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55 Revista Conhecimento Online, Novo Hamburgo, a. 8, v. 2, p. 55-68, 2º sem. 2016 periodicos.feevale.br ISSN: 2176-8501 CONTRIBUIÇÕES DE VANNEVAR BUSH PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, ESPECIALMENTE AO HIPERTEXTO VANNEVAR BUSH CONTRIBUTIONS FOR SCIENCE AND TECHNOLOGY ESPECIALLY THE HYPERTEXTS Rosana Maria Luvezure Kripka1 Lori Viali2 Regis Alexandre Lahm3 RESUMO Apresenta-se um argo de revisão sobre a vida de Vannevar Bush, visando resgatar contribuições para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, especialmente ao hipertexto. Visou responder: “Quais são as origens dessa tecnologia, que hoje é comumente ulizada no armazenamento e busca por informações, que se assemelham aos mecanismos celebrais de produção de sendo humanos?” Para tanto foi realizado um estudo teórico, onde se procedeu uma busca por produções cienficas relavas às origens do hipertexto e um mapeamento qualitavo foi realizado. Nesse sendo, destacam-se as parcipações de Vannevar Bush na sociedade como ciensta, educador e estadista norte americano e uma das suas principais publicações, que evidencia suas ideias visionárias. Conclui-se que suas contribuições foram essenciais para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, especialmente ao hipertexto. Palavras- Chave: Vannevar Bush. Tecnologia. Memex. Hipertexto. ABSTRACT We present a review arcle on the life of Vannevar Bush, aiming to recover contribuons to the development of science and technology, parcularly to hypertext. Aimed to answer: “What are the origins of this technology, which is now commonly used in storage and search for informaon, which resemble those you celebrate mechanisms of producon of human sense?”Therefore we conducted a theorecal study, which was conducted a search for scienfic publicaons related to the origins of hypertext and a qualitave mapping was performed. In this sense, we highlight the parcipaon of Vannevar Bush in society as a scienst, educator and North American statesman and one of its main publicaons, which shows his visionary ideas. We conclude that their contribuons were essenal to the development of science and technology, especially hypertext. Keywords: Vannevar Bush. Technology. Memex. Hypertext. 1 Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] 2 Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

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CONTRIBUIÇÕES DE VANNEVAR BUSH PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, ESPECIALMENTE AO HIPERTEXTO

VANNEVAR BUSH CONTRIBUTIONS FOR SCIENCE AND TECHNOLOGY ESPECIALLY THE HYPERTEXTS

Rosana Maria Luvezure Kripka1 Lori Viali2

Regis Alexandre Lahm3

RESUMOApresenta-se um artigo de revisão sobre a vida de Vannevar Bush, visando resgatar contribuições para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, especialmente ao hipertexto. Visou responder: “Quais são as origens dessa tecnologia, que hoje é comumente utilizada no armazenamento e busca por informações, que se assemelham aos mecanismos celebrais de produção de sentido humanos?” Para tanto foi realizado um estudo teórico, onde se procedeu uma busca por produções científicas relativas às origens do hipertexto e um mapeamento qualitativo foi realizado. Nesse sentido, destacam-se as participações de Vannevar Bush na sociedade como cientista, educador e estadista norte americano e uma das suas principais publicações, que evidencia suas ideias visionárias. Conclui-se que suas contribuições foram essenciais para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, especialmente ao hipertexto. Palavras- Chave: Vannevar Bush. Tecnologia. Memex. Hipertexto.

ABSTRACTWe present a review article on the life of Vannevar Bush, aiming to recover contributions to the development of science and technology, particularly to hypertext. Aimed to answer: “What are the origins of this technology, which is now commonly used in storage and search for information, which resemble those you celebrate mechanisms of production of human sense?”Therefore we conducted a theoretical study, which was conducted a search for scientific publications related to the origins of hypertext and a qualitative mapping was performed. In this sense, we highlight the participation of Vannevar Bush in society as a scientist, educator and North American statesman and one of its main publications, which shows his visionary ideas. We conclude that their contributions were essential to the development of science and technology, especially hypertext. Keywords: Vannevar Bush. Technology. Memex. Hypertext.

1 Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Vivemos uma época onde a comunicação e a obtenção de informações é cada vez mais potenciali-zada e facilitada pelos novos meios tecnológicos. Na sociedade contemporânea, identificada por Pozo (2002) como sociedade do conhecimento e da aprendizagem, existe a necessidade e o desafio de se converter as inúmeras informações disponibilizadas em redes em conhecimento pessoal.

A criação da rede mundial de computadores (WWW) impulsionou a socialização do conhecimento humano, especialmente o científico, por meio de hipertextos. Esses mecanismos foram criados com objetivo de facilitar a consulta e o armazenamento de informações, que se referem a todo tipo de co-nhecimento humano produzido ao longo da história. Mas sempre foi assim? Qual foi a origem dessa tecnologia, que é comumente utilizada no armazenamento e recuperação de informações e que se assemelha ao mecanismo que o cérebro humano utiliza para conectar informações e produzir conheci-mentos? Visando responder a tais perguntas, foi realizado um estudo teórico, no qual buscou-se iden-tificar fatos históricos que remetessem ao surgimento da ideia do hipertexto, bem como a sua efetiva criação, que ocorreu, de fato, somente muitos anos após sua idealização.

Wiesner (1979) considera Vannevar Bush como o maior colaborador americano da ciência e da tecnologia, no período em que viveu, indicando que tinha personalidade forte, ideias criativas e inova-doras, propondo soluções surpreendentes para os problemas que identificou ao longo da vida. Destaca que ele atuou, em boa parte dos seus 84 anos de vida, como cientista, engenheiro e educador, mas que se destacou principalmente como estadista, ao liderar o maior programa de pesquisa da história da segunda Guerra Mundial e ao traçar o curso da política nacional para o período pós-guerra. Ressalta-se ainda que sua atuação profissional contribuiu de uma forma extraordinária, com os avanços tecnológi-cos e com diversas invenções revolucionárias.

Este artigo tem como propósito apresentar um relato da sua trajetória de vida, ressaltando uma de suas grandes contribuições científicas que foi a concepção do dispositivo Memex. Tal dispositivo inspirou a criação do hipertexto que foi efetivamente desenvolvido 45 anos depois da sua concepção, revolucionando a forma de armazenamento e consulta da informação e que propiciou a criação da rede mundial atual, culminando com a revolução digital que estamos vivenciando.

2 UM POUCO DA SUA HISTÓRIA DE VIDA

Vannevar Bush (Figura 1) nasceu em 11 março de 1890, em Everett, Massachusetts (EUA) e faleceu em Belmont, Massachusetts (EUA), em 28 de junho de 1974 (WIESNER, 1979). Sua morte ocorreu em virtude de uma pneumonia contraída após internação em consequência de um AVC (NNDB, 2014).

Seu pai se chamava Richard Perry Bush e era reverendo em Everett, Massachusetts, quando seu filho nasceu em 11 de março de 1890. Na infância, gostava de inventar com as ferramentas do pai e teve várias patentes ao longo da vida. Ainda na faculdade, na Universidade Tufts em Medford, Massa-chusetts (EUA), obteve sua primeira patente para uma máquina de levantamento, construída com duas rodas de bicicleta e um pêndulo (WIESNER, 1979).

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Figura 1 - Vannevar Bush (1890 – 1974)Fonte: http://www.tipografos.net/internet/vanevar-bush.html

Após a faculdade, trabalhou no departamento de testes da General Electric Company em Sche-nectady, New York, e depois como inspector para a Marinha dos EUA. Em 1914, voltou para a Tufts como professor de matemática. Porém, como pretendia casar, se propôs realizar o doutorado em um ano, no MIT - Instituto de Tecnologia de Massachusetts, para obter um emprego melhor. Terminou o doutorado no tempo previsto obtendo o título de Doutor em Engenharia em 1916. Casou com Phoebe Davis e se tornou professor assistente de engenharia elétrica na Universidade Tufts (WIESNER, 1979).

Por volta de 1917 se tornou consultor da AMRAD (American Research e Development Corporation) uma pequena empresa americana pioneira no desenvolvimento de dispositivos de rádio. Na AMRAD desenvolveu um dispositivo magnético para a detecção de submarinos o qual não foi usado por falta de articulação entre os órgãos civis e militares durante a Guerra. Mais tarde, esse fato o levou a assumir o comando da pesquisa americana, durante a Segunda Guerra Mundial, pois sabia da importância que essa falta de articulação implicava. Ele não serviu na Marinha durante a Primeira Guerra Mundial, mas atuou como tenente comandante da Reserva Naval, no perídodo de 1924 a 1932 (WIESNER, 1979).

Em 1919, tornou-se professor de engenharia Elétrica do MIT e, em 1922, publicou o livro “Princí-pios de Engenharia Elétrica”. Foi considerado um educador notável e esse livro foi utilizado, por muitos anos, como uma introdução padrão para o ensino de Engenharia Elétrica (IEEE, 2014).

Wiesner (1979) informa que no MIT Bush foi nomeado diretor de estudos de pós-graduação e da Divisão de Pesquisa do Departamento de Engenharia Elétrica, onde seus interesses estavam direciona-dos aos computadores.

Bush foi um pioneiro da área da computação, pois suas pesquisas sobre o comportamento de redes de energia elétrica o levaram a se dedicar ao desenvolvimento de uma série de computadores analógicos eletromecânicos, estando entre eles o Rockefeller Analisador Diferencial (IEEE, 2014).

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Figura 2 - O primeiro computador analógico em grande escala o “analisador diferencial” inventado e construído por Vannevar Bush na década de 1930 (FLLORESS, 2010)

Fonte: http://www.computerhistory.org/revolution/analog-computers/3/143/312

Apesar de seu interesse pela tecnologia, na década de 1930, sua carreira tomou um novo rumo, pois tinha fortes opiniões sobre educação e isso o que o conduziu a vice-presidência do MIT e à dire-ção da Escola de Engenharia. Sua atuação fez com que sua reputação nacional crescesse e fosse eleito, em 1934, para a Academia Nacional de Ciências. Em 1938 foi convidado para se tornar presidente da Carnegie Institution em Washington. Para evitar seu afastamento James Bryant Conant (1893 – 1978), então presidente do MIT, propôs que Bush assumisse a presidência da instituição, mas ele optou por aceitar o convite da Carnegie. Logo depois foi nomeado presidente do NACA (National Advisory Com-mittee for Aeronautics) ou Comitê Consultivo Nacional para a Aeronáutica.

Em 1939, após o início da Segunda Guerra Mundial na Europa, Bush e outros membros da Comis-são de Auxílio Científico para a Aprendizagem (constituída pelo Conselho Nacional de Pesquisa, em 1937) estavam preocupados com a falta de preparação tecnológica nos Estados Unidos e tiveram a oportunidade de discutir o assunto. Isso originou um plano para a criação da CNDR (National Defense Research Committee) ou Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa o qual foi apresentado por Bush em quatro parágrafos ao Presidente Franklin Delano Roosevelt (1882 - 1945), que lhe deu parecer favo-rável em 10 minutos. O presidente emitiu uma ordem criando tal comissão, em 27 de Junho de 1940, quase um ano e meio antes do período em que os Estados Unidos entrariam efetivamente na guerra (WIESNER, 1979).

Posteriormente foi criado, em 1942, o OSRD (Office of Scientific Research and Development) ou Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico com Bush como diretor. Os líderes militares, da época, acreditavam que a guerra tinha de ser travada com armas já existentes e Bush acreditava que a Segunda Guerra Mundial seria vencida por meio de avanços na tecnologia, crença que foi comprovada. Em alguns casos, as forças armadas foram cooperativas, mas havia resistências à inovação tecnológica que tiveram que ser superadas.

Em relação ao desenvolvimento da bomba atômica, o governo exigiu a construção de laboratórios próprios e ficou evidente que um programa mais complexo seria necessário. Bush recomendou ao se-cretário Henry Lewis Stimson (1867 – 1950) que o Exército assumisse a responsabilidade pelo projeto e

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com isso se constituiu o Distrito de Engenharia de Manhattan pelo Corpo de Engenheiros. Após a mor-te do Presidente Roosevelt, apresentou um relato detalhado sobre a bomba ao Presidente Truman, recomendando que o “Relatório Smyth” sobre energia atômica deveria ser liberado, que foi acatado pelo presidente com algumas objeções. Assim, Bush pediu a nomeação de um Comitê Interino, que as-sessorasse o Presidente no uso da bomba e da energia atômica no período pós-guerra, sendo nomea-do como membro desse comitê. Foi um defensor do físico Julius Robert Oppenheimer (1904 – 1967) que foi eleito presidente da AEC (Atomic Energy Commission) ou Comissão para a Energia Atômica, em 1947, cargo que exerceu até 1952 (WIESNER, 1979).

Wiesner (1979) afirma que a maior contribuição de Bush foi o lançamento de um programa na-cional, sem precedentes na ciência e tecnologia, para ser desenvolvido em tempos de Paz, o qual foi pensado por ele muito antes da guerra. O presidente Roosevelt, em carta, lhe pediu que fizesse reco-mendações sobre políticas governamentais a respeito de: combate a doenças, apoio a pesquisas, de-senvolvimento de talentos científicos e divulgação da informação científica. Bush, fundamentado em estudos realizados por quatro comissões, organizadas por ele, respondeu com um relatório intitulado Science – The Endless Frontier (Ciência – Fronteira Sem Fim), que forneceu um modelo abrangente para as políticas federais. Cruz (2011) afirma que esse relatório também impactou na organização cien-tífica em muitos países, além dos Estados Unidos, citando entre eles o Brasil.

Tal relatório afirmava ter esperanças que no período pós-guerra haveria condições para criação de empregos visando a produção de novos itens, melhores e mais baratos, desenvolvendo novas em-presas, com novos princípios e concepções resultantes da pesquisa científica básica. Para tanto, Bush propôs a criação da NSF - Fundação Nacional de Pesquisa, para administrar bolsas de estudo em insti-tuições que já teriam capacidade de desenvolvimento de pesquisas ou para aquelas que apresentas-sem talento ou ambiente criativo, com promessa de sucesso na pesquisa. Havia uma expectativa que Bush seria presidente da NSF, mas ele não quis. Serviu no seu Comitê Consultivo de Relacionamento Governo-Universidade por dois anos, acompanhando seu desenvolvimento e viu a NSF realizar tudo o que ele tinha imaginado (WIESNER, 1979).

Em 1955, retirou-se da liderança ativa dos assuntos de governo e se aposentou como presidente da Instituição Carnegie. Durante sua aposentadoria, Bush morou em Belmont, Massachusetts, onde fez sua casa em uma colina, com vista panorâmica de Cambridge e Boston. Em 1957, foi eleito presi-dente do MIT Corporation (do qual ele tinha sido um membro desde 1932) e foi presidente honorário de 1959 a 1971 (WIESNER, 1979).

Além disso, em 1949, Bush foi membro do conselho da Empresa química e farmacêutica Merck. Em 1957, quando o presidente do conselho, George Wilhelm Herman Emanuel Merck (1894 - 1957), morreu Bush foi eleito para esse cargo e voltou a participar ativamente nos assuntos da empresa. Durante a Segunda Guerra Mundial, houve uma redução da taxa de morte por doença no Exército de 14,1, durante a Primeira Guerra Mundial, para 0,6 por mil. Isso ocorreu, em parte, devido à eficácia do programa da comissão, que se distinguiu na consolidação de talentos da indústria farmacêutica e, também, por tornar a penicilina disponível mais rapidamente e em maiores quantidades. Também inventou um micrótomo automático, uma válvula de borracha de silicone para o coração, e outra de ouro para uso em hidrocefalia (WIESNER, 1979).

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Wiesner (ibidem) afirma que Bush preferia ser considerado como um engenheiro, apesar de ter sido considerado um grande cientista. Sentia-se realizado ao trabalhar com suas próprias mãos em aplicações práticas da ciência, resolvendo problemas difíceis com habilidade em sua casa, em Belmont, ou na sua casa de verão, situada na baía do cabo Cod em Massachusetts. Divertia-se com a elabora-ção de um alimentador de pássaro ou ao resolver os problemas de motores e obteve patentes para diversos dispositivos. No entanto, os esforços criativos que mais se destacaram em sua vida foram inovações envolvendo tecnologia para processamento de informações, sendo o Analisador Diferencial o mais importante.

Bush manteve o interesse em pesquisar o armazenamento e a consulta de dados assim, em 1945, escreveu um artigo descrevendo um dispositivo que denominou de Memex (Memory Extender), para a revista Atlantic Monthly, que consistia num sistema onde o pesquisador poderia ter acesso quase instantâneo a livros microfotografados, periódicos e outros materiais, por meio de uma “trilha” meca-nizada para auxiliar na busca de informações relevantes. Somente vinte anos depois, Bush participou da inauguração de um programa para desenvolver essa tecnologia, para uso de bibliotecas, chamado de Projeto INTREX, que foi desenvolvido por um grupo do MIT. Em 1967, escreveu um artigo intitula-do “Memex Revisited”, indicando que o desenvolvimento do computador digital, o transistor, fitas de vídeo e outros dispositivos tinham aumentado a viabilidade de tal mecanização, mas indicou que os custos do projeto ainda deveriam atrasar sua realização, o que de fato ocorreu (WIESNER, 1979).

Bush também contribuiu com avanços tecnológicos em máquinas fotográficas e de escrever. Pela sua experiência pessoal, bem como na sua administração, manteve um interesse contínuo no siste-ma de patentes e atuou de modo ativo na busca de seu aperfeiçoamento. Como diretor do OSRD, desenvolveu uma política de patentes, defendendo que as invenções desenvolvidas com recursos do governo não deveriam ser exploradas por empresas privadas. Quando foi para Washington se demitiu do conselho da Raytheon e, embora a empresa tenha se tornado uma dos principais fornecedoras, na área de radares, para o governo, evitava favorecê-la. No final da guerra, seu amigo, o físico Laurence K. Marshall (1889 – 1980), presidente da Raytheon, reivindicou o direito de patentear invenções que haviam sido desenvolvidas com recursos do governo, mas Bush ameaçou resolver o impasse nos tri-bunais. No fim, concordaram com a nomeação de uma comissão imparcial que determinaria quais patentes a Raytheon poderia reclamar, mas isso levou ao rompimento da longa amizade que existia entre eles (WIESNER, 1979).

Bush era defensor da livre iniciativa e da ética do trabalho, era pragmático e otimista. Durante sua vida manteve fortes vínculos políticos, exerceu poder na sociedade e foi um técnico brilhante. No entanto, seu ideal de vida simples foi fundamental para que pudesse compartilhar sua percepção da natureza, revelados pela ciência e sua devoção ao individualismo (WIESNER, 1979).

Aos 84 anos, com a saúde debilitada, sofreu um acidente vascular cerebral e contraiu uma pneu-monia, falecendo em 28 de junho de 1974. Laura Bush havia morrido em 1969. Desde então convivia com os dois filhos, Richard Davis de Bush, um cirurgião, e John Hathaway de Bush, presidente da Milli-pore Corporation, com seis netos e com sua irmã, Edith L. Bush (WIESNER, 1979).

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3 ORIGENS DO HIPERTEXTO E O DISPOSITIVO MEMEX: UMA IDEIA REVOLUCIONÁRIA

Em 1945, Vannevar Bush publicou o artigo: “As We May Think” (Como podemos pensar), na revista The Atlantic Monthly (BUSH, 1945), que foi escrito após o final da II Guerra Mundial, onde afirma ter aprendido muito com cientistas que se dedicaram à competição profissional, pela busca de objetivos comuns durante o período de guerra. Nesse texto, questionou sobre o futuro dos cientistas após o período da guerra, ressaltando que os propósitos de biólogos, ou de médicos cientistas, continuariam sendo os mesmos em época de paz, mas que, no caso dos cientistas físicos, por terem deixado suas vidas acadêmicas de lado para servir aos propósitos da guerra, se questionava onde encontrariam ob-jetivos dignos para suas pesquisas.

Também propôs uma discussão sobre quais seriam os usos e benefícios dos instrumentos gerados pela pesquisa e do desenvolvimento da ciência para a existência humana, identificando que poderiam ser reconhecidos vários benefícios tais como melhorias de roupas, alimentos, bem como melhoria da saúde mental, por meio do conhecimento dos processos das funções fisiológicas e psicológicas.

Bush (1945) afirmou que o desenvolvimento da Ciência tornou a comunicação mais rápida entre os indivíduos, o que impulsionou sua evolução, mas que a quantidade crescente de resultados de pes-quisas dificultava o conhecimento e aproveitamento real dos registros científicos.

Naquela época, Bush (1945) sinalizou o início da mudança na fabricação de instrumentos inovado-res, que possibilitaram transformações significativas nos registros científicos, ressaltando a importância da evolução das máquinas elétricas, com dispositivos baratos e complexos e de grande confiabilidade, o que considerava como inovações naturais para o mundo em plena evolução tecnológica e afirmou que um registro somente seria útil ao desenvolvimento da Ciência, caso pudesse ser armazenado e consultado. Na época os registros eram feitos por meio da escrita e da fotografia, ou em gravações em películas, em discos de cera e em meios magnéticos. Bush (1945) salientou que, ainda que não emergissem novos processos de gravação, certamente estes modos já seriam considerados processos de modificação e de extensão da informação.

Bush (1945) sugeriu, na época, a existência de mini câmeras, como sendo algo inevitável e natural, com aperfeiçoamentos, tais como gravação de filmes a cores, o que ainda não existiam e questionava se no futuro haveria a produção de fotos secas, obtidas por processos mais rápidos, mas suspeitava que ainda teria um longo caminho a percorrer, apesar de sugerir algumas possibilidades para suas obtenções. O referido autor indicou que os avanços da microfotografia, obtidos pela combinação da projeção ótica e da redução fotográfica, que, na época, possibilitaram a criação de microfilmes com fins acadêmicos, estavam indicando potencialidades para o armazenamento e que os progressos nessa área permitiriam guardar uma grande quantidade de informações de modo reduzido. Como exemplo citou a possibilidade de armazenamento da Enciclopédia Britânica que poderia ser reduzida com o volume equivalente a uma caixa de fósforos. Imaginava que esse procedimento possibilitaria o arma-zenamento de uma quantidade muito grande de dados e também manifestou sua preocupação em relação à possibilidade de consultá-los de maneira eficiente. Na época, Bush (1945) chamou a atenção para a economia de recursos que este processo poderia gerar, pensando no tamanho do microfilme em relação à quantidade de papéis impressos a que corresponderia. Imaginava que no futuro, o micro-

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filme poderia ser replicado em grandes quantidades, bem como poderiam ser reproduzidos por meios fotográficos adequados.

Bush (1945) questionava em seu artigo se seria possível, no futuro, o registro sem o uso da escrita ou da máquina de escrever, imaginando a possibilidade de falar diretamente com o registro. Afirmava que para isso seria necessário aproveitar os mecanismos existentes, alterando as formas de linguagem, o que seria uma tarefa específica para os pesquisadores da época e imaginava os futuros pesquisado-res fazendo uso desses recursos em suas pesquisas.

Bush (1945) também citou a existência de máquinas de teclado para realização de cálculos contá-beis e máquinas de cartões perfurados para cálculos simples, mas que ainda se mostravam inadequa-das para cálculos complexos. Imaginava que as máquinas aritméticas, no futuro, seriam de natureza elétrica, pois tinha conhecimento que a contagem elétrica já havia sido possível pela necessidade de contagem de raios cósmicos de pesquisadores físicos e que isso tornaria o processamento dos dados mais rápido. Imaginava que poderiam ser comerciáveis, mais rápidas e versáteis, possibilitando uma maior variedade de operações.

Na época Bush (1945) afirmou que apesar dos registros e combinações de processos lógicos do pensamento, relacionado aos aspectos criativos do ser humano que não seriam repetitivos, não po-derem ser realizados pelas máquinas aritméticas, as necessidades das empresas implicariam na pro-dução dessas máquinas em grande quantidade, o que permitiria baratear custos e aprimorar os seus procedimentos. Além disso, o referido autor informou que na época já existiam máquinas para análise avançada, como por exemplo: resolução de equações diferenciais e integrais, mas como poucos ti-nham necessidade de uso, existiam poucas unidades, inicialmente à disposição de cientistas.

Bush (1945), nesse artigo, ressaltou que tão importante quanto o registro seria a possibilidade de consulta aos mesmos, especialmente quando a finalidade fosse a investigação científica. A consulta dos registros não seria apenas uma mera extração de dados, mas indicava que deveria ser realizada por processos de seleção, onde o uso de fotocélulas e microfilmes poderiam facilitar o processo. Em relação ao problema de seleção, destacou no artigo citado que a principal dificuldade consistia na artificialidade dos sistemas de indexação, pois geralmente os registros eram armazenados por ordem alfabética ou numérica e em subclasses, o que dificultava o resgate da informação.

O referido autor, naquela época, esclarecia que a mente não funciona de modo sequencial, mas opera por associação de pensamentos, sendo constituída por teias de trilhas realizadas pelo nosso cé-rebro, apesar de algumas trilhas desaparecerem pois, a memória é transitória. Nesse sentido afirmava que: “[...] a velocidade da ação, a complexidade das trilhas, o detalhe dos modelos mentais, é inspira-dora para qualquer outra coisa na natureza” (BUSH, 1945, p. 10).

Bush (1945) acreditava que não seria possível reproduzir processo mental integralmente, mas que poderíamos aprender com ele. Assim, sugeriu que a seleção fosse realizada por associação ao invés de indexação, que ainda poderia ser mecanizada. Afirmou que não se poderia esperar que fosse possível reproduzir a flexibilidade e a velocidade com que a mente seguiria uma trilha associativa, mas que seria possível vencê-la em termos de clareza e de permanência dos itens recuperados.

Na época, sugeriu um dispositivo, o qual chamou de Memex, que seria um tipo de biblioteca e mecanização de arquivo privado. Definiu: “Memex é um dispositivo no qual um indivíduo armazena

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todos os seus livros, registros e comunicações, e que é mecanizado para que ele possa ser consultado com velocidade e flexibilidade superior” (BUSH, 1945, p. 10).

Bush (1945) descreveu o dispositivo como sendo uma mesa de trabalho, com um teclado, botões e alavancas, que poderia ser operado a uma certa distância. Afirma que no topo teria telas translúcidas para projeção do material que se desejava consultar. O material seria armazenado em uma pequena parte interior do Memex e para encher o repositório seria necessário o usuário armazenar 5000 pági-nas de arquivos por dia e mesmo assim, demoraria centenas de anos (Figura 3). Afirmou que a maioria dos materiais a serem utilizados no Memex, seria comprada em microfilmes que já estariam prontos para serem utilizados, ou seja, livros, fotos, revistas, jornais, etc. Bush concebeu que nele existiria o dispositivo de busca por indexação, para consulta direta. As alavancas suplementares possibilitariam trocas de páginas. Comparava o dispositivo a uma prateleira onde qualquer livro poderia ser consulta-do rapidamente. Também já previa a possibilidade de incluir comentários nos textos.

Além da busca convencional, Bush (1945) previu que o dispositivo Memex possibilitaria a busca por associação, que se constitui na sua principal ideia inovadora, onde seria possível o acesso auto-mático de um documento a outro associado, o que remetia à ideia do hipertexto, como o que foi de-senvolvido posteriormente. Referiu-se à construção de trilhas de interesse, no processo de armazena-mento de materiais, que possibilitassem o resgate do documento por associações. Ressaltou no artigo a importância dessas enciclopédias, constituídas por malhas de trilhas associativas, que poderiam ser desenvolvidas e inseridas no recurso do Memex, o qual possibilitaria o compartilhamento de conheci-mentos associados, contribuindo com pesquisas desenvolvidas em diversas áreas. Afirmou que cabe-ria à ciência desenvolver diferentes maneiras de armazenar e consultar os conhecimentos produzidos de acordo com esta nova sugestão por meio do dispositivo Memex.

Figura 3 - Esboço do dispositivo Memex proposto por Vannevar Bush em 1945Fonte: Flloress (2010)

Bush (1945) acreditava que a elevação do espírito do homem poderia ser melhorada se fosse possível rever seu passado para resolver problemas presentes. Afirmava que a complexidade do co-nhecimento produzido pela civilização necessitava de novos mecanismos de armazenamento e busca

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de tais registros de modo a não sobrecarregar a memória limitada. Seria importante ter o privilégio de poder esquecer informações múltiplas, caso existisse a garantia de poder obtê-las novamente, caso necessário. Finalizou o artigo afirmando que a ciência contribuiu com o homem para que pudesse viver melhor no mundo, mas que, por outro lado, também possibilitou a criação de armas cruéis que destruíram muitos. Acreditava que o uso de registros apenas em aplicações para avanços da ciência, utilizados para suprir as necessidades do homem, seria um fim singularmente infeliz, ou que, ainda, poderia desestimular na busca por resultados melhores ou superiores.

Considera-se que tenha sugerido, no final do artigo, que esse dispositivo de acesso aos arquivos por associação, semelhante aos processos mentais que se utiliza para o resgate de conhecimentos, poderia impulsionar avanços na ciência, na busca de novos e inesperados resultados, que pudessem realmente contribuir com o avanço da ciência e da tecnologia, visando o aprimoramento do conheci-mento humano.

Lévy (1993) afirma que Bush não somente contribuiu com a concepção de uma calculadora ana-lógica ultrarrápida, na década dos anos 30, mas que também teve uma participação importante in-fluenciando o financiamento do ENIAC (Electronic Numerical Integrator And Computer), o primeiro computador digital construído nos Estados Unidos. Além disso, também afirma que em 1945, quando publicou o artigo As We May Think, sua intenção era colaborar com o processo de pesquisa e de ela-boração de novos conhecimentos, onde o Memex funcionaria como uma espécie de memória auxiliar do cientista.

Segundo Cruz (2011), em 1965, Theodore Nelson criou o termo hipertexto, que foi caracterizado pelo físico inglês, criador da WWW, Tim Berners-Lee como “um texto não sequencial, no qual o leitor não fica restrito a uma sequência particular, mas pode seguir conexões (links) e chegar ao documen-to original a partir de uma citação curta” (Berners-Lee, 1999 apud Cruz, 2011). Indica que, em 1989, Berners-Lee, quando trabalhava no CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) ou Organi-zação Europeia para a Pesquisa Nuclear, criou a linguagem de programação HTML (Hyper Text Markup Language), o protocolo HTTP (HyperText Transfer Protocol) e as URL (Uniforme Resource Locator) com os quais convivemos cotidianamente na rede mundial de computadores. Quase 45 anos depois Tim Berners-Lee deu vida à ideia de Bush.

Na atualidade, muitos pesquisadores, percebendo a importância do hipertexto na formação de sentidos, buscam identificar suas características de modo a potencializar seu uso, especialmente na rede mundial de computadores. Dentre eles, destacam-se as pesquisas de Koch (2007) e Paiva e Nas-cimento (2009).

Koch (2007) discute essas questões e se refere à importância da coerência, estática ou dinâmica, em suas construções. Salienta que por ter característica hipermodal, ou seja, por possibilitar links en-tre textos, sons ou imagens com conexões livres, as informações veiculadas podem ser construídas e acessadas de diferentes modos. Essa possibilidade de diferentes conexões entre blocos de significados alteram o significado do ato de ler e também dos conceitos de autor e de leitor. Ressalta que no am-biente do hipertexto, autor e leitor são considerados colaboradores ativos. Como não existe a tirania da leitura sequencial, o leitor, orientado por seus objetivos (fio condutor das suas escolhas), torna-se responsável pela construção de seu texto.

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Paiva e Nascimento (2009), ao investigarem o conceito do hipertexto, informam que ele foi po-pularizado inicialmente pro Ted Nelson, em 1982, em seu livro Literary Machines. Afirmam que ele propôs que o armazenamento das informações pudesse ser realizado sem cortes e de modo não line-ar, por meio de ligações ou links. Indicava que esse novo tipo de texto, seria estruturado em torno do computador. As informações seriam armazenadas e resgatadas de modo não linear ou não sequencial, libertando o autor/leitor da imposição do sequenciamento do texto impresso.

Para Nelson:

O texto no papel era a melhor forma de mostrar as ideias na era do papel, quando não havia outra forma, mas agora vemos comerciais e filmes fantásticos para imitarmos, temos possibilidades grá-ficas poderosas que possibilitam acessos rápidos e zooms nunca dantes imaginados. O verdadeiro hipertexto de amanhã possibilitará formas muito mais poderosas para mostrar e embelezar ideias – deixando para trás a limitação do papel representado pelos processadores e a web. Chegou a hora de uma nova literatura cinemática para representar e apresentar ideias. [...] Um documento não é a simulação do papel. Em um sentido mais geral, um documento é um pacote de ideias criado pela mente humana e dirigida a mentes humanas, com o objetivo de colocar em movimento aquelas ideias e aquelas mentes. As ideias humanas se manifestam como texto, conexões, diagramas: assim, como armazená-los e apresentá-los é um assunto crucial para a civilização (apud PAIVA; NASCIMEN-TO, 2009, p. 522).

Os autores ao investigarem o conceito, indicam que existem pesquisadores que defendem dife-rentes concepções. Citam que Coscarelli (2002) e Marcushi (2005) defendem o caráter hipertextual do pensamento; que Koch (2005) e Coscarelli (2002) não percebem diferenças significativas entre o texto impresso e o hipertexto eletrônico e que outros pesquisadores concordam com a seguinte definição apresentada por Xavier (2002, apud PAIVA; NASCIMENTO, 2009, p. 522): “um espaço virtual inédito e ex-clusivo no qual tem lugar um modo digital de enunciar e de construir sentido”. Além disso, indicam que:

[...] a proposta da tecnologia hipertextual foi uma tentativa de conferir ao processo enunciativo mecanismos que se assemelhassem aos processos mentais de produção de sentido. Nelson conse-guiu reproduzir na tela um mecanismo de produção de sentido que envolve como armazenamos as informações e como as recuperamos de forma significativa. Mas não é porque a tecnologia avançou que vamos ignorar as marcas de hipertextualidade nas formas tradicionais de enunciação (desde as anotações nas margens dos códices aos rodapés, apêndices e índices dos textos impressos). Isso já era reconhecido por Nelson e sua proposta era ir além desses mecanismos de enunciação disponí-veis para a escrita no papel (PAIVA; NASCIMENTO, 2009, p. 522).

Em suas investigações sobre o conceito do hipertexto indicam a proximidade existente com o con-ceito de complexidade. Propõe que o hipertexto deve ser compreendido como um mecanismo cogni-tivo e enunciativo e que

[...] a hipertextualidade é uma propriedade da linguagem concebida como um sistema adaptativo complexo (SAC), uma condição necessária à auto-organização de espaços referenciais emergentes na produção de texto/sentido (PAIVA E NASCIMENTO, 2009, 523).

Defendem que a linguagem é algo que emerge do mundo natural, constituindo-se num sistema adaptativo complexo. Indicam que a hipertextualidade é uma forma de instanciação da linguagem que exige a auto-organização de padrões de redes hierarquicamente construídos na produção de texto/sentido. Salientam que a soma de hipertextos possibilita emergir os sentidos por meio da auto-organi-

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zação, onde a diversidade é uma característica da hipertextualidade. Concluem ressaltando que Bush (1945), no princípio - ao idealizar o dispositivo Memex, já indicava que são as conexões criadas pelas mentes humanas que possibilitam suas manifestações e que são essas integrações que provocam mo-vimento de ideias em outras mentes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história de vida de Vannevar Bush é impressionante por suas inúmeras realizações, e contribui-ções. Foi um homem com uma visão privilegiada do mundo, pois foi capaz de pensar nos problemas de seu tempo e imaginar soluções inovadoras, que viriam a revolucionar formas de pensamento e de ação.

O resgate da sua trajetória revela que foi um homem influente, que conquistou o respeito e a confiança de superiores e subordinados, pela inteligência, sabedoria, humildade e integridade. Suas contribuições para a ciência e a tecnologia indicam que foi um visionário que propôs ao longo da vida uma relevante discussão sobre o papel da ciência na preservação da democracia.

A evolução da ciência e da tecnologia impulsionou a criação de uma biblioteca virtual, como uma evolução natural da biblioteca tradicional, uma vez que os conhecimentos gerados precisariam ser armazenados e consultados de maneira eficiente.

No artigo “As We May Think”, o que se destaca é o fato de Bush imaginar, em um contexto onde os registros começavam a ser realizados apenas por meio microfilmes, onde nem se cogitava a existência dos computadores atuais, a possibilidade de existência de um processo mecânico que simulasse o complexo funcionamento neural do cérebro e dos processos de associação de ideias, para resolver o problema de armazenamento e de acesso à grandes quantidades de informações, geradas por meio de processos científicos, ou não, na construção do conhecimento. Idealizou, na sua época, que os re-gistros que precisariam ser armazenados e resgatados com rapidez e eficiência, a exemplo de nossa memória, tendo em vista especialmente o aprimoramento de pesquisas científicas necessárias para os avanços científicos e tecnológicos que almejava.

As características sugeridas por ele relacionadas à liberdade e ao dinamismo presentes na cons-trução/exploração dos hipertextos favorecem a construção e a socialização do conhecimento humano não linear, pois possibilita a liberdade da procura, do ir e vir, que variam de acordo com os interesses de seus leitores/editores. Por serem formas de armazenamento ou de resgate de informações seme-lhantes ao nosso processamento mental cognitivo, se aproximam do modo como pensamos e do modo como construímos nossos modelos mentais para compreendermos os acontecimentos diversos do mundo que nos rodeia.

Foram notáveis as preocupações e propostas de Vannevar Bush que visaram benefícios à socieda-de por meio dos avanços tecnológicos e científicos, não se limitando a responder às demandas geradas pela guerra, mas sugerindo inovações que possibilitariam melhorias em relação à saúde da população, ao estímulo de novos talentos científicos e em meios para que ocorresse a divulgação da informação científica.

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O exemplo de vida de Vannevar Bush deveria servir de inspiração aos pesquisadores contempo-râneos, especialmente em relação aos ideais objetivados, nas definições dos problemas relevantes de pesquisa, de forma que visassem atender não somente pontos de vista de interesse individuais, mas que visassem também benefícios e implicações que esses trariam para a sociedade.

Atualmente, os hipertextos fazem parte do cotidiano, onde a maioria das pessoas busca por infor-mações de diversos tipos, disponibilizadas na rede mundial de computadores. Muitas vezes os recursos da hipertextualidade são utilizados sem serem percebidos como elementos fundamentais nessa rede complexa de conhecimentos criadas pelo homem, como meios de comunicação que e impulsionam a integração e o avanço da construção do conhecimento humano, por meio de suas conexões.

Nessa era, a rapidez do desenvolvimento de recursos tecnológicos, tais como computadores pes-soais, “tablets” ou celulares (especialmente “smartphones”) e as suas popularizações fez com que es-ses recursos façam parte da vida, como se sempre houvessem existido. O curioso é que, ao idealizá-lo, em 1945, Bush certamente não imaginava que essa evolução, que julgava fundamental e necessária para impulsionar especialmente o conhecimento científico fosse tão rápida. Em apenas em 62 anos sua ideia foi concretizada, aperfeiçoada e disseminada por todo o mundo. Hoje se constitui em um recurso tão utilizado na sociedade em geral, que as pessoas certamente sentiriam dificuldades de rea-daptação caso uso não fosse mais possível.

Por outra perspectiva, Pozo (2008) indica que para atender às necessidades da nova sociedade do conhecimento e de aprendizagem em ambientes de ensino é necessário fomentar capacidades nos estudantes de gestão de conhecimento.

Vivemos em uma sociedade da aprendizagem, na qual aprender constitui uma exigência social cres-cente que conduz a um paradoxo: cada vez se aprende mais e cada vez se fracassa mais na tentativa de aprender (idem, p. 1).

Nesse sentido, indica a necessidade de desenvolvimento de cinco tipos competências: (i) para a aquisição de informação; (ii) para a interpretação da informação; (iii) para a análise da informação; (iv) para a compreensão da informação e (v) para a comunicação da informação. Nesse sentido, além dos inúmeros recursos utilizados em ambientes não formais de ensino, as características do hiper-texto possibilitam a criação de materiais didáticos que podem auxiliar os professores a propiciarem materiais que possibilitem o desenvolvimento de competências nos estudantes, preparando-os para a gestão do próprio conhecimento, por meio da exploração de diferentes recursos tecnológicos.

A investigação teórica realizada possibilita perceber que a evolução do conceito propiciou seu aperfeiçoamento e que a sua exploração e compreensão o aproxima do conceito de complexidade, que é uma característica própria da realidade e dos modos de construção do conhecimento humano. Interessante observar que foi justamente a complexidade identificada por Bush relativa à necessidade de armazenamento e ao acesso fácil à grande quantidade de informações cientificas que já existiam na época, ou que estavam sendo criadas, que o levou a pensar em modos eficientes para socialização do conhecimento humano.

A história da Ciência indica, a exemplo dos resultados obtidos por esse estudo teórico, que os grandes avanços foram iniciados por necessidades (teóricas ou práticas) de resolução de problemas.

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Nota-se que tais avanços se devem a homens especiais como Vannevar Bush, que buscou, ao longo da vida, não somente construir seu próprio conhecimento, mas pensar em soluções que foram essenciais para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Além disso, suas ideias visionárias impulsionaram o desenvolvimento e a concretização do hipertexto que possibilitou o desenvolvimento da grande rede mundial que possibilitou a revolução digital que está em desenvolvimento.

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