guide the studies in Cognitive Science and Philosophy of Mind. Chalmers develops his theory departing the hypothesis that consciousness is an emergent phenomenon from the physics properties, but not reducible to them. He supports his theory on the search the for solution of what he calls for hard problem of consciousness, that consists in the problem of explaining the nature of experience. On the other hand, John Searle starts from the assumption that consciousness constitutes a biological problem, not a metaphysical mystery. Then, consciousness is considered by him as an emergent causal property of brain. In conclusion, we point out and discuss on a possible advance that both theories of consciousness permit, at least, to formulating the relevant questions for the contemporary studies of consciousness. Cien. Cogn. 2009; Vol. 14 (2):262-275.

    Ensaio

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (2): 262-275 Cincias & Cognio Submetido em 21/11/2008 | Revisado em 18/06/2009 | Aceito em 08/07/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de julho de 2009

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    Keywords: consciousness; Naturalistic dualism; strutucture of consciousness; David Chalmers; John Searle.

    Introduo

    As discusses sobre a conscincia tm se destacado na filosofia da mente e em outras reas a partir de questes como: o que a conscincia? Quais as suas caractersticas? Qual a sua estrutura? So os processos neurobiolgicos no crebro que causam nossos estados subjetivos de cincia ou sensibilidade? Caso a resposta seja positiva, como exatamente esses estados so percebidos nas estruturas cerebrais? Como a conscincia funciona em nossa vida mental?

    Visto que realmente existe um problema de compreenso e explicao sobre a natureza da conscincia, e uma vez que no existe ainda uma soluo clara, com autopoder explanatrio e amplamente aceito pelos estudiosos do assunto, esse trabalho ir esboar um mapa conceitual das teorias de David Chalmers (1996, 1997) e de John Searle (1997, 1998, 1998b, 2000), de modo a destacar as particularidades desses filsofos na abordagem do problema.

    Na primeira parte do trabalho, apresentamos a teoria no-reducionista da conscincia desenvolvida por Chalmers, o qual insere a teoria da informao para se desenvolver uma teoria satisfatria da conscincia. Como nem todos os estudiosos desse assunto compartilham da mesma opinio, na segunda parte apresentamos a proposta de Searle, o qual defende a tese de que a conscincia um fenmeno essencialmente biolgico. Por fim, na terceira parte apontamos e discutimos sobre uma possvel contribuio dessas teorias na busca de solues para os problemas da conscincia.

    1. O dualismo naturalista de Chalmers

    O problema difcil da conscincia, conforme formulado por Chalmers (1997), pode ser descrito como o problema de explicar a natureza da experincia que a constitui; problema esse que extrapola o conjunto de recursos disponveis nas anlises funcionalistas. Nas palavras de Chalmers: o que torna difcil o problema difcil e quase nico que ele vai alm dos problemas sobre o desempenho de funes1 (Chalmers, 1997: 12, grifo nosso).

    A dificuldade central do problema de explicitar a natureza da conscincia reside na hiptese de que quando experienciamos o mundo realizamos um processo informacional, que alm de incluir aspectos fsicos (objetivos), tambm inclui elementos subjetivos. Tal problema assim considerado, pois, mesmo aps a explicao das funes da conscincia, ele ainda permanece difcil, isto , mesmo aps explicar os mecanismos funcionais que parecem acompanhar a experincia (discriminao perceptual, categorizao e outros) ainda subsiste uma questo intensamente explorada por Chalmers (1997): por que a performance dessas funes acompanhada pela experincia? A questo de se explicar como um ser ou artefato pode experienciar alguma coisa a questo-chave para se compreender os problemas da conscincia (e seus mistrios). Contudo, pouco se sabe sobre ela. Afinal, o que entendemos por experincia?

    De acordo com Chalmers (1997), a experincia consciente surge quando funes fsicas, tais como a habilidade de discriminar, categorizar e outros, so desempenhadas, das quais tambm surgem fatores subjetivos. Contudo, apesar de surgirem do desempenho da mesma funo, os fatores fsicos (objetivos) e subjetivos permanecem distintos. O filsofo (1997: 13) considera que h uma lacuna explicativa (explanatory gap) entre os lados objetivo [concernente s funes] e subjetivo da experincia e argumenta que precisamos

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (2): 262-275 Cincias & Cognio Submetido em 21/11/2008 | Revisado em 18/06/2009 | Aceito em 08/07/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de julho de 2009

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    construir uma ponte explanatria para unir ambos os lados. Para isso, sero necessrios novos mtodos de investigao, pois, os mtodos reducionistas so bons para explicar funes, porm, quando necessitamos explicar algo que vai alm das funes, estes mtodos no so eficazes2.

    procura de um ingrediente extra que possa auxiliar na construo de um novo mtodo para explicar a natureza da experincia, Chalmers (1997) prope um estudo de estruturas fsico-informacionais, assumindo que por meio delas que as performances das funes (e de seus mecanismos) podem ser explicadas. Uma vez que processos fsicos geram processos fsicos, a experincia, se surgir a partir deles, se caracterizar como um elemento fsico; contudo, ela no precisa estar restrita a eles.

    Se admitirmos que a experincia no se restringe a processos fsicos, qual seria ento a sua natureza? A hiptese de trabalho que Chalmers (1997) assume que a natureza da conscincia essencialmente informacional. Desse modo, assumindo que as propostas reducionistas no obtiveram xito na explicao da natureza fenomnica da conscincia at hoje, Chalmers oferece como opo uma teoria no-reducionista (Nonreductive Theory of Consciousness) fundada na teoria da informao.

    O filsofo adota uma noo de informao que apoiada na concepo desenvolvida por Shannon e Weaver (1949/1998) em sua Teoria Matemtica da Comunicao (Mathematical Theory of Communication MTC). Chalmers afirma (1996: 277) que a MTC no est interessada no aspecto semntico da informao em seu escopo de estudo, mas na transmisso perfeita da informao. O que realmente importa na teoria de Shannon, so as estruturas que carregam a informao, em seus vrios graus de complexidades, isto , dada sua constituio por vrios estados informacionais simples (explicaremos esse conceito mais adiante).

    A teoria da conscincia de Chalmers (1997: 19) possui como um princpio fundamental a experincia, no mesmo sentido que o princpio de espao-tempo na teoria fsica. Ou seja, o filsofo no buscar uma explicao simples do princpio da experincia, mas o tomar como ponto de partida para formulao de sua teoria adicionando novos princpios para as leis bsicas de seu funcionamento. Em particular, especificando os princpios bsicos que nos diro como a experincia depende dos outros fatores fsicos do mundo. Sua proposta tem por objetivo complementar as teorias fsicas da conscincia expandindo-as pelos princpios das teorias da informao. Assim, Chalmers pretende ampliar a ontologia fisicalista da mente.

    A teoria informacional (no-reducionista) da conscincia proposta por Chalmers (1997) consiste num grupo de princpios psicofsicos, isto , princpios que ligam as propriedades dos processos fsicos com as propriedades da experincia. Tais princpios encapsulam o modo como a experincia surge a partir de processos fsicos; eles nos indicam que tipo de sistema fsico est associado experincia e que propriedades fsicas so relevantes para sua emergncia.

    Os princpios psicofsicos oferecidos por Chalmers (1997) so trs, quais sejam:

    (i) O da coerncia estrutural (structural coherence); (ii) O da invarincia organizacional (organizational invariance); (iii) O do duplo-aspecto da informao (double-aspect view of information).

    Os dois primeiros so caracterizados como no-bsicos, e o ltimo, segundo o autor, exerce a funo de pedra angular em sua teoria, podendo ser entendido como um princpio bsico.

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (2): 262-275 Cincias & Cognio Submetido em 21/11/2008 | Revisado em 18/06/2009 | Aceito em 08/07/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de julho de 2009

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    O princpio da coerncia estrutural estabelece a coerncia entre a estrutura da conscincia e as estruturas dos mecanismos de sencincia3 (awareness). Chalmers (1997: 22) entende que podemos caracterizar sencincia a partir de uma noo puramente informacional que est intimamente ligada s experincias conscientes: onde encontramos sencincia, encontramos conscincia, e vice-versa. Um exemplo de coerncia dado atravs da percepo de relaes geomtricas: a toda relao geomtrica percebida corresponder algo que pode ser descrito e, por essa razo, ser representado cognitivamente. Neste sentido, Chalmers (1997: 23) argumenta que, em geral, toda informao que conscientemente experienciada tambm ser cognitivamente representada, isto porque as propriedades estruturais da experincia so, em geral, acessveis e relatveis.

    O princpio da coerncia estrutural permite um tipo de explicao indireta da natureza da experincia em termos de processos fsicos. Por exemplo, ressalta Chalmers (1997), podemos utilizar fatos sobre os processos de informao visual para, indiretamente, explicar a estrutura do espao das cores. Segundo o filsofo, se aceitarmos esse princpio teremos razo para acreditar que os processos que explicam a percepo sero, ao mesmo tempo, parte das bases de sua teoria no-reducionista da conscincia. O princpio da coerncia estrutural, no entanto, tem um limite, pois, ele permite recuperar propriedades estruturais a partir de processos informacionais, porm, nem todas as propriedades da experincia so propriedades estruturais.

    O segundo princpio psicofsico proposto por Chalmers (1997: 25) o princpio da invarincia organizacional. Este determina que dois sistemas quaisquer, com o mesmo grau de refinamento de organizao funcional, obtero experincias qualitativamente idnticas4 (Chalmers, 1997: 25 - traduo nossa). Para ilustrar esse princpio, o filsofo considera que se padres causais de uma organizao neural fossem duplicadas em silcio, com os mesmos padres de interao, ento a mesma experincia surgiria em ambos os sistemas. De acordo com esse princpio, o que importa no a combinao fsica especfica de um sistema, mas os padres (complexos) de interao causal entre seus componentes. Entendemos que esse princpio, bem conhecido pelos funcionalistas, possui limites evidentes no estudo da conscincia, uma vez que se baseia apenas na observao.

    O terceiro princpio o da teoria do duplo-aspecto da informao (the doble-aspect theory of information). Este envolve um sentido de informao que Chalmers (1997: 26) retira, em parte, de Shannon e Weaver (1949/1998), que diz: onde h informao h estados informacionais contidos em um espao informacional5. Espaos informacionais so espaos abstratos de estrutura bsica constitudos de estados informacionais, os quais possibilitam diferentes relaes entre si. Mesmo sendo abstrato, um espao informacional pode ser percebido, quando diferenas so transmitidas por algum caminho causal. Os estados transmitidos constituem um espao informacional, na medida em que, como diria Bateson (1972), a informao a diferena que faz diferena.

    O duplo-aspecto da informao se estabelece, segundo Chalmers (1997), parte do suposto isomorfismo entre certos espaos informacionais corporificados e espaos informacionais fenomenolgicos. Por meio do princpio da coerncia estrutural, admite-se que este isomorfismo ocorre, pois, as diferenas que fazem diferena estabeleceriam a mesma estrutura para os estados fenomenolgicos e para os estados fsicos. Para Bateson (1972), a diferena que faz diferena pode ser entendida como a informao que proporciona ao organismo alterar seus esquemas prprios, visando sua conservao, em virtude de um fator externo. Assim, o princpio da coerncia estrutural e o princpio do duplo-aspecto da informao, possibilitariam encontrar, no mesmo espao informacional, processos fsicos e experincias conscientes. Nas palavras de Chalmers (1997: 26-27):

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    A partir do mesmo tipo de observaes que estabelecemos para o princpio da coerncia estrutural, podemos notar que as diferenas entre estados fenomenolgicos possuem uma estrutura que corresponde diretamente as diferenas nos processos fsicos. [...] Isto , podemos encontrar o mesmo espao informacional abstrato incorporado no processamento fsico e na experincia consciente.6

    A sugesto acima nos remete de volta a hiptese de que a informao possui dois aspectos bsicos: um fsico e outro fenomenolgico. Essa hiptese, segundo Chalmers (1997), apia-se sobre um princpio bsico que explicaria a emergncia da experincia a partir de processos fsicos sem se reduzirem a eles. Nesse contexto: as experincias surgiriam em virtude de estados informacionais, enquanto que o aspecto fsico seria encontrado no processamento fsico; o seu elemento subjetivo constituiria uma propriedade emergente da dinmica de tais processos.

    Chalmers (1997) no ignora que o princpio do duplo-aspecto da informao extremamente especulativo e tambm indeterminado, deixando vrias questes em aberto, como, por exemplo: todas as informaes tm um aspecto fenomenolgico?

    Enfim, entendemos que a proposta chalmeriana auxilia nos estudos da conscincia, no mnimo como uma nova alternativa. Com a insero da teoria da informao nesse tipo de estudo o filsofo abre uma gama de possveis avanos.

    H varias teorias que procuram por uma soluo do problema da conscincia, e, no fim, nenhuma delas entra em um acordo sobre o que seja de fato a conscincia. Vale dizer, para exemplificar esse debate intenso e diversificado, da proposta de Searle (1997, 1998, 1998b, 2000). Passaremos, ento, a apresentar as principais caractersticas do pensamento deste filsofo que tenta explicar e resolver o problema da conscincia.

    2. A conscincia como um fenmeno biolgico/natural: a proposta no-materialista7 de Searle

    Searle (1997: 125) entende a conscincia como a noo mental central a ser estudada e esclarecida pela cincia e pela filosofia para esclarecer o que so os fenmenos mentais. A conscincia assim considerada porque constitui o aspecto primrio, principal e geral de toda a vida mental (psicolgica) humana. Para o filsofo, de uma maneira ou de outra, todas as noes mentais, tais como subjetividade, intencionalidade, causao mental, livre-arbtrio, identidade pessoal, inteligncia, entre outros, s poderiam ser plenamente compreendidas como mentais por meio de explicaes que levassem em conta suas relaes com a conscincia.

    Searle (1997) considera a conscincia uma caracterstica biolgica ordinria do mundo. Por isso que uma de suas principais tentativas fornecer elementos conceituais que tratem a conscincia como um objeto de pesquisa da cincia emprica tanto quanto qualquer outro fenmeno biolgico.

    Para Searle (1997: 133), a conscincia uma caracterstica biolgica de crebros de seres humanos e determinados animais. Ou seja, a conscincia, como um fenmeno natural e biolgico, no pertence apenas aos seres humanos, o que no quer dizer que qualquer sistema fsico pode ser capaz de ter conscincia (como um termostato, por exemplo). Sua explicao para isso a causal: a conscincia causada por processos neurobiolgicos, isto , uma propriedade causalmente emergente do crebro. Searle defende um naturalismo biolgico em que trata a conscincia como um fenmeno qualquer, procurando se esquivar de alguns equvocos filosficos que a transformaram em algo misterioso, etreo, e a colocaram em um mundo metafsico separado deste. Procura, tambm, se esquivar de um dos defeitos que

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    implicaram em reducionismos e eliminativismos presentes no materialismo contemporneo: o reducionismo ontolgico do mental ao fsico. Isso ocorre, pois, para Searle, a conscincia uma parte real do mundo real.

    Searle (1997: 123) argumenta que no possvel dar uma definio de conscincia em termos de condies necessrias e suficientes, e nem seria possvel, como um bom aristotlico faria, defini-la via gnero e diferena, pois essas tentativas cairiam em uma definio circular. Ento, o que restaria fazer?

    De acordo com Searle (1997), a conscincia no pode, nem deve, ser confundida com autoconscincia, cognio e mesmo conscienciosidade. Para o filsofo, a conscincia pode ser mais bem esclarecida e explicada por meio de exemplos. Assim, a definio ficaria menos comprometida com enganos sendo uma definio de senso comum. Esse visa apenas clarificar o objeto que se est pesquisando e procurando explicar, ao contrrio de uma definio analtica que procura mostrar a essncia de um conceito, que tem o intuito de se chegar a uma definio final de algo.

    A definio de senso comum seria a mais apropriada para os estudos contemporneos da cincia e da filosofia, porque as pesquisas atuais da conscincia ainda se encontram num estgio muito inicial. De acordo com Searle, no possvel, nem mesmo necessrio, uma definio precisa e definitiva como a analtica, pois que, em se tratando da conscincia, esta no um fenmeno to esttico e simples (como a liquidez da gua ou mesmo a solidez de uma rocha). A definio de senso comum esboada por Searle (1997: 124) na seguinte passagem:

    O que quero dizer por conscincia pode ser melhor ilustrado por exemplos. Quando acordo de um sono sem sonhos, entro num estado de conscincia, um estado que permanece enquanto estiver acordado. Se durante o sono tenho sonhos, torno-me consciente, embora formas onricas de conscincia sejam geralmente de um nvel muito mais baixo de intensidade e vividez do que a conscincia desperta e ordinria. A conscincia pode variar em graus mesmo durante as horas em que estamos acordados, como, por exemplo, quando passamos do estado bem desperto e alerta para a sonolncia e o entorpecimento, ou simplesmente para o enfado e a desateno. Algumas pessoas introduzem substancias qumicas em seus crebros com o propsito de produzir estados alterados de conscincia, mas mesmo sem assistncia qumica possvel, na vida normal, distinguir diferentes graus e formas de conscincia. A conscincia um interruptor liga/desliga: um sistema consciente ou no. Mas, uma vez consciente, o sistema um reostato: existem diferentes graus de conscincia.

    Searle argumenta que a conscincia possui trs aspectos essenciais ou caractersticas comuns a todos os estados conscientes, que no podem ser deixados de lado: ela um fenmeno interno, qualitativo, e subjetivo tipicamente presente nos humanos e animais superiores. Interno quer dizer que os processos e os estados conscientes acontecem dentro de um corpo, propriamente dentro do crebro e tambm que os estados mentais conscientes envolvem uma ampla e complexa rede de outros estados conscientes. Os estados conscientes so qualitativos no sentido de que h, para cada um deles, um determinado modo de senti-lo (Searle, 2000: 46), ou seja, determinada caracterstica qualitativa. So subjetivos porque sempre so experienciados por um ser, humano ou animal e, conseqentemente, possuem o que Searle chama de ontologia de primeira pessoa.

    O que fizemos at este momento foi apresentar as asseres searleanas sobre a natureza (ontolgica) da conscincia. Alm disso, a conscincia possui uma estrutura que, digamos, possui todos aqueles sistemas que so conscientes. Uma descrio geral dessa

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    estrutura apresentada atravs da descrio do que Searle (1997: 183) chama de caractersticas estruturais globais da conscincia (acrescentando ainda que diz respeito conscincia normal, de todo dia). Tentaremos fazer isso de maneira clara, rpida e sinttica.

    A subjetividade uma dessas caractersticas globais estruturais da conscincia: todos os estados conscientes s existem se experimentados por um agente (Searle, 2000: 73).

    A segunda caracterstica estrutural a unidade: a conscincia chega at ns de forma unificada (Searle, 2000: 74). Ter conscincia tambm ter todas as experincias como parte de uma experincia unificada, nica: a capacidade da conscincia de ligar todos os diversos estmulos que entram no meu corpo por meio das extremidades sensoriais dos nervos e de uni-los em uma experincia conceitual unificada, coerente [...]. A unidade da conscincia ainda teria duas formas, a vertical, em que todos os estados conscientes so unidos em qualquer instante dado em um campo consciente nico, unificado (Searle, 2000: 74), e a horizontal, que a prpria preservao da unidade da conscincia ao longo do tempo, em que a preservao da unidade da conscincia (isto , das prprias experincias) requer um mnimo de memria de curto prazo. Desse modo, Searle (2000: 75) explica que um pensamento s coerente se tanto o comeo quanto o final do pensamento fizessem parte de um campo de conscincia nico, unificado pela memria.

    A terceira caracterstica global e estrutural da conscincia a intencionalidade: a capacidade da conscincia que nos daria acesso a um mundo diferente de nossos prprios estados conscientes. Tal acesso, segundo Searle (2000), ocorre sob dois modos: o modo cognitivo (experincias, crenas, etc.), em que representamos as coisas como elas so, e o modo volitivo, no qual representamos como gostaramos que o mundo fosse (desejos, por exemplo), ou como estamos tentando tornar que ele seja (aes intencionais, por exemplo).

    O quarto aspecto ou caracterstica importante da conscincia o humor, e isso quer dizer que todos os estados conscientes nos vm quando estamos com um determinado humor, algo que, como quer Searle (2000: 77), poderamos chamar de sabor em minhas experincias. esse sabor que chamo de humor. Qualquer estado consciente que se possa ter vem sempre com algum tipo de colorao.

    O quinto aspecto estrutural da conscincia que todos os estados conscientes so sempre estados estruturados. Nossas experincias, por exemplo, so sempre experincias estruturadas e coerentes, mas Searle acredita que essa caracterstica da conscincia em geral.

    O sexto aspecto a ateno. A conscincia, a seu ver, possui graus variados de ateno. Da surge uma distino no interior do campo da conscincia, entre o centro e a periferia, isso porque sempre deslocamos nossa ateno conforme nossa vontade, pois a ateno como a luz que posso deslocar de uma parte de meu campo consciente para outra (Searle, 2000: 78).

    As condies fronteirias da conscincia outro aspecto geral, relacionado, mas no idntico, distino entre centro e periferia criado pelos vrios graus de ateno. Searle (2000: 78) fala de condies fronteirias da conscincia porque os estados conscientes vm normalmente com um sentido de sua prpria situao, cada, e qualquer um de nossos estados conscientes vem com um sentido de nosso prprio posicionamento no espao e no tempo, mesmo que o posicionamento em si no seja um objeto intencional de nossa conscincia.

    Os graus de familiaridade so a oitava caracterstica da conscincia elencada pelo filsofo (2000). Nossas experincias conscientes nos atingem com graus vrios de familiaridade, ela explica o fato de nossas experincias sempre terem uma continuidade, que vai da mais familiar a mais estranha.

    Como nona caracterstica da conscincia o filsofo cita o transbordamento. Esse explica o fato de nossas experincias conscientes sempre fazerem referncia a coisas que

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    esto alm delas, pois nunca temos uma experincia isolada. Assim que: cada pensamento que temos nos faz lembrar outros pensamentos. Cada viso que temos faz referncia as coisas no vistas (Searle, 2000: 79).

    O ltimo aspecto da natureza da conscincia e de suas caractersticas globais, gerais e estruturais, que todos os estados conscientes so sempre prazerosos e/ou desprazerosos em graus variados. Da mesma forma que a familiaridade, a dimenso prazeroso/desprazeroso uma dimenso escalar, pois, segundo Searle (2000: 79): as experincias conscientes tm graus de agrado ou desagrado e, claro, a mesma experincia consciente pode ter aspectos prazerosos e desprazerosos.

    Em suma, Searle (2000, 1997) procura desenvolver sua teoria a partir da hiptese de que a conscincia uma propriedade causalmente emergente do crebro, causada por processos cerebrais e realizada na estrutura do crebro. Assim, a conscincia constituiria um problema biolgico, devendo ser investigados para sua explicao e resoluo perguntas causais que procurem relacionar processos cerebrais e suas caractersticas/aspectos psicolgicos. Nesse sentido a conscincia seria tanto um problema biolgico a ser investigado pela cincia quanto um problema filosfico, sendo um e outro partes dependentes do mesmo problema (da conscincia) intrnsecos, e que a soluo de um auxiliaria a do outro8.

    Apresentadas as teorias faremos a seguir uma discusso sobre ambas o dualismo naturalista de Chalmers (1996, 1997) e teoria no-materialista de Searle (1997, 1998, 1998b, 2000), estabelecendo um questionamento sobre um possvel avano nos estudos da conscincia.

    3. Chalmers e Searle nos estudos da conscincia: algum avano?

    Chalmers (1996, 1997) e Searle (1997, 1998, 1998b, 2000), apesar de divergirem em seus pressupostos ontolgicos e epistemolgicos sobre a conscincia, apresentam-nos um arcabouo terico com um poder explanatrio referente a esse problema vigente nas discusses da Filosofia da Mente, Cincias Cognitivas e Cincias Naturais.

    Como indicamos, Chalmers prope (1996, 1997) uma teoria da conscincia que assume como ponto de partida a compreenso da natureza da experincia. Isso ocorre, pois o filsofo entende que a conscincia possui um aspecto fsico e outro subjetivo. Ele acredita que os aspectos fsicos podem ser explicados por mtodos funcionalistas, contudo, os aspectos subjetivos, quando submetidos a esses mtodos, deixam em aberto o que diz respeito explicao de seu carter qualitativo, ou seja, da experincia.

    Chalmers (1996, 1997) pretende explicar a natureza da experincia consciente, que ele intitula de problema difcil da conscincia. Para tentar solucionar tal problema o filsofo desenvolve, como um dos princpios de sua teoria (o que ele considera como fundamental), o princpio do duplo aspecto da informao. A partir desse princpio ele assume que a informao possui dois aspectos, um fsico e outro fenomnico: o aspecto fenomnico emergiria do aspecto fsico9. Esse pressuposto possibilitaria uma compreenso da natureza do aspecto fenomnico da conscincia, uma vez que, ao fundamentar o fenomnico ao fsico, poderamos, por meio das teorias que explicam os aspectos fsicos (objetivos) do mundo, explicar seus aspectos fenomnicos (subjetivos).

    O principio do duplo aspecto da informao tido como fundamental por Chalmers (1996: 302), pois ele assume a informao como um fator fundamental (per si) do universo, o qual, segundo Seager (1997: 274), faz uma associao natural da conscincia com o universo. De acordo com Chalmers (1996: 302 - traduo nossa): [...] at mesmo as propriedades e leis fsicas devem ser derivadas de propriedades e leis informacionais10. Isto , a partir da insero da teoria da informao na explicao da natureza da conscincia, o

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    filsofo visa estabelecer uma dupla constituio da conscincia, uma associao natural entre o fsico e o fenomnico.

    No entanto, mesmo com a insero da teoria da informao para auxiliar na soluo do problema difcil da conscincia, Dennett (1997) considera que no somente os princpios desenvolvidos por Chalmers (1997) esto errados, mas, antes disso, sua postura metodolgica. Dennett (1997: 33) entende que a proposta de Chalmers de dividir os problemas da conscincia em fceis e difceis no uma maneira adequada de se investigar a conscincia. De acordo com Dennett, tal proposta uma desateno metodolgica e um gerador de iluses. Para fundamentar seu argumento Dennett sugere atribuir a metodologia utilizada por Chalmers a uma explicao vitalista:

    Os problemas fceis da vida incluem a explicao dos seguintes fenmenos: reproduo, desenvolvimento, crescimento, metabolismo, automanuteno, autodefesa imunolgica ... Esses no so todos fceis, claro, e podem tomar outro sculo para pontu-los, mas eles so fceis comparado ao problema realmente difcil: a vida em si mesma [...]11 (Dennett, 1997: 33, traduo e grifo nosso)

    Dennett (1997) considera que a proposta de Chalmers (1996, 1997) deficiente no aspecto em que extrapola os componentes que a subsidiam, ou seja, a soluo o problema difcil est para alm das solues encontradas para os problemas fceis. No exemplo dado, podemos entender que ao explicar todos os fenmenos tidos como problemas fceis (reproduo, desenvolvimento, crescimento, metabolismo, automanuteno, autodefesa imunolgica), segundo a proposta de Chalmers, no contribuiriam para a soluo do problema difcil: a vida.

    Outra crtica que Dennett (1997) faz a proposta de Chalmers (1996, 1997) sobre sua tentativa de fazer um paralelo entre o fsico e o fenmeno. Segundo Dennett, ao adotar a experincia como um princpio fundamental, ao lado de matria e energia, Chalmers d um tiro pela culatra. Isso porque a experincia no uma propriedade funcional e, por essa razo, no deve ser colocado como o princpio fundamental de uma crena. Caso fosse possvel, afirma Dennett, qualquer qualidade poderia ser adotada para fundamentar uma teoria, tais como: beleza, vermelhido, etc.

    No que diz respeito proposta de Searle (1997, 1998, 1998b, 2000) - que podemos contrapor proposta de Chalmers (1997) -, este acredita que toda a nossa vida consciente causada por processos de nvel inferior do crebro. Tais processos seriam os que ocorrem nos nveis micro das sinapses, neurnios, feixes de neurnios e complexos celulares. A importncia que ele d ao trabalho e s pesquisas neurocientficas evidencia muito sua crena de que a conscincia , essencialmente, um fenmeno biolgico.

    Buscamos mostrar neste trabalho que Searle (1997, 1998, 1998b, 2000) foca-se no problema da conscincia levando em conta que o modo adequado de entend-la explic-la como uma caracterstica biolgica dos crebros humanos e de certos animais causadas por processos neurobiolgicos12. E que ela possui uma variedade de caractersticas/aspectos que devem ser explicados.

    Searle (1998b) identifica alguns enganos filosficos que seriam obstculos para a pesquisa cientfica sobre a conscincia. Estes enganos so responsveis por confuses tanto na filosofia como na prpria cincia, e tem, a seu ver, a conseqncia de impedir o progresso cientfico sobre o problema da conscincia. principalmente em How to study consciousness scientifically (Searle, 1998b) que o filsofo procura remover alguns desses enganos13.

    As contribuies, de origem filosfica e conceitual, do pensamento de John Searle (1998b) referente ao problema da conscincia visam superar as confuses filosficas14 sobre

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    esse problema. Estas confuses consistem em uma m compreenso dos mecanismos da linguagem, principalmente, quando aplicados palavras objetivos e subjetivos, nas acepes tanto de epistemolgico quanto de ontolgico. Isso porque os problemas filosficos referentes conscincia so tericos, tcnicos, conceituais, e no prticos. Estes preconceitos filosficos so erros conceituais15, e seriam o principal obstculo em um estudo adequado do crebro, com explicaes causais da conscincia em todas as suas formas (Candiotto, 2006: 109). O problema da conscincia teria duas facetas: uma biolgica (da cincia) e uma conceitual (problema filosfico).

    Segundo Searle (2000), existem nos pressupostos das investigaes cientificas e filosficas referentes mente humana, um conjunto de problemas conceituais que dificultariam a anlise e a possibilidade de avanar nessas investigaes. Isso ocorre, pois, a seu ver, grande parte dos intelectuais fica perplexa com o problema de como possvel conciliar a existncia de uma realidade fsica objetiva com a existncia de uma realidade mental subjetiva, melhor dizendo, como possvel a existncia de uma realidade mental num mundo constitudo inteiramente de partculas fsicas (Searle, 2000: 46).

    Uma das confuses filosficas a que se refere possibilidade de termos um conhecimento epistemologicamente objetivo de estados conscientes ontologicamente subjetivos. De acordo com Searle (1998b), a conscincia teria sido retirada dos estudos cientficos precisamente por causa de uma confuso entre as noes de objetividade, numa acepo ontolgica, e objetividade, numa acepo epistemolgica. A cincia procuraria por uma objetividade no sentido epistemolgico, de terceira pessoa, mesmo em se tratando da conscincia. Searle acredita que podemos ter conhecimento objetivo dos estados conscientes (ontologia de primeira pessoa), porque seu modo de existncia exige que sejam experienciados por um sujeito.

    O conselho epistemolgico que o autor procura lanar filosofia que precisamos rever e superar as categorias conceituais ocidentais s quais o problema da conscincia formulado e aparenta ser misterioso e insolvel - segundo os dualistas - e redutvel (ontologicamente) a um vocabulrio friamente e extremamente objetivo, de terceira pessoa - como querem os materialistas. Com isso, no consideraramos a priori que a conscincia no pode ser estudada cientificamente16 e que, logo, esse obstculo epistemolgico/terico resultaria em uma m definio de uma ontologia da conscincia.

    Searle (2000) quer acentuar tambm que na compreenso adequada do problema da conscincia no possvel uma reduo ontolgica, mas a que procura preservar o mental como parte do mundo fsico sem elimin-lo e/ou reduzi-lo, pois mesmo que rejeitemos e evitemos falar do carter irredutvel subjetivo da conscincia, ainda assim continuamos com um universo que contm um componente fsico irredutivelmente subjetivo como componente da realidade fsica (Searle, 2000: 69).

    4. Consideraes finais

    Enfim, a teoria chalmeriana da conscincia, segundo o prprio autor, apresenta pressupostos ainda muito frgeis, principalmente os que se referem ao duplo aspecto da informao. No entanto, Chalmers (1996: 280) adverte que o conceito de informao utilizado (MTC), por desconsiderar o aspecto semntico da informao, no permitiu um maior avano no desenvolvimento do princpio bsico. Porm, como ressalta Shoemaker (1999: 439), as concluses de Chalmers devem ser, ao menos, consideradas. Acreditamos que seus insights e problemas levantados a respeito da conscincia nos do uma gama de possibilidades de reflexo sobre esse tema.

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    No que diz respeito a abordagem de Searle (1997, 1998, 1998b, 2000) e as contribuies que apontamos e discutimos aqui possuem lados de crtica e de afirmao. O primeiro pretende propor a superao das confuses filosficas sobre esse problema. Procuramos deixar claro que esta uma tentativa persistente em seus escritos, do seu trabalho que se pode dizer de crtico. J a parte afirmativa de seu trabalho diz respeito a considerar que a conscincia importante para tudo o que fazemos, levando em conta nossa sobrevivncia no mundo, pois que as maneiras usadas pelos seres humanos e animais superiores para enfrentar o mundo so atividades conscientes (Searle, 2000: 65).

    Enfim, os mistrios da conscincia ainda permanecem misteriosos, conforme Chalmers (1996, 1997), e ainda constitui um problema, segundo Searle (1997, 1998, 1998b, 2000). Todavia, teorias como as apresentadas e discutidas aqui nos possibilitariam desenvolver perguntas bem formuladas no auxilio da explicao da natureza da conscincia. Em se tratando da filosofia, tecnicamente falando, isso o que mais importa, afinal: uma boa resposta s surge com um problema formulado de maneira correta.

    Agradecimentos

    Os autores agradecem s suas famlias, a Maria Eunice Quilici Gonzalez, Mariana Claudia Broens, Antonio Trajano Menezes Arruda pelo apoio tcnico e filosfico, e a Dbora Barbam Mendona e Jnia Gutierrez pela fonte de inspirao e apoio. Finalmente, agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPQ) e a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP) pelo financiamento da pesquisa que possibilitou este trabalho.

    5. Referncias bibliogrficas

    Abrantes, P. (2004). Naturalismo em Filosofia da Mente. Em: Ferreira, A; Gonzalez, M.E.Q. e Coelho, J.G. (Orgs.). Encontro com as cincias cognitivas. Vol 4. (pp. 5-37). Marlia: UNESP. Bateson, G. (1972). Steps to an ecology of mind. Chicago: The University of Chicago Press. Candiotto, K.B.B. (2006). John Searle e os impasses epistemolgicos das argumentaes do dualismo do materialismo monista referentes filosofia da mente. Rev. Filosofia, 16 (22), 93-109. Chalmers, D.J. (1996). The conscious mind. Oxford: Oxford University Press. Chalmers, D.J. (1997). Facing up to the problem of consciousness. Em: Shear, J. (Org.). Explaining consciousness the hard problem. Cambridge, MA: The MIT Press. Dennett, D.C. (1997). Facing backwards on the problem of consciousness. Em: Shear, J. (Org.). Explaining consciousness the hard problem. Cambridge, MA: The MIT Press. Searle, J.R. (1997). A redescoberta da mente. So Paulo: Martins Fontes. Searle, J.R. (1998). O mistrio da conscincia. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Searle, J.R. (1998b). How to study consciousness scientifically. London Philosophical Transactions (The Royal Society). Searle, J.R. (2000). Mente, linguagem e sociedade: filosofia no mundo real. (Rangel, F., Tread.). Rio de Janeiro: Rocco. Seager, W. (1997) Consciousness, information and panpsychism. Em: Shear, J. (Org.). Explaining consciousness the hard problem. Cambridge, MA: The MIT Press. Shannon, C. e Weaver, W. (1998) A mathematical theory of communication. Urbana: University ofIllinois Press. (primeira edio: 1949).

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    Shoemaker, S. (1999). On David Chalmerss The Conscious Mind. Em: Sosa, E. (Ed.). Philosophy and phenomenological research. Vol 59. (pp. 439-444). Michigan: Broun-Brumfield.

    Notas

    (1) What makes the hard problem hard and almost unique is that it goes beyond problems about the performance and functions. (2) Isso ocorre, segundo Abrantes (2004), pois o fisicalismo redutivo rejeita propriedades que no so postuladas pela fsica. Ou seja, nessa vertente no h nada alm de leis descritas pela fsica. Como diz Abrantes (2004: 7): no naturalismo fisicalista redutivo, postula-se uma reduo do mental (do fenomnico, do intencional ou de estados com contedo) ao fsico. (3) Chalmers utiliza o termo awareness. A traduo desse termo complicada devido ao fato de no se possuir na lngua portuguesa uma palavra que expresse totalmente seu significado. Awareness pode ser entendido, grosso modo, como o estgio de uma semiconscincia, isto , como o estgio em que h a ateno ao objeto, mas no uma conscincia total dele. Assim sendo, adotamos a palavra sencincia que nos permite chegar mais prximo do sentido proposto pelo filsofo. (4) [] any two systems with the same fine-grained functional organization will have qualitatively identical experiences. (5) Where there is information, there are information states embedded in an informational space. (6) From the same sort of observation that went into the principle of structural coherence, we can note that the differences between phenomenal states have a structure that corresponds directly to the differences embedded in physical processes [...] That is, we can find the same abstract information space embedded in physical processing and in conscious experience. (7) A classificao aqui adotada se baseia na classificao feita por Abrantes (2004:05-37) em seu artigo Naturalismo em Filosofia da mente. Abrantes acredita que o naturalismo de Searle possa ser encaixado numa forma de naturalismo ontolgico, colocando-o na modalidade de um fisicalismo no-redutivo e denominando-o como no-materialista. Ao caracterizar o naturalismo de Searle como no-materialista o autor pretende significar com isso que Searle rejeita, ao mesmo tempo, a tradio materialista e dualista por acreditar que existem implicaes metafsicas nestas duas vises que prejudicam o estudo contemporneo sobre os fenmenos mentais no geral. Searle rejeita o materialismo por ver nele uma insistente tendncia em reduzir o mental ao fsico, sendo praticada nesse caso a reduo ontolgica (de entidades e propriedades). O dualismo visto por ele como uma viso que no devemos levar mais a srio hoje no campo filosfico e cientifico. Embora Searle no se considere nem materialista nem dualista, o autor questiona o fato de que se tenha que rotular sua abordagem com algum ismo no presente momento da discusso sobre o mental, pois sua averso a rtulos se origina do fato de acreditar que no existem alternativas plausveis na filosofia da mente contempornea, que se tenha que aceitar as posies da presente discusso. Levando em conta esses dados, tambm no existe um acordo entre seus crticos e colegas tericos em como classificar o naturalismo de Searle. Nenhuma ateno especial e pormenorizada tem sido dada a seu naturalismo biolgico, sua soluo ao to conhecido e polmico problema mente-corpo. Por isso, mesmo tendo adotado esta classificao sugerida por Abrantes, acreditamos que o ponto ainda polemico e no decidido, dado aos escassos estudos que se tem feito tanto sobre os naturalismos em filosofia da mente como o naturalismo biolgico de John Searle.

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    (8) curioso tambm o fato de Searle tentar especificar as tarefas que a cada um caberiam nesse problema. cincia caberia a procura de uma teoria emprica. filosofia uma investigao conceitual e a superao do vocabulrio em que reduziria a conscincia em um fenmeno de terceira pessoa (materialismo) ou a um fenmeno misterioso no fsico, sendo que isso se daria pela investigao dos pressupostos habituais (Searle, 2000) ou posies-padres que cada filosofo assumira sem antes ter uma reflexo profunda sobre seus pressupostos, e que estes estariam em um conflito eterno, se eles so materialistas reducionistas/eliminativistas e dualistas. (9) Segundo Abrantes (2004: 20), o dualismo chalmeriano no um dualismo de substncias, mas de propriedades, com a existncia de leis fsicas e psquicas. (10) [...] even that physical proprieties and laws may be derivates from informational proprieties and laws. (11) The easy problem of include those of explaining the following phenomena: reproduction, development, growth, metabolism, self-repair, immunological self-defense These are not all that easy, of course, and it may take another century or so to work out the fine points, but they are easy compared to the really hard problem: life itself. (12) curioso o fato, e isso demonstra um padro sistemtico de suas argumentaes, que Searle sempre se refira desse modo em sua tese sobre o problema da conscincia. Ele est convencido que esta a resposta que devemos nos preocupar, e ele mesmo considera que este s o comeo da historia sobre o problema. As pesquisas esto em um estagio muito inicial e ingnuo ainda. (13) Neste artigo, o autor enumera pelo menos nove obstculos de origem e natureza filosfica que estariam, segundo ele, emperrando os progressos na busca pela soluo do problema da conscincia: [...] (i) conscincia no pode ser definida; (ii) conscincia subjetiva, mas a cincia objetiva; (iii) processos cerebrais no podem explicar a conscincia; (iv) o problema do qualia deve ser colocado de lado; (v) conscincia epifenomenal; (vi) conscincia no tem funo evolucionria; (ii) uma abordagem causal da conscincia , necessariamente, dualista; (viii) a cincia reducionista, assim uma explicao cientfica da conscincia mostraria sua redutibilidade a alguma coisa a mais; e (ix) uma explicao da conscincia deve ser uma explicao de processamento de informao. (Searle, 1998b: 1935, traduo nossa). (14) Padres de modos de pensar como o materialismo reducionista ontolgico, e dos dualismos, e mesmo do vocabulrio antiquado que se pretenderia anti-dualista mas no alcana esse fim, como no caso das varias teorias da mente existentes hoje. (15) Searle parece ter sido influenciado a pensar assim atravs da expresso de Ryle de erro categorial, j que o mesmo foi aluno de Gilbert Ryle. Se no, pelos menos nos lembra sobre esta. (16) Podemos notar que o que est por trs dessas crticas uma critica mais profunda, atacando a concepo ocidental de cincia, que, conforme Candiotto (2006) diz respeito principalmente o seu tratamento objetividade, formado por um Pano de Fundo da compreenso da realidade que contm uma equivocada aplicao [...] aos termos objetivo e subjetivo em relao aos seus sentidos epistemolgicos e ontolgicos.

    R. Canal Licenciado e Bacharel em Filosofia (Universidade Federal de So Joo Del-Rei-MG, UFSJ) e Mestrando em Filosofia junto ao Programa de Ps-Graduao (UNESP, campus Marlia), na rea de Filosofia da Mente, Epistemologia e Lgica. Atua como Professor de Filosofia da Rede de Ensino do Estado de So Paulo. Endereo para correspondncia: Rua Espirito Santo, 259, apto. 5, Bairro Vila Nova S, Ourinhos, 19911-620

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    So Paulo. E-mail para correspondncia: [email protected]. J.A. de Moraes Graduando em Filosofia (UNESP, campus Marlia). Membro-Pesquisador vinculado ao Grupo Acadmico de Estudos Cognitivos (GAEC), com nfase nos temas: Filosofia da Informao e Filosofia da Ao. Foi bolsista PIBIC/CNPq de Jan/2008 a Fev/2009. Atualmente bolsista FAPESP desde Mar/2009. fundador da Revista Eletrnica de Pesquisa na Graduao em Filosofia da UNESP Filognese (www.marilia.unesp.br/ filogenese) e da Revista de Estudos dos Ps-Graduandos em Filosofia da UNESP - "KINESIS (www.marilia.unesp.br/kinesis). Endereo para correspondncia : Rua Gabriel Lopes Palomo, 300, apto. 202. Bairro Jardim Arax, Marlia, So Paulo, CEP: 17525-060. Email para correspondncia: [email protected].

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