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Rio, de 24 a 30 de julho de 1972 Número 40 - CrS 2,00
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POLITIKAENTREVISTA O _^LIDER DA OPOSIÇÃODO URUGUA
í) general Seregni conversa com Milton Temer, de POLITIKA
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POLITIKA
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Jt--v A rí^ A Ed"t
O sonhador
McGovern
George McGovern é o candidatodemocrata à presidência dos EstadosUnidos. Veio como quem não quer nada,lutando sozinho contra o establisment,contando apenas com o poder jovem. Osenador pela Dakota do Sul está surgindocomo um fenômeno tão comum nestaépoca de rebeldia em que as novas forçasse insurgem contra as velhas estruturas,como ocorreu aqui no Brasil, em 1960,com Jânio Quadros. Repudiado porquase todos, terminou por se revelar o
que o povo queria.
Pelo direito de ser candidato,McGovern teve que levar de roldão todoum esquema montado contra tudo aqui-to que ele representa. Pode ser que elenão consiga vencer as eleições, mas pelomenos acaba de dar uma grande lição. Omundo está se transformando e é neces-sário que se atente para isso. Os conven-cionais de Miami acabam de mostrar aomundo que até mesmo os Estados Uni-dos, que sempre serviram como exem-
pio para a reação, estão exigindo refor-mas liberais, que a linha dura não pode,por muito tempo, se manter sem fazerconcessões.
Contra a candidatura de McGovern
começam a se levantar todas as forças
obscurantistas do mundo. Ela representa
o fim de uma era de despotismo e a
esperança para os oprimidos, por isso
não serve aos setores dominantes, princi-
palmente de alguns países que gravitamem torno dos falcões norte-americanos,
alimentados pelas armas das ajudas mili-
tares e pelas conspirações da CIA.
Os sintomas da reação contra a candi-
datura McGovern já se fazem sentir nachamada grande imprensa, não só doBrasil como também de todos os paísesque vivem, ou melhor vegetam, em tomodos falcões. Se os editoriais desses jornaistivessem qualquer influência nos Estados
Unidos, como têm em seus países deorigem, certamente que McGovern a estaaltura estaria amargando uma derrota naconvenção democrata. Mas como, apesarda subserviência, ninguém nos EstadosUnidos dá atenção a estes países,McGovern pode ficar traqüilo e conti-
Celso burlado
nuar sua campanha, procurando o votolivre, pois é deste que vai precisar e nãodos aplausos da imprensa dos paísesengajados.
O que espanta, contudo, é o histeris-
mo da grande imprensa. O que é que tem
de mais que um liberal não possa assumir
o poder nos Estados Unidos? Afinal, o
povo norte-americano não pode escolher
quem bem endenter para governar seus
destinos? Isto é por demais comprome-
tedor. Será que esta imprensa e seus
governantes vivem e dependem das so-
bras da ajuda dos falcões? Se McGovern
for eleito e cortar esta ajuda, será quedesapareceremos como nação livre, ou
tomaremos tenência e seguiremos seu
exemplo, passando a ser uma nação
livre? A ajuda que todos os povosdesejam dos Estados Unidos é a ajuda
despretensiosa, a ajuda que venha contri-
buir para o seu desenvolvimento. Nós
precisamos de dinheiro e técnicos e isto
os falcões não dão. Eles mandam armas e
agentes da CIA, e com balas e conspira-
dores não se faz desenvolvimento.
O liberalismo está assustando os de-fensores do status quo. Eles querem acontinuação da guerra do Vietnã, a
política do big stick, pois só com elaterão garantidos seus privilégios. Manti-das as prerrogativas de espoliar as popu-lações do mundo. Continuarão comoabutres vivendo da carniça do mundo.
McGovern não garante a continuaçãodessa política, ele quer mudar. Quer queos Estados Unidos não sejam mais vistoscomo a guarda pretoriana do mundo,mas como um povo amigo, que ajuda osdemais povos do mundo a procurar seuscaminhos com liberdade, respeito àpessoa humana e conseguir atingir odesenvolvimento e o bem-estar próprio.
Por qué combater McGovern? Só oscegos e obscurantistas - sem falar nos demá-fé, que se locupletam desta situa-
ção - é que podem combater umhomem que deseja que cada povo sigaseu caminho, que aponta o rumo seguido
pelo seu país, desde 4 de julho de 1792,
para atingir o bem-estar geral e a felici-dade. Ele quer que cada povo seja rico eforte como o é o seu. Por isso ele écombatido. Talvez seja um sonhador.
Agenda
• O livro de Celso Furtado
Análise do Modelo Brasileiro lan
çado pela Civilização Brasileira
teve sua primeira edição de 10
mil exemplares esgotada em uma
semana. Enio Silveira, em con-
versa com Sebastião Nery, disse
que POLITIKA contribuiu so-
bremaneira para o sucesso davenda publicando, em primeiramão, e em manchete de primeira
página um extrato do livro. Mui-
tas pessoas que foram à Civiliza-
ção a procura do livro levavam
POLITIKA na mão ou faziam
referência ao semanário.
Talvez a Província de Grão
Pará seja a que maiores reverên-
cias preste aos restos mortais do
imperador Pedro I, que peregri-nam por todas as províncias bra-
sileiras. O governador Fernando
Gulhon está se esmerando nos
preparativos para uma pomposarecepção. Até agora, apesar de
transcorridos um ano e meio de
mandato, o governador não ti-
nha feito nada, mas aproveitou a
oportunidade para mostrar do
que é capaz. Já gastou 300
milhões de cruzeiros com os pre-
parativos. Mandou construir uma
carruagem tirada por seis cavalos
brancos (mandados vir do sul ao
preço unitário de 6 milhões) evestiu o pessoal a caráter, inclu-
sive libre para os cocheiros. É
provável que baixe um decreto
intitulando-se Presidente de Pro-vincia, para dar mais autenti-
cidade á festa.
Os comerciantes da Guana-bara estão se movimentando
para eleger um integrante daclasse para a Assembléia Legisla-tiva, em 1974. Os portugueses,de acordo com as novas normasde reciprocidade luso-brasileira,
já se comprometeram a votar nocandidato indicado. Sondado, oSr. Mozart Amaral, presidente daFederação do Comércio Varejis-ta, do Sindicato dos Lojistas, doSESC-GB, interventor no Sindi-cato dos Feirantes, conselheiroda Confederação Nacional doComércio, além de empresário,do setor de meias, declinou daindicação, afirmando que suasmúltiplas ocupações o impediamde concorrer, preferindo quefosse outro o indicado. Contudo,acredita-se que ele fará mais esteacrifício e termine por aceitarmais um cargo.
Danton Jobim já está em
plena campanha para suceder o
governador Chagas Freitas na
Guanabara. Eleito senador em1970 com um mandato de qua-tro anos, Danton acredita queserá o escolhido pelo MDB paraa sucessão estadual. Tem visitado
constantemente a zona rural dacidade-estado e afiança aos ami-
gos que Chagas não lhe faltará na
hora aprazada.
• Causou a maior repercussão
nos meios intelectuais brasileiros
o gesto do Centro Cívico Jua
rezista do México que resolveu
homenagear o alferes Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiraden
tes, por motivo do centenário da
morte de Benito Juarez, o már
tir da independência mexicana
Uma urna contendo um punha-do de terra da Fazenda do Pom
bal, em Minas Gerais, onde nas
ceu Tiradentes, está sendo levada
para o México para que o povomexicano possa prestar uma
homenagem simbólica ao
homem que morreu para que o
Brasil se tornasse independente.
• Os europeus continuam
fazendo chacota com o Brasil e
os brasileiros, estes selvagens
subnutridos e despresíveis seres.
Há dias a imprensa francesa
publicou um telegrama proce-dente do Rio relatando um fato
sumamente desabonador ao
Brasil e seu povo. Afirmava queum deputado baiano, depois de
ter comido uma omeleta decogumelos, despiu-se, assumiu a
tribuna da Assembléia Legisla-
tiva de Salvador e fez um can-
dente discurso condenando a
democracia. E nossa imagem,
como fica? Os diplomatas brasi-
lei ros, simplesmente, desconhe-
ceram o fato.
• Ainda na França: nossos
irmãos super-civilizados, tão civi-
¦ !zCuC3 que desprezam 3Ui omcri
canos e argelinos, dando a eles
tratamento de gatunos e pregui-
çosos, resolveram limpa a barra
com o Brasil, e uma fábrica de
cigarrilhas acaba de lançar a
marca Reinitas Brésil. A revista
Lui publicou anúncio em que
aparecem dois mexicanos carac
terísticos - de chapelão, bolero
e bigodes retorcidos - encima-
dos pela legenda Tout le Brésil
dans 20 petits cigares. E somos
nós os incultos e incivilizados.
_
r
Carlos
Aba llo
I— 1
POLITIKA
Muita gente já
falou sobre o
desenvolvimento brasileiro. E
as opiniões são conflitantes..
Há quem
nos veja líderes. Aqui,
a Argentina analisa o Brasil.
análise
1A
A
A política econômico-financeira do Brasil tem sido objeto de
controvérsia na imprensa especializada da Europa e dos Estados Unidos e
começa agora a repercutir nos países latino-americanos. Certos pronunciamentos
internacionais como o do presidente Richard Nixon e a recente entrevista
ex-embaixador Lincon Gordon, apontando os efeitos do desenvolvimento
brasileiro como passível de repercussão sobre os países
latino-americanos, passam
a preocupar os governos
situados nessa area. Os debates que a» se
estabelecem a respeito revestem-se das mesmas características polemicas que
se observam tanto entre nós como em outras partes do mundo.
O trabalho que hoje publicamos
é de autoria do conhecido economista argentino
Carlos Aballo, membro do Instituto de Investigações Econom.cas e Financeiras da
Confederação Geral de Economia, orgao das classes
empresariais daquele país. (Medeiros Lima).
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POLITIKA
análise
O alto índice de crescimento
apresentado pela
economia do
Brasil tem seus apologistas
na Argentina. Mas eles vêem,
também, toda nossa história.
Getúlio Vargas
• ¦ V^B
Juscelino Kubitschek João Goulart
Tudo começou
quando
os forças tradicionais resolveram
romper o equilíbrio
0 alto ritmo de crescimento do produ-
to bruto brasileiro e o relativo êxito obti-
do na luta contra a inflação nesse país pro-
vocaram em certos meios políticos, mili-
tares e econômicos da Argentina um
desses freqüentes fenômenos de admira-
ção apologética, isenta de sentido crítico
e imbuída de aspirações imitativas que
periodicamente se repetem e que
depois - quando o fenômeno se reduz à
sua exata dimensão pela própria evolução
histórica — são relegados a um piedoso es-
quecimento ou, o que é pior, substituídos
por outro modelo, a que rapidamente se
atribui similares* características milagro-
sas. Não resta dúvida que a apologia da
experiência brasileira não resulta do cará-
ter intrínseco do modelo econômico, mas
sim — em grande escala — dos interesses
que favorece e das supostas conveniências
políticas que promove. Apesar disto, nes-
te trabalho estas questões são postas de
lado e a elas só serão feitas referências
circunstanciais ou de maneira secundária.
Não representa igualmente - nem mesmo
de maneira aproximada - um trabalho
exaustivo sobre a estrutura econômica do
Brasil moderno. Trata-se simplesmente,
de analisar alguns aspectos fundamentais
desse modelo, não para julgá-lo ou elogiá-
Io, mas apenas para enfocá-lo como pol í-
tica alternativa, assinalando suas próprias
limitações, possíveis e comprovadas.
Na tarefa de desmistificar o rarátpr Ho
modelo - que é a melhor maneira de
compreendê-lo - serão assinalados dois
dos mais freqüentes erros que cometem
seus apologistas: a crença de que o eleva-
do desenvolvimento do Brasil é uma novi-
dade, produto das decisões tomadas pelos
governos militares a partir de 1964, e a
convicção de que se trata de uma mudan-
ça estrutural profunda, quando, na reali-
dade, representa — em suas diferentes
fases - respostas diferentes para fazer
frente a distintas situações conjunturais.
ECONOMIA BRASILEIRA
As características mais gerais da evolu-
ção econômica brasileira, sobretudo no
que diz respeito ao crescimento indus-
trial, são bastante similares ao processo
argentino. A atividade produtiva mais im-
portante, que atuava como propulsora do
desenvolvimento, foi, durante muitos
anos, a agricultura, configurando um sis-
tema típico semicolonial. A indústria
crescia nas primeiras décadas do século,
principalmente como resposta à evolução
do setor externo. Quando nesse setor apa-
reciam sintomas de estrangulamento ou
dificuldades na importação, a atividade'
manufatureira interna tomava impulso,
substituindo-se parte dos produtos impor-
tados. Nesse sentido, cabe mencionar es-
pecialmente o crescimento observado du-
rante os anos da Primeira Guerra Mundial.
A esmagadora maioria das atividades in-
dustriais servia para satisfazer as necessi-
dades mais imediatas de consumo.
O crescimento industrial propriamente
dite originou-se com a crise mundial dos
anos trinta, quando apareceram grandes
dificuldades na exportação e se retraiu ointeicâmbio internacional. A primeira res-
posta a essa redução de importações
consistiu, naturalmente, em substituí-las
na esfera dds artigos de consumo. •
A transformação da estrutura econômi-
ca, derivada do aparecimento de um cres-
cimento industrial continuado, deu lugar
a uma série de políticas que iriam assina-
lar u cdidter uo reyime institucional. O
setoi mais tradicional da sociedade era
constitu ido pelos latifundiários. O apareci
mento da indústria no Rio de Janeiro e
em São Paulo acentuou o processo de
concentração da população nas áreas
urbanas e deu lugar à formação de uma
classe operária numerosa, que, juntamen-
te com outras camadas da população,
passou a fazer pressão no sentido dá
transformação na estrutura das rendas. O
governo criou as condições para que a
evolução industrial afetasse o menos
possível os interesses tradicionais e isto
deu lugar, em 1937, à instituição, pelo
presidente Getúiio Vargas, daquilo que se
denominou como Estado Novo, que não
passava de um sistema de equilíbrio poli-
tico entre as diferentes classes sociais.
Como todo mecanismo de equilíbrio
baseado em uma imagem social ampla,
toda vez que aquele era submetido à ação
de um elemento crítico, aparecia a
pressão das classes extremas da imagem
social: os latifundiários e os trabalha-
dores. 0 governo, refletindo seus inte-
resses pela manutenção do crescimento
industrial, sem aceder a uma paralela
transformação na estrutura da demanda,
procurava vencer as dificuldades mediante
mecanismos de proteção e de controle de
preços.
O sistema funcionou sem maiores in-
convenientes entre 1937 e o término da
Primeira Guerra, porém a medida que
avançava o processo industrial chegou-se a
um ponto crítico pelos efeitos da redistri-
buição das rendas, devido à inflação. A
única maneira de superar essas obstru-
ÇÕes, como se verá mais adiante, era re-
correr a um programa de transformação
agrária que permitisse uma radical ampli-
ação do mercado interno de consumo, ga-
rantindo a indústria nacional e promoven-
do a expansão do setor estatal. Os setores
tradicionais, representados pelos latifun-
diários e o capital estrangeiro, opuseram-
se tenazmente a essa transformação im-
pulsionada pelo Governo e, finalmente,
Vargas foi deposto em 1945. Nesse mo-
mento, foi imposto o congelamento do
salário-mínimo que vigorou até 1952.
Não obstante, o regime não pôderetroceder e o sistema continuou funcio-
nando dentro das mesmas normas gerais,
embora bloqueando de forma direta toda
possível transformação do instável equilí-
brio existente. O conflito voltou a colo-
car-se pouco depois que Getúlio Vargas
reassumiu o governo Vargas suicidou-se
em 1954, em conseqüência de um virtual
golpe de Estado, denunciando em seu fa-
moso testamento a ação dos interesses
tradicionais do País.
A crise foi originada precisamente em
1954, peia queda do preço do café no
mercado mundial. As rendas provenientes
A
ECONOMIA
BRASILEIRA
VISTA PELA
ARGENTINA
A economia
truncou-se
desde 7954
das exportações não eram suficientes para
que o Governo proporcionasse os fundos
necessários aos plantadores e aos exporta-
dores, sem sobrar recursos para a indús
tria, uma vez que esta devia se afirmar pormeio da assistência estadual diante dasdi-
ficuldades para importar e da necessidade
de promover o reequipamento geral. Em
síntese, a evolução negativa do setor ex-
terno acelerou a ruptura do equilíbrio e
os grupos tradicionais da sociedade se
asseguraram do controle da política eco-
nômica, mediante um golpe de Estado
que teve lugar nesse ano.
O crescimento industrial, com elevada
proteção tarifária, requeria, com urgência,
um esforço financeiro do Estado para im-
pulsionar e reequipamento e melhorar a
eficiência, porém os setores tradicio-
nais — que haviam recuperado o poder em
1954 — viram logo que esse esforço podia
comprometer seriamente sua própria so-
brevivência, dado que havia uma séria cri-
se nas exportações e ^ agricultura neces-
sitava de urgentes subsídios. Os setores
mais avançados da indústria estavam inte-
ressados em promover mudanças estrutu-
rais que incrementassem a demanda inter-
na, porém os grupos latifundiários tradi-
cionais pressentiram que esse prticesso po-
ria em perigo suas posições, razSo pela
qual optaram por uma saída para a orise
industrial, mediante o auxílio de capitais
estrangeiros, a fim de evitar que se limi-
tassem os subsídios á agricultura, funda-
dos na queda dos preços internacionais.
A ruptura do equilíbrio em que se ba-
seava o Estado Novo deu lugar a um pe-
ríodo de indefinições combinado com
grandes tensões políticas, até que em
1956 retornou à normalidade institucio-
nal com a chegada de Juscelino Kubits-
chek e João Goulart ao governo.
Nesse momento já havia sido resolvida
parcialmente a futura estratégia industri-
al, optando-se pelo ingresso maciço de ca-
pitais estrangeiros. A Instrução 113, da
Superintendência da Moeda e Crédito,
concedeu tacilidades excepcionais as in-
versões estrangeiras, porém ao fazê-lo se-
lou-se o destino futuro da média e peque-
na indústrias, que devia competir em con-
dições difíceis e enfrentar uma rápida re-
novação de equipamentos. Em muitos ca-
sos, os capitais estrangeiros estabeleceram
acordos de associação com capitais brasi-
leiros e também tiveram acesso a convé-
nios similares com empresas estatais, que
podiam converter-se, desde esse momen-
to, em instituições de capitais mistos e
compartilhar com os capitais estrangeiros
as vantagens resultantes das isenções fis-
cais.
f
Bi
POLITIKA
economia
brasileira
VISTA PELA
ARGENTINA
A produção
industrial crescia
na mesma proporção
em que
os
salários eram aumentados. Não
havia como manter a situação.
E o golpe
tornou-se iminente.
análise
Nem mesmo a entrada maciça de
capitais estrangeiros foi bastante para que
o sistema superasse as crises
A entrada de capitais estrangeiros en-
tre 1955 e 1961 -
que chegou a 2,3
bilhões de dólares - aliviou as tensões
existentes, entre os interesses conflitan-
tes, liberando o Estado da obrigação de
carregar sobre seus ombros parte do custo
da reconversão industrial, o que permitiu
uma transferência de rendas ao setor
agrário, instrumentada em grande parte
pelo sistema de preços. Os benefícios de
maior renda agropecuária - originado na
maior produtividade industrial
— não pro-
vocou um aumento da oferta de produtos
desta área. A taxa anual de crescimento
do setor agropecuário, que no período de
1947-54 havia sido de 4,9% ficou reduzi-
da a 4,3% entre os anos de 1955-60. Em
compensação, o ritmo de crescimento
industrial, que no primeiro período era de
8,3%, chegou a 10,4% como média anual
no período mencionado. Respondendo à
necessidade de criar uma infra-estrutura
adequada à magnitude do crescimento
industrial e à incorporação maciça de
capitais estrangeiros, o governo iniciou
um vasto plano de inversões públicas.
Antes de terminar o período constitu-
cional de Kubitschek, em 1960, ressurgiu
a crise de crescimento. O resultado das
exportações não chegava a suprir as neces-
sidades de importação nem a cobrir os
serviços de amortização e juros da dívida
externa. Além do mais, a demanda inter-
na de produtos industriais chocava-se com
as limitações do consumo, devido, princi-
palmente, à estrutura agrária atrasada.
Essas crises se repetiam periodicamen-
te desde 1945, porém cada vez mais
profundas. É que o ciclo de crescimento
industrial limitado, em combinação com
uma estrutura agrária que mantém fora
do mercado a metade da população do
país, havia chegado ao seu fim. Para
cobrir suas próprias deficiências de
acumulação — originada na estreiteza da
demanda — a indústria tinha que recorrer
a subsídios diretos ou dissimulados do
Estado ou ao financiamento inflacionário.
Porém, cada vez que se produziam baixas
nns preços internacionais do cafc ou
dificuldades no comércio de exportação,
parte desses subsídios tinha que voltar à
agricultura. Então, os interesses dos dois
grandes grupos dirigentes — o setor indus-
trial e o agrário — terminavam se enfren-
tando em uma recolocação dos funda-
mentos políticos do acordo de 1937, que
definiu as características gerais do Moder-
no Estado Brasileiro. A ampla imagem de»
interesses que envolvia o acordo pressupu-
nha o apoio ou o consenso da maioria da
população, porém quando artaxa inflacio-
naria começou a crescer vertiginosamente,f°i necessário recorrer a aumentos de
salários maciços, que acentuavam as diver-
Havia um
problema:
salários
gências de interesses entre os setores.
Tornava-se cada vez mais claro que era
necessário introduzir-se modificações
substanciais na composição daquele acor-
do, porque a própria
evolução econômica
impunha a exclusão de alguns dos grupos
que o integravam ou a modificação quali-
tativa do sistema de aliança em que se
baseava.
As pressões populares para obter au-
mentos salariais acentuaram-se nos
últimos anos da década de 50, tanto entre
os operários como entre os camponeses, e
em 1961 a curva dos salários começou a
subir. Os aumentos de preços, que haviam
permitido superar as deficiências na acu-
mulação de capital originadas na composi-
ção da demanda, deixaram de ser eficazes
devido à alta paralela dos salários. Torna-
va-<;e rada vez mais evidente que na futura
reorganização econômica impunha-se a
decisão de romper as limitações da de-
manda, atacando o atraso da estrutura
agrária' ou, para não afetar os interesses
tradicionais, substituindo essa fonte de
acumulação potencial por outros recur-
sos: a inversão estrangeira maciça e uma
política de estabilização das remunera-
ções. Qualquer dessas saídas importava no
sacrifício de um dos setores: a reforma
agrária, o da classe latifundiária tradicio-
nal; a inversão estrangeira maciça e o
inevitável processo de concentração em
que importava, o da pequena e media
empresa nacional, e a política de estdbJi-
tjM
A pressão popular sobre Jango
ração,o dos trabalhadores da cidade e do
campo.
A solução não veio em seguida, antes
foram tentadas várias fórmulas, as vezes
contraditórias. Em 1961, as eleições na-
cionais deram o triunfo à fórmula Jânio
Quadros — João Goulart. Durante os
meses em que Jânio Quadros exerceu a
presidência ocorreu uma liberação cam-
bial profunda destinada a favorecer a
entrada de capitais estrangeiros. Foram
também estimuladas as exportações e
elevadas as rendas do Estado, enquanto
tentava-se realizar certas reformas na eco-
nomia agrária que permitiriam a demanda
de produtos industriais. Essas reformas
consistiram, principalmente, no estabele-
cimento de preços mínimos, que benefi-
ciavam os pequenos e médios agricultores.
Paralelamente, procurou-se melhorar a
eficiência industrial, fomentando-se a
concentração e eliminando-se um dos
setores da pequena indústria. Na área da
política internacional, Jânio Quadros se-
guiu uma orientação tendente a assegurar
mercados externos sem considerações po-
líticas e a obter para o Brasil uma
liderança latino-americana que lhe permi-
tisse uma crescente penetração iiiuustnal
nos países da região.
Apesar das mudánças promovidas por
Quadros não terem sido demasiado pro-
fundas, o equilíbrio entre os setores
componentes do acordo era tão precário
que se tornou iminente um golpe de
Estado. O presidente renunciou e João
Goulart assumiu a presidência, porém
suas funções foram limitadas pelo Con-
gresso, até que um ano depois, em 1963,
recuperou suas funções. Entretanto, a
situação econômica tornara-se insustentá-
vel. A pressão popular impunha aumentos
Jânio Quadros
de salários que anulavam os incentivos
resultantes dos lucros traduzidos pela alta
dos preços e o ritmo inflacionário passou
de 24% ao ano em 1960 a 81% em 1963.
Goulart iniciou um movimento de
reformas tendentes a ampliar a demanda
para os produtos, através de uma reforma
agrária a longo prazo e o aumento das
exportações a curto prazo. Porém, as
tensões políticas e econômicas eram de-
masiado grandes e os diferentes grupos de
pressão se polarizaram em posições anta-
gônicas. Finalmente, a 19 de abril de
1964, as forças armadas tomaram o
poder.
O desenvolvimento da sociedade brasi-
leira exigia que se deixasse para trás,
definitivamente, as bases de sustentação
do Estado Novo, devendo decidir ao
mesmo tempo quais os setores a serem
marginalizados pela nova organização.
Para que se tenha uma idéia da magni-
tude do problema da demanda no Brasil,
é preciso que se leve em conta que mais
de 50% da população se encontra virtual-
mente à margem da economia de merca-
do. Nessas condições, a forma mais fácil
de gerar um desenvolvimento econômico
çp haçpia çohrp o que se Dode chamar de
mudança dos perfis da demanda, e que
pressupõe um aumento imediato da capa-
cidade de consumo da população margi-
nalizada. No caso do Brasil essa incorpo-
ração ao consumo, realizada através de
uma profunda transformação agrária,
pode alterar favoravelmente e de maneira
imediata as condições de produtividade
na agricultura. A escolha desse caminho,
porém, importa no sacrifício de grandes
interesses vinculados à propriedade da
terra.
*
a
e
POLITIKA
6análise
A
A composição da demanda trás
à tona as limitações que são
parte da estrutura econômica
brasileira e que a obriga ao
crescimento de base contínua.
AECONOMIABRASILEIRAVISTA PELAARGENTINA
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O desenvolvimento industrial
O caminho
era um só:
exportaçãoNo caso da rejeição dessa alternativa, a
produção industrial deveria encaminhar-se
para a exportação. Como a estrutura docomércio mundial de manufaturas estáaltamente concentrada ém mãos de gran-des corporações, essa saída só seria possí-vel mediante a inversão estrangeira em
grande escala. Finalmente, se se decide
manter inalterada a estrutura da deman-
da, as possibilidades de acumulação de-vem ser estimuladas não só mediante aabertura de mercados externos, como
também promovendo uma maior taxa delucros através da limitação de aumento
dos salários. O governo militar optou poreste último caminho: refugou a possibili-dade de expandir a demanda interna atra-vés de reformas na estrutura agrária e
propiciou o concurso do capital estrangei-
ro em um processo de concentração in-
dustrial cujos elementos dinâmicos são asexportações manufaturadas. A políticafiscal e de renda permitiu uma rápidarecuperação da taxa de lucros e, obvia-mente, das possibilidades de acumulação.
CARÁTER DO CRESCIMENTO
Na evolução industrial do Brasil oode-se mencionar três etapas nitidamente dife-renciadas. A primeira cobre o períodoinicial até 1930, em que as exportaçõesconstituem o fator dinâmico da econo-mia, que impulsionava a demanda internae assegurava um paulatino crescimentoindustrial que não alcançava os setoressituados fora da área de produtos deconsumo.
A segunda etapa se desenvolveu entre1930 e os últimos anos da década de 50.Em virtude da crise nas exportações, essesetor deixou de absorver mão-de-obra,enquanto, paralelamente, declinava a ca-
pacidade de importar. Não havia comodeixar de enfrentar uma acurada substi-
Nâo era possível a
solução do problema brasileiro sem
as vendas externastuição de importações, que elevou a ocu-
pação e a demanda interna. O Estado
interferiu ativamente, nesse processo, em
primeiro lugar mediante uma políticacambial e creditícia que implicou em
verdadeiro subsídio ao setor manufaturei-
ro, e, posteriormente, através de sua parti-cipação direta na criação de indústrias de
base (siderurgia, petróleo) e o desenvolvi-
mento da infra-estrutura (energia, estra-
das).
Como resultado dessa etapa de acelera-
do crescimento industrial, o setor dasmanufaturas, que em 1940 representava
10,6 por cento do Produto Interno Brutoe concentrava 7,7 por cento da populaçãoativa do País, em 1960 havia elevado essas
percentagens para 23 por cento e 9,1 porcento, respectivamente. Por sua vez, asimportações, que. em 1949 representavam
25 por cento da oferta interna total de
produtos intermediários e 60 por centodos bens duráveis e decapitai, reduziram-se em 1965 a 10 por cento e a 20 porcento, respectivamente.
A taxa de crescimento industrial foiexcepcionalmente elevada durante esseperíodo, a tal ponto que na década dosanos 40 alcançou uma média anual de 7por cento e nos dez anos seguintes umritmo de 9 por cento ao ano. Em conjun-to, a indústria cresceu - entre 1939 e1964-a uma taxa média anual de 8 3por cento.
0 objetivo central deste trabalho visaanalisar o caráter da terceira etapa indus-tnal brasileira. Tendo-se em conta queessa etapa surgiu como uma necessidadeda própria evolução industrial do Paísseu início pode ser situado em 196o'porém quando se considera a política
seguida para impulsioná-la, então temos
que falar de critérios distintos segundo osperíodos, influenciados quase todos eles
por fortes conotações políticas.O desenvolvimento industrial brasileiro
defrontou-se com dois obstáculos consi-deráveis: a crise do comércio exterior e or»r/>mr«r>-.-. -x*n_-A_-*-__-*. UUICI nu uyi ai IU.
No âmbito das exportações, o Brasildefrontou-se com a baixa relativa dospreços dos produtos exportados, particu-
larmente o café, e a incapacidade dosmercados consumidores,
particularmentedos Estados Unidos, de aumentar suademanda de tal maneira a provê-lo deuma capacidade de importação suficientepara permitir a transformação de sua es-
trutura industrial. O lento desenvolvimen-to da agricultura, por sua vez, limitou aoferta para o consumo interno e, por suabaixa produtividade, contribuiu para aalta geral dos preços, convertendo-se em
sério obstáculo à expansão industrial. Porsua vez, o caráter de transformação exigi-da pela indústria dependia, em grandeparte, da sorte do mercado interno. Aprodução industrial brasileira cresceu nadécada de cinqüenta a uma taxa médiaaproximada de 9 por cento, porém o
nível de emprego na indústria não seelevou acima de 3 por cento ao ano nomesmo período. O dilema brasileiro con-siste, como conseqüência, em abrir o mer-cado interno de consumo para toda apopulação ou em recorrer à exportaçãoindustrial em grande escala.
Ainda no primeiro caso - unificaçãodo mercado interno no que respeita àcapacidade de consumo - a indústria ne-
cessita contar com grandes inversões, po-rem o processo só poderia ser alcançadoatravés de uma transformação interna degrande magnitude que incluiria - entreoutras coisas-uma profunda reformaagraria. No segundo caso, afastava-se adicotomia interna e procurava-se, para oscentros industriais acesso aos mercadosmundiais. Este último foi o caminho esco-Ihido.
A indústria tampouco podia chegar aomercado mundial sem passar por uma
grande transformação. O crescimento in-dustrial até os últimos anos da década de50 tendeu primordialmente a substituirimportações, contando com medidas pro-tecionistas e crescentes subsídios do Esta-
do. O setor, obviamente, não estava em
condições de competir no mercado mun-
dial e necessitava, alem do mais, passar a
produzir outros tipos de bens.
Desde 1956 (com a Instrução 113) o
governo decidiu acelerar a participação do
capital estrangeiro, que vinha substituir a
possível acumulação a ser obtida com a
unificação da demanda interna.
O resultado foi uma introdução maciça
de tecnologia, com incremento na nroHn-
tividade do trabalho, porém com redução
no nível de emprego.
Sobreveio, imediatamente, um períodoem que se procurou combinar, £ £n
Znrl í Stad0' ° crescimento dasemp esas de cap.tal nacional e aprovação
de algumas reformas básicas na estrutura
?o X?' p.*tC-"am^ "o setor agra
»ntido lPen0d0' ° Bras" se «frntJno
sent.do de uma conduta internacional infcssa política esgotou-se em pouco tem-
po (1960) porque a crise no setor externopos um limite à exportação de juros edividendos.
dependente, com vistas a expandir suasexportações nos países do Leste, e conse-
guir na América Latina uma liderança quelhe permitisse acelerar sua penetração co-mercial. Para controlar os confrontos internos a que essa estratégia daria lugar -sobretudo pelas pressões econômicas con-traditórias - adotou-se uma decidida po-litica de corte populista.
O governo de Goulart foi a expressãomáxima desse processo. A simultaneidadedos pontos de apoio procurados pressupu-nham um grande conflito interno, onderapidamente se perfilaram as opções defi-nitivas. No aspecto político, o desenrolardos movimentos populares parecia colo-car essa decisão em mãos de tais forças,enquanto que a pressão econômica detodos os setores originou um processoinflacionário incontrolável (os preços au-mentaram 81 por cento em 1963 e 92,4
por cento em 1964).
Depois dessas vacilações, a orientaçãoda terceira etapa foi escolhida pelo gover-no militar que derrubou Goulart em1964, porém antes de analisar seu signifi-cado convém passar em revista as limita-
ções da estrutura econômica brasileira.
LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS
A composição da demanda refle^, com
particular intensidade, as limitações que a
estrutura econômica brasileira nipõc a
um crescimento harmônico e continuado.
No trabalho intitulado Estudos sobre a
distribuição de renda na América Latina,
publicado em 1967, a CEPAL estimava
que numa população de 90 milhões de
habitantes, com uma renda média per
capita de 350 dólares anuais, o perfil dademanda estava constituído por 45 mi-Ihões de pessoas (50 por cento da popula-ção) com uma renda per capita de 130dólares (20 por cento da renda total); 36milhões de pessoas (40 por cento da
população) com uma renda similar à mé-rl',-* nr>t--.\ tAf, nnr -,^,-,4- -~X-..X* ao.Ui ,-t*j (jui mediei Ud lUIIUd lldCiu
nal); 8,1 milhões de pessoas (9 porcentoda população) com uma renda per capita
de 880 dólares (22 por cento da renda) e
900 mil pessoas (1 por cento da popula-
ção) com 6,5 mil dólares de renda per
capita (18 por cento da renda). Calculan-
do os setores marginais no segundo grupo,cuja renda média é similar à média nacio-
nal, é possível dizer que cerca de 60 por
cento da população brasileira praticamen-te não têm acesso à economia de merca
do.
v~
AECONOMIABRASILEIRAVISTA PELAARGENTINA
O desaproveitamento fabuloso
da mão-de-obra disponível só
pode ser superado através de
uma política industrial,para
tirar o homem da agricultura
POLITIKA
7análise
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AÔ***^"- á^m. 'V * Jmtml r'l**Mmm\ .mô*m\ÊL I^LéI^H^H
A maioria que nao pumcipa uu consumo
O maior problema
é a baixa produtividadeda agro-pecuária
0 fato de o País contar, em 1970, com
uma população de 93 milhões de habitan-
tes, dos quais apenas 30 ou 38 milhões se
incluem de forma integral no mercado,
com uma capacidade de consumo não
muito elevada, cria, paralelamente, vários
problemas.
Em primeiro lugar, a demanda efetiva é
muito mais reduzida que a da populaçãoíotãi, e isto incide sobre a geração de pou-
Pança e o avanço tecnológico. Efetiva-
mente, com uma população marginal tão
elevada, a taxa de poupança tende a serreduzida (a inversão bruta fixa represen-tou, em 1970, 32,4 milhões de cruzeiros,isto é, 16,5% do Produto Interno Bruto, e
essa proporção se considerava insuficiente
Para manter o alto ritmo de crescimentosem uma exagerada dependência externa).Em segundo lugar, esse perfil da demandatraduz um desaproveitamento fabuloso da
¦ãu-de-obra disponível, que se verifica no
to de que a população economicamenteativa (30,4 milhões em 1970) representaaPenas um terço do total, porém, ainda
,rn. o aproveitamento nas atividades
agrárias e nos serviços é enorme e acentua
mais a distorção. Desses 30,4 milhões de
trabalhadores ativos, não menos de 22 mi-
Ihões dedicam-se à agricultura ou vivem
indiretamente dela e só há 8 milhões que
trabalham nas zonas urbanas. Por ultimo,
dentro deste último grupo, 3 milhões sao
operários; 1,5 milhão empregados de co-
mercio e 3,5 milhões estão concentrados
nos serviços.
Estas cifras evidenciam dois problemas:
por um lado, a baixa produtividade agrári-
a que absorve para esse setor, de forma
direta, não menos de 50% da população
ativa, enquanto que a indústria manufatu-
reira - o setor mais dinâmico da econo-
mia - conta apenas com 10%. O segundo
problema reside na forçosa tendência para
os baixos salários reais que surge desse es-
quema, dado que a taxa de acumulação
na indústria (que de per si é reduzida)
tem que ser mantida por 10% da pcpula-
cão ativa que não constitui mais que 3%
da população total. Isto faz com que a
demanda dos trabalhadores mais avança-
dos «m situação produtiva não resulte
Os aumentos de
preços e salários nâo
eram bastanteseconomicamente relevante e se,coloque
por essa via a limitação do crescimento
industrial.
Por último apesar de sua grande popu-
lação, o Brasil não pode se beneficiar de
forma decisiva da tecnologia moderna, da-
do que a concentração de renda impõe
também uma extrema concentração de al-
ta tecnologia, tanto em sua expressão eco-
nômica como na puramente geográfica.
Efetivamente, a concentração não só é
privativa do centro industrial do Centro-
Sul (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Ale-
gre, Belo Horizonte) como, além do mais,
impede que se gera um grande crescimen-
to econômico, em que pese o aumento
relativo na produtividade do trabalho.
Embora existam condições básicas para
instalação de uma economia de escala
(grande população), os sistemas industri-
ais altamente integrados dispõem apenas
de parte desse mercado potencial, reduzi-
do em termos absolutos e relativamente
pobre em sua capacidade de aquisição.
Nessas condições, a indústria altamente
integrada não pode trabalhar a pleno ren-
dimento nas melhores condições tecnoló-
gicas, anulando-se, assim, grande parte de
suas vantagens e terminando por se pro-
duzir a custos relativamente altos.
Como o crescimento industrial do Bra-
sil atual depende dos progressos na expor-
tação de manufaturas e do avanço tecno-
lógico do setor mais integrado, sucede
que grande parte desse conjunto econômi-
co é de propriedade de capitais estrangei-
ros, que assumem as posições privilegiadas
do mercado. Estas posições privilegiadas
não atingem apenas a concorrência com
outras empresas, como também resultam
da capacidade que terá este setor de se
apropriar de uma parte cada vez maior da
riqueza global, a partir do mesmo fenô-
meno da concentração, o que desenvolve-
rá ao máximo o crescimento desigual dos
diferentes setores da indústria.
O problema da baixa produtividade
agrária no Brasil não pode ser estudado
em termos gerais. Por isto, temos que nos
limitar a observação de alguns problemas.
A população urbana cresce a um ritmo
quatro vezes superior à população empre-
gada no campo. Esse crescimento, indubi-
tavelmente benéfico para uma economia
que concentra 50% de sua força de traba-
lho disponível nas tarefas agropecuárias,
obrigará - mais cedo ou mais tarde - a
incrementar a produtividade do trabalho
no setor agrário. Em que medida isto será
possível em uma estrututa agrária onde os
latifúndios ocupam 53% da terra explora-
da; as culturas médias 38%; as unidades
familiares 8% e os minifúndios 1%, porém
de tal maneira que estes últimos consti-
tuem 32% das explorações agrícolas do
País, enquanto que o primeiro grupo 3%
dos estabelecimentos do setor?' O latifún-
dio é, na atual estrutura agrária brasileira,
uma fonte de desperdício de terras e capi-
tal, enquanto que, .em contrapartida, o
minifúndio, é responsável pelo excesso re-
lativo de utilização de mão-de-obra.
Em muitas oportunidades, sobretudo
na atualidade, os governos brasileiros evi-
taram a exigência de realizar profundas
transformações na estrutura agrária do
País, incorporando novas terras à explora-
ção. Porém, a utilização mais extensiva
das terras representa um incremento dos
custo unitários, em virtude das necessida-
des de inversão em infra-estrutura e maio-
res gastos de transporte, sem que isto sig-
nifique modificar a inadequada conforma-
ção do mercado doméstico de consumo,
que é — indubitavelmente - o elemento
mais gravoso do atual ordenamento eco-
nômico. O exemplo brasileiro demons-
tra - como caso extremo - o que parece
indubitavelmente certo para todo país de-
pendente e em vias de desenvolvimento:
que não se trata unicamente de transladar
o progresso tecnológico aos centros de ir-
radiação, mas de se obter igualmente um
deslocamento na curva da demanda me-
diante a modificação da estrutura produ-
tiva.
A liquidação dos minifúndios e a trans-
formação dos latifúndios permitiriam ele-
var substancialmente a produtividade
agrária e incrementar o nível de vida no
campo. A ampliação da demanda e a pau-
latina unificação da capacidade interna de
consumo mais a alta produtividade agrí-
cola, colocariam à disposição da indústria
uma enorme fonte de acumulação, que er-
radicaria imediatamente a dependência
das exportações de manufaturas, para po-
der enfrentá-las mais adiante sobre base
mais sólida e sem necessidade de recorrer
ao concurso maciço dos conglomerados
econômicos estrangeiros.
AS REFORMAS DE 1964
A luta entre os diferentes setores paramelhorar suas rendas através dos aumen-
tos de preços e salários provocou uma in-
fiação acelerada, que saltou de 55% ao
ano em 1962 para 81% em 1963 e 92,4%
em 1964. Como a taxa de acumulação
não se pode reconstituir pelos ajustes sala-
riais, a inversão decaiu e o ritmo de cresci-
mento se contraiu, passando de 7,7?>í> em
1961 a 5,5% em 1S62, a 2,1% em 1963 e
a 2,9% em 1964.
análise
O governo
brasileiro viu-se,
para conter a inflação,ante
duas alternativas:promover a
reforma agrária ou reduzir os
salários,E optou pela
última.
As reformas não
podiam ser postergadas
por mais tempo
0 objetivo econômico militar de 1964
foi reconstituir, de alguma forma, o com-
promisso de 1937, para liquidar as ten-
sões internas e concentrar os esforços no
sentido de recuperar as taxas de cresci-
mento. Contudo, o equilíbrio de 1937
não podia ser restabelecido a não ser
mediante a exclusão de um dos setores,
dando lugar a uma nova estratégia de
desenvolvimento. Sacrificando-se o setor
latifundiário tradicional e instaurando-se
uma reforma agrária, o mercado interno
tenderia a crescer aceleradamente, recons-
tituindo a taxa de acumulação na indús-
tria e liquidando as limitações inerentes à
estrutura da demanda. Porém, também
seria possível deixar as coisas como esta-
vam e reconstituir-se a taxa de acumula-
ção na indústria mediante a redução dos
salários reais e a cooperação do capital
estrangeiro, dentro de um modelo de
crescimento que viria a alentar as defor-
mações do perfil da demanda, através de
um forte processo de concentração. O
milagre brasileiro de contenção da infla-
ção e reinicio do processo de crescimento
baseou-se quase exclusivamente nos pos-
tulados mencionados no último término.
Obviamente, a ratificação do compro-
misso de 1937 entre os setores industriais
e agrários teve que excluir expressamente
os setores populares, posto que - como
ficou dito - a recomposição da taxa de
acumulação teria como base a queda dos
salários reais. O atraso na recuperação dos
salários com relação ao incremento dos
preços durante 1964 e 1965 provocou
uma queda de 15,3% na capacidade aqui-
sitiva das remunerações, segundo o Depar-
tamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Sócio-econômicos, de São Paulo.
A ratificação do compromisso de 1937
importava na renúncia em enfrentar uma
reforma agrária efetiva, sem contudo dei-
xar de adotar algumas alterações inadiá-
veis. O governo decidiu-se a criar melho-
res condições para o desenvolvimento
agrícola, conceder fundos para assistência
técnica, fomentar a concentração de in-
versões, e se comprometeu a não realizar
expropriações a não ser em casos extre-
mos. Embora a produtividade agrária não
tenha melhorado decisivamente, a conten-
ção dos salários impediu que estes se
transformassem em fator de aumento dos
custos industriais. O método aplicado
pelo governo se traduziu em um incre-
mento do produto gerado pelo setor, quesó se mantém com certa permanência seas condições dos preços são favoráveis. Arepercussão mais importante do planoagrícola nos últimos tempos foi o êxito
obtido na extensão e no rendimento do
cultivo de trigo na região Centro-Sul.
O outro ponto essencial do programade 1964 foram os estímulos
para o capitai
estrangeiro. 0 governo derrogou as limita-
ções à remessa de lucros; subscreveu um
acordo de garantia para as inversões nor-
te-americanas e promoveu uma grandeconcentração de capital. O fenômeno de
concentração se operou, fundamental-
mente, através de duas frentes: o sistema
tributário e o operativo, denominado de
democratização do capital.
O sistema fiscal se baseiou na folha de
salários, que estabelece uma carga tribu-
tária em função do número de operários
em relação à produção, de tal maneira
que promove a redução da mão-de-obra e
fomenta o aporte tecnológico e a concen-
tração industrial. Porém, esta forma de
promover o desenvolvimento tecnológico
baseia-se pura e simplesmente na concen-
tração e não levou em conta as próprias
condições do mercado, com o que se
acelerou o desequilíbrio existente entre o
avanço do processo industrial e a criacão
de novos empregos na indústria. Por essa
razão, a incorporação de capitais à estru-
tura industrial brasileira tendo a restringir
relativamente o mercado, mais que a
ampliá-lo.
A democratização do capital, enten-dido como um maior acesso è proprie-dade das empresas mediante a compra deações nas condições de uma baixa dossalários reais, significou
promover o aces-so da inversão estrangeira às empresas decapital nacional.
Esse processo de concentração tam-bém foi alentado através do crédito. Em1964, a taxa inflacionária foi de 92,4%;não obstante os créditos oficiais aumen-taram apenas 50% e os privados 84,2%,com inferioridade de condições
para asempresas de capital brasileiro. A grandeatração que o BrasM significa
para ocapital estrangeiro,
particularmente parao norte-americano, origina-se do fato de
que, dentro da estrutura econômica men-cionada, os aumentos da
produtividadecriados pela contribuição tecnológica nãose transferem fundamentalmente
para omercado mediante um incremento do
poder de compra dos salários, mas seencaminham
para um incremento da taxade lucratividade e acumulacão. Esses fun-dos encontram um campo propicio para ainversão, através da compra de ações deoutras empresas. O sucesso dos mercados
de valores do Rio de Janeiro e de SãoPaulo não deixa de estar ligado direta-mente ao elevado valor dos fundos dis-poníveis ppbc enpresas estrangeiras.
Finalmente, a mut jr.yo proouzida na
política externa brasileira parte do princí-
pio de que as classes dirigente s deste País
m&tnz
Delfim Neto
Não há a
divisão do
capital
aceitam plenamente e com todas as suas
conseqüências a associação com os Esta-
dos Unidos, dentro de uma estratégia de
interdependência que passa pela aceitação
das fronteiras ideológicas e a constituição
do Brasil como centro de irradiação e
influência dessa política na América Lati-
na.
MUDANÇAS APÓS 1967
O governo militar assumiu o poder a
1o. de abril de 1964, razão pela qual
pode-se atribuir à sua responsabilidade os
resultados econômicos deste ano. A taxa
de crescimento econômico global não se
pode recuperar durante dois anos, quandocontinuou evoluindo a um ritmo mais
baixo que a da taxa demográfica ( que é
de 3,1%). Esse ritmo foi de 2,9% em 1964
e 2,7^ em 1965 e em 1968 foi possívelrecuperar a taxa de expansão de 1962,
ano em que teve início a desaceleração dó
ritmo de crescimento na indústria.
A situação na indústria não era menosdramática. Durante um quarto de século,o setor vinha crescendo a um ritmosuperior a 8% ao ano. Em 1964, a taxa foi^ S.2A G Pm 1QR?
sc um ddiferença negativa de 4,7%. 0 milagrefuncionava como desacelerador da taxade inflação, objetivo alcançado através da
queda dos^ salários reais e da grandeconcentração industrial em favor do capi-tal estrangeiro.
_ Porém ambos os fatores, a concentra-
çao relativa do mercado interno e aconcentração monopol ística, levaram àbeira da falência a pequena e médiaempresa nacional. Na segunda fase ocor-reu a liberação do crédito oficial
paraevitar o desaparecimento macico da pe-quena e média indústria, cujas dificulda-
des haviam provocado o retrocesso na
produção industrial durante 1965.
A ¦
ECONOMIA
brasileira
VISTA PELA
ARGENTINA
Depois de um ano inicial de dificJdades (1967), devido à queda das txpor.tações, a evolução econômica nos anos
posteriores melhorou notavelmente 0
produto se expandiu a uma taxa de 9%eo crescimento industrial foi de 11%enquanto as exportações cresceram a uniritmo aproximado de 18 a 20% ao ano.
A característica mais relevante da se-
gunda fase da pol ítica econômica do atual
governo reside na tentatica de evitar os
pontos de grande atrito dentro do proces-
so de concentração industrial, quer frean-
do quer desacelerando a expropriaçàoea
falência das pequenas e médias empresas
quer encampando sua liquidação através
da compra de ações. Embora a agricultura
tenha melhorado notavelmente sua con
tribuição ao crescimento do produto (6%
de expansão em 1969 e 5,6% em 1970), o
governo acaba de reconhecer que o Brasil
só poderá manter sua taxa de crescimento
se a produção agrária crescer anualmente
entre 15 e 14%, melhorando sua produti-
vidade. O dilema consiste em saber se
semelhante salto poderá ser alcançado
dentro do atual plano de modificações ou
se esta meta recolocará, mais uma vez, o
problema da reforma agrária e do acesso
ao consumo médio de metade da popula-
ção brasileira.
Em julho de 1971, o ministro da
Fazenda do Brasil, Delfim Netto, acres-
centou uma exigência a mais para tornar
realidade a manutenção da atual taxa de
expansão: que a taxa de poupança se
situe, pelo menos, em 21%. Para fins do
ano em curso (1971), esta taxa poderá
chegar, se atingidas as estimativas, a 18%.
A limitação da taxa de poupança provém,
como já se disse antes, da marginalização
de metade da população, que obriga a
manter baixos os salários dentro dos
centros industriais. Aqui também se colo-
ca o dilema de se saber se será possível
chegar a essa taxa de acumulação geral
sem se incorporar ao mercado o conjunto
da população ou se será possível alcan-
çá-la através da atual concentração. Neste
último caso, as diferenças econômicos e
inter-regionais estarão condenadas a acen-
tuar-se.
A contribuição do capital estrangeiro
também porduzirá dificuldades a curto
prazo. No momento, a dívida externado
Brasil — que em 1964 era de 1 bilhão de
dólares — se situará em fins de 1971 em
5,2 bilhões, de maneira que já as entradas
líquidas anuais do capital estangeiro re-
presentam nada menos que 60% ou 65%
dos serviços totais. Ronaldo Costa, secre-
tário-adjunto para Assuntos Econômicos
do Itamarati, assinalou em julho de 1971,
na Escola Superior de Guerra, que o
Brasil deverá aumentar suas exportações
em 15% para enfrentar os compromissos
para o exterior e continuar mantendo o
crédito internacional, do qual desfruta na
atualidade.
?
ECONOMIABRASILEIRAVISTA PELA
ARGENTINA
Não se deve considerar o que
o Brasil faz em economia como
modelo. As medidas são apenas
uma estratégia ditada pelas
pressões sociais intestinas.
ira
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¦F fs\: 3T/3*r**' ffi ___P^^*^ *^d
A exportação nas mãos das empresas multinacionais
Não há dúvida que
ao governo cabe as iniciativas do
setor financeiro.Por outro lado, a grande massa de aeu-
mulação do capital estrangeiro frente à fa-
lência e o debilitamento das empresas na-
cionais estão criando um novo quisto no
seio da economia brasileira, com um po-der econômico de fácil e rápida expansão.
Embora no princípio da segunda fase o
Governo tenha tentado neutralizar esta
força, auxiliando a pequena e média in-
dústria, a reforma tributária e os projetosem marcha indicam que não restou outro
remédio que aceitar o novo e privilegiadoquisto. Assim autorizou-se os bancos es-
trangeiros a participar dos bancos de in-
vestimento e o Banco do Brasil transfor-
mouse em uma empresa multinacional. A
tal ponto é a pressão do quisto do capitalestrangeiro
que o projeto de criação domercado do rio-dólar é, também, uma for-ma Hp pwí.ar rA rt ry A e-1 -t ry r r»ct r-»r. OO t rOC
se convertam em cruzeiros e a circulaçãomonetária interna fique sujeita diretamen-te aos altos e baixos do movimento espe-culativo de capitais. Estes projetos se en-contram indissoluvelmente unidos às leisde promoção da bolsa e de correção doefeito inflacionário nos balanços das em-
presas. A lei de fusões permite, nesses ca-sos, reavaliar os ativos por cima das corre-Çoes inflacionárias, com o que se cria umdemento de distorção no sentido oposto^existente, e que prejudica as empresasnaõ concentradas. Assim mesmo, os ban-c°s toram autorizados a comprar ações de>equenas 8 médias empresas até úm limite
% do total do capitai que como sesabe, não constitui um costacuio.
As exportações industriais brasileiras
poderiam chegar a um nível previsto de
600 milhões de dólares em 1971 (sobre
um total de exportação de 3 bilhões). Po-
rém, essas exportações se realizam através
de empresas multinacionais que dominam
praticamente o mercado dos produtos
que comercializam. Suas atividades no
Brasil se baseiam no baixo custo da mão-
de-obra e nas franquias fiscais. Como a
expansão da produção industrial está su-
bordinada em grande parte à sorte da ex-
portação de manufaturados, a dependên-
cia do setor externo aumenta, já que qual-
quer diminuição da atividade dessas em-
presas - por decisão que escapa ao con-
trole do país ou pelas alternativas do in-
tercâmbio e a inversão mundial - pode-
riam criar uma grave situação econômica
nn Rrasil
As limitações da cooperação tecnológi-
ca já foram analisadas anteriormente. Res-
ta apenas dizer que, caso não se produza
uma expansão do mercado interno, o de-
senvolvimento tecnológico provocar.' uma
série de desajustes internos de conseqüên-
cias imprevisíveis (lenta incorporação da
mão-de-obra, subutilização de recursos).
A análise do perfis da demanda mostra
a desigual distribuição do poder aquisitivo
nas diferentes camadas da população. Po-
rém o processo .ndustrial dos últimos
anos acentuou, também cs desníveis regi-
onais de desenvolvimento. A reqiao mais
beneficiada ío. a tradicionalmente ma.s
desenvolvida do :entro-sul e particular-
análise
mente a área de influência de São Paulo,
sede da maior parte das indústrias de ex-
portação.
Não obstante, a magnitude dos recur-
sos derivados do alto ritmo médio de de-
senvolvimento permitiu o início de gran-
des obras de infra-estrutura que, no futu-
ro, poderão reduzir os contrastes atuais.
Entre outras coisas, os planos indicam a
possibilidade de o Brasil elevar seu poten-
ciai hidrelétrico instalado em 30 milhões
de KW, no fim de uma década; além do
mais, entre 1970 e 1973 planeja-se au-
mentar a área semeada em 25%; entre
1971 e 1975 serão construídos navios
num total de 1,6 milhões de toneladas de
porte bruto e no aço a produção de aços
planos (estatal) poderá chegar até 7,2 mi-
lhões de toneladas, e a do aço para produ-
IOS MdU-pidlIUb \imvci.uu k* ' »««-•«» " -•-
milhões de toneladas. Em conjunto, pre-
vê-se uma inversão de 1 bilhão de dólares
em siderurgia, construção naval e indús-
tria química.
A população brasileira será de 103 mi-
lhões de habitantes em 1974 e nos quatro
anos compreendidos entre 1970 e esta da-
ta o Produto Interno Bruto terá que crês-
cer em 41%, o que permitirá o produto
per capita expandir-se em 28% até chegar
a 520 dólares .•-¦-proximadamente a meta-
| de do produto per capita atual da Argen-
I tina. A população economicamente ativa
! .^levar-se-á. em ^974. a 34,40 mHhfces át
\ pessoas, o que .mpcrta num crsâc,mente
Capital do
exterior ém
un perigodo emprego de 3% ao ano e, por último, a
taxa inflacionária prevista será de 10% ao
ano.
O problema fundamental do atua! de-
senvolvimento brasileiro é que ele repousa
sobre dois pontos críticos: a composição
restrita da demanda interna e o futuro do
intercâmbio comercial. Qualquer crise" no
comérco e a inversão mundial poderá afe-
tar seriamente a taxa de desenvolvimento
e, imediatamente, provocaria um desajus-
te interno total, pela impossibilidade de
continuar mantendo o ritmo de acumula-
ção e de importações pelo peso da dívida
externa.
Pelo contrário, se o desenvolvimento
segue como até agora, irão no futuro se
acentuar as distorsões da renda, tanto do
ponto de vista social como regional, po-
rém no caso de se voltar ao regime de
liberação salarial, é quase certo que se re-
petirá o conflito entre os diferentes seto-
res, como vem ocorrendo periodicamente
cada vez que se toma uma medida dessa
natureza.
Em síntese, a experiência brasileira
aparece mais como uma estratégia tenden-
te a evitar mudanças profundas na socie-
dade, resguardando a estrutura de interes-
ses existentes, muito mais que um grande
processo de transformação. O relativo êxi-
to' da luta contra a inflação, por sua vez,
tem como vítima o pequeno e médio ca-
pitai nacional, os trabalhadores e o con-
junto da população, com uma estrutura
de renda anacrônica que tem poucas pos-
sibilidades de transformar-se em curto
prazo. Além do mais, alguns aspectos par-
ciais desses planos obedeceram estrita-
mente a situações conjunturais: a estabili-
zação inicial foi uma resposta ao agudo
processo inflacionário desencadeado no
princípio da década de 1960 e a posterior
mudança de rumo se deve à aguda crise na
indústria.
O uebtiivo!viiTíênícj __.r3S_iC_rc c, cm
poucas palavras, uma experiência que sur-
ge das próprias condições políticas, eco-
nômicas e sociais desse país, com difícil
aplicação em outras condições, porém
provavelmente o elemento que a torna
mais desaconselhável como modelo é a
tremenda pressão social que contóm e
acumula e que não poderá ser mantida
eternamente nos limites atuais. Nesse dia,
o Brasil produzirá o milagre de uma ex-
plosão.
POLITIKA
~vljiii^H^HBllE^^^^^^^» $5§55
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v45'. Cr & ;
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Angela Davis
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IfeJl?/ *$5W&.
N
dos filmes de gangsters —
quatro corpos (juiz Harold
Haley, Jonathan,
Christmas e McCIain) ja-
ziam inertes e ensangüen-
tados no pátio do tribunal.
Conspiração? De quem
partia? 0 FBI foi avisado
de que uma jovem negra
tinha sido vista em compa-
nhia de Jonathan Jackson,
comprando uma espingar-
da, numa loja de penhores
em San Francisco. Uma
busca frenética teve início.
A suposta fugitiva percor-
reu várias cidades (Los An-
geles, Chicago), até ser pre-
sa num motel na cidade de
Nova Iorque. A prisão se
deu em 13 de outubro.
I 7.
*>*%
O nome da negra perse-
guida: Angela Yvonne
Davis. Logo que souberam
Sérgio
Barcelos
racismo
Numa fração de segundo o juiz
foi transformando em refém e
morreu na fuzilaria
que se
seguiu ao atentado. Angela
Davis foi acusada de coautoria
de sua prisão, 300 estudan-
tes (entre radicais, militan-
tes negros e adeptos da
"new left"), fizeram mani-
festação ruidosa em Fila-
délfia. Em Nova Iorque,
Chicago e outras cidades
da América, centenas de
estudantes reuniram-se em
comícios relâmpagos. A in-
dignação era enorme.
Quem era esta moça de
26 anos, de olhar inteligen-
te, fisionomia dura e res-
postas lacônicas, porém in-
cisivas? Não lembrava de
forma alguma a antiga
subserviência de seus ante-
passados escravos e dos
conciliadores negros em
prol de uma "sociedade
capitalista negra".
Angela Davis em liberdade
Na
manhã de 7
de agosto de
1970 um negro
jfranzino, ainda
adolescente, con-
duzindo uma pequena sa-
cola, entrou timidamente
na sala. do Tribunal do
Distrito de Marin, San Ra-
fael, Califórnia. Naquele
dia estava sendo julgado
um negro de nome, James
David McCIain. Era acusa-
do de ter matado um guar-
da branco na Penitenciária
de Soledad, Califórnia.
Em companhia do réu,
encontravam-se dois ou-
tros sentenciados (negros),
William Christmas e
Ruchell Magee. Eram acu-
sados de coautores, segun-
do o libelo volumoso sus-
tentado pela promotor ia.
Respondiam os três pela
alcunha de "Soledad
Bro-
thers". O juiz era Harold
Haley, da Corte Superior
do Condado de Marin. O
julgamento se arrastava
monotonamente.
O negro franzino, até
então quase imóvel cujo
nome era Jonathan
Jackson, abriu a sacola e
retirou bruscamente uma
carabina Plainfield, semi-
automática e duas pistolas
Browning. Numa fração de
segundos o juiz Haley foi
transformado em refém,
para surpresa do promo-
tor, advogados, guardas e
alguns circunstantes. A saí-
da, no entretanto, foi blo-
queada pela polícia. Após
uma fuzilaria — â maneira
m- »* S :
- :^i
Kw#/i
v 1'
Sergio
Barcelos
A SEARA
DO ODIO
Angela Davis é um produto
da
sociedade norte-americana.
A segregação fez dela uma
revolucionária contestadora
ao establisment do racismo
POLITIKA
racismo
A ira de
uma negra
intelectual
Vamos rctroagir alguns anos. Angela Yvonne
Davis nasceu em Birmingham (a cidadela da se-
giegação), Alabama, em 26 de janeiro de 1944.
Sua origem apesar de modesta (seus pais pos-
suíam instrução razoável) foi bem mais afortu-
nada que a maioria dos negros. Ainda adoles-
cente, Angela começou a ter conhecimento da
odiosa segregação ou o que significa ser ameri-
cano negro num país opulento, no dizer de
James Baldwin.
Ao sentir sede em praça pública, notou que
havia dois bebedouros: um para os negros e
outro para os brancos. Havia também restauran-
tes, cinemas, ônibus, somente freqüentados por
brancos. Seus pais ao serem interrogados mos-
travam-se silenciosos. Aos 19 anos de idade,
Angela experimentou a sensação mais terrível
dc sua vida e que iria afetá-la intensamente no
sentido político: uma bomba de dinamite ma-
tou 4 crianças negras no porão dc uma igreja.
Nesta época Angela estudava na Universidade
de ürandeis, Massachussets. Um de seus profes-
sores era Herbert Marcuse. Como já era uma
brilhante aluna de literatura e filosofia, toi tacil
arranjar uma bolsa de estudos na Sorbonne de
Paris. Em 1963/64 esteve em companhia de es-
tudantes (negros e asiáticos), na Sorbonne. A
guerra da Argélia atingia um clímax de violen-
cia: atentados onde morriam dezenas de inocen-
tes e as represálias não menos violentas. Isto
lembrava uma pátria não muito distante, recor-
dava-se Angela. A violência e a tortura sotriuas
pelos argelinos nas mãos dos colonizadores 1 ran-
ccses. assemelhavam-se a uma surra que assistiu
no Harlem, infligida a dois negros por 4 poli-
ciais de capacete luzidio e cassetete branco. Os
dois estavam ajoelhados como a pedir clemen-
cia.
O fato revoltara e concomitantemente repug-
nara Angela, pois recordava o negro Dred Scott
e o tempo em que a Suprema Corte dos Estados
Unidos resolvera que os negros não poderiam
tornar-se cidadãos americanos, nem mover qual-
quer ação na Corte Federal. Resumindo: todos
são iguais perante a lei à execcção do negro.
Como vêem não é gratuita toda esta vjolência e
frustração vividas em torno da Decisão Dred
Scott. Ficou latente no negro. Angela Davis vol-
tou para a América ciente que a não violência
não era de forma alguma a solução.
Km 1968 (o ano do assassinato de Martin
Luther King), Angela (após ter permanecido 3
anos na Alemanha), reiniciou seus estudos com
Marcuse, que havia saído de Brandeis para a
Universidade da Califórnia em San Diego. Não
escondia suas convicções comunistas.
Explodiam as revoltas estudantis na França
(Sorbonne) na Alemanha (Universidade Goetne,
onde Angela estivera estudando) nos Estados
Unidos (Berkeley) e outros países. O mundo
parecia um caldeirão remexido por adolescen-
tes. Figuras imberbes hasteando bandeiras do
vietcong e armadas de pedras, paus^e algumas
armas de fogo, vociferavam "slogans maoistas
e vaticinavam o fim do capitalismo. Seus ídolos
eram Marcuse (principalmente entre os ame rica-
nos), Adorno, Rudi Dutscke e os irmãos Bendit
(Daniel e Gabriel).
As revoltas possuíam consistências diferen-
tes. Na França, o Fstablishment - (De Gaulle,
somente ele) havia acabado com a guerra na
Argélia e condenava o envolvimento americano
no Vietnã, ante a apatia dos comunistas-via-
Moscou. A luta era porém contra o capitalismo.
A universidade da Sorbonne havia redigido um
manifesto violento e intensamente revolucioná-
rio: "A
revolução que está nas ruas não somente
nega a sociedade capitalista como também a so-
ciedade industrial. A sociedade de consumo irá
também perecer, idem para a sociedade de alie-
nação.
O querúbico Danton, como era chamado Da-
niel Cohn Bendit (filho de imigrantes alemães
de origem judaica) havia se impressionado com
a insurreição em Berkeley (1964). Os privilegia-
dos da sociedade afluente (os negros ocupam
um capítulo a parte) sublevaram-se contra a de-
cisão da administração em banir todo o levanta-
mento de fundos e propaganda de qualquer
idéia política e social que eles não aprovassem.
Foi este o pretexto. Havia um objetivo comum
desejado pelas minorias estudantis: a derrubada
do governo.
Na França eram inimigos comuns dos estu-
dantes, o Estado (que controlava um imenso
setor da economia, intervindo incessantemente
na política e na iniciativa privada)
o Partido
Comunista (inimigo dos estudantes e demasiado
burocrático) c a polícia (tropa de choque a ser-
viço do Establishment degaullista). A oposição
política sistemática a Dc Gaulle e a tentativa cie
derrubá-lo foi um erro primário de Cohn Bendit
e seu adeptos.
Se Cohn Bendit reconhecia que a desigualda-
de cultural não é acidente, mas parte e parcela
da estrutura opressiva das sociedades comunis-
tas e capitalistas, a solução estaria na derrubada
das instituições sem consultar as bases. Nao toi
difícil a De Gaulle (seu passado político respon-
de bem às indagações), esmagar o movimento
estudantil no momento oportuno Se eles (os
estudantes) não tentassem a derrubada do Lsta-
blishment, muitas de suas (justíssimas) reivin-
dicações seriam atendidas.
Na América a oposição ao sistema possuía
ramificações bem mais complexas. A luta mi-
cialmente implicava numa contradiçao: a oposi-
cão estudantil branca lutava contra uma socie-
dade que os tratava democraticamente. Nunca
houve qualquer restrição ao homem branco na
América. Mesmo ao lumpen (salvo as restrições
de ordem financeira) o tratamento e idêntico '^
ao negro? O que mais chocou Angela Davis toi
o tratamento que recebeu em sua terra^nataU
nnós oassar por universiu<nK..> ^ aorouimv,
Goethe e ser tratada como Prof. Davis, Mrs.
David, Fraulein Davis, etc. Ao desembarcar em
San Diego, Califórnia e ser minuciosamente re
vistada, foi tratada de cun (negro) recebendo
advertências para não freqüentar este ou aquele
lugar.
A descoberta do que significa ser americano
em^úprópno solto, lazia-a lembrar James
Baldwin A cor foi para Baldwin a causa primei-
1 n- irira Angela havia uma obsessão paranóica
tia' parte do homem branco em destruir o negro.
<su-i radicalização aumentou com o assassinato
* Lume. King. em 4 de abril de I %*. Ma,s um
profeta desarmado a perecer como Ghandi t < u-
tros apóstolos da não violência.
Luther King não era um homem pacífico da
década dos 50. Em 1967, num discurso violento
em Alabama, denunciava o aumento da taxa de
desemprego (40 a 50%) para o negro, as condi-
ções subumanas de moradia, o recrutamento
dos negros (20% compunham a linha de frente)
para a guerra no Vietnã, as torturas sotridas nas
prisões infectas de Soledad, San Quentin. Não
apoiava os movimentos radicais dos Black
Panthers, Black Powere (neste país nada funcio-
na pela moralidade, pelo amor e pela não vio-
lência).
Angela cansou-se de esperar pelas conseqüên-
cias da escuridão causada pela sociedade branca
aos negros. Os negros passariam à violência e ao
crime pois nasceram de um parto gerado pela
criminosa sociedade branca.
Ainda na Califórnia, Angela Davis fundou o
Black Students Council. Em Los Angeles, obser-
vou in loco as violências praticadas contra os
negros.
O marxismo de Angela, assimilado nas uni-
versidades, esbarrou no empirisiflo e na ignoran-
cia. A maioria dos líderes negros nunca havia
lido Hegel (este nem era mencionado ou enten-
dido o nome), Marx (uma vaga menção ao Ma-
nifesto Comunista). O negro era alimentado
pelo ódio, como Huey P. Newton, dos Black
Panthers, da Califórnia.
O objetivo comum a destruir é o sistema.
Este é culpado pelo gueto, pelo acirramento da
repressão branca. 90% do motivo pelo qual an-
damos armados é devido a impossibilidade de
frenqüentarmos as universidades. O culpado?
Ora, o sistema. Um Stokeley Carmichael, Ralph
Brown ou Eldridge Cleaver (preso em Soledad)
não se limitariam a reações organicas, a maneira
o jovem Huey P. Newton. O Manifesto da Sor-
bonne calara em suas mentes.
O que pode significar para o negro americano
um Manifesto que fala em sociedade de consu-
mo ou sociedade capitalista (quando os autores
pensam numa sociedade branca) ou ersatz para
um capitalismo podre? Um Manitesto racista.
Claro que não. As reações de intelectuais como
Angela Davis, Stokeley Carmichael, Ralph
Brown entre outros, não é senão uma assertiva
em termos étnicos. Lá está o problema das mi-
norias raciais sempre presente. E o negro e o
porto-riquenho diante do látego manejado pelos
brancos.
Segundo o sociólogo americano Hieodore
Roszak a maioria dos jovens negros, inconscien-
te ou não, coloca o problema de raça tão estrti-
tamente "que,
apesar de sua urgência, tornou-se
atualmente tão anacrônico do ponto de vista
cultural, quanto os mitos nacionalistas do secu-
lo XIX".
Quando Angela Davis diz que nossas idéias só
têm sentido, quando veiculadas por gente de
nossa cor, está confirmando o que dissemos aci
ma.
Na luta sustentada pelos estudantes nas uni-
versidades e nas ruas, há o que discernir da par-
te que- toca ao estudante negro. Enquanto os
brancos (a new left, por exemplo), opoem-se a
U.do o que o Establishment lhes oferece dc
bom a mau, o negro conceitua em bases emi-
nentemente personalistas seu odio secular.
S americana é o policial amer.cano ou po-
Íícia de ocupação Não havera mais lugar para o
negro escravo Dred Scott na moderna sociedade
amtflfana.
Como podem os negros esguecer que o pro-
blema racial é prioritário? Nao só nas ruas sao
enxotados como cães vadios como'também nas
universidades são impedido*s de falar, como Bob
Se ale, dos Black Panthers, na Universidade dc
Berkeley. Seale não fazia prosélitos, apenas con-
denava sem alardes a guerra do Vietnã. Angela
Davis em 1969, havia aceitado o cargo de assis-
tente da cadeira de Filosofia da UCLA (Univer-
sidade da Califórnia em Los Angeles).
Um agente da FBI disfarçado cm aluno apon-
tou-a como comunista. Os regentes da Universi-
dade exigiram que ela se pronunciasse. Sim, sou
comunista, mas não admito que me coloquem
no banco dos réus e sim os Nixons, os Agnews e
os Reagans.
Imediatamente, os membros do Conselho da
Universidade tentaram despedir a profa. Davis
por suas crenças políticas. O caso foi levado ao
Tribunal - o americano respeita qualquer deci-
são em nome da lei — e Angela toi absolvida.
Houve recurso, mas foi julgado inconstitucio-
nal. É o grande paradoxo da sociedade america-
na- a oposição é dirigida a um Sistema que res-
peita as leis. Também ocorrem relaxamentos no
cumprimento da lei: os assassinatos dos Kenne-
dyS, a absolvição do Major Calley, o assassinato
de Luther Kine e inúmeros casos em que a lei
ficou adormecida. No affair Angela Davis houve
várias contradições (não serão estas inerentes ao
sistema capistalista? ). A prisão de Angela acu-
sada de assassinato, rapto c conspiração, so teria
ponto de sustentação na última acusaçao ou
seja conspiração contra o regime. O libelo acu-
satório fixou-se na cumplicidade (provas. ) do
crime e rapto (Angela não esteve na sala do
tribunal). Seu advogado, Leo Branton pulven-
zou todas as frágeis acusações.
Agora quanto à conspiração. Da prisão de
Marin County (na Califórnia), esperando julga-
mento, Angela Davis escreveu um artigo para a
revista Ebony (em 7 de julho de 1971), intitula-
do, Rhetoric vs Reality. O artigo é um panfleto
violento contra o regime. Eis alguns trechos, sob
o capitalismo a gente negra é e será predestinada
a ser esmagada, manipuladae desumanizada. Nas
palavras de nosso grande intelectual negro, poeta
e líder, W. E. B. Dubois, o comunismo é a melhor
resposta e o único caminho para a criatura huma-
na.
Mais adiante, criminosos são os policiais que
em nome do Sistema praticam seu sadismo de
inspiração racista contra gente negra, crimino-
sos são os generais dirigindo operaçoes genoci-
das na Indochina. Para arrematar: os criminosos
(refere-se aos negros) são apresentados pelo pre-
sidente Nixon como anônimos habitantes uo
gueto, condenados a um sepultamento em
masmorras". Este planfeto nem foi mencionado
em julgamento. Complexo de culpa? Angela
Yvonne Davis é lioie uma cidadã livre, l oi alvo
a poucos dias de uma manitestaçâo monstro em
Nova York.
Há uma revolução que vem vindo, não sera
como as revoluções do passado (ouviu Angela. )
O homem estará naturalmente e fara parte desta
revolução. A tmudança da estrutura
será seu ato final. Palavras de Charles A. Reich.
A luta não será entre direita e esquerda (como é
cansativo este dualismo). O inimigo comum e o>
totalitarismo tecnocrático. Se este não for der-
rotado, 1984 será uma realidade.
D
D
1
01
POLITIKA
12I bacia.Idas almas I
Kiifoc|iie desfoeado
Dos jornais: à margem de uma estrada de terra, caminho de s/tios no bairro do Cipó, periferia de São Paulouma menina grávida, espancada pela policia, é assistida por mais duas colegas naquele parto prematuro. 0 feto fo)abandonado no ei o do mato e durante cinco horas as três caminharam até chegar à casa da parturiente. Assimalguns policiais do Décimo Quinto Distrito - Indianápolis -
procedem à repressão ao trottoir nos bairrosresidenciais dessa jurisdição, inovando no processo de combater o assédio das prostitutas aos motorista*,particulares na chamada ronda das paqueras.
É a chamada visão deformada da realidade social: por despreparo e total incompetência, os responsáveis pelopoliciamento - o sistema repressivo - não conseguiram entender, ainda, que a prostituição é um grave problemasocial que requer medidas adequadas para sua solução. Não terá fim com medidas repressivas, tipo esDancampntne prisão. Uma questão de enfoque. Apenas isto. **************
POLITIKA na Universidade
JB _\ * ^r_m' ét_\ ^_\ ¦¦^'¦i-H
¦ I V^jtÍfca^ Sm
W/r __1_^___^_r W& MÉ»'--"' m*w
_féíF. ' _WeSÊ_uY *m mtk—
Não é matéria publicitária não pessoal. O negócio éque o POLITIKA é um jornal identificado. E identificável.Tanto que os alunos da Universidade de São Paulo nãodeixam de comprá-lo, todas as semanas. E o pessoal de SãoPaulo, que não perde tempo, aproveitou a reunião dosestudantes e torne-lhe de fotografia. Que a gente publica Êclaro.
Assalto
a domicilio
0 carioca, o infelizmais assaltado do mun-do - em todos os senti-dos -
pode ter um conso-Io: no edifício em auemora o general Faustinoda Costa, secretário de Se-
gu rança da Guanabara,apesar do rigoroso esque-ma montado, com vistas a
possíveis ações subversivas,um ladrão penetrou e visi-tou diversos apartamentos,
saindo calma e tranqüila-mente, sem ser abordado
por qualquer dos policiais.Se não fosse um ladrão
comum o esquema teriaido para o brejo.
O milagre
das vendas0 comércio carioca de rou-
pas femininas inventou maisuma picaretagem: contratar
moças de boa aparência quepassem o dia experimentando
vestidos e blusas, fiqindo-se decompradoras. Sabem paraquê? Para aumentar um pou-quinho o faturamento, que caidia para dia.
E não venham dizer que istoacontece com lojas desimpor-tantes. A relação das empresascontratantes é formada por AImperial, Canadá, A Moda eoutras, que fizeram do comer-cio carioca um dos mais sofisti-cados e importantes do Brasil.Isto antes de se descobrir omilagre, evidentemente
Va.
A memória
tle •luraiey
0 almirante Ernani do
Amaral Peixoto deu à re-
vista Visão (tem me lho-
rado muito ultimamente)
este depoimento, que é
bom destacar, para o País
ficar sabendo d irei ti nho
quem são, como são e co-
mo agem alguns de seusilustres homens públicos:
- "Juracy Magalhães,
quando foi promulgado oAto Institucional no. 2,me declarou que, pelo seu
passado de revolucionário,
de liberal, não poderia per-manecer no Governo. Queo presidente Castello Bran-co, dada a pressão que ha-via nos meios militares, se-ria obrigado de qualquermaneira a baixar um ato,fazendo aquilo que o Con-
gresso não queria fazer. Eurespondi, mas seria preferi-vel que ele fizesse um atoinstitucional, porque oCongresso se desmorali-zava votando aquelas me-didas. E ele me disse queaconselharia o PresidenteCastello a fazer, embora
pelo seu passado não pu-desse continuar no Minis-tério: era uma medida dita-toria/. Tanto assim que, setivesse querido, teria sidoMinistro do Dr. Getulio,com quem tinha boas rela-
ções - e real mente
tinha — e nunca aceitou.Mas acho que depois ele seesqueceu disso, porque as-sinou o ,-.1-2 e continuouno Ministério da Justiça".
Será esqjeceu, a/mi-rante? 0 Juracy sempreteve ótima memória. So-bretudo a memória doscargos.
•J»alo por
lebre
Everardo Guilhon, ofamoso Super-XX, foidesignado pelo Itamarati
para Adido de Imprensado Brasil no Paquistão.
Antes de assumir, deu uma
passada por Portugal, ondeseu irmão, IV"anoel EmílioGuilhon, era Cônsul Geral.Um dia, passeando por Lis-boa, teve sua atenção vol-tada para uma estátua deD.Pedro IV - o nosso Pe-dro I — e foi chamado peloirmão:
Everardo, esse D. Pe-dro IV não está esquisito?
É mesmo. Apesar decerta aparência, é bastantediferente do nosso Pedro I.Tem traços fisionômicos,mas não parece ele.
Bem, vai ver que é adiferença de idade .. .
Foram embora. E seesqueceram do Pedro IV.
Depois, já no Paquistão, Everardo conversavacom o Terceiro Secretárioda Errbaixada de Portugal,Antônio Lopes da Fonse-ca, e disse-lhe de sua dúvida sobre a estátua de Lis-boa.
A resposta veio sob aforma de pergunta:
A de D.Pedro IV?Essa mesma.P .as aquele não é
D.Pedro IV. É CarlosMaxim ili ano.
Ante o espanto deGuilhon, explicou:
Quando Maximilianofoi nomeado Imperador doMéxico, um escultor fezsua estátua. Que deveriaser enviada ao México.
Ora, houve a revoluçãomexicana e mataram o im-perador. E a estátua ficouencalhada.
E o que tem umacoisa com a outra?
A dúvida de Guilhonfoi desfeita:
Simples. O governode Portugal aproveitou queos dois eram parentes ecomprou, por preço bembarato, a estátua de um,dando-lhe o nome do ou-tro.
Então Guilhon arrema-tou:
Quer dizer que o D.Pedro IV de vocês é oCarlos Maximiliano do Mé-xico?
! fiP l"OMO O F* \ll J ^i/not*« aiouiis mnMoi 11 MMM.4.T911 MB | #9 17H
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7 M M1HM PICA* UK Hli I T. .Til > g j II' ItI rouu' «iA&*io» * r» Vf/ *rJ|HS? 1
}'|f i|VAt»C*.> PA* CHOVA' •
ill V
MBS!
rZ^'
—«¦»- —^fT i ¦ *" . miiii
O (1ha)SaM dl» lá
Foi publicado, em São Paulo, o resultado
estatístico das obras públicas na municipalidade da Capitai.
E este não apresentou nenhum surpresa. Mas a verdsde ó que
não aqradou ao
prefeito Ferraz, o paulistano é
um gozador e anaa espalhando que está a espera
de que ele saiba que assumiu o cargo.
POLITIKA
bacia
das almas
A primeira
hei de
Imprensa
"Havendo ponderado na minha
I real presença que, mandando eu
convocar huma Assembléia Geral
Constituinte e Legislativa para o
Remo do Brazil, cumpria-me neces-
sanamente e pela suprema lei da
[salvação pública evitar que, pela
imprensa, ou verbalmente ou de
outra qualquer maneira propaguem
epubliquem os inimigos da ordem e
da tranqüilidade e da união, doutri-
nas incendiárias e subversivas, prin-
cípios desorganizadores e dissocia-
veis, que promovendo a anarchia e a
iirenca, ataquem e destruão o syste-
^ Que os povos deste grande e ri-
quíssimo Reino, por sua própria
vontade escolherão, abraçarão e me
requererão, a que eu annui e procla-
mei, e a cuja defeza e mantença já
agora elles e eu estamos indefecti-
velmente obrigados: e considerando
eu quanto pezo tenhão estas razões
e procurando ligar a bondade, a
justiça e a salvação pública sem
ofender a liberdade bem entendida
da imprensa, que desejo sustentar e
conservar, e que tantos bens tem
feito à causa sagrada da liberdade
biazilica, e fazer applicávcis em ca-
sos taes e quanto for compatível
com as actuaes circunstâncias, insti-
tuições liberae adaptadas pelas na-
ções cultas: hei por bem, e com o
parecer do meu Conselho de Esta-
do, determinar provisoriamente o
seguinte:
0 Corregedor do Crime da Cortee Casa, que por este nomeio Juiz de
Direito nas causas de abuso da liber-
dade da imprensa e nas Províncias
que tiverem Relação o Ouvidor do
Crime, e o de Comarca nas que a
não tiverem, nomeará nos casos
ocorrentes e a requerimento do Pro-
curador da Coroa e Fazenda queserá o Promotor e Fiscal de taes
delictos, vinte e quatro cidadãos
escolhidos dentre os homens bons,
honrados, inteligentes e patriotas,os quaes serão Juizes de Facto paraconhecerem da criminalidade dos
escriptos abusivos.
Os réos poderão recusar destes
vinte e quatro nomeados dezesseis
— os'oito restantes porém procede-
rão no exame conhecimento e averi-
guação dr delicto, como se procede
nos Conselhos militares investigação
e accommodando sempre as formas
mais liberais, e admitindo se o réo à
justiça e certeza que lhe dá razão,
necessidade e uso. Declarada a exis-
tència de culpa, o Juiz imporá a
pena. E, por quanto as leis antigas a
semelhantes respeitos são muito du-
ras e impróprias das idéias liberaes
dos tempos em que vivemos, os
Juizes de Direito regular-se-hão para
esta imposição pelos art. 1 2 e 13 do
tit. 2o. do decreto das Cortes de
Lisboa de 4 de Junho de 1821, que
mando nesta única parte applicar ao
Bresil. Os réos só poderão appelar
do julgado para a minha real cie-
mêr.cia.
E para que' o Procurador da
Coròa e Fazenda, tenha conheci-
mento dos delictos da imprensa,
serão todas as typographias obriga-
das a mandar-lhe hum exemplar de
todos os papéis que se imprimirem.
Todos os escriptos deverão ser
assignados p« los escriptores para
sua responsabilidade: e os editores
ou impressores que impremirem e
publicarem papéis anônimos, são
responsáveis por elles.
Os auetores, porém, de pasquins,
proclamações incendiárias, e outros
papéis não impressos, serão proces-
sados e punidos na forma prescrita
pelo rigor das leis antigas. José Bo-
nifácio de Andrada e Silva, etc.
Paço, em 18 de Junho de 1822. —
Com a rubrica de Sua Alteza Real o
Príncipe Regente. - José Bonifácio
de Andrada e Silva". Bons temposaaueles
Três lições de humildade
Sociedade
A sociedade cria situações
absolutamente contraditórias.
Semana passada, mais um ope-
rário se despencou do andaime
da construção em que traba-
lhava, . arriscando a vida. E
ganhou as manchetes dos jor-
nais por uma simples razão:
caiu do décimo andar e não
morreu, embora tenha sofrido
inúmeras contusões, algumas
sem qualquer gravidade.
Ora, campanhas são feitas
no sentido de aumentar a segu-
rança para os operários; o sindi-
cato de classe se manifesta; as
autoridades prometem punição
para os infratores. E as coisas
continuam na mesma, sém que
se passe uma semana não
havendo uma queda e uma
morte. Várias quedas e várias
mortes. Mais miséria para algu-
mas famílias.
Como, por verdadeiro mi la-
gre, um operário cai e não
morre, vira manchete de jor-.
nal. Ora, a sociedade cria, real-
mente, situações absoluta-
mente contraditórias, que fe-
rem os mais primários conhe-
cimentos de organização, res-
peito e dignidade da pessoa
humana. Afinal de contas, o
mundo é assim, dirão os mais
objetivos. O que não deixa de
ser verdade.
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A Renda por Habitante am Alguns Pafsaa
(•m UM)
I
Brasil Portugal Itália Inqlaterra Auatrálla F'»n«» Alemanha Canadá Suécia
I Fomr: "Tht OECD Obsrrvrr" n.° 56 — 2.72
EUA
Dlitribui$fio da renda
Partjcipacfio
_ . percsntualCamadada na
randa total
populagSo
1960 1970
40% malt pobrea 11,20 9.05
10% aagulntaa 6.49 4,69
10% MgulntM 7.49 6,25
10% aagulnta^ 9,03 7,20
10% MgulntM 1141 9.63
10% MgulntM 15,61 14,83
10% mate rlcoa 36,67 48,35
TOTAL 100,00 100,00
80% mala pobraa 45.52 36.82
20% mala rlcm 54,48 63.18
5% mala rlcot 27,35 36.25
1% mala rlco« 11.72 17.77
Fonte: IBGE.. —I I
——rainwiw writuw r mrgmm
4 Editora Abril lançou um
Manual de Investimentos, onde
publicou alguns gráficos da eco-
n°mia nacionai. Estes três dizem
wais do que o discurso do filóso-
0 Delfim Neto, que em sua últi-
ma conferência na Escolà Supe-
nor de Guerra lançou para
o
m"ndo a tese de
que
"o
pape! da oposição é pedir
o impossível".
No primeiro gráfico, basta
uma continha de somar para ver
que o PNB ou o PIB (Produto
Interno Bruto) que virou o santo
padroeiro do milagre nacional,
praticamente dobrou de VdbZ pa-
ra 1963 e de 1963 para 1964. De
lá para cá, tem crescido mais
modestamente. Será que o mila
gre de 62, 63, 64, era mais forte
do que o de agora? Ou o PNB
não será tão importante como
resolveram dizer?
No segundo gráfico a nossa
renda por habitante (per capita)
ainda está em 380 dólares anuais.
Quem é capaz de lembrar desde
quando ela está em 380 dólares?
No terceito gráfico, temos a
síntese do Censo de 1970 sobre a
distribuição de rendas.
Analisem bem esses riscos e
vocês vão saber porque os gregos
ensinaram que a condição da sa-
bedoria é a humildade.
POLITIKA
konjuntura
.
v— /
Do país próspero
e calmo que
era o Uruguai até a década
de 50 restou apenas o alto
nível cultural de seu povo,
que está emigrando em massa.
Milton
Temer
As tmnsrc rttmnir rin fit on ///I Dt.u*.
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General Seregni
>ls rrop« depois da fuga de Punia Carretas
O estado de guerra interna tem sua terceira prorrogação no Uruguai.
E congitando-se de sua institucionalização, se ratifica no Congresso a Lei de Seguridad.
Os direitos individuais estão suspensos e não se fala no seu restabelecimento.
Neste quadro, o Governo uruguaio vive um momento de afirmação com os sucessivos e profundos
golpes que vem aplicando na estrutura orgânica dos tupamaros. Diariamente é emitido um boletim oficial das
Fuerzas Conjuntas (Forças Armadas e Polícia) anunciando a prisão ou
morte por enfrentamientos de membros da organização clandestina. No dia em que se votava a prorrogação
do estado de guerra, apenas três membros da direção central conhecida dos tupamaros
não haviam sido ainda presos (Sendic era um deles. Se comenta que teria saído do país).
-ÍJU|
URUGUAI,
DA ÍO
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Não é mí
DECADENTE!
para os br,
EM BUSCA lã
lar atual ac
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Volonté
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^jHNHAJm líticadefm
Montaldo,
?j^l^ jBKft meron", df
o a
in A
ãm das sem co
Pois é, a Suíça da Amé-
rica Latina, imagem do
país num tempo que ter-
minou nos meados dos
anos 50, mudou de cara.
Não é mais o país livre,
ordeiro, um povo bem ali-
mentado e feliz com o
poder que se mantinha nas
mãos dos Colorados havia
80 anos. Não, não há mais
nada do que se pintava
para os brasileiros naquela
época.
Dali só restou, o alto
nível cultural e de infor-
macão facilmente consta-
tável na freqüência popu
lar atual aos filmes da cate-
goria de "Sacco
e Vanze
tti" (onde o Gian Maria
Volonté dá um show de
interpretação artística a
serviço de uma posição po
Iitica definida ) , do
Montaldo, ou no "Deca
meron", de Pasolini (deste,
fico imaginando a reação
do publico num cinema
brasileiro: há pelo menos
oito relações sexuais filma-
das sem corte).
Ou ainda nas casas lota-
das nos teatros que apre-
sentam "Ascensão
de
Arturo Ui" (explicação do
crescimento de Hitler mos-
trado na figura de um
gangster em defesa dos
grandes trustes, na luta
contra os grevistas) e "Nos
Dias da Comuna de Paris"
(aqui, numa alusão clara
ao debate entre os cami-
nhos a serem seguidos pela
esquerda quando no po-
der), ambos textos de
Brecht. Tudo na mesma
semana.
É bom lembra aqui, (um
parêntesis de informação
ao pessoal de teatro) que"Arturo
Ui" está no Tea-
tro Galpon, cuja lotação é
maior que a de um cinema
de tamanho médio no Rio.
E que eu vi a peça numa
terça feira. Vale registrar a
CrS 2,50, sem anúncio de
temporada popular. No
Rio, Villa nueva Crosse —
o ator principal - valeria
um bilhete de CrS 50,00.
Qual a explicação então
para as mudanças deste
país? Por que sua popula-
ção esta emigrando (o alto
nível cultural facilita a co-
locação em qualquer país
da América Latina?
51
POLITIKA7
URUGUAI, PlS
DECADENTE EM
BUSCA DA SAÍDA
O Uruguai não acompanhou o
desenvolvimento da economiado mundo e ficou na base da
venda de lã e carne. Por isso
o sintético o empobreceu
15konjuntura
HOUSIWSONIIS aTUNNIUO _INTOFOt
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I--* //// __J_k Ir __H _____________H_________, I
Os jornais uruguaios com a Ley de Seguridad gozam de liberdade limitada, entretanto, quando podem,
usam a crítica para apresentar a situação interna. As fotos da repressão contra os tupamaros só
podem ser publicadas quando autorizadas, mas as agências estrangeiras as distribui para o mundo.
O rebanho bovino uruguaio, em
torno de 8 milhões, é contrabandeado quase
sempre para países vizinhos
Não adianta ficar com especula-
ções sem fazer um pequeno retrós-
pecto sintético.
Dados oficiais nos mostram quede 1908_até 1971 (último censo)
apenas dois números aumentaram
no Uruguai — o da população e o de
porcos("numa imagem muito sim-
bólica", rsssalta um importante es-
Carne e lã, ainda hoje fontes mais
importantes das exportações uru-
guaias, chegam a mostrar estatísti-
cas aterrorizadoras: há atualmenteos mesmos números para o gadobovino (em torno de 8 milhões)constantemente ameaçado pelocontrabando para o Brasil onde há
Preços muito mais altos, enquantono ovino o número desce de 26
milhões para 19, aproximadamente.Considere-se aqui que, em inícios
do século, era muito menor- a popu-tação local(Battle y Ordonez, presi-dente colorado responsável pelas
medidas de lei mais progressistas
ainda hoje no Uruguai, dizia que o
país poderia alimentar com sobras
uma população de 25 milhões,
quando mal consegue atender aos
2,5 milhões de hoje).
Neste quadro de então se estabe-
lece uma estrutura social difícil de-
imaninar Dará a América Latina da
época; ao nível das mais avançadas
do mundo: escola pública gratuita,
jornada de 8 horas de trabalho (co-
mo forma de atrair a imigração!!),
voto secreto, direitos da mulher,
aposentadoria, nacionalização do
petróleo.
Entenda-se também que já na
Ȏpoca havia os dois partidos tradi-
cionais-Colorados, ligados aos
centros urbanos e formas de econo-
mia a eles inerentes, e Blancos (Par-
tido Nacional), que representava o
interesse dos ruralistas. Tao prospe-
ro era o país, que ambos se enten-
diam e aprovavam esta legislação
avançada.
Vêm então as duas guerras, e
com elas a mudança nas relações de
troca do comércio exterior. Em
1938, quando o total das exporta-
ções mundiais alcançou — segundo
os dados dos Anuários Estatísticos
das Nações Unidas - um total de
23.500 milhões de dólares, com
5.900 milhões pertencentes aos
países da área do subdesenvolvi-
mento, o Uruguai tinha 62 milhões,
o que correspondia a 0,26% (dado
bastante alto, em função de sua
população, é bom repetir). Em
1960, a porcentagem uruguaia já
desce a 0,10 do total, batendo
0,074% em 1970.
Começa-se a pressentir a gmande
crise uruguaia a partir do fim da
guerra da Coréia, ao se perceber queum modelo econômico dos anos 10
e 20 já não podia servir mais. Os
sintéticos, principalmente, arreben-
taram com o preço da lã, enquanto
o controle da economia dos paísessubdesenvolvidos por parte de um
novo senhor (Estados Unidos subs-
tituindo a Inglaterra) fazia baixar o
preço da carne. E, na necessidade
de mudar, se cai na grande contradi-
ção que começa a esvaziar os parti-dos políticos de então: 1/3 da terra
explorável do país estava na mão de
600 famílias, que, já então, tinham
quase total participação no controle
dos bancos, da indústria e do co-
mercio exterior. Não redundou por-tanto em nada a pretensa mundança
de poder após 80 anos, quando os
Blancos ascendem ao governo, em
1953.
. --*¦¦¦*¦••»--*-»»*¦' ¦¦•**•'
konjuntura
Os Colorados perderam
o poder
por 4 anos, após um domínio
de 80 anos, Voltaram ao poder
com Gestido e os problemas
se agravaram cada vez mais
General Seregni
If &
^ BlI # gj
B1PWBWHBWWF *. ? *•
E surge, fortemente, no debate
político, a figura sinistra do Fundo
Monetário Internacional com as
suas já conhecidas medidas básicas:
restrição de créditos, congelamento
de salários, etc. Os Colorados, então
fora de governo, caem na oposição'
e atacam os acordos e concessões
feitos.
^Claro que a pretensa mudança
não deu em nada de bom e os
Blancos saem em 1962, quando é
eleito o general Gestido —
homem
muito mais respeitado pela sua in-
contestável honorabilidade do que
por seu passado pol ítico —
trazendo
Pacheco Areco, com quem pouco se
identificava, como vice-presidente.
Os problemas do Uruguai existiriam
provavelmente então pela possível
desonestidade com que se condu-
ziam anteriormente. É o que se
pode depreender da escolha de
Gestido.
Mas Gestido não tem tempo para
muita coisa. Morre ainda no co-
meço da sua gestão. Sobe Pacheco
Areco e, estranha coincidência, co-
meçam a aumentar sua força as^
correntes políticas de esquerda.
Na^a Fidel (Frente Isquierda de
^rfaC;Ó!i>: formada pelo Partido
l.pThümsta (M-e étlèçjfel •
ndr h
Pacheco Areco sobe
te de Oscar Gestido
ele as esquerdas
no Uruguai), uma ala da Demo-
cracia Cristã e membros de uma
esquerda independente. Desta, uma
outra parte se funde com o Par-
t do Socialista para formar a Uni-
dade Popular.
0 surgimento dessas represen-
tações políticas e o crescimento da
ação dos sindicatos fortemente or-
ganizados a partir de suas bases - o
governo não tem ingerência, pois
não existem os pelegos —
começam
a preocupar as forças tradicionais. E
os Colorados, que combatiam os
Blancos pela obediência às normas
impostas pelo FMI, recuam e pas-
sam a apoiar suas medidas "sanea-
doras".
Os tupamaros — nascidos no iní-
cio da décade de 60 —
começam a
crescer, independentemente da lega-
lidade das organizações de esquer-
da. É que seus atos românticos
iniciais (roubo e publicação dos
livros contábeis das grandes com-
panhias ligadas ao capital estran-
geiro, que sem comentários suple-
mentares constituíam em si denún-
cias gravíssimas) passam a se consti-
tuir em motivo de fascínio para
uma parcela da população. E a
c: nuerda leqal, embora não apoian-
: eícdcs, r.ao . j i ave
nem era hostilizada como nos ou-
tros países da América Latina.
Havia como que uma espécie de
reconhecimento mútuo da neces-
sidade de ambos existirem.
E nisto se segurou o sistema para
mudar o eixo da linha de governo:
nada se poderia fazer pelo país
enquanto não se desse fim à anar-
quia e à subversão. Só então se
poderia marchar para a recons-
trução. Reconstrução que só via
como válida os mesmos homens e
os mesmos partidos que já haviam
levado o país à grande crise de hoje.
Com isto não se contentou um
general que então comandava a I
i < egiao Milildf — controla a capital
onde vive mais da metade do total
da população do país. Ele achava
que o simples combate à subversão
não era suficiente. Era o general
Liber Seregni, um colorado battlista
(bajista, se pronuncia aqui), o que
signifiça ser fiel aos preceitos de
Battle y Ordonez. E passa para a
reserva para não quebrar a disci-
plina da ordem hierárquica.
E é eje que a Frente Ampla,
ornanizacão criada muito ^m fun-
cao do sucesso da Iníríade p00,.(or
URUGUAI, PAÍS
DECADENTE EM
BUSCA DA SAÍDA
O Chile
serviu de
exemplo
no Chile, vai escolher como candi-
dato à presidência no pleito de
1971. M
Sem tradição política, perten-
cendo a um partido que terminava
de nascer Seregni se transforma no
grande adversário de Bordaberry
(indicado pelo colorado Pacheco
Areco) e de Ferreira Aldunate
(blanco de tendência liberal, que
declarou ser capaz de colocar-se
contra seu próprio partido se este se
levantasse contra as liberdades indi-
viduais).
(Terminou votando recente-
mente a favor da prorrogação do
estado de guerra proposto por
Bordaberry). Alduna foi o mais
votado, mas perdeu porque Borda-
berry teve a seu favor os votos de
Vasconcelos, colorado que se opõe
à linha dura de Bordaberry, mas
que terminou por beneficiá-lo.
Seregni fpi derrotado, mas a
Frente Ampla quase conseguiu con-
quistar a prefeitura de Montevidéu
muito embora seus dois partidos
rivais tivessem feito uma passeata
conjunta (isto mesmo, eram adver-
sários na eleição mas se juntaram)
contra "os
tanques soviéticos, Muro
de Berlim, e possibilidade de as
mães verem seus filhos serem envia-
dos para estudar em Moscou". As
aspas são para deixar claro que os
slogans chegaram a este nível. Não é
por menos que McGovern, na cam-
panha que faz nos Estados Unidos,
diz que o anticomunismo é ainda
um grande negocio na America La-
tina.
„ A serviço dos
que não querem
ve-la progredir.
E é com o general Seregni esta
conversa curta que se segue.
POLITIKA
URUGUAI, PAÍS
DECADENTE EM
BUSCA DA SAÍDA
-
1® p5;
Milton Temer, um dos mais• *
experimentados repórteres
brasileiros, foi ao Uruguai
e entrevistou para
POLITIKA
o chefe da oposição, Seregn
General Seregni
Uruguai é
um estado
fcv/icfo
Quem chega a Montevidéu ho/e
sente no ar o aspecto de cidade em
fim de guerra. Tudo tem cheiro de
decadência e, nos edifícios suntuo-
sos da belle époque, ao redor da
Praça Independência, o maltrato
deixa transparecer o aspecto perma•
nente de aristocracia decadente.
%Na Calle 18 de Júlio, principal
avenida da cidade, as vitrinas enco-
bertas por papel de jornal mostram
as falências a que foram conduzidas
as grandes lojas. Os antigos e ricos
luminosos — agora empoeirados e
aos pedaços
- permanecem apaga-
dos fazendo questão de lembrar ao
grande número de aposentados que
por ali passeia em roupas velhas e
poídas a época feliz e não muito
longínqua das vacas gordas. A passi-
vidade só é cortada aqui e ali pela
sirena de um carro das Fuerzas
Conjuntas, canos de metralhadora*
aparecendo pelas janelas, em mais
uma missão contra os tupamaros.
Neste clima que já vem desde 15
dp ahril fni lanrin cp nrnrnu/oou n
estado de guerra interna) aparece a
voz de Seregn i para pedir a pacifica-
ção. E os órgãos de comunicação
que apoiam o governo não fazem
por menos. Seregni é um porta-voz
dos tupamaros.
P — O senhor é porta-voz
dos
tupamaros, General?
R — Esta é uma acusação típica
do anticomunismo de caráter co-
mercial que existe na América Lati-
na. Quando pedi a pacificação, vi-
víamos o primeiro período de Esta-
do de Guerra Interna, com duração
prevista para 30 dias. E eu dizia
então em um discurso aqui mesmo
em Montevidéu: "Quem
assegura
que terminará em 30 dias? Quem
determina o prazo fixo? "
Minhas
perguntas não foram respondidas, e
agora já se prorroga este estado pela
terceira vez, ao mesmo tempo em
que se procura institucionalizá-lo.
Quando pedi a pacificação, partia
do raciocínio que o estado de guer-
ra era mais um passo na série de
proposições do governo
contra
todas as nossas tradições legalistas.
Havíamos começado com as inicial-
mente provisórias medidas de segu-
rança estabelecidas durante a gestão
de Pacheco Areco, e que se manti-
veram durante quatro anos, chegan-
do à estatura do estado de guerra
atual.
Por enquanto, é uma guerra pe-
quena, mas que poderá
converter-se
' •.
Seregni não
faia peios
tupamaros
damente è paz, ou se multiplicam as
conseqüências dessa guerra e, na
medida em que isto aconteça,^ o
Uruguai periga na sua independên-
cia, na sua existência.
P —
E de onde partiram as acusa-
ções?
R - Claro, dos partidos políticos
tradicionais (Blancos e Colorados)
konjuntura
numa guerra grande, e seria imoral
não levar em conta esta hipótese. E
não tenha dúvidas: ou se chega rapi-
como forma de combater o surgi-
mento de uma nova opção política,
entenda bem, política e não pura-
mente eleitoral como um sucedia
ser para o outro. E nada melhor, no
raciocínio deles, que tentar desviar
o raciocínio do povo, principalmen-
te de amplos setores da classe mé-
dia, para uma identificação da Fren-
te Ampla com a guerrilha urbana,
com uma face legal da luta armada.
Mas eles parecem não conhecer o
povo uruguaio, sua tradição cultural
e política altamente sedimentada. O
povo uruguaio não se deixou iludir.
Entendeu que a Frente Ampla não
se preocupa em combater aos gru-
pos da luta armada por omissão ou
concordância com suas posições.
Entendeu, isto sim, que a Frente
Ampla considera muito mais impor-
tante combater as causas sociais e
econômicas que fizeram nascer es-
tes grupos. Não damos voltas, fala-
mos claramente. Os tupas não surgi-
riam no Uruguai de Battle y Or-
dofiez, muito embora a América
Latina vivesse então em permanente
crise de "pronunciamentos". Por-
que então, o Uruguai atendia às
necessidades do seu povo.
P - Mas dentro do encaminha-
mento do contexto atual (uma as-
sembléia no Círculo Militar de Mon-
tevidéu aprovou por aclamação uma
moção contra a publicação de penas
impostas a militares que se excedem
no cumprimeinto das tarefas de re-
pressão. Isto, a propósito
de uma
exigência feita pelo Congresso ao
Ministro da Defesa, para que isto
fosse feito) o senhor crê que a
Frente Ampla possa se manter na
legalidade por muito tempo?
R —
Nossos comitês de bairro
aumentam de número dia-a-dia. A
cada manifestação da Frente Ampla
constatamos um número cada vez
maior de participantes presentes. E
no Uruguai, o que determina a lega-
lidade e validade de uma organiza-
ção é a participação popular.
E
nisto quem mais crê são as próprias
Forças Armadas. Não existe sequer
campo para especulação sobre isto.
P - O senhor acredita e/n vir a se
eleger Presidente da República?
O povo
nõc
se deixou
iludir
R —
Se não acreditasse nas possi-
hilidades da Frente Ampla empol-
gar o poder e promover as muc.m-
ças estruturais que este país necessi-
ta para evitar que seu povo o aban-
done por total impossibilidade de
aqui encontrar os meios dignos de
viver; se não acreditasse que estas
mudanças se podem processar atra-
vés do caminho da legalidade e da
paz, eu não teria renunciado à mi-
nha tranqüila vida particular. A
Frente Ampla é a única opção pa-
cífica para a crise política, social e
econômica do país. E a cada mo-
mento, aumentam os setores que a
ela aderem.
P — E quais são essas medidas
necessárias às mudanças?
R — A fórmula para os países
subdesenvolvidos da América Lati-
na: reforma agrária, nacionalização
dos bar.cos e controle estatal do
comércio exterior. Seriam os pri-
meiros passos fundamentais para a
insstalação do caminho socialista, a
única solução a longo prazo.
POLITIKA
J|P|
folklore
polítiko
r "Porfírio da Paz
SÃO PAULO
_ Quando
f idel Castro esteve no Rio, Vasco
Leitão da Cunha lhe ofereceu um banquete. Es-
tava lá todo o society carioca, deslumbrado com
o charuto enorpie e a engomada farda branca
de Fidel. De repente, aproximou-se dele um
homem gordo e vermelho:
Senhor primeiro-ministro, só não lhe
perdoo os fuzilamentos em Cuba.
Pois posso assegurar ao senhor
que só
fuzilei ladrões dos dinheiros públicos e caftens.
O homem gordo e vermelho ficou ainda mais
vermelho. Era Ademar de Barros.
2
Ademar recebeu a notícia da cassação atra-
vis do general Kruel, então comandante do II
iTíército. No Palácio do Morumbi, a confusão
< f© total. Ninguém sabia o que o governador
' \tr itbado ia azer.
Foi convo' $da uma reunião do Secretariado,
chamados os amigos mais próximos e todos se
encaminharam para o salão de despachos. Era o
suspensa Corria um frio suor coletivo. Na cabe-
ceira da mesa, calado, olhar duro, Ademar espe-
rou que todos se sentassem. Fez-se total silêncio
Ele olhou para um lado, para o outro, conferiu
um por um:
— Agradeço comovido a solidariedade de
vocês todos. Sabem que o Castelo me cassou.
Vocês são meús amigos e eu conto com vocês.
Quero que me respondam com toda a franqueza.
Da resposta de vocês talvez dependa o destino
que será dado à minha vida. De que é que eu
devo ir embora? De avião ou de navio?
¦ Foi de avião. E de peruca marrom.
3
Salomão Jorge, deputado, amigo de
Ademar, reuniu a imprensa:
Quero comunicar a São Paulo
que rompi
com o governador Ademar de Barros.
Por que, deputado?
0 Ademar fez chover ouro no quintal do
Maia Leio (presidente do Banco do Estado); fez
chover ouro no quintal do Paulo Lauro (prefeito
de São Paulo); fez chover ouro no quintal do
Arnaldo Cardeira (foi o único deputado federal
cassado por corrupção).
E o que foi
que o governador fez com o
senhor? "
No meu quintal ele abriu o guarda-chuva.
.
Salomão Jorge foi, durante muitos anos,
secretário de Agripino Grieco. Quando o grande
crítico percorria o País de ponta a ponta, fazen-
do conferências e distribuindo ironias, Salomão
Jorge é quem arranjava auditório, arrumava as
cadeiras, cobrava ingresso.
Depois, Salomão Jorge virou deputado em
São Paulo, amigo de Ademar, ficou rico, muito
rico. Agripino Grieco foi passar férias na casa
dele. Salomão queria explicar sua fortuna:
Veja, seu Agripino, Deus afinal olhou para
mim. Você não acha?
Não acho não, Salomão. Eu acho até que
ele fechou os olhos.
5
Quando Castelo Branco nomeou Abreu
Sodré governador de São Paulo, o velho prefeito
do interior resmungou:
O doutor Abreu Sodré é muito simpático,
bem vestido, bem falante, sabe boas maneiras,
mas não é do ramo.
6
0 presidente Costa e Silva chegou a São
Paulo, deu entrevista coletiva. Milton Parron, da
Rádio Panamericana, depois de algumas pergun-
tas, saudou o presidente:~„A
jovem Pan deseja a V. Exa. feliz estada
em São Paulo e uma boa viagem.
Meu filho,
quem é essa jovem?
7
"Porfírio
da Paz, chefe da torcida organiza-
da do São Paulo Futebol Clube, foi quem inau-
gurou no Brasil a exploração política do futebol.
Conseguiu levar Leonidas do Rio para lá e virou
herói popular, de prestígio e voto. Foi vice-
prefeito, vice-governador. E teve com o presiden-te Café Filho um diálogo famoso, depois atribuí-
do a outros governadores, mas na verdade foi
ele, quando assumiu o governo paulista por al-
guns dias duranteviagem de Jânio e veio ao Rio:Como
vai São Paulo, governador?
Vai mal, presidente. Perdeu o último
jogo.
Não é o time não,
governador. É o Estado
que eu pergunto.
— Ah, o estádio? Ainda não ficou
pronto,
mas vamos terminar.
Sebastião
Nery
Refiro-me ao Estado de São Paulo,
gover-
nador. Como está indo?
Ah, sim, presidente. Agora entendi. Não
leio esse jornal. A sessão esportiva dele é muito
fraca.
8
Porfírio assumiu a prefeitura de São Paulo,
em outra viagem de Jânio. Franco Montoro,
então deputado, entrou no gabinete e encontrou
uma porção de gente sentada nas cadeiras e sofás
em frente á mesa de Porfírio:
Desculpe, prefeito. Não sabia que estava
atendendo. Volto depois.
Não, Montoro, pode ficar. Esses são meus
parentes, que vieram me ver trabalhar como pre-
feito. Vai ser só dois dias, eles estão aprovei-
tando.
9
Em cima de um palanque, Porfírio eraterrível. Industrializou a devoção a Nossa Senho-
ra Aparecida. Ganhava eleição pedindo voto em
nome de minha madrinha Nossa Senhora. Umdia, fez a grande revelação:
~~ Eu posso dizer
que sou um patriota. Sou
filho de um homem que é o único brasileiro
queestá em um hino da Pátria.
E começou a cantar:
Salve lindo
pendão da esperança, salve
símbolo augusto da paz.
O pai de Porfírio chamava-se Augusto da Paz.
D
Herbert Levy, deputado da UDN, não foi
convidado para o banquete da posse do presiden-
te Juscelino Kubitschek, no Itamarati. Ficou de
água na boca, subiu à tribuna da Câmara Federal
e denunciou "o
regabofe presidencial, com
faisoes e outras iguárias (e falava com um bruto
acento agudo no primeiro a).
Martins Rodrigues, cearense discreto, pediuaparte:
Nobre deputado, estive no banquete e só
vi lá comida brasileira, bem brasileira, nossas
conhecidas iguarias (È carregou o acento no
ultimo i).•
A Câmara veio abaixo numa gargalhada. Nun-
ca mais o doutor Levy se meteu a cronista culi-
nário.
m
o
?
?
roi
'¦
Gerardo
Mello
Mourão
Esta a história do banco quedois irmãos receberam como olegado do pai.de quem tinham
aprendido não confiar,nunca,
em qualquer pessoa.Nem nele.
19v.
ffikção
O RANÇO
DOS
IRMÃOS
FARD
PJnj:J;:];.:j)jjjj[|j{[[[t|^
O
bom pai, segundo a sábia recomenda-
ção de Maomé - bendito seja o nome
de Alá! - é aquele que deixa aos
filhos um camelo, uma tenda sob as
tamareiras e uma lição para a vida. U
velho Farid era um bom pai. Tinha dois tiinos.
Deixou-lhes móis QUC uma tend? & uma tamara.
Deixou-lhes um banco e com o banco aflição
recomendada pela sabedoria do Alcorão, u
banco era grande e poderoso e nele se amealha-
vam e engordavam os dinheiros dos beduinos,
dos pastores e dos plantadores da montanhosa
província de Min - Ahi - Gehr, em cuja
homenagem o velho Farid deu ao estatele-
cimento o nome de Banco das Plantações ae
Min-Ahl-Gehr. Ê certo que um dos taria
trocou, posteriormente, esse nome pelo de Ban-
co Imperial, como se desejasse melhorar a
linhagem e os brasões de sua plebéia atividade ae
usura, amaldiçoada pelo Alcorão, e considerada
própria de judeus e infiéis e não dos piedosos
filhos de Alá.
Tão importante como o Banco das Plantações
de Min-Ahl-Gehr foi a lição deixada aos dois
filhos Ali Farid e Gib-el-Farid, pelo velho pai
previdente. Pois é dele que se conta urna
história, hoje difundida como anedota em todo
o mundo árabe. Muitos poderão considerar essa
história de uma torpeza ímpia, cínica e amoral,
mas alguns venerandos sheiks da província, que
conheceram pessoa/mente 0 «<*>""'""-' T"*"
ram a retidão de suas intenções e de sua
sabedoria paternal.
0 certo é que um dia o banqueiro desceu ao
pátio mou risco de sua casa arabescada e entre as
colunas de pórfiro chamou alegremente um dos
filhos, debruçado sobre o alto peitoril da janela
do segundo andar. Abriu os braços e gritou-lhe:
- Pula, meu filho, que o pai te segura.
n menino saltou. Quando já se encontrava no
ar°o
"elho recuou dois passos e deixouo
esborrachar-se no chão de mármore negro, dtan-
te dos olhos estarrecidos do irmão, que tambem
já se preparava para o salto. E esta foi a lição que
sua experiência lhes deu para a vida, explicando:
— Fiz isto para vocês aprenderem que não se
deve confiar em ninguém no mundo. Nem no
seu pai.
Os dois irmãos se olharam desconfiados, mas
o certo é que reculiitudin a lição e, ao que
parece, dela passaram a aproveitar-se desde
aquele momento. Pois o que caiu no logro da
queda começou logo a suspeitar que o outro não
se lançou porque estava acumpliciado com o pai.
E descobriu, nos olhos do irmão, um fulgor
especial, que talvez refletisse não apenas o
espanto pelo episódio, mas uma espécie de
sinistra alegria pela vaga idéia de que se o tombo
houvesse sido mortal, os cabedais do velho Farid
teriam um herdeiro único. *
POLITIKA
20fikção
Quando o velho Farid morreu,
antes de fechar os olhos para
o mundo e abri-los para a
eternidade,deu seu conselho:'crescei
e multiplicai'
O BANCO
OOS IRMÃOS
FARID
O
certo, porém, é que nenhum dos dois
morreu. Ao contrário, cresceram e
prosperaram, senão em idade e graça,como aquele menino do Evangelho, ao
menos em idade e astúcia, em ambição
e desconfiança recíproca. Quem morreu foi o
velho Farid que, de vela na mão, antes de fechar
os olhos para o mundo e abri-los para a ete rn ida-
de, onde terá conferido a correção de sua conta-
bilidade bancária com os implacáveis livros de
fiscalização do tribunal de contas de São Pedro,
tentou erguer débil men te a mão, para dar-lhes
um último conselho:— "Crescei
e multiplicai".x
Na verdade, cresceram e multiplicaram. E com
eles cresceram e multiplicaram-se as sementes da
desavença, fertilizadas diariamente pelo receio
de um que o outro o suplantasse em fortuna e
poder. Todas as formas da ambição, da suspicá-
cia e da inveja medraram no coração desconfiado
de À/i e de Gib—el—Farid, onde se aninharam
como um nó de víboras. Eram ricos e considera-
dos, o Banco das Plantações transpusera as fron-
teiras da província muçulmana, estendera-se das
montanhas ao litoral, manipulava já não apenas
os depósitos de beduínos e pastores, mas chegara
mesmo a montar suas tendas em terras de infiéis,
transando o câmbio dos mercadores na praça de
Nova Iorque e de Paris.
A certa altura, já não era apenas um Banco:
era todo um ei to de plantação de moedas, um
rebanho de empresa, maior e mais florido que os
renques dos roçados e as cá filas de camelos sobre
que se fundara a casa de empréstimos do velho
Farid nas montanhas de Min—Ahl—Gehr. Além
disso, o velho sheik, fiel aos conselhos do Alço-
rão, de que a fortuna sem a ciência é como uma
flor sem aroma, tratara de educar os filhos, para
que fossem doutores na terra de Maomé. Com
sua prudência e sagacidade de levantino, para ter
um filho que lhe cuidasse os achaques da velhice,
e outro que embrulhasse os pleitos nos tribunais
contra os beduínos devedores e pendencieiros,formou Ali Farid em Medicina e Gib-Ahl-Farid
em Direito. Ê certo que nenhum dos dois se
distinguiu nessas especialidades, à os árabes
experientes preferiam entregar sua:, doenças aos
cur andei ros da montanha e suas demandas aos
idbuldò t. itryuieiuò uti Sehi—Huiir uu de
Jud—el—For, que à duvidosa competência hipo-
crática e forense de Ali Farid e de Gib-el—
Farid. Nenhum dos dois, porém, se preocupoumuito com isso, mesmo porque, entre os Trata-
dos de Anatomia e os compêndios do Corpus
Júris, preferiam as eficácias do Livro Caixa e do
livro de cheques, com os quais, de resto, podiamcomprar, à vontade, num e noutro ramo, osserviços dos melhores doutores da praça. A cada
olhada num destes dois livros, um travo deamargura lhes to/dava a próspera felicidade, com
a idéia de que a vida seria outra se não tivessem
que dividir, como irmãos, a copiosa safra de
juros e dividendos. Eram, assim, aparentemente,
saudáveis e venturosos, mas, no fundo, sofriam
de uma doença adquirida na infância, uma enfer-
midade velha como o mundo, delituosa como
ele, para a qual não havia terapêutica nos com-
pêndios clínicos de Ali, nem codificação nas
Pandectas de Gib—el—Farid. Era o chamado"morbus
Cainn", ou mal de Caim, como se diz
no vernáculo do Islam, e que, na crua linguagem
da Vulgata de São Jeronimo, se chama simples-
mente "invidia",
isto é, inveja.
Desde o dia da queda didática no pátio mou-
risco do velho Farid, começaram a conhecer
todos os matizes da inveja, que amarga e envene-
na o coração dos homens. Quando Ali passava a
manteiga no pão, ao café da manhã, Gib—el—Fa-
rid olhava para ver se a fatia não era melhor do
que a sua. Sofriam, assim da invidia cibalis, ou
inveja comestível .como definia o Doutor da
Igreja, Santo Afonso de Liguori. Passaram a
sofrer da invidia intellectual is, definida por San-
to Tomás, quando um arriscava o olho na provado outro, no colégio, para ver se sua nota não
seria mais alta. Com a chegada do buço, das
primeiras espinhas e da puberdade, passaramàquela perigosa invidia vaginalis, denunciada porSanto Alberto Magno, e que lhes ensombreceu as
alegrias nupciais, ao imaginar um que o outro
poderia ter maiores triunfos de vi ri li dade no
deleite sagrado.
Ora, como ensinam os mestres da Psicanálise,
ciência que ainda não era estudada pelos árabes
ao tempo do velho Farid, todas essas formas de
invidia, todas essas invejas acumuladas nos po-
rões da alma, acabaram por nutrir uma inveja
mais atuante, a invidia fiduciaria, ou inveja do
dinheiro, do poder da riqueza, de que tratou
também um dos doutores da Igreja, o Doctor
Irrefragabilis, Alexander de Hal les.
Aliás, a primeira notícia de que temos memó-
ria sobre este tipo de inveja está no princípio da
história humana, num conhecido provérbio, que
desentenderam. A sabedoria árabe já ensina,
num conhecido provérbio, que Caim matou
Abel, e a inveja matou Caim. Nem é preciso ser
Doutor da Igreja para identificar esse pecado. 0
filósofo Karl Marx, que não o era, coloca esse
pomo de discórdia na gênese da crise política e
econômica que deteriorou a sociedade celestial,
quando Caim matou Abel porque os frutos do
trabalho do irmão pareciam alcançar maior ren-
dimento que os seus, nos guichês do ministério
divino.
Seja como for, porém, os maus sentimentos
que dividiam os dois irmãos não afetavam ar,rrtor*nri ir. ninr* nrv» nrn/»Of Incmry r-vr. rv-v. »r»
de acordo com as implacáveis leis do mundo
capitalista, ocidental e cristão como o nosso, ou
oriental e muçulmano como o dos Farid, o
dinheiro não se faz com bons sentimentos, mas
com frieza e crueldade. Nem será por outra
razão que Nosso Senhor Jesus Cristo advertia
que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de
uma agulha que entrar um rico no reino dos
céus. Esta é, aliás, uma perspectiva consoladora
para os que nos habituamos à santa Pobreza,
pela certeza de que não teremos de conviver, por
toda a eternidade, com indivíduos grosseiros ede mau-gosto como o Patino e o Paul Getty,
nem de ler na outra vida os so/ecismos do Mário
Henrique Simonsen, os lugares-comuns do Otá-
vio Bulhões e os maçantes catataus do Roberto
Campos ou as entrevistas de prestisdigitador de
subúrbio e os anúncios de camelô do Professor
Delfim.
0 reino dos céus será, assim, um oásis de
tranqüilidade, entre as huris do Profeta e as
tâmaras frescas, onde estarão apenas aqueles
pobres de Deus, como o poeta Camões, que não
tinha um vintém para uma vela, mas que sabia
contar histórias de lirismo e bravura para a
doçura das noites eternas. E o Ibrahim e o
Zózimo, ou mudam de profissão, ou vão para as
caldeiras de Pero Botelho, pois no reino dos
céus, sem Teresa e sem Didu, sem Jorginho e
sem Catão, sem assunto e sem personagens, vão
acabar morrendo de fome. Mas isto é outra
história.
0 certo é que o banco dos Farid se desdobrou
numa constelação de estrelas empresariais. Já
não era um Banco: era uma holding - sábia
invenção da sagacidade capitalista para a mágica
de cantar e assobiar ao mesmo tempo, de fazer
uma caixa-forte com muitas entradas e uma só
saída para o dinheiro, uma obra-prima na arte de
lesar o fisco e a paróquia em geral.Foram, mesmo, os irmãos Farid autênticos
pioneiros da moda que hoje tomou conta do
mundo árabe, alterando no dicionário e nas
alíquotas fazendárias a significação das palavrascompra e venda Pois, como se sabe, o pobrebeduíno que se apeia de seu camelo à porta do
Marcelo Leite Barbosa, para comprar-lhe uma
ação do Banco do Brasil, além da módica corre-
tagem que tem de pagar ao dito Marcelo, vai
chiar ainda no Tesouro Nacional para esticar a
parcela do imposto de renda. E o desgraçado quevai à botica para arranjar um xarope, deixa ali,
além do preço e do lucro da mesinha, que, porsinal, vai, geralmente, para as unhas dum labora-
tório estrangeiro, a quota do ICM, que, por sua
vez, é habitualmente carreado de todas as pobres
províncias nordestinas do Islam, para as burras
do erário paulista. Mas isto também é outra
história. E a que aqui se conta é a da nova moda
da praça, que alterou os conceitos de compra e
venda para escamotear o fisco, inventando a
mágica da fusão. De acordo com essa moda,
quem compra uma camisa para vestir-se, faz uma
compra no duro, e por isso paga imposto. Mas
quem compra e vende um Banco, não compra
nem vende: faz uma fusão. Já tentei adotar o
processo no Nino, razoável casa-de-pasto aonde
freqüentemente me levam a comer, mas nem os
garçons, nem o maítre nem o Ápueda estavam
por dentro do instituto da fusão, no qual, aliás,
parecem emaranhados até homens experientes e
ladinos como o Walter Moreira Sales e o Amador
Aguiar. Pois aí, onde até o Walter se embaraçou,
os Irmãos Farid foram precursores bem sucedi-
dos. Na verdade, foram dos primeiros a digerir
Bancos na praça do Islam, desde quando absor-
veram outro estabelecimento - o BB, que não é
o Banco do Brasil, pois este nem o Jabur poderiadeglutir, mas o Banco dos Beduínos.
•:_____¦
***J*fm******l*t*f* J / *t J ' 4 * *
O BANCO
DOS IRMÃOS
FARID
POLITIKA
Muita coisa pode acontecer,e
acontece,quando estão sendo
disputados os direitos sobre
um banco:até o crime entre
irmãos.Como a história diz.
21I ffikção
A
fusão, de resto, segundo o califa Dehl-
Fihn, é uma prática correta e salutar,
até porque torna ainda mais intensa a
concentração do poder econômico nas
mãos de uns poucos, pois o dinheiro
deve ser dominado e desfrutado pela
casta dos
sheiks e dos vizirs, e não distribuído com a rafa-
meia vil dos cameleiros. Além disso, um banco,
templo do dinheiro, mesquita sagrada do capitai,
é uma instituição tão sacrossanta que seria uma
blasfêmia e um sacrilégio falar de compra e ven-
da a respeito de suas transações. E preciso man-
ter, diante de um banco aquele respeito litúrgico
e sacraI, segundo o qual os objetos de culto, uma
imagem ou um terço, também não se compram
nem se vendem, por mais son ante que se ia o
metal que por eles se pague. Para isso, o puden-
do comércio religioso encontrou uma palavra: a
troca Não se compra uma imagem: troca-se.
Também um banqueiro não aluga nem vende
dinheiro: empresta. E um banco não se vende:
funde-se.
Foi assim que os irmãos Farid compra-
ram - perdão!
— fundiram o Banco dos Beduí-
nos.
Ninguém poderia jurar - nessas coisas de ára-
bes só se afirma com certeza aqui/o que se pode
jurar pelas barbas de Maomé - que os Irmãos
Farid tenham lesado o fisco nessa fusão, nem
que com ela se tenha iniciado o último ato de
sua periclitante sociedade fraternal. Mas é possi-
vel que, no momento da fusão, tenha nascido no
coração de Ali Farid a idéia de que era chegada a
hora de Caim. Isto é, a hora de assumir sozinho
o comando dos multiplicados cabedais havidos
do finado pai.Um dia, quando Gib-el-Farid abriu os olhos,
deu-se conta de que Ali Farid, por um passe de
mágica, entre gaios e meia-noite, realizara uma
assembléia-geral da empresa-l ider, alterara a na-
tu reza das ações que a constituíam, e se tornara
senhor absoluto de seu controle e domínio, me-
diante artifício de um aumento de capital, que
ele mesmo fez e ele mesmo subscreveu.
Estava travado o duelo entre os irmãos. Se o
velho Farid descesse a uma sessão espírita no
bairro deâKah/-a/-Fath, em Behl-Hohr, teria^ por
certo após tro fado o filho com a increpação da
Bíblia:Caim,
que fizeste de teu irmão?
Ali Farid, porém, que se proclamava a si mes-
mo um homem frio, teria possivelmente, respon-
dido ao velho sheik:Pai. aprendi a lição de oue um banqueiro
não deve confiar em ningiém. Assim, apenas al-
mocei o meu irmão, antes que ele me jantasse.De resto, não é improvável que Gib-el-Farid se
estivesse preparando para jantar o irmão. Para
alguma coisa se preparava, pois até se elegera
membro do Parlamento do Islam, embora nunca
tenha sido ali mais que uma presença silenciosa e
distante.
Sentindo-se apunhalado pelas costas, sua re-
volta foi maior do que sua surpresa, pois, no
fundo, sempre esperara qualquer emboscada de
Ali. A figura do irmão assumiu, diante de seusolhos, os trágicos contornos de Caim e, se sou-besse inglês e fosse homem lido, teria imaginadoo irmão, como o personagem do drama deByron, com as mãos ensangüentadas diante docadáver de Abel, exclamando:
*
- I am brotherless.
Mas como Gib-el-Farid deve ser monoglota,
nem lê inglês nem ouviu falar em Lord Byron, há
de apenas ter-se sentido desoladamente e ver na-
culamente brotherless, isto é, um sujeito sem ir-
mão.
Procurou, então, pessoas respeitáveis do
Islam, disposto a levar o irmão à barra dos tribu-
nais, onde os vizirs, de Alcorão em punho, o
condenariam por deslealdade e rapina, mandan-
do-lhe cortar as mãos, segundo as leis do Profeta,
e devolvendo ao esbulhado, com juros e usuras,
os bens usurpados traiçoeiramente. Houve con-
versas de sheiks sensatos e muezzins piedosos, e
até i0 grande egeneroso \ Califa que governara o
Islam, Djan-el-Kuad, interveio para poupar aos
fiéis o espetáculo de uma luta fratricida e para
não poluir com o desgosto de um escândalo o ar
memorial Jo túmulo em que dormiam os ossos
do velho Farid - que Alá tenha a sua alma!
Assim, em vez de ir aos tribunais, o sensato
advogado escolhido por Gib-el-Farid foi a Ali
Farid, exprobou-lhe o comportamento, invocou
a memória do pai e tentou chamá-lo à razão. Ali,
depois de fazer-lhe uma longa crônica de sua vi-
da e das empresas do grupo, declarou, finalmen-
te, que desejava a separação dos negócios^ em
comum, mas que não se dispunha a abrir mão de
qualquer das instituições financeiras da socieda-
de fraterna.
A proposta pareceu inaceitável ao prudente
advogado, que invocou a temeridade de uma de-
manda judicial entre os dois irmãos, e que se
desenrolaria, a um tempo, no foro cível e no
foro criminal da morosa justiça do Islam.
Ali Farid retrucou que era um homem frio e
que tomara sua decisão depois de urdi-la cuida-
dosamente com os mais conspícuos leguleios de
seu Contencioso. E mais: que sua decisão podia
não ser moral, mas o que lhe importava era a
possibilidade de sustentá-la legalmente. Era, co-
mo se vê, um irrepreensível empresário capital is-
ta: make money, make money, if possible,
honestly. Como o dinheiro é um fim, pouco im-
portam a moral e a honradez para alcançá-lo. O
que importa é aicançá-iu, e contar cont a segu-
rança do himen complacente da lei.
Mas as conversações não ficaram nisso. Ao
contrário: pro/ongaram-se em entendimentos e
emissários de parte à parte. Os mais eminentes
advogados dos Islam produziram eruditos pare-
ceres, colocando os pratos da balança ao lado de
Gib-el-Farid e, sobretudo, a piedosa e infatigável
mediação de um beduíno oriundo da mesma al-
dei a dos Farid, conseguiu, afinal, estabelecer um
acordo entre os irmãos desavindos. De resto, o
bolo era grande e, por maior que fosse a fatia de
um, o outro ainda ficaria com que abastecer to-
da uma tribo.
Gib-el Farid — louvado seja Alá! — que chega-
ra a ver-se perdido, pois Ali, de a tange e queijona mão, ia deixá-lo, realmente, sem eira nem bei-
ra nem ramo de figueira, foi, assim, salvo pela
generosa intervenção de alguns sheiks magnâni-
mos, especialmente por aquele engenhoso e cava-
lheiresco beduíno, amigo do antigo Califa Supre-
mo. Dessa forma, um irmão ficou com um ban-
co, outro ficou com outro, um com uma empre-
sa, outro com outra, e assim por diante, embora
as colunas da conta de partilha não tenham sido
propriamente iguais. Mas Gib-el-Farid as consi-
derou satisfatórias, até porque para quem tinha
uma fazenda perdida, salvar uma boiada ainda é
bom negócio.
A bem da verdade e para glória de Alá, diga-se *
de passagem que Gib-el-Farid procurou, desde os
primeiros momentos, depois do difícil parto do
acordo com o ex-irmão, mostrar seu afeto e sua
gratidão aos que o haviam salvo do naufrágio.
A lição do velho Farid, porém, no pátio da
casa arabescada, continuava a envenenar-lhe a al-
ma deformada pelo hábito da desconfiança. Não
tardou muito sua convivência com a virtude da
fidelidade. Parecia, depois da manobra do irmão,
ouvir em toda parte a advertência do pátio mou-
risco: não se deve confiar em ninguém.
Por essa ou por outra razão, ou simplesmente
porque o complexo de Caim lhe haja desenca-
deado na alma doente o início de um processo
de apodrecimento do juízo, não tardou em co-
pi ar contra as pessoas a quem devia sua própria
sobrevivência no mundo dos negócios, o mesmo
comportamento de que costuma acusar o irmão
mais forte: apunha/ar pelas costas. Ê certo que
essas pessoas não se deixaram apunhalar fácil-
mente, até porque tiveram o cuidado de afastar- »
se a tempo da atmosfera ensandecida que cerca
de pesadelos a vida de Gib-el-Farid.
Sem irmão, como o Caim de Lord Byron, e
agora sem amigos, os dois Farid são hoje dois
pobres milionários, que podem encher de ouro
os cofres de sus empresas, mas que não conse-
guem encher de paz e serenidade suas almas va-
zias. Já se engalfinharam até numa demanda tra-
balhista, nos tribunais que o Islam mantém para
decidir as brigas de patrões e empregados, e con-
seguiram a salomônica decisão de uma sentença
inédita: - nenhum dos dois tinha razão. Isto é,
todos os dois perderam a causa. 0 fato deve ter
agravado o complexo dos pobres "mãos, que já
não podem confiar em nada, nem nos juizes nem
no Alcorão, e que um dia vão definitivamente
fundir a cuca, quando perceberem que há gente
no mundo que ainda confia nos outros. Por
exemplo, os depositantes que confiam ao banco
de Ali e ao banco de Gib-el-Farid. o rico dinhei
rinho com que compram seus melnes. Mas isto
outra história, e por ela Alá seja louvado!
ei-
POLITIKA
^a^^^^^^^^^^a i ^^^^^________^^b _____ ____t - "**ia_B
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do paskoal II Magnov ---_____________--^^H___l__H__ii W i C__MD de Souza
__É______________W-_I*?#II»_I7>IIW,I-'tJHPt* 'i i ______________________________________¦_,
CLÁUDIO DE SOUZA/Vi muitos anos, a caminho do largo da Lapa,
pela Visconde de Maranguape, olho para um ca-
sarão de_ fisionomia antiga. Detenho-me diante
do portão, onde um corredor comprido, es tra-
nhamente iluminado, conduzia a um pátio. Fui
entrando.
Aquelas arcadas me devolviam as do Mosteiro
de S. Bento da minha infância, quando ia ler na
biblioteca dos frades.
Chegando ao pátio, me impressiono e inferes-
so por seus lampiões de parede, com braços lon-
gos de ferro trabalhado, com seus globos de vi-
dro, que têm, de maneira mágica, uma armadura
de arame por dentro.A
quem pertence este casarão? — perguntei
ao porteiro.Deu-me o nome do proprietário de uma paste-
laria, ali mesmo na praça, em frente ao CapelaProcurei-o imediatamente. Estava sentado à sua
mesa, escrevendo algarismos num livro de con-
tas. Ele me recebe friamente discreto.
Apresento-me com o título de vereador. Acre-
ditando que o impressionasse. De maneira algu-ma. Assim mesmo me ofereceu uma cadeira:
Sente-se, doutor.. .
Puxa os óculos para o alto da testa. Tem acaneta parada numa das mãos. E vai dizendo,com simplicidade:
O senhor não é o homem do teatro?
Sua fisionomia agora é outra. Abre-se num
sorriso amável. Manda trazer um cafezinho.Afinal o conheço pessoa/mente...
Ele também ama o teatro, desde jovem. De tal
g maneira que, quando lhe nasceu a filha, poramor ao teatro, e particularmente às peças deCláudio de Souza, chamou-a de Cláudia... E
sorrindo, um sorriso bom, de homem limpo,
digno:Meu sobrenome como sabe é Souza. Tenho
agora na família uma Cláudia de Souza.
Contei-lhe para que o procurava. Não gostariade me vender dois dos lampiões que ornavam o
pátio do casarão do Largo da Lapa?
Sua resposta veio logo:
Eles o interessam? Verdade? Então não
m'os precisa comprar. Vou tirá-los e mandá-los
de presente pelo que tem feito em favor do tea-
tro. Deixe aí ò seu endereço...
(Durante anos, namorei os azulejos da fachada
de uma casa da rua da Lapa. Quando a jogaramabaixo, procurei imediatamente o responsável
pela demolição. Estava interessado nesses azule-
jos onde há um mongol com um pássaro na mão
e, em outros, pássaros com flores no bico:Compra-os todos?
* Sim.Setenta e seis contos.
Não me olha e vai rabiscar o recibo de com-
j pra. Pede-me o nome. Para de escrever. E levanta
os olhos e me diz com seu belo acento portu-
guês:— O senhor tem feito tanto pelos moços e
pelo teatro, que lhos dou de presente.
Antes que os lampiões me chegassem, corri
até o apartamento de Cláudio de Souza, na praiado Flamengo. Contei-lhe o episódio. Pedi-lhe,
então, um de seus livros, autografado, para esse
seu admirador.Se lhe mandasse um exemplar de Flores de
Sombra?
Cláudio de Souza não parecia tocado pela es-
pontaneidade dessa admiração, pela importância
dessa homenagem. Não sei se acreditava que os
homens, depois de sua morte, o lembrariam.
Desconfiava, porém, dessa espécie de glória e
mandou construir, na alameda principal do S.João Batista, um belo túmulo que, na sua sobrie-
dade de linhas em mármore, é a miniatura de um
anfiteatro grego, com colunas e estátuas.
Dou-o de uma fortuna imensa, adquiriu a co-
bertura de um edifício na Avenida Nilo Peçanha,
onde instalou o Pen Clube a que servia com umadevoção elogiável. Dona Luiza o ajudava, baten-
do à máquina toda a correspondência do Pen,
particularmente as notas para os jornais.Certa manhã de domingo, C/áudio de Souza
me telefona:Vou dar-lhe um teatro. Venha me ver, se
possível agora mesmo...
0 carro de meu sobrinho Atmado estava nama, diante de nosso portão. Saímos depressa.Ele já estava a minha espera, na porta de seuedifício, no Flamengo. Entrou no carro. Condu-ziu-me até o Largo do Machado, mostrando-me
uma imensa e esplêndida sobreloja:Gosta? (pensei que me doaria a loja). Se
gosta, tenho prestígio com o Leonídio Ribeiro
para obter-lhe o financiamento pela Sul-Amé-rica....
Dr. C/áudio, eu lhe agradeço o interesse,mas para que incomodá-lo? (Financiamento po-derei arranjar sozinho, ruminava). Disseram-me
que o senhor é proprietário do edifício onde estáinstalado, na Avenida Rio Branco, a Casa Ale-mã ..
Era. Fiz-lhe uma sugestão:
-Seo senhor é proprietário dela, por que nãoinstala, num dos andares, o Pen e, nos outros, asentidades mais importantes da cultura brasileira.
Embaixo, doutor Cláudio, seria instalado umteatro com seu nome, com a obrigação de ence-nar uma de suas peças todos os anos. Seria oedifício da cultura brasileira, através de todos ostempos.
Começou a rir esse homem amável, educado,
que não ria nunca. . .Você endoideceu? A Casa Alemã me dá
uma renda de trezentos contos mensais. . ."
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Gáudio de Souza e sua mulher
Devia ser muito pouco, no montante de suafortuna, que era imensa, vasta, multiplicada emapartamentos, ações de empresas, títulos daDívida Pública Eu tive, ainda, a ingenuidade deinsistir:
- Mas, Doutor C/áudio, a Avenida Rio Brancoserá sempre, a rua mais importante do Brasil.Seu nome ficará permanentemente lembrado...
Em dezembro de 1954, dona Luiza me cha-mou a seu apartamento no Flamengo que, porobrigação de seu testamento, tornar-se-ia a CasaInternacional do tscritor, sob a vigilância do PenClube do Brasil.
E queixou-se:Botaram o nome do Cláudio numa ruazinha
de Vicente de Carvalho, tão longe. Ele merecia,como o Graça Aranha, uma Avenida no centroda cidade. . .
Repeti-lhe a queixa a amigos. Um deles medisse:
Dona Luiza não tem razão. A grande áreade Vicente de Carvalho pertencia a Dr. Cláudio,que aloteou e vendeu todos os lotes ganhandoassim, muito dinheiro. Deve estar contente nocéu, de ganhar nome de rua no bairro que elemesmo abriu. . .
POLITIKAl
A Editoria
JOSÉ LUÍS DE ALMEIDA PRADO (rua das Timbiras, 643 - Belo Ho-
rizonte — MG) — "Existe
alguma razão para que vocês não continuem com
o trabalho de esclarecimento sobre a política econômico-financeira do
Brasil? Se não existir, parece-me da maior importância que voltem a
abordar o tema, já que ele é super atualizado e serve, também, para que o
pessoal das faculdades tenha fontes isentas para fazer pesquisas."
O negócio é o seguinte, José Luís: há razões. E estamos conversados,
não é?
korreio
CONGRATULAÇÕES
AMÉRICO DE MORAES (presidente da
Câmara Municipal de São Bernardo do
Campo - SP)
- "Temos
a grata satisfação
de encaminhar-lhes a inclusa cópia autênti-
ca do Requerimento n9 314/72, de autoria
do nobre vereador Mário Ladeia da Rocha e
também subscrito por outros, consignando
nos Anais desta Edilidade voto de congratu-
lações com esse jornal, pela gentileza do
envio semanal de exemplares para vereado-
res do Legislativo Sambernadense." t a se-
guinte a íntegra do requerimento:
"Reque-
remos à presidência, ouvido o Plenário, nos
termos do Art. 131, § 49, letra a do Regi-
mento Interno, que se consigne, na ata dos
trabalhos da presente sessão, voto de con-
gratulações com o jornal
POLITIKA, regis-
trando o agradecimento desta Casa pela
gentileza do envio semanal de exemplares
para vereadores do Legislativo Samberna-
dense. É com grande satisfação que teste-
munhamos, semanalmente, publicações ri-
cas em análises da realidade brasileira,
estruturadas na pesquisa histórica e dados
estatísticos. Além disso, inúmeras outras se-
ções do referido periódico fornece-nos co-
nhecimentos valiosos, inclusive com relação
ao contexto internacional. Adotando uma
linguagem simples, o jornal POLITIKA pa-
rece-nos cumpridor dos deveres de um
órgão de informação, expondo com segu-
rança a realidade sócio-econômico-política
nacional, sem dissociar-se das análises de
nível mundial. O referido jornal, desde seu
lançamento, vem seguindo linha indepen-
dente de interesses particulares, transfor-
mamdo-se num dos preferidos de estudan-
tes universitários, profissionais liberais e
personalidades ligadas à política. A Câmara
Municipal é um dos assinantes do aludido
semanário; os responsáveis pelo mesmo,
porém, num gesto de elevada cortesia, en-
viam exemplares a todos os vereadores des-
te Legislativo. Agradecemos, pois, aosdire-
tores de POLITIKA pela gentileza do envio
de exemplares a esta Casa, desejando que o
mesmo prossiga, como até aqui tem feito,
no caminho de informar sem parcialidades
e sem deturpações, meta final de qualquer
publicação em regimes democráticos."
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