criatividade e discussões de gênero - feminismos como ponto de partida

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"O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos" (BAUDRILLARD, 2009)

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Material elaborado como apoio à disciplina "Criatividade e Discussões de Gênero" implementada na Universidade Federal de Santa Catarina, assim como palestras e debates ministrados pela professora Rochelle Santos - autora do conteúdo deste. O projeto gráfico foi elaborado como projeto de conclusão de curso da aluna Marina Berretta cujo o objetivo foi conversar com o conteúdo proposto, assim como, buscar elementos gráfico-editoriais que minimizassem os estereótipos de gênero acerca da mulher na sociedade atual.

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"O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos" (BAUDRILLARD, 2009)

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Vou contar um pouquinho da minha trajetória para que vocês me

conheçam melhor. No meu primeiro vestibular na UFSC eu escolhi

o curso de “Comunicação e Expressão Visual” como primeira opção,

era o primeiro ano do curso, ninguém sabia exatamente o que era

aquilo. Atualmente o curso se chama simplesmente “Design”. Minha

segunda opção no vestibular foi para “História”. Bem, não passei em

nenhuma das opções e fui fazer outras coisas da vida. Me interessei

por Publicidade e Propaganda, me formei na Estácio de Sá, primeira

turma, a gente também não sabia direito o que estava fazendo. Logo

comecei a trabalhar em agências, foram 8 anos no mercado. Fiz uma

Especialização em Propaganda e Marketing, outra especialização em

Moda, gestão e Marketing, fiz um Mestrado em História (lembram que

eu queria História como segunda opção?), comecei a dar aula. Em pouco

tempo passei no concurso para professora efetiva na UFSC, no curso de

Design. Sim, o mesmo curso que eu havia tentado como primeira opção

no vestibular. As coincidências da vida não são incríveis?

Oi pessoal. Rochelle Cristina dos Santos

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Aqui estou eu. Durante o exercício de docência comecei a relacionar

algumas conexões entre moda, comportamento e gênero na publicidade.

Através de trabalhos realizados em sala de aula, comecei a pesquisar mais

sobre a utilização de discursos feministas na comunicação publicitária.

Usei isso como projeto de tese e atualmente estou no doutorado no

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da

Universidade Federal de Santa Catarina. Minha pesquisa está situada na

área de Concentração de Estudo de Gênero, tenho por objetivo analisar

possíveis consequências sociais decorrentes da apropriação de discursos

feministas por parte da publicidade.

Uma coisa leva a outra e a pesquisa do doutorado me estimulou a

criar uma disciplina optativa no curso de Design UFSC, a disciplina

recebeu o nome de “Criatividade e Discussões de Gênero.”

Ao perceber o interesse da(o)s aluna(o)s do curso pela proposta eu

pensei: será que mais discentes de áreas criativas se interessam pelo

tema? Por que não divulgar um pouco mais estas discussões? E então

resolvi elaborar esta cartilha.

Não fiz isso sozinha, é claro. A Marina Berretta foi uma aluna do

curso que se prontificou a elaborar o projeto gráfico deste material.

Ela executou este trabalho como Projeto de Conclusão de Curso.

A orientação foi realizada pela Professora Mary Meurer, minha colega

de trabalho super entendida em editorial (eu sou mais das teorias.).

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sumário

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Introdução

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Função Social do Designer

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Projetos sobre discussões de gênero e diversidade

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Considerações finais

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Criatividade contribuindo para questões de gênero

20 criatividade na infâncias22 séries e filmes24 publicidade e discussões de gênero

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Feminismos e questões de gênero

12 ondas feministas

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Projeto gráfico e inspiração visual da cartilha

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Referências

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eu Rochelle amo semiótica, já ministrei aulas dessa disciplina.

Este argh é apenas meu poder da mente lendo seus pensamentos.

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introdução

Trabalhar com criatividade, e ganhar dinheiro com isso, pode ser algo muito divertido. A gente pode se vestir sem muitas formalidades, o clima no ambiente de trabalho é bastante descontraído, se puder expressar livremente suas ideias então? A felicidade é completa. Mas será que podemos mesmo criar a partir de tudo que pensamos como indivíduos isolados?

É certo que a(o)s cursos de Design e Publicidade oferecem disciplinas que ajudam a compreender o comportamento do consumidor. Também existem algumas disciplinas que tratam de questões mais teóricas como sociologia, antropologia, semiótica (argh!). Normalmente as pessoas acham essas matérias teóricas menos interessantes, dependendo de como a aula é ministrada o assunto parece não se encaixar com a prática profissional. Talvez essa interpretação seja um pouco equivocada, e é isso que vamos tentar esclarecer neste momento.

Algumas disciplinas teóricas nos ajudam a compreender a sociedade em que vivemos. Se criamos produtos, animações, peças publicitárias, certamente estamos criando para pessoas que também fazem parte de algum grupo social, e que interagem entre grupos distintos. É nisso que temos que pensar:

Não podemos criar as coisas só a partir do nosso repertório cultural, temos que pensar como nossas criações

interferem na sociedade.

Foi pensando nisso que elaborei este projeto. Minha intenção é apresentar alguns textos introdutórios sobre gênero e feminismos, e associar estas questões com a responsabilidade no processo criativo.

Este material é apenas um estímulo para que você conheça (ou reforce seus conhecimentos) em questões tão importantes à sociedade. Aproveite o poder de influência que sua profissão proporciona e ajude a criar um mundo com menos desigualdades.

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Função social do designer

Eu sei que pode existir algum conflito entre designers e publicitária(os), como publicitária lecionando em um curso de design vivencio isso diariamente. No entanto espero que possíveis divergências profissionais sejam desconsideradas e que a gente possa entender que: Designers e publicitária(o)s exercem forte influência sobre a sociedade através de suas propostas criativas. Considerando esta verdade, temos que dar razão ao tio Ben*.

“Com grandes poderes vem grandes responsabilidades.”

Em primeiro lugar, devemos compreender o contexto do universo de produção criativa. Devemos problematizar algumas verdades: “O design é produzido predominantemente por homens (brancos), que visam sobretudo à mulheres como consumidoras.” (SCHENEIDER, 2010); A Publicidade não é muito diferente, uma pesquisa realizada por Thaís Fabris indica que nos departamentos de criação publicitária, no Brasil, apenas 10% das vagas são ocupadas por mulheres (FABRIS, apud DIP, 2015).

Estas informações só reforçam uma diferença cultural secular que segrega as funções de homens e mulheres na sociedade. E por que devemos nos interessar por isso? Ora, toda(o)s já devem ter visto alguma matéria que fale sobre machismo nas esferas criativas: Princesas esperando para serem salvas por príncipes tendo o casamento como única fonte de felicidade; brinquedos separados por cores e funções destinados a meninos e meninas; propaganda que utiliza a mulher como objeto ou premiação. Os exemplos infelizmente são muitos, mas acredito que a educação sobre o tema é uma das fontes mais eficientes para minimizar o uso de estereótipos nos processos criativos.

*tio do Peter Park

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Designers e publicitária(o)s são considerada(o)s formadora(e)s de opinião.

Esta característica é identificada porque o resultado de seus trabalhos são considerados artefatos de cultura material. “O principal argumento da história da civilização material é a relação dos homens com as coisas e objetos” (ROCHE, 2000, 17). E o que isso quer dizer? Ao criar um produto, a(o) designer atua como um(a) produtor(a) de significados, ele(a) desenvolve um conceito sobre uma peça que vai fazer parte da cultura de uma sociedade. Com a publicidade não é diferente, só que neste caso a criação de significados é desenvolvida no processo de comunicação.

Baudrillard vai examinar os significados investidos nos objetos de uso cotidiano e as lógicas da sua organização nas sociedades modernas, apontando que as mudanças ocorridas no sistema capitalista implicaram novas formas de significar os objetos, onde o valor-signo (marca de prestigio, expressões de um estilo, de luxo, de poder) torna-se uma parte central das mercadorias e do consumo. (RIAL, et. al 2012, p.12)

Estas profissões são reconhecidas dentro do conceito de formação de “opinião horizontal”, onde o formador de opinião possui uma personalidade carismática, e exerce isso através da sedução. Fiu, Fiu! Não, não é deste tipo de sedução que estou falando, é da sedução semiótica (eu falei que eu gostava dela). De acordo com a semiótica Greimasiana (espero que já tenham aprendido isso, mas vou explicar de uma maneira bem sucinta) o nível narrativo de uma mensagem pode acontecer através da manipulação (PIETROFORTE, 2007, p.17). A semiótica prevê quatro tipos de manipulação, são elas:

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Tanto a publicidade quanto o design trabalham majoritariamente com níveis de manipulação utilizando a sedução e tentação, é por isso que são consideradas profissões que tem por objeto seduzirem as pessoas através dos significados que criam em seus projetos. Por elaborarem conceitos em relação às suas criações, este(as) profissionais acabam estimulando padrões de comportamentos sociais. A Comunicação Publicitária costuma estimular modelos de representações e comportamentos, as acabam se inspirando nos padrões ratificados pela publicidade validando seus próprios papéis na sociedade.

Essas questões podem não ser novidade para vocês, espero que não sejam. Já tem muita(o)s profissionais das áreas criativas percebendo sua função social e questionando vários erros que foram cometidos por décadas. O importante é que tenhamos consciência da nossa responsabilidade em não menosprezar nenhum grupo social. Então a proposta é que vocês reflitam sobre o impacto social causado pelas suas criações.

Que a força esteja com vocês.

Tentação: oferecer um objeto de valor positivo.

Intimidação: oferecer um objeto de valor negativo.

Sedução: oferecer uma imagem positiva.

Provocação: oferecer uma imagem negativa.

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Feminismos e questões de gênero

Conforme mencionado, não tenho a pretensão de transformar esta cartilha em um documento para ser utilizado como única fonte de saberes. Vejo este projeto mais como um guia para direcionar algumas perspectivas que podem ser aprofundadas. Tentarei aqui apresentar um breve panorama sobre questões de feminismos. Este conteúdo teórico social serve para pensarmos um pouco sobre nossas criações e como, através delas, alimentamos diferenças sócio culturais.

Gosto de começar a falar de feminismos a partir da Revolução Francesa. Eu sei, todo mundo já está cansado de ter escutado falar

disso no segundo grau. Mas acreditem, essa revolução ainda tem muitas histórias para contar.

Em 1755 Jean Jacques Rosseau escreveu um livro intitulado "Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens". De certa maneira, este livro estimulou alguns pensamentos que conduziram a revolução Francesa, pois o lema da Revolução era "Liberdade, Igualdade, Fraternidade". Rosseau não viveu para ver os resultados da Revolução mas seu pensamento foi apropriado de diferentes formas. Uma das propostas lançadas durante a Revolução, foi a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" (HUNT, 2009). Nesta Declaração constavam alguns direitos atribuídos aos Homens. Foi então que surgiu em cena Olympe de Gouges, que propôs a seguinte questão: E os direitos das mulheres?

*tem um livro super interessante sobre a vida da Olympe de Gouges em HQ. A ilustradora é Catel

Muller o Texto de José Louis Bocquet.

Que a força esteja com vocês.

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Olympe de Gouges tomou a audaciosa decisão de escrever os Direitos da Mulher e da Cidadã (HUNT, 2009). Esta atitude de Olympe teve muita repercussão, outras minorias (além das mulheres)começaram a perceber que também eram homens/mulheres/cidadã(o)s. De maneira muito simplista, no meu ponto de vista, esta atitude feminista de Olympe abriu portas para pensarmos sobre inúmeras diferenças sociais como gênero, raça e religião.

Ondas Feministas

Tivemos que dar um salto histórico e chegamos no conceito que chamaos de ondas feministas. Estas ondas são os momentos de mulheres que tiveram bastante repercussão. A primeira onda Feminista teve início no final do século XIX. A principal reivindicação neste momento era adquirir o direito ao voto. Também é muito conhecida como “Movimento Sufragista”.

No ano de 2015 foi lançado o filme “Suffragette”, dirigido por Sarah Gavron e escrito por Abi Morgan. A obra retrata o início do movimento sufragista na Inglaterra,vale a pena assistir.

No Brasil, esta conquista aconteceu oficialmente em 1933. Mas a primeira mulher a votar foi Celina Guimarães Viana, uma professora do Rio Grande do Norte. (PINTO, 2003).

Neste link você pode encontrar a cronologia mundial do direito ao voto feminino. http://opiniaoenoticia.com.br/brasil/politica/o-primeiro-voto-feminino/

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A partir da conquista do voto feminino, as mulheres começaram a perceber outras demandas para suas lutas. Durante a Segunda Guerra Mundial as mulheres até que ganharam certo espaço, inclusive no mercado de trabalho. Isso porque os homens estavam lutando e elas foram obrigadas a assumir outras funções. Vocês já devem ter visto uma publicidade super famosa que incentivou essa mudança na vida das mulheres.

Esta peça publicitária foi criada por  J. Howard Miller em 1943 para a fábrica Westinghouse Electric Corporation . Para saber um pouco mais sobre esta história leia o artigo de Thais Bakker e Stephanie Ribeiro no site http://www.revistacapitolina.com.br/we-can-do-it-mulheres-na-forca-de-trabalho/

O problema é que este incentivo, de que as mulheres poderiam assumir determinadas funções, deixou de existir após o fim da Segunda Guerra. A linguagem publicitária que ajudou a transmitir a imagem de uma mulher determinada e profissional, passou a reforçar papéis de submissão feminina, principalmente na publicidade Estadunidense. Já vamos falar sobre isso, mas antes temos que compreender que estas ações são consideradas consideradas propulsoras da: Segunda Onda Feminista.

Primeiro de tudo vamos tentar entender que esta segunda fase dos movimentos feministas não foi tão unificada, em termos geográficos, quanto a primeira. A segunda onda vai ter repercussões diversas em diferentes países, inclusive no Brasil.

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Simone de Beauvoir “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”

O feminismo de Segunda Onda foi mais abrangente, de um modo geral questionava o direito da mulher em relação ao próprio corpo, ao prazer sexual, tentava romper com padrões estabelecidos para as mulheres durante séculos de história. Cada pesquisadora pode ter seus pontos de partida para explicar melhor este movimento, eu gosto de iniciar falando de duas autoras muito significativas.

Em 1949 a filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu um livro chamado “O segundo Sexo: fatos e mitos” Nesta obra a autora questiona, entre outras coisas, a distinção social entre os sexos com base em supostas diferenças biológicas. Seu embasamento é que as condições sobre ser homem ou ser mulher são constituídas culturalmente. De maneira bem sucinta, ela explica que: as mulheres e os homens recebem funções sociais desde criança, e são estas práticas culturais que os diferencia, e não o sexo biológico.

Betty Friedam “Quem sabe o que as mulheres podem tornar-se quando, finalmente, ficarem livres para si mesmas”

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Nos Estados Unidos, no ano de 1963, a ativista feminista Betty Friedam escreveu o livro “Mística Feminina”. Neste livro a autora trabalha com a ideia de que nos EUA da década de 1950, algumas mulheres passaram a sofrer de um “problema sem nome”. Muitas mulheres que supostamente deveriam ser felizes, sentiam uma certa insatisfação que não sabiam explicar. Volto a dizer, cada pesquisador tem a sua interpretação sobre as fontes pesquisadas. Como publicitária, eu vejo que a Mística Feminina apontou para os meios de comunicação, principalmente revistas femininas, como promotoras de modelos de felicidade. A mídia especializada para mulheres e a indústria dos eletrodomésticos, divulgavam de maneira exaustiva que a felicidade se encontrava em manter o lar limpo, os filhos e o marido felizes, este era o ideal de felicidade. A verdadeira realização feminina era: ser dona de casa e mãe, respeitada como companheira. A mulher tinha liberdade de escolher automóveis, roupas, utensílios, supermercados e possuía tudo que a tudo que outras gerações jamais sonharam. As mulheres que tinham tudo isso e não se sentiam felizes demonstravam que tinham um problema, mas era um “problema se nome”, pois aparentemente elas não tinham motivos.

Gosto de indicar filmes para quem quiser entender um pouco o contexto. Pare este tema acho dois muito interessantes “As Horas” de 202  dirigido por Stephen Daldry e “O sorriso de Monalisa”, de 2003 dirigido por Mike Newell e escrito por Lawrence Konner e Mark Rosentha.

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Quando foi lançada, na década de 1960, a pílula representava

a liberdade de fazer sexo apenas por prazer, e não para

reprodução. Hoje a pílula pode ser questionável por algumas pessoas, pois ela sugere de certa forma que

é apenas a mulher que deve ser responsável por não engravidar.

Segunda Onda no Brasil. No Brasil a Segunda Onda foi explodir na década de 1970. Celi Pinto escreveu um livro bem didático que conta esta trajetória, o título é “Uma história do Feminismo no Brasil”. Por causa da ditadura muitas pessoas viviam em exílio, e de alguma forma isso contribuiu para que mulheres brasileiras tivessem acesso a livros como “O segundo sexo” e a “Mística Feminina”, e trouxessem para o Brasil algumas ideias. Você pode ler mais sobre isso no artigo PEDRO, Joana Maria. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos (1970-1978). Rev. Bras. Hist. [online]. 2006, vol.26, n.52, pp. 249-272

Bem, já deu para perceber que o feminismo fez algumas coisas pelas mulheres, mesmo que a maioria delas não se considerem feministas. Direito ao voto, direito a educação, direito a usar calças (não falei sobre isso mas vocês devem saber que as mulheres não podiam usar calças certo?). Alguns direitos que temos hoje, foram conquistados através de lutas e de movimentos. A pílula anticoncepcional, por exemplo, também foi um marco nas lutas feministas.

Você pode ler mais sobre isso no artigo PEDRO, Joana Maria. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos (1970-1978). Rev. Bras. Hist. [online]. 2006, vol.26, n.52, pp. 249-272

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Bem, este texto é um resumo, então precisamos chegar em outro tópico, vamos para a década de 1990 quando surge o que algumas pessoas chamam de Terceira Onda do Feminismo.

Judith Butler é uma filósofa pós-estruturalista Estadunidense. Em 1990 Butler publicou o livro “Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade”.

Se você se interessar mais pelo tema eu eu indico,para começar a seguinte resenha RODRIGUES, Carla. Butler e a desconstrução do

gênero. Rev. Estud. Fem. [online]. 2005, vol.13, n.1, pp. 179-183. ISSN 1805-9584.

A autora passou a questionar o binarismo (homem/mulher) e sugeriu trabalhar com outras questões de gênero, com “problemas” de pessoas que não se encaixam em nenhum dos dois padrões: masculino e feminino. Não podemos dizer que foi apenas Butler que estimulou estes pensamentos, outras autoras e outros movimentos já haviam percebido que existiam muitas lutas, é que de um modo geral este livro é considerado por muitas pessoas um divisor de águas nos estudos de gênero. Foi principalmente em meados de 1980 e 1990 que se começou a pensar em outras questões como relação entre raça, etnia, homossexualidade, transsexualidade, travestilidade, intersexualidade.

Bem, o assunto é extenso e este espaço não daria conta de tantas discussões. O que pretendo é provocar o pensamento crítico em profissionais da área de criação, para que antes de iniciarem seus projetos, reflitam sobre os signos que estão escolhendo e sobre seus significados.

Não precisamos ser especialistas em todas as áreas, basta que tenhamos consciência, disponibilidade para ouvir e aprender, antes de estimularmos preconceitos através das nossas criações. Muitas pessoas falam em igualdade, mas acredito que mais importante do que sugerir que toda(o)s sejamos iguais, é aceitarmos que a diversidade existe e deve ser respeitada. Por este motivo, vocês devem ficar atenta(o)s e devem priorizar trabalhar com Representatividade.

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A diversidade deve ser representada em nossos projetos, sejam em relação aos feminismos, discussões de gênero ou outras minorias. Não podemos mais estimular padrões de beleza ou comportamentos. Existem mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, como podemos reduzir a representatividade utilizando apenas alguns modelos de referência, que muitas vezes são inalcançáveis* para a maioria das pessoas.

Isso acontece principalmente na propaganda, deem uma olhada no vídeo Body Evolution - Model Before and After, tem no youtube.*

Várias esferas criativas vem apresentando responsabilidade social ao investir em diferentes tipos de representação nas suas obras. Seja na publicidade, no design (gráfico, produtos), nas Animações, no cinema, o fato é que a indústria criativa está ficando atenta e vocês devem ter consciência disso. Não estou de nenhuma maneira promovendo o incentivo do uso de causas sociais estimular as vendas, eu penso na responsabilidade que cada criativa(o) deve ter como formador de opinião perante a sociedade.

O mais relevante é que não devemos aceitar ou comprar discursos que sugerem mudanças nos padrões de beleza e comportamento, enquanto que novas imagens do feminino surgem na publicidade sem abrir caminhos para validar e criar pontos de reconhecimento entre as variadas manifestações das sexualidades femininas.

Para tanto, é necessário que continuemos atentas e que questionemos cada vez mais certos discursos que encontram-se apenas maquiados de novos estereótipos que negligenciam as causas feministas.

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Apresento agora uma análise sintética de meu objeto de tese no doutorado, a campanha da marca de absorventes Always intitulada #Likeagirl.

Créditos:Campanha: #LikeagirlCliente: Procter&Gamble - AlwaysDiretora: Lauren GreenfieldData de veiculação: julho de 2014Disponível: https://www.youtube.com watch?v=XjJQBjWYDTs

Mude as Regras análise da campanha #Likeagirl

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Em 2014, a marca de absorventes Always fez a divulgação de um vídeo publicitário em mídia online. Este vídeo ficou na 7º posição de comerciais viralizados atingindo o número de 1,48 milhões de compartilhamentos (PRADO, 2015). Devido ao sucesso da campanha, a Always resolveu utilizar o mesmo material em um comercial de televisão, o espaço midiático escolhido foi o intervalo do Super Bowl, horário comercial mais caro do mundo (MERIGO, 2015). O êxito se repetiu ao ponto da marca receber vários prêmios e ter dado continuidade a campanha (STOCCO, 2015). A estratégia para produção do comercial foi muito bem elaborada. O tema abordado reflete as atuais discussões feministas, isso cria empatia entre as pessoas que aderem a causa. A escolha da direção do filme não foi aleatória, Lauren Greenfield não representa apenas a inserção de uma mulher em um espaço de destaque na produção publicitária. A trajetória profissional da diretora indica que ela já tinha engajamento na causa de modificar padrões através de seus trabalhos como fotógrafa e diretora de materiais cinematográficos.

Os direcionamentos para a análise do material são plurais, neste breve relato o foco da atenção é no projeto visual, trabalhando principalmente com questões de imagem.

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Tanto no design quanto na publicidade, as criações seguem metodologias e possuem algumas diretrizes principais. O foco é atentar para algumas escolhas visuais feitas na campanha #Likeagirl.

O primeiro tópico analisado será a cor da campanha

A marca Always possui uma extensa linha de produtos e diferentes cores de embalagens. Entretanto, a cor predominante na campanha é o azul. Culturalmente, entendemos que o azul é cor de menino (AMBROSE; HARRIS, 2011). Cognitivamente entendemos esta opção para produtos masculinos, o que não seria o caso de absorventes. Neste sentido, vemos que a marca já se desvincula de carregar informações visuais ditas femininas na campanha. Os tons reconhecidos como "femininos" quase não aparecem, ou não ganham muito destaque, exceto pelo momento em que uma das entrevistadas está com um vestido (que já é símbolo de feminilidade), na cor rosa, que cota com um adereço de flor (outro símbolo de feminilidade).

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É possível reconhecer que a marca também propõe uma mudança nos padrões do estilo tipográfico usado na campanha.

É interessante que todos esses elementos “femininos” aparecem em um dos momentos mais fortes do vídeo. A garota, apesar de muito jovem e bastante feminina, não se enquadra nos padrões que estipulam para as mulheres. Ela se apropria de feminilidades que ela considera importante, mas rejeita outras que possivelmente não a representam.

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É usual que em produtos destinado à mulheres sejam anunciados com fontes mais elaboradas graficamente, com mais detalhes e algumas vezes projetos curvilíneos. Entretanto a proposta do comercial da Always foge a estes padrões, embora a própria marca se utilize desses recursos.

Este é mais um modelo de contraste entre o que já é reconhecido como masculino e o que é reconhecido como feminino. Ao mesclar o azul com o rosa, a feminilidade com a determinação (na personalidade da menina), a tipografia cursiva com a tipografia mais limpa e firme, a campanha sugere uma mudança sutil. As mudanças na proposta visual não representam uma ruptura muito abrupta, apenas sugere que diferentes elementos podem conviver em harmonia.

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A frase “Reescreva as regras” é o slogan que aparece no final do vídeo #Likeagirl. Na campanha a frase propõe fazer algo “como uma garota” não deve ser considerado algo ruim, esta interpretação da frase deve ser modificada.

Em uma rápida análise da frase é possível sugerir uma variedade de interpretações:

O primeiro sentido é usar a frase para mudar as “regras” em relação ao fazer algo “como uma garota”. A campanha estimula pensar que fazer algo como uma garota não é algo ruim;

A palavra “regras” pode ser uma alusão à jogos, temática principal da campanha, que está sempre relacionando a performance das garotas aos esportes.

E por fim, por que não pensar em mudar as regras na abordagem publicitária. Incentivar a publicidade a deixar de lado estereótipos que reforçam diferenças entre homens e mulheres.

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Isso é apenas o começo

Vou sempre reforçar que esta cartilha é apenas um material de apoio, não existe uma proposta de conteúdo finalizado. Tudo está apenas no começo: meu projeto como docente, meu projeto como pesquisadora, o feminismo ganhando cada dia mais visibilidade, o mercado criativo percebendo que é preciso estar atento as mudanças sociais.

Este breve encarte traz apenas um esboço dos recortes que estão sendo vislumbrados sobre as interpretações da campanha #Likeagirl. Mas já é possível perceber alguns direcionamentos que se relacionam com técnicas criativas na construção dos significados. O que se espera é que a publicidade com todo seu alcance e capacidade de aceitação social, se utilize de mais argumentos que realmente contribuam com as causas feministas . Estas novas práticas certamente estão mudando algumas regras, sejam elas relacionadas à publicidade, aos feminismos, ou à mudanças sociais que podem ser agenciadas pelas representações publicitárias. Acredito que a produção de conhecimento e a problematização de determinadas temáticas é uma das possibilidades de reescrever as regras sociais.

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Criatividade contribuindo para

questões de Gênero e Feminismos

Felizmente, o mercado criativo está mudando ao abordar questões de diversidades em suas obras. Eu penso que a(o)s profissionais não precisam “levantar bandeiras” a cada projeto, ou mesmo promover rupturas muito abruptas. Acredito que basta não utilizarem signos que reforcem as diferenças de maneira negativa para algum grupo. Para não correr o risco de ofender, pesquisem a respeito. Temos que tentar mostrar que as diferenças são normais e que toda(o)s merecem ser tratada(o)s com respeito e que devemos contribuir através da representatividade de grupos que tem pouco ou nenhuma visibilidade. Separei aqui alguns trabalhos que estão sendo considerados como referência nas áreas de discussões de gênero e femininos e estão sendo difundidos pela indústria criativa.

Criatividade e Infância

Começo com o tema “infância” pois é na formação social da criança que podemos minimizar impactos de preconceitos.

Desenhos infantis.Muitos artigos já foram escritos sobre a influência dos estudos de gênero nas produções de desenhos infantis. Para exemplificar aqui, usarei como referência uma matéria publicada em 2015.*

*“Desenhos animados mudam a abordagem em questões de gênero e de família”Disponível no link http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/

noticia/2015/06/desenhos-animados-mudam-a-abordagem-em-questoes-de-genero-e-de-familia-4770748.html

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A Hora de Aventura, da Cartoon Network, é um dos desenhos que trabalha muito bem com a representatividade feminina, são apresentados muitos modelos de princesas neste desenho. O personagem principal, inclusive, critica o Rei Gelado ao dizer: "– Seu assédio constante ao sexo feminino me enoja!" (FOSTER,2015).

Apenas um show, também da CN, é outro trabalho que revela uma preocupação com a representação da mulher na mídia. Em um dos episódios surge a seguinte pergunta:

– Ah, então você concorda que mulheres não são bem representadas na maior parte da mídia popular?

(FOSTER,2015)

Finn “– Seu assédio constante ao sexo feminino me enoja!”

Parece pouco mas estes pequenos detalhes são essenciais para que as crianças cresçam em um ambiente que estimule certos questionamentos sobre as atitudes das pessoas.

Em nenhum momento nos desenhos da Pepa as personagens se posicionam como feministas, o papai cozinha porque homens podem e devem cozinhar. Isso é representatividade, colocar situações cotidianas como modelos a serem vistos e validados pela sociedade.

Um dos casos de maior destaque foi o da porquinha Pepa Pig. Não, não foi por causa do formato do seu nariz.Na Austrália, políticos conservadores consideraram o desenho muito feminista, pois o pai cozinha enquanto a mãe trabalha no computador (FOSTER, 2015).

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Brinquedos Infantis. A indústria de brinquedos infantis é uma das que mais contribui com a construção de papéis sociais para homens e mulheres. Bonecas e miniaturas que imitam utensílios domésticos são para meninas; carrinhos, armas, heróis, miniaturas relacionadas a engenharias são para meninos. Isso sem falar no rosa e no azul.

Vamos pensar na Lego, marca de brinquedos super bacanas que trabalha com forte distinção de gênero, e nos últimos tempos percebeu que tem que mudar para atender suas/seus clientes. Se chegarmos em algumas lojas de brinquedos infantis, vamos ver claramente a segregação que o lugar oferece, com a Lego não é diferente. São inúmeras opções de produtos em caixas azuis, com meninos estampados nas embalagens, para as meninas temos poucas opções com casinhas ou princesas. Em 2014 uma menina enviou uma carta para a marca questionando as opções limitadas para as garotas, no final da carta ela dizia “Quero que você faça mais meninas e as deixe participar de aventuras e se divertir, ok?” Depois deste episódio Lego divulgou um novo produto com mulheres cientistas.

Leia mais no site http://bacanudo.com.br/lego-lanca-kit-de-mulheres-cientistas/

A TOP Toy é uma marca de brinquedos que também vem trabalhando com a eliminação de estereótipos de gênero em suas embalagens, estimulando assim, que meninos e meninas brinquem com todos os tipos de produtos por eles desenvolvidos

Leia mais sobre isso no site http://www.hypeness.com.br/2014/02/para-acabar-com-estereotipos-cadeia-de-brinquedos-sueca-cria-

catalogos-de-genero-neutro/

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Séries e Filmes.

Mad Max : Estrada da Fúria

O filme Mad Max, de 1980, apresenta um enredo como a maioria dos filmes de ação/ficção. Uma espécie de herói - Homem - tentando salvar alguém/omundo. A sequência da franquia (antes de 2015) contava basicamente a mesma história. Foi em 2015 que entrou uma nova personagem, a Imperatriz Furiosa.

Existem várias hipóteses que problematizam a a definição deste filme como uma obra feminista (ou não). Talvez o mais interessante neste filme é justamente a questão da representatividade, uma mulher contribuindo com uma luta maior. Como não quero dar grandes spoilers alguns trechos podem parecer incógnitas. Mas vou apontar algumas críticas negativas e positivas:

Negativo: De alguma forma reconhecemos na Imperatriz Furiosa alguns estereótipos do que é ser uma “mulher forte”: masculinizada, assexuada, meio andrógina. Isso não ajuda o feminismo, parece que a única maneira de salvar o mundo é parecendo um homem.

Positivo: No decorrer do filme nos são apresentadas outras características da Imperatriz Furiosa que as aproximam de questões, por que não dizer, femininas. Por que sim, culturalmente fomos e somos criada(o)s para diferenciar o que é feminino e o que é masculino. Um dos pontos fortes do filme é que Furiosa quer ajudar a construir um mundo mais igualitário, esta concepção está dentro dos preceitos feministas.

Vou indicar que vocês assistam o filme e depois leiam o texto “Imperatriz Furiosa e as mulheres feministas em Mad Max: Estrada da Fúria” é muito rico e esclarecedor.

O texto pode ser consultado neste link: http://blogueirasfeministas.com/2015/05/imperatriz-furiosa-e-as-mulheres-feministas-em-mad-max-estrada-da-furia/

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Sense8Esta série tem um traço muito forte na

questão da representatividade. Em primeiro lugar, foi produzida por uma diretora transgênero. Os irmãos Wachowski eram conhecidos por vários trabalhos como Matrix, entretanto, Larry se descobriu transgênero e assumiu a identidade de Lana Wachowski. Resumindo, Lana tem uma empatia muito verdadeira sobre o que é sofrer preconceitos por ser uma mulher trans, por ser uma pessoa diferente do que a sociedade espera. Felizmente, ela e seu irmão traduziram um pouco desta sensibilidade para a série Sense8, disponível no Netflix.

Sense8 fala justamente sobre sensibilidade e empatia, se colocar no lugar do outro e experimentar outros sentimentos. A história gira em torno de 8 personagens que não se conhecem e passam a incorporar os sentimentos um dos outros. A riqueza na construção das histórias se dá justamente por trabalhar com uma pluraridade de personalidades. As representações são múltiplas, Sun é uma mulher forte, fisicamente, mas que emocionalmente ainda é presa a relações de dependência com os homens da família (pai e irmão). Nomi é uma mulher transgênero, que é lésbica, provocando a discussão do preconceito dentro de grupos que supostamente deveriam aceitar a diversidade. Para não dar mais spoiler vou parar por aqui, mas gostaria de compartilhar um diálogo inicial do filme. A cena se passa em uma casa noturna onde uma DJ está mixando. Dois homens a observam e um deles diz: “Ela toca bem para uma garota, não acha?” E o outro retruca: “Ela sabe tocar, e ponto final” Eu acho isso tão simples e tão representativo.

Sabemos que um filme, uma série, um produto da indústria cultural é apenas um modelo de representatividade. Mas ao exportarmos para a ficção a realidade de tantos grupos discriminados, estamos permitindo que sua representatividade seja mais presente na sociedade.

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Publicidade e Discussões de Gênero

A publicidade sempre foi um espaço representação de estereótipos, parece ser inerente ao processo criativo utilizar ou reforçar padrões conhecidos pelo público. Mas já existem muitas bibliografias que tratam desta temática, vamos tentar apontar para o que está sendo modificado e o que está dando certo.

Eu não iria falar da Dove mas eu vou falar. Apesar da grande repercussão que as campanhas da marca conseguem, as suas estratégias também são muito criticadas. Em primeiro lugar porque a Dove pertence a mesma empresa , Unilever, que a marca de desodorantes masculinos Axe. De um lado vemos a indústria de produtos de beleza sugerindo que as mulheres devem se amar como elas são, de outro vemos a Axe incitando que as mulheres (que atendem um determinado padrão de beleza) são objetos de conquista dos homens. O público que tem um pouco mais de conhecimento sobre marcas se faz este questionamento, como pode uma mesma companhia ter posicionamentos tão distintos entre seus produtos? Gosto de usar a metáfora do veganismo. Se eu sou vegana e vou a um restaurante que vende carne, por mais que eles tenham um prato vegano, eu sei que a(o) proprietário do restaurante não se importa com o sofrimento dos animais, ele só está oferecendo a opção vegana para não perder clientes.

Existem críticas sobre a utilização de temáticas feministas em comerciais que tem por finalidade maior a venda de produtos. Andi Zeisler é uma feminista, autora do livro "Feminism and Pop Culture", bastante conceitu-ada nos questionamentos que dizem respeito a utilizar o feminismo como uma "marca". Andi Zeisler alerta que "Desde o início do movimento pela liberação das mulheres nas décadas de 1960 e 70, a indústria da publicidade estava lá para transformar os princípios do feminismo em dinheiro."

Leia o texto completo em http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/08/quando-propaganda-usa-o-feminismo-para.html

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Talvez vocês estejam se perguntando:

"Mas se não falar de feminismo é ruim, falar também vai ser? O que essas feministas querem?"

Bem, é justamente sobre isso que temos que refletir ao criar. Os dis-cursos feministas não devem servir de plataforma para alcançar maior número de vendas. A representação da diversidade deve ser utilizada de maneira espontânea, sem precisar criar um slogan "olha, estamos falando de feminismo". Acredito que estamos passando por um momento de ruptura, que ainda não é possível - e não sei se um dia será - qualificarmos as intenções das marcas ao usar questões feministas em suas estratégias de vendas. Eu gosto de pensar que nós podemos produzir com boas intenções, gosto de pensar que queremos sim aumentar as vendas de nossos clientes, mas que faremos isso tendo consciência do que é melhor para a sociedade.

A exemplo de publicidades positivas para o feminismo, vou citar as que mais gostei em 2015.

Barbie

Depois de constatar um declínio nas vendas, a Mattel resolveu utilizar estratégias feministas em seus comerciais (MARCONDES, 2015). No ano de 2015 foram dois comerciais “inovadores” para a marca. O primeiro deles, intitulado “Imagine the possibilities”, apresenta meninas em situações nunca antes vistas em comerciais anteriores.

Leia mais no link http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1699718-comercial-feminista-da-barbie-e-

lancado-nos-eua-assista.shtml

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No final do comercial também vemos cenas de desestimulam o consumo excessivo, a menina brinca com suas Barbies utilizando materiais reciclados para compor o cenário, muito diferente de comerciais antigos em que tudo eram produtos da linha Barbie.

No mesmo ano, a linha Barbie Moschino (Moschino é uma marca de moda) apresentou pela primeira vez um menino na propaganda da boneca mais famosa do mundo (CLAIRE, 2015).

Estas ações são primeiros passos de uma longa caminhada, mas eu sempre digo que é preciso começar de alguma forma. Do mesmo modo, é preciso continuar trilhando esta jornada buscando os melhores caminhos.

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Projetos sobre discussões de

Gênero e diversidade

Vou usar este espaço para divulgar alguns trabalhos interessantes e super acessíveis sobre discussões de gênero e feminismos. São cartilhas, que assim como essa, abordam conteúdos para esclarecer ainda mais diferentes questões. Lembrem-se, não precisamos saber tudo, na dúvida pesquisem.

TRABALHO CORPO E VIDA DAS MULHERES

http://www.sof.org.br/2015/04/08/trabalho-corpo-e-vida-das-mulheres-uma-leitura-feminista-sobre-as-dinamicas-do-capital-nos-territorios/

Esta publicação tem como objetivo apontar desafios para a elaboração e ação feministas frente ao atual modelo de desenvolvimento. 

http://feminismo.org.br/almanaque-delas-e-lancado-em-versao-eletronica/

O Almanaque D’Elas traz o mundo do feminismo para quem tem sede de informação de qualidade, sem perder o bom gosto e o humor.

ALMANAQUE D’ELAS

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https://marchamulheres.files.wordpress.com/2015/02/mulheres-na-universidade-versc3a3o-online.pdf

Nela, tratamos do machismo e da violência contra a mulher na universidade. 

MULHERES NA UNIVERSIDADE

https://quebrandomuros.files.wordpress.com/2013/02/cartilha-gg.pdf

O grupo tem caráter transversal em relação aos Grupos de Trabalho (GT’s) desenvolvidos pelas duas frentes do coletivo (Comunitária e Estudantil) e tem a responsabilidade de instrumentalizar as/os militantes a atuar em seus locais de maneira feminista, entendendo que em todos os espaços em que atuamos a opressão de gênero está presente.. 

QUEBRANDO MUROS

PROSTITUIÇÃO: UMA ABORDAGEM FEMINISTA

A publicação “Prostituição: uma abordagem feminista” pretende trazer elementos que contribuam para a compreensão da prostituição em seu papel estruturante no patriarcado.

http://www.sof.org.br/2014/02/19/prostituicao-uma-abordagem-feminista/

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http://www.sof.org.br/2015/08/04/para-entender-a-economia-feminista/

Esta cartilha tem o objetivo de socializar as reflexões da economia feminista, contribuindo para a ampliação da nossa luta por igualdade e autonomia das mulheres.

PARA ENTENDER A ECONOMIA FEMINISTA

http://www.ufrgs.br/caar/wp-content/uploads/2012/02/Cartilha-Mulheres-FENED1.pdf

Aborda temas como: Mulher e Mídia, Mulheres Negras, Aborto.

CARTILHA FEMINISTA

PERSPECTIVAS FEMINISTAS PARA A IGUALDADE E AUTONOMIA DAS MULHERES

Busca contribuir com o subsídio de debates sobre autonomia e igualdade, princípios centrais da luta feminista que propõe uma transformação estrutural na sociedade, que alcance a vida de de todas as mulheres..

http://www.sof.org.br/2014/04/22/perspectivas-feministas-para-a-igualdade-e-autonomia-das-mulheres/

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Considerações Finais

A finalização desta cartilha não pode ser considerada um encerramento do assunto. É apenas um encerramento do meu encontro

com vocês, mesmo que de uma maneira simbólica. Os dados aqui compilados são uma parte ínfima de um universo a ser explorado.

Espero que de alguma maneira eu tenha conseguido provocar o interesse para questões que durante décadas foram, e são,

negligenciadas pela indústria criativa. Temos que ter consciência dos impactos que causamos na vida das pessoas, a cultura material,

bem como a indústria cultural se fazem presentes nas relações individuais e coletivas. Neste sentido, devemos considerar nossa

responsabilidade social atentando às questões contemporâneas com a finalidade de contribuir com uma sociedade mais igualitária.

Escolhi o feminismo como tema para este primeiro material, mas tenho a intenção de continuar com este projeto abordando outras

temáticas. As promematizações são múltiplas, a questão do feminismo negro; homossexualidade; transsexualidades; sexualidades, os

assuntos não se limitam a este recorte aqui apresentado, este material é “apenas o começo”. Tenho a intenção de buscar apoio de outros

pesquisadores para em breve dar segmento a uma série que trate de temas sobre “Criatividade e Discussões de Gênero”.

Como professora de uma Universidade Pública Federal, tenho o dever de compartilhar conhecimentos adquiridos através de

pesquisas realizadas. Não pensem que faço isso por obrigação, me sinto muito gratificada por ter espaço e condições de difundir não

apenas as interpretações por mim realizadas, como também os trabalhos dos quais me utilizo para formular meus argumentos. Me

coloco a disposição para esclarecimentos e parcerias futuras.

Cordialmente

Rochelle Cristina dos Santos

e-mail: [email protected]

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projeto gráfico e inspiração visual

da cartilhav

O embasamento teórico para criação do projeto gráfico dessa cartilha partiu de uma dinâmica em grupo com a(o)s aluna(o)s da disciplina “Criatividade e Discussões de Gênero” do semestre 2015.1. O objetivo da dinâmica foi se aproximar do público para qual se destina este material e entender como melhor conversar com ele. Como resultado os alunos mostraram interesse por uma diretriz visual mais dinâmica e expressiva.

Como primeiramente o material foi inserido dentro da universidade através da disciplina, enxerguei uma oportunidade de estudo a partir de uma pequena amostragem de quem iria ler essa cartilha

Como resultado busquei reforçar o tema a través dos diferentes pesos tipográficos possibilitados pela família escolhida (aleo), assim como diferentes tamanhos. A desconstrução e dinâmica do fluxo textual foi reforçada por diversos fios que cortam as principais linhas fundamentadas no grid de base. A parte da expressividade visual foi reforçada por colagens, principalmente na primeira parte do material - mais expressiva, insipiradas na artista Hannah Hoch.

Ligada à questionamentos sociais em uma época onde abordagens sobre a sexualidade da mulher moderna não eram abertamente discutidas, a artista Hannah Höch se destaca no cenário dadaísta alemão da década de 1920. Feminista, questionava através de seu trabalho, representado pela expressividade de suas fotocolagens, o antigo papel do indivíduo feminino na nova sociedade. A características da expressão artística de Hannah possuia quatro princípios para realização das colagens: autonomia, distanciação, recorte e mistura. Há autores que defendem que Hannah Höch sempre teve a preocupação em suas obras de representar a nova mulher do século XX e de denunciar a sociedade misógina em que vivia.

por marina berretta

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O trabalho desta artista pioneira na fotomontagem contribuiu muito para o combate a misoginia dentro dos círculos artistas revolucionários, suas peças também muitas vezes combinavam os gêneros masculino e feminino em um ser andrógeno, que questionava os padrões estéticos da época, e serviu de inspiração para várias artistas feministas nas décadas seguintes.

O meio de produção artística da época era predominantemente masculino e a artista sofreu diversas consequências por ser uma das poucas mulheres que se aventuravam nele.

As obras de Hannah são marcadas pelo surrealismo provocado pela dinâmica entre os elementos da colagem e apresenta sempre

resultados que questionam as figuras que compoem as obras. Vale uma pesquisada mais a fundo, as obras são de encher os olhos e o

nosso subjetivo!

Self-portrait - Hannah Hoch, 1889 - 1978.

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REFERÊNCIAS

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