cruz, antonio (2006); “políticas públicas para a economia solidária fro

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INFORMAÇÕES SOBRE O TEXTO Tipo Artigo publicado em revista científica. 2006. 18 pp. Título: Políticas públicas para a economia solidária: fronteira entre política social e política para o desenvolvimento local Autor: Antônio Cruz Resumo: Ver abaixo, no artigo. Referência original: CRUZ, Antônio. Políticas públicas para a economia solidária: fronteira entre política social e política para o desenvolvimento local. In: Revista Sociedade em Debate, vol. 12, nº1,. Pelotas, Educat: 2006. pp. 117-131

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  • INFORMAES SOBRE O TEXTO

    Tipo

    Artigo publicado em revista cientfica. 2006. 18 pp.

    Ttulo:

    Polticas pblicas para a economia solidria: fronteira entre poltica social e poltica para o

    desenvolvimento local

    Autor:

    Antnio Cruz

    Resumo:

    Ver abaixo, no artigo.

    Referncia original:

    CRUZ, Antnio. Polticas pblicas para a economia solidria: fronteira entre poltica social

    e poltica para o desenvolvimento local. In: Revista Sociedade em Debate, vol. 12, n1,.

    Pelotas, Educat: 2006. pp. 117-131

  • 1

    POLTICAS PBLICAS PARA A ECONOMIA SOLIDRIA: FRONTEIRA ENTRE

    POLTICA SOCIAL E POLTICA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

    Resumo

    O artigo aborda criticamente os modelos de polticas pblicas realizados at o momento para

    apoiar/fomentar o surgimento e desenvolvimento de iniciativas de economia solidria. Para isto,

    discute inicialmente os conceitos envolvidos no tema; retoma a teorizao referente dinmica

    da economia solidria; descreve, de forma sinttica e comparativa, alguns dos programas em

    voga em pases circunvizinhos, alm do Brasil; analisa criticamente a consistncia dos programas

    em relao forma especfica de desenvolvimento das iniciativas de economia solidria, e,

    finalmente, aponta algumas alternativas consideradas mais apropriadas em relao dinmica

    prpria do fenmeno.

    Palavras-chave: polticas pblicas; economia solidria; gerao de trabalho e renda.

    Abstract

    This paper discusses critically the models of public policies effected up to the present moment in

    order to support/promote the emergence and development of initiatives in the scope of solidary

    economy. It starts by discussing the concepts involved in the subject; then it describes,

    synthetically and comparatively some of the programs in vogue both in Brazil and in neighboring

    countries; after that it critically analyzes the consistency of the programs as to the specific form

    of development of initiatives in solidary economy; finally, it indicates a few alternatives

    considered the most appropriate to the dynamics of the phenomenon.

    Key-Words: public policies, solidary economy, jobs and income generation

    Re-visitar um tema

    H poucos anos atrs, um artigo (CRUZ: 2001) destinado to somente a prover algumas

    impresses sobre este tema agora re-visitado, causou alguma polmica entre os agentes

    pblicos relacionados ao desenvolvimento de polticas dirigidas ao fomento da economia

    solidria.

    poca, encerrava-se uma primeira e importante experincia, de escala significativa,

    representada pelas aes desenvolvidas pela Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos

  • 2

    Internacionais (SEDAI) do Governo do Rio Grande do Sul, no mbito do Programa de Economia

    Popular e Solidria (Ecopopsol), realizada durante o mandado do Governador Olvio Dutra, do

    Partido dos Trabalhadores. Ao mesmo tempo, estava em pleno desenvolvimento um outro

    programa Oportunidade Solidria , patrocinado pela Secretaria do Desenvolvimento,

    Trabalho e Solidariedade, do Municpio de So Paulo, igualmente governado ento pelo PT, no

    mandato da Prefeita Marta Suplicy.

    O referido artigo, despretensiosamente apresentado como monografia de concluso de

    uma disciplina de doutorado, ministrada pelo Prof. Paul Singer, na USP, ganhou uma imerecida

    audincia, circulando como arquivo eletrnico entre agentes pblicos e entidades orgnicas da

    ES, provavelmente por tratar-se de um trabalho precoce ainda, sobre polticas pblicas

    inovadoras e muito recentes.

    Embora o curto espao de tempo que separa aquele artigo deste de agora, muitas coisas se

    alteraram. O Prof. Singer tornou-se Secretrio Nacional de Economia Solidria, junto ao

    Ministrio do Trabalho e Emprego; as polticas pblicas de economia solidria, de modo geral,

    deixaram o status de polticas de gerao de trabalho e renda para serem compreendidas

    propriamente como polticas de fomento economia solidria, propriamente; os governos

    federais do Mercosul passaram a desenvolver programas de mbito nacional relacionados

    questo; muitos outros estudos sobre o tema da economia solidria foram produzidos e

    publicados, lanando novas luzes sobre o debate.

    Mesmo assim, pode-se dizer que, em se tratando de histria, a economia solidria e tudo

    que lhe diz respeito muito recente para que se permita uma anlise definitiva em termos de

    convices e abordagens. Como fenmeno diferenciado do cooperativismo tradicional (em

    funo do carter eminentemente autogestionrio das iniciativas de ES) ou da economia social

    (que abarca ainda outros temas e objetos, como as polticas sociais pblicas, a poltica sindical ou

    o mutualismo assistencial)1, a economia solidria continua sendo um cenrio aberto de

    possibilidades, essencialmente condicionado como fenmeno scio-econmico pelas

    dinmicas da macroeconomia (taxas de crescimento econmico e de desemprego) e da

    mobilizao social (experincias de democracia participativa, em mbitos micro e

    macropolticos) (CRUZ: 2006). Os programas de economia solidria permanecem sendo

    1 Ver VUOTTO et al: 2003.

  • 3

    programas governamentais ao invs de polticas consolidadas, longe ainda, portanto, de alcanar

    qualquer perenidade efetiva.

    Por outro lado, pode-se argumentar tambm que esta consolidao depende, em boa parte,

    da ao dos governos. Mesmo assim, este artigo defender a idia de que esta ao, embora

    decisiva, est longe de poder ser protagonista desta (possvel) consolidao da economia

    solidria, mas que ainda assim importante. Trata-se, fundamentalmente, de buscar ir alm,

    compreendendo a dinmica que preside seu crescimento e, desde a, apontar para aes que

    produzam o impacto desejado.

    Polticas pblicas, economia solidria e polticas sociais

    Embora largamente utilizado, o conceito de poltica pblica raramente empregado com

    rigor. No sendo o conceito em si o objeto central deste estudo, cabe entretanto uma delimitao

    que nos permita avanar no recorte que pretendemos construir sobre a relao entre o Estado e o

    desenvolvimento da economia solidria.

    Para tanto, um recente trabalho de Cludio Gonalves Couto (2005) parece apropriado s

    diferenciaes necessrias no debate. Ele distingue o exerccio da poltica em trs dimenses:

    constitucional, competitiva e pblica.

    A primeira dimenso, a da poltica constitucional, diz respeito estruturao bsica do Estado,

    sua conformao fundamental. De acordo com poltica constitucional vigente podemos definir a

    natureza de um Estado em particular, levando em considerao os direitos fundamentais que

    assegura e os procedimentos que aciona para permitir a tomada de deciso pelos governantes e a

    participao poltica pelos governados. [...]

    A segunda dimenso, a da poltica competitiva, concerne atividade poltica que tem lugar no

    mbito de certa conformao estatal. Poltica aqui jogo, com suas diversas possibilidades:

    conflito, cooperao, alianas, vitrias, derrotas, empates, ganhos, perdas etc.. [...]

    Finalmente, a terceira dimenso, a das polticas pblicas, concerne ao produto da atividade

    poltica no mbito de um determinado Estado. poltica pblica tudo aquilo que o Estado gera

    como um resultado de seu funcionamento ordinrio. Podemos dizer, por isto, que a produo das

    polticas pblicas condicionada tanto pela poltica competitiva, como pela poltica

    constitucional, sendo que esta define duas coisas. Primeiramente, o parmetro possvel no mbito

    do qual a competio poltica pode se desenvolver. Em segundo lugar, os contedos legtimos das

    polticas pblicas concretizadas como um desfecho do jogo poltico determinando os programas de ao governamental iniciados, interrompidos, alterados ou que tm prosseguimento. Na

    denominao em ingls, teramos aqui a policy. (COUTO: 2005, p. 64)

    Assim definido, as polticas pblicas de economia solidria podem ser compreendidas, de

    fato, como resultado deste duplo condicionamento: da poltica constitucional e da poltica

  • 4

    competitiva. No primeiro caso, no apenas no Brasil, mas tambm na maioria dos pases

    vizinhos, o bem-estar social aparece como uma prerrogativa dos cidados e um dos deveres

    principais do Estado. No caso da poltica competitiva, parece claro que o estabelecimento de

    estruturas de governo diretamente vinculadas promoo da economia solidria (seja na forma

    de programas, seja na forma de estruturas administrativas como secretarias ou departamentos

    etc.) responde diretamente a uma demanda significativamente estruturada, cuja inexistncia, em

    hiptese contrria, deslegitimaria sua realizao. Em outras palavras: s pode existir uma poltica

    pblica de economia solidria porque a economia solidria existe e seus agentes se movem, de

    alguma forma, no mbito da poltica competitiva.

    O que , ento, a economia solidria, e como ela se representa politicamente?

    Diferentemente do cooperativismo dos sculos XIX e XX, em que os setores populares

    buscavam melhores condies de vida em oposio crescente disseminao das relaes

    assalariadas e da desigualdade social da decorrente, a economia associativa (ES) do sculo XXI

    deriva, do ponto de vista econmico, da crise do trabalho assalariado. a falta de empregos que

    tem levado milhes de trabalhadores/as do continente americano busca de alternativas de

    sobrevivncia, que desemboca na informalidade, na delinqncia, ou na economia solidria.

    A idia de unir-se para trabalhar e sobreviver, tocando um negcio coletivo e autogerido,

    independe que seus agentes tenham a clara noo do que significam conceitos como autogesto

    ou economia solidria. Entretanto, compartilhar um negcio com vrios scios um desafio a

    que poucas pessoas se dispem, se no trazem consigo um conjunto de valores construdos e

    testados em experincias anteriores de coletividade ou comunitarismo. Por isto, a economia

    solidria se alimenta tambm alm do desemprego da acumulao poltica dos novos

    movimentos sociais, nascidos no ltimo quartel do sculo XX nos pases latino-americanos: das

    comunidades eclesiais de base, da crtica ao sindicalismo de cpulas, da negao do populismo,

    da idia da auto-organizao pela base. A economia solidria empurrada frente por quem j

    passou em algum momento por uma experincia assembleria, seja ela oriunda dos novos

    movimentos camponeses (zapatistas, sem-terras, cocaleros...), da mobilizao dos desempregados

    (piqueteros, movimentos pela moradia...), do novo sindicalismo (da CUT no Brasil, da CTA na

    Argentina...) ou de formas variadas de participao e controle social (oramentos participativos,

    conselhos comunitrios etc.) (GAIGER et al: 2004; CRUZ: 2006)

  • 5

    A economia solidria nasce, ento, de um certo discurso que tenta superar

    proprositivamente o desemprego e a ausncia regulatria do Estado, apelando busca de

    solues pr-ativas, coletivas e autnomas para a gerao de trabalho e renda.

    Ela pode ser definida, genericamente, como

    o conjunto das iniciativas econmicas associativas nas quais (a) o trabalho, (b) a propriedade de

    seus meios de operao (de produo, de consumo, de crdito etc.), (c) os resultados econmicos

    do empreendimento, (d) os conhecimentos acerca de seu funcionamento e (e) o poder de deciso

    sobre as questes a ele referentes so compartilhados por todos aqueles que dele participam

    diretamente, buscando-se relaes de igualdade e solidariedade entre seus partcipes. (CRUZ:

    2006, p. 69).

    O alargamento da economia solidria depende, portanto, da disseminao de uma dada

    cultura, caracterizada por um certo empreendorismo autogestionrio, que se alimenta da

    democracia participativa, de um lado, e de condies precrias de sustento econmico derivadas

    da atual conjuntura do mercado de trabalho, por outro.

    Da que polticas pblicas de economia solidria (PPES) apresentam, portanto e a priori,

    uma natureza distinta de outras polticas pblicas destinadas ao combate das desigualdades

    sociais, ou, de forma conceitual mais precisa, destinadas a minimizar os efeitos da questo

    socia2l. Sob este prisma, as PPES no seriam, portanto, polticas sociais pblicas, strictosensu,

    uma vez que no se pode pretender universalizar a economia solidria, como forma de combate

    ao desemprego, da mesma forma que os servios de sade, de educao, de previdncia ou

    seguridade alimentar, apenas como exemplos.

    De fato, as primeiras experincias em PPES no nasceram com esta perspectiva. Um

    primeiro programa nasceu na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, entre 1989 e 1995,

    denominado Projeto Aes Coletivas e estava vinculado Secretaria Municipal de Indstria e

    Comrcio. Seguindo a mesma linha, as vitrias do PT no Rio Grande do Sul e no municpio de

    So Paulo fizeram surgir os j citados Ecopopsol e Oportunidade Solidria, tambm

    vinculados a secretarias de desenvolvimento, o que tambm j havia ocorrido na Prefeitura de

    Santo Andr (SP), desde 1992. Estavam, portanto, longe de representar qualquer tipo de poltica

    social compensatria, no sentido de atenuante de problemas sociais. Representavam, isto sim,

    2 Sobre a chamada questo social, importante significa-la no contexto histrico atual da Amrica Latina, diante das

    transformaes produzidas pela globalizao e pela re-estruturao produtiva levada a cabo nos ltimos vinte anos.

    Ver, sobre este tema especialmente, Wanderley (2004).

  • 6

    propostas alternativas de desenvolvimento e a sim de polticas sociais pblicas de gerao

    de emprego e renda, de carter emancipatrio.

    Citando o Programa Oportunidade Solidria, da Prefeitura de So Paulo, Pochmann

    (2002) afirmava:

    Tendo como fontes o empreendedorismo popular e a economia popular solidria, o programa

    uma poltica pblica de governo construda a partir de prticas e elaboraes j existentes,

    adaptadas para a realidade de So Paulo. [...]

    [Formao para a autogesto popular] so cursos que visam estimular, preparar e organizar grupos

    das comunidades pobres, em especial mas no apenas os beneficirios dos programas Renda Mnima, Bolsa Trabalho, Operao Trabalho e Comear de Novo, para criar empreendimentos em

    autogesto que lhes proporcionem renda e ocupao, a partir dos princpios do empreendedorismo

    popular e/ou da economia popular solidria. [...]

    Perseguindo o desafio de romper com a institucionalizao da pobreza, o Oportunidade Solidria

    visa promover a autogesto econmica e estimular os grupos sociais que passaram por suas

    atividades a buscarem autonomia poltica, ou seja, encontrarem formas de representao social

    prprias. (POCHMANN et al: 2004, p. 144)

    As PPES aparecem, portanto, na fronteira entre as polticas sociais de gerao de emprego

    e renda e as polticas econmicas de empreendedorismo e desenvolvimento local. Estas aes

    costumam conceber, de fato, a economia solidria como uma alternativa mais eloqente para a

    re-insero do trabalhador no mercado, uma vez que a obteno do emprego deixa de depender

    apenas do aparecimento das vagas no mercado de trabalho, embora sejam evidentemente

    percebidas as dificuldades para a constituio de um empreendimento coletivo e autogestionrio.

    Um segundo ciclo de experincias de PPES no Brasil

    A partir das experincias pioneiras em Porto Alegre e Santo Andr, outras tentativas de

    estabelecimento de PPES foram realizadas no Brasil.

    Entretanto, mesmo as experincias intermedirias (isto : aquelas temporalmente situadas

    entre Porto Alegre e Santo Andr e as atuais) partiram de uma leitura pouco aprofundada sobre o

    fenmeno da economia solidria e as polticas pblicas de at ento. De modo geral, a avaliao

    crtica das experincias anteriores relacionava-se escala diminuta das experincias e seu

    impacto restrito nas economias locais3.

    3 Estas crticas no eram explicitadas publicamente, mas podiam ser captadas nos debates de formulao das novas

    polticas, em contatos e entrevistas com os gestores pblicos que iniciavam gestes frente de prefeituras, sobretudo

    quelas vinculadas ao Partido dos Trabalhadores, em So Paulo.

  • 7

    Superar tal debilidade passou a ser um dos objetivos das polticas ento experimentadas4.

    Isto : sem aperceber-se da natureza mesma do processo de transformao cultural que

    representava o aparecimento das iniciativas de ES, as PPES, pensadas ento, pretendiam difundir

    a idia da formao de cooperativas e/ou grupos de autogesto como forma de combate ao

    desemprego. Ora, com j dito acima, a formao de iniciativas econmicas deste tipo depende da

    existncia de valores autogestionrios fortemente alicerados no interior dos grupos, resultante de

    experincias participativas anteriores, geralmente portadas e difundidas internamente pelas

    lideranas na formao ou ao longo da consolidao dos grupos.

    No caso do Rio Grande do Sul, como apontado j no artigo anterior, a presena dos

    TEAGS (tcnicos em autogesto)5, buscava de certa forma a realizao de um trabalho

    scio-poltico mais bem orientado, cujo sentido era a estruturao dos grupos a partir das

    realidades encontradas nas comunidades. Este trabalho teve xito parcial, medida que permitiu

    a emergncia de algumas centenas de grupos esparramados por todo Rio Grande do Sul

    (LEBOUTTE: 2003), mas mesmo assim no h dados concretos sobre a consolidao desses

    empreendimentos. verdade que todos os levantamentos sobre economia solidria no Brasil

    apontam o Rio Grande do Sul como o maior celeiro de iniciativas, e que a maioria delas foi

    iniciada ao longo dos anos 90. Mas tambm h um conjunto de fatores mais amplos que ao do

    governo que podem explicar esta posio, como a longa tradio comunitria e cooperativista das

    regies de colonizao italiana e alem (que abarca a maior parte do Estado), a fora ideolgica

    do trabalhismo histrico e, sobretudo, dos novos movimentos sociais das dcadas de 70 e 80,

    sem qu, entretanto, isto diminua a importncia do impacto do programa governamental.

    No caso de So Paulo (capital), o programa original pretendia constituir grupos solidrios

    a partir das atividades de qualificao profissional existentes nos diversos programas de re-

    insero (veja a citao de Pochmann, mais acima). Evidentemente, as condies para isto eram

    4 Os casos do Rio Grande do Sul (Estado) e de So Paulo (capital) foram, justamente, objetos de anlise do artigo de

    2001, citado no comeo deste trabalho. 5 Os tcnicos em autogesto foram selecionados e contratados no mbito do convnio SEDAI/ANTEAG

    (Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do RS / Associao Nacional de Trabalhadores em

    Empresas de Autogesto), cujo objetivo era ampliar o espectro de ao da economia solidria no RS. Eles chegaram

    a ser 44 no total, espalhados pelos 22 COREDES (Conselhos Regionais de Desenvolvimento) existentes no o Estado.

    O papel dos TEAGS era articular os grupos nas comunidades ou empresas em risco, a partir de uma ao poltica de

    aproximao dos trabalhadores em torno de lideranas identificadas. Segundo a crtica do artigo, o principal

    problema dos TEAGS era sua insuficincia tcnica, do ponto de vista da capacidade de incubao destes grupos, que envolviam tarefas que necessitavam de conhecimentos de reas diversificadas (dinmicas de grupo, preparao

    de lideranas, conhecimentos de legislao e contabilidade, planejamento econmico, estratgias de vendas etc.),

    para as quais eles no estavam preparados.

  • 8

    precrias, tomando-se em considerao a necessidade de construir identidades grupais em

    atividades de sala de aula... Mesmo assim, o programa foi aperfeioado posteriormente talvez

    em funo, inclusive, das muitas crticas contributivas que sofreu e as ONGs que j

    trabalhavam com economia solidria na Grande So Paulo foram chamadas a participar

    ativamente, num processo de ampliao importante do escopo de atendimento dos grupos, o que

    passou a incluir algumas formas de incubao (com atendimento mais permanente) e a busca

    de alternativas em termos de tecnologias e comercializao6.

    Outros exemplos de PPES nesse mesmo perodo foram as experincias realizadas em

    Campinas e Santo Andr (ambas em SP).

    Esta ltima, deu continuidade ao programa desenvolvido nos primeiros anos da dcada de

    90, quando da primeira gesto do Prefeito Celso Daniel. A formao de uma incubadora de

    cooperativas, em parceria com a Fundao Universidade Santo Andr permitiu a realizao de

    aes de apoio e assessoria a iniciativas em andamento, alm da abertura de espaos de

    comercializao com o apoio da Prefeitura e de atividades (esparsas) de formao e qualificao

    dos empreendimentos populares (CRUZ: 2006).

    Em Campinas prevaleceu a linha que buscava massificar as aes. A Secretaria do

    Trabalho do municpio comeou com um cadastramento de desempregados em bairros perifricos

    e em seguida realizou uma srie de reunies com os cadastrados a fim de discutir com eles a

    possibilidade de formao de cooperativas. Evidentemente, a expectativa de obteno de um

    posto de trabalho fez explodir a demanda em torno do programa e a nica sada da Prefeitura foi

    apelar Unicamp e outras instituies (especialmente Critas local) para qu, atravs de

    convnios institucionais, se estabelecesse um programa de atendimento aos grupos em formao7.

    Embora em todos esses programas tenham sido realizados esforos importantes e

    meritrios e que, sobretudo, suas aes tenham sido capazes de alcanar um nmero muito maior

    de pessoas do que aquelas que ao final constituram e consolidaram grupos, ampliando portanto a

    6 Segundo dados da prpria coordenao do programa, 50 mil trabalhadores dentre aqueles que participaram dos

    outros programas (que foram cerca de 300 mil) optaram por realizar os mdulos de sensibilizao em economia

    solidria. Desse total, 17,8 mil ingressaram no programa e 5,6 mil buscaram consolidar seus grupos

    (SCHWENGBER; PRAXEDES; PARRA: 2004, p. 31). Segundo vrias entidades parceiras do projeto anteriormente

    entrevistadas (ANTEAG, NAPES, UNISOL, Integra Cooperativas, ITCP-USP, entre outras), porm, o ndice de

    consolidao entre esses grupos alcanou aproximadamente 10%, o que significa algo entre 500 e 1.000

    trabalhadores. 7 Tive a oportunidade de participar direta e ativamente desse processo como membro da comisso organizadora da

    incubadora tecnolgica de cooperativas populares da Unicamp, entre 2001 e 2002.

  • 9

    difuso dos valores relacionados economia solidria, o fato que a idia de sair da escala da

    experimentao social para a escala da massificao ficou longe de ser alcanada.

    Ora, o argumento central da crtica linha massificadora das PPES e que parece

    permanecer absolutamente vlido j estava apontado no artigo de 2001, a saber: a disseminao

    da economia solidria no resulta de aes planejadas e originadas desde o Estado, mas sim de

    uma ao social realizada por organizaes que atuam diretamente na base das comunidades

    (sejam elas ONGs, instituies propriamente comunitrias ou outras) e exigem um acmulo

    anterior de capital social por parte dos grupos; trata-se, ento, de uma quantidade que se alcana

    pelo efeito multiplicador de exemplos qualificados e no por uma ao de grande escala; trata-se,

    portanto, de privilegiar a qualidade no atendimento aos grupos j constitudos, cujo sucesso

    permitir evitar fracassos e difundir, com xito, os princpios da economia solidria.

    Novas experincias no Mercosul

    Com a vitria de candidatos de oposio ao neoliberalismo para os governos nacionais de

    Brasil (Lula em 2002), Argentina (Kirchner em 2002) e Uruguai (Tabar em 2004), novos

    horizontes se abriram para a experimentao de PPES, agora desenvolvidas a partir de aparelhos

    de Estado de carter nacional, e portanto, com mecanismos mais amplos de interveno.

    As primeiras iniciativas foram resultado de polticas competitivas desencadeadas por

    agentes da economia solidria.

    No Brasil, a formao do Frum Nacional de Economia Solidria, articulado por vrias

    entidades vinculadas ES (Critas Brasileira, ANTEAG, Frum de Gestores Pblicos da ES,

    ADS-CUT, UNISOL e outras) conseguiu garantir a constituio de uma Secretaria Nacional de

    Economia Solidria (SENAES), dirigida pelo Prof. Paul Singer. Sua vinculao ao Ministrio do

    Emprego e do Trabalho, entretanto, deixou transparecer uma viso de governo para a qual PPES

    fariam parte das polticas de gerao de emprego e renda.

    Na Argentina, o Movimiento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER) obteve uma

    srie de vitrias polticas junto ao Governo de Buenos Aires (distrito federal) e em seguida, do

    Governo Kirchner, atravs, principalmente, do Ministrio do Trabalho, essencialmente na forma

    de uma legislao que favorecesse o processo de recuperao das empresas pelos trabalhadores,

    atravs de alteraes na Lei de Falncias (lei federal) e de desapropriao de imveis urbanos

    para fins de utilidade pblica, pelo Governo de Buenos Aires. Mesmo assim, a principal estrutura

  • 10

    criada para apoiar as iniciativas de economia solidria foi locada no Ministrio do

    Desenvolvimento Social: a Diretoria Nacional de Economia Solidria (DNAES), destinada, mais

    propriamente, a atender as demandas e necessidades de iniciativas de cunho popular.

    No Uruguai, o Ministrio do Desenvolvimento Social, igualmente, iniciou a construo de

    uma PPES (embora no esteja assim denominada) que tem vinculao com programas de gerao

    de trabalho e renda.

    Vale a pena sintetizar, rapidamente, tais experincias, ainda que a premncia do espao

    no permita uma anlise mais detalhada e mais aprofundada das aes.

    A SENAES/Brasil apostou num conjunto de programas que parecem haver aprendido

    com as experincias do passado recente, e cuja nfase est situada na construo de estruturas de

    apoio quilo que j existe na economia solidria.

    Suas principais aes foram:

    - mapear, atravs de pesquisas territoriais, as iniciativas de economia solidria

    existentes, constituindo assim o SIES Sistema Nacional de Informaes de

    Economia Solidria8;

    - iniciar e avanar a discusso sobre a construo de um marco jurdico para a economia

    solidria e a institucionalizao das PPES, bem como da consolidao do Conselho

    Nacional de Economia Solidria;

    - a estruturao de um Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas

    (PRONINC), assentado sobre as experincias de incubadoras universitrias j

    existentes, bem como o desenvolvimento de outros projetos de formao e capacitao

    dirigidos a tipos especficos de iniciativas (empresas recuperadas, redes de

    iniciativas);

    - a construo de convnio e parcerias com outros rgos governamentais que vm

    apostando na economia solidria como poltica emancipatria para grupos sociais em

    situao de risco, como os portadores de deficincias fsicas e mentais, comunidades

    quilombolas, comunidades indgenas, colnias de pesca etc.;

    8 H crticas variadas sobre a metodologia empregada para a pesquisa, como no poderia deixar de ser. importante

    perceber, entretanto, que qualquer pesquisa nesta rea encontrar dificuldades srias em funo da insuficincia

    conceitual ainda reinante no debate sobre o tema. Mesmo assim, trata-se de um esforo importante, que permite aos

    atores da sociedade civil e aos prprios organismos pblicos organizarem de forma mais sistemtica e mais confivel

    suas aes.

  • 11

    - o apoio a projetos especficos, buscando potencializar aes j em andamento,

    especialmente na garantir de recursos para investimento de iniciativas j consolidadas

    ou em fase de consolidao.

    - finalmente, uma iniciativa posta em andamento no final da gesto 2002-2006

    (Governo Lula) parece tentar repetir a experincia dos TEAGS do governo gacho.

    Trata-se da formao e ao de algumas centenas de agentes comunitrios de

    economia solidria, cujo objetivo articular e organizar grupos de economia solidria

    com vistas potencializao do desenvolvimento local9.

    A DNAES/Argentina, vinculada ao Ministrio do Desenvolvimento Social, a

    responsvel por um dos programas mais destacados dentre as polticas sociais executadas pelo

    Governo Kirchner. Trata-se do Plan de Desarrollo Local y Economa Social Manos a la

    Obra10. Manos a la obra foi concebido inicialmente como um programa de construo de

    moradias atravs de mutiro, qualificando mo-de-obra para a construo civil e permitindo,

    assim, a formao de empreendimentos nessa rea. Antes ainda de seu incio, porm, o programa

    foi ampliado com o objetivo de suportar a formao de outras iniciativas de economia solidria,

    como por exemplo padarias e restaurantes comunitrios, cooperativas de reciclagem ou de

    costura etc.

    Oficialmente, o programa oferece financiamento (a fundo perdido ou a juros simblicos,

    dependendo do caso) para iniciativas e redes de comercializao e assistncia tcnica e

    capacitao para gesto. Alm disso, com a formao do Foro Federal de Investigadores y

    Docentes de Economa Social, o Ministrio do Desenvolvimento Social vem buscando parcerias

    com as universidades locais (em sua ampla maioria, estatais/nacionais) para garantir o apoio

    tcnico necessrio execuo do programa e ao desenvolvimento das iniciativas.

    No Uruguai, o Ministrio do Desenvolvimento Social lanou, no comeo de 2005, o

    PANES Plan de Atencin Nacional a la Emergencia Social Mano con Mano11. Inicialmente

    pensado como uma articulao de diversas polticas sociais compensatrias (com alguma

    semelhana ao arranjo proposto originalmente pelo Programa Fome Zero, no Brasil), o PANES

    vem desenvolvendo aes no sentido de encaminhar os trabalhadores atendidos pelos sub-

    9 Outras informaes sobre as aes e propostas da SENAES, bem como a consulta base de dados do SIES, podem

    ser obtidas no stio web da secretaria (). 10

    Mais informaes em . 11

    Ver .

  • 12

    programas Renda Cidad e Trabalho pelo Uruguai para a formao de iniciativas autnomas

    de gerao de emprego e renda, embora ainda com carter experimental.

    Primeiras concluses: os limites e as possibilidades das PPES

    Alguns elementos podem ser apontados em termos de aprendizado comum nestas

    experincias todas:

    1. o papel desempenhado pelo Estado para o desenvolvimento da economia solidria

    relativamente limitado, pois as iniciativas, por sua natureza empreendedora, no

    podem resultar de uma ao de cima para baixo, isto : autogesto exige identidade

    e solidariedade e isto s pode resultar de uma prxis social que demanda condies

    subjetivas que apenas indiretamente podem ter alguma relao com as aes do

    Estado;

    2. por outro lado, o Estado pode desempenhar um papel importante, ao disponibilizar s

    iniciativas constitudas as condies econmicas necessrias para seu crescimento e

    consolidao, tais como as condies oferecidas normalmente s empresas

    convencionais, embora com a necessria adequao s especificidades das iniciativas

    solidria, como: linhas especiais de crdito, estruturas especiais de comercializao,

    desenvolvimento de um marco jurdico adequado, financiamento para o

    desenvolvimento de tecnologias apropriadas, constituio de estruturas de assessoria e

    apoio tcnico para a gesto etc.;

    3. a ateno que o Estado dispensa economia solidria (em sua amplitude de recursos e

    em sua qualidade) depende, como sempre, da capacidade dos atores polticos

    vinculados ao tema serem capazes de se mobilizar em torno de suas necessidades e

    reivindicaes.

    As PPES encontram-se, portanto, numa fronteira entre as polticas sociais e as polticas

    de desenvolvimento econmico: de um lado elas se destinam a gerar trabalho e renda para

    populaes em situao de risco, mas por outro lado, isto s possvel com a

    implicao/envolvimento efetivo e direto das populaes envolvidas (os trabalhadores da

    economia solidria) na condio de protagonistas do processo.

  • 13

    O fundamental para o desenvolvimento de PPES parece ser, ento, o conhecimento da

    dinmica que preside a emergncia e o crescimento da economia solidria, a fim de que o Estado

    possa direcionar seus esforos e seus recursos no sentido de neutralizar as foras que atuam

    contra a economia solidria (oligopolizao, excluso ideolgica, fragilidades competitivas etc.) e

    potencializar os elementos que atuam em seu favor (inter-cooperao, desenvolvimento de

    tecnologias alternativas, compromisso social etc.).

    Neste sentido, pode-se afirmar que as PPES, em curso na atualidade, j superaram muitos

    dos problemas iniciais apresentados nas experincias pioneiras. Mesmo assim, o vis

    compensatrio de suas aes continua preponderando, diante da incompreenso da economia

    solidria como um conjunto de iniciativas cuja sobrevivncia depende de sua capacidade

    competitiva num mercado concentrado (de caractersticas oligoplicas) e que necessitam,

    portanto, ter um tratamento to econmico quanto social, respeitando sua caracterstica principal:

    a construo de uma economia voltada para a distribuio da riqueza e da reproduo da vida.

    Economia solidria como poltica social vinculada ao desenvolvimento local: o papel central

    do conhecimento e da tecnologia

    Em que pese os limites que as polticas pblicas podem ter em relao economia

    solidria, importante notar, por outro lado, a relevncia da ao de atores que desenvolvem

    polticas sociais a partir da esfera privada ou de nveis autrquicos da esfera pblica (como

    universidades e empresas de pesquisa, por exemplo). Assim como os agentes pblicos, eles no

    so os protagonistas da economia solidria, mas vm desempenhando um papel deveras

    importante na consolidao dos empreendimentos, e isto, por sua vez, pode ensejar uma reflexo

    importante acerca dos focos principais que as PPES podem ou devem atingir.

    O papel desses atores ONGs, universidades, igrejas, sindicatos etc. tem sido,

    essencialmente, de assessoria e apoio tcnico. Como fazer...? a pergunta principal dos

    trabalhadores das iniciativas de economia solidria.

    Como espao singular de produo de conhecimentos, a produo associada ganha relevncia

    medida que os sujeitos, ao tentarem subverter a lgica do capital, em vez de controlar e dificultar

    o acesso do conjunto dos trabalhadores aos segredos do processo produtivo, promovem a

    articulao dos diferentes saberes dos trabalhadores. [...] Entre tantos entraves (econmicos,

    jurdicos etc.), o no-acesso a um conhecimento mais amplo sobre o mundo trabalho um

    calcanhar de Aquiles da produo associada.

  • 14

    Quando se pretende combinar eficincia com um processo democrtico, participativo,

    transparente e solidrio, h que se perguntar sobre qual democracia queremos [...]. Assim, mesmo

    que as definies sobre o que os trabalhadores vo produzir, por exemplo, dependem de um estudo de mercado, as perguntas centrais seriam: quem ser beneficiado com o produto? Quais so as necessidades reais da comunidade local? Em que medida possvel atender as necessidades da comunidade? De que maneira? A resposta para quem vamos vender e se vale a pena produzir, alm de ter como referncia o entendimento dos trabalhadores do que sejam as necessidades humanas pressupe a compreenso dos conceitos de valor de uso e valor de troca,

    at porque no capitalismo o segundo se sobrepe ao primeiro, provocando a produo de

    desperdcios e a degradao do planeta. (TIRIBA: 2001, pp. 210-211 e 220).

    A aproximao entre atores da sociedade civil e iniciativas de economia solidria

    comporta fundamentalmente esta troca de saberes. Embora, muitas vezes, os empreendedores

    populares tendam a valorizar mais, inicialmente, o aporte de recursos financeiros atravs da

    cedncia de espaos fsicos ou da doao de maquinrios e recursos para capital de giro , o fato

    que tais recursos perdem sentido quando sua utilizao no potencializada pela necessria

    qualificao para a produo e para a gesto. Da a importncia concedida pelas prprias

    iniciativas ao desenvolvimento de atividades de formao por parte de agentes externos, vistos

    como mais capacitados.

    Esta tem sido, fundamentalmente, a ausncia estatal mais sentida, em termos de

    sustentao da economia solidria: o descolamento entre a estrutura do ensino pblico e as

    necessidades concretas dos grupos.

    Esta ausncia se expressa de formas variadas:

    1. pela incapacidade da escola pblica dar conta da realidade efetiva das comunidades

    pobres e de suas necessidades reais em termos de conhecimentos12

    ;

    2. pela incongruncia persistente entre as novas formas de organizao do trabalho e

    estruturas de ensino profissionalizante ainda voltadas para a formao de uma mo-de-

    obra docilmente taylorista (nem ao menos adaptada ao novos tempo do toyotismo...);

    12

    Uma observao significativa sobre isto diz respeito aos currculos do ensino mdio, por exemplo. Nascemos

    numa sociedade capitalista, regulada por normas anteriores nossa prpria existncia e que definem, por exemplo,

    nossas condies de trabalho e de remunerao, que na grande maioria das vezes dependem do desempenho da

    iniciativa privada. Pois bem: o ensino mdio tem uma carga curricular intensiva em cincias naturais: matemtica,

    qumica, fsica, biologia, e uma carga muito menor de cincias sociais: histria e geografia, essencialmente (o que

    por si s j absurdo). Mas, alm disso, um esforado estudante da periferia que consiga concluir o ensino mdio,

    depois de onze anos de escola (pelo menos), continuar sem saber o que inflao, moeda, renda e riqueza etc,

    porque apesar de viver na sociedade capitalista, jamais ter estudado economia; continuar incapaz de reivindicar

    seus direitos, simplesmente porque no os conhece tambm no os ter estudado; e ser sempre incapaz de avaliar as grandezas valorativas na relao entre o seu salrio e o lucro das empresas em que trabalhar: ser sempre

    assalariado sem jamais compreender o funcionamento das firmas, pois no ter estudado absolutamente nada de

    administrao.

  • 15

    3. pelo aparelhamento monoltico das estruturas de pesquisa & desenvolvimento

    tecnolgico pelos interesses vinculados s empresas privadas13

    ;

    4. pela inexistncia de alternativas scio-tcnicas s estruturas de desenvolvimento

    empresarial vinculadas aos valores e conhecimentos tpicos das empresas

    convencionais (por exemplo: a ausncia de referncia curriculares autogesto e ao

    cooperativismo na maioria dos currculos profissionalizantes ou, no caso do ensino

    superior, dos cursos da rea econmica/empresarial).

    O problema do acesso ao conhecimento e a possibilidade de desenvolvimento de

    pesquisas com vistas inovao de produtos e processos, socialmente adequados autogesto e

    ambientalmente adequados sustentabilidade, continua sendo a principal lacuna das polticas

    pblicas de economia solidria e, ao mesmo tempo, a fortaleza das organizaes privadas que,

    sem contar com estruturas adequadas, continuam atendendo precariamente s demandas por

    conhecimento originadas da experincia concreta dos empreendimentos solidrios.

    O PRONINC Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas, da SENAES/Brasil,

    e o Foro Federal de Investigadores y Docentes de Economa Social, promovido pelo Ministrio

    do Desenvolvimento Social/Argentina, constituem passos importantes no preenchimento deste

    espao vazio, mas precisam ser potencializados imediatamente, se se quer uma poltica pblica

    consistente para a economia solidria.

    Por fim, cabe sublinhar o duplo carter das polticas pblicas e no-pblicas dirigidas

    economia solidria: por um lado, so polticas sociais medida que, corajosamente, apontam para

    uma ao emancipatria em relao a uma das expresses centrais da questo social na Amrica

    Latina, hoje: o desemprego e a precarizao das condies de trabalho; por outro lado, so

    polticas sociais que s podem alcanar xito a partir da concretizao de polticas econmicas,

    de carter nacional e local, que com a mesma coragem diferenciem positivamente uma forma

    de produzir e de repartir na qual o trabalho e a vida tm primazia sobre o capital.

    13

    Isto, numa vinculao idealizada, que toma como modelo as relaes entre Estado-universidade-empresa nos

    pases centrais do capitalismo. Para uma crtica aprofundada a este respeito, ver Dagnino: 2003.

  • 16

    Referncias

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    cidades do Mercosul. Tese de doutorado em economia aplicada defendida no Instituto de

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    tripla. In: Revista Brasileira de Inovao, vol. 2, n2. Arquivo eletrnico: FINEP. Disponvel em

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  • 17

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