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4º Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática 29, 30 de junho e 01 de julho de 2015 2657 In: Anais do Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, 4º, 2015, Ilhéus, Anais..., Ilhéus, Bahia, Brasil. p.2657-2668. ISSN 2446-6336. CONTRIBUIÇÕES DE PROFESSORES FORMADORES SOBRE O CONHECIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE EM ÁLGEBRA Karina Aguiar Alves 1 Universidade Federal do ABC Marieli Vanessa Rediske de Almeida 2 Universidade Federal do ABC Thais Helena Inglêz Silva 3 Universidade Federal do ABC Evonir Albrecht 4 Universidade Federal do ABC RESUMO Este trabalho apresenta resultados de pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto Conhecimento Matemático para o Ensino de Álgebra: uma abordagem baseada em perfis conceituais”, vinculado ao Programa Observatório da Educação (OBEDUC) e tem por objetivo apresentar uma investigação sobre os conhecimentos docentes que formadores de professores mobilizam ao falar sobre Álgebra durante uma entrevista semiestruturada. Para tanto, apresenta-se, inicialmente, as ideias de Lee Shulman, sobre os Conhecimentos Profissionais Docentes, as quais irão subsidiar a análise de três questões provenientes de entrevistas realizadas com quatro professores do Ensino Superior. Para nossas análises, tomamos por base as categorias Conhecimento Específico do Conteúdo e Conhecimento Curricular, ambas propostas neste referencial. Foi possível perceber, na fala dos professores, críticas ao atual sistema de ensino, à profundidade do currículo e ao tecnicismo presente no Ensino de Álgebra. Quanto ao Conhecimento Específico de Álgebra, percebemos que a delimitação desta área não é claramente explicitada e que, apesar de na Educação Básica os professores declararem a Álgebra e a Geometria como áreas bem distintas - ainda que uma possa ser usada como instrumento para a outra - não conseguem construir a mesma diferenciação para o Ensino Superior. As reflexões advindas dessas análises fomentam a necessidade de se repensar a formação docente, de forma a contribuir para um aperfeiçoamento profissional que ofereça aos futuros professores possibilidades de construir relações entre o conteúdo e sua 1 [email protected] 2 [email protected] 3 [email protected] 4 [email protected]

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4º Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

29, 30 de junho e 01 de julho de 2015

2657

In: Anais do Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, 4º, 2015, Ilhéus, Anais..., Ilhéus, Bahia, Brasil. p.2657-2668. ISSN 2446-6336.

CONTRIBUIÇÕES DE PROFESSORES FORMADORES SOBRE O

CONHECIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE EM ÁLGEBRA

Karina Aguiar Alves1

Universidade Federal do ABC

Marieli Vanessa Rediske de Almeida2

Universidade Federal do ABC

Thais Helena Inglêz Silva3

Universidade Federal do ABC

Evonir Albrecht4

Universidade Federal do ABC

RESUMO

Este trabalho apresenta resultados de pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto “Conhecimento Matemático para o Ensino de Álgebra: uma abordagem baseada em perfis conceituais”, vinculado ao Programa Observatório da Educação (OBEDUC) e tem por objetivo apresentar uma investigação sobre os conhecimentos docentes que formadores de professores mobilizam ao falar sobre Álgebra durante uma entrevista semiestruturada. Para tanto, apresenta-se, inicialmente, as ideias de Lee Shulman, sobre os Conhecimentos Profissionais Docentes, as quais irão subsidiar a análise de três questões provenientes de entrevistas realizadas com quatro professores do Ensino Superior. Para nossas análises, tomamos por base as categorias Conhecimento Específico do Conteúdo e Conhecimento Curricular, ambas propostas neste referencial. Foi possível perceber, na fala dos professores, críticas ao atual sistema de ensino, à profundidade do currículo e ao tecnicismo presente no Ensino de Álgebra. Quanto ao Conhecimento Específico de Álgebra, percebemos que a delimitação desta área não é claramente explicitada e que, apesar de na Educação Básica os professores declararem a Álgebra e a Geometria como áreas bem distintas - ainda que uma possa ser usada como instrumento para a outra - não conseguem construir a mesma diferenciação para o Ensino Superior. As reflexões advindas dessas análises fomentam a necessidade de se repensar a formação docente, de forma a contribuir para um aperfeiçoamento profissional que ofereça aos futuros professores possibilidades de construir relações entre o conteúdo e sua

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Contribuições de professores formadores sobre o conhecimento profissional docente em Álgebra

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prática pedagógica, no que se refere aos processos de ensino e de aprendizagem de Álgebra. Palavras chave: Conhecimento Profissional Docente. Ensino de Álgebra. Formação de Professores.

INTRODUÇÃO

A proposta desenvolvida neste trabalho situa-se dentro dos objetivos de

pesquisa almejados pelo projeto “Conhecimento Matemático para o Ensino de

Álgebra: uma abordagem baseada em perfis conceituais”. Este projeto está

vinculado ao Programa Observatório da Educação (OBEDUC), sob coordenação do

Professor Dr. Alessandro Jacques Ribeiro e é subsidiado pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES - edital 049/2012). O

referido projeto tem como objetivo investigar os conhecimentos mobilizados por

professores ao ensinar Álgebra na Educação Básica, utilizando-se para isso, de uma

abordagem baseada em perfis conceituais (MORTIMER, 2000). Como etapa

constante ao desenvolvimento do projeto e uma necessidade advinda dos estudos

bibliográficos, emergiu de nossas reflexões a necessidade de compreender a

concepção de Álgebra que professores formadores de professores possuem. Com

esta finalidade, desenvolvemos um roteiro com nove questões que versam sobre

diferentes temas relacionados à prática docente.

Inicialmente o grupo de pesquisa empreendeu estudos em duas grandes

temáticas, a saber: concepções de Álgebra relacionadas ao Ensino e Conhecimento

Profissional Docente. Este trabalho baseia-se na segunda temática, onde elegemos

os trabalhos de Shulman (1986,1987) para subsidiarem a construção do roteiro que

fora utilizado para guiar as entrevistas realizadas com os professores. Trazemos

aqui a análise das respostas a três perguntas das entrevistas, pautadas no

referencial teórico adotado.

No que tange as concepções de Álgebra, as análises das respostas que

abarcam essa perspectiva foram apresentadas no XII EPEM - Encontro Paulista de

Educação Matemática – realizado em maio de 2014, em Birigui-SP (SILVA; SOUZA;

SILVA; RIBEIRO; 2014). Ademais, optou-se pela divisão e análise das questões em

dois trabalhos, um voltado para o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo e o outro,

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4º SIPEMAT

para o Conhecimento Específico do Conteúdo e Conhecimento do Conteúdo e o

Currículo. É neste último âmbito que este trabalho figura.

Neste artigo trazemos nossa discussão das principais ideias contidas no

artigo de Shulman de 1986 que contribuíram para a formulação e interpretação dos

resultados apresentados. A escolha por esse referencial deve-se, em grande parte,

por seu pioneirismo ao considerar o Conhecimento Pedagógico indissociável do

Conhecimento sobre o Conteúdo, e ao identificar o papel decisivo da Universidade

na segmentação destas duas áreas de conhecimento. Conforme Shulman (1986):

Em Ramus, Method and the Decay od Dialogue, o padre Walter Ong (1958) apresenta uma consideração sobre o ensino na universidade medieval no capítulo intitulado “The pedagogical Juggernaut”. Ele descreve um mundo de ensino e aprendizagem naquelas universidades, onde ao invés de separar o conteúdo da pedagogia (o que é conhecer de como ensinar), não há distinção alguma entre eles. Conteúdo e pedagogia são partes de um corpo indistinguível de compreensões. (SHULMAN, 1986, p. 6)

O presente trabalho objetiva explicitar alguns aspectos presentes na fala dos

professores entrevistados, para assim, construirmos sua relação com os referenciais

adotados. As traduções utilizadas foram realizadas pelos autores deste artigo, a fim

de facilitar a compreensão e uniformizar as nomenclaturas das categorias

apresentadas por Shulman em seus trabalhos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Apresentamos a seguir uma revisão dos trabalhos de Lee Shulman estudados

por nosso grupo. As ideias deste autor sobre o Conhecimento do Conteúdo,

apresentadas nos artigos de 1986 e 1987, tem sido estudadas nas mais diversas

áreas e entre as maiores contribuições do autor está a compreensão do

conhecimento do conteúdo como conhecimento-chave para a profissão docente.

Shulman (1986) buscou inicialmente traçar um panorama a respeito dos

testes que os professores necessitavam realizar para trabalhar como docentes nos

Estados Unidos, durante o século XIX. Para o autor, a preocupação com o conteúdo

era muito grande, conforme constatou em suas investigações: “Noventa a noventa e

cinco por cento dos testes são sobre conteúdo, o assunto a ser ensinado, ou o

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Contribuições de professores formadores sobre o conhecimento profissional docente em Álgebra

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4º SIPEMAT

conhecimento básico necessário que o professor deveria possuir para ensinar”.

(SHULMAN, 1986, p. 5). Segundo ele, já nos anos 1980, a capacidade de ensinar

passou a ter maior destaque no momento da contratação dos professores, em

detrimento dos conhecimentos referentes aos conteúdos. Isso se deve, segundo

Shulman, à valorização, por parte dos formuladores de políticas públicas, de

aspectos comportamentais dos professores que contribuíssem para que os alunos

obtivessem melhor desempenho acadêmico, valorização esta justificada pela grande

quantidade de pesquisas sobre o tema. Entretanto, Shulman destaca que a

valorização dos comportamentos do professor nas pesquisas realizadas terminou

por ignorar um aspecto central: o conteúdo.

Tal falta de foco no conteúdo foi denominada por Shulman e seus colegas de

problema do “paradigma perdido”. Trata-se da ausência de investigações sobre

como os professores aprendem aquilo que precisam ensinar, de onde vem o seu

conhecimento, os exemplos, as explicações. Shulman aponta, desta forma, que as

pesquisas da área não contemplavam estas questões e assim, os principais

questionamentos não eram formulados, causando o que ele denominou “ponto cego”

nas pesquisas em Ensino.

A partir destas constatações, Shulman propõe, ainda no artigo de 1986, que o

conhecimento do conteúdo de ensino possa ser dividido em três categorias distintas:

(a) Content Knowledge ou Conhecimento Específico do Conteúdo, (b) Pedagogical

Content Knowledge ou Conhecimento Pedagógico do Conteúdo e (c) Curricular

Knowledge ou Conhecimento Curricular.

O Conhecimento Específico do Conteúdo refere-se à “quantidade e

organização do conhecimento na mente do professor” (SHULMAN, 1986, p. 9). Além

de saber como algo acontece, o professor deve saber por que acontece de tal forma,

como garantir que aconteça, quando a crença nessa justificativa pode ser

estremecida ou negada e, além disso, espera-se que o professor tenha capacidade

de distinguir entre conteúdos centrais e conteúdos periféricos a serem trabalhados.

O Conhecimento Pedagógico do Conteúdo trata daqueles aspectos do

conteúdo mais pertinentes ao seu Ensino. A fim de exemplificar tal conceito,

Shulman (1986) cita nesta categoria, o conhecimento de temas que são ensinados

com maior frequência em cada área, as melhores formas de representação de

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ideias, melhores analogias, exemplos, explicações, como tornar o assunto mais

compreensível para os alunos.

Na categoria Conhecimento Curricular estão os conhecimentos do professor a

respeito do currículo. Para Shulman (1986) o currículo é uma gama de programas

concebidos com vistas ao ensino de tópicos específicos, em níveis específicos, e

inclui o conhecimento sobre a utilização de materiais didáticos em situações

específicas. O conhecimento curricular conta ainda com dois outros aspectos: o

conhecimento horizontal do currículo, que inclui a capacidade de trabalho

interdisciplinar; e o conhecimento vertical do currículo, que abrange os conteúdos

estudados nos anos anteriores e posteriores na disciplina ministrada pelo professor.

Em seu artigo de 1987, Shulman continua enfatizando os conhecimentos

docentes, especificamente o que ele denominou Knowledge Base of Teaching ou

Repertório de Conhecimentos para o Ensino e aponta que poucos estudos

especificavam o caráter deste conhecimento. O autor apresenta, no referido

trabalho, um argumento que busca responder questões referentes às bases para a

profissionalização do Ensino.

Shulman (1987) destaca dois de seus projetos principais, um que buscava

entender como jovens professores aprendem a ensinar, retomando algumas

discussões já realizadas no artigo de 1986, no qual teve oportunidade de

acompanhar a evolução dos participantes, de alunos a professores, e que destacou

um complexo corpo de conhecimentos e habilidades necessários à função de

ensinar. Paralelamente a este trabalho, em 1987, o autor desenvolveu um outro

estudo com professores veteranos, a fim de comparar os resultados. Para ele, tais

estudos mostraram que o conhecimento e habilidades demonstrados

ocasionalmente pelos professores mais jovens podem ser observados mais

naturalmente naqueles professores mais experientes, porém, a pergunta que

persistiu foi “o que os professores sabem (ou não) que os permite ensinar de forma

particular?”. Para Shulman, observar professores experientes ensinando a partir dos

mesmos materiais que causam dificuldade aos professores mais jovens,

proporcionou clareza quanto aos tipos de conhecimentos e habilidades necessários

para ensinar. Da mesma forma, o foco no ensino de tópicos particulares possibilitou

aprender tipos particulares de Conhecimento do Conteúdo e estratégias

pedagógicas que interagem na mente dos professores.

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Contribuições de professores formadores sobre o conhecimento profissional docente em Álgebra

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4º SIPEMAT

Shulman (1987) nos diz que se o conhecimento dos professores pudesse ser

organizado em um livro ou em uma enciclopédia, certamente incluiria as seguintes

categorias: Conhecimento do Conteúdo, Conhecimento Pedagógico Geral,

Conhecimento Curricular, Conhecimento Pedagógico do Conteúdo, Conhecimento

sobre os Estudantes, Conhecimento de Contextos Educacionais e Conhecimento de

Objetivos Educacionais.

Ressaltamos que nosso trabalho analisa respostas de uma entrevista,

elaborada como uma atividade inicial de coleta de dados, de nossas investigações.

Sendo assim, visto que optamos por realizar entrevistas mais diretas e sucintas,

decidimos adotar, na análise do Conhecimento Profissional Docente dos

entrevistados, o artigo de Shulman de 1986, no qual acreditamos que as categorias

do artigo de 1987 já estejam, ainda que indiretamente, incluídas.

METODOLOGIA

Como apresentado, este trabalho é um subproduto de investigações

realizadas em um projeto de pesquisa maior, que tem por objetivo investigar o

conhecimento matemático para o Ensino de Álgebra. No primeiro ano de

investigações, o grupo de pesquisa debruçou-se sobre duas frentes de trabalho,

prioritariamente: a concepção de Álgebra adotada pelo grupo, fundamentada na

literatura, e os conhecimentos docentes envolvidos no Ensino de Álgebra, tomando-

se por base as categorias apresentadas no trabalho de Shulman (1986). Para o

estudo destes dois focos de interesse, além dos referenciais teóricos, buscou-se

apreender, da experiência profissional de professores tanto de Ensino Superior

quanto da Educação Básica, elementos de discurso ou da prática que pudessem

contribuir para ampliar o nosso entendimento.

Assim sendo, a primeira investigação proposta pelo grupo, além dos estudos

teóricos, foi a realização de entrevistas com professores do Ensino Superior,

preferencialmente que lecionassem em cursos de licenciatura, a fim de investigar as

concepções de Álgebra e os conhecimentos docentes de formadores de professores

mobilizados ao falar sobre Álgebra. Para isto, foi elaborado pelo grupo um roteiro

com nove questões, buscando abarcar as duas grandes temáticas do projeto.

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O roteiro produzido foi utilizado para entrevistar quatro professores que

lecionam no Ensino Superior, de um total de sete professores indicados pelos

próprios integrantes do grupo. A indicação destes professores foi feita pela facilidade

de acesso, pela proximidade com os integrantes do grupo e pela disponibilidade de

conceder a entrevista. Ainda assim, não foi possível contatar dois deles e um

terceiro declarou não se sentir à vontade para participar da pesquisa, por não estar

ativamente atuando na formação de professores. As entrevistas foram realizadas em

data, horário e local agendados com os quatro participantes, geralmente conduzidas

por dois integrantes do grupo de pesquisa e foram gravadas em áudio para posterior

transcrição. Vale ressaltar que, antes da realização das entrevistas foi levantado um

breve perfil dos quatro professores, que apresentaremos a seguir.

As entrevistas foram transcritas e analisadas conjuntamente, buscando

identificar convergências e divergências nas respostas dos professores para cada

uma das nove questões. Com base nesta primeira análise, pôde-se identificar quais

questões melhor convinham à investigação de cada fator de interesse - concepções

de Álgebra e Conhecimentos Profissionais Docentes. Como anteriormente

mencionado, que neste trabalho interessamo-nos, especificamente, pelo

Conhecimento Específico e Conhecimento Curricular, ficando a cargo de um terceiro

trabalho a análise das questões que promovem discussões acerca do Conhecimento

Pedagógico do Conteúdo. Tendo em vista esta divisão, neste trabalho analisaremos

as questões 2, 3 e 8, que são apresentadas a seguir.

Quanto ao perfil dos professores entrevistados, P1 é doutor em Educação

Matemática e professor na Pós-Graduação em uma instituição particular. P2 é

doutor em Matemática Aplicada e leciona em uma instituição pública e duas

particulares. P3 tem experiência com educação nos ensinos Fundamental, Médio e

Superior e, atualmente, leciona em uma instituição particular e é coordenador do

Colegiado de Licenciatura em Matemática. Já P4 é professor em uma universidade

pública, doutorado na área de álgebra e possui mais de vinte anos de experiência

em cursos de bacharelado e licenciatura em Matemática. Consideramos que, apesar

de não serem utilizados como elementos de análise neste trabalho, os perfis dos

professores contêm relevantes informações para uma pesquisa que tem como

referencial teórico os Conhecimentos Profissionais Docentes.

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ANÁLISE DAS QUESTÕES

As questões foram analisadas contrapondo-se as respostas dos quatro

professores. Sempre que foi conveniente, optamos por trazer os trechos transcritos

das entrevistas e, por vezes, sintetizamos as ideias dos professores quando os

trechos mostravam-se demasiadamente longos, tomando o cuidado de usar as

mesmas palavras que os entrevistados usaram para expressar suas opiniões.

Apresentamos, na sequência, as questões 2, 3 e 8 e uma descrição das respostas,

seguidas por uma análise das mesmas.

2) Em sua opinião quando uma atividade matemática pode ser caracterizada como

sendo do campo da álgebra?

Ao responder esta questão, os professores P2 e P3 dizem que a incógnita

caracteriza uma atividade como sendo especificamente do campo da álgebra. P3, de

forma mais geral, afirma que “a matemática, na minha opinião, a matemática não se

separa”, no sentido em que “qualquer atividade matemática tá no campo da Álgebra”

porque problemas aritméticos podem ser resolvidos algebricamente e os conteúdos

matemáticos são interdependentes P2, por sua vez, elenca conteúdos como a

resolução de matrizes, sistemas, equações de segundo grau, todos como

especificamente algébricos e conclui, ainda, que “muita coisa é álgebra, tirando

geometria e trigonometria”. Esta visão é muito semelhante a de P1, que afirma que

“a matemática escolar é álgebra ou geometria” e também traz uma visão abrangente

de álgebra, chegando a dizer que tudo é álgebra na matemática e que o objetivo

principal da matemática escolar é chegar ao conceito algébrico de função. P4 é

enfático ao dizer que “a álgebra é a linguagem da equação”, respondendo à

pergunta afirmando que uma atividade é do campo da álgebra quando apresenta

uma equação.

Esta questão foi elaborada com o objetivo de identificar conceitos algébricos e

identificar a compreensão que esses professores possuem sobre Álgebra,

abrangendo, portanto, o Conhecimento Específico do Conteúdo. Acreditamos que as

respostas obtidas atendem às expectativas e destacamos que alguns elementos

desta categoria, como a habilidade de justificar procedimentos algébricos, por

exemplo, não fazem parte do escopo da questão.

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4º SIPEMAT

Identificamos, na fala dos professores, conceitos característicos do campo da

Álgebra, tais como: função, incógnita e equação, considerados conceitos centrais no

Ensino de Álgebra. Aparecem ainda outros conceitos, ditos periféricos, tais como

matrizes e sistemas de equações. Tal distinção entre conceitos centrais e periféricos

é percebida pela ocorrência destes termos, sendo que os primeiros aparecem na

fala de todos os professores entrevistados. Cabe ressaltar ainda que encontramos

divergências quanto a delimitação do campo da Álgebra, como será evidenciado na

análise da última questão.

3) Qual seu entendimento sobre o currículo de álgebra na educação brasileira?

Os professores P2 e P4 alegaram ter pouco conhecimento sobre o currículo.

P4 atribui esse fato ao seu maior envolvimento com a pesquisa em matemática pura;

já P2 afirma que apesar de possuir pouco conhecimento sobre o currículo, acredita

que os conteúdos de Álgebra trabalhados nas escolas são poucos, mas suficientes.

Segundo ele:

também não sei se precisaria mais do que é dado, porque o

que é interessante da álgebra, que são as estruturas algébricas

que generaliza os problemas em todas as áreas, né? (...) isso

não interessa pra uma pessoa que não quer fazer matemática,

né? Então é pouco, mas eu acho que é o suficiente. (P2)

Já os professores P1 e P3 apresentam críticas ao currículo, principalmente

em relação ao ensino mecanizado, que transforma a matemática em conteúdos

estanques e fórmulas desconexas. P1 acrescenta que “o currículo é muito amplo,

mas não tem profundidade nenhuma” e atribui este problema principalmente à

formação do professor, dizendo que “o professor precisa conhecer. Enquanto o

professor não conhecer o que ele dá, ele se pauta pelo livro”. Sugere que uma forma

de reverter esta falha é investir na formação de professores, especialmente através

da parceria da Universidade com as escolas. P3 também enfatiza o papel do

professor, citando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e indicando que o

professor precisa ensinar e não “mecanizar” o aluno. Para ele, o papel central da

matemática não é a aprendizagem dos conteúdos por si só, mas sim o significado

que o aluno atribui às coisas, principalmente as relacionadas ao cotidiano.

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Contribuições de professores formadores sobre o conhecimento profissional docente em Álgebra

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4º SIPEMAT

Nosso objetivo com essa questão era identificar a compreensão dos

professores formadores de professores sobre o currículo de Álgebra da Educação

Básica e Superior. Apesar de não identificarmos conhecimentos pontuais sobre o

currículo, conseguimos perceber outros aspectos oportunos a este objetivo, como

críticas ao atual sistema de ensino, à profundidade do currículo e ao tecnicismo

presente no Ensino de Álgebra. Identificamos na fala de P1 a necessidade de o

professor conhecer os conteúdos específicos de sua disciplina, o que vai ao

encontro das ideias de Shulman, uma vez que o professor necessita desse

conhecimento para julgar o que é mais adequado para sua prática profissional.

Ainda sobre os conhecimentos relacionados ao currículo, podemos trazer

para esta análise, alguns elementos encontrados nas respostas dos professores à

questão 5, que versava sobre o melhor momento para introdução da Álgebra. Nesta

questão, três dos professores entendem que a álgebra é introduzida nos anos finais

do Ensino Fundamental, inclusive P2, que aponta o ensino de Álgebra a partir das

equações, no sétimo ano, conforme currículo do Estado de São Paulo, e P3, que

ressalta que o ensino de álgebra deve começar quando a base de aritmética estiver

completa, o que depende da maturidade e não da idade dos alunos. Apenas para P1

o pensamento algébrico acompanha a criança desde a infância, como “quando você

trabalha com operações ela percebe se somar mais um, conseguirá mais números”.

Encontramos nesta questão aspectos mais pontuais relacionados ao currículo

da Educação Básica, o que nos permite traçar consonâncias com o que Shulman

denomina de Conhecimento Curricular. Ainda assim, essas consonâncias são rasas

por não abarcarem o Conhecimento Vertical e Horizontal do currículo. Isso pode

decorrer da natureza do instrumento de coleta dessas informações, uma vez que a

entrevista não propicia momentos para uma reflexão mais apurada das respostas.

Salientamos que o desconhecimento do currículo da educação básica, que

pôde ser notado na resposta de dois dos professores, provavelmente compromete a

formação de futuros professores.

8) Qual é a distinção que você faz entre a álgebra, a análise e a geometria?

Três dos professores declaram que, em algum grau, não há distinção entre as

áreas da matemática. Para P3, tratam-se de “estratégias diferentes de chegar nos

mesmos resultados”. P1 e P2 apresentam diferentes objetivos para cada área, mas

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Alves; Almeida; Silva; Albrecht

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entendem que elas estejam interconectadas. Para P1 “a análise vai estudar mais os

problemas de continuidade. Trabalha essencialmente com problemas de

continuidade, que é diferente da Álgebra que está estudando as estruturas, mas está

totalmente ligada”. P4 é o que mais distingue as áreas, dizendo que “a álgebra ela

vai mais sozinha, ela tem vida própria...”, enquanto concorda com P2 quando esta

diz “a análise matemática, pra mim, é como se você passasse a limpo todo o cálculo

diferencial e integral”. Os três professores que identificam diferenças entre as três

áreas, mesmo que de objetivos, apresentam dificuldades em diferenciar a geometria.

O enfoque nessa questão era identificar, dentro do Conhecimento Específico

do Conteúdo, como os professores delimitam as três grandes áreas da Matemática

do Ensino Superior. Percebemos, no entanto, que esta delimitação não é claramente

exposta pelos professores e notamos uma contradição, uma vez que, apesar de na

Educação Básica os professores declararem a Álgebra e a Geometria como áreas

bem distintas - ainda que uma possa ser usada como instrumento para a outra - não

conseguem construir a mesma diferenciação para o Ensino Superior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trabalhos de Shulman são relevantes para o nosso projeto de pesquisa

por contextualizar, delimitar e embasar os trabalhos sobre Conhecimento

Profissional para o Ensino. A adoção desse referencial nos permite aderir a uma

visão de conhecimento e de ensino baseadas no conjunto de conhecimentos

construídos através da prática, da academia e da pedagogia presentes no cotidiano

do exercício da profissão docente.

As análises das respostas dos professores da Educação Superior nos

permitem inferir alguns aspectos que podem comprometer a formação de futuros

professores, tais como alguns reducionismos, generalizações e o pouco

conhecimento do currículo da Educação Básica. Estes são fatores presentes na fala

dos entrevistados, dos quais seu conhecimento se faz de grande importância para

assegurar uma boa formação para o futuro professor. Cabe salientar que as críticas

ao sistema atual de ensino e sua estruturação estiveram presentes na fala de alguns

dos entrevistados e a formação continuada fora apontada como uma das

alternativas para viabilizar o constante aperfeiçoamento profissional.

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Contribuições de professores formadores sobre o conhecimento profissional docente em Álgebra

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4º SIPEMAT

As reflexões advindas dessas análises fomentam a necessidade de repensar

a formação docente, de forma a contribuir para um aperfeiçoamento profissional que

ofereça aos futuros professores possibilidades de construir relações entre o

conteúdo e sua prática pedagógica. Ainda há, na cultura acadêmica dos grandes

centros universitários, um desprezo do conhecimento pedagógico, aqui entendido

como o conjunto de conhecimentos sobre o currículo e ensino, em relação ao

conhecimento do conteúdo. Isso pode ser observado na fala dos entrevistados, no

que se refere ao conhecimento sobre o currículo, onde não há uma correlação entre

os conteúdos ensinados na Universidade e os ensinados na Educação Básica,

causando um distanciamento sobre os conteúdos trabalhados nesses dois níveis de

Ensino.

Com o intuito de prosseguirmos ampliando as concepções de Álgebra para o

Ensino e o Conhecimento Profissional Docente, nosso grupo vem trabalhando com

diferentes instrumentos de coleta de dados com professores da Educação Básica,

sobre a importância dos conhecimentos adquiridos na Universidade para sua prática

docente. Posteriormente, pretendemos traçar um quadro comparativo entre as

concepções trazidas desses dois diferentes grupos de professores. Com isso,

ambicionamos obter uma reflexão mais aprofundada sobre a formação de

professores de matemática nos atuais moldes do Ensino Superior.

REFERÊNCIAS

MORTIMER, E. F. Linguagem e formação de conceitos no ensino de ciências. Belo Horizonte: UFMG, 2000. 383p.

SHULMAN, L. S. Those who understand: Knowledge growth in teaching. Educational Researcher, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.

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SILVA, E. A.; SOUZA, M. L.; SILVA, T. H. I; RIBEIRO, A. J. Uma compreensão de álgebra construída pelo olhar das concepções de professoras de Ensino Superior. In: ENCONTRO PAULISTA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, XVII, 2014, São Paulo. Anais... Biriguí: SBEM-SP: IFSP, 2014. p. 314-327.