constituiÇÃo do capitalismo industrial no brasil: … · 2016-06-30 · de um progresso político...
TRANSCRIPT
Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 1 Ano I Outubro de 2004 periodicidade semestral ndash ISSN 1981-061X
CONSTITUICcedilAtildeO DO CAPITALISMO INDUSTRIAL NO BRASIL A VIA COLONIAL
Vacircnia Noeli Ferreira de Assunccedilatildeo
RESUMO
Este texto discute a forma especiacutefica pela qual se constituiu o
capitalismo industrial brasileiro Centramos nossa atenccedilatildeo na anaacutelise de J
Chasin que qualifica a formaccedilatildeo socioeconocircmica brasileira como de via
colonial Abordamos entatildeo algumas caracteriacutesticas que segundo este autor
distinguem o Brasil dos paiacuteses claacutessicos e dos paiacuteses de via prussiana uma
industrializaccedilatildeo ultra-retardataacuteria e de lenta implantaccedilatildeo o abandono pela
burguesia de suas tarefas histoacutericas e sua submissatildeo agrave burguesia dos paiacuteses
centrais a ausecircncia de democracia a conciliaccedilatildeo entre novo e velho a
dissociaccedilatildeo entre progresso social e evoluccedilatildeo nacional entre outras
Palavras-chave Brasil - histoacuteria Brasil - industrializaccedilatildeo ndash histoacuteria
THE CONSTITUTION OF THE INDUSTRIAL CAPITALISM IN BRAZIL THE COLONIAL WAY
ABSTRACT
This work discusses the specific form took by the constitution of the
brazilian industrial capitalism The main focus is on the analysis by J Chasin
who discovered that the brazilian social and economic formation was in the
Colonial way The article presents some of the characteristics that according to
that author distinguish Brazil from the classical countries as well as from those
of the Prussian way an ultra-late and very slowly developed industrialization
the resignation by the bourgeoisie from its historical tasks and its submission to
1
the bourgeoisie from developed countries the lack of democracy the
conciliation between new and old the dissociation of social development from
national evolution among others
Keywords Brazil - History Brazil - industrialization - History
Eacute falso supor que o desenvolvimento econocircmico ocorre em uma
diversidade de paiacuteses atraveacutes de uma mesma sucessatildeo de etapas como falsa
tambeacutem eacute a crenccedila em que os paiacuteses subdesenvolvidos encontram-se numa
etapa haacute muito superada pelas naccedilotildees atualmente desenvolvidas e que
portanto seus problemas seriam especiacuteficos da ldquojuventuderdquo a ser superados
no decorrer do tempo
Haacute portanto uma desconsideraccedilatildeo de que o modo de produccedilatildeo
capitalista determina e conteacutem vaacuterias formaccedilotildees sociais em que se define
enquanto formas particulares concretas o seu caraacuteter universal De forma que
o evolver do capital concretiza vaacuterios tipos de capitalismo no que jaacute foi
propriamente denominado desenvolvimento desigual e combinado Sendo
assim as caracteriacutesticas gerais comuns ao sistema natildeo existem senatildeo de
forma abstrata e constituem segundo Marx ldquoum conjunto complexo de
determinaccedilotildees diferentes e divergentesrdquo
Este texto tem o objetivo bastante modesto de apresentar algumas
consideraccedilotildees sobre o capitalismo brasileiro tendo por eixo a sua apreensatildeo
como capitalismo de via colonial Citamos ademais estudos de diversos
autores que natildeo se utilizavam da designaccedilatildeo ldquovia colonialrdquo mas cujas
observaccedilotildees pertinentes ajudam a compreender as determinaccedilotildees desse
caminho especiacutefico[1] Nesse sentido o grande nuacutemero de citaccedilotildees natildeo pocircde
ser evitado A repeticcedilatildeo de ideacuteias tambeacutem eacute uma necessidade devido agrave
complexidade do assunto que soacute pode ser separado dos outros elementos da
realidade para efeitos didaacuteticos
Nossa preocupaccedilatildeo central reside em lembrar que os movimentos
nacionais que surgiram no momento da derrocada do feudalismo e que com a
2
vitoacuteria do capitalismo espalharam-se por todo o planeta se objetivaram com
caracteres peculiares dadas as condiccedilotildees histoacuterico-concretas anteriores com
as quais se mesclaram e dado o proacuteprio processo especiacutefico de sua
entificaccedilatildeo
Florestan Fernandes jaacute ressaltava que natildeo haacute um uacutenico modelo baacutesico
democraacutetico-burguecircs de transformaccedilatildeo capitalista Os requisitos para a
transformaccedilatildeo dizia ele entram em interaccedilatildeo com elementos econocircmicos e
extra-econocircmicos da situaccedilatildeo social e esta hibridez eacute que delimita como se
concretizaraacute histoacuterico-socialmente a transformaccedilatildeo capitalista qual o padratildeo
concreto de dominaccedilatildeo burguesa e quais as probabilidades de a revoluccedilatildeo
burguesa absorver os requisitos centrais da transformaccedilatildeo capitalista
Desconhecer tais diferenccedilas de objetivaccedilatildeo do capitalismo (entre os casos
claacutessicos os casos comuns e os casos atiacutepicos segundo sua denominaccedilatildeo)
leva a uma mistificaccedilatildeo e substancializaccedilatildeo da histoacuteria
Por outras palavras dentro da universalidade do capitalismo existem
vaacuterias formas de concreccedilatildeo Uma delas a via claacutessica foi assim considerada
por Marx porque por diversas circunstacircncias histoacutericas foi aquela que
conduziu agrave constituiccedilatildeo de um mercado mundial e do modo de produccedilatildeo
capitalista o qual por ser o primeiro modo de produccedilatildeo realmente universal
(na medida em que dissolve os modos de produccedilatildeo preacute-capitalistas) abre a
histoacuteria mundial e ademais a possibilidade histoacuterica de superar a fase das
sociedades de classes Tambeacutem foi a mais coerente pois haacute uma interconexatildeo
orgacircnica das partes entre si e em relaccedilatildeo ao todo
Nos paiacuteses que chegaram ao capitalismo pela via claacutessica segundo
Marx e Engels ldquocada etapa do desenvolvimento da burguesia foi acompanhado
de um progresso poliacutetico correspondenterdquo que culmina com a supremacia do
modo de produccedilatildeo capitalista implantado pelas revoluccedilotildees democraacutetico-
burguesas Estas revoluccedilotildees eram movimentos de caraacuteter nacional e popular e
suas propostas e projetos apontavam para o historicamente novo em prejuiacutezo
do historicamente velho
3
Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo
existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels
consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da
burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute
caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos
nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de
mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do
triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta
Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas
particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio
capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse
desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute
satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo
plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e
proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado
enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo
no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias
nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era
atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal
existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na
verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia
entravava sua centralizaccedilatildeo territorial
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa
capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia
alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e
temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas
realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e
de circulaccedilatildeo etc)
O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao
brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute
4
determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma
os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente
pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente
poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as
classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do
capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por
forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se
lentamente[2]
Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro
como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos
de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-
social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin
apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos
semelhantes entre Brasil e Alemanha
Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta
nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa
colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde
mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no
seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de
paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente
quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em
curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo
jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da
economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde
se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de
antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir
diante da dominaccedilatildeo imperialista
Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses
iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de
capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos
claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou
via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]
5
Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma
estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de
origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees
satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e
excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute
bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e
progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu
desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo
histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de
classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os
trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures
estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia
Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar
sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo
industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar
com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave
satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes
Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista
europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira
seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou
por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo
econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas
mais recentes da histoacuteria brasileira
Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo
orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal
viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer
gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees
pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita
dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)
De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira
6
economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a
atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos
internacionais
Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a
industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais
do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com
os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o
desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de
exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada
suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e
pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento
histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de
reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn
1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo
brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do
capitalismo aqui existente
Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de
induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa
continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um
sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso
caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um
conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico
que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)
Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre
ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um
fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o
comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o
estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as
despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)
A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute
hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa
7
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
the bourgeoisie from developed countries the lack of democracy the
conciliation between new and old the dissociation of social development from
national evolution among others
Keywords Brazil - History Brazil - industrialization - History
Eacute falso supor que o desenvolvimento econocircmico ocorre em uma
diversidade de paiacuteses atraveacutes de uma mesma sucessatildeo de etapas como falsa
tambeacutem eacute a crenccedila em que os paiacuteses subdesenvolvidos encontram-se numa
etapa haacute muito superada pelas naccedilotildees atualmente desenvolvidas e que
portanto seus problemas seriam especiacuteficos da ldquojuventuderdquo a ser superados
no decorrer do tempo
Haacute portanto uma desconsideraccedilatildeo de que o modo de produccedilatildeo
capitalista determina e conteacutem vaacuterias formaccedilotildees sociais em que se define
enquanto formas particulares concretas o seu caraacuteter universal De forma que
o evolver do capital concretiza vaacuterios tipos de capitalismo no que jaacute foi
propriamente denominado desenvolvimento desigual e combinado Sendo
assim as caracteriacutesticas gerais comuns ao sistema natildeo existem senatildeo de
forma abstrata e constituem segundo Marx ldquoum conjunto complexo de
determinaccedilotildees diferentes e divergentesrdquo
Este texto tem o objetivo bastante modesto de apresentar algumas
consideraccedilotildees sobre o capitalismo brasileiro tendo por eixo a sua apreensatildeo
como capitalismo de via colonial Citamos ademais estudos de diversos
autores que natildeo se utilizavam da designaccedilatildeo ldquovia colonialrdquo mas cujas
observaccedilotildees pertinentes ajudam a compreender as determinaccedilotildees desse
caminho especiacutefico[1] Nesse sentido o grande nuacutemero de citaccedilotildees natildeo pocircde
ser evitado A repeticcedilatildeo de ideacuteias tambeacutem eacute uma necessidade devido agrave
complexidade do assunto que soacute pode ser separado dos outros elementos da
realidade para efeitos didaacuteticos
Nossa preocupaccedilatildeo central reside em lembrar que os movimentos
nacionais que surgiram no momento da derrocada do feudalismo e que com a
2
vitoacuteria do capitalismo espalharam-se por todo o planeta se objetivaram com
caracteres peculiares dadas as condiccedilotildees histoacuterico-concretas anteriores com
as quais se mesclaram e dado o proacuteprio processo especiacutefico de sua
entificaccedilatildeo
Florestan Fernandes jaacute ressaltava que natildeo haacute um uacutenico modelo baacutesico
democraacutetico-burguecircs de transformaccedilatildeo capitalista Os requisitos para a
transformaccedilatildeo dizia ele entram em interaccedilatildeo com elementos econocircmicos e
extra-econocircmicos da situaccedilatildeo social e esta hibridez eacute que delimita como se
concretizaraacute histoacuterico-socialmente a transformaccedilatildeo capitalista qual o padratildeo
concreto de dominaccedilatildeo burguesa e quais as probabilidades de a revoluccedilatildeo
burguesa absorver os requisitos centrais da transformaccedilatildeo capitalista
Desconhecer tais diferenccedilas de objetivaccedilatildeo do capitalismo (entre os casos
claacutessicos os casos comuns e os casos atiacutepicos segundo sua denominaccedilatildeo)
leva a uma mistificaccedilatildeo e substancializaccedilatildeo da histoacuteria
Por outras palavras dentro da universalidade do capitalismo existem
vaacuterias formas de concreccedilatildeo Uma delas a via claacutessica foi assim considerada
por Marx porque por diversas circunstacircncias histoacutericas foi aquela que
conduziu agrave constituiccedilatildeo de um mercado mundial e do modo de produccedilatildeo
capitalista o qual por ser o primeiro modo de produccedilatildeo realmente universal
(na medida em que dissolve os modos de produccedilatildeo preacute-capitalistas) abre a
histoacuteria mundial e ademais a possibilidade histoacuterica de superar a fase das
sociedades de classes Tambeacutem foi a mais coerente pois haacute uma interconexatildeo
orgacircnica das partes entre si e em relaccedilatildeo ao todo
Nos paiacuteses que chegaram ao capitalismo pela via claacutessica segundo
Marx e Engels ldquocada etapa do desenvolvimento da burguesia foi acompanhado
de um progresso poliacutetico correspondenterdquo que culmina com a supremacia do
modo de produccedilatildeo capitalista implantado pelas revoluccedilotildees democraacutetico-
burguesas Estas revoluccedilotildees eram movimentos de caraacuteter nacional e popular e
suas propostas e projetos apontavam para o historicamente novo em prejuiacutezo
do historicamente velho
3
Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo
existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels
consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da
burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute
caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos
nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de
mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do
triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta
Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas
particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio
capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse
desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute
satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo
plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e
proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado
enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo
no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias
nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era
atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal
existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na
verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia
entravava sua centralizaccedilatildeo territorial
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa
capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia
alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e
temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas
realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e
de circulaccedilatildeo etc)
O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao
brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute
4
determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma
os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente
pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente
poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as
classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do
capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por
forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se
lentamente[2]
Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro
como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos
de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-
social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin
apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos
semelhantes entre Brasil e Alemanha
Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta
nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa
colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde
mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no
seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de
paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente
quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em
curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo
jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da
economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde
se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de
antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir
diante da dominaccedilatildeo imperialista
Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses
iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de
capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos
claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou
via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]
5
Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma
estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de
origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees
satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e
excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute
bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e
progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu
desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo
histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de
classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os
trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures
estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia
Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar
sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo
industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar
com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave
satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes
Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista
europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira
seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou
por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo
econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas
mais recentes da histoacuteria brasileira
Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo
orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal
viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer
gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees
pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita
dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)
De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira
6
economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a
atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos
internacionais
Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a
industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais
do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com
os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o
desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de
exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada
suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e
pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento
histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de
reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn
1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo
brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do
capitalismo aqui existente
Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de
induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa
continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um
sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso
caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um
conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico
que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)
Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre
ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um
fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o
comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o
estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as
despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)
A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute
hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa
7
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
vitoacuteria do capitalismo espalharam-se por todo o planeta se objetivaram com
caracteres peculiares dadas as condiccedilotildees histoacuterico-concretas anteriores com
as quais se mesclaram e dado o proacuteprio processo especiacutefico de sua
entificaccedilatildeo
Florestan Fernandes jaacute ressaltava que natildeo haacute um uacutenico modelo baacutesico
democraacutetico-burguecircs de transformaccedilatildeo capitalista Os requisitos para a
transformaccedilatildeo dizia ele entram em interaccedilatildeo com elementos econocircmicos e
extra-econocircmicos da situaccedilatildeo social e esta hibridez eacute que delimita como se
concretizaraacute histoacuterico-socialmente a transformaccedilatildeo capitalista qual o padratildeo
concreto de dominaccedilatildeo burguesa e quais as probabilidades de a revoluccedilatildeo
burguesa absorver os requisitos centrais da transformaccedilatildeo capitalista
Desconhecer tais diferenccedilas de objetivaccedilatildeo do capitalismo (entre os casos
claacutessicos os casos comuns e os casos atiacutepicos segundo sua denominaccedilatildeo)
leva a uma mistificaccedilatildeo e substancializaccedilatildeo da histoacuteria
Por outras palavras dentro da universalidade do capitalismo existem
vaacuterias formas de concreccedilatildeo Uma delas a via claacutessica foi assim considerada
por Marx porque por diversas circunstacircncias histoacutericas foi aquela que
conduziu agrave constituiccedilatildeo de um mercado mundial e do modo de produccedilatildeo
capitalista o qual por ser o primeiro modo de produccedilatildeo realmente universal
(na medida em que dissolve os modos de produccedilatildeo preacute-capitalistas) abre a
histoacuteria mundial e ademais a possibilidade histoacuterica de superar a fase das
sociedades de classes Tambeacutem foi a mais coerente pois haacute uma interconexatildeo
orgacircnica das partes entre si e em relaccedilatildeo ao todo
Nos paiacuteses que chegaram ao capitalismo pela via claacutessica segundo
Marx e Engels ldquocada etapa do desenvolvimento da burguesia foi acompanhado
de um progresso poliacutetico correspondenterdquo que culmina com a supremacia do
modo de produccedilatildeo capitalista implantado pelas revoluccedilotildees democraacutetico-
burguesas Estas revoluccedilotildees eram movimentos de caraacuteter nacional e popular e
suas propostas e projetos apontavam para o historicamente novo em prejuiacutezo
do historicamente velho
3
Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo
existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels
consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da
burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute
caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos
nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de
mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do
triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta
Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas
particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio
capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse
desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute
satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo
plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e
proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado
enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo
no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias
nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era
atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal
existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na
verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia
entravava sua centralizaccedilatildeo territorial
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa
capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia
alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e
temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas
realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e
de circulaccedilatildeo etc)
O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao
brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute
4
determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma
os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente
pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente
poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as
classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do
capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por
forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se
lentamente[2]
Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro
como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos
de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-
social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin
apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos
semelhantes entre Brasil e Alemanha
Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta
nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa
colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde
mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no
seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de
paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente
quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em
curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo
jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da
economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde
se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de
antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir
diante da dominaccedilatildeo imperialista
Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses
iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de
capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos
claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou
via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]
5
Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma
estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de
origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees
satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e
excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute
bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e
progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu
desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo
histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de
classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os
trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures
estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia
Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar
sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo
industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar
com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave
satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes
Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista
europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira
seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou
por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo
econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas
mais recentes da histoacuteria brasileira
Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo
orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal
viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer
gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees
pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita
dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)
De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira
6
economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a
atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos
internacionais
Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a
industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais
do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com
os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o
desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de
exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada
suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e
pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento
histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de
reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn
1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo
brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do
capitalismo aqui existente
Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de
induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa
continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um
sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso
caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um
conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico
que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)
Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre
ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um
fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o
comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o
estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as
despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)
A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute
hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa
7
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo
existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels
consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da
burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute
caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos
nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de
mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do
triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta
Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas
particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio
capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse
desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute
satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo
plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e
proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado
enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo
no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias
nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era
atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal
existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na
verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia
entravava sua centralizaccedilatildeo territorial
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa
capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia
alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e
temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas
realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e
de circulaccedilatildeo etc)
O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao
brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute
4
determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma
os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente
pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente
poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as
classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do
capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por
forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se
lentamente[2]
Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro
como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos
de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-
social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin
apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos
semelhantes entre Brasil e Alemanha
Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta
nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa
colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde
mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no
seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de
paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente
quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em
curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo
jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da
economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde
se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de
antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir
diante da dominaccedilatildeo imperialista
Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses
iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de
capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos
claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou
via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]
5
Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma
estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de
origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees
satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e
excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute
bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e
progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu
desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo
histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de
classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os
trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures
estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia
Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar
sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo
industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar
com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave
satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes
Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista
europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira
seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou
por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo
econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas
mais recentes da histoacuteria brasileira
Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo
orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal
viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer
gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees
pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita
dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)
De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira
6
economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a
atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos
internacionais
Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a
industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais
do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com
os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o
desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de
exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada
suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e
pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento
histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de
reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn
1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo
brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do
capitalismo aqui existente
Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de
induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa
continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um
sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso
caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um
conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico
que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)
Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre
ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um
fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o
comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o
estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as
despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)
A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute
hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa
7
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma
os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente
pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente
poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as
classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do
capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por
forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se
lentamente[2]
Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro
como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos
de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-
social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin
apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos
semelhantes entre Brasil e Alemanha
Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta
nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa
colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde
mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no
seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de
paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente
quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em
curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo
jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da
economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde
se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de
antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir
diante da dominaccedilatildeo imperialista
Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses
iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de
capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos
claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou
via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]
5
Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma
estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de
origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees
satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e
excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute
bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e
progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu
desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo
histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de
classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os
trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures
estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia
Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar
sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo
industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar
com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave
satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes
Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista
europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira
seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou
por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo
econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas
mais recentes da histoacuteria brasileira
Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo
orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal
viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer
gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees
pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita
dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)
De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira
6
economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a
atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos
internacionais
Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a
industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais
do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com
os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o
desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de
exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada
suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e
pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento
histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de
reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn
1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo
brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do
capitalismo aqui existente
Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de
induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa
continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um
sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso
caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um
conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico
que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)
Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre
ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um
fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o
comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o
estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as
despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)
A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute
hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa
7
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma
estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de
origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees
satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e
excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute
bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e
progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu
desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo
histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de
classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os
trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures
estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia
Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar
sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo
industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar
com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave
satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes
Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista
europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira
seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou
por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo
econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas
mais recentes da histoacuteria brasileira
Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo
orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal
viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer
gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees
pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita
dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)
De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira
6
economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a
atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos
internacionais
Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a
industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais
do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com
os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o
desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de
exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada
suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e
pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento
histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de
reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn
1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo
brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do
capitalismo aqui existente
Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de
induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa
continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um
sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso
caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um
conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico
que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)
Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre
ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um
fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o
comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o
estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as
despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)
A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute
hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa
7
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a
atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos
internacionais
Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a
industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais
do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com
os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o
desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de
exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada
suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e
pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento
histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de
reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn
1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo
brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do
capitalismo aqui existente
Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de
induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa
continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um
sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso
caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um
conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico
que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)
Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre
ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um
fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o
comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o
estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as
despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)
A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute
hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa
7
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado
interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais
processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan
Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba
submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais
intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco
impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do
crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)
Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo
brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem
agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo
entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior
Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge
quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave
intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge
e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo
brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as
alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute
Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia
agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em
1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da
agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais
contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da
industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)
Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-
retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo
histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante
toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo
havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital
estava na ordem do dia
8
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho
modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma
economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no
interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos
muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os
interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente
relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade
econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um
momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes
centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)
Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada
gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao
intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos
capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo
nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de
desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo
o ciacuterculo vicioso
Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou
industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais
diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses
subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da
produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui
produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um
empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees
(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre
associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do
paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe
dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute
irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma
razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar
a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a
responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)
9
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e
crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e
organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em
primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de
crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe
arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo
e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma
organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio
Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional
estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo
das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido
momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do
paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante
muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo
apenas burgueses industriais individuais[4]
Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos
representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se
concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel
tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo
interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos
especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn
1978 Prado Jr 1972)[5]
Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se
omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas
especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional
acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas
vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]
Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de
interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir
para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da
burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir
10
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o
poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)
Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este
autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse
processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente
toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses
econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-
poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas
patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p
142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia
pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do
excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que
tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo
quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais
brasileiras
Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica
do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se
antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que
uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na
ideologia e nas praacuteticas sociais
Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu
com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este
fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash
tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas
enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do
capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este
sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do
imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho
11
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio
Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca
mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a
melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute
justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos
(Prado Jr 1972 p 280)
Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se
constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou
superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma
mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade
toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da
subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto
retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo
particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em
paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)
Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se
moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social
Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo
possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide
com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan
Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila
por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os
estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre
desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a
noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se
qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo
burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)
As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas
fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na
ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a
natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima
12
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso
numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)
Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter
intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso
naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar
tudo para que tudo continue como estaacute[8]
De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente
atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de
formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico
mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo
excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da
evoluccedilatildeo nacional [9]
Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que
chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais
houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo
de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de
tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio
ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um
anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa
encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees
terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)
A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a
burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para
todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica
proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais
categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia
brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de
universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus
interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade
em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)
13
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou
Carlos Nelson Coutinho
No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou
dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de
ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o
ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido
ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees
superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular
(Coutinho 1967 p 142)
O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo
democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do
processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam
minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees
Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute
vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro
capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel
hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro
moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e
sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode
avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode
associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a
todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo
(Fernandes 1989 p 137)
Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham
no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se
das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as
antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e
fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis
eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo
ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse
das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho
1967 p 142)
14
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta
tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash
tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o
capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o
Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)
Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do
seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins
universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a
ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu
interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)
Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro
capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica
Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada
a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria
criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que
ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional
simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou
dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na
salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins
foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)
Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de
suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma
transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo
(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria
contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico
lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo
nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute
essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional
e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma
que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A
somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato
extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia
15
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente
necessaacuterias
Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo
Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as
regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel
reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e
compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na
generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de
questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada
sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da
angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo
fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e
abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)
Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como
servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas
populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era
mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem
social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato
importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas
ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle
societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem
lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981
p 333)
Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas
atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se
faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o
plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui
inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa
forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em
que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito
aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se
subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes
16
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital
atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas
as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se
necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma
democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e
de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias
(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa
A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o
caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente
com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a
sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia
baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica
natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o
Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos
anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da
Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela
repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo
Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao
suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e
aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da
vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a
democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente
atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)
A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo
Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se
exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e
obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a
histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo
do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da
superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos
ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a
malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo
17
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo
proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do
poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)
Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca
completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua
incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo
tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a
loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo
excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo
burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a
imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a
autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a
primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute
sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa
maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro
integracionista e participativo de todas as categorias sociais
Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia
para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees
historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o
capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute
catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)
Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo
gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos
proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia
liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar
com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe
do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo
se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave
sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar
ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute
vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo
18
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a
covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin
1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se
reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia
burguesa correspondente ao capital atroacutefico
O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao
mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem
confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto
inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de
chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo
anterior
O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da
globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente
parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas
produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do
mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica
nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se
daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que
tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo
podem ou natildeo se inserir
Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o
paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute
substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua
maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo
global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos
atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se
alcanccedila
Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte
precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades
e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute
pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode
19
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso
jaacute eacute assunto para outro texto
Bibliografia
CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo
Paulo Escrita
___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516
Satildeo Paulo Ensaio
_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio
1718 Satildeo Paulo Ensaio
_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad
Hominem
_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem
______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in
Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem
COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil
em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel
COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e
Terra
FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de
Janeiro Zahar
_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718
Satildeo Paulo Ensaio
20
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo
Brasiliense
RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em
Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo
RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do
Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita
Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de
Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias
Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na
Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo
Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail
vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles
Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria
chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais
semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por
uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da
ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse
aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem
de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar
apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo
de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo
deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que
vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do
Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes
que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que
Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo
natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa
industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente
21
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-
22
separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas
cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a
predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais
luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que
implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com
isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute
a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute
submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os
paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo
de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o
periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se
ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho
salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando
o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por
realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da
revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano
- Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
- Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
- Bibliografia
-