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CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E PRODUÇÃO DO ECOTURISMO EM BONITO, MS
Nature Conservation and the Production of Ecotourism in Bonito
Heros Augusto Santos Lobo*
RESUMO
O presente artigo apresenta uma análise de algumas das questões ligadas à produção do ecoturismo no município de Bonito, estado do Mato Grosso do Sul e região. A discussão se desenvolve no panorama da conservação da natureza face às territorialidades propiciadas pelo ecoturismo, bem como do contexto político-econômico que canaliza o desenvolvimento do turismo na localidade. A base conceitual que norteou a discussão concentra-se, sobretudo, nas questões de conservação ambiental, definições de ecoturismo e sua divergência em relação às práticas e na territorialidade turística. Como conclusão, aponta-se que a conservação do ambiente na região de Bonito se dá por interesses predominantemente comerciais, e que o turismo ali produzido, apesar de ainda ser popularmente chamado de ecoturismo, pode perder cada vez mais as características essenciais que remetem a esse segmento do turismo. Para que isso não ocorra, a base do planejamento turístico local deve se voltar mais para o tripé ambiente-sociedade-cultura, e menos para o desenvolvimento econômico. Palavras-Chave: Conservação Ambiental; Territorialidade; Turismo. ABSTRACT This article presents an analysis of some of the issues linked to the production of ecotourism in Bonito county, State of Mato Grosso do Sul, and the region. The discussion develops a layout of nature conservation in the face of the territorialities propitiated by ecotourism, as well as of the political-economic context that canalizes the development of tourism in the locality. The conceptual base that guided the discussion is concentrated, over all, in the questions of environmental conservation, definitions of ecotourism and its divergence with relation to the practices and the tourist territoriality. As a conclusion, it is pointed that the conservation of the environment in the region of Bonito happens for predominantly commercial interests, and that the tourism produced there, although still popularly called ecotourism, can lose each time more the essential characteristics that are tied to this segment of tourism. So that this does not occur, the base of the local tourism planning must turn more towards the tripod environment-society-culture, and less towards economic development.�
���������������������������* Bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi. Especialista em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais pela Universidade Federal de Lavras. Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Professor, pesquisador e atual coordenador do curso de Turismo com ênfase em ambientes naturais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Espeleologia – SBE. Membro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo – ANPTUR. [email protected]
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Keywords: Environmental Conservation; Territoriality; Tourism. Introdução
O presente trabalho desenvolvido sob uma ótica dialético-materialista apresenta uma
visão da produção turística que busca analisar a atuação do mundo da mercadoria. Uma outra
vertente possível de análise, que incorpora a emoção e as motivações humanas como
componentes do processo turístico, embora muito marcante, não foi aqui considerada.
Este artigo pretende discutir, de forma breve e em linhas gerais, como se dá a relação
entre as territorialidades locais e a conservação da natureza face ao processo de transformação
territorial em função do ecoturismo, tomando como base para análise o caso de Bonito, MS.
Conservação da natureza e a crise ambiental: reflexos da modernidade
A conservação da natureza está entre as temáticas mais abordadas nos dias atuais, num
panorama de quase colapso do desenvolvimento nos moldes propostos, face à possibilidade de
esgotamento dos recursos naturais. Isto pode ser compreendido como um reflexo da
modernidade, em que o individualismo torna-se a base do desenvolvimento da sociedade, em
função do capital, do fetichismo e da mercadoria. Segundo Harvey (1993, p. 103), “a luta pela
manutenção da lucratividade apressa os capitalistas a explorarem todo tipo de novas
possibilidades. São abertas novas linhas de produto, o que significa a criação de novos
desejos e necessidades” [grifo nosso]. Julgo ser de suma importância destacar essa afirmação,
pois o mercado oculta esse princípio das pessoas. Por meio do marketing, busca apresentar o
entendimento de que as necessidades de consumo são identificadas, e não criadas. Em outras
palavras, são necessidades legítimas. Assim, pela ótica proposta, as viagens, o lazer e o
turismo, muitas vezes deixam de ser necessidade e direito, passando a ser obrigação.
Tal situação é analisada face ao contexto de uma possível crise ambiental. Para
Tommasino e Foladori (2001), essa crise possui grandes problemas, tais como as mudanças
climáticas e as alterações na biodiversidade. Os problemas relacionados ao ambiente são
decorrentes dos processos de territorialização adotados ao longo dos diversos ciclos de
ocupação humana em nosso planeta.
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Também o pensamento tradicional determinista, segundo o qual o homem e natureza
são separados, traz reflexos a este processo. Essa forma de pensar a natureza, conforme
destaca Bihr (1999), torna-a distante do ser humano, colocando-na como sendo apenas o lugar
onde se desenvolvem as suas territorialidades. Ou seja, leva em conta apenas as relações entre
homem e ambiente, deixando de lado as relações existentes entre a espécie humana como
parte da natureza. Bihr afirma também que as coisas naturais, que não necessitam de uma
apropriação por meio do trabalho, são indiferentes ao capitalismo, o qual não as integra em
seus cálculos e previsões, dado que não existe um custo implícito.
Assim, entendo que, embora seja chamada de crise, a questão ambiental é parte do
sistema capitalista, o que leva esta análise para além da dicotomia simplificada de problema e
resolução, de causa e conseqüência. Em outras palavras, quero dizer que, embora a questão
ambiental tenha atualmente ganhado maior enfoque e projeção nos debates e propostas, sabe-
se que isso é fomentado pelo aumento de consumo, bem como a venda de novas tecnologias e
produtos “verdes”. Dessa forma, a questão ambiental, da forma posta, não representa a quebra
de um paradigma desenvolvimentista, mas sim, reflexo da evolução desse paradigma.
Se esse é o contexto mundial do pensamento sobre a natureza face ao desenvolvimento
e a modernidade, no Brasil, o quadro não se faz diferente. Criado como colônia exploratória, o
território nacional vivenciou, e ainda vivencia, diversos ciclos de desenvolvimento
econômico. Em todos eles, o ambiente sempre foi entendido como recurso para uso, sem
nenhuma preocupação com sua manutenção ou com o futuro, ou mesmo sem o entendimento
da relação de necessidade recíproca entre ser humano e natureza.
Essa concepção da natureza parece ganhar uma nova perspectiva de análise a partir
daquela que foi um marco para o fortalecimento do movimento ambientalista brasileiro, a
Conferência do Rio em 1992. Realizado vinte anos após a Conferência de Estocolmo, o
evento do Rio de Janeiro tratou de diversos paradigmas ambientais mundiais, como a
poluição, o esgotamento dos recursos e a biodiversidade. A diretriz básica das discussões era
norteada pelo documento Nosso Futuro Comum, elaborado pelo PNUMA1, e que trazia o
conceito de desenvolvimento sustentável. À luz do desenvolvimento sustentável, estava
lançado um novo paradigma para a conservação da natureza.
Foi nessa época que o ecoturismo se apoderou do discurso do desenvolvimento
sustentável (Ou foi o contrário?). Os defensores do desenvolvimento sustentável levantaram a
���������������������������1 Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
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bandeira do ecoturismo como atividade que simbolizava e concretizava os seus preceitos.
Com isso, o termo ecoturismo, cunhado por Hector Ceballos-Lascurain em meados dos anos
oitenta, e que tinha por objetivo a contemplação e uso racional dos recursos naturais e
culturais conservados, teve uma tentativa de ampliação de seu conceito.
Este processo contribuiu para a criação de um pensamento no senso comum, de que o
ecoturismo, assim como outras atividades “eleitas” como menos predatórias, é derivado do
desenvolvimento sustentável. Essa linha de pensamento, na análise de Porto-Gonçalves
(2004-a, p. 18), não passa de uma armadilha “de noções fáceis que nos são oferecidas pelos
meios de comunicação como ‘qualidade de vida’ ou ‘desenvolvimento sustentável’, que, pela
sua superficialidade, preparam hoje, com toda certeza, a frustração de amanhã”.
Territorialidades em Bonito: da pecuária ao (eco)turismo
A origem histórica do município de Bonito remonta a fatos relacionados com a Guerra
do Paraguai. Após o término da guerra, o Capitão Luiz da Costa Leite Falcão, que é
considerado o desbravador da região, recebeu, por atos de bravura, 15 léguas de terra. Esse
território veio a se chamar Fazenda Rincão Bonito, e posteriormente, em 11 de junho de 1915,
foi desmembrado do Município de Miranda, criando-se o Distrito de Paz de Bonito. A região
foi elevada à categoria de município pela Lei Estadual n° 145, de 02 de outubro de 1948
(ABRÃO et al., 1998, p. 21-2).
A princípio, a atividade econômica que se destacou no município foi a agropecuária,
fomentada por meio de diversos projetos e incentivos governamentais, ganhando caráter mais
comercial à partir dos anos cinqüenta. Além da agropecuária, nessa época, a mineração
começava a ganhar importante papel econômico no contexto da região Centro-Oeste. Galindo
e Santos (1995) colocam essas duas atividades como fatores preponderantes para a
modernização – no sentido de inserção no capitalismo – e diversificação econômica na região.
Para a viabilização de ambas atividades, grandes áreas de vegetação nativa – cerrado e
florestas estacionais – foram suprimidas, seja pela substituição por pastagens, seja pelas
frentes de lavra para mineração de calcário. Tal forma de territorialização da região ensejou a
existência de grandes propriedades, com pouca empregabilidade e baixo grau de
desenvolvimento sócio-econômico.
A partir dos anos noventa, o turismo começou a ocupar papel fundamental na
economia local, sobretudo o ecoturismo. Com a divulgação massiva do município como
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destino turístico nos principais meios de comunicação nacional, viu-se um fenômeno de
crescimento turístico que, até então, só era vislumbrado em praias paradisíacas,
principalmente do litoral nordestino. Desde então, o turismo tem norteado o desenvolvimento
no município de Bonito e região. Assim, estava concretizada uma nova territorialidade local,
que, nas palavras de Porto-Gonçalves (2004-b, p. 09), representa o espaço ocupado
(territorializado ou, nos termos do turismo, turistificado) mais a identidade por ele
representada.
Pautado no discurso da conservação do ambiente e do desenvolvimento sustentável, o
turismo tem sido posto como a solução de muitos dos problemas locais. Assim, coloca-se na
atividade a responsabilidade de resolver as diversas falhas e barreiras ao desenvolvimento
que, o poder público, talvez o verdadeiro responsável por tais questões, não se presta a fazer.
A elite agrária, quando não está presente diretamente no poder, possui influências suficientes
a ponto de canalizar os interesses e as ações tomadas pela municipalidade. Em Bonito, essa
mesma elite agrária dominante tomou conta do desenvolvimento e gestão da atividade
turística, a ponto de se criar uma nova realidade local, a elite do turismo. Embora exista uma
organização do sistema turístico, pautada nas diretrizes apontadas primeiramente pelo
Programa Nacional de Municipalização do Turismo – PNMT e, mais recentemente, no
Programa de Regionalização do Turismo – PRT, a base da atividade turística em Bonito é
ditada pelos atrativos, que estão nas mãos de particulares.
Além de serem os detentores das áreas de maior interesse turístico, os proprietários de
atrativos, como são hoje chamados os fazendeiros e outros proprietários de terras, detêm
também grandes parcelas de áreas conservadas dentro de suas propriedades. Com a chegada
do turismo, as áreas das fazendas que eram consideradas inúteis sob a ótica mercantilista
ganharam importância vital para o desenvolvimento econômico. Por conta disso, da mesma
forma que as poucas áreas conservadas contribuíram para o surgimento do turismo em Bonito,
hoje, o turismo tornou-se um agente de conservação ambiental. Mas essa conservação não é
gratuita, desprendida de interesses. A ânsia de muitos proprietários rurais na região é nítida,
no sentido de encontrar em suas terras aquele que seria o novo roteiro turístico da moda em
Bonito. Fica óbvio então que essa preocupação com o ambiente não diz respeito ao
surgimento, nessas pessoas, de um senso de conscientização sobre a importância da natureza.
Tal conservação é propiciada, na verdade, pela transformação dessas áreas em produtos. A
natureza conservada passa a ser mercadoria.
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Essas áreas de uso turístico passaram a ser transformadas em Unidades de
Conservação, de forma a salvaguardar a sua manutenção futura e também como ferramenta de
marketing turístico. Com isso, percebo que, por tais motivos, o turismo assume em diversas
oportunidades e momentos, o papel de agente prioritário de desenvolvimento na região de
Bonito. Isso ocorre tanto no que diz respeito à economia quanto à conservação da natureza,
ainda que as motivações não sejam ligadas a uma postura de preocupação direta com o
ambiente.
Ecoturismo em Bonito: panorama e perspectivas
A partir de 1994, com a divulgação do município como destino ecoturístico nos
principais meios de comunicação nacional, Bonito tornou-se um dos pontos de partida para o
crescimento do ecoturismo no Brasil nos moldes como hoje conhecemos, bem como para a
criação de um novo cenário no contexto do turismo nacional. A atividade turística, que era
entendida e “planejada” apenas para atender aos fluxos massivos de visitação, passa a ser
concebida para pequenos grupos, de forma a minimizar os impactos negativos, sobretudo ao
meio ambiente.
No entanto, o fortalecimento do ecoturismo no cenário nacional ocorreu,
principalmente, a partir da criação das Diretrizes para a Política Nacional de Ecoturismo,
documento editado pela EMBRATUR2, em 1994. No referido documento, estabeleceu-se o
que se entende, no Brasil, oficialmente por ecoturismo:
Um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas (BRASIL, 1994, p. 04).
Isso fortaleceu o “pensar” e “planejar” do ecoturismo no setor público brasileiro. O
que se percebia dos planejadores ecoturísticos, era a clara necessidade de encontrar rincões
longínquos, onde existisse a possibilidade de contato direto do turista com uma natureza dita
intocável. Assim, o Brasil descobriu Bonito, e o mundo o descobriu também. Na verdade, a
���������������������������2 Instituto Brasileiro do Turismo, antiga Empresa Brasileira do Turismo. Santos Filho (2005) ressalta que a EMBRATUR foi criada no berço da ditadura militar, entre 1969-1967, objetivando divulgar no exterior as belezas naturais do Brasil, como forma de apagar a péssima imagem causada pelo governo militar.�
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política de planejamento turístico imposta aos bonitenses sempre inverteu essa ordem. O mais
correto, talvez, seria dizer que o mundo descobriu Bonito primeiro que o Brasil.
As belezas proporcionadas pelas paisagens cársticas com águas cristalinas, grutas e
matas preservadas, formavam o cenário ideal para que a nova territorialidade – do ecoturismo
– fosse estabelecida. Recursos naturais como os Rios Formoso, Baía Bonita, Sucuri e Olho
d’Água (esse último em Jardim, MS), bem como a Gruta do Lago Azul e o Abismo Anhumas,
se transformaram, em pouco tempo, em verdadeiros ícones do ecoturismo nacional. Desde
essa época, ter recursos naturais como esses nos domínios de suas terras significa para o
proprietário a possibilidade de fazer parte da nova elite local.
Com tais explicações, pretendo demonstrar que a atividade ecoturística em Bonito não
foi um processo legítimo, como talvez se pense. No âmbito local, o interesse maior era dos
fazendeiros, que vislumbravam no ecoturismo a nova fonte de riqueza. Nacionalmente, havia
um interesse político claro, determinado na ocasião pela EMBRATUR, no sentido de
reorganizar a atividade turística no país. O Brasil ainda sofria, à época, as duras
conseqüências da divulgação feita nos anos anteriores, no mais legítimo molde “praia, sol e
sexo”, que desenvolveu toda uma rede de turismo sexual, baseada principalmente na vinda de
operários europeus, que tinham no país um paraíso, no sentido hedonista da palavra. Então,
buscou-se um rearranjo na propaganda do turismo brasileiro, em que não mais somente
imagens de praias, mas também cachoeiras e outros atributos da paisagem eram oferecidos.
Uma outra característica foi o desaparecimento gradativo das mulheres usando biquínis nos
mesmos filmes e materiais. Estava criado o cenário e o discurso de que o Brasil era o país do
ecoturismo, embora ainda não houvesse indícios do desenvolvimento organizado dessa
atividade. Um outro ponto é que o modelo de ecoturismo escolhido para o Brasil, que tomou
Bonito como exemplo, pautou-se nos ideais de turismo sustentável.
O turismo sustentável é entendido pela Organização Mundial do Turismo como sendo
uma atividade que privilegia aspectos sociais, ecológicos e culturais, além dos econômicos,
tanto para as gerações presentes como futuras (OMT, 2003), sob uma ótica mercadológica.
Sem entrar no mérito da existência ou não de um turismo sustentável na prática, foi esse
pensamento que norteou o desenvolvimento dos produtos turísticos de Bonito e região. A
idéia era possibilitar que muitas pessoas pudessem ter benefícios com a atividade turística,
além de conservar a natureza e promover o fortalecimento das culturas locais. De fato,
conforme Loubet (2005), o turismo emprega atualmente aproximadamente 70% da população
economicamente ativa do município de Bonito. Se fôssemos analisar apenas de forma
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quantitativa, poderíamos concluir que o turismo trouxe grandes benefícios para a população
local. Porém, o que se pretende desvelar é que a maioria destes empregos são de caráter
sazonal e subempregos, ficando os cargos de maior importância para pessoas vindas de fora.
Bonito possui hoje grande concentração de bacharéis em turismo e biologia formados em
diversas localidades do país, muitos deles ocupando posições estratégicas na organização do
turismo local. Assim, as oligarquias formadas pela elite não são desfeitas, apenas mudando a
natureza comercial da atividade econômica dominante. Não pretendo aqui fazer juízo de valor
sobre o que é melhor: domínio da elite pecuária ou da elite do turismo, pois entendo que são
compostas, em Bonito, basicamente pelas mesmas pessoas, com poucas variações.
Quanto à natureza, dentro dessa perspectiva de sustentabilidade inserida no discurso
dos dirigentes turísticos locais, sua importância acaba sendo ampliada. Os proprietários rurais
que possuem atrativos turísticos em suas terras começam a ver que conservar a natureza é um
bom negócio em Bonito, pois, os dólares dos turistas estrangeiros têm o objetivo de comprar a
concepção de natureza intocada. Assim, em alguns lugares, a pressão antrópica sobre o
ambiente diminui. A pergunta que fica é: até quando?
As principais teorias de evolução dos destinos turísticos (BUTLER apud
RUSCHMANN, 2004; SWARBROOKE; HORNER, 2002) apontam o declínio dos fluxos de
visitação em torno de dez anos. Some-se a isso o conturbado cenário econômico nacional, que
não favorece o turismo, sobretudo o interno. Bonito atualmente apresenta sinais de vivenciar
as agruras desse fenômeno do mercado e da conjuntura econômica, sofrendo com a
diminuição no número de visitantes em diversos atrativos.
Então, novas alternativas de turismo começam a ser pensadas, como eventos e festas
populares, onde a natureza deixa de ser o centro. Muito embora os turistas que vão a Bonito
para tais festividades também façam uso de alguns atrativos3, questiono: até que ponto o
interesse de um público que não possui uma visão tão centrada no ecoturismo vai contribuir
para a conservação da natureza na Serra da Bodoquena?
���������������������������3 É interessante mencionar que os turistas que vão a Bonito e região, atraídos por festas como o carnaval e outras do gênero, têm feito maior uso de uma pequena parcela dos atrativos, sobretudo os balneários. Em muitos desses balneários, é comum ver os turistas com o som de seus carros ligado em altos volumes, onde o consumo de bebidas alcoólicas é o fator� preponderante da visitação. Assim, além da natureza ser apenas o palco para a diversão desprendida de qualquer compromisso com o ambiente, a poluição sonora e a atitude desrespeitosa acabam por marcar o comportamento desses turistas. Um outro fator a ser mencionado é que, muitas vezes, tais turistas trazem tudo de seus municípios, gastando pouco em Bonito, mas deixando lá o ônus gerado pelo aumento no uso dos sistemas de água, luz, esgoto, infra-estrutura, bem como seu comportamento predatório, marcado por costumes diferentes da vida cotidiana dos bonitenses.�
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Fica difícil, num primeiro momento, encontrar as respostas para tais questionamentos,
como também fazer previsões catastróficas sobre o turismo na região de Bonito. É certo que
iniciativas como a criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena hão de contribuir para
que o poder público tenha maior participação no processo de divisão do fluxo turístico da
região, desconcentrando todo o poder das mãos dos grandes proprietários de terras, partindo
do pressuposto que o processo de gestão nessa Unidade de Conservação será legítimo e
desprendido de interesses ‘político-partidários’.
Todavia, há que se considerar que o turismo em áreas legalmente protegidas, como
Parques e afins, costuma atingir um outro público, com características de consumo bem
distintas dos turistas que Bonito e região estão habituados a receber. Então se levantam novas
dúvidas: será que esse novo público será igualmente aceito na região, levando-se em conta
que se trata de um público que exige menos estrutura de receptivo, logo, gera menos divisas
para a comunidade receptora? Ou será que uma nova territorialidade, gerada pela (re)
territorialização criada pelo Parque há de surgir em Bonito? Ou ainda, será que o Parque se
enquadrará ao sistema turístico local, elitizando o seu público visitante? Qualquer que seja a
resposta, espera-se que a natureza e a sociedade possam conviver de forma o mais harmônica
possível, buscando encontrar perspectivas de desenvolvimento para a região que mantenham a
conservação do ambiente como uma das prioridades sem, no entanto, esquecer das
necessidades da maioria dos munícipes da região, e não só de um grupo dominante.
Considerações finais
O que concluo nisso tudo é que as novas territorialidades proporcionadas pelo turismo
em Bonito são tão excludentes quanto as anteriores. Nessas novas territorialidades, a natureza
ocupa importante papel, sobretudo como produto, sendo apropriada comercialmente pelo
turismo, ali chamado de ecoturismo. Todavia, os preceitos básicos do ecoturismo estão
exatamente ligados a uma mudança de postura das pessoas em relação ao ambiente, à
sociedade e às culturas locais. Entendo o ecoturismo como uma atividade que se pauta na
geração de mínimos impactos ao ambiente, na inserção das comunidades locais no processo
turístico e no incentivo à diversidade e às manifestações culturais. No ecoturismo, o
entendimento que se dá à cultura está ligado à relação dos seres humanos entre si, e com o
ambiente onde vive. Trata-se de uma relação de respeito.
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Contudo, o que se vê em Bonito e região é a total mercantilização da natureza. As
possibilidades de interação direta com o meio são substituídas pela artificialização dos
roteiros. O turista não tem contato com a natureza, mas sim, com as passarelas, pontes e
equipamentos nela construídos. Ainda que tais estruturas sejam implantadas sob o pretexto de
minimizar os impactos ambientais, o que se evidencia é que, na verdade, servem para ampliar
a capacidade de visitação dos atrativos e para atrair turistas mais exigentes quanto à infra-
estrutura de visitação, de forma a maximizar os lucros. Além dessa quebra no que já pode ter
sido um ecoturismo na região, as manifestações culturais legítimas são hoje substituídas por
suvenires fabricados em larga escala, representando o ícone máximo da banalização da
comunidade local e do destino turístico. Na ânsia de superar o ciclo natural de sobrevivência
dos produtos turísticos mantendo altos ritmos de crescimento dos fluxos de visitação, o que se
vê hoje é a troca do ecoturismo por um outro tipo de atividade turística. Esse tipo de atividade
é o mesmo que existe em qualquer outro destino convencional, um turismo de massa, com
uma única diferença: sendo realizado em uma área de alta fragilidade ambiental, e que tem as
devidas condições ambientais para ser um importante pólo de ecoturismo no Brasil. É certo
que esforços estão sendo realizados com o intuito de manter a estrutura que foi montada ao
longo de mais de dez anos para receber os turistas na Serra da Bodoquena. Mas é fato que o
ecoturismo perde com isso seu espaço.
Ainda é possível fazer ecoturismo em Bonito. Mas até quando? Espera-se que com a
implantação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, essa perspectiva de uso responsável
dos recursos naturais possa de fato se concretizar e fundamentar na região. Espera-se que uma
área pública não assuma o mesmo compromisso mercadológico com o lucro, mas sim, vise
oportunizar às pessoas o acesso a uma paisagem conservada e com menos interferências, fato
este comum e próprio das atividades que se pretendem classificar como ecoturismo.
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