corrupcao na politica

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    1. Introdução

    O objetivo desse trabalho é retratar a sociedade brasileira no que dizrespeito à ética, no contexto da crise política enfrentada pelo país a partir

    das denúncias do “mensalão” e de corrupção na administração federal, em2005.

    Trata-se de analisar um conjunto de pesquisas do IBOPE Opinião parailuminar a questão tão bem levantada por João Ubaldo Ribeiro em crônicarecente:

    1

    Iniciaremos analisando o resultado do Referendo do Comércio de Armas eMunições, ocorrido no ano passado, em que o eleitorado brasileirodemonstrou um forte apreço pela sua capacidade e pelo direito individualde decidir sobre sua própria segurança. A vitória do NÃO, no nossoentender, significou, entre outras coisas, um fenômeno de alteridade doeleitorado brasileiro em relação às suas lideranças, ou seja, uma crise derepresentatividade política, como se os cidadãos não se enxergassem nosseus representantes, projetando neles um retrato bem mais negativo doque a auto-imagem dos brasileiros.

    Usaremos a experiência do IBOPE Opinião durante essa campanha doReferendo também para mostrar como as pesquisas qualitativas sãofundamentais em um processo de planejamento estratégico e como são deinequívoca ajuda na rápida tomada de decisões.

    A seguir, através da sistematização de pesquisas quantitativas ao longo dosúltimos 15 anos, voltaremos a ilustrar o fenômeno de alteridademencionado acima, especificamente apontando para um aparente paradoxona opinião pública brasileira no que diz respeito aos temas da ética e dacorrupção: o eleitorado sistematicamente indica repúdio aos atos ilícitosque atribui claramente à classe política brasileira, mas enxerga-serazoavelmente honesto, ao mesmo tempo em que pratica ou aceita umadiversidade de transgressões à lei no seu cotidiano.

    1 Ribeiro, João Ubaldo; Jornal do Meio Ambiente, 14/11/2005.

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    Finalmente, apresentaremos resultado de pesquisa quantitativa inédita, emque colocaremos mais luz sobre essa inconsistência, ao comparar e analisaras relações entre atitudes do eleitorado frente à corrupção na política esuas percepções e hábitos em termos de respeito à sociedade, através da

    obediência às leis e aos contratos.

    2. O Referendo do Comércio de Armas e Munições: a vitória dodireito individual.

    Quando fomos contratados pela “Frente Parlamentar pelo Direito daLegítima Defesa”, para subsidiar o planejamento e fazer oacompanhamento da campanha do NÃO com pesquisas qualitativas, aspesquisas quantitativas já realizadas, incluindo uma do próprio IBOPEOpinião não divulgada, indicavam grande vantagem para o outro lado, doSIM.

    Nesse contexto fizemos a primeira qualitativa para diagnosticar a situação,explorar o terreno e levantar melhores alternativas de posicionamentoestratégico para a campanha do NÃO. Como em qualquer diagnóstico pré-campanha em que o candidato está bem atrás nas quantitativas, tínhamosem mente inclusive a possibilidade de indicar caminhos para uma eventual

    “derrota honrosa”. O resultado final do Referendo, conforme quadro abaixo,provou que essa alternativa foi devidamente descartada, adotando-se umposicionamento claro para ganhar, através de uma campanha cuidadosa ecompetentemente planejada e desenvolvida por Chico Santa Rita e suaequipe.

    Antes mesmo de iniciarmos qualquer pesquisa, na primeira reunião com osclientes, ficou claro o potencial de argumentação a favor do NÃO, cujo

    “pontapé inicial” era simplesmente tirar a opinião pública brasileira dainércia e fazer o eleitorado refletir sobre sua escolha, desmistificando o SIMcomo sinônimo de desarmamento e de diminuição da violência. Pautadospor essas conversas, fomos para os grupos de discussão (12 grupos dediscussão nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte,

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    Porto Alegre e Caçapava do Sul, conduzidos em Agosto) e chegamos àsprincipais conclusões (texto copiado do relatório final entregue ao cliente):

    • A campanha do NÃO deve se posicionar claramente como a que vai

    contrapor fatos e dados ao sentimentalismo, ao sensacionalismo eaos “achismos” (tanto mais efetivo quanto mais a campanha do SIMadotar essas linhas equivocadas).

    • O primeiro passo é “desmontar” a associação Referendo =Desarmamento, levando posteriormente à inequívoca quebra deexpectativas quanto aos efeitos concretos do Referendo na reduçãosignificativa da violência no Brasil. Para isso, é preciso explicar deforma muito clara o escopo da consulta popular, desmistificando essemomento como um “marco” nas políticas de segurança pública econtrole de armas.

    • No entanto, não basta convencer que o “SIM” é um voto ineficaz. Épreciso também mostrar como o “SIM” pode ser prejudicial para,pelo menos, parte dos brasileiros. Aí entra a argumentaçãofundamental de que a proibição significará o definitivodesarmamento do cidadão de bem, enquanto o bandido continuará(muito bem) armado.

    • Nesse contexto, a defesa do “direito individual” é um complementoimportante para a campanha, desde que devidamente acompanhadodesse perfil positivo do “comprador legal de armas” , com foco nassuas motivações respeitáveis e com informações completas e clarassobre as atuais condições exigidas para tal.”

    Esse diagnóstico, portanto, ajudou a Campanha do NÃO a decidir porcolocar toda a sua força na linha argumentativa de que a vitória do SIMrepresentaria uma perda certa, definitiva e muito importante, a do direito

    individual à segurança, ao mesmo tempo em que os ganhos prometidos,como mais paz ou menos mortes, eram incertos e, algumas vezes,ilusórios.

    O acerto dessa estratégia ficou claro logo nas primeiras noites dapropaganda eleitoral, com o resultado das discussões em grupo após osparticipantes assistirem ao vivo os programas de TV. A idéia do DireitoIndividual encontrava um respaldo surpreendente nos grupos, criava umeco forte e imediato!

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    “Mostra que a pessoa tem o direto de não ter a arma, mas não podetirar o direito do outro ter. Livre arbítrio. Mostra os dois lados damoeda.”“Eu não tenho arma e nem quero, mas quero ter o direito de ter.”

    “O NÃO é a favor da democracia, do direto do cidadão. Se votar sim,você está dizendo não à democracia.”“O problema não é o desarmar, é tirar o meu direito de ter a armaquando eu quiser. Eu quero ter esse direito.”

    Os desdobramentos e refinamentos da campanha, os momentos cruciais eos acertos que levaram o NÃO a uma “virada” e à vitória com largavantagem são comentados no próximo tópico, em que mostraremos comoa pesquisa qualitativa pode ajudar na tomada de decisão e noaprimoramento de estratégias de comunicação, considerando um processocomplexo e “real time”, como é uma campanha eleitoral no Brasil.

    Para efeito dos objetivos do presente trabalho, porém, é importantemostrar como esse apego ao próprio direito de decidir sobre ter e usar umaarma para defesa pessoal, da família e do patrimônio baseia-se numa auto-imagem positiva do eleitor brasileiro, sobretudo se contraposta à imagemprojetada sobre as elites dirigentes do país.

    Ficou claro, portanto, que a vitória do NÃO, embasada no conceito dedireito individual, significou que a maioria dos brasileiros acredita ser maiscapaz de decidir e agir em prol de sua segurança pessoal do que os seusrepresentantes políticos, legisladores e governantes.

    “O governo quer tirar seu direito. Já invadiu sua privacidade e não vaitrazer solução.”

    3. Discussão em grupo e campanhas eleitorais: exemplo de bomuso.

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    “‘Tipping Point’ guru takes on focus groups”; by Thompson, Stephanie, Halliday, Jean;Advertising Age; 00018899; 1/24/2005; Vol. 76; Issue 4.

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    3 As afirmações acima ilustram uma corrente, cada vez mais forte nos meiosde marketing, que questiona o valor da informação obtida atualmenteatravés da pesquisa qualitativa, sobretudo para projetos de comunicação ede desenvolvimento de produtos.

    Sem entrar na discussão teórica e metodológica envolvida (o que exigiriaum trabalho inteiro a respeito), achamos importante aproveitar essaoportunidade para testemunhar em defesa das qualitativas e, mais

    particularmente, dos “focus groups”, usando como contexto campanhaspolíticas no Brasil.

    Em primeiro lugar, por mais óbvio que possa parecer, é preciso registrarduas premissas do que consideramos um bom uso das pesquisasqualitativas no contexto das campanhas eleitorais brasileiras:

    a) Nem o eleitor pesquisado e muito menos o pesquisador, são “donos daverdade”b) Vale o velho ditado “para bom entendedor meia palavra basta”, ou seja,os “insights” só acontecem se há do lado do cliente uma interlocuçãodisponível, de mente aberta e criativa.

    Conforme já mencionado, o IBOPE Opinião trabalhou para a campanha doNÃO no Referendo do Comércio de Armas e Munições, comacompanhamento dos programas gratuitos de televisão. Realizamos doisgrupos de discussão por noite em São Paulo, após os convidados assistiremna própria sala, ao vivo, o programa daquela noite. Ao final da avaliação doprograma um comercial era testado. Os convidados chegavam no local dapesquisa por volta das 19:30 e saíam no máximo às 22:00. Os resultadoseram transmitidos ao cliente por telefone na própria noite e na manhãseguinte enviávamos um relatório sintético, de até 5 páginas, incluindotextuais.

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    “Naked in the pursuit of truth is a Finn way to do focus groups” , by LainMurray;Marketing Week, 14/07/05; Vol. 28; No 28.

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    Abaixo selecionamos alguns momentos da campanha em que a informaçãoda pesquisa qualitativa foi bastante valiosa para a tomada de decisões eadequação da comunicação.

    Programa de 1/10/2005: sobre a Presença de Artistas nacampanha do SIMFicou imediatamente claro que o NÃO ganharia pontos ao não trazercelebridades para sua campanha, conforme trecho do relatório sobre oprograma do SIM: “Utilização de artistas soa como manipulação, uma

    jogada de marketing e, além disso, artistas não servem como exemplo paraa discussão em questão, pois ‘não correm os riscos que a gente corre’.”

    • Programa de 2/10/2005: teste de uma “matéria” para opróximo programa

    Indicação foi de usar, porque surtiu o efeito desejado, mas com correçõesno “tom”, conforme trecho do relatório: “Risco – acham que pode acirrar osânimos e gerar uma guerrinha típica de campanhas eleitorais, com um ladodesqualificando o outro, até “baixar o nível” > Ideal é refazer o bloco, comum texto mais sério e focado na intenção de dar ao eleitor os “númerosverdadeiros”, ou “explicar algo que esteja confuso”. Deve-se evitar

    provocações, insinuações e personalizações.’ Mostra que SIM estámaquiando os números.’”

    • Consistência e equilíbrio da campanha do NÃO Era preciso reforçar sempre o argumento do Direito à Defesa, com baselógica, mas “recheá-lo” de conteúdos emocionais como o “lado humano doNÃO” (depoimentos de quem precisa de uma arma) e sentimentos comoLiberdade e Responsabilidade do Cidadão. A avaliação disso erasinteticamente transmitida ao cliente com um quadro, explicação senecessário e textuais.

    “O NÃO se deu bem, o SIM ficou no ritmo de festa. Ele explicou o que éNÃO. O SIM colocou no geral. Ele não foi preciso e específico”

    Nesses poucos exemplos, constata-se que os grupos em nenhum momento “bombaram” a comunicação, porque sempre entendemos que esse não é o

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    papel da pesquisa, mas sim apontar e medir riscos, assim como indicarcaminhos de correção.

    Também procuramos mostrar, com esses casos, como rapidez e

    simplicidade da informação fornecida não precisa de forma nenhumaimplicar em superficialidade ou falta de foco estratégico.

    4. Retratos do Cidadão brasileiro: ética e individualismo no dia-a-dia.

    O longo histórico do IBOPE Opinião, no levantamento de atitudes, opiniõese comportamentos declarados dos brasileiros nas mais diversas esferas davida em sociedade, nos propicia uma visão bastante ampla sobre osfenômenos da opinião pública brasileira.

    Assim, com o intuito de investigar o impacto da crise que abalounovamente as instituições políticas brasileiras em 2005, com as denúnciasdo “Mensalão”, levantamos alguns dados sobre hábitos e atitudes na vidacotidiana.

    Conforme já mencionado no contexto do Referendo, percebíamos falta desintonia entre a auto-imagem do povo brasileiro, com tendência maispositiva do que negativa, e a imagem de seus representantes e líderespolíticos, totalmente negativa. Sob o ponto de vista de comportamento evalores éticos, esse “gap” revelou-se especialmente preocupante,comprovando a existência de um aparente paradoxo da opinião públicabrasileira.

    Com base em nosso banco de dados de pesquisas dos últimos 15 anos(considerando como marco passado o Governo Collor),:constamos que deum lado, os brasileiros demonstram há anos insatisfação e rejeição frente

    aos níveis de corrupção no ambiente político-governamental do nosso país,com agravamento em momentos de denúncias e CPI’s. Por outro lado,parcela significativa do eleitorado apresenta desvios de conduta ética emseu dia-a-dia, sem notar qualquer relação com o comportamento dospolíticos que a representam.

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    4.1 – Uma visão negativa sobre a política e os políticos

    A visão da população brasileira sobre a classe política no geral é muitoruim. A corrupção é percebida como um problema crônico do país,

    arraigado em todas as esferas públicas sem exceção (seja em cargosexecutivos ou legislativos, seja nos níveis federal, estadual ou municipal,seja nas suas instituições – partidos, Congresso etc). É um motivo depreocupação para os brasileiros uma vez que é vista como um problemaque afeta diretamente e de forma perniciosa a vida da população.

    De uma maneira geral, pode-se dizer que a confiança da população nospolíticos e nas instituições políticas é muito pequena, reduzindo-sefortemente nos momentos de crise. Além de corruptos, há a idéia de quenossos representantes estão distantes dos interesses do povo, ocupando-semais em conseguir benefícios para si próprios, para seus parentes, amigosetc.

    A falta de honestidade atribuída aos nossos políticos, não é um problemarecente na percepção da população. Vem de longa data, atravessandogovernos e mais governos sem exceção, variando apenas o seu grau,avaliado sobretudo em função da divulgação dos fatos. Isso está refletidona queda gradual da confiança nas instituições políticas e ilustrado peloaumento de exposição a notícias sobre corrupção, ao longo dos últimosanos, conforme séries históricas apresentadas abaixo.

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    Outras informações pontuais colhidas do banco de dados de pesquisasrealizadas pelo IBOPE Opinião junto a amostras nacionais do eleitorado aolongo dos últimos 15 anos, reiteram a imagem claramente negativa que osbrasileiros projetam sobre suas lideranças políticas em termos éticos,

    culminando em resultados especialmente críticos obtidos na nossa pesquisainédita de Janeiro desse ano.

    Ao compararmos os dados da pesquisa deste ano com aqueles obtidos em1992, verificamos que a esperança da população de que o Brasil se torneum país mais honesto diminui consideravelmente (de 44% para 28%), adespeito das inúmeras CPI’s ocorridas no período analisado.

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    4.2 – E o povo brasileiro...

    Se o eleitorado tem bastante clareza quanto à falta de honestidade dospolíticos brasileiros, não se pode dizer o mesmo em relação à sua própria

    imagem como “povo brasileiro”. Isto pode ser um reflexo do aclamado “jeitinho brasileiro”, ora motivo de orgulho, ora de vergonha, sinônimo de “jogo de cintura” em alguns momentos, em outros de maucaratismo.

    De qualquer forma, fica claro que há problemas tanto quando se fala dehonestidade de uma forma genérica, como quando há abordagemespecífica de comportamentos antiéticos, alguns ilegais: a “caixinha” para oguarda não multar, a sonegação de impostos, a compra de produtospiratas, as fraudes no seguro, entre outros.

    A questão que está posta aqui é que a população parece não relacionarseus “pequenos desvios” com o comportamento desonesto atribuído aospolíticos. Além disso, observa-se um posicionamento ambíguo em relaçãoaos próprios políticos: ao mesmo tempo em que dizem ter vergonha deseus representantes pela forma que tratam a coisa pública, alguns admitemque votariam em candidatos que lhes oferecessem vantagens pessoais.

    Além dos dados advindos de pesquisas quantitativas (apresentados aseguir), também encontramos nos últimos meses vários indíciosqualitativos de que o cidadão brasileiro é ambíguo em relação às acusaçõesde enriquecimento ilícito de governantes, criticando os acusados, mas aomesmo tempo identificando-se com eles:

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    5. Corrupção na Política: eleitor vítima ou cúmplice?

    Para “desvendar” esse aparente paradoxo era necessário abordar de formamais conclusiva a questão sobre até que ponto os problemas éticosenfrentados pela sociedade brasileira estão mais concentrados nas suaselites e lideranças ou se trata de uma prática social disseminada em todasas camadas e grupos de nossa sociedade. A questão nos parece importante

    na medida em que as conclusões podem ajudar todos aqueles que sededicam a aumentar os níveis éticos no nosso país.

    • Nossas hipóteses

    Para responder essa questão tão ampla, foi preciso desdobrá-la emalgumas hipóteses simples, a saber:

    Essa hipótese, se comprovada, demonstra que a transgressão de leis eregras, para benefício próprio, em detrimento do coletivo ou de outra parteindividual, é uma prática disseminada em todas as camadas da nossasociedade.

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    Essa hipótese, se comprovada, demonstra que o “discurso” da opiniãopública brasileira sobre corrupção política, com rejeição declarada aos quea praticam, não corresponde totalmente às atitudes (e provavelmente àsmotivações do voto) do eleitorado brasileiro.

    Finalmente, mesmo não sendo uma hipótese, por não ser possível testá-laatravés de uma pesquisa desse tipo, queríamos também comparar osníveis de corrupção atribuídos aos políticos e os níveis deilegalidade assumidos pelos eleitores no nosso país , partindo dasuposição que os patamares seriam muito semelhantes.A operacionalização de nosso teste de hipóteses percorreu três etapas,descritas resumidamente a seguir.

    1º) ELABORAÇÃO E VALIDAÇÃO DE MEDIDAS

    O fundamental era levantar, da melhor forma possível em uma pesquisa deopinião, as seguintes informações:

    Um questionário foi elaborado composto basicamente de duas baterias dequestões. A primeira listava uma série de práticas ilegais passíveis deserem cometidas por pessoas comuns. Partindo dos pressupostos da teoria

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    do “Third-Person Effect” 4, optou-se por perguntar para cada um dessesitens qual a incidência de cada comportamento entre os brasileiros, depoisentre as pessoas que o entrevistado conhece e finalmente a freqüência comque o próprio praticou cada um. Sabíamos que as respostas do eleitor

    sobre os outros, quanto mais distantes esses fossem, tenderiam a ser maisnegativas do que as declarações sobre o próprio comportamento. Entre osdiversos itens levantados, incluímos alguns já medidos em pesquisaspassadas, mesmo que não em âmbito nacional, por termos segurança deque seriam ilegalidades passíveis de serem assumidas pelo entrevistadonuma abordagem face a face.

    A segunda bateria trazia uma lista de atos de corrupção política, nasesferas Executiva e Legislativa, comumente citados em denúncias, tantoem meio à crise do “Mensalão”, como em outros momentos da históriarecente do país. Para cada item perguntava-se com que incidência ospolíticos brasileiros praticam tal ato, depois a incidência com que osbrasileiros em geral praticariam esse ato caso tivessem oportunidade e afreqüência com que o próprio eleitor o faria caso tivesse a oportunidade.Por último, perguntávamos se o entrevistado considerava aquele ato “leve”,

    “médio” ou “grave” e se seria “aceitável” ou “inaceitável”.

    Numa primeira revisão interna do questionário, consideramos necessárioaplicar essas duas últimas perguntas finais da bateria sobre corrupçãopolítica também para os itens da bateria de ilegalidades do cotidiano. Essedado seria usado para ajudar na comparação dos patamares de práticasilegais entre os eleitores e práticas de corrupção entre os políticos, segundoa percepção dos eleitores, pois poderíamos encontrar algumastransgressões do dia-a-dia tão comuns e já “legitimadas” na nossa culturaque talvez nem pudessem ser comparadas aos atos de corrupção entregovernantes e representantes.

    O pré-teste (20 entrevistas em São Paulo) foi realizado e ajudou na

    exclusão de alguns itens de difícil compreensão, reformulação de outros eordenação e formatação das perguntas (por exemplo, aplicação horizontalou vertical das baterias) que facilitaram o fluxo da entrevista. Além disso,foi necessário reformular os pontos extremos da escala de incidência depráticas ilegais, pois constatamos que os entrevistados recusavam dizerque “todos” ou “nenhum” dos brasileiros ou de seus conhecidos fazem cada

    4 Willnat, He, Takeshita e López-Escobar; “Perceptions of foreign media influence in

    Asia and Europe: the third-person effect and media imperialism.”; International Journal of Public Opinion Research, Vol. 14, No 2, 2002.

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    uma das práticas. A escala, portanto, ficou com “quase todos” e “quasenenhum” nos extremos.

    Ainda pensando em facilitar a aplicação, mas também a análise dos

    resultados, utilizou-se o mesmo número de itens nas duas baterias (15),assim como procuramos manter a comparabilidade das escalas o máximopossível, mas não pudemos usar as mesmas escalas em todas asperguntas, já que cada variável exigia (conforme indicações do pré-teste)alguma adaptação.

    Cabe mencionar que, a fim de evitar o viés de repetição das respostas nasbaterias, incluímos a cada 4 itens negativos (atos ilegais/de corrupção) 1item totalmente positivo do ponto de vista ético. O pré-teste indicou queesse procedimento funcionou bem, fazendo o entrevistado parar parapensar antes de responder.

    O questionário final ficou razoavelmente simples com aplicação, face a facee domiciliar, em torno de 30 a 40 minutos. O questionário completoencontra-se em anexo. Os trabalhos de campo ocorreram em Janeiro de2006, junto a uma amostra nacional representativa do eleitorado brasileiro,com 2001 entrevistas.A validação estatística das medidas foi feita com base no índice deconfiabilidade (“reliability”) Alfa de Cronbach, com os seguintes resultados:

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    2º) CRIAÇÃO DE INDICADORES

    Para facilitar a análise e a apresentação dos resultados, decidimos criarindicadores sintéticos para cada uma das variáveis referenciadas em nossas

    hipóteses.• Indicador de Ilegalidade no Cotidiano do Eleitorado (IICE)

    O fato de ter obtido o menor índice de confiabilidade (mesmo estandoacima dos mínimos aceitáveis) fez com que analisássemos melhor avalidade da bateria sobre prática de ilegalidades no cotidiano declaradapelo próprio entrevistado. Conforme quadro de resultados abaixo, duaspráticas apresentam incidências significativamente maiores: “Caixinha ougorjeta para se livrar de multa” e “Comprar produtos pirata”. Os onze itensrestantes obtêm incidências residuais, com o “nunca fez” ultrapassando os90%.

    Por outro lado, ao opinarem sobre as pessoas que conhecem, ainda queesses mesmos dois itens mantenham destaque, a incidência nos outrossobe de patamar, com o ponto mais baixo da escala, “quase nenhum”,permanecendo entre 40% e 50% e caindo para 25% no caso do subornopara livrar-se de multa e para 11% no caso de consumo de pirataria.

    É impressionante, também, verificar a intensidade do “third-person effect”,pela projeção altamente negativa que os eleitores fazem sobre seus pares,os brasileiros em geral, com percentuais bem baixos opinando que quasenenhum brasileiro comete cada transgressão avaliada.

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    Conforme mencionado antes, era preciso avaliar se todos os itens deveriammesmo ser considerados “ilegalidades” do ponto de vista da opinião públicabrasileira (já que estamos usando uma pesquisa de opinião e não registrosconcretos de descumprimento da lei). Para isso, analisamos o resultado das

    perguntas finais dessa bateria, sobre o quanto cada ação era considerada “leve/média/grave” e “aceitável/inaceitável”.

    Com exceção do item “Compra produtos que copiam os originais de marcasfamosas sabendo que são piratas ou falsificados”, com 51% de “grave” e57% de “inaceitável”, todas as outras práticas foram consideradas gravespor mais de 70% da amostra e inaceitáveis por mais de 80%. Ahomogeneidade e concentração dos resultados ao longo dessa bateriadesaconselharam qualquer procedimento de diferenciação entre os itens nacriação do indicador. Sendo assim, não foi utilizada nenhuma forma deponderação nem excluído qualquer item entre as 13 “ilegalidades”avaliadas.

    O Indicador de Ilegalidade no Cotidiano do Eleitorado (IICE) foicriado, portanto, com base na bateria de percepção sobre práticas dasPessoas Conhecidas. Foi feita uma somatória simples de pontos, excluindoos casos que deixaram de responder algum dos itens e considerando osseguintes valores para cada alternativa da escala de resposta:

    Como é composto de 13 itens, o IICE poderia variar entre 0 e 39 pontos.Os quadros abaixo apresentam a distribuição do IICE no total do eleitoradobrasileiro, bem como nos principais segmentos sócio-demográficos egeográficos do país.

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    Os 0 pontos atribuídos a 2% da amostra corresponderiam a umcomportamento totalmente ético, ao significar que “quase nenhuma” daspessoas conhecidas do entrevistado, segundo ele, praticam os treze itensda bateria. Sendo assim, para 98% do eleitorado brasileiro, seusconhecidos praticam pelo menos uma dessas ilegalidades.

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    Observa-se que essa distribuição mantém-se em todos os segmentosanalisados.

    Por outro lado, praticamente três quartos (73%) ficam no intervalo de 0 a

    14, numa escala de 37 pontos, indicando que o nível de ilegalidade no dia-a-dia dos brasileiros é moderado, sem uma combinação de alta diversidade(número de ilegalidades cometidas) com alta incidência (número depessoas que cometem).

    Ao computarmos as respostas de outra forma, tomando a quantidade totalde ilegalidades que cada entrevistado acredita ser cometida por seusconhecidos, temos 42% do eleitorado atribuindo aos seus conhecidos maisda metade (8 ou mais) das práticas ilegais avaliadas, sendo que 8%acreditam que as pessoas que conhecem, ainda que seja uma minoriadelas, cometem todas as treze transgressões.

    • Indicador de Tolerância à Corrupção Política (ITCP)

    Para a criação desse indicador, duas variáveis eram potencialmente boasmedidas de atitude mais ou menos tolerante do eleitor em relação apráticas de corrupção por políticos, sejam eles governantes ou legisladores.A primeira corresponderia às opiniões sobre se cada item da bateria é

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    “leve/médio/grave” e se é “aceitável/inaceitável”. Os resultados dessasperguntas apresentaram alta concentração nas respostas “grave” e

    “inaceitável”, com duas exceções, conforme ilustrado abaixo:

    Assim, descartamos essas perguntas de percepção degravidade/aceitabilidade como bases para o ITCP, pois resultariam numindicador muito concentrado e pouco discriminante no eleitorado brasileiro.

    A outra variável que tínhamos no questionário é uma medida indireta detolerância frente à corrupção, qual seja, a resposta do eleitor sobre suaprópria probabilidade de cometer aquele ato ilícito se tivesse umaoportunidade.

    O Indicador de Tolerância à Corrupção Política (ITCP) foi criado combase nessa bateria sobre a freqüência com que o entrevistado cometeriacada ato de corrupção, caso tivesse oportunidade. Foi feita uma somatóriasimples de pontos, excluindo os casos que deixaram de responder algumitem e considerando os seguintes valores para cada alternativa da escalade resposta:

    Como o IICE, o ITCP poderia variar entre 0 e 39 pontos. O quadro abaixoapresenta a distribuição do ITCP no total do eleitorado brasileiro, bemcomo nos principais segmentos sócio-demográficos e geográficos do país.

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    No caso do ITCP a pontuação nula, de 0 pontos, corresponde a um quartodo eleitorado brasileiro, ou seja, 25% demonstram intolerância radical àcorrupção política, uma vez que rejeitam a hipótese de cometeremqualquer desses treze atos, caso tenham uma oportunidade. Há, no

    entanto, diferenças significativas se considerarmos o perfil sócio-demográfico do entrevistado. Além das mulheres, quanto mais velho emenos escolarizado o eleitor, menor o nível de tolerância à corrupção.

    A distribuição desse indicador traz níveis mais baixos de tolerância àcorrupção política do que os observados no indicador de ilegalidades nocotidiano, pois quase três quartos (72%) dos entrevistados somam até 8pontos, do total dos 39 possíveis.

    3º) TESTANDO AS HIPÓTESES

    HIPÓTESE 1: A maioria dos eleitores brasileiros já transgrediualguma lei ou descumpriu alguma regra contratual, para obterbenefícios materiais, de forma consciente e intencional.

    O IICE mostra que, segundo a percepção dos brasileiros sobre seuspróprios conhecidos, 98% do eleitorado comete algum ato ilegal no seudia-a-dia. Mesmo se utilizássemos a pergunta direta sobre comportamentodo entrevistado, teríamos 69% do eleitorado assumindo ter cometido pelomenos uma dessas ilegalidades até aquele momento.

    Essa hipótese, portanto, está comprovada.

    HIPÓTESE 2: A maioria dos eleitores brasileiros tolera algum tipode corrupção por parte de seus representantes ou governanteseleitos.

    O ITCP mostra que 75% dos eleitores brasileiros acreditam quecometeriam pelo menos um dos atos de corrupção avaliados, caso tivessema oportunidade, ou seja, se estivessem no lugar e nas mesmas condiçõesdos políticos brasileiros denunciados por esses crimes.

    Consideramos esse dado suficiente para comprovar nossa segundahipótese, uma vez que ao imaginar que poderia cometer um desses atos, oeleitor provavelmente será tolerante com o político que o fizer.

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    É claro que os níveis de tolerância variam de um ato para outro, com amaior “aceitação” (menores percentuais de “não faria de jeito nenhum”)naqueles atos de corrupção cujos beneficiados diretos seriam osfamiliares/amigos e não o próprio entrevistado, conforme ilustrado no

    quadro a seguir.

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    Os resultados dessa bateria sobre prática de corrupção na política tambémpermitem concluir que, com exceção do ato de “ Escolher familiares ou

    pessoas conhecidas para cargos de confiança”, a opinião pública brasileiraatribui às nossas lideranças políticas um perfil mais corrupto do que a

    imagem projetada para o povo brasileiro em geral. Em todos os demaisitens os patamares de “Todos+Maioria” ficam em torno de 80% ao falaremdos “políticos e governantes” e caem para cerca de 50% a 60% ao falaremdos brasileiros”.

    No entanto, se considerarmos que a questão ética é absoluta e nãorelativa, ou seja, a diferença real é entre quem faz e quem não faz, semlevar em conta a freqüência ou o tipo de corrupção cometido, podemosestabelecer o seguinte quadro comparativo:

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    Mesmo se considerarmos o percentual mais conservador, correspondente àdeclaração do próprio entrevistado sobre seu comportamento real epotencial, verifica-se, conforme esperávamos, que os níveis de corrupçãoatribuídos aos políticos, os níveis de ilegalidade assumidos pelos eleitores etambém os níveis de corrupção provável assumidos pelos eleitoresapresentam patamares semelhantes.

    Os dados acima ilustram, numericamente, o chavão nacional de que “todosos políticos brasileiros são corruptos”, mas infelizmente também parecemindicar que a falta de ética não atinge de forma grave somente a classepolítica brasileira.

    HIPÓTESE 3: Assim como é atribuído às classes políticasbrasileiras, há no eleitorado uma gradação tanto na práticaantiética no dia-a-dia quanto na tolerância à corrupção política eessas duas variáveis estão correlacionadas fortemente, ou seja,quanto mais ético no dia-a-dia, menos tolerante com a corrupção

    tende a ser o eleitor.

    A forma mais direta de testar essa hipótese é através de medidas decorrelação entre o IICE e o ITCP, começando pela Correlação dePearson, por ser a mais apropriada para variáveis numéricas.

    Apesar de estatisticamente significativo, o coeficiente de correlação ficouabaixo do que esperávamos, então usamos outra maneira de verificar aassociação entre a incidência de ilegalidades cometidas pelo eleitor e suadisposição de tolerar atos de corrupção política, através da análise do

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    cruzamento entre os dois Indicadores. Para isso criamos 4 faixascorrespondentes aos “quartis” (cerca de 25%) da distribuição em cadaIndicador.

    Como a tabela permite visualizar associação entre os dois indicadores,buscamos outra medida de correlação, mais apropriada para esse tipo de

    variável categorizada, tentando traduzir tais variações percentuais em umcoeficiente, no caso o Kendall’s Tau b, bastante conservador e maisapropriado para variáveis ordinais.

    Novamente obtivemos um coeficiente estatisticamente significativo, masabaixo do esperado. Podemos dizer, portanto, que a nossa terceira hipóteseestá comprovada, pois há uma associação entre prática de ilegalidades nocotidiano e tolerância à corrupção política, mas não com a força esperada.Nesse sentido, essa terceira linha de investigação merece umaprofundamento de análise desses e de novos dados a serem coletados aolongo desse ano eleitoral.