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CAPÍTULO 1
ECONOMIA BRASILEIRA – PARTE 1 – ACUMULAÇÃO PRIMITIVA E FORMAÇÃO DE POUPANÇA
UNIDADE 1.1 - ECONOMIA AGROEXPORTADORA – 6 horas
Título da Unidade - Economia agroexportadora Objetivo da Unidade – Entender os problemas do processo agroexportador Conteúdo da Unidade – Economia Agroexportadora Brasileira Material disponível - Apostila Atividades Previstas – Aulas e Exercícios
1. Economia Agroexportadora
Defini-se economia agroexportadora como aquela que é baseada na produção e
exportação de produtos primários.
Desde seu descobrimento até o período denominado República Velha (1889-
1930), a economia do Brasil teve como principal direcionador de desempenho da suas
exportações os produtos primários. Desta forma, no inicio do século XX, as exportações
eram determinantes para o desempenho da economia brasileira, pois garantiam as
importações, base da estrutura do consumo no Brasil.
2. Ciclos da economia agroexportadora
Como dito anteriormente a economia brasileira, no período 1889-1930, dependia
fortemente do desempenho de suas exportações de produtos agrícolas. Estas
exportações eram compostas de alguns poucos itens, cuja importância variou ao longo
dos anos. Assim tivemos o ciclo do ouro, o do açúcar, o do café, o da borracha, etc.
Destaque para o ciclo do café, produto que dominou a economia no período da velha
república.
Como o desempenho econômico dependia das exportações de produtos
primários e estas variavam conforme os preços internacionais, a economia brasileira
estava exposta a uma elevada vulnerabilidade externa.
No caso do café, principal produto de exportação na velha república, o preço
internacional dependia das condições de mercado. Nos momentos de prosperidade a
demanda aumentava e nos momentos de crises ela se retraía. EUA e Inglaterra eram os
principais importadores e influenciavam o comportamento da demanda. O Brasil, apesar
de ser o maior produtor mundial, não influenciava os preços, pois outros países também
atuavam na oferta.
Dado este cenário, as crises internacionais ocasionavam sérios problemas as
exportações brasileiras de café e, por consequência, aos outros setores da economia.
Este processo de transferências das crises externas para o mercado interno explica, em
grande parte, a vulnerabilidade da economia agroexportadora.
Sendo o setor agroexportador o mais dinâmico da economia, os outros tinham
menor rentabilidade que este e assim, os recursos disponíveis eram direcionados para
aquele setor. Como resultado havia uma forte concentração de renda e propriedade.
3. Deterioração dos termos de troca
Termo de troca é a relação entre os preços das exportações e os preços das
importações de um país.
Muitos autores defendem a idéia de que os preços dos produtos agrícolas
possuem um desempenho que tende a um menor crescimento frente aos
industrializados. Logo, se um país como o Brasil, tem suas exportações baseadas em
produtos agrícolas, terá desvantagem frente suas importações de manufaturados. A este
processo denominamos deterioração dos termos de troca.
4. Teoria cepalina ou estruturalista
Ao adotarem o livre comércio e o livre fluxo de capitais, além de se
especializarem na produção dos bens em que possuíssem vantagens comparativas, os
países atingiriam naturalmente o desenvolvimento. Assim dizia a teoria tradicional do
comercio.
Vários autores se insurgiram contra estas idéias, principalmente na América
Latina. Destaque para Raul Prebish e a teoria estruturalista ou cepalina (CEPAL –
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe criada em 1948).
Esse autor argumentou que o livre comércio, proposto pelos países mais
desenvolvidos (países de centro), somente traria vantagens para os próprios, ficando os
países. Ele aponta como solução a industrialização dos países periféricos com o objetivo de
substituir suas importações e melhorar seus termos de troca.
5. Políticas de defesa da economia agroexportadora e seus problemas
Como vimos o principal problema de uma economia agroexportadora é a
oscilação de preços do principal produto primário exportado.
Quando os preços estavam em alta os empresários obtinham maiores lucros e os
reinvestiam no próprio negócio, criando mais empregos. No cenário inverso, os
investimentos caiam, assim como a geração de empregos. Ao governo, neste último
caso, havia poucas possibilidades de ação para proteger a economia. Entretanto, cabe
destacar duas delas: a desvalorização cambial e a política de valorização do café.
A desvalorização cambial mantinha, em moeda local, a renda dos cafeicultores,
entretanto criava dois problemas:
1) Estimulava a superprodução, pois a queda de preço no mercado internacional,
em geral, era provocada pelo aumento da oferta;
2) Socialização das perdas provocada pelo aumento da inflação. Como a
produção local de bens era incipiente e as pessoas consumiam produtos importados, a
desvalorização aumentava estes preços, causando inflação.
A política de valorização do café, utilizada pela 1ª. vez em 1906, consistia na
formação de estoques reguladores adquiridos pelo chamado preço mínimo. Derivados
desta política tivemos dois problemas: o que fazer com os estoques e como financiar a
compra e estocagem do produto. Some-se a estes mais dois entraves:
1) Tendência a superprodução, já que a queda de preços estava ligada
normalmente ao aumento da oferta;
2) Aumento da concorrência internacional, tendo em vista o estabelecimento de
um preço mínimo atrativo.
6. Superprodução e crise da economia cafeeira em 1930
As políticas de proteção a industria cafeeira que encobriam os desequilíbrios
entre demanda e oferta, alcançaram seu auge em 1930. Naquele ano, dois fatores foram
somados aos problemas já existentes: A grande produção nacional e o início de uma das
maiores crises econômicas da história.
Esta conjuntura tornou evidente a insustentável situação de dependência da
economia brasileira a um único produto de exportação. Com o excesso de produção e a
recessão econômica mundial a política de estoques do governo não foi suficiente para
sustentar os preços do café e o governo terminou por ter que queimar grande parte do
produto durante as décadas de 30 e 40.
O lado positivo da crise foi o despertar da consciência sobre a necessidade de
industrialização como forma de alterar o panorama existente e promover o
desenvolvimento.
No entanto, havia o problema de falta de poupança e a solução passava pela
mudança política do Estado dominado pelas oligarquias para o Estado que controlasse
os instrumentos de política econômica. Esta alteração foi possível com a revolução de
30 que fortaleceu o Estado Nacional e trouxe novas classes econômicas ao poder, sendo
que estas classes tinham a industrialização como um projeto nacional de
desenvolvimento.
7. O setor cafeeiro e o processo de industrialização
Embora não tenha começado na década de 30, o processo de industrialização do
Brasil teve grande impulso neste período. Se antes as indústrias surgiam nas
proximidades das áreas produtoras de café, agora o processo tende a atender aos
objetivos de substituição das importações. Duas teorias procuram explicar estes
movimentos: A teoria dos choques adversos e a teoria da industrialização induzida por
exportações.
A primeira defende a ideia de que a indústria brasileira tinha impulsos nos
momentos de crises externas (por exemplo, na 1º guerra mundial e na depressão de 30).
Nestes momentos de choques adversos, o governo tomava medidas (cambiais e
aduaneiras) para proteger a indústria local, fazendo com esta suprisse a necessidade de
compra de produtos importados. Nos momentos de bonança, a produção interna era
prejudicada pela facilidade de compra dos produtos externos com as divisas geradas
pelo setor exportador.
A segunda teoria argumenta que a indústria crescia principalmente nos bons
momentos do setor exportador. Para estes teóricos, o aumento da renda dos
exportadores criava demanda por produtos industriais, incrementando o movimento das
fábricas nacionais. Assim, nos momentos de crise, segundo esta teoria, ocorria o
movimento inverso, ou seja, retração da produção interna.
As ideias que, aparentemente, parecem antagônicas podem ser entendidas da
seguinte forma. Nos momentos em não havia crises, a geração de divisas permitia que
fossem comprados máquinas e equipamentos do exterior (aumento da capacidade
instalada) e nos momentos de crises, a produção interna aumentava com o uso daqueles
equipamentos (uso da capacidade instalada).
8. O processo de substituição de importações (PSI)
A crise de 30 trouxe serias consequências para as exportações brasileiras e o
saldo do balanço de pagamentos. Adicionalmente os capitais estrangeiros que na década
anterior fluíam com facilidade para o Brasil, reverteram a direção, ajudando a piorar a
situação do nosso balanço de pagamentos.
A resposta dada pelo governo de Vargas foi fundamental para o enfrentamento
da crise. Com o apoio dado a indústria nacional, esta pode crescer e contribuir
positivamente para diminuir a dependência externa.
O crescimento da indústria também trouxe outras consequências. A renda
nacional que dependia fortemente do setor exportador passou a ter a indústria nacional
como fator determinante. Este movimento foi classificado por Celso Furtado como
“deslocamento do centro dinâmico”.
Então, a trajetória da industrialização brasileira, que teve forte impulso, na
década de 30, foi um movimento voltado ao atendimento das demandas internas ou, em
outras palavras, um processo de substituição das importações. È o que chamamos de
industrialização fechada que teve como características principais:
1. Produção voltada para o atendimento das demandas internas e não para
exportação;
2. Dependência de medidas protecionistas contra os concorrentes externos.
O processo teve a seguinte cronologia:
1) Escassez de divisas estrangeiras provocada pela queda das exportações e a
manutenção de parte da demanda por importações;
2) O governo toma medidas para aumentar a competitividade e a rentabilidade
da produção doméstica, tais como desvalorização da moeda nacional, controle do
câmbio, taxas múltiplas de câmbio e elevação das tarifas aduaneiras;
3) Com os investimentos nos setores substituidores de importações, a demanda e
a renda nacional aumentaram.
9. A participação do Estado no processo de industrialização
Ao Estado foram reservadas as seguintes atribuições no processo de
industrialização:
1) Criação de normas legais e órgãos voltados ao objetivo da industrialização.
Foi instituída a CLT, definindo direitos e obrigações dos trabalhadores e empresários.
Foram criadas agências estatais para gerir o processo tais como o Departamento
Administrativo do Setor Público (DASP), o Conselho Técnico de Economia e Finanças,
a Comissão de Financiamento a Produção e o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (o S de Social somente viria depois)
2) Investimento em Infra-Estrutura, principalmente transporte e energia;
3) Fornecimento de insumos básicos. Foi criado o Setor Produtivo Estatal (SPE)
composto pela CSN, Vale do Rio Doce, CNA (Cia nacional de Álcalis), Petrobrás e
hidrelétricas.
4) Captação e distribuição de poupança. Dada a ausência de um mercado
financeiro desenvolvido, principalmente pela lei da Usura, o Estado assumiu o papel de
intermediador financeiro através do Banco do Brasil e o BNDES.
10. Contribuição do setor agrícola para o processo de industrialização
Em que pese a diminuição da participação do setor agrícola na economia, este
deu as seguintes contribuições para o processo de industrialização:
a) Liberação de mão-de-obra;
b) Fornecimento de alimentos e matérias-primas;
c) Transferência de capital;
d) Geração de divisas;
e) Mercado consumidor.
UNIDADE 1.1
1 – No fim do século XIX e início do século XX, qual setor de atividade
garantiam os recursos necessários às importações brasileiras?
2 – Quais os principais ciclos produtivos entre 1889-1930 na economia
agroexportadora brasileira?
3 – Qual a causa da vulnerabilidade brasileira a oscilações internacionais de
preços das comodities exportadas?
4 – Qual a razão da atração dos investimentos dos capitalistas brasileiros
para o setor agroexportador, em detrimento de outros setores?
5 – Qual a Termo da deterioração do termo de troca? Lembrando que
termo de troca é a relação entre os preços das exportações e os preços das
importações de um país.
6 – Qual a principal contestação da teoria cepalina em relação à teoria
tradicional do comércio?
7 – Quais os impactos da política de desvalorização cambial brasileira sobre
a economia brasileira a o setor cafeeiro?
8 – Em que consistia a política de valorização do café?
9 – Qual o estopim da política protecionista brasileira ao setor
agroexportador de café?
10 – Explique as teorias de industrialização da economia brasileira? A
teoria dos choques adversos e a teoria da industrialização?
UNIDADE 1.2 - SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES – 6 horas Título da Unidade – Substituição de Importações Objetivo da Unidade – Base de política de substituição de importações Conteúdo da Unidade – Substituição de Importações Material disponível - Apostila Atividades Previstas – Aulas e Exercícios
1. A CRISE DE 30 – MOTOR DO PROCESSO DE
INDUSTRIALIZAÇÃO
Contextualizamo-nos a partir da quebra da bolsa de Nova York, o que abalou a
economia brasileira na década de 30. A economia mundial não apresentava capacidade
e interesse de adquirir a produção agrícola brasileira, em especial o café.
Logo, com perda das exportações, o Brasil iniciou o processo de substituição de
importações. Desta forma, abandonando a tradição agrícola, e iniciando a diversificação
produtiva e exportadora, por meio do desenvolvimento do modelo industrial. E
consequentemente provocando profundas transformações na sociedade brasileira nas
últimas cinco décadas.
2. INÍCIO DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL
Processo de substituição de importações das economias latino americanas, com
duas hipóteses: 1 induzida pelas exportações, e 2 teoria dos choques adversos. No
primeiro caso, a economia tradicionalmente agroexportadora seria resultado da
transferência de capital acumulado nesses processos de exportação para a produção de
bens com maior valor agregado, gradativamente para produção local.
Substituição de produtos manufaturados importados pela produção local,
aumento significativo do valor agregado de exportados, gerando mais riqueza e
desenvolvimento econômico., decorrência de classe trabalhadora média urbana
assalariada em grandes centros urbanos. O grupo assalariado demandou maior
quantidade de produtos industrializados, os quais agora eram produzidos no Brasil, o
que propiciou investimentos por parte dos capitalistas nacionais.
Inicialmente indústrias têxtil, alimentícia, e vestuário – frente a um enorme
mercado consumidor inexplorado a preços e quantidade atrativas, explorando mercado
espontâneo e dinâmico - sem contar com planejamento central e apoio estatal – apesar
da geração de emprego, renda e impostos.
Na segunda óptica, a dos choques adversos, afirma que as crises externas as
economias agroexportadoras voltam-se ao mercado interno, sob a liderança do setor
industrial local, em função de; 1 crise na balança de pagamentos, 2 crise na arrecadação
de impostos, e 3 aumento dos impostos dos produtos importados.
Crise na balança de pagamentos – com a dificuldade de exportação, o governo
desvaloriza a moeda local, a fim de baratear as exportações, observado que a menor
receita reduz a capacidade de endividamento. A desvalorização do câmbio provoca o
encarecimento das importações, gerando mercado para a produção nacional que passa a
tornar-se mais competitiva.
Crise na arrecadação de impostos – política de expansão de gastos e de corte de
impostos, a fim de fomentar o desenvolvimento da economia doméstica. Com isso, a
queda dos juros da economia doméstica fomenta a venda e estimula a produção
doméstica.
Aumento dos impostos dos produtos importados – com a redução de
importações, o governo aumenta a alíquota de impostos de importação, a fim de
compensar a redução da arrecadação de impostos. Logo, estimulando o consumo da
produção local, mais barata.
A crise do modelo agroexportador arrastava-se por décadas e teve seu estopim
com a crise norte americana de 1930, em função das transformações urbanas ocorridas
nas economias latino americanas.
A soma dos componentes contribuiu para o crescimento da produção local em
substituição às importações: moedas desvalorizadas, majoração das tarifas às
importações, desvalorização cambial, e existência de estoque de bens de capital.
Industriais brasileiros aproveitaram o bom cenário da década de 20 para
importarem bens de capital, como máquinas e equipamentos da Europa, recursos que
favoreceram à expansão produtiva nacional de produtos tradicionais (alimentos e
bebidas), de produtos tradicionalmente importados (têxtil e confecções) e bens
intermediários (aça e cimento), e até bens duráveis (eletrodomésticos).
3. OUTRAS RAZÕES
Durante o governo Vargas, a política de substituição de importações veio
combinada com propagandas nacionalistas de valorização de produção local, o que se
alastrou após a era Vargas, em função de seus enormes ganhos políticos e eleitorais.
Este viés eleitoral populista era enxergado pelos brasileiros como primordial para o
desenvolvimento do país, assim como estratégico para a segurança nacional.
Nesse contexto de menor dependência de produtos unicamente importados,
surgem a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Petrobrás, nas décadas de 1940 e
1950, para produção de aço e petróleo nacionais.
4. DINÂMICA
Inicia-se com a produção de gêneros de primeira necessidade, em função da
demanda reprimida, e pela ausência de capital para este investimento inicial, o qual
direcionou a produção para investimentos mais acessíveis.
5. DESEQUILÍBRIO
A década e 30 foi a oportunidade da consolidação industrial, e da superação da
baixa produtividade, racionamento energético, falta de pessoal capacitado, acesso
restrito ao crédito – fatores que perduraram durante Plano de Metas de JK, e I PND –
até serem atacados no II PND no governo Geisel.
6. CRISE NO MODELO
Vale ressaltar que importações exigem divisas que provém de exportações ou de
reservas, no caso do Brasil eram geradas por exportações de bens primários. Nos anos
50 multinacionais yankees auxiliarão o Brasil a efetivar a política de substituição de
importações, viabilizando a produção no Brasil de bens com valor agregado,
anteriormente importado de suas matrizes, localizadas no exterior.
No governo JK foi instalado um parque fabril automobilístico que atendeu a uma
enorme demanda automobilística.
7. CRÍTICA A POLÍTICA DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES
O Brasil depende, ainda hoje, de importação de tecnologia para viabilização de
sua produção local, geralmente defasada em relação às matrizes internacionais das
indústrias aqui instaladas.
Logo, a produção nacional explorava o mercado local protegido por impostos a
importação e desvalorizações cambiais, mas não apresentava capacidade de
competitividade a nível global, há anos o Brasil vem mantendo estas políticas de
produção, a qual só pode ser superada através da geração de mão de obra capaz de gerar
tecnologia de ponta nacional.
8. GOVERNO GETÚLIO VARGAS – CONSOLIDAÇÃO DE
POLÍTICAS INDUSTRIAIS
Processo complexo de substituição de importações teve como suas principais
ações:
1 – reforma tributária de 1934 – fortalecimento dos cofres públicos;
2 – proibição de importação de máquinas e equipamentos, a fim de proteger
industriais locais, já instalados;
3 – criação e distribuição das linhas de crédito ao empresariado;
4 – aparelhamento do Estado e criação de órgãos e autarquias, aumentando a
presença e o controle estatal na economia nacional;
5 – desenho de uma nova legislação trabalhista, com direitos e deveres a patrões
e empregados, e movimentos migratórios do campo para cidade em busca de empregos
na indústria, comércio e serviços.
A visão centralizadora e transformadora da Era Vargas atendia as reivindicações
das oligarquias paulistas e consagrava o intervencionismo estatal na sociedade e na
economia brasileira.
UNIDADE 1.2
1 – Qual transformação social determinou a formação de classe
demandante de produtos industrializados?
2 – Qual os principais produtos demandados inicialmente pelo mercado
consumidor brasileiro?
3 – Sob a óptica das importações, qual o impacto das políticas de
desvalorizações cambiais?
4 – Qual o impacto sobre o setor importador da crise fiscal sofrida pelo
governo brasileiro? E como esta contribuiu para a substituição das importações?
5 – Explane sobre a política nacionalista, do governo de Getúlio Vargas, de
incentivo a industrialização brasileira.
6 – Como iniciou-se a dinâmica produtiva nacional?
7 – Quais os principais entraves à industrialização nacional na década de
30?
8 – Qual a principal crítica à política de substituição de importações?
9 – Porque a produção nacional não se mostrava eficaz para competição a
nível global?
10 – Quais as principais ações do governo Getúlio Vargas à consolidação
industrial brasileira?CAPÍTULO 2
ECONOMIA BRASILEIRA – PARTE 2 – CRISE, MILAGRE E DÉCADA PERDIDA - 12 horas
UNIDADE 2.1 - MILAGRE ECONÔMICO – 6 horas
o Título da Unidade – Milagre Econômicoo Objetivo da Unidade – Verificação das práticas econômicas de sucesso do milagre
econômicoo Conteúdo da Unidade – Milagre Econômicoo Material disponível - Apostilao Atividades Previstas – Aulas e Exeercícios
Quando se fala em ditadura militar, as pessoas logo pensam em repressão,
censura, prisões arbitrárias, deportações, desaparecimentos, torturas e uma série outros
fatos que todos desejamos esquecer. Mas, por mais contraditório que isso possa parecer
para alguns, foi justamente nesse período de cerceamento das liberdades individuais que
a economia brasileira teve o melhor desempenho da sua história. Estamos falando do
“milagre” econômico.
Para entender o “milagre”, vamos ter de retroceder até a gestão Castello Branco
(1964-66), esse período foi marcado pela implementação do Paeg, plano de
estabilização e reformas estruturais. Apesar do sucesso do Plano no que diz respeito aos
seus próprios objetivos (estabilização e reformas), o pais continuava preso a um
crescimento medíocre e errático (normalmente chamado de stop and go).
Em 1967, sob a administração agora do presidente Costa e Silva, há uma
mudança radical na condução da economia. O novo presidente nomeia o Prof. Delfim
Netto como Ministro da Fazenda. Havia naquele período uma forte necessidade de se
legitimar o regime militar.
O objetivo dos militares era o de justificar o golpe, de mostrar para que vieram,
ou ainda, o de convencer a sociedade de que o novo governo era melhor que o deposto.
E isso somente seria possível através de crescimento econômico.
Com a mudança da política econômica implementada por Delfim Netto, o
crescimento tão cobiçado aconteceu. O “milagre” econômico ocorreu entre 1968-1973,
durante os governos Costa e Silva e Médici.
Nesses seis anos, o Brasil cresceu a uma taxa média de 11% ao ano. Crescer seis
anos seguidos a uma taxa dessa já seria o suficiente para chamar esse período de
milagre. Mas, além disso, o Brasil conseguiu a enorme façanha de conciliar esse
crescimento vigoroso com inflação baixa e equilíbrio no setor externo.
1. Crescimento, Inflação e Equilíbrio Externo
Conciliar certos objetivos de política macroeconômica não é uma tarefa muito
fácil. Pelo menos desde a década de 1950, já se sabe que existe certa dificuldade em se
conseguir ao mesmo tempo inflação baixa e nível de emprego elevado. Atualmente
sabemos também que quando uma economia cresce a um ritmo muito forte existe uma
tendência de aceleração inflacionária e desequilíbrio externo.
Você já ouviu alguma vez a expressão “crescimento sustentável”? Este conceito
está bastante relacionado com o que estamos tratando aqui. Quando um país está
crescendo a um ritmo muito acelerado, costuma-se dizer que aquele crescimento não é
sustentável no longo prazo e que em determinado momento o governo deverá “frear” a
economia. Se o governo não o fizer, é bastante possível que uma crise inflacionária ou
do setor externo aborte o crescimento.
Portanto, a Teoria Macroeconômica ensina que é melhor crescer mais
lentamente, mas de forma contínua, que ter um crescimento rápido, mas que não se
sustenta. Os economistas até costumam dizer o seguinte: o crescimento não pode ser
como um “vôo de galinha”, ou seja, algo que não se sustenta.
Por que quando a economia cresce existe essa tendência de inflação e
desequilíbrio externo? Bem, essa é uma questão complexa, que envolve algumas noções
de Macroeconomia. Vamos tentar entender. Se a economia cresce muito rapidamente,
alguns fatores de produção podem ficar escassos.
Por exemplo, se a economia começa a crescer aceleradamente, o fator de
produção mão-de-obra pode ficar escasso. Nesse caso, o que irá acontecer com os
salários? Deverão aumentar.
Porém salários maiores representam aumento no custo de produção, o que pode
significar aumento de preços. Compreendeu? E se o fator de produção matéria-prima se
tornar escasso? O raciocínio é o mesmo.
Além disso, o crescimento muito acelerado pode gerar desequilíbrio do setor
externo. Vejamos como isso acontece. Quando a economia cresce, a renda dos
consumidores também cresce, logo o consumo agregado aumenta. Esse aumento do
consumo ocorre tanto em relação a produtos nacionais como importados. Portanto,
pode-se concluir que quando a economia cresce, as importações crescem.
Por outro lado, com relação às exportações, as coisas não acontecem
necessariamente dessa forma. Para exportar mais, é necessário que a demanda externa
cresça. Compreendeu o problema? O crescimento econômico gera aumento de
importações, mas não de exportações.
Consequentemente, há uma tendência de desequilíbrio nas contas externas. Você
entendeu agora por que o “milagre” econômico tem esse nome? Seis anos seguidos de
crescimento vigoroso com baixa inflação e sem desequilíbrio externo é realmente um
milagre.
2. Concentração de Renda, Desequilíbrio Inter-setorial e
Dependência Externa
Até o milagre teve o seu “calcanhar de Aquiles”. Apesar das incríveis taxas de
crescimento, associadas a inflação baixa e equilíbrio externo, o “milagre” tinha suas
limitações. A principal crítica que se faz ao milagre econômico diz respeito à
concentração de renda.
Houve nessa época um aumento da desigualdade entre ricos e pobres. O
vigoroso crescimento da economia não trouxe melhoria na qualidade de vida para todos
os extratos sociais. Por isso a famosa frase atribuída ao presidente Médici. Ao ser
indagado sobre a economia, teria respondido “a economia vai bem, mas o povo vai
mal”.
3. Esse aumento na concentração da renda tem um conjunto de
explicações.
Primeiramente, com o crescimento econômico, houve um forte aumento da
demanda por trabalhadores qualificados (engenheiros, administradores, economistas,
etc.). Mas não houve um crescimento significativo da demanda por trabalhadores pouco
qualificados. Em suma, o “milagre” fez com que a renda dos mais qualificados
crescesse proporcionalmente mais que a dos poucos qualificados, gerando concentração
na renda.
Outro fator que deve ser levado em conta para compreender esse aumento de
desigualdade de renda foi a contenção salarial imposta pelo regime militar. Com o
objetivo de controlar a inflação, o governo militar fazia um rigoroso controle dos
aumentos salariais e reprimia violentamente as manifestações de trabalhadores. Essa
contenção (ou arrocho) salarial também contribuiu para aumentar o fosso entre ricos e
pobres.
Além disso, o milagre gerou um desequilíbrio entre os diferentes setores da
indústria. Os investimentos realizados durante o período do ”milagre” se concentraram
principalmente no setor de bens de consumo duráveis. Logo, começou a se formar um
desequilíbrio entre os diferentes setores da indústria.
A produção no setor de bens duráveis crescia a um ritmo mais acelerado que nos
setores de bens de capital (máquinas e equipamentos) e bens intermediários (petróleo,
fertilizantes, produtos químicos, etc.). Com o passar do tempo, esse desequilíbrio inter-
setorial iria gerar um problema de dependência externa. Ou seja, o país, por não ter o
setor de bens de produção (de capital e intermediários) suficientemente desenvolvido,
dependia da importação desses produtos.
4. O Choque de Petróleo e a Crise Internacional
Essa situação de dependência externa iria ficar muito mais complicada a partir
do primeiro choque do petróleo. Você se lembra de quando nós discutimos a
importância de se estudar fatos internacionais para se compreender os rumos da nossa
economia? Bem, aqui nós teremos uma outra excelente oportunidade para verificar
como isso é realmente verdade.
No final de 1973, os países membros da Opep (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo) tomaram a decisão radical de reduzir a oferta mundial desse
produto, provocando o aumento do seu preço. Essa decisão estava relacionada a um
problema geopolítico envolvendo a guerra entre árabes e israelenses. À crise que se
inicia a partir daí, convencionou-se chamar de “primeiro choque do petróleo”, o
segundo choque iria ocorrer em 1979, a partir da guerra civil do Irã.
O Brasil tinha, como já vimos, um problema de dependência externa. O país
precisava importar bens de capital e bens intermediários (petróleo, principalmente), uma
vez que essa indústria era pouco desenvolvida. Com a crise, essa dependência se torna
um problema crítico. O que fazer diante de uma situação como essa? O governo
brasileiro tinha duas alternativas. A primeira possibilidade seria promover um ajuste
recessivo.
Conforme já dissemos, quando o país cresce menos, as importações diminuem.
Logo, se a economia crescesse a um ritmo mais lento (ajuste recessivo), o gasto com
importações diminuiria. A outra estratégia seria implementar um ajuste estrutural: Ou
seja, realizar mais investimentos e diminuir a dependência por importações. Essa
segunda estratégia era muito mais ousada, pois implicava aumentar o desequilíbrio
externo em um primeiro momento para colher seus benefícios somente anos depois.
Conforme já dissemos, o regime militar buscava sua legitimação e para isso
deveria fazer o país crescer. Além disso, havia na sociedade (principalmente entre
empresários e banqueiros) uma pressão por um ajuste não-recessivo. Pressionado, e
necessitando justificar o golpe militar, o governo opta pelo ajuste estrutural (não
recessivo). É justamente a partir dessa decisão de aprofundar o processo de substituição
importações em meio a uma crise econômica internacional que nasce o II PND (Plano
Nacional de Desenvolvimento Econômico).
5. O II PND
Se existiu um II PND, provavelmente deve ter existido também um I PND,
correto? Bem, o I PND foi implementado entre 1972-1974, durante a gestão Médici,
porém não costuma ser muito estudado por não ter tido um papel muito importante na
determinação dos rumos da economia nacional. O II PND, por sua vez, foi posto em
prática ente 1975-79, durante a gestão Geisel. Esse plano é considerado a mais ampla
experiência de planejamento econômico no Brasil depois do Plano de Metas e teve uma
importância fundamental na consolidação do processo de substituição de importações
ocorrido no Brasil.
Um dos objetivos do II PND era o de solucionar o problema de dependência
externa decorrente do desequilíbrio inter-setorial. Por isso comportava uma série de
investimentos no setor de bens de capital e de bens intermediários. Todavia, para
realizar todos os investimentos exigidos pelo II PND, seriam necessários, logicamente,
recursos financeiros. Você lembra-se que em economia “não existe almoço grátis”, não
é mesmo? Pois bem, esses recursos viriam principalmente dos chamados “petrodólares”.
Com o aumento do preço do petróleo ocorrido a partir de 1973, o valor das
exportações dos países produtores do bem cresceu significativamente. Como não havia
muitas opções para se aplicar esses recursos nesses países, a maior parte desses dólares
foi depositada em bancos de países ricos. A partir disso, surgem os famosos
petrodólares. Com o II PND, o Brasil se transformou em um dos maiores tomadores de
recursos (petrodólares) no mercado financeiro internacional.
A avaliação que se faz do II PND costuma ser positiva. De modo geral, pode-se
dizer que os objetivos de mudança estrutural que motivaram o Plano foram alcançados.
Contudo, os resultados concretos só vieram a acontecer entre 83-84, com a maturação
dos investimentos realizados.
Entre esses resultados, três merecem destaque: i) a reversão do saldo da balança
comercial, que se tornou superavitária, ii) uma dependência menor das importações de
petróleo, iii) uma maior diversificação na pauta de exportações do país, com predomínio
de bens manufaturados (no lugar de bens primários, como era no passado).
6. Síntese
Nessa aula, você aprendeu que o “milagre” econômico é considerado o período
de melhor desempenho econômico da história recente do Brasil, por conseguir aliar
crescimento vigoroso, com inflação moderada e equilíbrio no setor externo. Você viu
também que o II PND foi uma ousada estratégia de desenvolvimento adotada em meio à
crise internacional gerada pelo choque do petróleo.
UNIDADE 2.1
1 – Explane sobre a expressão: “Ditadura Militar e Liberdade Econômica”?
2 – Em que consiste O “milagre” econômico, entre 1968-1973, durante os
governos Costa e Silva e Médici?
3 – Qual o significado de crescimento sustentável? Contextualize os
conceitos com Crescimento, Inflação e Equilíbrio Externo.
4 – Porque os economistas costumam dizer que o crescimento não pode ser
como um “vôo de galinha?
5 – Porque se utiliza o termo Milagre Econômico?
6 – Qual o calcanhar de aquiles do Milagre Econômico?
7 – Quais as explicações à concentração de renda da economia brasileira?
8 – Qual o impacto da crise internacional do choque do petróleo?
9 – Como decorreu o choque do petróleo?
10 – Efetue uma avaliação do II PND?
UNIDADE 2.2 - DÉCADA PERDIDA – 6 horas
o Título da Unidade – A década Perdida
o Objetivo da Unidade – Cenário econômico internacional e os impactos na economia nacional
o Conteúdo da Unidade – Milagre Econômicoo Material disponível - Apostilao Atividades Previstas – Aulas e Exercícios
Em 1979, assumiu a presidência o general João Baptista de Figueiredo e para o
Ministério do Planejamento, foi escolhido o economista ortodoxo Mário Henrique
Simonsen. Nesse mesmo ano, houve o segundo choque do petróleo e com isso um
aumento nas taxas de juros dos países centrais.
Esse aumento nos juros fez aumentar os encargos da dívida externa e
consequentemente necessidade por divisas, demandando um ajuste na economia.
Simonsen optou por uma política recessiva para enfrentar a crise internacional. A lógica
era reduzir o nível de atividade econômica para com isso reduzir importações e
consequentemente a demanda por divisas.
A adoção de uma política recessiva, porém, sempre gera muitos opositores.
Convém lembrar que os anos mais terríveis da repressão militar já haviam passado e que
o país caminhava para a redemocratização.
Nesse ambiente de relativa liberdade, a pressão de alguns segmentos da
sociedade por uma mudança na política econômica fez com que Simonsen fosse
substituído, ainda em 1979, pelo desenvolvimentista Delfim Netto. A missão do ex-
ministro era a de reeditar o milagre, porém, agora, com um cenário externo totalmente
adverso.
Delfim Netto adotou uma política econômica expansiva e inicialmente consegue
bons resultados. O crescimento econômico em 1980 foi de 9,1%. Porém desequilíbrios
no balanço de pagamentos e aceleração inflacionária, que chegou a 110,2% naquele
ano, obrigaram Delfim a mudar sua política. A partir de 1981, o festejado ex-ministro
passou a ser simplesmente o administrador de uma crise.
1. A DÉCADA PERDIDA
Os economistas costumam se referir aos anos 1980 como “década perdida”.
Nesse período, a economia brasileira foi marcada por um misto de estagnação
econômica e inflação alta. Até os anos 1970, essa soma de inflação mais recessão era
algo praticamente desconhecido dentro da teoria econômica.
Normalmente, quando há recessão econômica, os preços não costumam
aumentar. Nos anos 1970, após o primeiro choque do petróleo, a economia mundial
começou a apresentar sinais de desaquecimento acompanhado de aumento de preços.
Essa mistura insólita passou a ser chamada de “estagflação”.
Em meio à crise mundial gerada pelo primeiro choque do petróleo (1973), o
governo militar, através do II PND, resolveu aprofundar o processo de industrialização
por substituição de importações. Essa ousada e controversa opção pelo crescimento
econômico em meio a uma crise mundial é muito discutida até hoje. Nesse período, os
economistas ortodoxos já defendiam a ideia de que a melhor alternativa para o país seria
um ajuste recessivo.
Em 1979, como acabamos de ver, Simonsen tentou implementar uma política
econômica contencionista, mas foi substituído pelo desenvolvimentista Delfim Netto.
Ou seja, nessa época havia no país uma forte pressão pela escolha de políticas
desenvolvimentistas. Vamos tentar entender um pouco melhor essa questão.
Inicialmente é preciso enfatizar que os economistas estão divididos em dois
grandes grupos ortodoxos e heterodoxos. O primeiro grupo está alinhado ao saber
econômico tradicional e aos grandes centros mundiais de estudo e pesquisa em
economia. No que diz respeito ao crescimento econômico, esse grupo ressalta a
importância do governo zelar pelos fundamentos macroeconômicos e entendem que o
crescimento é basicamente uma decorrência disso. Ou seja, ao governo cabe “deixar a
casa em ordem” e o crescimento depende da atuação do setor privado.
Os heterodoxos rejeitam a sabedoria convencional e criam suas próprias teorias.
De modo geral, esse grupo entende que o crescimento econômico é responsabilidade do
Estado e que este objetivo deve ser buscado a qualquer custo, mesmo que seja preciso
algum desequilíbrio nos fundamentos macroeconômicos em um primeiro momento.
Como você já deve ter observado, desde 1930, os economistas
desenvolvimentistas ou heterodoxos conseguiram impor suas ideias. O ajuste recessivo
somente seria experimentado no Brasil no final de 1980, frente a um desequilíbrio do
setor externo e à aceleração inflacionária.
2. O ENDIVIDAMENTO EXTERNO
A recessão dos anos 1980 está profundamente relacionada com a questão do
endividamento externo. Vejamos como tudo começou. A dependência financeira
externa do Brasil é um problema tão antigo quanto a história do próprio país. Porém,
iremos tratar apenas do aumento recente da dívida externa, que ocorre a partir de 1968,
durante o regime militar. Vamos começar nosso estudo pela análise do cenário externo
naquele período, marcado pelo surgimento do Euromercado.
Nos anos 1960, bancos de diferentes países, mas principalmente europeus,
passaram a aceitar depósitos em dólar. Havia uma oferta mundial de dólares muito
grande naquela época, decorrência principalmente dos déficits comerciais norte-
americanos financiados por emissões monetárias.
Você pode entender isso da seguinte maneira: os Estados Unidos estavam
consumindo mais do que produziam, consequentemente tinham de importar essa
diferença, e estavam financiando suas importações através de emissão monetária. Como
bancos de diferentes países passaram a aceitar depósitos em dólar, foi havendo um
aumento na disponibilidade de fundos a serem emprestados no mercado financeiro
internacional. Essa situação iria se acentuar ainda mais a partir de 1974, quando os
árabes começaram a despejar petrodólares nesse mesmo mercado.
Se de um lado existia uma enorme massa de recursos a serem emprestados,
numa outra ponta, havia muitos países em desenvolvimento necessitando de divisas
(moeda estrangeira) para financiar seus projetos de desenvolvimento. O resultado desse
encontro é bastante previsível. Vários países, entre eles o Brasil, entraram em um
processo de endividamento externo.
A dívida externa brasileira que começa a se acelerar a partir de 1968 era
predominantemente privada. Os principais tomadores de empréstimos eram empresas
multinacionais e bancos estrangeiros. A partir de 1975, com a implementação do II
PND, há uma inflexão desse quadro. O II PND foi financiado por recursos nacionais e
estrangeiros. A poupança interna foi direcionada ao setor privado nacional.
Por outro lado, as empresas estatais, por terem mais condições de levantar
recursos no exterior, uma vez que contavam com o aval do governo, foram praticamente
forçadas a se endividar no mercado financeiro internacional. A literatura que trata desse
tema costuma dizer que, a partir do II PND, houve uma estatização da dívida externa
brasileira.
3. CHOQUE DO PETRÓLEO E AUMENTO DE JUROS
Em 1973, tivemos o primeiro choque do petróleo. O preço do barril passou de
US$ 3,29 em 1973 para US$ 11,58 em 1974, subindo gradualmente até US$ 13,60 em
1978. Esse foi um importante fato que contribuiu para o aumento do endividamento
externo brasileiro, uma vez que o país não podia abrir mão desse insumo.
O aumento no preço do petróleo começou a gerar inflação em praticamente
todos os países do mundo. Em 1974, houve um principio de aumento na taxa
internacional de juros. Porém, já em 1975, os juros retornaram ao seu nível normal.
A situação ficou mais complicada com o segundo choque do petróleo, em 1979.
Nessa ocasião, o preço do barril aumentou de US$ 13,60 para US$ 30,03, atingindo
US$ 35,69, em 1980. Novamente o aumento de preço do petróleo começou a gerar
pressões inflacionárias, fazendo com que os países centrais começassem a aumentar
suas taxas de juros.
Os credores internacionais apoiados pelos seus respectivos governos e também
pelo FMI, passam a exigir dos países endividados um ajuste externo para honrar o
pagamento da dívida. No mesmo ano da moratória do México, o Brasil recorre ao FMI.
Apesar do aumento do preço do petróleo (segundo choque) e das taxas de juros
no mercado internacional ter acontecido a partir de 1979, o ajuste externo brasileiro
somente viria a ser posto em prática no final de 1980, através de uma política de
controle da absorção interna visando reduzir a necessidade de divisas.
A partir de 1983, o Brasil começa a apresentar significativos superávits
comerciais para poder pagar os serviços da dívida. Inicia-se então um processo de
transferência líquida de recursos para o exterior. Em suma, as divisas geradas pelo setor
exportador eram na sua maior parte direcionadas para o pagamento da dívida externa
brasileira.
Resumindo: de forma geral, entende-se a crise da década de 1980 foi uma
decorrência do ajuste recessivo promovido pelo governo visando honrar o pagamento
dos encargos da dívida externa.
4. SÍNTESE
Você aprendeu na aula de hoje que o Brasil entrou em um processo de
endividamento externo a partir do final dos anos 1960. Essa opção pela poupança
externa estava relacionada ao surgimento do Euromercado. O choque do petróleo e o
aumento das taxas internacionais de juros durante os anos 1970 e 1980 geraram a crise
do endividamento externo no Terceiro Mundo. Muitos países, entre eles o Brasil, foram
forçados a por em prática um ajuste recessivo para poder saldar os encargos da dívida.
Por conta desse ajuste, a economia brasileira teve um crescimento pífio durante a
década de 1980, que recebeu a alcunha de “década perdida”.
UNIDADE 2.2
1 - Em 1979, no governo de Figueiredo, houve o segundo choque do petróleo
e com isso um aumento nas taxas de juros dos países centrais. Em que este
aumento das taxas de juros impactou a economia brasileira?
2 - A adoção de uma política recessiva, gerou gera muitos opositores. Nesse
ambiente de relativa liberdade, a pressão de alguns segmentos da sociedade por
uma mudança na política econômica fez com que Simonsen fosse substituído, ainda
em 1979, pelo desenvolvimentista Delfim Netto. Quais ações tomadas por Delfim
Netto e as reações destas?.
3 – Porque os economistas costumam se referir aos anos 1980 como “década
perdida”?
4 - Em meio à crise mundial gerada pelo primeiro choque do petróleo
(1973), o governo militar, através do II PND, resolveu aprofundar o processo de
industrialização por substituição de importações. Quais eram as pressões sociais
desta época? Explique-a?
5 – Qual a diferença entre os grupos de economistas heterodoxos e
ortodoxos?
6 - A recessão dos anos 1980 está profundamente relacionada com a questão
do endividamento externo. Discorra sobre este processo de endividamento?
7 - Em 1973, tivemos o primeiro choque do petróleo. O preço do barril
passou de US$ 3,29 em 1973 para US$ 11,58 em 1974, subindo gradualmente até
US$ 13,60 em 1978. Qual a relação destes choques do petróleo com a inflação
desencadeada a nível global?
8 – Qual o impacto do choque do petróleo sobre o endividamento externo
brasileiro?
9 – Quais ações foram tomadas pelos credores internacionais, em vista do
risco de crédito?
10 – Como o Brasil inicia o processo de pagamento da dívida externa, e de
onde vem os recursos para este pagamento?
CAPÍTULO 3
ECONOMIA BRASILEIRA – PARTE 3 – ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA - 12 horas
UNIDADE 3.1 - PLANO REAL – 6 horas
o Título da Unidade – Plano Realo Objetivo da Unidade – Entender as bases do sucesso da estabilização econômicao Conteúdo da Unidade – Plano Real
o Material disponível - Apostilao Atividades Previstas – Aulas e Exercícios
O Plano Real foi idealizado por um conjunto de economistas, em sua maioria
oriundos da PUC do Rio de Janeiro, entre os quais podemos citar: Pérsio Arida, André
Lara Rezende, Edmar Bacha e Gustavo Franco. O Plano foi implementado pelo
Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, e
executado em três etapas distintas:
• Fase 1: Lançamento do Programa de Ação Imediata (PAI), em 14 de
junho de 1993, com objetivo de promover um ajuste fiscal. Como você já sabe,
de acordo com a visão tradicional, a inflação deve ser combatida mediante
redução do déficit público. Portanto, podemos concluir que o Plano Real
continha um pouco de ortodoxia, um conjunto de medidas (redução dos gastos
do governo, combate à sonegação, privatizações etc.) a serem adotadas nessa
primeira fase.
• Fase 2: introdução da URV (Unidade Real de Valor), em 27 de maio
de 1994. Essa era a parte heterodoxa do Plano: combater a inflação por meio de
uma moeda indexada. O cruzeiro real, introduzido em 1993, desvalorizava-se
diariamente, comprometendo sua função de unidade de conta. Para solucionar
esse problema, o Banco Central passou a divulgar, diariamente, a cotação da
URV que, além de servir como unidade de conta, era também utilizada na
correção de preços, salários e contratos, ou seja, o governo, com a introdução
da URV, produziu uma superindexação na economia.
• Fase 3: transformação da URV na nova moeda, o real. A população
ainda não havia percebido, mas a transição de uma moeda para outra já tinha
sido feita com a criação da URV. Bastava, apenas, substituir a URV pelo real, o
que foi feito em 1º de julho de 1994.
1. A Política Monetária Do Real
Uma das primeiras medidas adotadas logo do início do Plano foi o aumento da
taxa de juros. O objetivo era evitar uma “explosão de consumo”, como ocorrera durante
o Plano Cruzado. Quando a inflação reduz abruptamente, há uma tendência de aumento
da demanda. São várias as razões que levam a isso.
Primeiramente, podemos dizer que a redução da inflação tem um forte efeito
redistribuidor de renda em favor dos mais pobres, gerando mais consumo. Existe,
também, uma tendência de as pessoas interpretarem erroneamente que as aplicações
financeiras se tornaram menos rentáveis e passarem a consumir mais.
Esse aumento nos juros, porém, não conseguiu segurar o consumo das famílias -
o que demonstra que a demanda, no Brasil, é pouco sensível a variações de juros. É
aquela antiga história da pessoa que, ao comprar um bem a prazo, olha somente o valor
da prestação e analisa se tem ou não condições de pagar, sem dar importância ao total
de juros cobrados.
No que diz respeito a essa relação entre juros e consumo, há, ainda, mais uma
observação a ser feita. Quando a inflação é muito elevada, o comerciante não tem como
financiar a venda de uma mercadoria em prestações fixas. Essa incerteza em relação ao
valor a ser pago afugenta os consumidores. Quando a inflação cai a um patamar
razoável, esse financiamento em prestações fixas torna-se possível, gerando aumento de
demanda. No caso do Plano Real, o aumento dos juros não foi suficiente para conter
esse excesso de consumo.
2. Valorização Do Câmbio
Além de elevar a taxa de juros, o governo produziu uma valorização da moeda
nacional para ajudar a conter a inflação. Vamos entender como isso acontece. Antes de
tudo, você deve saber que uma valorização cambial ocorre quando a moeda nacional
passa a valer mais em relação à moeda estrangeira (são necessários menos reais por
dólar). Com a valorização cambial, as importações ficam mais baratas, o país importa
mais, gera mais concorrência interna, supre o aumento da demanda e tudo isso
conjugado ajuda a manter os preços estáveis e a inflação sob controle.
Todavia, essa “âncora cambial” tem seus limites. A valorização do câmbio ajuda
a controlar os preços de alguns bens, mas não de todos, pois nem todos os bens são
comercializáveis no mercado internacional.
Existe uma terminologia em inglês para fazer essa diferenciação. Os bens
comercializáveis internacionalmente são chamados de tradeables e os não
comercializáveis, non tradeables. Por exemplo, os serviços, de um modo geral, são non
tradeables. Você não pode importar cortes de cabelo ou aulas de ginástica, correto? Ou
seja, mesmo com a valorização cambial, alguns preços ficavam “desancorados”.
Havia outro problema, tudo tem um custo, certo? Para controlar os preços, o país
teve de aumentar importações, mas, para importar mais, o país necessita de mais
divisas. Logo, uma valorização do câmbio pode gerar desequilíbrio nas contas externas.
Para evitar uma crise cambial, o governo brasileiro se preparou antes do lançamento do
Plano, reforçando as reservas cambiais. Em suma, o governo aproveitou a grande
liquidez no mercado internacional, lançou títulos e acumulou, previamente, quase US$
40 bilhões em reservas. Convém, aqui, relembrar algo importante. Nós discutimos, na
nossa aula 5, que, com a crise da dívida externa do terceiro-mundo e a moratória do
México, em 1982, houve um estancamento no fluxo de capitais para os países em
desenvolvimento.
Se isso é verdade, como o Brasil conseguiu acumular esses quase US$ 40
bilhões em reservas? A resposta é muito simples. No final da década de 1980, o auge da
crise do endividamento externo já havia passado. Em parte, isso ocorreu devido ao
esforço dos países endividados em honrar os pagamentos, mas também por causa de um
conjunto de negociações entre devedores e credores que culminou no perdão de parte da
dívida. Em 1991, o Brasil já estava captando, novamente, recursos no exterior.
3. A Vulnerabilidade Externa
Apesar das dificuldades, o governo conseguia controlar os preços e manter a
inflação sob controle. Porém, um outro problema começava a aparecer: o descontrole
das contas externas. Os déficits na balança comercial estavam sendo financiados pela
entrada de recursos externos, sobretudo capitais especulativos de curto prazo. O grande
problema é que esses capitais são extremamente voláteis e podem deixar o país a
qualquer instante, gerando uma crise cambial. Havia um claro problema de
vulnerabilidade externa. O país, para equilibrar suas contas, dependia da entrada de
capitais estrangeiros. Uma mudança na percepção do mercado internacional em relação
ao país poderia gerar uma crise.
A saída mais lógica para o problema parecia ser uma desvalorização do real.
Todavia, o governo relutava em implementar tal mudança, pois acreditava que isso
traria de volta o problema da inflação. A princípio, o governo tentou manter o câmbio
valorizado por meio de uma política monetária super-restritiva. A lógica era simples. Os
juros elevados ajudariam a conter a demanda, o que ajudava a conter a elevação de
preços e o desequilíbrio nas contas externas.
Essa política de juros elevados tinha um enorme custo. Primeiro, porque era
extremamente recessiva e gerava desemprego. Em segundo lugar, porque aumentava o
montante da dívida pública e, finalmente, porque criava transtornos para o setor
bancário. Os juros altos, somados à recessão econômica, aumentaram os níveis de
inadimplência dos bancos. Havia a ameaça de quebra de vários bancos, a qual foi
evitada mediante a implementação, em 1996, de um programa de ajuda do governo aos
bancos privados, o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento
do Sistema Financeiro Nacional).
A situação tornou-se ainda mais delicada a partir de 1997, com a crise da Ásia e,
em 1998, com a crise da Rússia. Os credores internacionais desconfiavam dos
fundamentos da economia brasileira e passaram a retirar recursos do país. O governo
viu-se obrigado a “queimar” parte de suas reservas para poder manter o câmbio
valorizado.
Quando a situação chegou ao seu limite, o Brasil teve de recorrer ao FMI, que
concedeu um empréstimo de US$ 41,5 bilhões. A ajuda, no entanto, não foi suficiente
para sustentar a taxa de câmbio e, em janeiro de 1999, o governo foi obrigado a
desvalorizar o real. Felizmente, a desvalorização não trouxe o tão temido retorno da
inflação.
4. O Balanço De Pagamentos
Como já foi dito, esse desequilíbrio era financiado pela entrada de recursos
externos. Observe que, à medida que os déficits em transações correntes eram cada vez
maiores, o mesmo acontecia com o superávit na conta movimentação de capitais. Em
suma, a vulnerabilidade externa da economia brasileira se revelava por meio dessa
necessidade de recursos externos para poder se manter em equilíbrio.
5. Síntese
Você aprendeu que o Plano Real foi executado em três etapas distintas. A
primeira delas consistia em um ajuste das contas públicas. Posteriormente, o governo
lançou a URV, que era uma forma de gerar uma indexação total na economia. A terceira
fase do Plano foi o lançamento da nova moeda, o real. Para garantir o sucesso do Plano,
o governo lançou mão de uma política baseada em juros elevados e câmbio valorizado.
Essa política gerava déficits na balança comercial, que eram financiados pela
conta movimentação de capitais. Para manter as contas externas em equilíbrio, o país
dependia da entrada de capitais estrangeiros - o que gerava um problema de
vulnerabilidade externa. Para sanar esse problema, o governo poderia desvalorizar o
câmbio, mas havia o temor de que isso trouxesse de volta o descontrole inflacionário.
As crises da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998, deixaram a economia
brasileira em uma situação ainda mais difícil. Em janeiro de 1999, o Brasil abandonou o
câmbio fixo e deixou o real se desvalorizar em relação ao dólar.
UNIDADE 3.1
1 - O Plano Real foi idealizado por um conjunto de economistas, em sua
maioria oriundos da PUC do Rio de Janeiro, e implementado pelo Ministro da
Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, e executado em
três etapas distintas. Quais foram estas?
2 - Uma das primeiras medidas adotadas logo do início do Plano foi o
aumento da taxa de juros. Qual a intenção desta medida?
3 – Porque este aumento da taxa de juros não freou o consumo das
famílias?
4 - Além de elevar a taxa de juros, o governo produziu uma valorização da
moeda nacional para ajudar a conter a inflação. Qual a intenção desta medida
econômica?
5 – Quais os limites desta âncora cambial?
6 – Qual o dilema entre as importações e o câmbio fixo?
7 - Apesar das dificuldades cambiais, o governo conseguia controlar os
preços e manter a inflação sob controle. No entanto, um outro problema começava
a aparecer: o descontrole das contas externas. Qual o impacto destas?
8 – Quais os custos da política de juros elevados?
9 – Porque a situação agravou-se com a crise de 1997, na Ásia e, em 1998,
na crise da Rússia?
10 – Quando houve o rompimento da política cambial brasileira?UNIDADE 3.2 - GOVERNO LULA – 6 horas
o Título da Unidade – Governo Lulao Objetivo da Unidade – Compreender a transição econômica do Brasil no governo Lulao Conteúdo da Unidade – Governo Lulao Material disponível - Apostilao Atividades Previstas – Aulas e Exercícios
Em seu primeiro pronunciamento como presidente eleito do Brasil, feito no dia
28 de outubro de 20021, Lula iniciou sua fala da seguinte forma: “ontem o Brasil votou
para mudar, sendo que nossa vitória significou a escolha de um projeto alternativo e o
início de um novo ciclo histórico para o país. A maioria da sociedade brasileira votou
pela adoção de outro modelo econômico e social, capaz de assegurar a retomada do
crescimento econômico, do desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de
renda”.
Obviamente que esse discurso fazia referência à crise em que a economia
brasileira se encontrava mergulhada nos últimos anos do governo FHC, o qual
assumidamente adotou um conjunto de políticas “ortodoxas” sempre com o pretexto de
manter a estabilidade macroeconômica. Parte dessas políticas, por mais que tenham
atingido seu principal objetivo – o do controle inflacionário – geraram fortes
contradições internas, destacando-se o baixo crescimento do PIB, a elevação do
desemprego e a expansão da exclusão social, fatores agravadores de instabilidades
econômicas e políticas.
O discurso do presidente eleito contradiz, em parte, a famosa “Carta aos
Brasileiros” emitida pelo mesmo LULA meses antes das eleições, momento em que
assumia o compromisso com as elites financeiras nacionais e internacionais de manter
os contratos, cumprir as regras do jogo e dar continuidade à política macroeconômica de
controle inflacionário do governo anterior baseada no regime de metas inflacionárias e
de geração de superávits primários, ou seja, dar seqüência ao que estava sendo feito e
propor algumas reformas que não haviam sido encaminhadas pelo governo FHC.
Esse aspecto ficou mais evidente ainda no discurso de Lula no dia 10.12.2002 no
Clube de Imprensa dos EUA (Washington). Dizia o presidente eleito: “meu governo vai
se pautar pela responsabilidade fiscal, pelo combate à inflação e pelo respeito aos
contratos e acordos....precisamos de uma atitude construtiva por parte da chamada
comunidade financeira internacional... estejam certos de que todas as instituições e
empresas responsáveis encontrarão no Brasil um ambiente seguro e estável para
investir.” Era tudo o que o sistema financeiro internacional queria ouvir!
Portanto, qualquer discussão sobre a política econômica durante o governo Lula
não pode deixar de considerar esses aspectos que são determinantes nos instrumentos
adotados já no início do novo governo. Isso não significa dizer que a política adotada
foi uma mera continuidade do regime anterior. É exatamente esse percurso que o
presente texto pretende desenvolver, ou seja, apontar como o caminho inicialmente
delineado foi sendo implementado, com o objetivo de observar a existência de
elementos de continuidade e de rupturas em relação ao governo anterior. E nada melhor
para isso do que analisar o comportamento de um conjunto de variáveis
macroeconômicas.
O “Plano Real” implantado em julho de 1994 contém o suporte básico de toda
política macroeconômica adotada pelo governo FHC no período entre 1995 e 2002.
Devido à restrição de espaço não vamos discutir aqui o conjunto de medidas que fazem
parte do referido plano. Apenas vamos detalhar os principais aspectos que dizem
respeito ao processo de continuidades com o qual a carta de Lula anteriormente
mencionada faz referências, bem como alguns resultados do desempenho
macroeconômico das políticas adotadas, que mergulharam o país numa grave crise
econômica, particularmente nos dois anos que antecederam às eleições gerais de 2002.
Na esfera econômica buscou-se recuperar o crescimento econômico através da
adoção de um cardápio de políticas de ajuste estrutural ancorado em quatro pilares
básicos: na desregulamentação bancária e financeira; na liberalização comercial, com
ampla abertura da economia do país aos produtos e bens do exterior; na estabilização
dos preços, via política cambial fixa; e na redução da participação do Estado na
economia, através de um vultoso programa de privatização de empresas estatais.
Essas políticas se mostraram adequadas aos seus propósitos até 1997 quando
uma nova crise se instaurou tendo como epicentro os países asiáticos. Neste caso,
observaram-se fortes movimentos especulativos em várias praças financeiras,
culminando em fuga de capitais, particularmente nos países em desenvolvimento. Este
fato abalou os mercados globais e afetou negativamente o cenário internacional
favorável do início da década de 1990.
Desta forma, os ataques especulativos contra as moedas locais forçaram a
adoção, por parte de vários países, de uma política cambial flexível. Assim, Brasil
(1999), Chile (1999), Rússia (1998) e Argentina (2001) flexibilizaram o câmbio visando
evitar retração do crescimento e fuga dos investidores externos, bem como
desequilíbrios no Balanço de Pagamentos.
Particularmente no Brasil, em janeiro de 1999 troca-se o modelo de câmbio fixo
pelo regime flutuante, além de serem adotadas as metas de superávit primário para a
esfera fiscal, como forma de afastar temores sobre a capacidade do país de honrar seus
compromissos e, ao mesmo tempo, garantir a continuidade dos investimentos externos
necessários à retomada do crescimento econômico.
Uma das principais conseqüências dessa política macroeconômica adotada
durante todo governo FHC é que o Estado brasileiro passou a ficar refém do capital
especulativo nacional e internacional, o qual se alimentava com as elevadas taxas de
juros (as maiores do mundo) praticadas pelo país. Com isso, essa opção política acabou
gerando as condições necessárias para que ocorresse uma hegemonia do capital
financeiro sobre a economia brasileira.
Dentre os principais problemas desse período destacam-se: desequilíbrios das
contas governamentais (no período entre 1994-2002 houve uma inversão da ordem de
US$ 17 bilhões na balança comercial, registrando um déficit anual médio superior a
US$ 2 bilhões e provocando um déficit anual médio ao redor de US$ 25 bilhões, tota-
lizando um acumulado nos oito anos de cerca de US$ 200 bilhões); elevação enorme
das dívidas interna (no período FHC passou de R$ 70 bilhões para R$ 892 bilhões) e
externa (atingiu R$ 250 bilhões no ano de 2002) devido ao elevado peso do pagamento
dos juros (custo médio anual de R$ 100 bilhões); dívida líquida do setor público
(cresceu de 30,4% do PIB em 1994 para 58,6% em 2002); baixíssimo crescimento do
PIB; elevação do desemprego (cresceu de 4,8% em 1994 para 8,3% em 2002); redução
do poder de compra do salário mínimo (caiu de US$ 110 em 1995 para US$ 80 em
2002).
Foi neste contexto que Lula venceu as eleições em 2002, com a promessa de
implantar um “novo modelo de desenvolvimento” para o país. Para atingir tal objetivo,
desde o início, o novo governo teve que lidar com um duplo desafio: por um lado,
reconstruir o caminho herdado pelas amarras da “onda neoliberal” e, por outro, conviver
com uma situação de instabilidade e vulnerabilidade provocada pela expansão sem
limites do capital financeiro.
1. A POLÍTICA ECONÔMICA DURANTE O
GOVERNO LULA
Por englobar um período relativamente longo (oito anos), este texto não se
deterá sobre detalhes específicos de uma determinada fase, especialmente nos
momentos de crise quando instrumentos de política macroeconômica são revistos. A
idéia geral aqui é apresentar a linha mestra da política econômica do governo Lula e, na
seqüência, discutir alguns de seus principais resultados.
2. ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS ADOTADAS
De uma maneira geral, pode-se dizer que a estratégia e, consequentemente as
políticas econômicas adotadas, está atrelada à dinâmica de cada um dos dois mandatos
do governo Lula. E este fato não deixa de guardar relações com as próprias equipes que
comandaram a área econômica do governo. Assim, deve-se lembrar de que durante o
primeiro mandato, além do Banco Central (BC), outros importantes setores da estrutura
governamental estavam ocupados por pessoas-chave fortemente atreladas aos princípios
ortodoxos convencionais. Nesse caso, destaca-se a própria Secretaria de Política
Econômica do Ministério da Fazenda, a quem cabia orientar as grandes linhas políticas
do governo na área econômica.
Esta composição, não esqueçamos, tinha como comandante chefe o Ministro da
Fazenda, Antônio Palocci, que havia coordenado à campanha eleitoral de Lula e
articulado junto aos setores financeiro e empresarial a carta de compromissos antes
mencionada. Este, ao ser questionado após as primeiras medidas anunciadas, justificou-
se da seguinte maneira: “o governo não pode fazer um “cavalo-de-pau” em um
transatlântico em movimento”, o que sugeria que não seria feita nenhuma manobra na
rota da política econômica em curso.
Este fato se concretizou ainda no primeiro ano do primeiro mandato do governo
Lula com o lançamento do documento produzido pela Secretaria de Política Econômica
do Ministério da Fazenda intitulado “Política Econômica e Reformas Estruturais”. Nele
assume-se que o melhor caminho para a retomada do crescimento econômico seria
aprofundar as linhas mestras da política anterior, fazendo pequenos ajustes e dando
maior consistência a mesma. Além disso, reivindicava-se que esses aspectos deveriam
ser prioridade na agenda econômica do país.
Com isso, fica evidente que a política econômica no início do governo Lula não
é somente uma continuidade como também uma tentativa de aprofundar o uso dos
mecanismos ortodoxos oriundos da filosofia macroeconômica neoliberal, a qual
encontra guarida no Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, bem como na
própria Federação dos Bancos Brasileiros (Febraban), entidades que clamavam por
“reformas institucionais” durante as crises ocorridas entre os anos de 1999 e 2002.
Não esquecendo o clamor dessas organizações, no primeiro momento o governo
aposta todas as suas fichas em três reformas: da previdência, tributária e monetária,
particularmente na definição da autonomia do Banco Central. Nesse caso, não se deve
esquecer também que todas essas propostas faziam parte da carta de compromissos do
governo FHC com o FMI assinada em Agosto de 2002 (auge da crise), a qual foi
renovada pelo Governo Lula em Fevereiro de 2003. Assim, fica mais fácil de entender
porque o transatlântico não podia mudar de rota, segundo a concepção palocciana.
A reforma previdenciária, visando atender aos ditames dos organismos
multilaterais, previa uma “desresponsabilização” do Estado em relação ao
funcionalismo público, abrindo espaço para os planos de previdência privada.
Neste sentido, essa proposta era claramente excludente e sem qualquer
possibilidade de equacionar a sustentabilidade financeira do sistema de previdência
social no longo prazo. Registre-se que essa proposta foi parcialmente aprovada, sendo
que ao longo de todo o período do governo Lula o assunto não foi solucionado
adequadamente.
Já a proposta de reforma tributária estava contaminada pelo argumento
neoliberal da necessidade da “desoneração da produção”, o qual esconde o verdadeiro
problema: a manutenção de estruturas tributárias desiguais. Este é o discurso dominante
no seio do grande empresariado nacional, explicitado por diversas organizações. Mas
essa questão também diz respeito ao ideário da racionalização dos gastos
governamentais e a geração de grandes superávits comerciais e fiscais. Acreditava-se,
com isso, que melhorias na capacidade de gasto do governo seriam essenciais para
recuperar a confiança junto aos investidores internos e, sobretudo, externos.
Finalmente, a questão da independência do BC foi colocada no centro da agenda
da reforma monetária. Como restou ao programa de estabilidade apenas o manuseio das
taxas de juros, optou-se por dar autonomia (antiga reivindicação dos mercados
financeiros) ao Banco Central para arbitrar o controle inflacionário do país. Com isso,
transfere-se à autoridade monetária o poder de definir “as metas de inflação” e a
consequente taxa de juros, bem como definir a taxa de câmbio.
Desta forma, nota-se que o ideário da independência do BC – que na prática
significa atrelá-lo aos interesses das forças de mercado – retirou do conjunto do governo
e, particularmente, do Presidente da República, o poder de definir soberanamente os
destinos da política econômica do país. E isso ficou evidente em várias passagens
quando o presidente desejava uma redução das taxas de juros, mas o Banco Central a
elevava. Essas contradições serão mais bem visualizadas quando analisarmos o
comportamento das taxas de juros em todo período considerado.
Parte desta estratégia de política econômica começou a mudar a partir de 2005-
2006, quando o ministro Palocci e alguns de seus principais auxiliares de convicções
mais ortodoxas deixaram a equipe econômica do governo Lula, ganhando maior
consistência em 2007 com a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). Agora sob o comando de uma equipe econômica mais identificada com o
crescimento da demanda interna e aproveitando as condições internas e externas
favoráveis, adotaram-se alguns instrumentos de política econômica mais flexíveis no
sentido de impulsionar o consumo, ainda que as principais linhas básicas da política do
período anterior permanecessem em voga.
Com isso, nota-se que se inicia uma lenta recuperação da capacidade estatal de
interferir na dinâmica econômica, particularmente no que diz respeito aos
investimentos. Trata-se, portanto, de uma tentativa de política econômica de retomar o
ideário do desenvolvimento, porém sem quebrar o processo de acumulação de capital a
partir da lógica das “finanças”.
A manutenção também neste período de taxas de juros em patamares elevados
comparativamente ao mercado global é apenas mais um indicativo que a política de
crescimento econômico que poderia levar à conformação de um modelo de
desenvolvimento sustentado ainda não está no centro da estratégia global do país, uma
vez que continua refém dos interesses do sistema financeiro.
Em síntese, podemos dividir a política econômica do governo Lula em duas
fases. A primeira delas, que cobre praticamente todo primeiro mandato (2003-2006), é
marcada pelo aprofundamento da agenda neoliberal, dando a essas políticas um caráter
ortodoxo conservador. A segunda fase, que denominaremos de liberal-
desenvolvimentista e que cobre todo segundo mandato (2007-2010), é marcada por uma
intervenção mais forte do Estado na economia, recuperando sua capacidade de
investimento, além de orientar os investimentos privados no sentido de ampliar a
infraestrutura básica do país. Mesmo assim, o comando da política econômica ainda
continuou refém do mercado financeiro. Para isso, em muito contribuiu a ação do BC
que, ao invés de atuar decisivamente na implantação de uma estratégia consistente e
sustentável de autodefesa dos interesses do país, permaneceu refém dos interesses do
mercado financeiro nacional e internacional.
3. ALGUNS INDICADORES DE DESEMPENHO DA
POLÍTICA ECONÔMICA NO PERÍODO
Levando-se em consideração as características da política econômica,
anteriormente mencionadas, torna-se necessário lançar luz sobre uma relevante questão:
se a estratégia do governo Lula, particularmente no primeiro período, seguiu a linha
mestra da política econômica do governo anterior, o que explicaria então o ciclo
expansivo que se observou após 2003?
Uma das explicações consistentes para esse fenômeno está conectada aos
movimentos da economia global, ou seja, explica-se o fato pela ótica externa da
economia, com implicações diretas sobre a dinâmica interna do país. Assim, verifica-se
que entre 2003 e meados de 2008 ocorreu uma conjuntura internacional amplamente
favorável, tanto em termos de transações comerciais como em relação ao fluxo de
investimentos e disponibilidade de crédito.
Grande parte desse movimento esteve condicionado pelo processo de expansão
das duas maiores economias mundiais, EUA e China, destacando-se o forte crescimento
da economia chinesa. Com uma demanda em expansão, a China ampliou enormemente
suas taxas de investimento, transformando-se no país com as maiores taxas de
crescimento do PIB. Para isso, passou a demandar mais commodities no mercado
internacional, especialmente as de origem agroindustrial. Com isso, desencadeou-se um
processo correlato sobre os preços desses produtos, que entraram em rota ascendente e
favoreceram os países com participação neste mercado específico.
O Brasil, particularmente, se aproveitou desse momento de expansão da
economia mundial e conseguiu obter saldos expressivos na balança comercial em todo o
período, processo este puxado mais pela elevação dos preços do que pela expansão do
quantum exportado. De qualquer forma, os resultados mostravam um saldo comercial
favorável da ordem de R$ 24 bilhões em 2003, o qual passou para mais de R$ 46
bilhões em 2007. Com a crise de 2008 e 2009 houve uma forte retração desses saldos,
conforme gráfico I. De qualquer forma, esse foi o fator determinante para o equilíbrio
externo da economia brasileira.
Em grande medida, essa ampliação das exportações ocorreu através do aumento
das commodities agroindustriais no quantum exportador, destacando-se a soja, carnes,
açúcar, suco de laranja, etc. Isso reposicionou internamente, inclusive, o setor do
agronegócio, que acabou tendo um papel de destaque no Governo Lula. Assim, pode-se
dizer que o aumento das exportações, além de gerar os dólares necessários ao ajuste das
contas externas, transformou-se em uma fonte de crescimento da produção e do
emprego doméstico em diversos setores de atividade.
Todavia, sabemos que esta estratégia apresenta sérias limitações,
particularmente em períodos de crises econômicas, como a que se abateu sobre a
economia mundial a partir de 2008. Neste caso, países que apresentam baixo grau de
competitividade e que têm suas pautas de exportações baseadas em commodities com
pouco valor agregado, como foi o caso brasileiro, são os mais afetados. Assim, quando
os termos de troca tornam-se desfavoráveis a essa pauta de exportações, os efeitos sobre
a balança comercial passam a ser imediatos. Esse aspecto já está presente na balança
comercial do país a partir de 2009.
Esse movimento das exportações até 2008 atuou decisivamente no sentido de
elevar as reservas internacionais e, com isso, permitir um ajuste externo da economia
brasileira, com a dívida externa do setor público sendo zerada ainda no ano de 2007, ou
seja, de uma taxa dessa dívida de quase 15% do PIB em 2003, atingiu-se um saldo
positivo recentemente, com o Brasil emprestando, inclusive, recursos ao próprio FMI
nos anos de 2008 e 2009.
Mas esse processo de ajuste também está relacionado à estratégia interna que
durante todo o governo Lula esteve voltada ao controle inflacionário, uma vez que esse
governo entendia ser esta a principal premissa para a governabilidade. Esse controle
inflacionário foi obtido através de um ajuste fiscal rigoroso, principalmente no primeiro
mandato, e de manuseio consistente da taxa de juros, ambos instrumentos de política
econômica com efeitos sobre a dinâmica interna da economia brasileira.
Do ponto de vista fiscal, as negociações do Governo Lula com o FMI (início de
2003) resultaram em elevações das metas do superávit primário. Com isso, a meta de
inflação, que em 2002 era de 3,5%, passou para 4% em 2003 e 5,5% em 2004,
retornando ao patamar de 4,5% a partir de 2005. Esses ajustes se devem ao fato de que o
governo não estava conseguindo cumprir as metas, situação já iniciada ainda em 2001.
Ou seja, entre 2001 e 2004 o regime de metas inflacionárias não correspondeu aos
acordos com autoridades monetárias internacionais.
Paralelamente ao arrocho fiscal, via metas elevadas de superávit primário, o
sucesso no controle inflacionário também pode ser creditado ao controle de preços
exercido pela política monetária, cuja variável de ajuste se resumiu a taxa de juros.
Essas taxas de juros foram expansivas durante praticamente todo primeiro mandato do
Governo Lula, sofrendo uma inflexão a partir de 2006 para novamente se tornar
ascendente a partir da crise financeira de 2008-2009.
A taxa básica de juros da economia brasileira, a taxa SELIC, é fixada pelo
Comitê de Política Monetária (COPOM), órgão do Banco Central. Essa taxa definida
pela autoridade monetária é crucial, uma vez que a partir dela são definidas outras taxas
de juros relativas aos diversos tipos de financiamento (consumo interno e
endividamento das famílias) e de operações financeiras (aplicações em atividades
produtivas ou em ativos financeiros). Essa taxa mantém também uma relação com as
contas externas do país: resultados deficitários em transações correntes são
normalmente revertidos com a elevação dos juros, visando atrair capitais, processo este
controverso, uma vez que capitais de curto prazo podem acabar agravando o déficit
devido à volatilidade dos mesmos.
Nesta lógica, nota-se que durante todo o período do governo Lula essa taxa
alternou diferentes movimentos. Entre 2003 e 2005 manteve uma trajetória crescente
atingindo 18% no final do último ano. Esse movimento acelerado taxa de juros está
associado ao processo de expansão da economia que gerava pressões de preços. Para
manter esses preços dentro do regime de metas, a política de juros passou a ser
extremamente rígida.
Como resultado, foram gerados efeitos negativos sobre as atividades
econômicas. Além disso, verifica-se que, entre 2006 e 2007, houve uma redução
expressiva, com as taxas se situando no patamar de 11%, para no ano seguinte se elevar
para 13,75%. Aqui, novamente o movimento de preços, associado à necessidade de
ajustes externos, fez com que as autoridades monetárias mantivessem a taxa básica em
patamares elevados.
Como os efeitos da crise global afetaram o desempenho do lado real da
economia a partir do segundo semestre de 2008, a taxa Selic entrou em uma rota
descendente em 2009, passando para 8,75%, o menor patamar desde 1999, quando o
regime de metas foi implantado. Como a economia reagiu rapidamente aos estímulos
governamentais durante a crise (elevação de crédito e expansão da demanda interna),
projetando uma elevação do crescimento econômico para o ano de 2010, o COPOM,
mantendo o princípio de que altas taxas de crescimento econômico repercutem
negativamente sobre o índice de preços e que estes só podem ser controlados mediante
expansão da taxa de juros, mais uma vez elevou a taxa básica para um patamar de
10,75%.
Obviamente que esse movimento da taxa básica de juros teve efeitos imediatos
sobre o controle inflacionário, prioridade número um do governo Lula, conforme
mostramos anteriormente. Assim, a inflação caiu de um patamar de 9%, em 2003, para
próximo de 4%, em 2009, sendo que a partir de 2006 as taxas de inflação atenderam
rigorosamente ao regime de metas, ficando dentro dos limites estabelecidos. Deve-se
registrar, todavia, que esse comportamento da taxa de juros também provoca alguns
efeitos correlatos.
Por um lado, atua favoravelmente no sentido de atrair capitais para o país, tanto
em termos de Investimento Direto Externo (IDE) como de investimentos em carteiras.
De fato, entre os anos de 2005 e 2008, nota-se uma forte expansão do IDE, sendo que
no último ano esses investimentos atingiram a cifra de R$ 45 bilhões. Num primeiro
momento, isso poderia ser interpretado como sendo extremamente positivo, porém
diante das circunstâncias específicas do país5, é de se supor que em momentos de
agravamento da conjuntura financeira internacional a vulnerabilidade econômica
brasileira ficasse mais exposta.
Por outro lado, a taxa de juros também é um elemento decisivo para a expansão
das atividades produtivas internas, tendo em vista sua incidência sobre os custos do
crédito destinado à produção. Neste caso, o gráfico III mostra o comportamento do PIB
ao longo de todo o governo Lula, destacando que a economia brasileira apresentou um
movimento na forma clássica do “stop-and-go”, alternando pequenos ciclos de
crescimento, com reduções expressivas na seqüência. Isso fez com que o país se situasse
entre aqueles com as menores taxas médias de crescimento em toda a América Latina
no primeiro decênio do Século XXI.
Esse movimento “stop-and-go” pode ser explicado pela ótica externa –
crescimento interno muito dependente da conjuntura econômica internacional,
especialmente quando ocorre aumento na demanda de commodities – e pela ótica
interna – expansão do crédito doméstico com o objetivo de aumentar a produção e o
consumo, como foi o caso da política econômica anticíclica adotada para enfrentar a
crise financeira global, e controle rígido da inflação, via uma política monetária
restritiva, com elevação das taxas de juros.
Finalmente, uma implicação nada desprezível é o grande impacto da taxa de
juros sobre a dívida pública líquida (Gráfico IV), que é a soma de tudo aquilo que o
conjunto dos órgãos do Estado brasileiro (governo federal, estados, municípios e
empresas estatais) deve. A origem dessa dívida diz respeito à: financiamento de novos
gastos públicos em bens e serviços em qualquer nível de governo; gastos com juros
sobre as dívidas contraídas em períodos anteriores; e gastos do governo central com a
política econômica (monetária e cambial).
Após a estabilidade econômica (Plano Real) ocorreu um crescimento enorme da
dívida pública líquida, e o fator impulsionador desse crescimento não foram os novos
investimentos públicos, mas sim as taxas de juros e os custos da política monetária e
cambial. O crescimento da dívida interna ocorre porque, com a moeda sobrevalorizada,
o país passou a apresentar grandes déficits, principalmente nas transações correntes, que
incluem pagamento de juros e serviços e as remessas de lucros para o exterior. Para
equilibrar as contas, buscou-se atrair capitais através de taxas de juros altíssimas,
criando-se um círculo vicioso que faz a dívida interna líquida atingir valores absolutos
espantosos.
Como o controle inflacionário é prioridade do governo e está todo assentado no
manuseio da taxa de juros, seus reflexos são cada vez maiores sobre o endividamento
público. Neste sentido, observa-se que a dívida líquida iniciou sua escalada vertiginosa
após 1994, ano que se situava em R$ 70 bilhões. Em 1999 essa dívida passou para R$
400 bilhões e em 2002 atingiu R$ 892 bilhões. Já no último mês de agosto de 2010
atingiu R$ 1 trilhão e 400 bilhões, sendo que o governo gasta atualmente, em média, R$
150 bilhões ao ano com pagamentos de juros dessa dívida. Assim, quanto maior a taxa
de juros maior será esse montante anual de gasto com amortizações.
Aqui está uma questão essencial quando discutimos as duas dívidas, a externa e
a interna. A dívida externa até antes de ser liquidada tinha uma taxa de juros que não
passava de 2%, enquanto a dívida interna é regulada pela taxa SELIC. Esta remunerou
extraordinariamente os detentores dos títulos da dívida pública, conforme podemos ve-
rificar ao analisar o movimento dessa taxa durante o governo Lula, fato comum também
durante o governo FHC. Como a amortização dessa dívida exige quantias anuais
elevadas, o governo acaba tendo que cortar gastos que poderiam ser direcionados para
áreas essenciais, como saúde, saneamento, habitação, educação e infraestrutura.
Mesmo com todas essas contradições resultantes dos instrumentos de política
econômica, o gasto social no governo Lula aumentou consideravelmente até a crise de
2008-2009. De uma maneira geral, nota-se que esse gasto passou de 11.9% do PIB, em
2002, para 13.45%, em 2008. Em grande medida, essa expansão se deve ao fato de que
o governo efetivamente priorizou o combate à pobreza através de programas focalizados
de transferência de renda, com destaque para o Bolsa Família, que atualmente está
atendendo mais de 12 milhões de famílias qualificadas como pobres.
Registre-se que nas negociações com o FMI em 2003, o governo Lula introduziu
algumas condicionais sociais, visando diminuir restrições fiscais no sentido de propiciar
condições para atender algumas das metas sociais de seu plano de governo. Na verdade,
esta posição não é nova nas negociações, uma vez que o FMI vem atendendo a esses
pleitos desde 1999, quando ocorreu a negociação com países asiáticos afetadas pela
crise econômica que se abateu sobre aquela região.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS PARA
O PRÓXIMO PERÍODO
A análise da política econômica do governo Lula, conforme afirmamos no início
deste texto, não pode ser feita desconectada de uma contradição central: por um lado,
logo após eleito, Lula afirmava que o povo queria um outro modelo econômico e social
capaz de gerar crescimento e emprego e distribuir melhor a renda e, por outro, assumia
o compromisso de manter a estabilidade macroeconômica do país, que foi atingida
através de uma política exorbitante das taxas de juros.
Do ponto de vista do emprego, observa-se uma grande mudança no período do
governo Lula em relação ao anterior. Neste caso, houve uma inversão no mercado de
trabalho, com os postos formais de trabalho atingindo, no ano de 2009, 52% da
População Economicamente Ativa (PEA), percentual que se situava em 44% no ano de
2001. Com isso, estima-se que ao longo dos oito anos do governo Lula foram criados
mais de 12 milhões de empregos formais, destacando-se o grande desempenho do
mercado formal de trabalho entre os anos de 2005 e 2008, quando foram criados, em
média, 1,5 milhões desse tipo de emprego por ano.
Esse movimento do mercado de trabalho gerou efeitos correlatos sobre o
comportamento dos salários, particularmente do salário mínimo, que tiveram ganhos
reais durante todo período. Por ainda ser um preço monetário balizador da taxa real de
salários na economia, esse crescimento real do salário mínimo desencadeou efeitos
positivos sobre a participação dos salários na renda nacional, com uma evolução de
0,400, em 2002, para 0,425, em 2007.
Esse avanço na participação dos salários sobre a renda nacional teve também um
efeito auxiliar no sentido de reduzir a desigualdade de renda do país. Com isso, verifica-
se que entre 2002 e 2009 houve uma efetiva redução da desigualdade de renda, com o
Índice de Gini caindo de 0,59 para 0,54. Essa queda da desigualdade da renda deve-se,
fundamentalmente, a maior desconcentração da renda do trabalho e aos efeitos das
transferências públicas de renda (aposentadorias, pensões, bolsa Família e programa de
benefício de prestação continuada). Apesar disso, não devemos esquecer que o Brasil
ainda situa entre os países com a maior desigualdade de renda no mundo.
Já do ponto do crescimento econômico o desempenho do governo Lula poderia
ter sido melhor, considerando-se o cenário mundial amplamente favorável, conforme
mencionado anteriormente. De qualquer forma, nota-se que ao longo dos oito anos do
último governo a economia brasileira apresentou um crescimento médio anual de
3,46%. Se compararmos esse percentual médio com aquele apresentado pelos oito anos
do governo FHC (2,4%), o resultado é bastante favorável ao governo Lula. Todavia,
esses percentuais situam o Brasil entre os países com as menores taxas médias de
crescimento do PIB dentre todos os países da América Latina no primeiro decênio do
Século XXI.
No entanto, esse desempenho poderia ter sido ainda pior, caso as medidas de
política econômica adotadas após a crise de 2008 não tivessem gerado alguns efeitos
positivos. Dentre essas políticas, destacam-se a intervenção governamental, via bancos
públicos, na esfera creditícia, no sentido de financiar o setor produtivo privado nacional,
bem como o consumo das famílias, como forma de sustentar a demanda agregada; e a
ação da política monetária, tanto em termos da redução das taxas de juros como na
liberalização dos depósitos compulsórios que antes eram recolhidos ao BC, evitando-se
movimentos especulativos sobre a situação de liquidez do sistema financeiro do país.
Mas as medidas anticíclicas mais efetivas ocorreram na esfera fiscal, quando o governo
decidiu manter seus gastos, especialmente no Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) e nas transferências de renda, inclusive aumentando os atendimentos do
Programa Bolsa Família; bem como reduzir tributos indiretos em vários setores.
Essas ações de política econômica fizeram com que o Brasil fosse um dos
“países emergentes” menos afetado pela crise financeira global. Mas isso não significa
que não existem problemas e correções necessárias. Nesse sentido, alguns desafios
permanecem na ordem do dia para o próximo governo. Dentre eles, destacam-se:
a. Setor Externo: por um lado, torna-se necessário reduzir a
volatilidade da taxa de câmbio como formar de estimular as exportações e
reverter a tendência forte de queda da balança comercial observada após o início
da crise de 2008- 2009 e, por outro, é fundamental reverter também a tendência
atual da composição da pauta de exportações que ainda tem participação
expressiva de produtos primários e com baixo valor agregado;
b. Política de Investimento Produtivo: é necessário estimular os
investimentos (públicos e privados) no sentido de elevar a taxa de investimento
da economia brasileira que se situa num patamar muito baixo (ao redor de 17%
do PIB) comparativamente a outros países (na Coréia do Sul essa taxa supera
40%);
c. Redução consistente da taxa de juros: é urgente e necessário diminuir
as diferenças entre as taxas de juros praticadas internamente e as taxas do
mercado internacional, evitando-se com isso o crescimento explosivo da dívida
líquida do setor público e suas conseqüências deletérias sobre as finanças
públicas;
d. Manter e ampliar um plano de investimento em infraestrutura básica
(energia, transportes públicos, habitação e saneamento), como forma de fazer
frente ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social;
e. Melhorar a eficiência do gasto público, como forma de reduzir as
desigualdades sociais e regionais.
UNIDADE 3.2
1 – Porque o presidente eleito contradiz, em parte, a famosa “Carta aos
Brasileiros”, emitida pelo mesmo LULA meses antes das eleições
2 – Qual a principal contribuição do governo Lula à política neoliberal implementada com o Plano Real?3 – Qual o contexto da alteração no Brasil, em janeiro de 1999, na troca do
modelo de câmbio fixo pelo regime flutuante?
4 – Qual o contexto da eleição do Lula, em 2002, com a promessa do resgate
desenvolvimentista ao Brasil?
5 – Contextualize a frase do ministro Antônio Palocci: “o governo não pode
fazer um “cavalo-de-pau” em um transatlântico em movimento”.
6 – O transatlântico não podia mudar em função de acordos renovados pelo
governo Lula com o FMI. Dentre estes acordos e reformas estabelecidas
pelo FMI, temos a autonomia do Banco Central. Qual a importância da
autonomia do Banco Central?
7 – Contextualize a mudança no governo Lula de rota do transatlântico da
política ortodoxa para a heterodoxa no período de 2005 a 2007?
8 – Como verifica-se que a capacidade estatal de implementar a política desenvolvimentista ainda encontrava-se limitada pelos interesses do mercado financeiro?9 – Em quais períodos podemos dividir as políticas econômicas do governo Lula?
10 – Observado que no primeiro período, seguiu a linha mestra da política
econômica do governo anterior, o que explicaria então o ciclo expansivo que
se observou após 2003?
11 – Esta expansão brasileira encontrava-se pautada na exportação de comodities, lembrando o período agroexportador da economia brasileira, em virtude do cenário externo internacional. Assim sendo, o que ocorreu quando da crise mundial de 2008?12 – Qual o impacto das metas fiscais frente ao desenvolvimento?
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