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Qualidade
U NI F MU
CURSO DE DIREITO
O CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES NO CONTROLE DO
SERVIÇO PÚBLICO DE TELECOMUNICAÇÕES NO
BRASIL
CRISTINA VASCONCELLOS MEIRELLES RA: 443.845/1 TURMA: 329 A01 Fone: 3549-7438 E-MAIL: [email protected]
SÃO PAULO2004
Qualidade
U NI F MU
CURSO DE DIREITO
CRISTINA VASCONCELLOS MEIRELLES
Monografia apresentada à Banca Examinadorado Centro Universitário das FaculdadesMetropolitanas Unidas, como exigência parcialpara obtenção do título de Bacharel em Direitosob a orientação do Professor Dorival OlivaJunior.
SÃO PAULO
2004
BANCA EXAMINADORA
Professor Orientador: Dorival Oliva Junior
Professor Argüidor: ___________________________________
Professor Argüidor: ___________________________________
Agradeço ao meu caro orientador, Professor
Dorival Oliva Junior.
E aos meus professores do curso de
graduação da faculdade de Direito
UniFMU..
SUMÁRIO
Introdução 01
Breve síntese das telecomunicações no Brasil 02
Dos problemas constatados 05
Plano do trabalho 07
Capítulo I - Situações práticas demonstrativas do conflito 09
Da qualidade do STFC no período pós-privatização 10
Do reajuste das tarifas telefônicas 13
Breve síntese 16
Capítulo II - Conceitos jurídicos 17
Do serviço público nas telecomunicações 17
Do conflito de atribuições 19
Capítulo III - Do controle dos serviços públicos 20
Controle estatal do STFC 20
Controle social do STFC 21
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL 22
Ministério Público 25
Secretaria de Direito Econômico 27
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC 29
Reclamações individuais nos JEC’s 30
Dos conflitos constatados 33
Capítulo IV – Do conflito de normas 33
Código de Defesa do Consumidor x Lei Geral de Telecomunicações 34
Capítulo V - A resolução do conflito de atribuições 38
Conflito de atribuições na esfera judicial 38
Conflito de atribuições na esfera administrativa 40
A solução de antinomias 43
Conclusão 45
Bibliografia 48
INTRODUÇÃO
Na constante busca de uma evolução tecnológica por parte da sociedade tem-se como
indiscutível o papel fundamental das telecomunicações.
Se em outros tempos somente existiam para o ser humano como serviços vitais para a
sua existência a água e a luz, hoje em dia somando-se a eles, tornou-se essencial o serviço
de telecomunicações, dado vivermos em uma era que passou a ter na informação sua
principal aliada para o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias. Desta forma,
necessária se faz uma constante evolução dos meios de transmissão das informações. 1
Somando-se a tal necessidade a crescente globalização dos serviços e da infra-estrutura
de telecomunicações e a impossibilidade do modelo estatal em atendê-la devido a fatores
como, primordialmente, a falta de recursos para investimentos tornou-se evidente a
necessidade de reestruturação no setor, ampliando-se a noção de que a telefonia seria
apenas um serviço de utilidade pública para uma concepção que encarasse a telefonia frente
a um mercado de multiserviços, multifornecedores e multimídia.
Por tais motivos, acompanhamos nessa última década do século XX mudanças
substanciais, ao longo do mundo, quanto à forma de prestação dos serviços de
telecomunicações. Tais mudanças de ordem legal e regulamentar também acabaram
ocorrendo em nosso país, com a reprivatização das empresas concessionárias de telefonia e
a criação de todo um arcabouço regulatório para o setor.
1 Fernando Henrique Cardoso em sua proposta de governo intitulada Mãos à obra Brasil, de 1994, já escrevia que “atecnologia da informação tornou-se a peça fundamental do desenvolvimento da economia e da própria sociedade”,preconizando a necessidade de se investir pesadamente em comunicações, condição fundamental para odesenvolvimento do país.
Para que se entenda tal reformulação e o modelo adotado para a prestação dos serviços
de telecomunicações, mister se faz uma breve exposição da evolução das telecomunicações
no Brasil.
Breve síntese das telecomunicações no Brasil
Em uma breve síntese histórica tem-se que no Brasil, após a primeira concessão para a
exploração de serviços telefônicos (outorgada por D, Pedro II em 15/11/1878 a Charles Paul
Mackie) houve um período de lento desenvolvimento, em que o progresso nas
telecomunicações sempre dependia de esforços individuais de personagens que poderíamos
designar como pesquisadores pioneiros.
Aliás, até aproximadamente 1960, o setor de telecomunicações teve um lento
desenvolvimento. O serviço era prestado por cerca de mil empresas espalhadas pelo país,
com quase nenhuma conexão entre si e o poder concedente existia em três níveis: federal,
estadual e municipal. O número de telefones disponibilizado para a população era baixíssimo
(cerca de um milhão de telefones para setenta milhões de habitantes) e a qualidade dos
serviços deixava muito a desejar.
Em 1962, com o advento da Lei 4.117, o denominado Código Brasileiro de
Telecomunicações (CBT), a situação começou a mudar, criando-se no país uma política
nacional para o setor. Foi criado o Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT),
colocando-se sob jurisdição da União Federal alguns serviços, como, por exemplo, o de
telefonia interestadual.
Posteriormente autorizou-se a criação de uma empresa pública com o objetivo de
explorar tal serviço de telefonia interestadual, o que se concretizou através da criação da
Embratel em 1965.
Além da criação da Embratel, o Governo Federal adotou outras medidas, estatizando em
1966 a Companhia Telefônica Brasileira – CTB, na época a maior concessionária de
telefonia no país, criando em 1967 o Ministério das Comunicações. Porém, mesmo com
essas medidas a prestação do serviço de telefonia permanecia deficiente.
Diante de tal deficiência criou-se por lei (Lei nº 5.792/72) o denominado Sistema
Telebrás, constituído por uma holding (a própria Telebrás), por uma operadora de longa
distância (a Embratel) e por 27 empresas operadoras locais, as teles estaduais.
A Telecomunicações Brasileiras S/A – Telebrás adquiriu e absorveu quase que a
totalidade das cerca de 1.000 concessionárias em operação até então existentes tornando-
se, por intermédio do Decreto nº 74.379/73 a concessionária geral para a exploração de
serviços públicos de telecomunicações em todo país. Estava implantada a prestação estatal
dos serviços públicos de telecomunicações no país.
A partir da década de 80, entretanto, a excessiva atuação do Estado nas atividades
econômicas passou a sofrer muitas críticas, sendo apontada como um dos fatores geradores
do endividamento interno e da ineficiência na prestação de tais serviços, o que acabou
motivando a adoção de uma política nacional de privatizações, representada em um primeiro
momento pelo Programa Nacional de Desestatização (Lei 8.031/90).
O setor de telefonia, foi alvo da reforma visando a reestruturação do papel do Estado e
as empresas concessionárias estaduais paraestatais, sociedades de economia mista cujo
sócio controlador era a Telebrás – Telecomunicações Brasileiras S/A.
Fundamentou-se a necessidade da privatização das empresas de telefonia com a
apresentação dos problemas na prestação estatal, que podem ser resumidos da forma
seguinte: a existência de uma demanda não atendida na prestação do serviço de telefonia;
crescentes taxas de congestionamento do sistema interurbano; defasagem tecnológica do
sistema; baixa produtividade e incapacidade do setor em crescer no ritmo necessário às
necessidades do país devido à falta de recursos do Estado para financiar o desenvolvimento
do setor.
A demanda não atendida e até mesmo a atendida (linhas telefônicas efetivamente
instaladas e em funcionamento), tornaram-se argumentos fundamentais a favor da
privatização.
Para a efetivação da privatização da Telebrás, promoveu-se, de início, uma reforma
legal, alterando-se a legislação constitucional (Emenda Constitucional nº 8) para permitir-se a
exploração dos serviços pela iniciativa privada, através de delegação do Estado. Com a
aprovação de emenda constitucional, passou a ser a seguinte a redação do texto constante
na Carta Magna:
“ Art. 21. Compete à União:
(...)
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos
serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais; (...)”
Seguiu-se à reforma constitucional, uma necessária reforma infra-constitucional, com a
criação, primeiramente, da Lei Mínima das Telecomunicações (Lei nº 9.295/96) que
autorizava a participação do capital privado na telefonia móvel celular, comunicação de
dados, serviços via satélite e serviços de valor adicionado.
Aprovou-se também a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97) que definiu o
modelo a ser adotado no Brasil para a prestação dos serviços de telecomunicações e o
Plano Geral de Outorgas (Decreto nº 2534/98) que dividiu o país em quatro áreas de
concessão. Foi fixado ainda por essas normas que apenas o serviço telefônico fixo comutado
seria prestado em regime público.
Tal reforma na legislação propiciou, entre outras coisas, a cisão da Telebrás, com sua
divisão em 12 holdings e a posterior venda das mesmas, transferindo-se assim o controle
estatal para a iniciativa privada.
Desde então (da privatização do Sistema Telebrás e da criação de um novo arcabouço
regulatório) a regulação de serviços públicos concedidos vem sendo amiudamente debatida
dentro do mundo jurídico. A transferência para a iniciativa privada de serviços anteriormente
prestados pela máquina estatal leva necessariamente a reflexões quanto ao papel do Estado
na economia, na medida em que o mesmo passa de agente empresarial a agente regulador.
Tal transferência (a concessão da prestação de serviço público a empresas particulares),
entretanto, não representa uma renúncia do Estado quanto aos serviços, na medida em que
ele permanece, inclusive constitucionalmente, como responsável pelos mesmos, devendo
assim garantir a efetividade e a qualidade de sua prestação para a sociedade.
Evidente que, a mudança no papel do Estado torna fundamental o papel do direito, que
cria a regulação jurídica nesse novo cenário, com a normatização dos serviços públicos
concedidos e a definição dos entes jurídicos que deverão atuar buscando garantir a eficácia
do novo modelo.
Entretanto, e, sobretudo nos momentos iniciais de implantação da nova forma de
prestação de serviços de telecomunicações, o modelo adotado, obviamente, não está alheio
a problemas (não supostos pelo Estado legislador/regulador) que causam transtornos aos
agentes envolvidos (poder concedente, concessionárias e usuários) e que, caso não
sanados podem colocar em xeque a sua própria eficiência.
Este trabalho aborda um desses problemas, qual seja, o conflito de atribuições no
controle do serviço público de telecomunicações. Trata-se de um problema prático verificado
concretamente no dia a dia da prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado.
De se frisar, que o Serviço Telefônico Fixo Comutado é o único prestado em regime
público, de acordo com o que preceitua a Lei Geral de Telecomunicações (art. 64, parágrafo
único) e o Plano Geral de Outorgas (art. 1º).
O Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) é o serviço de telefonia básico prestado
pelas concessionárias, é o serviço que permite a efetivação das ligações telefônicas locais,
interurbanas e internacionais.
Portanto, o conflito de atribuições abordado neste trabalho diz respeito ao Serviço
Telefônico Fixo Comutado, único serviço prestado em regime público (embora também possa
ser concomitantemente prestado no regime privado como se demonstrará adiante) por
delegação do Poder Concedente (a União Federal representada pela Anatel) e regulado
através de contrato de concessão.
Dos problemas constatados
Os problemas constatados (que caracterizam o conflito de atribuições) podem ser
inicialmente propostos da seguinte forma:
(i) A desestatização das empresas de telefonia, com a venda das empresas
para a iniciativa privada, trouxe à tona as dificuldades iniciais sempre verificadas num
período pós-privatização (independente do setor). Por mais que as informações referentes às
empresas desestatizadas estivessem disponíveis em datas rooms com acesso aos
investidores interessadas na aquisição das mesmas, na prática a tomada de controle é
empreendimento de grande dificuldade.
(ii) O período de assunção das empresas desestatizadas por parte de
investidores da iniciativa privada foi conturbado, dada a magnitude das empresas
privatizadas e as deficiências que as mesmas apresentavam.
(iii) Teve-se, devido a diversos fatores, após tal assunção, um passageiro
comprometimento na qualidade de prestação do serviço, pois ao assumir empresas
deficitárias na forma de prestação do serviço, alegaram os novos donos que viram-se
obrigados a promover rápidos ajustes, promovendo obras às pressas (para o atendimento de
metas fixadas pelo órgão regulador), o que muitas vezes comprometeu, como já dito, a
qualidade do serviço.
(iv) Em decorrência de tais quedas de qualidade algumas empresas
concessionárias sofreram sanções distintas, ou seja, por um mesmo fato ou ato
supostamente danoso aos usuários as empresas foram sancionadas por órgãos distintos,
tendo-se casos de 06 ou 07 sanções distintas, impostas por diferentes órgãos, todos se
julgando competentes para a penalização.
(v) Gerou-se, assim, a necessidade de verificar se todas as penalizações
poderiam ser impostas concorrentemente e, em caso negativo, qual a penalização que
deveria prevalecer, sob pena de, instaurado o tumulto ter-se a cada suposto ato infracionário
de uma concessionária, sanções diversas, onerosas e numerosas.
(vi) Caracterizado restou, em verdade, um verdadeiro conflito no controle do
serviço público de telecomunicações no país, conflito que certamente irá repetir-se a cada
ato supostamente ilegal das empresas, com vários órgãos pretendendo impor sanções e
julgando-se competentes para tanto.
(vii) Tal conflito gerou uma série de questionamentos que devem ser abordados,
como por exemplo: a) Diante de um ato ou fato lesivo cometido por uma concessionária de
STFC quem (qual órgão) pode impor uma sanção administrativa? b) Em caso de haver a
possibilidade de se ter mais de uma sanção (por diferentes órgãos), qual deverá prevalecer?
c) Quais os órgãos que vem atuando e impondo sanções (Anatel, Procons, Decons,
Ministério Público, Secretaria de Defesa Econômica, Cade, Poder Judiciário) e suas
atribuições legais? e d) Qual a solução para resolvermos, de forma definitiva, tal conflito de
atribuições?
Assim, o problema que este trabalho abordará ganha realce não só por ter
conseqüências (sobretudo econômicas) nada desprezíveis para os agentes envolvidos, mas,
também por acabar expondo uma gama de situações jurídicas não imaginadas pelo
legislador/regulador.
Torna-se relevante uma reflexão acerca do conflito de atribuições verificado na prática,
em conexão com o direito positivo (notadamente sob a ótica do direito administrativo),
obviamente que, não se pretendendo com isso uma análise positivista do problema, mas
uma análise que mescle a situação prática e a doutrinária e aponte uma direção para a
solução do mencionado conflito.
Plano do trabalho
Para a análise do mencionado conflito de atribuições no controle do serviço público de
telecomunicações no país (STFC), este trabalho será estruturado e desenvolvido em cinco
capítulos.
O primeiro capítulo será dedicado à exposição detalhada de situações práticas que
demonstrem a existência do conflito no controle do serviço público de telecomunicações,
bem como dos órgãos envolvidos em tal conflito. Essas situações podem se repetir ao longo
do tempo (como por exemplo, o problema que será exposto e que diz respeito a reajuste
tarifário, que possui periodicidade anual e que, portanto, poderá se repetir todos os anos)
criando constrangimento e prejuízos financeiros às empresas concessionárias.
Em outras palavras, trata-se de demonstrar como uma suposta conduta ilegal, praticada
por alguma empresa concessionária do serviço telefônico fixo comutado, pode gerar diversas
sanções, impostas por entes distintos, sendo que, com todos se julgando concorrentemente
competentes para impor uma penalização à empresa concessionária.
Demonstradas as situações de conflito de atribuições, o segundo capítulo iniciará uma
análise jurídica, definindo dentre outros, os conceitos legais de serviço público e de
competência, à luz do Direito Administrativo e da legislação de telecomunicações vigente no
país.
Será objeto de análise, o modelo de regulação para o setor de telecomunicações surgido
com a desestatização das empresas do denominado Sistema Telebrás, com a exposição das
mudanças constitucionais, legais (legislação ordinária) e infralegais (regimentos e
regulamentos).
No capítulo III será efetuada uma exposição das diferentes espécies de controle de
serviço público (estatal e social) e dos órgãos que atuam no controle do serviço público de
telecomunicações no país (o STFC), na esfera administrativa e judicial, suas atribuições
legais e o fundamento de atuação de cada um desses entes.
Será demonstrada a natureza legal e a função de órgãos de defesa do consumidor; do
órgão regulador; de órgãos de defesa da concorrência e do Ministério Público. Este capítulo
contemplará uma análise legal das atribuições de cada um dos órgãos envolvidos no controle
do serviço público, confrontando-a com aspectos práticos da atuação de cada um deles. Por
fim, será demonstrada a existência de um conflito de atribuições na esfera administrativa e
também na esfera judicial.
No capítulo IV, a análise será concentrada em debate jurídico tão difícil quanto relevante.
Trata-se de debater a possível extrapolação de funções legais por parte de alguns dos
órgãos mencionados no capítulo anterior e um possível conflito de normas entre dispositivos
do Código de Defesa do Consumidor e a legislação do setor de telecomunicações.
O capítulo V buscará aportar contribuição para a resolução de tal conflito de atribuições,
apontando caminhos visando o aperfeiçoamento do arcabouço regulatório do serviço público
de telecomunicações e delimitando as atribuições de cada um dos órgãos envolvidos, desde
o órgão regulador do setor de telecomunicações (a Anatel), de órgãos pertencentes ao Poder
Executivo (Secretaria de Defesa Econômica do Ministério da Justiça, Procuradorias de
Defesa do Consumidor entre outros), de associações de usuários, de órgãos não integrantes
de nenhum dos poderes constituídos (como o Ministério Público que possui independência
em relação aos demais poderes e muitas vezes é conceituado quase que como um “quarto
poder”) e até mesmo dos órgãos do Poder Judiciário, que atuam sempre que provocados, no
controle de atos praticados pela Administração Pública.
Assim, o presente trabalho buscará expor uma das situações não imaginadas pelo
legislador/regulador, qual seja o conflito de atribuições no controle do serviço público de
telecomunicações.
CAPÍTULO I
SITUAÇÕES PRÁTICAS DEMONSTRATIVAS DO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES
Como já mencionado, a passagem do controle das empresas prestadoras do serviço
público de telecomunicações das mãos do Estado para a iniciativa privada não importa em
um abandono do setor por parte do Estado, mas sim, em uma mudança de papel em que o
poder estatal passa de agente econômico para regulador, porém mantém sob sua
responsabilidade a obrigação de proporcionar satisfação à população usuária do serviço
público.
O Ministério das Comunicações, ao propor a reforma do modelo de prestação
manifestou-se nesse mesmo sentido e nos termos seguintes:
“Continuará cabendo à União o poder de outorgar concessões, permissões e
autorizações para exploração dos serviços; continuarão com ela também os poderes de
regulamentar esses serviços e de fiscalizar a sua prestação, zelando para que eles atinjam
os objetivos já citados de beneficiar a sociedade e aumentar a produtividade da economia.” 2
Tem-se por tal entendimento que, no caso de desestatização de empresas prestadoras
de serviço público o Estado permanece, apesar da delegação em sua prestação para
particulares, controlando esses serviços, para que os mesmos atinjam os objetivos por ele
almejados e para que o particular não priorize seus interesses, em detrimento dos interesses
da sociedade.
Além do controle estatal (exercido diretamente pela Administração Pública ou através de
órgão criado para tal finalidade, como no caso das telecomunicações brasileiras), há também
um controle social, a ser efetuado por organizações sociais que defendam os interesses da
sociedade, em especial dos consumidores do serviço, ou até mesmo diretamente pelos
usuários, através de conselhos ou órgãos criados para tal finalidade.
Além dessas formas de controle, tem-se o controle judicial em que os interessados
buscarão a prestação jurisdicional, buscando a produção de decisões que tutelem os
serviços públicos e resguardem os direitos individuais ou coletivos.
Como já dito, o cerne desse trabalho é a constatação da existência de um conflito de
atribuições nessas diferentes formas de controle e este capítulo cinge-se a apresentar dois
problemas práticos que o evidenciam.
Da qualidade do STFC no período pós- privatização
Alguns meses após a privatização do denominado Sistema Telebrás, foram constatados
problemas quanto à qualidade do serviço de telefonia (STFC) prestado por algumas
concessionárias.
2 Prata, José; Beirão, Nirlando e Tomioka, Teiji. Sérgio Motta o trator em ação, os bastidores da política e das
telecomunicações no Governo FHC, São Paulo, Geração Editorial, 1999, p. 25
Apenas para que se tenha uma idéia dos motivos apresentados como justificativa para o
problema que ora se descreve, os adquirentes das empresas concessionárias de telefonia
alegam que assumiram empresas com muitas deficiências operacionais, o que os obrigou a
promover uma reengenharia nas mesmas, reestruturando-as por completo e preparando-as
para um cenário de competição.
Alegam que, estavam obrigados (em razão de metas pré-estabelecidas) a instalar, em
curto prazo, um número exagerado de linhas telefônicas e para tanto foram obrigados à
realização de inúmeras obras que mexeram com a infra-estrutura das plantas instaladas e
das centrais telefônicas já em operação.
Tem-se no caso das concessionárias de STFC um controle mais rigoroso (em relação a
empresas que prestam serviços em regime privado) que se materializa na fiscalização do
cumprimento de metas de qualidade e de metas de universalização, a que as prestadoras
em regime privado não estão sujeitas.
As metas de universalização (Decreto nº 2592/98) dizem respeito à expansão da planta
de telefonia e ao atendimento crescente e gradual de toda a população, prevendo metas de
expansão de acessos individuais e definindo critério de atendimento às localidades levando
em conta o número de habitantes.
Já as metas de qualidade (Resolução Anatel nº 30, de 29 de junho de 98) objeto do
problema que ora se expõe consistem em padrões de qualidade que devem ser obedecidos
pelas concessionárias. Estipulam percentuais máximos para problemas de qualidade,
estabelecendo metas de atendimento às solicitações de reparo, metas de atendimento às
solicitações de mudança de endereço, metas de atendimento por telefone ao usuário, metas
de qualidade para telefones de uso público, metas de informação do código de acesso do
usuário, metas de atendimento à correspondência do usuário, metas de atendimento pessoal
ao usuário, metas de emissão de contas e metas de modernização da rede.
Para o intuito do presente trabalho basta a irrefutabilidade da existência de problemas na
qualidade dos serviços, o que se constatou em vários Estados da federação.
A queda de qualidade na prestação do serviço público de telecomunicações consistiu em
incidentes verificados em alguns Estados, tais como: linhas mudas por períodos que
variavam de 01 dia a um mês; linhas operando com chiados ou ruídos intermitentes, que
comprometiam a qualidade das ligações telefônicas; atrasos de meses em pedidos de
transferência de endereço de instalações de linhas e atrasos em pedidos de transferência de
titularidade.
A queda de qualidade na prestação do STFC, verificada nos meses após a privatização,
ganhou as manchetes dos jornais do país e enorme repercussão perante a opinião pública.
Os problemas eram estampados diariamente em todos os veículos de comunicação e muitas
vezes exagerados por inimigos ideológicos da privatização.
Diante de tamanha repercussão, passou-se a cobrar das autoridades uma solução para
tais problemas, juntamente com a aplicação de sanções para as empresas que estariam
incidindo em tal queda de qualidade na prestação dos serviços.
E o clamor da opinião pública foi atendido de maneira ampla, porém tumultuada, com
atos desencontrados, senão vejamos:
O órgão regulador do setor, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), instaurou
procedimento investigativo e sancionatório em relação a várias concessionárias de STFC,
posteriormente impondo penalidades que variam de simples advertências, até multas de até
R$ 30 milhões.
O Ministro da Justiça à época dos fatos, Renan Calheiros, determinou através da
Secretaria de Defesa Econômica vinculada a seu ministério, a instauração de procedimento
investigativo e sancionatório e a fixação preliminar de uma multa de R$ 30 milhões.
O Ministério Público em vários Estados determinou, tendo em vista os fatos ocorridos, a
instauração de Inquérito Civil, buscando a apuração das responsabilidade para posterior
ajuizamento de Ação Civil Pública buscando, entre outras coisas, o ressarcimento por danos
materiais e morais causados, em valor a ser posteriormente calculado.
Os Procons de alguns Estados agiram da mesma forma, convocando a direção das
empresas concessionárias que apresentavam queda de qualidade na prestação do serviço a
darem explicações, sob pena de aplicação de multas sancionatórias.
Concomitante a tais sanções, milhares de ações judiciais foram intentadas por usuários
perante os Juizados Especiais Cíveis e perante a Justiça Comum, pleiteando a
recomposição dos prejuízos supostamente sofridos e a penalização das empresas
concessionárias por danos morais, materiais e pena cominatória em caso de
descumprimento de obrigações de fazer.
Como se vê, uma série de procedimentos investigativos e sancionatórios foram impostos
por diferentes órgãos (estatais, sociais, judiciais) criando-se uma situação complicada que,
mesmo com a melhoria da qualidade de prestação dos serviços, ocorrida nos meses
seguintes, não foi resolvida.
O problema resta evidenciado, pois, diante de tal conflito no controle dos serviços e de
tantas sanções, qual a prevalente? Ou então, poderá uma empresa ser, por um mesmo ato
ou fato, concomitantemente penalizada por todos esses organismos, devendo pagar, por
exemplo, uma multa de R$ 150 ou R$ 200 milhões?
Este o primeiro problema prático que se demonstra para ilustrar e demonstrar a
relevância do tema aqui tratado.
Do reajuste das tarifas telefônicas
Outro problema prático e que envolve situações não imaginadas pelo
legislador/regulador diz respeito ao reajuste das tarifas telefônicas.
Os contratos que outorgam a concessão do serviço telefônico fixo comutado prevêem a
existência da possibilidade de reajuste tarifário com periodicidade anual, visando a
recomposição de possíveis perdas inflacionárias (o reajuste é promovido com base no IGP-
DI) e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro entre as partes contratantes (o Poder
Concedente representado pela Anatel e a empresa concessionária).
Faz-se mister a transcrição da cláusula 11ª, contida no capítulo XI de tais contratos
(todos similares), que assim dispõem:
“ Cláusula 11.1 – A cada intervalo não inferior a 12 (doze) meses, por iniciativa da
ANATEL ou da Concessionária, observadas as regras da legislação econômica vigente, as
tarifas constantes no Plano Básico do Serviço Local – anexo 03, poderão ser reajustadas,
mediante a aplicação da seguinte fórmula (...) ”.
Assim, prevista a possibilidade de reajuste tarifário anual, poderiam as empresas
concessionárias, após o período de 12 meses contados do último reajuste, pleiteá-lo.
Tal pleito, como previsto legalmente, deveria ser analisado e, caso aprovado
homologado, pelo órgão regulador (ANATEL) a quem compete a implementação da política
nacional de telecomunicações, a fiscalização das empresas quanto ao cumprimento de
metas por ela estabelecidas e a homologação de reajustes tarifários. A esse respeito, a Lei
Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) explicitou em seu art. 19 o seguinte:
“ Art. 19 – À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do
interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com
independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
(...)
VII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços
prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei,
bem como homologar reajustes (...)”
Dessa maneira, resta claro o direito das concessionárias em pleitearem pedido de
reajuste tarifário, bem como a competência da Anatel para proceder a análise do pleito e
autorizar ou não tal reajuste, fixando ainda os índices percentuais que porventura poderiam
ser aplicados.
E foi o que ocorreu. As concessionárias de todo o país pleitearam seus pretendidos
reajustes para a Anatel. A Anatel, após análise dos pleitos decidiu autorizar e homologar
reajuste tarifário para todas as concessionárias do país, em índice inferior ao pleiteado,
porém, em índice que ela entendia recompor as perdas (inflacionárias e de custos)
verificadas no período dos últimos doze meses.
Nesse momento se inicia o problema. Não concordando com tal reajuste, diferentes
organismos o questionaram extra judicial e judicialmente, pretendendo anular a eficácia do
ato administrativo de homologação do reajuste praticado pela Anatel.
Assim, a situação se desenhou da forma seguinte:
A Anatel autorizou e homologou reajuste tarifário. O Ministério Público Federal, em vários
Estados da Federação entendeu não cabível o reajuste tarifário e buscou impedir
judicialmente sua aplicação.
Ainda, órgãos que atuam na defesa dos interesses dos consumidores, como o IDEC
(Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) por exemplo, também buscou judicialmente a
não aplicação de reajuste tarifário, sob a argumentação de que as metas de qualidade não
vinham sendo cumpridas (inobstante os instrumentos legais que autorizavam reajuste
tarifário não o condicionasse ao cumprimento de qualquer meta).
Este imbroglio ganhou proporções maiores quando em alguns Estados o Poder Judiciário
concedeu liminares suspendendo os reajustes tarifários. De se frisar que no Estado de São
Paulo, somente após um período de 06 meses a liminar concedida foi cassada e o reajuste
tarifário aplicado, causando-se um prejuízo aproximado de R$ 150 milhões para a empresa
concessionária.
Para aumentar o tumulto, a mencionada ação judicial de São Paulo, ao contrário de
ações promovidas em outros Estados, não incluiu a Anatel no pólo passivo (apesar de
discutir a validade de um ato administrativo de sua autoria) e mais do que isso, mesmo com
o manifesto interesse da Agência em ingressar na lide, tal acesso lhe foi negado, colocando-
se em xeque inclusive seu papel de órgão regulador.
Inclusive, o órgão de defesa do consumidor (IDEC) que intentou a medida judicial
afirmava em sua exordial que a omissão do órgão regulador levou à busca da prestação
jurisdicional, ou seja, a ação acabava por enfraquecer o papel do órgão regulador,
colocando-o sob julgamento.
Assim, instaurou-se um conflito (que poderá se repetir a cada ano) quanto à competência
da Agência em autorizar reajustes tarifários, tendo em vista que outros organismos agindo
como fiscalizadores da própria Agência entenderão cabível pleitear a nulidade de seus atos,
sempre que não concordem com os mesmos.
De se ressaltar, uma vez mais, que no período de prestação estatal do STFC nada disso
ocorria e, muitas vezes, reajustes com índices muito superiores ao da inflação foram
realizados sem qualquer contestação dos órgãos agora tão atuantes.
Breve síntese
Através dos problemas acima expostos (que são apenas exemplificativos e não
abrangem todas as situações em que se verificam conflitos), pode-se constatar a existência
de tal conflito de atribuições no controle do serviço público de telefonia, pois, determinados
atos praticados pelas concessionárias sofreram diversas e concorrentes sanções, aplicadas
por diversos órgãos de natureza distinta.
Resta evidenciada ainda a relevância do tema pois mostra-se imprescindível uma análise
buscando uma definição quanto à competência/atribuição de cada órgão no controle do
serviço público de telefonia e qual(is) o(s) ente(s) competente(s) para a imposição de
determinadas sanções, evitando-se assim um tumulto a cada vez que se deva discutir um ato
comissivo ou omissivo, de natureza infracional por parte das concessionárias.
A ordem legal não pode dar ensejo a incertezas. As leis ou regulamentos devem ser
claros, prevendo não somente a conduta que as empresas concessionárias devam ter (com
relação ao cumprimento de metas de qualidade e universalização dos serviços), as sanções
aplicáveis em caso de descumprimento dos dispositivos legais ou contratuais e os órgãos
competentes para a aplicação das mesmas.
Mostra-se necessária também uma análise quanto às formas de controle de serviços
públicos existentes (estatal, social e judicial) e o modo de atuação de cada uma das
entidades em cada uma dessas formas. Por fim, também relevante a apreciação do controle
de atos administrativos por parte de órgãos do Poder Judiciário, visando descrever o papel
de tal poder e o âmbito de atuação do mesmo no controle de atos dos órgãos da
Administração Pública.
CAPÍTULO II
CONCEITOS JURÍDICOS RELEVANTES PARA A ANÁLISE
Após a demonstração das situações práticas que atestam a existência de um conflito de
atribuições no controle do serviço público de telecomunicações, necessária se faz uma
análise jurídica, com o exame dos institutos e conceitos de serviço público nas
telecomunicações, conflito de atribuição e de controle estatal, social e judicial dos serviços.
Do serviço em regime público nas telecomunicações
A Lei Geral de Telecomunicações veio a definir a organização dos serviços de
telecomunicações, classificando os serviços com base em dois critérios: (i) quanto à
abrangência dos interesses atendidos e; (ii) quanto ao regime jurídico de sua prestação.
Definiu-se que quanto à abrangência dos interesses atendidos, os serviços de
telecomunicações podem ser de interesse coletivo ou restrito.
Os serviços de interesse coletivo são aqueles que devem ter a sua fruição
disponibilizada a qualquer interessado, em condições não discriminatórias, sendo serviços
aberto a todos e que justamente por tal característica estão sujeitos a maiores
condicionamentos legais, com o objetivo de atendimento aos interesses da coletividade.
Os serviços de interesse restrito, por sua vez, são aqueles prestados a determinado
grupo de usuários ou destinado ao uso do próprio executante. São serviços de livre
exploração tendo como único fator de condicionamento para a sua prestação o de que sua
exploração não pode prejudicar o interesse coletivo.
Quanto ao regime jurídico de exploração, os serviços de telecomunicações foram
classificados como de regime público ou regime privado.
Os serviços a serem prestados no regime público poderão ser delegados a terceiros
mediante concessão ou permissão e são aqueles cuja existência, universalização e
continuidade o próprio poder estatal compromete-se a assegurar. A conceituação legal do
serviço prestado nesse regime encontra-se no art. 63, parágrafo único da Lei Geral de
Telecomunicações.
Já os serviços prestados em regime privado não estarão sujeitos ao mesmo rigorismo,
não garantindo o Estado sua universalização e continuidade, podendo ser explorados.
Faz ainda a Lei Geral de Telecomunicações uma inovação em relação ao Código
Brasileiro de Telecomunicações, permitindo que um determinado tipo de serviço possa ser
prestado no regime público ou privado ou ainda, concomitantemente em ambos os regimes.
No caso, as empresas oriundas da desestatização das empresas que integravam o
Sistema Telebrás (Telefônica e Embratel) prestam o STFC em regime público e as empresas
criadas posteriormente prestam o serviço em regime privado.
A prestação do STFC em regime público impõe o cumprimento de metas de qualidade e
universalização, previstos em lei, como obrigação das empresas prestadoras do serviço, a
prestação em regime privado não impõe tais condições.
Assim, uma empresa que preste o serviço em regime público e deixe de cumprir metas
de qualidade ou de universalização será punida, enquanto a prestadora em regime privado
não se sujeitará a tal punição.
Embora estes últimos também não estejam imunes à ocorrência de situações de conflito
de atribuições, os problemas práticos aqui concretamente demonstrados dizem respeito às
prestadoras do serviço em regime público, tendo em vista que o cumprimento de metas de
qualidade e de universalização estão previstas como obrigações do regime público.
Do conflito de atribuições
O conflito de atribuição ocorre quando mais de uma autoridade administrativa declara ser
competente ou incompetente para a apreciação de algum ato administrativo. Massami Uyeda
ensina que o conflito de atribuição ocorre quando:
“Ocorre conflito de atribuição, por outro lado, quando autoridades administrativas
disputam a competência, positiva ou negativamente, para a prática de ato administrativo,
caracterizando-se como luta de competência entre duas autoridades administrativas.” 3
Assim, este trabalho aborda basicamente o conflito de atribuições, ou seja, o fato de um
determinado ato ser analisado e sancionado por diferentes órgãos administrativos, de
natureza diversa e pertencente a diferentes poderes governamentais.
Adiante, será abordado o controle que o Poder Judiciário faz com relação aos atos
administrativos praticados por autoridades administrativas competentes.
Evidencia-se que o escopo desta análise irá dizer respeito ao conflito de atribuições entre
os diferentes órgãos envolvidos no controle do serviço público de telecomunicações no país,
visando delimitar qual as atribuições de cada um dos órgãos envolvidos, bem como se há
usurpação de atribuição por parte de alguns desses organismos.
Ressalte-se que, conceitualmente o conflito de atribuições pode ser interno ou externo,
sendo que, o conflito de atribuições será interno quando duas autoridades de um mesmo
Poder julgarem-se competentes ou incompetentes para a edição de determinado ato
administrativo ou para o exercício de determinada função.
O conflito de atribuições externo, por sua vez, é aquele existente entre autoridades
pertencentes a dois Poderes distintos, os quais disputam, seja positiva ou negativamente, a
competência em matéria administrativa. Assim, para a ocorrência de tal conflito basta que um
órgão do Executivo e um órgão de outro Poder manifestem-se, concomitantemente,
competentes ou incompetentes para o deslinde de uma determinada pendenga
administrativa.
3 Uyeda, Massami, Da Competência em matéria administrativa, São Paulo, Come Ed..1997 , p. 163
Constataremos quando da análise do problema central deste trabalho que as duas
espécies de conflito (interno e externo) estão presentes no cotidiano do controle do Serviço
Telefônico Fixo Comutado.
Por ora, passaremos à análise do controle dos serviços públicos, através da
demonstração das diferentes formas que o mesmo apresenta e dos órgãos nele envolvidos,
examinando-se as atribuições de cada um dessas entidades.
CAPÍTULO III
DO CONTROLE DOS SERVIÇOS PRESTADOS EM REGIME PÚBLICO E OS
ÓRGÃOS ENVOLVIDOS
Sabendo-se que mesmo após a privatização do Sistema Telebrás, com a desestatização
das teles estaduais, o Estado permanece como responsável em assegurar à coletividade
qualidade e universalidade do Serviço Telefônico Fixo Comutado resta verificar como será
efetuado o controle de tal serviço de telecomunicações.
Inicialmente, de fácil constatação, através dos problemas práticos anteriormente
expostos, que o serviço de telecomunicações explorado em regime público sujeitou-se a
múltiplas formas de controle. Diferentes órgãos analisam a qualidade dos serviços,
exercendo diferentes formas de controle, o que nos leva obrigatoriamente à necessidade de
verificar as formas de controle de serviço público existentes.
Controle estatal do serviço público de telecomunicações
Como visto, a prestação do serviço público de telecomunicações foi delegada, através de
concessões, a terceiros, entretanto, tendo em vista que o serviço deve ser prestado sempre
no interesse público, que não é necessariamente idêntico ao interesse do particular que o
explora, deve existir um controle estatal do mesmo.
Na área de telecomunicações, a delegação da prestação dos serviços a particulares
tornou necessária a criação de algum órgão para controlar tal serviço em nome do Estado.
Dessa maneira, para exercer o controle estatal do setor de telecomunicações, garantindo
a existência do serviço, sua continuidade, qualidade e universalização e previu-se
constitucionalmente a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
Seguindo-se o dispositivo constitucional, o art. 64 da Lei Geral de Telecomunicações
explicitou que o serviço de interesse coletivo prestado no regime público terá sua existência,
continuidade e universalização assegurada pelo próprio Estado, pela União Federal. Ainda, a
LGT também dispôs (art. 8º ao art. 17) sobre a criação de tal órgão regulador.
Assim, para garantir a existência de tal serviço e controlar a continuidade, qualidade e
universalização do mesmo, previu-se constitucional e legalmente a criação da Agência
Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
Conclui-se, portanto, que o controle estatal sobre o setor de telecomunicações será
exercido por um órgão regulador criado especialmente para essa finalidade, a Anatel (que
terá sua criação, natureza jurídica, atribuições e outros aspectos abordados mais adiante).
Controle social de serviços públicos
Entende-se que o controle social dos serviços públicos seja aquele exercido por órgãos
que tenham a finalidade de defesa dos interesses coletivos da sociedade, aqueles interesses
que transcendem o interesse meramente individual de um serviço para o atingimento de
todos ou de ao menos uma parcela significativa de usuários.
Como exemplificação, no caso das telecomunicações, de se aplicar inicialmente o
dispositivo legal contido na denominada Lei das Concessões (Lei nº 8987/95), a lei genérica
sobre as regras que devam vigorar em todas as concessões de serviços públicos,
independentemente do setor. Tal lei, em vários dispositivos, prevê formas de participação
popular no controle dos serviços, prevendo, no art. 3º a cooperação dos usuários no controle
estatal, da forma seguinte:
“ Art. 3º - As concessões e permissões sujeitar-se-ão à fiscalização pelo poder
concedente responsável pela delegação com a cooperação dos usuários”.
O art. 30 do mesmo dispositivo legal, por sua vez, estabelece a possibilidade de criação
de órgão especializado para o controle social, em paralelo ao controle estatal.
No setor de telecomunicações, estabeleceu a regulamentação editada pela ANATEL
(órgão encarregado de exercer o controle estatal do serviço) formas de participação popular
para o exercício do controle social dos serviços de telecomunicações.
Resta evidenciada a existência não só de um controle estatal do serviço público de
telecomunicações (a ser exercido pelo órgão regulador), mas também a previsão legal de um
controle social (a ser exercido por diferentes órgãos).
Tendo ciência de tais formas de controle nos resta a verificação dos agentes envolvidos
e atuantes nas mesmas e suas respectivas atribuições.
A agência nacional de telecomunicações – Anatel
As agências estatais são órgãos especializados que exercem o controle estatal de
serviços, funcionando em caráter permanente, com corpo próprio de funcionários e membros
com poder deliberativo.
No caso das telecomunicações brasileiras, determinou a Constituição Federal (art. 21,
inciso XI) a criação de órgão regulador especializado para o setor, o que acabou gerando a
criação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL.
A Anatel nasceu como uma agência independente, uma autarquia com independência
administrativa e financeira, com mandato fixo para seus dirigentes.
No exercício do controle estatal para o setor, a Agência tem a finalidade de proteger os
consumidores, assegurar a justa competição entre as empresas, fiscalizar a atuação das
empresas prestadoras, sendo responsável pela elaboração de regulamentação que, nos
interesses da sociedade brasileira, garanta a qualidade, a segurança e a disponibilidade dos
serviços.
Instituída em 07 de outubro de 1997, a Agência possui uma série de atribuições previstas
na legislação das telecomunicações. A Lei Geral das Telecomunicações, dando cumprimento
ao mandamento constitucional que determinava a criação de um órgão regulador para o
setor, trouxe no seu bojo uma série de artigos (do 8º ao 17º) criando a Agência,
determinando sua estrutura de funcionamento e suas atribuições.
O regulamento da Agência (Decreto nº 2338/97) por sua vez, fixou uma série de
atribuições para a Agência, tais como: implementar, em sua esfera de atribuições, a política
nacional de telecomunicações; exercer o poder normativo nas telecomunicações; outorgar e
extinguir o direito de exploração do serviço em regime público; controlar, acompanhar e
proceder à revisão das tarifas dos serviços prestados em regime público podendo fixá-las e
homologar reajustes; rever, periodicamente, os planos geral de outorgas e de metas para a
universalização dos serviços prestados no regime público; celebrar e gerenciar contratos de
concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e
realizando intervenções; atuar na defesa e proteção dos direitos dos usuários, reprimindo as
infrações e compondo ou arbitrando conflitos de interesse e expedir e extinguir autorização
para a prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções.
Ainda, no exercício de seu poder normativo o órgão regulador teria como principais
atribuições: definir as modalidades de serviços; disciplinar o cumprimento das obrigações de
universalização e de continuidade atribuídas aos prestadores no regime público; estabelecer
a estrutura tarifária de cada modalidade de serviço e impedir a concentração econômica no
mercado, visando propiciar efetiva e justa competição entre as empresas.
Assim, em relação ao tema tratado no presente trabalho e os problemas práticos
demonstrados temos que a competência da Anatel para a atuação nos mesmos é
indiscutível, tendo em vista as suas atribuições legais.
Com referência ao primeiro problema apresentado (a qualidade do Serviço Telefônico
Fixo Comutado), preceitua o art. 16 do mencionado Regulamento que:
“Art. 16 – À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do
interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, e
especialmente:
VII – celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no
regime público, aplicando sanções e realizando intervenções.”
Pelo exposto, não há qualquer dúvida quanto à legitimidade da atuação da Anatel no
primeiro problema prático apresentado (qualidade do STFC), que tem como suas atribuições
legais fiscalizar o cumprimento dos contratos de concessão (e por conseguinte das metas de
qualidade), zelando pelo interesse público e impondo as sanções (também previstas nos
contratos) quando as entender cabíveis.
Da mesma forma, com relação ao segundo problema prático apresentado (o reajuste das
tarifas telefônicas) também não há qualquer dúvida quanto à atuação da Anatel, tendo em
vista que a Lei Geral das Telecomunicações prevê em seu art. 19 o seguinte:
“ Art. 19 – À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do
interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com
independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
(...)
VII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no
regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar
reajustes (...)”
Obviamente que, diante da disposição legal, a Agência nada mais fez, ao homologar
reajuste tarifário, do que exercer suas atribuições, ou seja, uma vez pleiteado um reajuste
tarifário por qualquer concessionária de STFC, competia à Anatel analisar tal pleito, autorizar
e homologar o reajuste tarifário, que foi o que ocorreu no problema prático exposto.
Evidencia-se assim, conforme se constatou nesta breve análise no verificado conflito de
atribuições, que a Anatel não extrapolou suas atribuições ou invadiu a atribuição de qualquer
outro órgão, ao contrário, exerceu suas atribuições previstas legal e contratualmente, agindo
como o órgão regulador do setor, instaurando procedimentos investigativos e impondo as
sanções que entendeu adequadas.
Ministério Público
O Ministério Público é definido na Constituição Federal (art. 127) como sendo uma
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Ministério Público é um órgão essencial à administração da Justiça, definido
constitucionalmente e com independência funcional, não sendo integrante de nenhum dos
três tradicionais poderes do Estado, tradicionalmente apontado como agente estatal
predisposto à tutela de bens e interesses coletivos e difusos.
Assim, o Ministério Público é órgão autônomo, previsto constitucionalmente, tendo suas
atribuições previstas na Carta Magna, consistentes, na esfera civil, na tutela dos interesses
difusos e coletivos.
Os interesses difusos são aqueles titularizados por um número indeterminado de
pessoas, ligadas por algum vínculo fático, de alguma situação que possa gerar lesão e
disseminá-la entre todos esses titulares.
Os interesses coletivos, por sua vez, podem ser caracterizados como os
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária, por uma relação
jurídica base.
No caso dos problemas práticos anteriormente expostos torna-se discutível
a atuação do MP pois, os problemas tratados podem não referirem-se a
interesses difusos (os interesses não são transindividuais indeterminados uma
vez que pode-se determinar o grupo afetado que é basicamente os assinantes
do Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC) e nem coletivos (visto que não
se pode caracterizar dessa maneira os supostos interesses dos usuários de
telefonia, que não constituem nenhuma categoria ou grupo, ao contrário, uns
podem estar satisfeitos com os serviços e outros não).
Note-se que, em problemas anteriores similares o Ministério Público, buscou
justificar sua legitimidade para a promoção de medida judicial sob a
fundamentação de que havia interesse difuso, coletivo e algumas vezes,
individual homogêneo entre os usuários do sistema de telefonia, porém, nem
sempre logrou êxito. O Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo,
analisando a questão dos interesses envolvidos no setor de telefonia já decidiu
que:
“Ilegitimidade ad causam– MINISTÉRIO PÚBLICO – Ação Civil Pública –
Instalação de linhas telefônicas e suspensão das vendas novas linhas –
Hipótese que não se enquadra como interesses difusos ou coletivos – Direito
individual e disponível dos adquirentes – Agravo de instrumento não conhecido,
e decretação, “ ex offício”, da carência da ação” 4
Concluiu a decisão supracitada que ao contrário do pretendido pelo
Ministério Público, a instalação das linhas telefônicas, objetivada na ação civil
pública, não se enquadrava dentre os interesses difusos ou coletivos, uma vez
que atingia um grupo determinado, ou determinável de pessoas, razão pela
qual, pôde-se afirmar que possuía natureza econômico patrimonial, individual e
disponível. Afirmou-se, assim, que inexistia a legitimidade do Ministério Público
para pleitear, em ação civil pública, o cumprimento de contrato de prestação de
serviços. por tratar-se de direito individual e disponível.
Dessa maneira, evidencia-se que os interesses envolvidos nos problemas
práticos expostos podem não ser caracterizados como sendo difusos ou
coletivos e que, ao contrário do alegado pelo MP, os interesses questionando
um determinado serviço de telefonia são meramente individuais e que, portanto,
a tutela deve ser individual pois somente uma interpretação que contraria o bom
senso do homem comum pode achar que todos os usuários de telefonia usam
os mesmos serviços e o avaliam da mesma forma.
Há uma contra argumentação do Ministério Público, afirmando que sua
legitimidade para a defesa dos interesses dos consumidores pode se dar não
4 Acórdão proferido no Processo nº 816.981-3 – 1º TAC de São Paulo – Agravo de Instrumento – 8ª CâmaraCivil – Relator Juiz Carlos Lopes)
somente quando houver interesses difusos ou coletivos, mas também quando
há tão somente interesse individual homogêneo. Fundamentando essa
argumentação o MP afirma que o CDC o legitima a atuar em nome dos
interesses individuais homogêneos, definidos no inciso III do art. 81 da referida
lei.
Com a introdução da figura dos interesses individuais homogêneos torna-se
confusa a distinção entre as diferentes espécies de interesses.
Resta evidente a confusão conceitual entre interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos (afirmando o MP possui legitimidade para tutelar todos
eles). Entretanto, mesmo que se deixe de lado essa confusão conceitual, tem-
se que não é unânime o entendimento entre os juristas a legitimidade do
Ministério Público para a tutela dos interesses individuais homogêneos.
A pretensão do MP de buscar fundamentação para uma atuação
desmesurada, atuando em todos os problemas que encontre e buscando
caracterizar-se como um Quarto Poder não encontra respaldo constitucional e
pode ser prejudicial para a própria sociedade em nome da qual ele diz agir.
Todos querem que a cidadania se desenvolva, deixe de ser um conceito
para tornar-se uma postura. A sociedade civil deve se organizar, ter voz, porém,
ter voz própria e não monitorada.
Concluindo, embora inquestionável a atribuição do Ministério Público de
zelar pela segurança da ordem jurídica, defendendo inclusive, o direito dos
consumidores, a atuação de tal órgão somente deverá ocorrer em casos de
tutela de interesses difusos ou coletivos, e não de interesses individuais
homogêneos, ou seja, nos problemas práticos colocados é muito discutível a
atuação do MP, não restando evidente sua legitimidade de atuação em tais
casos.
Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça
Nos problemas exemplificativos práticos expostos e que demonstraram a
existência do conflito de atribuições no controle do serviço público de
telecomunicações no país, um dos órgãos atuantes foi a Secretaria de Direito
Econômico (SDE), vinculada ao Ministério da Justiça.
Através de seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, a
mencionada Secretaria determinou a instauração de procedimento
administrativo de averiguação do ocorrido, adotando, no que tange à queda de
qualidade dos serviços de telefonia, providências preliminares (imposição de
multas).
A atuação deste órgão é fundamentada, inicialmente, no Código de Defesa
do Consumidor
Nota-se assim que no CDC estão enumeradas de forma exaustiva todas as
atribuições da SDE, não restando evidente a atribuição da SDE para a
instauração de procedimento administrativo em casos como os dos problemas
práticos apresentados.
Inicialmente, o Decreto n.º 2181 de 20 de março de 1997 dispõe em seu art.
2º que a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça – SDE (e o
seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor) é órgão integrante do
Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
O art. 3º do mesmo Decreto expõe quais são as atribuições da SDE, dentre
as quais: fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas na Lei nº
8078, de 1990, e com outras normas pertinentes à defesa do consumidor.
Ainda, a Portaria nº 144/87 do Ministério da Justiça, na mesma linha do disposto no
Decreto em epígrafe, estipulou que ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor
compete: fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas no Código de Defesa do
Consumidor.
Dessa maneira, a justificativa para a atuação da SDE (DPDC) no problema referente à
queda da qualidade dos serviços era o Código de Defesa do Consumidor, o Decreto nº
2.181/97 e a Portaria nº 144/87, que lhe outorgavam a atribuição de fiscalizar as relações de
consumo e aplicar sanções, visando à defesa do consumidor.
Por outro lado, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor não apresenta entre as
atribuições da SDE a de fiscalizar e impor sanções parece evidenciado que o Decreto nº
2.181/97 extrapolou suas funções, não somente regulamentando a Lei mas, acrescentando
atribuições anteriormente não previstas.
Conclui-se assim que a fundamentação legal para a atuação da SDE nos casos narrados
é frágil, sendo muito discutível a instauração de procedimento administração e de sanção
preliminar por parte desse órgão evidenciando-se assim, uma extrapolação de suas funções.
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC
Como mencionado quando da exposição dos problemas práticos, o Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor - IDEC foi um dos órgãos que atuou, buscando judicialmente a tutela
visando a proibição de aplicação de reajuste tarifário no Estado de São Paulo, até que as
metas de qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado fossem atingidas.
O IDEC é uma associação, sem fins lucrativos, constituída em 1987, com a finalidade
estatutária de promover a defesa do consumidor, inclusive representando judicialmente
consumidores.
A atuação judicial nos problemas mencionados (reajuste tarifário x metas de qualidade
do STFC) é fundamentada no Código de Defesa do Consumidor que em seu art. 81,
parágrafo único, inciso I, define:
“Art. 81- A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato. (...)”
Como no entendimento do IDEC a questão discutida (reajuste tarifário) atingia a todos os
usuários dos serviços de telefonia em São Paulo, de forma não identificável, não
restringindo-se aos assinantes do STFC na medida em que o reajuste seria suportado
também pelos usuários dos telefones públicos, caracterizado estava a existência de direito
difuso, fundamento de sua legitimidade para buscar a tutela jurisdicional.
Dessa maneira, teria o IDEC legitimidade para pleitear judicialmente, na defesa dos
interesses dos consumidores, uma tutela buscando a abstenção da aplicação de reajuste
tarifário.
De se ressaltar ainda que a Constituição Federal de 1988 buscou incentivar a criação de
associações, sindicatos e cooperativas, visando que a sociedade civil tivesse outros canais
para suas manifestações, além dos canais oficiais do Estado.
Conclui-se, portanto, que o incentivo constitucional visava estimular e fortalecer as
associações e outras formas de organização da sociedade civil, configurando-as
definitivamente como órgãos de representação, inclusive judicial, de seus associados
(lembrando-se que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC é associação
constituída em 1987, portanto surgida antes do advento da Constituição Federal em vigor).
O Código de Defesa do Consumidor, nesse mesmo sentido, definiu os interesses e
direitos a serem tutelados por tais entes deixando evidente a capacidade dos mesmos de
representar seus associados e, dentro de suas finalidades estatutárias, buscar a tutela de
direitos difusos ou coletivos judicialmente.
Tal posicionamento quanto à legitimidade do IDEC foi aceita judicialmente, tendo tal
órgão sido considerado, 1ª e 2ª instâncias judiciais, legitimado para figurar em pólo ativo de
demanda versando sobre reajuste tarifário.
Reclamações individuais nos JEC’s
Obviamente que, com relação aos problemas práticos apresentados, notadamente
quanto à queda de qualidade na prestação do STFC, tivemos uma série de reclamações
individuais processadas perante os Juizados Especiais Cíveis.
Os usuários do serviço público de telefonia que se sentiram prejudicados, de alguma
forma, pela queda de qualidade do serviço buscaram a tutela jurisdicional para o resguardo
de seus interesses.
Não há qualquer dúvida quanto à legitimidade que tem o usuário de, sentindo-se lesado
buscar a recomposição dos prejuízos que tenha sofrido perante o Poder Judiciário, podendo
ainda o mencionado usuário optar pelo trâmite de sua demanda perante a Justiça Comum ou
os Juizados Especiais Cíveis, dependendo do valor que atribua para sua causa e da matéria
discutida.
Os Juizados Especiais foram criados com a finalidade precípua de facilitar o acesso da
população à Justiça, através da dispensa de advogados (em causas de até 20 salários
mínimos), da isenção de custas processuais e da aplicação de princípios como o da
celeridade, buscando uma rápida solução para as demandas e a prestação eficaz da tutela
jurisdicional.
As limitações da atuação dos JECs dizem respeito ao valor envolvido nas causas (não
podem julgar causas com valor superior a 40 salários mínimos), ao fato de pessoas jurídicas
de direito público não poderem atuar no pólo passivo das demandas, ao impedimento de que
pessoas jurídicas proponham ações em tais Juizados (podendo atuar apenas como rés) e ao
fato de não poderem julgar causas de maior complexidade (causas que demandem a
realização de prova pericial, por exemplo).
Assim, nem sempre é possível ao usuário que se sentir lesado buscar os Jec’s. Em
matéria de telefonia, tem-se que as ações que pleiteavam a instalação de linhas
comercializadas através de PCT’s (Planos Comunitários de Telefonia), entre outras, tinham
seu processamento rejeitado pelos Juizados, dada sua complexidade.
Torna-se impossível em sede do Juizado Especial Cível provar-se aspectos técnicos que
necessitem de prova pericial e maior dilação probatória e, em matéria de telefonia um grande
percentual de causas se enquadram nessas hipóteses.
Como se sabe os princípios norteadores do Juizado Especial, quais sejam, a oralidade,
simplicidade, economia processual e celeridade impedem uma instrução probatória profunda,
cingindo-se quase que sempre no Juizado Especial apenas à prova testemunhal e/ou
documental.
Conclui-se, pelo exposto, que o usuário tem o direito inquestionável de ao sentir-se
lesado por qualquer ato, buscar a tutela jurisdicional e a recomposição de seus prejuízos,
devendo, entretanto, verificar se em decorrência da matéria e do valor envolvido, deverá
pleitear tal medida perante a Justiça Comum ou os Juizados Especiais.
E a diferença entre a Justiça Comum e os JEC’s extrapola a teoria, mostrando-se muitas
vezes como fator impeditivo ao exercício de direitos por parte da população mais carente. O
ingresso na Justiça Comum exige a presença de advogado patrocinando a lide (ou a busca
de assistência judiciária quase sempre demorada e por isso ineficaz), exige o pagamento de
custas processuais (ou o pedido de justiça gratuita a ser apreciado pelo Juiz da causa), pode
exigir a produção de prova pericial, enfim, o processo é mais dificultoso e tem um trâmite
mais demorado, o que incentiva ao não ajuizamento das demandas.
Entretanto, é inquestionável que a o funcionamento da Justiça Comum respeita muito
mais o direito do cidadão. Lá ele possui condições de paridade com a outra parte, é
representado por advogado que o orientará e poderá produzir exaustivamente todas as
provas que lhe interessam.
Devido a um número exagerado e crescente de ingresso de demandas em JEC’s, sua
qualidade de funcionamento e atendimento decaiu muito na maioria das comarcas onde ele
existe. É comum pessoas amontoadas, num verdadeiro congestionamento de pessoas,
aguardando a chamada para a realização de uma audiência.
Ainda, é comum o atraso nas audiências, a realização das mesmas às pressas e a
desvantagem do cidadão autor contra uma pessoa jurídica ré que, normalmente, comparece
com advogado, preposto, testemunhas e provas documentais. Assim são os JEC’s.
Dos conflitos constatados
A exposição acima efetuada evidencia a existência de um conflito de atribuições na
esfera administrativa e na esfera judicial.
Vimos que na esfera administrativa, diante de uma situação prática que possa acarretar
prejuízos aos usuários do serviço, podemos ter a simultânea atuação dos órgãos seguintes:
Anatel, SDE –DNPC, Procons e Ministério Público (Estadual e Federal).
Enquanto isso, na esfera judicial podemos ter ações ajuizadas pelo Ministério Público,
por alguma associação de defesa do consumidor (IDEC por exemplo), além daquelas
ajuizadas pelo consumidor individualmente.
Tendo em vista a atuação dos órgãos supracitados e a constatação das situações de
conflito, resta buscar a resolução dos mesmos, o que se fará nos próximos capítulos,
mostrando-se, primeiramente, que o conflito de atribuições decorre de um conflito de normas
e buscando-se, após a demonstração das normas conflitantes, uma forma de solucionar-se
tal imbroglio.
CAPÍTULO IV
DO CONFLITO DE NORMAS
Como visto anteriormente, tem-se um conflito de atribuições na esfera administrativa e
na judicial, com a atuação de variados órgãos que entendam possuir legitimidade de atuação
diante de um fato real lesivo aos usuários.
Antes de analisarmos separadamente cada uma dessas espécies de conflito de
atribuições (na esfera administrativa e na esfera judicial) mister se faz o exame das normas
do Direito que fundamentam a atuação dos órgãos envolvidos.
Nota-se claramente que a atuação dos órgãos mencionados no capítulo anterior é
fundamentada, em nível infra-constitucional, basicamente em duas normas, ou mais
especificamente duas leis federais, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de
Telecomunicações.
Assim, fundamenta sua atuação na Lei Geral de Telecomunicações e na legislação
correlata, a Anatel (órgão regulador).
Por outro lado, fundamentam a atuação com base no Código do Consumidor e legislação
correlata os seguintes órgãos: Ministério Público, Secretaria de Defesa Econômica (DNPC),
Procons, Idec e usuário individual.
Constata-se, dessa forma, um aparente conflito de normas em que, leis distintas
atribuem legitimidade de atuação ante um mesmo fato.
Código de Defesa do Consumidor x Lei Geral de Telecomunicações
O que se verifica no conflito apresentado é uma aparente contradição no ordenamento
jurídico.
Obviamente que, é indiscutível a validade tanto do Código de Defesa do Consumidor
quanto da Lei Geral das Telecomunicações, porém, não podemos nos furtar de observar o
período de criação de cada uma dessas leis e o ordenamento jurídico existente à época.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078) entrou em vigor em 11 de setembro
de 1990. É peça de fundamental importância na sociedade atual, regulando as relações de
consumo e a proteção e defesa do consumidor, caracterizando-se como uma lei de caráter
multidisciplinar ao mesmo tempo que surgiu como um minisistema jurídico, com princípios
próprios.
Dessa maneira, o CDC subverteu alguns princípios tradicionais do Direito Civil, adotando
princípios como a inversão do ônus da prova, tratando de forma desigual as partes desiguais,
sempre em benefício do consumidor que, na maioria das vezes, é parte hipo-suficiente na
relação de consumo.
Por tudo isso, inegável o benefício da legislação consumerista para a coletividade,
entretanto, quando analisamos o Código de Defesa do Consumidor frente ao novo modelo
para a prestação do serviço público de telecomunicações, implantado no país a partir de
1997, não podemos deixar de considerar alguns aspectos atípicos.
Percebemos, de início, que o CDC entrou em vigor em um momento em que era
necessária legitimar certos órgãos para a defesa dos interesses coletivos e difusos. Os
mandamentos de tal diploma legal estipulam responsabilidade dos fornecedores de serviços
em geral, dispondo o art. 14 que:
“ Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos defeitos relativos à
prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e risco.”
Por sua vez, o art. 22 do mesmo instituto legal disciplina a responsabilidade dos
prestadores de serviços públicos, nos termos seguintes:
“ Art. 22 – Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer
serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações
referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os
danos causados, na forma prevista neste Código. ”
A legitimidade de atuação no CDC vem definida no art. 81 que preceitua:
“ Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser
exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.
Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos (...);
II – interesses ou direitos coletivos (...);
III- interesses ou direitos individuais homogêneos (...)
Tem-se assim no CDC, art. 82 a fundamentação legal quanto à legitimidade de atuação
de variados órgãos, quais sejam: O Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios e
o Distrito Federal; as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda
que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e
direitos protegidos por este Código; as associações legalmente constituídas há pelo menos
um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos
protegidos pelo CDC.
Tal legislação, no que tange ao setor de telecomunicações, podia mostrar-se adequada
até o advento do novo modelo de prestação para o STFC, tendo em vista que no momento
em que o CDC entrou em vigor não havia ocorrido a alteração constitucional e infra que
criava um órgão regulador para o setor de telecomunicações, encarregado, entre outras
coisas, de apurar a qualidade dos serviços e as responsabilidades das concessionárias pela
prestação inadequada dos mesmos.
Dessa forma, o CDC (como toda norma genérica) aplica-se aos variados setores de
prestação de serviços existentes na economia e foi elaborado em um momento em que não
havia uma legislação específica para telecomunicações e um órgão regulador (a Anatel) com
atribuições de fiscalização e controle da adequabilidade dos serviços no setor.
Com a reforma operada na legislação de telecomunicações evidencia-se que, a
aplicação dos mandamentos do CDC e a legitimidade dos órgãos do consumidor em exercer
certas atribuições, enfraquecem a atuação do órgão regulador, na medida em que outros
órgãos são legitimados pelo CDC a praticar atos que a nova regulamentação atribui a Anatel.
Evidencia-se assim que as atribuições de órgãos variados previstas no CDC de forma
genérica para todos os serviços públicos, é prevista de forma específica para o setor de
telecomunicações na LGT, quando se enumera as atribuições do órgão regulador.
Caracteriza-se assim uma verdadeira antinomia, por Maria Helena Diniz:
“Antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual
delas deverá ser aplicada ao caso singular.” 5
Caracterizado, assim, o conflito de normas pois, ambas as normas são jurídicas,
vigentes, pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico e emanadas por autoridade
competente.
Além disso, tal situação mostra-se prejudicial e insustentável às concessionárias, à
medida que a imposição concomitante de sanções por órgãos variados causa não só
prejuízos econômicos de monta, mas também cria uma insegurança jurídica que pode inibir
investimentos futuros.
5 Helena Diniz, Maria. Dicionário Jurídico, São Paulo, Saraiva, 1999, 1º vol., p. 19
Aparentemente a solução para tal conflito poderia ter ocorrido quando da edição da Lei
Geral das Telecomunicações, se a mesma tivesse mencionado as funções exclusivas do
órgão regulador e determinasse que, no setor de telecomunicações a aplicação das normas
do CDC referente aos serviços fossem aplicadas apenas subsidiariamente, naquilo que a
LGT fosse omissa.
Podemos concluir que o conflito de atribuições no controle do serviço público de
telecomunicações decorre de um conflito de normas, uma vez que, os variados órgãos que
vem atuando no controle do serviço público de telecomunicações fundamentam sua atuação
em normas distintas (CDC e LGT), válidas e em vigor.
Diante de fundamento legal para atuação no controle do serviço público, esses variados
órgãos vêm impondo a instauração de procedimentos investigatórios e sancionatórios,
fazendo com que um mesmo ato infracional possa ser punido por diversas vezes, gerando
penalidades múltiplas, entendendo todos os órgãos possuir capacidade para tanto.
Resta, pelo exposto, verificarmos como buscar a resolução de tal conflito de atribuições
(e de normas), o que passamos a fazer no capítulo seguinte e derradeiro.
CAPÍTULO V
A RESOLUÇÃO DO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES
Por tudo o que foi narrado até agora, notamos configurada a existência do conflito de
atribuições, uma vez que diferentes órgãos julgam-se aptos a exercer o controle do serviço
público de telecomunicações, na esfera administrativa e na esfera judicial.
Delineou-se ainda, a existência de conflito de atribuições na esfera administrativa (pela
atuação concorrente de diferentes órgãos da administração em procedimentos investigativos
e sancionatórios) e na esfera judicial (através de legitimidade de mais de um órgão para o
ingresso de uma lide).
Assim, mister se faz uma análise em separado das formas de resolução de tais conflitos
em cada uma das esferas (administrativa e judicial).
Conflito de atribuições na esfera judicial
A solução do conflito de atribuições na esfera judicial não apresenta tantas dificuldades
como na esfera administrativa, uma vez que em tal seara, a aplicação das leis processuais
praticamente elucida a questão.
Com efeito, o ajuizamento de qualquer demanda judicial deve obedecer a requisitos
legais de condições da ação, o que importa que, para a proposição de uma medida judicial é
necessário que o proponente tenha interesse e legitimidade.
Em outras palavras, nas causas judiciais o Juiz competente para apreciar a lide irá
examinar, no momento oportuno, se há interesse de agir da parte e mais, se a parte possui
legitimidade ad causam, sendo que, caso o magistrado constate não estar presente qualquer
um desses requisitos, extinguirá o processo sem julgamento de seu mérito.
Assim, em um primeiro momento, há um exame por parte do magistrado para a
verificação da existência da legitimidade do órgão demandante.
Dessa maneira, no caso de ajuizamento de demandas pelo Ministério Público, pelo IDEC
ou outro órgão de defesa do consumidor, será verificada se a hipótese do caso concreto se
adapta às suas atribuições legais, notadamente (no caso de direito do consumidor) será
examinado se há a existência de direitos difusos ou coletivos que fundamentem a atuação de
tais entes.
Evidencia-se que caberá ao magistrado o exame da legitimidade do MP, IDEC ou outra
associação de defesa do consumidor para a verificação da legitimidade dos entes para
patrocínio de lides referentes ao STFC.
Com relação ao MP, fizemos anteriormente alguns comentários que evidenciam que sua
legitimidade de atuação em casos como o dos problemas práticos discutidos deve ser
analisada caso à caso, não sendo irrestrita sua atuação na área de telefonia pois, muitas
vezes não se evidencia a existência de interesses difusos ou coletivos.
Assim, o Juiz encarregado da análise da lide examinará a legitimidade de atuação de
quem ajuíza a demanda, porém, o que pode ocorrer é que, diante de uma mesma situação
fática, dois ou mais órgãos ajuízem medidas judiciais, quase que concomitantemente.
Caso isso venha a ocorrer, a forma de resolução encontra-se também prevista no Código
de Processo Civil. Assim, define o art. 301, § 1º do mencionado diploma legal que quando
uma ação reproduz outra ação anteriormente ajuizada temos a litispendência (se ainda não
houver decisão em nenhum dos feitos) ou a coisa julgada (se algum dos feitos já possuir
sentença transitada em julgado, ou seja, sentença de que não caiba mais recurso).
Constatada a existência de litispendência o juiz da causa ajuizada por último extinguirá
tal feito sem o julgamento de seu mérito, como determina o art. 267, inciso V do CPC.
Poderá ainda o magistrado verificar se não se tratam de ações conexas (reputam-se
conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou causa de pedir, de acordo
com o art. 103 do CPC), hipótese em que poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer
uma das partes, ordenar a reunião das ações, a fim de que sejam decididas
simultaneamente, evitando-se decisões conflitantes.
Sem aprofundar-me nos aspectos referentes à litispendência ou à conexão de demandas
(bem como à não mencionada continência – quando há em duas ou mais ações identidade
de partes e causa de pedir, porém o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das
outras), o que se ressalta, em relação a possíveis conflitos no ajuizamento de demandas é
que, todas as soluções para tais situações encontram-se presentes na lei processual pátria,
motivo pelo qual o assunto, embora de relevância indiscutível, não oferece as dificuldades
que o conflito de atribuições na esfera administrativa apresenta.
Conflito de atribuições na esfera administrativa
Como já mencionado, o conflito de atribuições na esfera administrativa é de difícil
resolução.
De início, de se recordar que tal conflito ocorre pelo fato de diferentes órgãos
entenderem possuir atribuição legal que lhes permita exercer o controle do Serviço
Telefônico Fixo Comutado, o que lhes autorizaria a efetivar a instauração de procedimentos
investigativos e sancionatórios.
Em capítulo anterior explicitou-se quais seriam tais órgãos (Anatel, Ministério Público,
SDE, Procons, etc) e qual a fundamentação legal que cada um deles utiliza para a
justificativa de seus atos. Expôs-se ainda um possível conflito de normas entre o Código de
Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Telecomunicações, restando tão somente apresentar
a forma de resolução dos conflitos constatados.
Pois bem, com relação ao controle de STFC e os problemas práticos expostos, a
resolução encontra-se prevista em dispositivo legal, muitas vezes não obedecido. Com
efeito, o Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Decreto nº 2.338/97)
estipula no parágrafo único do art. 19 que:
“ Parágrafo único – A competência da Agência prevalecerá sobre a de outras entidades
ou órgãos destinados à defesa dos interesses e direitos do consumidor, que atuarão de
modo supletivo, cabendo-lhe com exclusividade a aplicação das sanções do art. 56, incisos
VI, VII, IX, X e XI da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.”
De início, parece restar evidente, portanto, que o dispositivo legal supracitado estabelece
como prevalente a atribuição da Anatel sobre os demais órgãos do consumidor. Na prática,
porém, a situação não se afigura tão simples.
Existem dois argumentos básicos que acabam por comprometer a aplicação e eficácia
do dispositivo acima:
a) Tal dispositivo prevê realmente a competência prevalente da Agência sobre os demais
órgãos de defesa do consumidor, entretanto, ressalva-se o direito de atuação supletiva de
tais órgãos. Assim, sempre que um órgão entender omissiva ou inadequada a atuação da
Agência atuará, supletivamente, respaldando-se legalmente até mesmo em tal disposição
legal;
b) O dispositivo não tem o condão de impedir a atuação de nenhum órgão de defesa do
consumidor pois, o regulamento da Anatel (ainda que seja um Decreto) não pode sobrepor-
se ao CDC (uma lei federal), aliás não houve qualquer revogação do disposto no CDC;
Evidencia-se, dessa maneira, que um dispositivo imaginado pelo legislador/regulador
como sendo apto a resolver uma situação conflituosa, acaba não se prestando a tal
finalidade, deixando o problema sem uma resolução.
De toda forma, embora o dispositivo legal tivesse a clara intenção de afirmar que a
atribuição da Anatel deva prevalecer sobre os demais órgãos, sua redação acabou por
permitir interpretação dúbia, transformando outros órgãos, inclusive, em próprios fiscais do
órgão regulador, na medida em que possuem atuação supletiva, ou seja, atuam em casos de
omissão da Agência.
Assim, diante dos problemas práticos apresentados neste trabalho, entenderam variados
órgãos que a atuação da Anatel era inexistente ou lenta (segundo seu julgamento) e, esses
órgãos deliberaram instaurar procedimentos e impor sanções (definitivas ou provisórias),
respaldados no CDC e legislação correlata.
Embora o dispositivo contido no regulamento da Anatel preveja a preponderância da
atuação do órgão regulador com relação aos demais órgãos que pretendam exercer o
controle do STFC e, embora seja evidente que o setor de telecomunicações disponha de
legislação específica, o conflito não se mostra resolvido pois, os órgãos interessados em
instaurar procedimentos sancionatórios contra as concessionárias permanecerão atuando,
fundando sua atribuição legal no Código de Defesa do Consumidor.
E, sabemos que nas situações verificadas no dia a dia, o conflito tem amplas condições
de continuar prosperando, pois, é pública e notória a ambição de determinados organismos
de tornarem-se os guardiões absolutos da sociedade, sem sequer aguardarem por decisões
técnicas da Agência.
A atuação do MP é exemplificativa da atuação dos órgãos de defesa do consumidor. É
uma atuação voraz, muitas vezes desmedida e que atropela, no caso do setor de
telecomunicações, as atribuições do órgão regulador.
Resta mais do que evidenciado o abuso de determinados órgãos que, no caso específico
deste trabalho, arvoram-se em atribuições (com fundamento no CDC) e alimentam o conflito
de atribuições no controle do STFC.
Todavia, tais órgãos continuarão agindo da maneira como agiram até então, bastando
para comprovarmos tal assertiva citarmos:
“ Registre-se, ainda, o importante papel que esse momento histórico reserva ao Poder
Judiciário e ao Ministério Público. É evidente que a privatização dos serviços públicos
importa numa maior vulnerabilidade dos seus usuários, que só será minimizada se o Estado
dispuser de efetivos mecanismos de controle que impeçam as práticas abusivas, e a tutela
jurisdicional, à falta da atuação das agências responsáveis, mostra-se imprescindível para o
conjunto da sociedade.” 6
6 Revista de Direito do Consumidor nº 33, São Paulo, Ed. RT, p. 235
Como se disse, o órgão regulador corre o risco de passar de regulador para regulado, na
medida em que sua atuação passou a ser objeto de fiscalização por outros órgãos (entre
eles o MP) que julgam seus atos e o acusam de omissão todas as vezes que o resultado de
sua conduta não corresponder ao esperado por esses órgãos “julgadores”.
Vimos assim, que a tentativa do regulador/legislador de implantar dispositivo no
regulamento da Agência tratando da prevalência da atuação da mesma sobre os demais
órgãos não foi suficiente, devendo-se ainda buscar novas formas de resolução do conflito.
A resolução do conflito, portanto, poderia se dar por dois caminhos:
(i) através da aplicação do princípio da especialidade, qual seja, da prevalência das
normas de telecomunicações para o setor, com a atribuição da Anatel para a resolução dos
problemas práticos verificados e a atuação tão somente supletiva dos demais órgãos (tal
caminho, como acima visto, mostrou-se insuficiente e não seguido);
(ii) através da resolução do conflito de normas verificado entre o CDC e a LGT e
legislação correlata. Diante da insuficiência da hipótese acima para a resolução do conflito de
atribuições, resta verificarmos a possibilidade de resolução do conflito de normas.
A solução de antinomias
Para a solução de um conflito de normas antinômicas, e para se saber qual das duas
normas (CDC/LGT) deve ser preferencialmente aplicada aos problemas apresentados, temos
que observar alguns critérios, a saber:
a) critério hierárquico (“lex superior drogat legi inferiori”), que significa dizer que a lei de
nível mais alto (independentemente da ordem cronológica) terá preferência em relação à de
nível mais baixo. Entretanto, no caso em tela tal critério mostra-se insuficiente, tendo em
vista que ambas as normas possuem o mesmo nível hierárquico, são leis federais;
b) critério cronológico (” lex posterio derogat legi priori”), que significa dizer que
prevaleceria a validade da norma editada por último, com relação à norma anterior.
Entretanto, este critério seria usado somente pelos intérpretes da lei, ou seja, pelos juristas,
na medida em que a lei posterior (LGT) não teve o condão de revogar total ou parcialmente a
lei anterior (CDC), permanecendo ambas as leis em vigência.
Assim, este critério somente seria utilizado na interpretação sistêmica do ordenamento
jurídico, que no caso prático seria verificar que o setor de telecomunicações foi objeto de
reforma e da edição de uma legislação posterior específica, que atribuiu novas funções a um
órgão regulador não existente anteriormente e que, implicitamente, retirou tais atribuições de
outros órgãos, porém, por tratar-se de interpretação de normas, tal critério não resolve o
conflito.
c) critério da especialidade (“lex specialis derogat legi generali”) que significa dizer que
uma norma específica para uma matéria prevalece sobre uma norma geral, ou seja, nos
problemas práticos constatados, deveria haver a prevalência da legislação específica para o
setor de telecomunicações sobre a norma geral (CDC).
Entretanto, nenhum dos critérios acima apontados parece ter resolvido a situação de
conflito de atribuições constatado onde há evidente usurpação de competência da Anatel,
com base no Código de Defesa do Consumidor.
Verifica-se, a bem da verdade, um imbroglio. As normas (CDC e LGT) possuem o
mesmo nível hierárquico o que poderia levar a decisão sobre qual a norma prevalente para o
critério da especialidade.
Contudo, o dispositivo legal contido na legislação especial e que resolveria a pendenga
(o regulamento da Anatel) estipulando como prevalecente a atuação da Agência em relação
à atuação dos demais órgãos, é de nível hierárquico inferior ao CDC.
Assim sendo, o regulamento não prevalece sobre o CDC e a situação permanece
conflituosa. Ensina Maria Helena Diniz que:
“ Se não for possível a remoção do conflito normativo, ante a impossibilidade de se
verificar qual é a norma mais forte, surgirá a lacuna de colisão ou de conflito, que será
solucionada por meio dos princípios gerais do preenchimento de lacunas.” 7
CONCLUSÃO
Diante de tudo o que foi exposto, temos que variados órgãos entendem possuir a
atribuição de exercer o controle do serviço telefônico fixo comutado, e, nenhum desses
órgãos aceita abrir mão de suas “atribuições” admitindo a prevalência do órgão regulador no
exercício do controle.
Assim sendo, verificamos que todos esses órgãos alegam possuir respaldo legal para
suas atuações, fundados em diferentes normas.
Vimos que o conflito de normas (entre a legislação consumerista e a legislação de
telecomunicações), na prática, não se resolveu, tendo em vista que mesmo com dispositivo
legal prevendo a supremacia do órgão regulador sobre os demais órgãos que exercem o
controle e a defesa dos consumidores, a situação não se alterou.
Em decorrência de tal quadro, conclui-se que as alternativas até agora existentes
mostram-se insuficientes para a resolução do conflito de atribuições no controle do STFC,
motivo pelo qual, entendo que deve-se buscar uma solução legislativa, para que a situação
7 Helena Diniz, Maria. Conflito de normas, São Paulo, Saraiva, 1998., p. 53
não perdure e se agrave, colocando em risco o modelo de prestação de STFC adotado e a
atuação do órgão regulador.
A Professora Maria Helena Diniz doutrina que:
“ O conflito normativo pressupõe que as normas inconsistentes sejam válidas, logo só
pode ser eliminado pela derrogação, que é uma função normativa consistente na negação da
validade de uma ou de ambas as normas pela edição de outra norma.
A função derrogatória não é de nenhuma das normas conflitantes mas de uma terceira
norma, que prescreve que, na hipótese de haver antinomia, uma ou outra, ou ambas, perdem
a validade”.8
No caso do controle dos serviços de telecomunicações, bastaria que uma lei federal
explicitasse a supremacia do órgão regulador do setor sobre os demais órgãos de defesa do
consumidor ou ainda, caso não se quisesse inovar o ordenamento, bastaria que o
regulamento da Anatel (um Decreto) fosse aprovado como lei ordinária (após todos os
trâmites pertinentes).
Estaria solucionado o conflito de atribuições na medida em que não restaria dúvida para
nenhum ente fiscalizado de que, a Anatel seria o órgão com o condão de instaurar
procedimentos investigativos e impor sanções, entretanto, não há qualquer sinalização por
ora de que esta seja a solução a ser adotada.
Entretanto, o próprio Governo Federal possui consciência de conflitos de atribuições e
sabe que deve resolver tal questão na menor brevidade de tempo possível, estipulando de
maneira definitiva as atribuições de cada órgão e agência.
8 Helena Diniz, Maria. Op. Cit. p.54
Notamos, ainda, que o próprio Estado já detectou a necessidade de uma reformulação,
definindo melhor as atribuições de cada órgão que atue no controle dos serviços públicos (o
que obviamente abrange a área de telecomunicações), evitando-se situações de conflito que
afugentem os investimentos e possam prejudicar as privatizações realizadas e as que ainda
venham a se realizar. Vislumbraram a criação de uma Agência do Consumidor, que é, sem
dúvida, um ponto positivo, na medida em que passaríamos a ter, com relação ao controle do
STFC somente duas Agências atuando na verificação do respeito aos direitos dos
consumidores; a Anatel (órgão regulador) e a ANDC (Agência Nacional de Defesa do
Consumidor).
Em síntese, se foi constatado (através dos problemas práticos apresentados) um conflito
de atribuições no controle do STFC e demonstrou-se que os instrumentos
regulatórios/legislativos existentes mostram-se insuficientes para a resolução de tal conflito, é
alentador notar-se que alguns caminhos estão sendo buscados, objetivando justamente a
solução de tais situações.
Com a atuação de somente dois órgãos as situações de conflito tendem a diminuir e
mesmo os porventura existentes seriam solucionados através de uma reforma legislativa em
que se determinasse que o órgão regulador para um determinado setor tem prevalência de
suas decisões em caso de conflitos de atribuições.
Em conclusão, se o conflito de atribuições é uma realidade que causa cada vez maiores
transtornos aos agentes envolvidos na prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado, as
soluções estão sendo buscadas e a intrincada teia de sobreposição de tarefas e atribuições
por parte de variados órgãos poderá em breve ser resolvida, com alterações legislativas e
com a criação da nova mega Agência (ANDC) a ser criada abrangeria a defesa do
consumidor e da concorrência, e está sendo projetada por representantes da Casa Civil, dos
ministérios da Justiça, da Fazenda e do Planejamento.
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