crítica espírita nº 1 janeiro de 2015

Upload: laisamanu-1

Post on 07-Mar-2016

7 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Jornal Crítica Espírita Janeiro de 2015

TRANSCRIPT

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    1

    ENTREVISTA

    Se o espiritismo a cincia do

    esprito, qualquer manifesta-

    o moral no lhe estrutural,

    e sim contingencial.

    Entrevistamos o professor de direito

    da USP Alysson Mascaro

    Pgina 7

    A Teoria e a

    Prtica Esprita

    o espiritismo no poderia deixar

    de ser uma corrente progressista e

    contestadora.

    Pgina 3

    COLUNA DA AJEES

    AJE-ES Debate a personalida-

    de jurdica das instituies es-

    pritas.

    Pgina 6

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    2

    EDITORIAL

    Apresenta-

    mos o Jornal

    Crtica Esprita, iniciativa da Associao Jurdico

    Esprita do Esprito Santo AJE/ES que quer atin-

    gir dois objetivos. Primeiro, divulgar a AJE/ES e mos-

    trar que h o interesse em aproximar o espiritismo do

    conhecimento jurdico e social. Segundo, proporcionar

    uma leitura crtica da sociedade e do pensamento hu-

    mano, pelas lentes do espiritismo, e do prprio espiri-

    tismo, pelas lentes da sociedade e do pensamento hu-

    mano.

    Acreditamos que num planeta de provas e expiaes,

    onde aes individuais e coletivas so construdas sob

    o orgulho e o egosmo, as relaes individuais e sociais

    no permitem a emancipao, a liberdade e a fraterni-

    dade num sentido pleno. Ao contrrio, na base delas

    est o domnio, explcito ou no, de um sobre o outro.

    Por isso, parecem-nos equivocados aqueles que vivem

    bem nesse ambiente, que no sentem nenhuma ina-

    dequao. Parecem-nos mesmo inquos o conformis-

    mo e o comodismo com este mundo, absurdamente

    violento e desigual, e isso precisa ser, no mnimo, de-

    batido.

    Este jornal mensal, ao trazer luz essas questes, ter,

    basicamente, quatro sees. A primeira o Editorial,

    objetivando expor a opinio dos editores sobre os as-

    suntos tratados, alm de apresentar as opinies dos

    leitores. A segunda a Matria da Capa, contendo

    artigo opinativo sobre temas de espiritismo e direito,

    filosofia, sociedade, movimento esprita e atualidades.

    Nesta edio inaugural, Felipe Sellin, socilogo e

    membro da AJE/ES, discorrer sobre uma tenso en-

    tre teoria e prtica esprita. Para ele, se o espiritismo

    se radica numa tradio filosfica que promove pro-

    funda crtica social, o que h no movimento esprita ,

    na prtica, um generalizado discurso de dominao e

    de conservao das estruturas sociais injustas.

    A terceira seo a Coluna da AJE/ES, e objetiva

    prestar servios de orientao jurdica ao pblico ge-

    ral, e ao movimento esprita em particular, que se ini-

    ciar com a discusso sobre personalidade jurdica de

    instituies espritas. A quarta a Entrevista, na

    qual queremos dar visibilidade a pessoas que promo-

    vam abordagens crticas cientfica e filosfica do

    espiritismo, ou que realizem aes de transformao

    social. De incio, o pblico conhecer Alysson Leandro

    Mascaro, jurista, filsofo do direito e conferencista

    esprita, que integra importante linha de pensamento

    crtico-esprita atual.

    Por fim, este jornal feito, principalmente, para aque-

    les que sentem que este planeta deveria ser melhor, e

    que suas estruturas precisam ser repensadas. Por isso,

    leia, reflita, interaja, critique e apresente sua opinio,

    pois temos uma certeza: ningum dono da verdade.

    Afinal, o que a verdade?

    Boa leitura!

    Caras Leitoras e Caros Leitores,

    Editor Raphael Fa Baptista Editorao: Felipe Sellin

    Colaboram nessa Edio: Felipe Sellin Marco Antnio Lucindo Bolelli Filho Raphael Fa Baptista Roberto Airton Esteves de Oliveira Contato: [email protected]

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    3

    A Teoria e a Prtica Esprita O paradigma do esprito como uma via de emancipao

    MATRIA DE CAPA

    Em suA Critica da Razo Indolente o

    filsofo portugus Boaventura de Souza

    Santos(2002) apresenta uma tenso que

    ele considera central na modernidade e

    que atinge todo o conhecimento: a polari-

    dade entre, por um lado, o conhecimento

    emancipatrio, capaz de empreender a

    livre ao dos sujeitos, levando a uma

    sociedade sem as amarras da dominao

    e, por outro, conhecimento regulatrio,

    que implica diretamente na manuteno

    da ordem que vem sendo adquirida. A

    tenso abrange todas as reas do saber,

    seja a cincia, o senso comum ou o direi-

    to. Quando a fraternidade, como lema da

    revoluo francesa, perdeu espao para a

    propriedade os caminhos desta tenso j

    comeavam a se traar. No por acaso as

    constituies modernas tem como grande

    tarefa a manuteno do patrimnio priva-

    do. Essa ganha um valor maior que os

    seres humanos e passa a justificar uma

    srie de atividades do Estado objeto da

    dominao legtima legal. Mas, se por um

    lado a propriedade exerce sobre o direito

    essa influncia predominante, por outro,

    o direito orienta a formao do pensa-

    mento racional regulatrio e legitimador

    de uma ao estatal voltada para a manu-

    teno da propriedade e do consequente-

    mente status quo.

    O que alguns autores chamam de livre

    arbtrio determinista nada mais que a

    traduo espirita desta tenso moderna

    entre emancipao e regulao. Mas, as-

    sim como o saber tem sido um ganho para

    uma predominncia da regulao, o espi-

    ritismo tambm vem recebendo influncia

    desta viso de mundo colonizadora (que

    Alice, personagem de Lewis Carrol, atravs do espelho

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    4

    no nos permite pensar por ns mesmos)

    que vem levando a uma postura determi-

    nista, e obviamente krmica e fatalista,

    muito distante de sua origem.

    O espiritismo aparece na Frana como

    filiado ao pensamento filosfico mais pro-

    gressista da poca. Como defende Dora

    Incontri (2001), a tradio pedaggica de

    Kardec est diretamente ligada a Pesta-

    lozzi, numa corrente que passa por Rous-

    seau at chegar a Comenius. Todos estes

    percebiam a importncia da educao

    para a completa emancipao do ser.

    Diante a esta localizao intelectual de

    Kardec, o espiritismo no poderia deixar

    de ser uma corrente progressista e contes-

    tadora. A meu ver a filosofia esprita re-

    monta ao surgimento da filosofia moral

    do cristianismo primitivo, ou libertador

    como prefere Alysson Mascaro (2002).

    Assim, como na origem do cristianismo,

    h no espiritismo uma grande preocupa-

    o com a questo social. Nele, por exem-

    plo, as desigualdades sociais so frutos do

    orgulho e egosmo dos seres humanos e

    um dia tendem a acabar entre ns (LE

    806).

    Mas, por outro lado, o controle exercido

    pelo conhecimento regulatrio tem sido a

    postura no meio esprita. O que melhor

    expressa a hegemonia do conhecimento

    regulatrio sobre o movimento esprita

    parte da cultura poltica esprita que

    avessa ao conflito (a paz pela paz enco-

    bre as contradies e redunda na repro-

    duo das desigualdades pr-existentes).

    Atingindo inclusive a um importante edu-

    cador como Ney Lobo (1992), que dedica

    uma obra completa para combater verten-

    tes do espiritismo brasileiro e argentino

    que, ao perceberem a ausncia de um

    esprito libertador no movimento esprita,

    resolvem dialogar com outras correntes

    em busca de respostas a suas inquieta-

    es, como os trabalhos de Manuel Por-

    teiro e Humberto Mariotti.

    Este sectarismo, que considero uma in-

    compreenso quanto ao principal objetivo

    da obra de Kardec, herdeiro do que vem

    sendo chamado no meio esprita de

    pureza doutrinaria. Na prtica, significa

    uma recusa ao debate com a filosofia con-

    tempornea travestido de integridade

    e a fobia diferena e ao conflito traves-

    tido de unidade. A viso purista repete os

    erros de todo o positivismo que se acredi-

    tava capaz de objetivismo, e imprime ao

    estudo do espiritismo toda uma srie de

    preconceitos e ideologias de nossa poca.

    As ideologias so vises da realidade que

    no conseguem explicar as contradies

    existentes, mas que so muito eficientes

    para a legitimao sociais da dominao.

    Assim, a classe dominante (penso classe

    dominante do ponto de vista cultural, ou

    seja, estou falando do que comumente

    tratado como classe mdia) constante-

    mente busca justificar seus privilgios. A

    condio de classe do movimento esprita

    tem levado mesma postura. Inconscien-

    temente, criamos nossa auto ideologia e

    pagamos caro por qualquer pensamento

    capaz de validar nossos preconceitos de

    maneira cientfica e racional.

    Como qualquer outra fonte de conheci-

    mento, o espiritismo utilizado na tenta-

    tiva de justificao das contradies soci-

    ais que possam, em certa medida, confor-

    tar nossa alma para dormirmos sem cul-

    pa. Uma ilustrao deste uso aparece

    quando Kardec afirma que s proprie-

    dade legtima a que tenha sido adquirida

    sem prejuzo para outrem (LE 884). a

    justificativa que precisvamos: existe pro-

    priedade legtima, logo a minha sempre

    ser. Este pensamento desmerece a teoria

    da mais valia (pela estreiteza de ser con-

    cebida em meio ao materialismo). Mas

    tambm toma a parte (cria a fantasia) e

    as desigualdades so-

    ciais so fruto do or-

    gulho e egosmo dos

    seres humanos e um

    dia tende a acabar en-

    tre ns

    Il Quarto Stato do pintor italiano Pelizza da Volpedo

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    5

    desmerece outras importantes passagens

    em que Kardec aponta para problemas

    como o da herana (809), sua defesa da

    propriedade social das riquezas (881) e

    at mesmo quando aponta que a natureza

    traa em ns o que necessrio, mas

    constantemente exageramos e desrespei-

    tamos o equilbrio natural, o que leva al-

    guns possurem muito e outros viverem

    apenas do mnimo para sobreviverem

    (716). Isso sem contar na problemtica

    sobre o que seja causar prejuzo.

    Portanto, h no espiritismo uma preocu-

    pao social e uma lgica progressista

    condizente com a filiao intelectual de

    Kardec. Mas, a dinmica da modernidade,

    que tambm se reflete no Brasil, tem leva-

    do a uma leitura e uma continuidade que

    possui um vis ordenador e colonizante. A

    tarefa posta nesse momento , como diz

    Herculano Pires, retomar a essncia criti-

    ca do espiritismo, pois a renovao do

    homem implica a renovao social mas

    desde que o homem renovado se empenhe

    na transformao do meio em que vive,

    sendo esta, alis, a sua indeclinvel obri-

    gao(1950).

    Felipe Sellin Bacharel em Cincias

    Sociais e Mestre em Sociologia Poltica,

    Scio Diretor da ETHNOS Consultoria e

    Pesquisa social e professor universitrio.

    Um dos idealizadores do Grupo de Estu-

    dos Esprita Universitrio e Conselheiro

    da Associao Jurdico Esprita da Espri-

    to Santo.

    Referncias

    INCONTRI, Dora. (Tese de Doutorado) Pedagogia Esprita: um Projeto Bra-sileiro e suas Razes Histrico-Filosficas, Feusp, So Paulo, 2001. KARDEC, Allan. O Livro dos Espritos Filosofia Espiritualista (trad. Her-culano Pires). LAKE, So Paulo, 2002. LOBO, Ney. Estudos de Filosofia Soci-al Esprita. Ed. Federao Esprita do Brasil, Brasilia, 1992.

    MASCARO, Alysson Leandro. Cristia-nismo Libertador. Ed. Comenius; So Paulo, 2002 PIRES, J. Herculano. Prefcio de: MARI-OTTI, Humberto. Dialtica e Metapsi-quica. Editora dipo, 1950. SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a cincia, o di-reito e a poltica na transio para-digmtica. Cortez: So Paulo, 2002.

    Novas Estruturas Econmicas, Sociais e Educacionais

    I Encontro Jurdico Esprita do Estado do Esprito Santo

    10, 11 e 12 de Abril de 2015

    Dora Incontri Cesar Reis Carlos Loffler

    Dalva Silva Souza Roberto Airton Esteves Atitlio Provedel

    Felipe Sellin Mauricio Abdalla

    Realizao

    Inscries: http://goo.gl/forms/RSJVzZpaII

    Alysson Mascaro

    Retirante de Candido Portinari

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    6

    Prezado leitor! Iniciaremos esta coluna

    informando sobre a personalidade jurdi-

    ca de Instituies Espritas, um assunto

    de interesse pblico e, em especial, do

    movimento esprita, mas que necessita de

    qualificao tcnica para o seu entendi-

    mento e encaminhamentos.

    Assim, precisamos comear pela Consti-

    tuio Federal, na qual o povo brasileiro,

    em 1988, representado por uma Assem-

    bleia Nacional Constituinte, instituiu um

    Estado Democrtico, destinado a assegu-

    rar o exerccio dos direitos sociais e indi-

    viduais, a liberdade, a segurana, o bem-

    estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

    justia como valores supremos de uma

    sociedade fraterna, pluralista e sem pre-

    conceitos, fundada na harmonia social e

    comprometida, com a soluo pacfica

    das controvrsias, estabelecendo como

    Fundamentos a cidadania; a dignidade

    da pessoa humana; os valores sociais do

    trabalho e da livre iniciativa e como Ob-

    jetivo, construir uma sociedade livre,

    justa e solidria, promovendo o bem de

    todos, sem preconceitos e quaisquer ou-

    tras formas de discriminao.

    J o Espiritismo, ou a filosofia espiritua-

    lista, manifesta em O Livro dos Espri-

    tos, contendo os princpios da Doutrina

    Esprita, sobre a imortalidade da alma, a

    natureza dos Espritos e suas relaes

    com os homens, as leis morais, a vida

    presente, a vida futura e o porvir, reco-

    nhecido como importante instrumento

    para o progresso da humanidade, pelo

    exerccio da justia, do amor e da carida-

    de. Com isso, a AJE/ES prope-se a cola-

    borar com a constituio de pessoas jur-

    dicas, organizaes da sociedade civil,

    constitudas por uma associao de pesso-

    as que se organizam, tendo como base o

    primado do trabalho, e como objetivo o

    bem-estar, a justia social e o desenvolvi-

    mento espiritual. Vejamos, primeiramen-

    te, alguns conceitos.

    Personalidade jurdica: significa a

    aptido genrica para adquirir direitos e

    deveres no mundo jurdico. Com ela,

    qualquer pessoa, fsica ou jurdica, pode

    praticar atos da vida civil, como comprar

    e vender, doar, alugar, herdar, e atos em

    geral, como peticionar perante o Estado,

    defender direitos, atuar na sociedade, etc.

    Enquanto a personalidade jurdica da

    pessoa fsica comea no nascimento com

    vida, a personalidade das pessoas jurdi-

    cas, comea com a inscrio do ato cons-

    titutivo no respectivo registro, precedida,

    quando necessrio, de autorizao ou

    aprovao do Poder Executivo, averban-

    do-se no registro todas as alteraes por

    que passar o ato constitutivo. Frise-se

    que o termo pessoa jurdica designa

    uma coletividade, de pessoas fsicas ou

    jurdicas, que unem os esforos num obje-

    tivo comum (lucro econmico, promoo

    social, etc.). Segundo o Cdigo Civil, no

    art. 44, as pessoas jurdicas de direito

    privado so: associaes, sociedades, fun-

    daes, organizaes religiosas, partidos

    polticos e empresas individuais de res-

    ponsabilidade limitada. Por fim, a perso-

    nalidade jurdica da pessoa fsica se extin-

    gue com a morte, e das pessoas jurdicas

    com sua dissoluo.

    Instituies Espritas: grupos, centros

    ou instituies espritas so pessoas jur-

    dicas de direito privado, Organizaes da

    Sociedade Civil, orientadas para o estudo,

    a divulgao e a prtica dos princpios do

    espiritismo, no plano individual ou coleti-

    vo, e objetivam promover o bem-estar e a

    justia sociais, e a educao, a formao e

    o desenvolvimento do homem de bem.

    () Prembulo e Art. 3 da Constituio

    Federal

    () Artigo 45 do Cdigo Civil

    Personalidade Jurdica de Instituies Espritas - Parte 1

    Coluna da AJE-ES

    Programe-se e Participe

    Reunies de Estudo doutrinrios AJE-ES 2015

    Todas as quartas feiras a partir das 7:30 (da manh)

    Local: Grupo Esprita Lamartine Palhano (GELP) - Goiabeiras

    Tema: Leis Morais

    Livro dos Espritos

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    7

    Crtica EspritaNarre sua trajet-

    ria no espiritismo.

    Alysson Leandro Mascaro Falarei

    de minha formao. Nasci em uma fa-

    mlia esprita, no interior de So Paulo;

    cresci nesse ambiente. O contexto esp-

    rita no qual me desenvolvi era bastante

    contagiante em termos de horizonte

    moral e, ao mesmo tempo, muito aberto

    em termos principiolgicos. Hoje, fazen-

    do uma classificao retrospectiva, diria

    se tratar de uma espcie de comunidade

    crist muito sincera, numa mistura ao

    mesmo tempo conservadora nas prti-

    cas e liberal em termos de viso de mun-

    do, a meio caminho de um franciscanis-

    mo ou de uma religio da libertao.

    No era um espiritismo dos mais costu-

    meiros. A instituio esprita, imensa, se

    estabelecia ao lado de uma favela, com

    um trabalho muito intenso junto a tal

    comunidade. Cresci no trabalho assis-

    tencial e vivendo a realidade de um

    ambiente social extremamente sofrido.

    Alm disso, quando adolescente, tive

    contato muito prximo tambm com o

    mais pobre asilo de velhos da regio.

    Essa experincia dos meus anos de cri-

    ana e adolescente me forjou. Quanto

    ao plano intelectual, havia a idia de

    que o Espiritismo devesse ser uma mo-

    ral melhorada, o melhor cristianismo

    em termos de valores de mundo, sem a

    hipocrisia das religies. Alm disso, o

    conhecimento que se apresentava se

    pretendia cientfico e filosfico. Essa

    base anunciava, para quem o quisesse, o

    progresso do saber como uma diretriz.

    Perdi a conta, nos meus anos de infncia

    e adolescncia, de quantos livros li, na

    casa das centenas. Assim cresci, ao lado

    da pobreza e dos livros.

    C.E.- Foi difcil para voc, vindo de uma

    formao esprita, chegar ao materialis-

    mo dialtico?

    A.L.M. Sempre fui de esquerda. Desde

    cedo tive sensibilidade extremada dor

    da injustia social. Quando, de criana,

    me engajei no ambiente caritativo, este

    sentimento foi decisivo para depois ali-

    cerar minha viso terica de mundo.

    Deu-me solidamente o lado em que estou

    e de onde concebo o mundo. Acumulei

    tanto a experincia de estar ao lado dos

    que nada tinham quanto, com o passar do

    tempo, a compreenso poltica dos meca-

    nismos que constituem a sociedade.

    Quando ingressei na faculdade, j era

    socialista.

    No plano existencial e prtico, ser contra

    as exploraes e a favor da transforma-

    o social um dever do esprita. uma

    aberrao um cristo ou um esprita que

    defendam o capitalismo, a riqueza ou o

    poder. No plano terico, se o espiritismo

    uma cincia, ele deve abraar todo

    progresso do saber. A psicanlise e o

    marxismo, por exemplo, so-lhe campos

    necessrios. Desde o sculo XIX, com o

    marxismo, descobriu-se o grande conti-

    nente da histria e da sociedade. por-

    tanto imperioso estar a par e angariar o

    melhor dos saberes.

    C.E.Voc diz no seu livro "Cristianismo

    libertador" que o espiritismo no cris-

    to e que essa vinculao um acaso

    histrico. Explique sua posio.

    A.L.M. Se o espiritismo a cincia do

    esprito, qualquer manifestao moral

    no lhe estrutural, e sim contingencial.

    ENTREVISTA

    A religio natural

    deve ser tomada

    como uma experi-

    ncia tpica do con-

    texto iluminista,

    melhor que o pas-

    sado e aqum do

    presente.

    ALYSSON LEANDRO MASCARO

    Alysson Mascaro um dos grandes

    nomes da filosofia do direito no Bra-

    sil, formando e liderando a sua mais

    destacada escola de pensamento jur-

    dico crtico.

    Advogado e parecerista em So Paulo,

    autor de mais de dez livros, com desta-

    que para Cristianismo Libertador,

    Estado e a Forma poltica, "Filosofia

    do Direito" e Crtica da Legalidade e

    do Direito Brasileiro".

    Alysson gentilmente concedeu essa

    entrevista Marco Antonio Bolelli,

    advogado e conselheiro da AJE-ES.

    Em abril Alysson estar no Esprito

    Santo para o I Encontro jurdico Esp-

    rita, onde debater com vrios pensa-

    dores, entre eles a professora Dora

    Incontri e o economista Cesar Reis.

  • Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015

    8

    Assim, pelo acaso dos espritas serem

    ocidentais, so eles cristos, ainda que de

    um certo cristianismo ps-iluminista,

    propondo nos meados do sculo XIX

    uma religio natural. O espiritismo

    cincia como a qumica. Se h qumico

    cristo, a qumica no crist.

    C.E.O que pensar ento da interpreta-

    o do espiritismo como terceira revela-

    o?

    A.L.M. Uma cincia no trabalha com

    revelao, mas sim com descoberta. As-

    sim sendo, todo o linguajar do sculo XIX

    deve ser lido nesse diapaso.

    C.E.Voc tem constatado que o espiri-

    tismo se apoiou na tradio da religio

    natural. Ainda possvel partir desse

    paradigma como base terica?

    A.L.M. Propor uma religio natural foi

    a tentativa do Iluminismo nos sculos

    XVII e XVIII. Com isso, combatia-se a

    revelao como fonte da moral e os ana-

    cronismos irracionais e as guerras entre

    religies proselitistas da advindas. Perto

    do religiosismo que ainda grassa no mun-

    do, a religio natural um belo paradig-

    ma. Mas toda a evoluo do conhecimen-

    to nos sculos XIX e XX pe o conheci-

    mento sobre o ser humano, seu compor-

    tamento, sua ao moral e suas prticas

    em novos patamares. A religio natural

    deve ser tomada como

    uma experincia tpica do

    contexto iluminista, me-

    lhor que o passado e

    aqum do presente.

    C.E.Voc defende a

    ideia que o ncleo do espi-

    ritismo a cincia, e afir-

    ma que se algum dia a

    cincia demonstrar que

    no existe o esprito, en-

    to o espiritismo no tem

    mais razo de ser. Bom,

    nossa cultura cientfica

    amplamente materialista

    e j desacredita o esprito

    e a dimenso espiritual. O

    que pensar disso?

    A.L.M. No h cincia

    sem concretude e materialidade. Ela tra-

    balha com factualidade, prova, causalida-

    de. Neste sentido, pode-se ento falar da

    cincia do esprito como campo de inves-

    tigao, legitimado a partir de indcios e

    sugestes. Quando houver, a prova do

    esprito s poder ser cientfica e, portan-

    to, material.

    C.E.Existem vrias formas de ser esp-

    rita?

    A.L.M. Tantas quanto as formas de ser

    mdico, qumico, matemtico, astrno-

    mo, tcnico em eletrnica

    etc.

    C.E. Voc tem trabalha-

    do com a ideia de que o

    Estado e o Direito repre-

    sentam o status quo da

    sociedade. Qual o papel do

    jurista face s injustias e

    violncias dos nossos tem-

    pos?

    A.L.M. O papel do juris-

    ta se engajar na transfor-

    mao do mundo, no co-

    mo jurista, mas sim como

    batalhador das causas do

    povo e da superao do

    mundo capitalista.

    C.E.- No uma contradi-

    o ser jurista numa sociedade onde o

    direito representa a garantia das violn-

    cias?

    A.L.M. Sim, e isso est no s no ju-

    rista, mas em todas as profisses, prti-

    cas e aes de nossa sociabilidade. O ca-

    pitalismo planta, de ponta a ponta, a con-

    tradio. O cortador de cana lavra a terra

    para uma mercadoria cuja finalidade

    pouco importa sociedade. A professora

    educa para habilidades tcnicas. O jurista

    age para a eterna circulao das merca-

    dorias, dando a propriedade aos seus

    donos. preciso escapar totalmente do

    caleidoscpio da mercadoria.

    C.E.Voc aceitou participar do EJE-

    ES. Como o enxerga e qual

    a importncia deste tipo de evento?

    A.L.M. Em primeiro lugar, ser uma

    alegria voltar mais uma vez ao Esprito

    Santo e rever amigos fraternos e encon-

    trar e falar aos novos companheiros.

    Alm disso, fundamental abrir o espao

    de encontro entre pessoas com o firme

    propsito de avanar no conhecimento e

    no transbordar de um slido saber em

    favor da transformao social.

    Acima: Alysson apresenta aula no IV Curso Livre Marx Engels, no lanamento de "Estado e forma poltica, abaixo: entrega en-to candidata a presidncia e orientanda Luciana Genro carta sobre o socialismo.