copa sem escola_12-5-14.2

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Em contraposição às di- ficuldades que enfren- tou com a remoção em função da duplicação da avenida Pedro I, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, a fa- mília da salgadeira Alédia Aparecida Otto Pereira, de 37 anos, con- tou com a sorte e a soli- dariedade de pessoas que nem conhecia. Prin- cipalmente para conse- guir vaga na escola pa- ra os quatro filhos. A família foi desapro- priada em setembro do ano passado e, como ti- nha pouco tempo para sair, escolheu uma casa em um bairro de Santa Luzia, na Grande BH. A intenção era ficar o mais perto possível dos paren- tes, já que alguns perma- neceram próximo à anti- ga residência. Na mudança, Alédia e família perceberam que o local era muito perigo- so. Três dias depois, o chefe do marido dela o viu desesperado no traba- lho e ajudou a conseguir uma casa para alugar no município de Confins. Assim, em menos de uma semana eles fize- ram duas mudanças. De- pois de arrumar o teto para morar, faltava a es- cola das crianças. Assim, com ajuda até mesmo do prefeito da cidade, con- seguiram vaga para to- dos os filhos. “Não tive ajuda lá em Belo Hori- zonte, mas aqui me rece- beram muito bem e meus filhos não ficaram fora da escola. Foi sorte, solidariedade e Deus”, aponta a salgadeira. FAMÍLIA Como a casa em Santa Luzia está para vender ou alugar, eles não conse- guiram ainda utilizar os recursos da indenização para comprar outro imó- vel, e estão arcando com o aluguel, o que nunca havia feito parte dos gas- tos da família. Apesar disso, estão to- dos satisfeitos. “Aqui eles (os filhos) têm muita ami- zade. As pessoas nos rece- beram muito bem, temos uma vista linda. Mas a par- te ruim é que ficamos lon- ge da nossa família. Ago- ra está cada um em um lugar”, lamenta Alédia. Morar relativamente perto do Centro de Belo Horizonte, em frente à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na avenida An- tônio Carlos, na Pampu- lha, era um sonho para a estudante Rejiane San- tos Rodrigues, de 18 anos. Filha de um casal de ex-moradores de rua, que ocuparam a área há pouco mais de uma década, ela viu sua família ser desapropria- da para uma obra da Co- pa do Mundo, em 2011. A casa que foi possível ser comprada com o di- nheiro da indeniza- ção, no bairro Al- to Boa Vista, vizinho ao Citrolândia, em Betim, na Grande BH, fica a aproximada- mente 40 quilô- metros de onde a família morava. O casal, quando deci- diu sair das ruas e mon- tar uma família, pensou em dar tudo o que fosse possível para a filha que viria. E foi com isso em mente que, assim que se mudaram para Betim, os pais procuraram uma escola para que Rejiane pudesse continuar os es- tudos. Entretanto, de- morou para conseguir escola. “No começo foi difícil. Fiquei dois meses para conseguir vaga. Eu e mi- nha mãe ficávamos ten- tando. Quando conse- gui, era no turno da noite e ficava com um pouco de medo ao voltar pra ca- sa. Hoje já me acostu- mei”, lembra a garota. VILA UFMG Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), na Vila Recanto UFMG, 130 famílias fo- ram removidas, em 2011, para a constru- ção de um viaduto de acesso à avenida Abrahão Caram. Outras obras na capital foram feitas em função da Co- pa do Mundo e deman- daram remoções, como a duplicação da aveni- da Pedro I e a Via 210 (no bairro Betânia). No total, na capital minei- ra, foram 708 famílias removidas, de acordo com a PBH. Rejiane é uma das cer- ca de 900 crianças e ado- lescentes em idade esco- lar em Belo Horizonte que foram afetadas dire- tamente pelas obras da Copa do Mundo. PREFERÊNCIA Hoje, passados três anos da mudança, ela está acostumada com a vizi- nhança e gosta de onde mora. “Não queria ir para um apartamento por cau- sa dos cachorros”, conta. Mas, ao mesmo tempo, lamenta estar longe da UFMG, já que ela deve se formar neste ano no ensi- no médio. “Quero cursar psicologia. Se ainda mo- rasse em frente à UFMG, seria ótimo”, afirma. Solidariedade para superar as dificuldades > Família sai de Belo Horizonte para Betim e peregrinação em busca de vaga em escola foi sofrida Recomeço a 40 quilômetros de distância do antigo lar Oqueéo devido atendimen- to, no nosso entender? A pessoa tem quesairda situação em quese encontraeir parauma outra igual ou melhor. Ela nunca pode piorar a qualidade devidaem razão dessa intervenção pública” Anaí Arantes Rodrigues, defensora pública estadual em SãoPaulo “Nós fomos muito bem recebidos aqui(na cidadede Confins)e estamos gostando. Contamos comaajuda demuita gente. Mas sentimos faltada nossa família, que ficou separada” Alédia Pereira, salgadeira, desapropriada nas obras da avenida PedroI DESAPROPRIADA – Rejiane demorou dois meses para encontrar uma vaga na escola próxima à sua nova casa, distante 40 quilômetros de onde morava “No começo foi difícil. Eu e minha mãe ficávamos tentando vaga”, diz Rejiane DIFÍCIL ADAPTA- ÇÃO – A família de Alédia não conseguiu viver na casa comprada com o dinheiro da indenização e foi preciso ajuda para se restabele- cer em Confins, na Grande BH hojeemdia.com.br 23 BeloHorizonte,segunda-feira,12.5.2014 HOJEEMDIA Minas

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Série de reportagens "Copa sem escola", produzida pelo jornalista Bruno Moreno e o fotojornalista Samuel Costa. Segunda da série.

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Page 1: Copa sem escola_12-5-14.2

Emcontraposição às di-ficuldades que enfren-tou com a remoção emfunção da duplicaçãoda avenida Pedro I, naregião de Venda Nova,emBeloHorizonte, a fa-mília da salgadeiraAlédia Aparecida OttoPereira,de37anos, con-tou com a sorte e a soli-dariedade de pessoasquenemconhecia. Prin-cipalmente para conse-guir vaga na escola pa-ra os quatro filhos.A família foi desapro-

priada em setembro doano passado e, como ti-nha pouco tempo parasair, escolheu uma casa

em um bairro de SantaLuzia, na Grande BH. Aintenção era ficar o maisperto possível dos paren-tes, já que alguns perma-neceram próximo à anti-ga residência.Na mudança, Alédia e

família perceberam queo local era muito perigo-so. Três dias depois, ochefe do marido dela oviudesesperadono traba-lho e ajudou a conseguiruma casa para alugar nomunicípio de Confins.Assim, em menos de

uma semana eles fize-ramduasmudanças. De-pois de arrumar o tetoparamorar, faltava a es-

cola das crianças. Assim,com ajuda atémesmo doprefeito da cidade, con-seguiram vaga para to-dos os filhos. “Não tive

ajuda lá em Belo Hori-zonte, mas aqui me rece-beram mui to bem emeus filhos não ficaramfora da escola. Foi sorte,

solidariedade e Deus”,aponta a salgadeira.

FAMÍLIAComo a casa em SantaLuzia está para venderoualugar, eles não conse-guiram ainda utilizar osrecursos da indenizaçãopara comprar outro imó-vel, e estão arcando como aluguel, o que nuncahavia feito parte dos gas-tos da família.Apesar disso, estão to-

dos satisfeitos. “Aqui eles(os filhos) têmmuita ami-zade.As pessoas nos rece-beram muito bem, temosumavista linda.Masapar-te ruimé que ficamos lon-ge da nossa família. Ago-ra está cada um em umlugar”, lamenta Alédia. l

Morar relativamenteperto do Centro de BeloHorizonte, em frente àUniversidade Federald e M i n a s G e r a i s(UFMG),naavenidaAn-tônio Carlos, na Pampu-lha, era um sonho paraaestudanteRejianeSan-tos Rodrigues, de 18anos. Filha de um casalde ex-moradores derua, que ocuparam aárea há pouco mais deuma década, ela viu suafamília ser desapropria-daparaumaobradaCo-pa doMundo, em 2011.A casa que foi possível

ser comprada com o di-nheiro da indeniza-ção,nobairroAl-to Boa Vista,v iz inho aoCitrolândia,em Betim,na GrandeBH, f ica aaproximada-mente40quilô-metros de onde afamília morava.O casal, quando deci-

diu sair das ruas e mon-tar uma família, pensouem dar tudo o que fossepossível para a filha queviria. E foi com isso emmente que, assimque semudaram para Betim,os pais procuraramumaescola para que Rejianepudesse continuar os es-tudos. Entretanto, de-morou para conseguirescola.“No começo foi difícil.

Fiquei dois meses paraconseguir vaga. Eu emi-nha mãe ficávamos ten-tando. Quando conse-

gui, era no turno da noitee ficava com um poucodemedo ao voltar pra ca-sa. Hoje já me acostu-mei”, lembra a garota.

VILAUFMGSegundo a Prefeiturad e B e l o Ho r i z o n t e(PBH), na Vila RecantoUFMG, 130 famílias fo-ram remov idas , em2011, para a constru-ção de um viaduto dea c e s s o à a v e n i d aAbrahão Caram. Outrasobras na capital foramfeitas em função da Co-pa do Mundo e deman-daram remoções, comoa duplicação da aveni-da Pedro I e a Via 210(no bairro Betânia). Nototal, na capital minei-ra, foram 708 famíliasremovidas, de acordocom a PBH.Rejiane é uma das cer-

ca de 900 crianças e ado-lescentes em idade esco-lar em Belo Horizonteque foram afetadas dire-tamente pelas obras daCopa do Mundo.

PREFERÊNCIAHoje, passados três anosda mudança, ela estáacostumada com a vizi-nhança e gosta de ondemora. “Não queria ir paraumapartamento por cau-sa dos cachorros”, conta.Mas, ao mesmo tempo,

lamenta estar longe daUFMG, já que ela deve seformar neste ano no ensi-no médio. “Quero cursarpsicologia. Se ainda mo-rasse em frente à UFMG,seria ótimo”, afirma. l

Solidariedade para superar as dificuldades

l> Família sai de BeloHorizonte para Betim e peregrinação embusca de vaga emescola foi sofrida

Recomeço a 40quilômetrosde distância do antigo lar “Oqueéo

devido

atendimen-

to,nonosso

entender?A

pessoatem

quesairda

situaçãoem

quese

encontraeir

parauma

outraigual

oumelhor.

Elanunca

podepiorar

aqualidade

devidaem

razãodessa

intervenção

pública”

Anaí

Arantes

Rodrigues,

defensora

pública

estadualem

SãoPaulo

“Nósfomos

muitobem

recebidos

aqui(na

cidadede

Confins)e

estamos

gostando.

Contamos

comaajuda

demuita

gente.Mas

sentimos

faltada

nossa

família,que

ficou

separada”

Alédia

Pereira,

salgadeira,

desapropriada

nasobras

daavenida

PedroI

DESAPROPRIADA–Rejianedemoroudoismesesparaencontrarumavaganaescolapróximaàsuanovacasa,distante40quilômetrosdeondemorava

“No começo foidifícil. Eu eminhamãeficávamos

tentando vaga”,diz Rejiane

DIFÍCILADAPTA-ÇÃO–A

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