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CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
BIANCA DOS SANTOS CHAVES
LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS: ASPECTOS JURÍDICOS
MANAUS 2017
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
BIANCA DOS SANTOS CHAVES
LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS: ASPECTOS JURÍDICOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Bacharel em Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM / ULBRA. Orientador: Armando Souza Negrão
MANAUS 2017
BIANCA DOS SANTOS CHAVES
LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS: ASPECTOS JURÍDICOS
TERMO DE APROVAÇÃO
Este Trabalho tem como objetivo a Conclusão de Curso, submetido a
julgamento e posterior aprovação para obtenção do título de Bacharel
no Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus.
Banca Examinadora:
____________________________________ Orientador
CEULM
____________________________________ Prof. (a) CEULM
___________________________________ Prof. (a) CEULM
Manaus: _____/_____/_____.
AGRADECIMENTOS
Ao Deus da minha vida, que eu acredito, por ter me dado existência e a
Nossa Senhora Aparecida, a quem eu sou devota por me permitir conquistar novos
objetivos.
Agradecer minha mãe, Graciete Chaves e meu pai Alcebiades
Gaiôso, pelo carinho, dedicação, atenção, compreensão e acima de tudo apoio para
que eu pudesse ir em busca das minhas vitórias.
À minha família, fazerem parte desse momento tão importante que é o
final de uma etapa da minha vida, a minha irmã Bruna e minhas avós por
participarem desse momento tão esperado por todos nós.
Aos professores Ingo e Rubens, em especial ao orientador Armando
Negrão, pela disponibilidade e pelo carinho que se dedica ao seu trabalho.
Aos amigos de graduação, pela amizade e pelo incentivo ao decorrer do
curso.
A todos, que de certa forma contribuíram para a conclusão desta etapa.
RESUMO
O Objetivo Geral da presente monografia é analisar a Lei nº 8.072 de1990, de Crimes Hediondos, suas alterações, complexidades, seus aspectos e a Progressão de Regime trazida pela Lei nº 11.464, de 2007. Já os Objetivos Específicos são: Estudar os pressupostos, requisitos e espécies de livramento condicional; Destacar as principais características dos crimes hediondos; Determinar em que situações o livramento condicional poderá ser aplicado aos crimes hediondos, bem como o rigor da legislação com relação aos autores desse tipo de crime e a evolução doutrinária e jurisprudencial que culminou na edição de leis mais benéficas. A metodologia é o processo pelo qual se atinge este objetivo. É o caminho a ser trilhado para produzir conhecimento científico, dando as respostas necessárias de como foi realizada a pesquisa, quais métodos e instrumentos utilizados, bem como as justificativas das escolhas. O instituto do livramento condicional há mais de um século não recebeu qualquer atenção legislativa no sentido de adequá-la a nova dinâmica de execução penal construída a partir da Constituição Federal de 1988, assim como se verifica nas demais normas de direito, em especial as atinentes à execução de pena. Dessa forma, entende-se que tal norma que prescreve a perda de todos os dias do período de prova não fora recepcionada pela nova ordem Constitucional no seu aspecto material. Visto que não se leva em consideração o período em que o apenado cumpriu satisfatoriamente as suas obrigações. Apenas, com base na literal disposição legal, sem nenhum parâmetro de proporcionalidade, desconsidera todo o período em que esteve no gozo de livramento, pois é suficiente para subsunção total do ato às normas que regem o instituto do livramento condicional.
Palavras-chave: Livramento condicional; Crimes hediondos; Pena.
ABSTRACT
The General Objective of this monograph is to analyze Law No. 8,072 of 1990 on Hedged Crimes, its changes, complexities, its aspects and the Regime Progression brought by Law No. 11,464 of 2007. The Specific Objectives are: To study the assumptions, requirements and species of conditional release; Highlight the main characteristics of heinous crimes; Determine in what situations conditional release can be applied to heinous crimes, as well as the strictness of the legislation regarding the perpetrators of this type of crime and the doctrinal and jurisprudential evolution that culminated in the edition of more beneficial laws. Methodology is the process by which this goal is achieved. It is the path to be taken to produce scientific knowledge, giving the necessary answers of how the research was carried out, what methods and instruments used, as well as the justifications of the choices. The institute of conditional release for more than a century has not received any legislative attention in order to adapt it to the new dynamics of criminal execution built from the 1988 Federal Constitution, as it is verified in the other rules of law, especially the pertinent ones to execution of sentence. Thus, it is understood that such rule that prescribes the loss of every day of the probationary period was not received by the new Constitutional order in its material aspect. Since it does not take into account the period in which the victim has satisfactorily fulfilled his obligations. Only on the basis of the literal legal provision, without any parameter of proportionality, does it disregard the whole period in which it was in the enjoyment of release, since it is sufficient for total subsumption of the act to the norms that govern the institute of conditional release.
Keywords: Conditional release; Heinous crimes; Feather.
SUMÁRIO
I INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9
2 PENA: ASPECTOS GERAIS ................................................................................. 11
2.1 Conceito e os principais aspectos da pena .................................................... 11
2.2 Finalidades da pena .......................................................................................... 18
2.3 Sistema penitenciário ....................................................................................... 20
3 CRIMES ................................................................................................................. 26
3.1 Conceito de crime ............................................................................................. 26
3.2 Da composição do crime e seus elementos ................................................... 28
3.3 Da sociologia criminal e criminologia ............................................................. 30
3.4 Do criminoso e da ação criminosa .................................................................. 32
3.5 Das diferentes personalidades ........................................................................ 33
3.6 Crimes hediondos ............................................................................................. 34
4 LIVRAMENTO CONDICIONAL ............................................................................. 36
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 42
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 44
9
I INTRODUÇÃO
A Lei dos Crimes Hediondos foi editada em 1990 trazendo em seu corpo
uma série de normas aos condenados pela prática desses crimes, as quais eram
muito mais rigorosas, comparadas às demais normas do Código Penal. Dentre tais
regras, destaca-se o cumprimento da pena em regime integralmente fechado (art. 2º,
§1º, da Lei n. 8072/90).
Desde então, tal dispositivo passou a ser alvo de críticas por parte da
doutrina e da jurisprudência, principalmente por se entender que esse regramento
vai de encontro ao princípio da individualização da pena, consubstanciado no art. 5º,
inciso XLVI, da Constituição Federal. Individualizar a pena consiste em dar ao preso
a oportunidade de reinserir-se na sociedade, através de mudança no
comportamento, ressocializando-se. Porém, da maneira como estava disposto na
Lei n. 8.072/1990 esta possibilidade inexistia para os crimes hediondos.
Após a Lei n. 11.464/2007, restou evidente a possibilidade de progressão
de regime prisional dos crimes hediondos, quando atendidos os requisitos objetivos,
presentes no art. 2º, §1º, da Lei n. 8.072/1990, e subjetivos, presentes no art. 112,
da Lei n. 7.210/1990, passando-se assim a adequar a norma vergastada ao sistema
adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro que é o penitenciário progressivo.
O tema em debate mostra-se de fundamental relevância no âmbito
acadêmico e social, uma vez que abordar temáticas mais rigorosas, como é o caso
dos crimes hediondos, revela-se como uma necessidade da nossa sociedade, em
virtude de tais crimes terem uma maior lesividade e repercussão, merecendo uma
maior reprovação do Estado. No entanto, não se deve considerar qualquer crime
desumano ou cruel, mas apenas aqueles crimes que o legislador elencou como
hediondo em uma relação categórica.
É indiscutível que a opinião pública colabora para a execução da lei de
crimes hediondos, e em suas variações no decurso do tempo, no entanto, salienta-
se que isso é consequência de cada momento histórico, tendo que a lei se adequar
ao período em que vige, para não ser ultrapassada e cair em desuso.
Atualmente esta lei foi abrandada, possibilitando o livramento condicional
sem dentre outros benefícios, contudo, revela-se que esta alteração não surgiu de
um avanço social, isto é, pela redução de crimes desta natureza, nada obstante, tais
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crimes ainda estão altamente presentes e esse “alívio” não beneficia em nada ao
enfrentamento desses crimes, não podendo o problema carcerário ser justificativa
para essa alteração na lei.
Assim, resta um momento de grande reflexão, uma vez que diversos
crimes hediondos estão ocorrendo no nosso meio, para entender os propósitos que
levaram o legislador ordinário a retirar a impossibilidade da concessão de livramento
condicional, omitindo-a do texto, não parecendo justo com a sociedade e um pouco
utópico achar que tais mudanças representam um avanço e que irá interferir na
diminuição da prática de tais delitos.
O Objetivo Geral da presente monografia é analisar a Lei nº 8.072
de1990, de Crimes Hediondos, suas alterações, complexidades, seus aspectos e a
Progressão de Regime trazida pela Lei nº 11.464, de 2007.
Já os Objetivos Específicos são: Estudar os pressupostos, requisitos e
espécies de livramento condicional; Destacar as principais características dos crimes
hediondos; Determinar em que situações o livramento condicional poderá ser
aplicado aos crimes hediondos, bem como o rigor da legislação com relação aos
autores desse tipo de crime e a evolução doutrinária e jurisprudencial que culminou
na edição de leis mais benéficas.
A metodologia é o processo pelo qual se atinge este objetivo. É o
caminho a ser trilhado para produzir conhecimento científico, dando as respostas
necessárias de como foi realizada a pesquisa, quais métodos e instrumentos
utilizados, bem como as justificativas das escolhas.
Utilizando-se a classificação de Marconi e Lakatos (2014, p. 116), tem-se
que o método de abordagem a ser adotado será o dedutivo, que tem como definição
clássica ser aquele que parte do geral para alcançar o particular, ou seja, extrai o
conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a “hipóteses concretas”.
Tomando ainda por referência a classificação dos referidos autores será
adotada a seguinte técnica de pesquisa neste projeto: documentação indireta – com
observação sistemática, abrangendo a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e
secundárias (doutrinas em geral, artigos científicos, dissertações de mestrado, teses
de doutorado, etc.), além de documentação oficial (projetos de lei, mensagens, leis,
decretos, súmulas, acórdãos, decisões, etc.).
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2 PENA: ASPECTOS GERAIS 2.1 Conceito e os principais aspectos da pena
A cada dia que passa, a humanidade desvenda novas necessidades e
alcança novos objetivos. Estas transformações ocorrem em todas as áreas do
conhecimento humano, e entre elas, na ciência jurídica. O Direito é dinâmico.
Acompanha a desenvolvimento da sociedade, adaptando-se às suas celeumas.
Dentro dos ramos do Direito, encontramos no Direito Penal o modelo fiel e legítimo
de adaptação social.
Diante desse fato, os legisladores tentam suprir no máximo as
necessidades do presente, mas visando o futuro, com isso tem que estudar seus
anseios, suas revoltas, seus atos violentos, a criminalidade. Bem como, encontrar
formas de prevenir e combater a criminalidade através da aplicação justa de uma
penalidade.
Como bem jurídico a ser tutelado pelos dispositivos legais, a liberdade é
um direito fundamental assegurado pela Constituição Brasileira (1988), em seu
artigo 5º, e inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei;”.
Além de um fenômeno social, o delito é na realidade, um episódio na vida
de um indivíduo. Não podendo, portanto, ser dele destacado e isolado, nem mesmo
ser estudado em laboratório ou reproduzido. Não se apresenta no mundo do dia-a-
dia como apenas um conceito, único, imutável, estático no tempo e no espaço. Ou
seja: "cada delito tem a sua história, a sua individualidade; não há dois que possam
ser reputados perfeitamente iguais." Evidentemente, cada conduta criminosa faz
nascer para as vítimas, resultados que jamais serão esquecidos, pois se delimitou
no espaço a marca de uma agressão, seja ela de que tipo for (moral; patrimonial;
física; etc...).
A reflexão filosófica sobre a pena é parcialmente um efeito na
compreensão de um castigo. Uma geração de sociólogos, criminólogos e penalistas
se desencantou com os efeitos de reabilitação (como medida para reduções na
reincidência de infrações) de programas realizados em prisões destinadas a esse
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fim. Isto levou ao ceticismo sobre a possibilidade da própria finalidade da
reabilitação no âmbito da filosofia penal existente. A estes foram adicionados
ceticismo sobre os efeitos de dissuasão de punição (seja especial, que visa o
infrator, ou geral, destinada ao público) e como um objetivo eficaz para prosseguir
no castigo. Essa ideia de apenas dois possíveis objetivos racionais para prosseguir
na prática da punição sob a lei: defesa social através encarceramento, e
retributivismo fez com que os defensores de políticas públicas insistissem que a
melhor coisa a fazer com os condenados era para aprisioná-los, na crença de que a
maneira mais econômica para reduzir a criminalidade era incapacitar reincidentes
conhecidos através de encarceramento, ou até mesmo a morte (GRECO, 2009).
Ao tempo em que o entusiasmo para o encarceramento foi crescendo a
insatisfação com a pena de prisão indeterminada - crucial para qualquer esquema
de reabilitação por causa do critério que concede as penas - por razões de equidade
levou os analistas de política de pesquisa para uma outra abordagem. A equidade
na sentença parecia mais provável ser alcançável se uma sentença penal fosse
determinada em vez de duração indeterminada (Allen, 1981). Mas mesmo a
condenação determinada não seria justa a menos que as penas que fossem o que
os condenados mereciam. Assim nasceu a doutrina dos "desertos justos" na
sentença, o que efetivamente combina as duas ideias. Por esta via os objetivos de
incapacitação e retribuição veio a dominar e, em alguns trimestres substituem
completamente os objetivos de reabilitação e de dissuasão em as mentes de
políticos e teóricos sociais.
Paralelamente a estes desenvolvimentos amplamente sócio legais,
filósofos estavam criando seus próprios argumentos, revivendo vistas clássicas
associadas com Kant e Hegel, que estabeleceram duas ideias principais que se
encaixam surpreendentemente bem com aquelas pontuadas anteriormente. Em
primeiro lugar, os filósofos solicitaram que a reforma de condenados, não tivesse o
objetivo, ou mesmo um objetivo subsidiário entre vários, da prática de punição. Além
de ser um objetivo prático, é moralmente defeituoso por dois motivos: Ele não
respeita os apenados despreza os infratores e dá a eles o direito de ser punido pelo
delito intencionalmente causado (BITENCOURT, 2001). Em segundo lugar, a justiça
ou equidade na punição é a tarefa essencial da sentença, e uma pena só ocorre a
partir da culpabilidade do ofensor e o dano causado pelo crime a vítima e a
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sociedade (GRECO, 2009). Em suma, apenas a punição é punição
retributiva. Filósofos chegaram a essas conclusões porque eles argumentaram que
havia aspectos retributivos irredutíveis a punição - na própria definição da prática,
nas normas que regem a justiça na punição e no propósito de prática também.
Foucault (2002) apresenta a prática da punição sob a lei como sujeito a
forças gerais da sociedade que refletem as formas dominantes de poder social e
político - o poder para ameaçar, coagir, suprimir, destruir, transformar - que
prevalecem em qualquer época. E ele também cultivou uma profunda desconfiança
para com as alegações de que a sociedade contemporânea tinha humanizado
significativamente as formas de punição por abandonar a brutalidade corporal
selvagem que prevaleceu nos velhos tempos, em favor do sistema carcerário de
concreto e aço escondido da era moderna.
Foucault surgiu a partir de uma abordagem histórica, sócio-econômica, e
psicodinâmica da punição. Objetivos professos de punição, normas que restringem o
uso do poder na busca desses objetivos, a aspiração pela justiça na punição - tudo
isso, se Foucault, vir a mascarar outras (não necessariamente consciente) intenções
entre reformadores que desmentem a ostensiva racionalidade (para não dizer
racionalização) de seus objetivos desde o Iluminismo. Assim, o movimento contra a
pena capital no final do século XVIII, não é para ser explicada (ou, provavelmente,
justificada) pela influência de cálculos utilitaristas racionais conscientes do tipo que
Beccaria e Bentham argumentaram lhes tinha convencido a opor-se à pena de
morte.
Duas características, pelo menos, de explorações de Foucault para a
prática do castigo na sociedade ocidental merecem menção aqui. Primeiro, ele
ignorou as distinções analíticas que os filósofos na tradição anglo-americana tinham
se familiarizado. Nenhum filósofo desempenha qualquer papel visível na sua
percepção da teoria ou a prática de punição. Alguns intérpretes podem não só
reconhecer isso, eles vão mais longe e afirmam que Foucault não oferece pontos de
vista filosóficos sobre a punição em tudo - porque a análise conceitual e normativa e
a busca de princípios em que a política de descanso são a melhor forma obscura e
indiretamente perseguida em seus escritos. Em vez disso, assim que esta
interpretação declara, ele é apenas um comentador social (ou alguma outra forma
de humanista crítico). Mas esta interpretação deixa de fazer-lhe justiça. Pontos de
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vista de Foucault são, pelo menos em parte, inegavelmente filosóficas. Não só eles
emitem reivindicações que não são obviamente hipóteses empíricas testáveis,
envolvem reflexões de grande escala sobre e reinterpretações da natureza humana,
as instituições públicas e no ponto de práticas punitivas (FOUCAULT, 2002).
Em segundo lugar, Foucault implicitamente desafia a própria ideia de
qualquer forma de justificação da prática da punição. Ele é, à sua maneira, um
pensador paradigmático cujas opiniões sobre a punição pode ser chamada de anti-
fundamentalista. O que emerge da sua obra é a visão de que o que passa para a
justificação de punição (como com qualquer outra prática social) está
indissoluvelmente amarrada com suposições, crenças - em suma, com a ideologia -
que não têm fundamento racional independente. A própria ideia de que as
instituições penais podem ser justificadas é suspeita, auto-ilusória. Foucault mais do
que qualquer outro pensador recente que tem refletido sobre as instituições da
punição na sociedade ocidental, trouxe historicista, anti-analíticos, e convicções anti-
fundacionistas juntas, semeando assim profunda incerteza sobre como e até mesmo
se aborda a tarefa de punição.
Em todos estes aspectos, Foucault deve ser visto como o sucessor
moderno para Friedrich Nietzsche - Foucault do grande predecessor embora não
reconhecida na filosofia da punição. Mais do que qualquer pensador antes ou
depois, Nietzsche entendeu que a maneira de punição é sobre determinada pelas
concessionárias de todo tipo e sobrevive agora sob esta, agora sob a interpretação
de seus propósitos - porque o desejo de punir (e, assim, subordinar, coagir,
transformar) outras pessoas é tão profundamente enraizado na natureza humana
(NIETZSCHE, 1997, apud, FOUCAULT, 2002).
Definir o conceito de pena deve ser mantida distinta de justificar a
punição. A definição de pena é, ou deveria ser, de valor neutro, pelo menos a ponto
de não incorporar quaisquer normas ou princípios que tendem a justificar tudo o que
recai sob a própria definição. Para colocar isso de outra forma, a pena não deve ser
suposta e nem ser justificada, ou mesmo parcialmente justificada, embalando a sua
definição de uma forma que praticamente garante que o que conta como punição é
automaticamente justificada.
Justificando a prática ou instituição de punição deve ser mantida distinta
de justificar qualquer ato de punição. Por um lado, é possível ter uma prática de
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punição - um sistema de ameaça autorizado e legítimo - pronto e esperando, sem ter
qualquer ocasião de infligir o castigo ameaçado de ninguém (porque, por exemplo,
não há crimes ou não condenado e sentenciado criminosos). Por outro lado, o
subsídio deve ser feito para a possibilidade de que a prática da punição pode ser
justificada, mesmo que um determinado ato de punição - uma aplicação da prática -
não é. A pena é uma sanção penal decorrente da prática de um crime.
Greco (2009) destaca que a pena é consequência natural imposta pelo
Estado quando alguém comete uma ação típica, ilícita e culpável (conceito analítico
de crime), abrindo a possibilidade para o Estado fazer valer seu poder/dever de
punir, observando sempre os princípios constitucionais.
Por não ser o escopo da presente pesquisa, a análise aprofundada do
conteúdo de cada elemento para a configuração do crime não será realizada.
As penas podem ser: privativas de liberdade, restritivas de direitos e
multa.
O autor supracitado ensina ainda que na antiguidade a privação de
liberdade como sanção penal não existiu, servindo apenas como guarda do réu até o
julgamento, havendo como sanção penal, as penas de morte, corporais e
infamantes.
Na antiguidade não havia a privação de liberdade como sanção penal,
existia, no entanto, salas de suplícios para a pena de morte. Neste longo período
histórico também se recorriam às penas corporais (mutilações e açoites), segundo
Foucault (2002, p. 41) “o suplício judiciário deve ser compreendido também como
ritual político”, pois através dos espetáculos realizados em praça pública, o Judiciário
manifestava seu poder.
Durante séculos a prisão era utilizada com a finalidade de contenção e
custódia do preso, que esperava em condições subumanas a sua execução ou era
usada como meio de reter os devedores até que pagassem suas dívidas, assim o
devedor ficava à disposição do credor como seu escravo a fim de garantir o seu
crédito (BITENCOURT, 2001).
Nos tempos medievais a Lei Penal tinha como principal objetivo provocar
o medo coletivo, nesta época a pena continuava com a finalidade de custódia,
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aplicável àqueles que seriam submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por
um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas.
As sanções estavam submetidas aos arbítrios dos governantes. Mas
nesta época, surgiu a prisão de Estado, para recolher os inimigos do poder, real ou
senhorial, que tivessem cometido delitos de traição. Dividido em duas modalidades:
1) Prisão de Custódia, onde o réu espera a execução da pena, como por exemplo, a
morte, o a açoite; 2) Detenção Temporal, onde era perpetua ou até receber o perdão
real.
Bitencourt (2001) pontua ainda que neste mesmo período surgiu a prisão
eclesiástica que se destinava aos clérigos rebeldes e respondia às ideias de
caridade e fraternidade da igreja, dando ao internamento um sentido de penitência e
meditação. Segundo Foucault (2002), a punição como o suplício, com passar do
tempo, deixou de ser espetáculo, e o supliciado se tornou objeto de pena e
admiração por suportar todo o processo de seu suplício. Greco (2009) assinala que
a pena privativa de liberdade foi um avanço na história das penas. Com a prisão
canônica, criada para aplicação em alguns casos dos membros do clero, fazendo
com que se recolhessem às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação
e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se com Deus.
Na Idade Média, a privação da liberdade como custódia e não como pena
prevalece, tendo a lei penal o objetivo do medo coletivo através de barbáries
sangrentas, verdadeiros espetáculos para as multidões.
Sobre as atrocidades diante da coletividade, Bitencourt (2003, p.192)
aduz que “fazem da execução pública mais uma manifestação de força do que uma
obra de justiça; ou antes, é a justiça como força física, material e temível do
soberano que é exigida”.
Segundo pontua Bitencourt (2003), na Idade Média surgiu a prisão de
Estado e a prisão eclesiástica, a primeira destinada aos inimigos do poder, que
cometeram traição ou mesmo por serem adversários políticos, e a segunda,
reservada aos clérigos rebeldes. Ambas as prisões, foram as precursoras a se
destinarem ao cumprimento de penas. Nos séculos XVI e XVII, a pobreza se
estende pela Europa. Os miseráveis para sobreviverem utilizam-se das esmolas,
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roubos e assassinatos, iniciando-se, um movimento de transcendência com a
criação de prisões destinadas à correção dos infratores.
Com o Iluminismo, pelas ideias de Beccaria (apud Greco, 2009), em sua
obra, “Dos Delitos e das Penas” de 1764, começou a ecoar a voz de indignação com
relação ao tratamento dado aos seres humanos por seus semelhantes, sendo este o
marco para mudança de mentalidade quanto à cominação de penas, havendo hoje
maior preocupação com a integridade física e mental dos condenados.
A igreja teve a consciência que deveria ser aplicado na sociedade civil,
inspirando a prisão moderna, as primeiras penitenciarias e clássicos sistemas
penitenciários como o celular e o auburniano. Durante a idade moderna entre os
séculos XVI e XVII a pobreza se abateu e se estendeu por toda Europa. As guerras
religiosas acabaram com parte da riqueza da França. Vitimas da escassez
subsistiam das esmolas, roubo e assassinatos. E o problema espalhou por toda
Europa, “e claro que por razões de política criminal era evidente que, ante tanta
delinquência, a pena de morte não era uma solução adequada, já que não podia
aplicar a tanta gente” (BITENCOURT, 2001, p. 15).
Conforme ensinamentos de Bitencourt (2001), o protesto contra os
suplícios foi encontrado em toda parte na segunda metade do século XVI, tornando-
se intolerável pelo povo. A crise da pena de morte deu origem a pena privativa de
liberdade, que demonstrava ser o meio mais eficaz de controle social. A pena
passou ser a prisão de reclusão, trabalho forçado, a servidão, interdição de domicílio
e a deportação, com a finalidade de reformar os delinquentes.Surgem casa de
trabalho na Inglaterra, em Worceter no ano de 1697 e Dublin, com notável êxito
alcançado em pouco tempo, se estendeu por vários lugares da Inglaterra. No fim do
século XVIII já havia vinte e seis prisões.
Greco (2009, p. 553), salienta que “em Amsterdam em 1596, criaram-se a
casa de correção para homens, Rasphuis que se destinava a tratar a pequena
delinquência”. Para os crimes mais graves ainda aplicavam-se outras penas, como
açoite, pelourinho etc. Criaram-se também “a Spinhis para as mulheres e em 1600,
uma seção especial para jovens”.
As penas privativas de liberdade constituem o núcleo central de todos os
sistemas punitivos do mundo contemporâneo. De acordo com o que preleciona
18
Zaffaroli (2002, p. 79) “quando a prisão se converteu na principal resposta
penalógica, a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser o meio adequado
para conseguir a reforma do delinquente”. Esse otimismo inicial desapareceu, e
atualmente predomina uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças
sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional.
Mas também não pode-se pensar que a pena privativa de liberdade surgiu
só porque a pena de morte estava em crise. Uma das causas de grande importância
foi a razão econômica, com a crise da época, o confinamento adquiriu outro sentido.
Usando a mão-de-obra dos reclusos para a prosperidade geral, uma vez que a pena
consistia em trabalho pesado, visando alcançar a maior produtividade possível.
Portanto não se pode afirmar que a prisão surgiu com o impulso de um ato
humanitário, com o objetivo exclusivo de obter a reforma do delinquente.
2.2 Finalidades da pena
O atual CPB, em seu Artigo 33, prevê como espécies de penas privativas
de liberdade, a reclusão e detenção, podendo aquela ser executada sob o regime
fechado, semiaberto ou aberto, e esta somente sob o regime semiaberto e aberto,
sendo a mais marcante diferença entre as espécies.
A modernidade, com suas redes burocráticas, trouxe um sistema penal
codificado e rígido, servido de instituições, organizações e atores próprios, que
muitas vezes em importantes áreas da política criminal. Destacado crítico do regime
punitivo tradicional e ícone da criminologia crítica, Alessandro Baratta refuta a
possibilidade da pena privativa de liberdade, na modernidade, cumprir a sua
declarada função, já que, na sua concepção, ressocialização e capitalismo não
andam juntos:
A prisão surgiu como uma necessidade do sistema capitalista, como um instrumento eficaz para o controle e a manutenção desse sistema. Há um nexo histórico muito estreito entre o cárcere e a fábrica. A instituição carcerária, que nasceu junto com a sociedade capitalista, tem servido como instrumento para reproduzir a desigualdade e não para obter a ressocialização do delinquente. A verdadeira função e natureza da prisão está condicionada a sua origem histórica de instrumento assegurador da desigualdade social [...] O sistema penal facilita a manutenção da estrutura vertical da sociedade, impedindo a integração das classes baixas,
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submetendo-as a um processo de marginalização [...] A estigmatização e o etiquetamento que sofre o delinquente com sua condenação tornam muito pouco provável sua reabilitação (BARATTA, 2003, p. 103).
Pelo Artigo 43 do CPB, as penas restritivas de direitos são: I - prestação
pecuniária;
II - perda de bens e valores;
III – (Vetado);
IV - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
V - interdição temporária de direitos;
VI - limitação de fim de semana.
A pena de multa é de natureza pecuniária, devendo o juiz se ater a
situação econômica do réu de acordo com o Artigo 60 do CPB, sendo considerado
em seu cálculo o sistema de dias-multa de acordo como o § 1º do mesmo Artigo.
Sobre a finalidade da aplicação das penas, Prado (2002) reforça as
seguintes teorias: Teoria Absoluta, para qual a pena é retributiva para compensar o
mal causado pelo agente ao praticar o crime, sendo o efeito preventivo alheio a sua
essência; Teoria Relativa, segundo a qual a pena possui finalidade preventiva, seja
através da prevenção geral, que objetiva, por meio da punição, que sirva de
exemplo, evitar futuras ações criminosas dos demais indivíduos, bem como, pela
prevenção especial, através da qual, pela punição, evita-se a reincidência do agente
punido. Predominante na atualidade é a Teoria Unitária ou Eclética, que concilia os
fins da retribuição e das prevenções geral e especial.
Todavia, hodiernamente, não apenas a retribuição e a prevenção são os
escopos das penas. Há a intenção da aplicação humanizada das mesmas,
principalmente com a humanização do sistema penal, valorizando o agente apenado
como ser integral, resgatando valores e o transformando para o retorno de forma
harmoniosa e pacífica à sociedade.
Neste sentido, indubitável é a importância das penas como forma punitiva
e preventiva dos crimes, contudo, não se pode perder de vista a necessidade de
recuperação do apenado para seu retorno ao meio social, pois, mais cedo ou mais
20
tarde este cumprirá sua pena e deixará o cárcere, sendo um homem melhor ou pior,
dependendo do tratamento a que foi submetido.
2.3 Sistema penitenciário
Segundo Tácito (2003), o modelo de Estado implantado, no pós-guerra,
principalmente na Europa, representou um certo avanço social, reconhecidamente
eficaz por um período significativo, no sentido de atingir os objetivos de sua
existência: assegurar a proteção social e reduzir as desigualdades.
O Estado de Bem-Estar (Welfare State), Estado Social, ou Estado de
Providência, aqui tratado em sentido estrito, pode ser definido como um modelo de
Estado que tem por objetivo garantir condições mínimas de alimentação, saúde,
habitação, educação, que devem ser assegurados a todos os cidadãos não como
benesse, mas como direito inerente ao fato de ser cidadão (BERTOTTI, s.d.).
Apesar de haver variações nestes modelos estatais, identifica-se um
núcleo comum, que identifica o Estado Social, de Bem-Estar-Social ou Providência,
no sentido de assegurar ao cidadão uma vida protegida dos riscos sociais, variando,
no entanto, a intensidade e a amplitude dessa proteção.
Estas formas de Estado têm a sua consolidação ligada diretamente ao
constitucionalismo contemporâneo, que teve seu início com a constituição mexicana
de 1917, e a constituição de Weimar, da Alemanha de 1919.
O desenvolvimento desse modelo de Estado está intimamente
relacionado ao processo de industrialização e aos problemas sociais gerados a partir
dele. A Grã-Bretanha foi um país que se destacou na construção de mecanismos de
proteção social com a aprovação, em 1942, de uma série de Leis, com providências
nas áreas da saúde e escolarização. Nas décadas seguintes, outros países
seguiriam o seu exemplo (LAPORTA, 2011).
O mesmo autor corrobora ainda que ocorreu também uma grande
ampliação dos serviços assistenciais públicos, principalmente, nas áreas de renda,
habitação e previdência social. Paralelamente à prestação de serviços sociais, o
Estado do Bem-Estar passou a intervir fortemente na área econômica, atividades
produtivas a fim de assegurar a geração de riquezas materiais junto com a
diminuição das desigualdades sociais.
21
Segundo Laporta (2011), pode-se afirmar que o que distinguiu o Estado
do Bem-Estar de outros tipos de Estado não foi somente a intervenção estatal na
economia e nas condições sociais com o objetivo de melhorar os padrões de
qualidade de vida da população, mas principalmente o fato dos serviços prestados
serem considerados direitos dos cidadãos, que nesta concepção deveria ser
protegido pelo Estado contra os riscos sociais.
Boaventura de Souza (1994 apud BOFF, 2000), identifica quatro
elementos estruturais que estão na base do desenvolvimento do Estado
Providência:
Primeiro, um pacto social entre o capital e o trabalho sob a égide do Estado, cujo objetivo último é compatibilizar democracia e capitalismo; segundo, uma relação sustentada, mesmo se tensa entre duas tarefas do Estado potencialmente contraditórias: a promoção da acumulação capitalista e do crescimento econômico e a salvaguarda da legitimação; por terceiro, um elevado nível de despesas no consumo social; quanto uma burocracia estatal que internalizou os direitos sociais como direitos dos cidadãos, em vez de benevolência estatal.
Com o aprofundamento e a incorporação de novos elementos,
apareceram também novos riscos sociais, entre eles: o envelhecimento da
população e a consequente diminuição da população ativa; a maior participação das
mulheres no mercado de trabalho que resultou uma crescente necessidade de
serviços sociais de proteção a infância, o progresso tecnológico que contribuiu
inegavelmente para o desemprego de longa duração e o subemprego.
O Estado de Bem Estar Social passou a apresentar problemas de
estrutura, pois deixou de ter apenas a obrigação de cobrir doenças, desemprego e
terceira idade; e passou a assumir desemprego de longa duração, proteção ao meio
ambiente e desenvolver políticas públicas capazes de reduzir as desigualdades
econômicas e sociais decorrentes do capitalismo vigente.
Diante desse contexto, deu-se início as crises que já aguardavam para
eclodir, e ainda no final da década de sessenta do século XX, começaram a ser
constatadas, do ponto de vista estrutural, conceitual, institucional e funcional.
A falta de recursos para que o Estado de Bem Estar Social cumprisse seu
papel e as atuais demandas da sociedade, levou ao questionamento da viabilidade
desse modelo de Estado e até que ponto o mesmo poderia ser reduzido.
Para que esse modelo de Estado se sustentasse, era imprescindível, pois
que o interesse coletivo viesse a se sobrepor ao particular, e que os atores sociais
22
agissem sempre dentro de um sentimento de comunidade, com a redução da
desigualdade, e que os recursos fossem direcionados de forma universal o toda a
coletividade.
Esse cenário de crise, como era esperado, permitiu o surgimento de
novas concepções em sentidos diretamente opostos aos do Estado de Bem Estar
Social, que a uma velocidade impressionante foi ganhando força no plano
internacional e concomitantemente foi apontando caminhos novos, trata-se do que
se convencionou chamar de “ideário neoliberal”.
No dizer Braga (2010), nesse novo cenário, o mercado assumiria o papel
de regulador das relações econômicas e sociais, outrora ocupadas pelo Estado, e
este reduziria seu tamanho de tal forma que não representasse um ônus significativo
àquele.
A ideia do Estado mínimo, certamente, também colaborou para o
crescimento do fenômeno da globalização, o qual produziu uma mudança radical
das relações econômicas e desenhou um duro cenário no campo social, pois
sustentada no consenso econômico neoliberal, cujas principais inovações
institucionais são: restrição a regulação estatal na economia; novos direitos de
propriedade internacional para investidores estrangeiros, inventores e criadores de
inovações suscetíveis a serem objeto de propriedade intelectual; subordinação dos
Estados a agências multilaterais, tais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Isso tudo constituiu-se numa forma deliberada, sem precedentes, de
concentração de rendas e aprofundamento das desigualdades entre os países e
dentro deles. O Estado no mundo globalizado abandona seus cidadãos à liberdade
negativa de uma competição mundial e limita-se a colocar à disposição infraestrutura
para fomentar as atividades empresariais.
Mas, para Braga (2010), há de se reconhecer que um componente que
agravou ainda mais o processo de exclusão social foi a deliberada opção de se
combater o déficit público em detrimento de investimentos que estivessem aptos a
minimizar os efeitos decorrentes de novos riscos sociais, muitos deles advindos do
modelo de globalização que foi se consolidando, exclusivamente, do aspecto
econômico.
Em vista disso, vivemos um momento de transição, pois se de um lado o
modelo do Estado de Bem Estar Social entrou em crise, por outro o modelo, que
23
Braga (2010) denominou de “Fundamentalismo no mercado” também vive hoje uma
crise aguda e letal. A insegurança causada leva a discussão e busca atual de
caminhos alternativos – no sentido de se construir um novo modelo cuja
preocupação principal esteja centrado na “pessoa humana”, sem se deixar de
reconhecer o insubstituível papel do Estado.
Depois da criação do modelo inglês, se deu em meados do século XVII a
criação do modelo americano de penitenciárias, onde se destacam os seguintes:
Sistema Pensilvânico ou Filadélfico era utilizado o isolamento celular absoluto, não podendo os presos manter qualquer forma de comunicação com seus companheiros. Este sistema foi muito criticado porque era retirado do ser humano uma necessidade humana: a de se comunicar. No dizer de Edgar Magalhães Noronha, ”a cela é um túmulo do vivo”. O Sistema Auburniano, que prevaleceu nos Estados Unidos, surgiu em Auburn em 1818, também chamado de Silent System. Neste sistema, o isolamento era noturno, o trabalho era inicialmente realizado nas suas próprias celas e, posteriormente, em tarefas grupais, durante o dia, isso tudo em absoluto silêncio, sendo proibido visitas, lazer e prática de exercícios (BATISTELA E AMARAL, 2013).
Portanto, o sistema filadélfico, ou isolamento absoluto é fundamentado na
obrigação do silêncio absoluto, na meditação, na religiosidade e no isolamento
celular. Estudiosos consideram, por uma análise ideológica, que o sistema é “um
eficiente instrumento de dominação”. (Bitencourt, 2003, p.63), pois seria aplicável
não apenas àquelas relações da penitenciária, estendendo-se a outros tipos de
relações sociais. Pavarini e Melossi (apud Bittencourt, 2003, p. 63) encaram o
sistema com sendo “uma estrutura ideal que satisfaz as exigências de qualquer
instituição que requeira a presença de pessoas sob uma vigilância única, que serve
não somente às prisões, mas às fábricas, hospitais, escolas, etc.”.
O sistema auburniano como se percebe, foi um sistema que pode ser
considerado um divisor de águas para a sobrevivência do sistema prisional naquele
tempo, mas para a sua sobrevivência em longa escala, como acontece até os dias
de hoje, fora necessária uma implementação na sua forma de atuação.
Para isso fora criado pelos ingleses o sistema progressivo, que é utilizado
até os dias de hoje, mais conhecido como o sistema de progressão de regimes,
onde na teoria era para se conseguir a diminuição da população encarcerada nas
unidades prisionais, através da progressão para regimes como o semiaberto e o
aberto (BATISTELA E AMARAL, 2013).
24
Segundo Foucault (2002, p. 130) “o sistema Auburniano não representa
meio reformador e ressocializador de delinquente, mas age como forma de
imposição e manutenção de poder”.
O sistema panótico foi uma das maiores contribuições de Benthan para o
sistema penal.
Foucault (2002) nessa linha, destaca sobre a onipresença e onisciência
do poder, que demonstra através dos sistemas de vigilância europeus nos tempos
de epidemia, em que era estabelecida uma hierarquia que determinava a vigilância,
e consequente controle, sobre a população. Da rua ao centro das cidades, passando
pelas quadras e bairros, todos eram vigiados e deveriam obedecer às ordens de
quarentena. Isso ele exemplificou como uma sociedade disciplinar, que obedecia
tanto pelo temor do contágio, quanto pelo poder da vigilância. Foucault citava
também as técnicas de reclusão individual, incluindo asilos, hospitais psiquiátricos e
penitenciárias, como uma expressão do poder disciplinar determinado pela
separação. Esse poder era exercido por uma espécie de duplo comando, um
discricionário por impor a quem imputado o conceito de perigoso e outro
discriminatório por determinar as regras de exclusão, ou afastamento, da sociedade
aos previamente indicados.
Esses exemplos são para o autor “um conjunto de técnicas e de
instituições” (FOUCAULT, 2002, p. 176) que tinham como objetivo controlar e corrigir
os ditos anormais, utilizando-se de “dispositivos disciplinares” com esse fim. O
panóptico seria uma expressão desses dispositivos. Nesse esquema não seria mais
necessária a reclusão nos moldes tradicionais, mantendo o recluso escondido, mas
sim vigiado, pois a vigilância constante, ou a impressão de sua existência, seria mais
eficiente. Os detidos seriam mantidos separados entre si, o que evitaria os riscos da
aglomeração e facilitariam o controle. “A multidão, massa compacta, local de
múltiplas trocas, individualidades que se fundem, efeito coletivo, é abolida em
proveito de uma coleção de individualidades separadas. “ (FOUCAULT, 2002, p.
177). Sendo o efeito merecedor de destaque dessa situação um estado de
“consciência” de vigilância constante, o que garantiria um certo automatismo na
manutenção do poder, sendo fundamental que o cidadão se sinta vigiado, e não que
realmente o seja, fabricando “efeitos homogêneos de poder”. Uma aposta numa
submissão espontânea ao poder pela simples consciência da vigília constante.
25
Portanto, verifica-se que no Panótico o indivíduo é observado a todo
instante sem que veja quem o observa. Essa é a finalidade do sistema panótico,
incutir no apenado mesmo após a sua saída da instituição a sensação de estar
sendo vigiado, o que fará com que limite sua conduta de forma a não transgredir a
norma penal. Afirma Foucault (2002, p.168):
Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmos; inscreve em si a relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente os dois papeis: torna-se o princípio da sua própria sujeição.
Para Foucault (2002, p. 163) o sistema panótico faz parte de um
desenvolvimento progressivo de uma sutil tecnologia de poder nos seguintes termos:
“O panótico é um autêntico zoológico: o animal está substituído pelo homem –
agrupado ou individualmente – e o rei pela monarquia de um poder furtivo”.
Salienta-se que a ideia de estabelecimentos prisionais representou um
verdadeiro avanço ao direito de punir, o sistema penitenciário, surgiu com a
necessidade de reabilitação e recuperação dos que feriam as regras sociais, com o
fim de abolir as penas desumanas e proporcionar ao apenado chances de
reinserção social, objetivando principalmente uma reforma moral e uma preparação
do recluso para sua vida em sociedade, conforme se observa em Noronha (2001, p.
202) “Os estabelecimentos penitenciários representam a evolução do direito de
punir e conter os agressores do crime. A sanção penal percorreu um longo caminho
histórico até chegar à condição atual, qual seja a pena privativa de liberdade. ”
No entanto, verifica-se que a sociedade evoluiu e juntamente com ela a
criminalidade, fato este não acompanhado pelas políticas prisionais, o que tornou o
sistema prisional degradante sobre todos os aspectos.
26
3 CRIMES
3.1 Conceito de crime
O Código Penal Brasileiro não traz uma definição do que é crime, apenas
se limita, em sua Lei de Introdução, explicitar as penas cabíveis em caso de
cometimento de crimes. Diz o código que aos crimes cabem penas de reclusão ou
detenção, alternativamente ou cumulativamente com pena de multa.
Dessa forma somente nos é possível diferenciar crime de contravenção,
visto que o artigo 1o da Lei de Introdução ao Código Penal só nos fornece meios
para análise das penas aplicadas. Como explica Bitencourt (2013, p. 145):
A Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro (Decreto Lei n. 3914/41 faz a seguinte definição de crime: Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. Essa lei de introdução, sem nenhuma preocupação científico-doutrinária, limitou-se apenas a destacar as características que distinguem as infrações penai, as quais como se percebe, restringem-se à natureza da pena de prisão aplicável.
E mesmo sob esse prisma diferenciador não existe dados que se bastem,
pois, determinados crimes podem ser repreendidos apenas com multa. Favorável a
este entendimento encontra Celso Delmanto (2012, p. 18) que discorre sobre o tema
da seguinte maneira:
No Brasil, só há dois tipos de infrações penais: 1.os crimes (também Chamados delitos); 2. as contravenções. Na verdade, inexiste um dado exato que sirva de divisor entre crime e contravenção. Nem mesmo a diferença entre as penas (citada pela Lei de Introdução ao Código Penal) é critério suficiente, pois crimes há que podem ser punidos só com pena de multa.
A conceituação jurídica do crime é ponto culminante e, ao mesmo tempo,
um dos mais controversos e desconcertantes da moderna doutrina penal, este já era
o pensamento de Hungria (1978), afirmando ainda que "o crime é, antes de tudo, um
fato, entendendo-se por tal não só a expressão da vontade mediante ação
(voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento
27
corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a consequente lesão
ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado."
Reconhecendo a predominância na doutrina do conceito de crime como
fato típico, antijurídico e culpável, Jesus (apud Paranhos, 2010) apresentava duas
inconsistências relativas a tal corrente: 1ª) sendo a culpabilidade normativa, isto é,
juízo de reprovação do agente e de sua conduta, estando, portanto, na "cabeça do
juiz", como poderia fazer parte do crime?; 2º) nos casos de exclusão da ilicitude
(legítima defesa, por exemplo) é o próprio código penal que nos fala "não há
crime..." (art. 23, do CPB), enquanto nas excludentes de culpabilidade (e.g. art. 26
do CPB, inimputabilidade), o dispositivo legal nos informa que "é isento de pena...".
Sabemos que a definição formal visa apenas o aspecto externo do crime,
podemos assim, citar alguns conceitos de crime, vejamos: “Crime é qualquer ação
legalmente punível”; (MAGGIORE, 2011, p. 189); “Crime é toda ação ou omissão
proibida pela lei sob ameaça de pena”; 3 “Crime é uma conduta (ação ou omissão)
contrária ao direito, a que a lei atribui uma pena” (PIMENTEL, 2013, p. 02). ·, ou
seja, apenas no aspecto formal, crime é a violação da lei penal incriminadora.
O conceito material busca definir a razão que levou o legislador a prever a
punição dos autores de certos fatos e não de outros. Assim, temos alguns conceitos
materiais de crime: “Crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem
jurídico protegido pela lei penal” (NORONHA, 2009, p. 105); “Crime é a ação ou
omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou
interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena, ou
que se considere afastável somente através da sanção penal” (FRAGOSO, 2010, p.
149) conclui-se assim, que no aspecto material conceitua-se o crime como sendo
uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena,
porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico individual ou coletivo.
Sob o ponto de vista Formal, crime é toda conduta que desrespeita a Lei
Penal estabelecida pelo Estado. E o conceito Material diz que crime é toda conduta
que afete bens jurídicos de maior importância.
28
Conforme preceitua Greco (2013, p. 53):
Os conceitos formal e material não traduzem com precisão o que seja crime. Se há uma lei editada pelo estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime. Já o conceito material sobreleva o princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atentar contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier atacá-lo, em face do princípio da legalidade.
Como pode-se intuir, os conceitos formal e material não conseguem
definir com exatidão o que vem a ser crime. Perfaz-se assim, a teoria analítica do
crime que estuda os elementos constituintes das infrações penais, estabelecendo,
dentro da Teoria Geral do Crime quais as suas características. É feita uma análise
fragmentada do crime, para a qual se estabeleceu elementos caracterizadores, sem
os quais não ocorrerá o delito.
3.2 Da composição do crime e seus elementos
Quatro são os elementos passiveis de discussão acerca das
características analíticas de composição do crime. São eles O Fato Típico,
Antijurídico, Culpável e Punível. Em países como a Alemanha, França e Rússia
adota-se a concepção tripartida, para eles o crime é Fato Típico, Antijurídico e
Culpável. Nesta forma de compreensão a punibilidade não compõe o crime, pois é
mera consequência do cometimento desse. Seguindo esse entendimento podemos
citar Assis Toledo (2011, p. 81):
A pena criminal, como sanção específica do direito penal, ou a possibilidade de sua aplicação, não pode ser elemento constitutivo, isto é, estar dentro do conceito de crime.
Defendendo a concepção quadripartida podemos mencionar Basileu
Garcia que sustentava que a Punibilidade também integrava tal conceito, sendo o
crime uma ação Típica, Antijurídica, Culpável e Punível.
29
Majoritariamente aceita entre nossos doutrinadores (dentre eles Damásio,
Dotti, Mirabete e Delmanto), a Teoria Geral do Crime no Brasil, apresenta o aspecto
bipartido ou dicotônico. Isso quer dizer que para os brasileiros o crime se apresenta
como Fato Típico e Antijurídico sendo a Culpabilidade pressuposto de aplicação de
penas.
Mas mesmo dentro de um conceito bipartido, importante é o estudo da
culpabilidade, mesmo sendo considerado simples pressuposto de aplicação de
pena. De nada seria útil a previsão penal de crimes se punições não fossem
impostas, a lei penal seria uma inutilidade pública declarada. Devido a isso, a
culpabilidade (mesmo que somente de forma didática) ainda é matéria esboçada
dentro do contexto da Teoria Geral do Crime.
Voltemos a observar os dois tipos de infrações que existem no Brasil, que
são a Contravenção e o Crime. Pois, agora, importante se torna o esclarecimento de
que não há entre eles diferenças elementares. Tanto o crime quanto a contravenção
decorrem de ações Típicas e Antijurídicas, restando diferença entre a gravidade dos
danos que as condutas podem causar aos mais variados bens jurídicos protegidos.
De uma forma geral, a concepção analítica de crime, nos oferece
múltiplos elementos e características, para que em seus bojos possamos conceituar
a infração penal. Mas não se procura, dessa forma, fragmentar o crime que é uno e
indivisível em sua existência.
Nas lições de Rogério Greco (2013, p. 148) podemos concluir o raciocínio
estabelecido anteriormente, pois este também prevê a unidade do crime apesar do
seu estudo ser realizado de forma compartimentada:
Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário, para efeitos de estudo faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade (visto que Greco é vinculado a concepção tripartida do crime). Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte.
30
Greco (2013, p. 149) exemplifica e explica os elementos do crime da
seguinte forma:
Assim, se alguém, dirigindo um automóvel em via pública, com todas as cautelas necessárias, atropela fatalmente um pedestre que, desejando cometer suicídio, atira-se contra o veículo, não pratica o delito de homicídio culposo, uma vez que, se não agiu com culpa, tampouco com dolo, não há falar em conduta. Se não há conduta não há fato típico e, como consequência não há crime. Neste caso, elimina-se o crime a partir do estudo do seu primeiro elemento – o fato típico. Somente quando o fato é típico, isto é , quando comprovado que o agente atuou dolosa ou culposamente, que em virtude de sua conduta adveio resultado e, por fim, que o seu comportamento se adapta perfeitamente ao modelo abstrato previsto na lei penal, é que poderemos passar ao estudo da antijuridicidade.
3.3 Da sociologia criminal e criminologia
A Criminologia estuda o crime em sua dinâmica e a sociologia da
criminalidade preocupa-se em demonstrar as tendências delinquentes dentro de um
contexto social. Do crime e seus efeitos surge a criminologia que é a parte dos
estudos sociológicos que objetiva analisar as causas do crime e da criminalidade.
Como aspecto da sociologia do direito, surge a sociologia da criminalidade que
estuda as regularidades tendenciais da delinquência e suas relações com outras
realidades sociais.
Em geral, a relação que essas ciências apresentam com a teoria do crime
é determinada pela imputação das sanções determinadas pelas leis aos seus
violadores. Algumas vezes pode determinar até atipicidades como, por exemplo, o
princípio adequação social. Auxiliam o Estado na determinação de uma política
criminal adequada, que irá estabelecer quem é o criminoso, quais os crimes que
devem ser combatidos, quem deve ser punido, quem deve ser protegido. Para a
Teoria Geral do Crime Brasileiro trata-se da culpabilidade que está “fora” dos
Elementos Constitutivos do Crime, mas sobre isso faremos futuras ponderações.
Suas funções básicas consistem em informar a sociedade e os poderes
públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima, reunindo um núcleo de
conhecimentos que permita compreender cientificamente o problema, preveni-lo e
intervir de modo positivo no comportamento do homem infrator.
31
Há uma “criminologia positiva ou tradicional” que estuda as condutas dos
criminalizados e que, ao deixar o sistema penal fora de seu objetivo, está aceitando
a ideologia veiculada por ele, desta maneira convertendo-se em uma ideologia de
justificação do sistema penal e do controle social de que este forma parte.
Há uma série de conhecimentos tecnológicos e psicológicos que,
aplicados ao sistema penal e sua operatividade, põem de manifesto processos de
seleção estigmatizantes, corrupção e compartimentalização que denunciam
claramente o conteúdo ideológico dos discursos jurídicos e criminológicos
tradicionais.
Muito cuidado devemos tomar em relação a esta “criminologia de
mercado”, que se perde em conteúdos ideológicos e justificadores do sistema penal.
Pois estaríamos distorcendo a função principal da criminologia, que é estudar a
conduta criminosa para prevê-la e repreendê-la.
Segundo Piarangeli (2007), a criminologia, chamada de “ciências da
conduta”, é a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista
biopsicossocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta aplicadas às
condutas criminais. Da criminologia centrada na conduta criminalizada, surge a
“criminologia de reação social”, a partir de que, sem criminalização não há “crime”.
Mas como surge essa criminalização?
Existem várias teorias, e pela “criminologia de reação social”, o crime
decorre diretamente ou em conjunto com determinadas situações sociais. Surge,
dessa forma, dentro do caráter social da criminologia a sociologia da criminalidade.
Mas frente ao fato dessas ciências não serem autônomas (ou seja, são
complementos, apêndices uma das outras), não podemos analisar apenas o fator
social desencadeador dessa “criminalização”. Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p. 30)
fala que “não dispensa a Sociologia Criminal a colaboração de outras ciências ou
técnicas que auxiliam o estudo do crime como fato social”.
Situações sociais desfavoráveis, por si só, podem ou não desencadear
um comportamento criminoso, mas a probabilidade aumenta quando essas
situações somam-se a uma pré-disposição comportamental do indivíduo. Essa pré-
disposição é o alvo de estudo da parte biológica e psicológica da criminologia
(biopsico + social).
32
Mirabete (2007, p. 31) em seus estudos também diz que:
As ciências que compõe essa classificação (divisão entre biologia criminal e sociologia criminal) têm íntima correlação, confundindo-se e interpretando-se, muitas vezes, o âmbito de seus estudos. Estuda-se na Biologia Criminal o crime como fenômeno individual, ocupando-se essa ciência das condições naturais do homem criminoso em seu aspecto físico, fisiológico e psicológico. A sociologia criminal estuda o crime como expressão de certas condições do grupo social. Preocupa-se, essa ciência, preponderantemente, com fatores externos na causação do crime bem como de suas consequências para a coletividade.
3.4 Do criminoso e da ação criminosa
Muitos tipos de crimes e uma alarmante insegurança corroem as
estruturas tradicionais do mundo moderno. Em alguns lugares, as complicações se
sucedem, e no Brasil não poderia ser diferente. Perdido e confuso o homem
moderno é agressivo, violento. Grita para uma sociedade que não escuta, não toma
conhecimento de sua existência, como reação, ele entrega-se ao crime.
Dessa insustentabilidade explode a ação criminosa e o criminoso. Mas
quem é esse criminoso? Para Muccheilli (2013) os criminosos dividem-se em falsos
delinquentes, trata-se dos agentes que tem sua culpabilidade excluída por falta de
imputabilidade, e em delinquentes verdadeiros. Estes últimos seriam os que
apresentam plena ou parcial imputabilidade.
Portanto para a ação humana ser criminosa terá ela que se ajustar à
conduta descrita em lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo o autor no juízo
de censura ou de reprovação social. Considera-se, desse ponto de vista, o delito
como ação Típica, Antijurídica e Culpável.
A doutrina majoritária brasileira entende que o crime é formado por Fato
Típico e Antijurídico e que a Culpabilidade é mero requisito de aplicação de pena.
Portanto, os inimputáveis, para a teoria geral do crime no Brasil, cometem crime e
que para eles, não são aplicáveis as penas correspondentes à infração.
Então esses “falsos criminosos” teriam menor possibilidade de conhecer
de seu ato criminoso e se portar frente a ele. Pois o ato criminoso é a soma das
tendências criminais de um indivíduo com sua situação em geral e sua capacidade
33
de resistir. As tendências criminais de uma pessoa e suas resistências a elas podem
resultar em uma ação criminosa (antissocial) ou em um ato socialmente aceitável.
Assim diante de uma inimputabilidade não se cogitará de punição ao
agente, mas de tratamento de uma situação anormal. Ocorrendo imputabilidade
junto ao Fato Típico e Antijurídico teremos uma verdadeira responsabilização
criminal.
3.5 Das diferentes personalidades
Uma pessoa bem formada e bem constituída poderá ter rompido
lacunarmente o seu equilíbrio e praticar um crime, por reação. Conquanto seja uma
conduta judicialmente prevista (típica), difere do teor geral de comportamento dessa
pessoa (psicologicamente é atípico), trata-se de um crime eventual (o agente possui
personalidade normal). Pode ocorrer defeito da personalidade, por má constituição
ou por má formação, e o ato criminoso chega a ser expressão de caráter. É o que se
dá as personalidades psicopáticas e personalidades delinquentes.
Em criminologia distingue-se a dinâmica do ato agudo da responsável
pelo comportamento delinquêncial crônico.
No ato agudo (ato grave), o agente tem a personalidade bem formada:
integrou os valores básicos de sua cultura; aceitou ajustar-se à sociedade, à família
e ao trabalho; é tido e havido como obediente à lei. Um ato delituoso não combina
com o feitio de sua personalidade, cujos traços básicos se conservam para além da
ação criminosa.
No comportamento delinquêncial crônico (processo de maturação
criminal), o agente não integrou ou até rejeitou os valore comuns da sua cultura;
passou a aceitar com naturalidade a prática delituosa; tem comprometimento da
critica e do senso ético; a reincidência é usual; o arrependimento é questionável. A
personalidade domina a circunstância e o crime se converte em “estilo de vida”.
Para que um crime seja possível, é necessária a ocorrência de dois
fatores, duas condições: o ambiente no momento do crime e a personalidade do
agente.
34
Considera-se “normal” o indivíduo que, apesar de seus problemas,
traumas e conflitos, apresenta-se como “ajustado” até o tempo da prática antissocial
considerada, na realidade trata-se do indivíduo comum, que permanece obediente à
lei até uma infração de certo modo inesperada.
Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo (2015, p. 285) em seus estudos
sobre psicopatologia forense diz que:
O que se procura estabelecer é se o indivíduo carrega ou não sinais patológicos que são características das principais moléstias mentais conhecidas, ou seja, o conceito de normalidade vem por exclusão. È normal todo indivíduo que não tem sinais próprios de nenhuma enfermidade mental catalogada e que, por isso, consegue viver em sociedade de forma harmônica.
3.6 Crimes hediondos
A Constituição Federal deu origem aos crimes hediondos em seu artigo
5º, inciso XLIII.
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Dois anos mais tarde, em 1990, surge a Lei de Crimes Hediondos, nº
8.072, tendo nos anos seguintes algumas alterações.
Crimes hediondos são os crimes tipificados pela Lei nº 8.072/90 e com
alteração pela Lei nº 8.930/94 e nº 9.695/98. Para Amêndola Neto (2007, p. 30)
“embora tenha ocorrido esta reformulação em 1994, a mesma não se preocupou em
conceituar o ‘crime hediondo’, apenas incluiu e/ou exclui os tipos penais do Código
Penal”.
Nas palavras de Vicente Amêndola Neto (2007, p. 30):
[...] o texto do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal deu origem à Lei nº 8.072/90. O legislador infraconstitucional não se preocupou, contudo, em conceituar o crime hediondo. Em vez de fornecer uma noção clara, explícita, concreta do que entendia ser essa modalidade de atuação criminosa, preferiu adotar um sistema
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bem simples, ou seja, o de rotular, com a expressão ‘hediondo’, alguns tipos descritos no Código Penal ou em lei especial.
Para alguns autores, dentre eles Alberto Silva Franco (2011), a palavra
“hediondo” induz à crime “repugnante”, “asqueroso”, de grande clamor popular,
porém, esta é uma ideia equivocada para a grande maioria da doutrina, pois crime
hediondo não tem uma conceituação específica e sim, tipos penais que o tornam
hediondo.
Tecnicamente, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo
não são propriamente crimes hediondos, porquanto não definidos como tal pelo
legislador comum (art. 1º da Lei 8072/90), mas ASSEMELHADOS OU
EQUIPARADOS, por força do artigo 5º, XLIII, da CF.
A equiparação promovida tem por escopo deferir a esses três crimes o
mesmo tratamento (regime jurídico) conferido aos crimes hediondos. Pretendeu a
CF, portanto, que esses crimes se assemelhassem aos hediondos em suas
consequências penais e processuais penais.
De acordo com Capez (2012, p. 195), para a classificação e definição de
crime hediondo, o legislador propôs três critérios: o legal, o judicial e o misto.
De acordo com o sistema legal, os crimes hediondos devem ser
indicados em rol taxativo da lei, não cabendo ao juiz avaliar se um crime pode ser
considerado hediondo ou não.
O sistema misto, por sua vez, contém proposta intermediária,
entendendo que os crimes hediondos seriam indicados em rol exemplificativo da
lei, ficando livre ao juiz decidir quais casos poderiam ser considerados hediondos,
além dos elencados em lei.
Dos três sistemas, o que prevalece no Brasil é o legal. Apenas a lei, de
modo taxativo, pode dizer o que é considerado crime hediondo ou não, ao julgador
apenas resta aplicar as consequências legais ao caso típico.
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4 LIVRAMENTO CONDICIONAL
Considerado a última etapa do sistema penitenciário progressivo por
Roberto Lyra (apud. MARCÃO, 2009), o livramento condicional “é a liberdade
provisória concedida, sob certas condições, ao condenado que não revele
periculosidade, depois de cumprida uma parte da pena que lhe foi imposta”
(MARQUES apud. MARCÃO, 2009, p. 185).
O livramento condicional (também chamado de liberdade condicional) é
um benefício aplicável na fase de execução penal aos condenados ao cumprimento
de pena privativa de liberdade, no qual “se concede a liberdade antecipada[…],
frente à existência de pressupostos e condicionada a determinadas exigências
durante o restante da pena (MIRABETE apud NUNES, 2012, p. 137).”
O instituto está regulamentado tanto no Código Penal (CP), que data de
1940 (Consigna-se que o artigo 83 do CP sofreu alterações pela Lei n.º 7.209, de 11
de julho de 1984), como na Lei de Execução penal (LEP), que data de 1984.
Nesta senda, uma observação inicial deve ser feita: o livramento
condicional está disciplinado em Diplomas Legais anteriores ao Texto Magno de
1988. Logo, por força do princípio da supremacia das normas constitucionais (eis
que a Constituição deve, de fato, constituir algo!), é inafastável a necessidade de
(re) leitura da matéria à luz da Carta Maior, a fim de averiguar a compatibilidade (ou
não) das disposições infraconstitucionais atinentes ao benefício.
Nucci (2009, p. 1043) entende: “é a antecipação da liberdade para quem
cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridos determinados requisitos,
alguns objetivos, outros subjetivos, conforme dispõe o art. 83 do Código Penal”.
Por este artigo, o juiz poderá conceder este benefício ao condenado a
pena privativa de liberdade igual ou superior a 02 (dois) anos se:
I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso; III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração; V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará
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também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir.
Como condição obrigatória, também são necessárias a obtenção de uma
ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto ao trabalho; comunicar
periodicamente ao juiz sua ocupação; não mudar do território da comarca do Juízo
da Execução, sem prévia autorização deste (art. 132, §1º, da Lei de Execuções
Penais).
Com relação à Progressão de Regime, o parágrafo §1º do artigo 2º da Lei
nº 8.072/90, que impunha o regime integralmente fechado e a consequente
impossibilidade de progressão do regime de cumprimento de pena, foi, em 2006,
declarado inconstitucional por maioria do Supremo Tribunal Federal (seis votos e
cinco), em Habeas Corpus de nº HC 82959/SP, relator Ministro Marco Aurélio,
23.02.2006. (HC-82959). Para os ministros, o §1º do art. 2º da referida lei, conflitava
com a garantia da individualização da pena prevista no artigo 5º, XLVI, da
Constituição Federal de 1988.
Veja-se que o caput e o inciso V do dispositivo sub examine proíbem a
concessão do benefício em duas situações: 1) aos condenados à pena privativa de
liberdade inferior a 2 (dois) anos; e 2) aos reincidentes específicos em crimes
hediondos ou equiparados.
No que concerne ao caput, verifica-se, de plano, que a vedação
implicitamente estampada (eis que permite ao juiz conceder o benefício apenas aos
condenados à pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos) é
manifestamente desarrazoada e contrária à CF, por afronta aos preceitos da
isonomia, individualização da pena e proporcionalidade.
É cediço que a intentio legis alinhavada por de traz do (velho) artigo 83,
cabeça, do CP tem em vista que, não raras vezes, condenados à penas privativas
de liberdade inferiores a 2 anos são beneficiados com sanções alternativas, de
modo que, em princípio, não haveria necessidade da concessão da liberdade
condicional.
A irrazoabilidade da norma, no entanto, diz respeito às situações
igualmente corriqueiras onde os indivíduos são condenados à penas inferiores a 2
anos e não são agraciados, em razão de seus antecedentes, por sanções
alternativas ou pela suspensão da execução da pena.
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Ora, consoante prevê a legislação, estas pessoas jamais poderiam ser
beneficiadas com a liberdade condicional durante a execução da pena, pelo simples
fato de ostentarem uma condenação de pouca monta, isto é, inferior a 2 anos de
prisão.
Trata-se, a toda evidência, de situação surreal e desproporcional. Uma
interpretação meramente gramatical do art. 83, caput, do CP, desvinculada da
principiologia constitucional, permite afirmar que uma pessoa condenada à pena de
1 ano e 11 meses de reclusão deverá cumprir a sua sanção integralmente
segregada no cárcere, uma vez que não poderá usufruir da liberdade condicional.
O contrassenso, conforme menciona Mendes (2012) é que o condenado a
uma pena de grande monta, como, por exemplo, de 27 anos de reclusão (ou
qualquer outra igual ou superior a dois anos) poderá, perfeitamente, gozar do
benefício, bastando que atenda aos demais requisitos delineados no art. 83 do
Código Penal.
Beira aos olhos, portanto, a desproporcionalidade – e o excesso punitivo
– da norma: condenados que cometeram crimes menos graves e que sofreram uma
punição mais branda não podem usufruir da benesse.
Ou seja: recebem, na prática, tratamento mais rigoroso do que aqueles
que praticaram delitos de relevante gravidade e foram sentenciados a altas penas,
como se só os apenados mais “perigosos” merecessem usufruir do livramento
condicional! Não bastasse, esta vedação vai contra o objetivo primordial da LEP: a
reeducação dos sentenciados (art. 1º da Lei n.º 7.210/1984).
Dessa maneira, segundo Nunes (2012), é de clareza solar a
incompatibilidade da vedação (implícita) delineada no caput do art. 83 do CP com os
princípios da individualização da pena, proporcionalidade e isonomia, devendo o
intérprete, a fim de resguardar a supremacia das normas constitucionais, realizar
interpretação em conformidade à Carta Maior, pena de não receptividade da norma.
No que pertine a vedação da concessão do livramento condicional aos
condenados reincidentes específicos em crimes hediondos ou equiparados (inciso V
do art. 83 do CP), levando em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
conclui-se se tratar, também, de disposição contrária à Carta da República de 1988.
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Primeiramente, sabe-se que o fundamento desta proibição decorre de
uma diretriz político criminal que pretende reprimir de forma mais rigorosa as
pessoas que reincidem na prática dos crimes tidos como os mais gravosos do
ordenamento jurídico: os delitos hediondos ou equiparados (Lei n.º 8.072/1990).
Todavia, o óbice legal, novamente, é desproporcional e irrazoável, pois,
como ensina Gilmar Mendes (2012, p. 569), “os direitos mais básicos do apenado
não podem ser totalmente desconsiderados em favor de uma opção política radical.”
Sem adentrar no tema da (utópica) “ressocialização”, é de notório
conhecimento que o objetivo primordial da execução da pena é a reinserção social e
que, para tanto, foi adotado o sistema progressivo de execução penal (art. 112,
caput, da LEP), segundo o qual o retorno ao convívio social dos apenados deverá
ocorrer gradualmente.
Nesse quadro do processo executivo, o livramento condicional cumpre um
papel de extraordinária relevância: permite o cumprimento de parte da sentença em
liberdade, possibilitando a readaptação ambiental dos condenados, que voltam a
experimentar o gosto da liberdade e do convívio social – ambiente bastante diferente
das masmorras brasileiras a que estavam acostumados.
Quanto ao sistema progressivo, importa salientar que o antigo §1º do
artigo 2º da Lei n.º 8.072/90 vedava a progressão de regime aos condenados por
crime hediondo ou equiparado. Isto é, o cumprimento da pena deveria ocorrer em
regime integralmente fechado.
Contudo, como é cediço, o STF, nos autos do HC n.º 82.959-7, declarou a
inconstitucionalidade deste dispositivo. Na oportunidade, o Min. Marco Aurélio, forte
no postulado da individualização da pena, assentou que a “progressão no regime de
cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão
maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio
social. ”
Na mesma senda, a Corte Suprema também reconheceu a
inconstitucionalidade da redação ulterior do §1º do art. 2º da Lei dos Crimes
Hediondos, dada pela Lei n.º 11.464/2007, que determinava que os condenados
pela prática de crimes hediondos ou equiparados deveriam iniciar o cumprimento da
sanção no regime fechado (regime inicial fechado).
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O STF, por entender que esta norma afrontava ao direito fundamental da
individualização da pena, posto que estabelecia um tratamento abstrato e genérico
pautado somente na natureza abstrata do delito, desvinculado da pessoa do
apenado, das circunstâncias do fato e do quantum de pena aplicado, decidiu pela
incompatibilidade com a Carta Maior.
Destarte, levando em conta a finalidade principal da execução penal, que
é a reinserção social, por uma questão de coerência lógico-argumentativa, pode-se
afirmar que a vedação abstrata – desvencilhada do princípio da individualização da
pena, isto é, da pessoa do apenado, das circunstâncias do fato, da quantidade da
reprimenda imposta etc. – da concessão do livramento constitucional, prevista no
art. 83, V, do CP, é, também – e pelos mesmos motivos que a vedação da
progressão de regime e o regime inicial fechado foram declarados inconstitucionais!
–, contrária à Constituição Federal.
Com efeito, o raciocínio é mesmo. Não existem grandes diferenças entre
a antiga proibição de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos
ou equiparados – a qual foi declarada inconstitucional pelo STF – e a vedação do
inciso V do art. 83 do CP.
Prima facie, porque ambas (vedações) refletem sobre o princípio
estruturante da “ressocialização”. Em segundo lugar, pois, não há qualquer
razoabilidade e proporcionalidade em proibir o livramento condicional aos
reincidentes específicos por crimes desta natureza (hediondos ou equiparados),
quando, hodiernamente, admite-se a progressão de regime (e, inclusive, o benefício
da prisão domiciliar) (NUNES, 2012).
O texto constitucional, ademais, não estabeleceu restrições à progressão
de regime ou ao livramento condicional. A única ressalva feita pelo constituinte diz
respeito à inviabilidade de concessão de anistia, graça e da liberdade provisória
mediante fiança aos indivíduos que perpetraram infrações penais de natureza
hedionda ou equiparada, o que nada tem a ver com o instituto do livramento
condicional (art. 5º, XLIII, da CF).
Destarte, forte no princípio da supremacia das normas constitucionais e
na linha histórico-interpretativa do STF, salvo melhor juízo, o caput e o inciso V do
artigo 83 do CP estão em desconformidade com a Carta Maior, devendo-se primar,
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com urgência, por uma interpretação conforme à Constituição, sob pena de não
receptividade das disposições.
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CONCLUSÃO
A Lei dos Crimes Hediondos foi editada em 1990 trazendo em seu corpo
uma série de normas aos condenados pela prática desses crimes, as quais eram
muito mais rigorosas, comparadas às demais normas do Código Penal. Dentre tais
regras, destaca-se o cumprimento da pena em regime integralmente fechado (art. 2º,
§1º, da Lei n. 8072/90).
Desde então, tal dispositivo passou a ser alvo de críticas por parte da
doutrina e da jurisprudência, principalmente por se entender que esse regramento
vai de encontro ao princípio da individualização da pena, consubstanciado no art. 5º,
inciso XLVI, da Constituição Federal. Individualizar a pena consiste em dar ao preso
a oportunidade de reinserir-se na sociedade, através de mudança no
comportamento, ressocializando-se. Porém, da maneira como estava disposto na
Lei n. 8.072/1990 esta possibilidade inexistia para os crimes hediondos.
O instituto do livramento condicional há mais de um século não recebeu
qualquer atenção legislativa no sentido de adequá-la a nova dinâmica de execução
penal construída a partir da Constituição Federal de 1988, assim como se verifica
nas demais normas de direito, em especial as atinentes à execução de pena. Dessa
forma, entende-se que tal norma que prescreve a perda de todos os dias do período
de prova não fora recepcionada pela nova ordem Constitucional no seu aspecto
material. Visto que não se leva em consideração o período em que o apenado
cumpriu satisfatoriamente as suas obrigações. Apenas, com base na literal
disposição legal, sem nenhum parâmetro de proporcionalidade, desconsidera todo o
período em que esteve no gozo de livramento, pois é suficiente para subsunção total
do ato às normas que regem o instituto do livramento condicional.
Ainda, outro fator observado é que ao desconsiderar todo o período de
prova, o fundamento legal é o descumprimento das obrigações estabelecidas
quando da concessão do livramento condicional. Neste peculiar o instituto parece
ser considerado como uma relação obrigacional privada
Por fim, conclui-se que a Lei dos Crimes Hediondos é um exemplo claro
de como não se deve legislar em matéria penal. As reações contrárias levantadas ao
texto, pelas vozes de insignes doutrinadores pátrios é uma demonstração positiva de
que a nossa ciência penal alcançou um nível de amadurecimento tal que não se
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deixa ser suplantada pela inconsciência e arroubo do legislador de momento, que
levado pelas correntes radicais da sociedade, acha que o Direito Penal é a solução
para o apaziguamento das tensões sociais que, em grande parte, geram a
criminalidade.
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REFERÊNCIAS
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