damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

22

Upload: thais-araujo

Post on 15-Jul-2015

76 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 1/22

 

Itt

II

I

I,,

I,,

I

PRIMEIRA PARTE:

A ANTROPOLOGIA NO QUADRO

DAS CIENCIAS

n ~ !.

.

. I ~ I \ .

~

.-IJ r · ' \.. - .. ~h t • . ~ ~ u , r ":- , . :

"~

'\J (- u . . ,

1. Clencias Naturais e Cienclas Sociais. \

Nenhum fi16sofo ou teorico da ciencia deixou de se preocupar...-----com as semelhan~as e diferencae entre as chamadae «cienciasda natureza» ou «ciencias naturais», com a Fisica, a Quimica,a Biologia, a Astronomia etc., e as disciplina.s voltadas para

o estudo da realidade humana e social, as chamada.s «ciencias

da sociedade», «ciencias sociais», OU, ainda, as «cie'ncias hu-manas». Como tais diferen~a.s sao legiao, nao caberia aqui

arrola-las ou [ndica-laa de urn ponto de vista historico. Issoseria uma tarefa para um historiadorda ciencia e nao para

urn antrop61ogo. Apenas desejaria ressaltar, j:i que 0 ponto-_ . . . . . .

me parece basico quando se busca situara Antropologia

Social (ou Cultural) no corpo das outras eiencias, que alas

.em geral tocam em dais problemas fundamentais e de perto

relacionados. Urn deles diz , respeito ao fato de que as cha-

,madas ~<cie'ncias naturais» l estudam fatos simples, evento-s- '~ '

que presumivelmente tern causas simples e sao factlmcnte . ~. . . .

isolaveis, Tais fenomenos seriam, por isso mesmo, recorren- ,:,'\:

tes e sincronicos, isto e , eles estariam ocorrendo agora mes-.mo, enquanto eu escrevoestas linhas e voce, leitor, as is.:(A ,materia-prima da «ciencia natural», portanto, e todo · '0 ,conj unto de fatos que se repetem e tern uma constancia ver-e-

dadeiramente sistemica, j a que podem ser vistos, isolados e,

assim, reproduzidos dentro de condi~oes de controle razcavcis,

num. laborat6rioJ Par isso se diz repetidamente que 0 pro-

blema da ciel1cia em geral nao e 0 de desenvolver teorias,

mas 0 de testa-las .. E 0 teste que melhor se pode imaginar

,

I

...

, ,. ,.

r..

!/

I,~)

!

,/

ii

/

j

17fI

l

~

. - - -

_ _ : = . ; _ . ~ . ~ . /. ' ..- "

Page 2: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 2/22

 

-. . . . . . .~ . . . . . . . . .

_.. ..

. . . .

e realizar e aquele que pode ser repetido indcf'inidamcntc,

ate que todas as condicoes, e cxigencias dos observadores

estejam preenchidas satisf'atorinmcnte. Alem dissa, a simpli-

cidade, a sincronia e a repetit ividade asseguram urn outro

elemento fundamental das «ciencias naturals», t \qual seja : 0': i f : , .

fato de que a prova ou 0 teste de urna dada teoria possa-i\.

ser feita par dois observadores diferentes, situados em Ioeais

diversos e ate mesmo com perspectivas opostas, 0 labora-t6rio assegura de certo modo tal condicao de «obj etividade»,

11m outro elemento critico na def'inicao da «ciencia» e daJ

«ciencia natural». Assim, urn cientista natural podc presen-·

ciar os modos de reproducao de formigas (ja que pode tel"

urn formigueiro no seu laboratorio}, pode estudar os efeitos

de urn dado conjunto de anticorpos em ratos e pode, ainda,

analisar 0 quanto quiser a composicao de urn dado raio

luminoso. ,_,'-~"'-""-"--..- 'I. . . . . . _ _ . _ . : - . . . 1 . . . . & . r - " . _ , . . . .. . I

.I

_.~,~ Em contraste com isso, as chamadas k~_~ien.~ias"_,ocials». ..'.. ~ ~ ~.-~._ . - . . . - .,.

estudam fenomenos complexos.. situados em planos de causg-(

'lidade e determinacao complicados .. Nos eventos que consti-

, t uem . a materia-prima do antropologo, do soci6logo, do his-toriador, do cientista politico, do economista e do psicologo,

")nao e facil isolar causas e motivacoes exclusivas.. Mesmo

:-quando 0 «sujeito» esta apenas desejando realizar uma a~ao

aparentemente inocente e basicamente simples" como 0 ato. de comer urn bolo, .Pois__urn bolo pede ser comido porque

. .

se tern fome e pode ser comido par «motivos socials e psi-

,~_9_16gicos» , : .para demonstrar solidariedade a uma pessoa ou

grupo, para comemorar uma certa data (como ocorre Dum

.anivet-sar io) , para revelar que 0 bolo feito por {mam~i-e e -

melhor do que 0 bolo feito por D. Yolanda, para indicar que

se conhecem bolos, para justificar uma certa atitude €, ainda,

POI" todos esses motivos juntos. Para que se tenha uma provaclara destas complicacoes, basta parar de ler esse trecho eperguntar a uma pessoa proxima : «par que se come urn bolo ? »

Vera 0 leitor que as respostas em geral colocam toda essaproblcmatica na superf'icie, sendo dificil desenvolver -uma

teoria que venha a detcrminar com precisao uma causa unica

ou uma motivacao exclusiva.~ . . . . . . . . . _. ,

"'-_-'_'::~::~materia-prima das «ciencias sociais», assim, sao even- II

tos com deterrninacoes complicadas e. que podem ocorrer ern i

ambientes J diferenciados tendo, por causa disso, a possibili-,:,~_... . . _ . _.

18

,

,I

.1

J dade de mudar seu significado de acordo com 0 ator, as

r' relacocs existentes nurn dado momen~o e, ainda, C ? I D a sua

posicao inurna eadeia de oventos anteriores e posteriores. ?m

bolo comido no final de uma rofeicao e algo que denomina-

mos de «sobremcsa», tendo 0 significado social de «fech~r»

au arrematar uma refeicao anterior, considerada como prm-

cipal, constituida de prates salgados. 0 salgado, assim, ant:-

cede 0 doce, sendo considerado por nos separado e marssubstancial que os doces.Agora, urn bolo que e comido ~o

meio do dia pode ser sinal (ou sintoma) de urn desarranio

psico16gico, como acontece com as pessoas que comem _com-pulsivamente. Finalmente, um bolo qt:te e 0 centro de u~a

reuniao, que serve mesmo como motivacao para ''. convlt~

quando se diz : «venha comer urn bo~o com 0 Serginho», e

urn bolo com urn significado todo especial. Aqui, e-le se torna

urn simbolo importante, cuj a analise pode revelar Iigacoes

surpreendentes com a passagem da idade, com as relacoes

entre geracoes, identidades sexuais etc.

Mas, alern disso, os eventos que servem de foco ao «cien-

t ista social» sao f'atos que nao estao mais ocorrendo e-ntrenos ou que nfio podem ser rcproduzidos em condicoes con-

troladas. ,De f'ato, como poderemos nos re'produzir a festa do

aniversario do Serginho? Ou 0 ritual do Carnaval que ocorreu•

em 1977 no Rio de Janeiro? Mesmo que possamos reumros mesmos personagens, musicas, comidas, vestes e mobilia-

rio do passado, ainda assim podernos dizer que esta faltando

alguma coisa : a atmosfera- da opoca, 0 clima do momento.

Enfim, 0 conj unto criado pe1a ocasiao social que de certo ...modo decola de1a e recaindo sobre ela, provoca 0 que po-,demos chamar de «sobredetermina~5es», como a imagem pro-·

jetada numa tela ou num espelho. Dif'erenternente de urn

rata reagindo a urn anticorpo num Iaboratorio, 0 aniversa-rio (e todas as ocasi6es socials fechadas) cria 0 seu proprio

plano social, podendo ser diferenciado de todos os outros,embora guarde com -ele semelhancas estruturais. F1ss~. p]anQ

.do reflexo da circularidade e da _s{)bredeteTmi~ac;ao meipa-.

"rec~ essetl~ial_-_:ncl- d _ ~ f i _ n _ i ~ i io g , Q _ _ o W ~ ! t o ~ _ , _ ~ ,~An~r~polog;ici---:Social

. - (£ _ da _Soc io lq_g i fl _ : )_ _~_~uv_oltar~i -? r elc , ip.um~:ras--vez~'_s_llo de-

cor rcr deste---volllrne. Agora, basta que se acentue u seu cara-

{e'r e r e modo l igeiro;¥ somente para revelar como as situacocs

sociais sao complexus e de dificil controle, quando as corn-

•I

.

19

~. , . .~.

..<_ . , . r

~

Page 3: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 3/22

 

\.

\I

. II

.1

-.-, ; __

~ - - '

Page 4: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 4/22

niveis ou solicitar novos dados ainda nao vistas. E par causa

disso que nossas teorias, digamos, do incesto, 113.0 sao capa-

zes de gerar uma tecnologia do incesto. Podem gerar tera-

pias, mas, mesmo aqui, 110SS0· conhecimento continua funda-

do num proccsso complexo, nunca numa relacao como aquela

que existe entre urn quimico e as drogas que pode fabricar.

Os fatos que formam a materia-pr ima das «ciencias so-

ciais» sao, pois, f'enomenos complexes, geralmente impossiveis

de serem reproduzidos , embora possam ser observados. Po-

demos observar funerals, aniversar ios, rituais de iniciacao,trocas comerciais, proclamacoes de leis e, com urn pouco de

sorte, heresias, persegulcoes, revolucoes e incestos; mas, alem

de nao poder reproduzir tais eventos, temos de enf'rentar a

nossa propria posicao, historia biografica, cducacao, interes-

ses e preconceitos, 0 problema nao e 0 de somente re-

produzir e observar 0 fenomeno, mas substancialmente 0

de como observa-lo. Todos os fenomenos que sao hoj e parte

e parcela das chamadas ciencias sociais sao fatos conhecidos

desde que a primeira sociedade foi fundada, mas nem sem-

pre existiu uma ciencia social. Assim, classes de homens di-versos observaram fatos e os registraram de modo diverse,segundo os seus interesses e motivacoes : de acordo com aqui-

10 que julgavam importante .. 0 processo de acumulacao que

tipifica 0 processo cientifico e algo lento em todos os ramos

do conhecimento, mas muito mais lcnto nas chamadas cicn-

cias do homem.

. c'

2. U rna Dif'erenca Crucial

Mas de todas essas diferencas a que considero mais fun-~ .

damental e a seguinte: na~ 'ciencias sociais t r§ 'QaJ11arnQ_~ com,\,,'fenomenos que estao beiri pe:rtQ._~d~__ } l . Q , ~ ' . c .poi_s__pretendemos _ : ., j' ' .

I

estudar eventos humanos, fatos que nos pertencem integral-:

mente. 0 que significa isso ?

'I'omemos urn exemplo. Quando eu estudo baleias, estudo

algo radicalmente diferentc de mim. Algo que posso perce-ber como distante e COllI quem estabeleco f'acilmente uma

- -~

relacao de! «objetividade»; Nao posso imaginar 0 universe

interior de U!IUl baleia.iembora possa tornar as balcias para

realizar com elas urn exercic io humanizador, si tuando-as como

I .

r

22 )

ocorre nos desenhos animados e nos contos de fadas, como

uma replica da sociedade humana. Embora possa incorporar

as baleias ao reino do humano, poderei imaginar 0 que

sentem realmente esses "cetaceos ? : 1 1 ; claro que nao. Essa

distancia irremediavel dada ao fato de que jamais podereitornar-me uma baleia e que permite jogar com a dicoto-

mia classics da ciencia : aquela entre suj eito ( que conhece

·')u busca . conhecer) e objeto (a, chamada realidade ou 0" tenomeno sob escrutinio do cientista) . As teor ias e os m e -

todos cientif'icos sao, nesta perspectiva.ios mediadores que

-permi tem operar essa aproximacao, construindo uma ponte, .

entre nos e 0 mundo das baleias.- -_. . .

Mas, ao lade disso, ha urn outro dado crucial. :E que eu

posso dizer tudo 0 que quiser em relacao a s baleias saben-

do que elas jarnais irao me contestar. Pod erei, e claro, ser

contestado por urn outro estudioso de baleias, mas jamais

pelas baleias mesmas. Estas continuarao a viver no. imensooceano de aguas f'rias, nadando em grupos e borrifando

espuma independe'nte,mente das minhas deducoes e teorias.

1S80 significa simplesmente que 0 meu conhecimento sobre

as baleias nao sera' jamais lido pelas baleias que jamais

irfio modif'icar 0 seu comportamento por causa das minhasteorias de modo direto, Minhas teorias poderao ser usadaspor mirn mesmo ou par terceiros para modificar· 0 compor-

tamento das baleias, mas elas nunea serao usadas direta-

mente pelas baleias. Em outras palavras, nunca me torna-

rei urn cetaceo, do mesmo modo que urn cetaceo nunea po-

dera virar urn membro da especie humana, ,E por causa disso

que teorias sabre baleias e sapos sao teorias, isto e , conhe-

cimento obj etivo, extern a, independcntc de baleias, sapos e

investigadores.

Mas como se passam as coisas no caso das «ciencias

sociais» ?. . . . . . . , . _. . ._- .

'"..... Ora, aqui e tudo muito mais complexo, 'I'emos, em pri-

. meiro Ingar, a interacao cornplexa entre 0 investigador e 0

,sujeito investigado, ambos · · como disse Levi-Strauss

situados numa mesma escala .. Ou seja, tanto 0 pesquisador_ _ , ' ' . I _ • _ ' . .

quanto sua vitima compart.ilham, embora muitas vezes nao

se comuniquem, de urn mesmo universe das experiencias hu-

manus. Se entre nos e os ratos as difercncas sao irreduti-

veis, homens e ratos pertencem a especies diferentes, sabe-

23

..

 

Page 5: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 5/22

. - - -

. ---

. . . . . . . . . . . . .

 

Page 6: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 6/22

u.m p.ouco mais adiante, e a hist6ria de como esses diferen-

~es sls::rnas forarn pe!'cebidos e interprctados como' f O I ' u l a s - - -alternativas «solucoes» e «cscolhas» para problemas co-

muns coloc~dos pelo viver numa sociedade de homens. E

CO~O esse tipo de encaminhamento se constitui num momen-to importante no sentido de unir 0 particular com 0 uni-

versal pela comparacao sistematica - 'e .crratlva.: relacional e

relativizadora. .'

~as alern da problematic» colocada pelo deslocamento

dos sistemas (ou subsistemas) , deslocamcnto que permite a

comparacao e uma percepcao sociologica. relativizada ou de

vies, existe uma outra questao critica ne~tas diferencas entre•A • .. ..:J

as «ciencias SOCla1S» e as «ciencias naturais». 'I'rata-se do

seguinte:

..~:- Quando eu teorizo sobre os nomes Apinaye, isto e, quando

construe uma interpretacao para esse subsistema da socie-

dade Apinaye (ou Timbira) , en crio uma area complexa

porque ela pode atuar em dois sistemas diferentes: 0 meu

e 0 dele-s., Em outras palavras, quando eu interpreto 0 sis-

tema de nominacao Apinaye, eu entro numa relacao de re-

fle~ivida,de .com .0 meu sistema e tambem com Jo sistema

Apinaye. Posso ir a~em da minha .comul1idade de cientistas,para que~ estou evidentemente criando e procurando apre-

sentar minha teoria, discutindo rninhas hipoteses e teorias_ ,. .

com os proprros Apinaye l Esse e urn dado fundamental e

revolucionario, pois foi somente a partir do inicio deste s e -culo que nos antropologos sociais temos procurado testar

nossas interpretacoes nesses dois niveis: no da nossa socie-

da.de e cultura e tambem no ni vel da sociedade estudada com

o .proprio native. Esta atitude, que certamente urn evolucio-

nista vitoriano do tipo Frazer considerar ia uma verdadeira

hercsia academica, e que tern servido como veremos no

decorrer deste livro para situar a ...ntropologia Social no

centro epistemologico de todo urn movimento relativizador

que en reputo como 0 mais fundamental dos ultimos tem-

pos~.:or~ue quando aprcsento minha teoria ao meu «objeto»

eu ~ao so esto? me 3?1'.lndo para uma relativizaciio dos mens

parametros opistemologicos, como tambem fazendo nascer urn

-.plano de debate inovador : aquele formado por uma dialetica

en~re .0 fato interno (as interpreta .: ; o e s Apinaye para os seus

proprtos nomes) ,.com 0 fato externo (as minhas interpre-

I

IL

" ' . 1;

t~1"

26

I

" ~

\

tacoes dos nomes Apinaye}. E essa dialetica acaba por inven-

tar urn plano comparative fundado na reflexividade na cir-_" , .

.cularjdadc e na critica soclologica, 0 que c radiealmente di-

ferente da c o m p a : ra 'C " a 6 b e m ' compiortada onde a consciencia_ :J' '

do observador fica intciramcntc de fora, como. uma especie .

de computador c6smico, a ela sendo atribuida a capacidade

de tudo dar sentido sem nunca se colocar no. seu proprio

esquema comparative. .

E essa possibilidade de dialogar com 0 nativo (informan-te) que permite ultrapassar 0 plano das conveniencias pre-

conceituosas interessadas em desmoralizar 0 «outro».E ela

que tambem impede a Antropologia Social contemporanea de

utilizar aqueles esquemas evoluciollistas f'aceis, que situam

os sistemas sociais em degraus de atraso e progresso, colo-

cando sempre 0 «nosso sistema» como 0 mais complexo, .0

mais adiantado e 0 que, par tudo isso, tern 0 direito sagrado

(dado pelo tempo historico Iegitimador ) de espoliar, explo-

rar e destruir tudo em nome· do chamado «p-rocesso ci-

vilizatcrio». Podemos entao dizer que e nesta avenida abertapela possibllidade·-·-do· "dialogo com 0 informante que jaz a

diferenca critica entre urn saber volta-do para as, coisas ina-nimadas au passiveis de serem submetida.s a uma objetivi-

dade total (os objetos do mundo da «natureza») e urn saber,

como 0 da Antropologia Social, constituido sobre os homens

em sociedade. Num caso, 0 objeto de estudo e inteiramentc

opaco e mudo; noutro, ele e transparente e falante. No case

das «ciencias socials» 0 objeto e muito mais que iS80, ele

tern tambem 0 seu centro, 0 seu ponto de vista e as suas

interpretacoes que, a qualquer memento, podem competir e

colocar de quarentena as nossas. mais elaboradas explanacoes,

. A - raiz das diferencas entre «ciencias naturals» e «cien-

cias sociais: fica localizada, portanto, no fato de que a na-

tureza nao pode falar diretamente com 0. investigador; ao

passo que cada sociedade humana conhecida e urn espelho

onde a nossa propria existencia se reflete. "~

/

3. Antropologias e Antropologia,

Procurando definir urn «lllgar» para a Antropologia Social,

e preciso nao ssquecer as relacoea da Antropologia com seus,

27

T

_""

__ "

 

Page 7: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 7/22

_ ... -. . . - : : : - - -

. . . .

- . -

[I

• L

;

... , .

.

• ,I

\ "~ "r

.L

... ":

-..._ .. .

. ~ _ ~ .

 

Page 8: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 8/22

. . . .

.- . _ . . . . '

.~

. . - . I o~ . 7 . rmt -=

__ -__ - ; j til

----_

-

-

 

Page 9: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 9/22

- +

rio d d 1, a cano~ e e 81, me~~o. Se 0 homem faz-se a si PI~(~.)-

prio, e t b -. precrso am em .nao esquecer que ele assim procede

pOIque pode ver-se a 81 mesmo em todos os desafios que

enfrenta e em todos os instrumentos que fabrica.

. A Antropologia Social (ou Cultural) E t loll!"d ,Oll . : . 4 no Og13, per-IDI e escobrir a djmensaQ da cultura e da sociedade, des-

tacando as segnintes planos : f\ .. : . : T

\ I

i~·· . . . . . .:

.. a) lim plano in.strument~l, dadona' medida ~ili(lleum,'r ~... ' , .~

. SUJ eito responde a urn desafio de urn ambiente ou de urn···' . . .f

Q!!l~-'Q"grupo.Se a temperatura da terra mudou, varies ani- ,/

m31S ~pe~as desenvolveram defesas para esse novo fato. Mas

os ammais apena~ ~esellvolv~m respostas internas, parte e

parcela do seu proprro organismo, como peles, garras e den-

tes. J Sua resposta e instrumental, direta, nao permitindo to-

mar conheCImento_ , reflexivo da resposta mesma. Numa pala-

vra, a ,res.posta nao se destaca do animal, fazendo parte do

seu p:oprIo co:po e a ele estando intimamente ligada semreflexao ao estimulo] _'

o plano instrumental e urn plano das coisas feitas ou

dadas e. a sua concepcao e importancia esta muito l ignda it

P::Sp~~tlva segundo .a qual ~ homem foi feito aos poucos:prrmeiro 0 plano f~SlC_O,. depois 0 plano social (Oil cultural).

Primeiro ? plano individual, depois 0 coletivo. Primeiro os

sons q~e im itavam a natureza, depois a linguagem articula-

da. HO J e sabemos que tal visao que Geertz (1978) hd t tifi c amou"e «es ~a 1 ICa?~» .na .o e mais valida. Muito mais importante

e tomar consciencia de urn plano f'rancamentc cultural.

~) No 'Plano culturol ou social, que a Etnologia, Antro-pologia Social e Antropologia Cultural permitem tomar co-

n~e~lI?ento, 0 mundo humano forma-se dentro de urn, ritmodialetico com a naturez F ' d d ,.. __ ~n~" • + ' a. . , . _ . , 0 1 . . . respon en 0 a natureza que

. 0. hornem modif icou-se e assim inventou ur n plano onde 'pede

.simultaneamentc reformular-se reformulando ' tt ' , . a proprIa na.-

ureza .. ~este n.lveJ, es tamos na regiao das regras culturais

(~u SOCIalS, a distincao sera estabelecida mais tarde), quandonos te.m.os uma respostu e tarnbem urn reflexo desta resposta

no suj cito. Assim, se a temperatura da terra mudou os ho-

~ens inventaram cobcrtas e abrigos. Mas e fundame·~tal COTI-

sl~erar d~ Ulna ve~ par to?3S que isso nao e tudo. Porquet.ai« cober tas e obriaoe 1)aruun, Nao porque existisse alguma

Agora que desejo definir a terceira esfera do conheci-

mento Antropo16gico, preciso cpnceituar melhor esses meca-- --- --- - ,nismos ro·etivos ue permitem atualizar valores sociais.

· · es t e chama,dos e cu lura e' e~~~ r cisamos falar quando retendemos loea Iza.r "'0

-- Antropo ogla oClal, Cultural ou no ogia, e

mes (que estao relacio-nados a s t.radicoes de estu-

dos de certos paises) nao nos devem ofuscar, pois todos de-

notam-a mesma coisa: 0 estudo do Homem enquanto produ-

tor e transformador da natureza. E muito mais que isso: a

visao do Homem enqllanto mcmbro de uma sociedade e de

urn dado sistema de valores. A perspectiva da sociedade

humana enquanto urn conjunto de acoes ordenadas de acordo

com. urn plano e -regras que ela prop-ria inventou e que ecapaz de roproduair e projetar em tudoaquilo que fabrica.

A esfera da Antronologia Cultural (ou Social) e, ass im, 0

plano complexo segundo 0 qual a cultura (e 0 seu irmaogemeo a sociedade) nao e somente uma resposta ,especifica

a certos desafios; resposta que somente 0 Homem foi capazde' articular. Nao. Essa visao instrumentalista da cultura

como urn tipo de reacao de urn certo animal a urn dadoambiente fisico deve ser substituida por uma nocao muito

rnais complexa e gene-rosa, por uma visao realmente muito

mais dialetica e humana. A d e , , _ q u e _ _a.,culture. e a consciencia

, q~ ,~ _ .~ _ ,y i~ ~ o .socio16gica _~~1~,G_Q~t i4~,u deve irnplicar ....i t u a " o " ·homem muito mais do que urn animal que inventa obje-

. - - , •_ - , • • • • . , • • • • • _ • • , • _ - • ~ • ~ : ~ - ' • ~ • _ , , ~ •

tos, chamando atencao para 0 fato critico de que ele e urnanimal capaz de pensar 0 seu__r6prio_"p:ensamento. Em outras .

palavras, somente 0 homem e capaz de criar uma linguagem

da Iinguagem, uma regra-de-regras. Urn plano de tal ordem

reflexivo que ele pode ver-se a si p-roprio neste plano. Sealguns animais podem inventar obj etos, 0 homem e 0 unico

que inventa as regras de inventar os obj etos. E assim fa-zendo pode definir-se enquanto urn ser que usa a linguagem,

,mas que tambem tern consciencia da linguagem. Sej a porque

a lingua articulada permite uma multiplicidade de proposi-

tos praticos, sej a porque sabe que sua lingua e particulare par' causa disso permite uma individualiza~ao diante de

outras sociedades. 0ponto essencial e que 0 homem nao inven-

ta uma canoa s6 porque desej a cruzar 0 rio ou veneer 0 mar,

mas inventando a canoa ele toma consciencia do mar, do

, . . . .

3233

. ..

.._

 

Page 10: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 10/22

razao interna (de natureza genetica on biologica) , mas por-

que a resposta foi pensada em terrnos de regras~como algor: ex te r n o "" " e - -percebido como tal" Apenas podemos dizer que 0

: homem devera responder, mas nao podemos prever efetiva-

mente como sera essa resposta. 0 horn ern, assim, e 0 unico

! animal que fala de sua fala, que pensa 0 seu pensamento,\ que responde a sua propria resposta, que .reflete seu pr6prio

::' reflexo e que e capaz de se diferenciar mesmo quando esta se

\_adaptando a eausas e estimulos comuns. Realmente, pode-se

<mesmo dizer que urn tigre esta ficando cada vez mais tigre,

na medida em que se adapta a urn certo ambiente natural

e desenvolve certas caracter isticas biologicas: Mas com 0

homem as coisas sao muito diferentes. Aqui, a nocao de

adaptacao e muito complicada, porque ela nao indica urn

caminho de mao unica, indo apenas na direcao de urn mi-

nimo de atrito com a natureza, como e 0 caso dos animais.

No caso das sociedades, adaptacoes podem significar desta-ques do ambiente, pelouso de uma tecnologia avancada e

que busca dominar e controlar a natureza; 0 uso de urnestilo neutralizador, quando uma sociedade busca integrar-se

no ambiente.Ve-se, deste modo, que a resposta cultural e muito di-

ferente da instrumental. Ela permite a superacao da neces-

sidade e tambem 0 cstabelecimento de uma diferenciacao __por

causa mesmo da necessidade. E esse ponto e critico. Os ho-

m e n s He-diferenciaram porque tornaram-se homens, e torna-

ram-se homens porque responde-ram de modo especif'ico a

estimulos universais. Por isso e que 0 estudo da Antropolo-

gia Social sera sempre 0 estudo das dif'erencas, plano efetivo

e concreto em que a chamada Humanidade se realiza e torna-

so visivel . .

. Tomar a cultura (e a sociedade) como sendo uma espe-

cie de elaborada resposta ao desafio natural e urn modo muitocomum de colocar em -foco 0 obj eto da Antropologia, Creio

que minha visao e mais complexa e, melhor que isso, mais

adequada ao conhecimento moderno das sociedades e dos ho-

mens, Por outro lado, ela abandona, como vimos, a perspec-

tiva evolucionista muito simplificadora, segundo a qual a

existencia social foi realizada em etapas : primeiro 0 fisico,

depois 0 social; primeiro 0 grito, depois a fala; primeiro

o individuo, depois 0 grupo. A visao aqui apresentada, na

...

I :

, iI

_.,

., ..,

medida mesmo enl que Iamos revelando os planos de atua-~a o de cada antropologia, foi a de mostrar como a sociedade

nasceu de uma dialetica complexa e, por isso mesmo, refle-

xiva, onde 0 desafio da natureza engendrava uma resposta

que, par sua vez, permitia tomar consciencia da consciencia

(com suas possibilidades de responder), da natureza e da

propria resposta dada. A plasticidade humana e que permite

descobrir sua variabilidade, ja que ela apenas indica 0 ca-

minho de alguma reacao, mas nao pode determinar com pre-

cisao a resposta. De f 'ato, neste sentido, 0 homem e realmente

livre,

4. Os PIanos da Consciencia Antropologica

Do que f'icou colocado acima, segue que temos em Antropo-

logia pelo menos tres planes de consciencia, Incluiriamos com

satisfacao urn quarto plano, 0 mais fundamental de todos,

caso ele nao fosse tao especializado e nosso conhecimento

com ele tao superficial. Quero me referir ao plano da lin-

giiistica, do estudo da lingua, esfera de consciencia abso-lutamente basico na transmissao, invencao e producao detodo 0 conhecimento e cultura. Elemento ou meio sem 0 qual

todos os outros nao poderiam €'xistir, j:i que sem uma lin-

guagem articulada ser ia impossivel apreender 0 mundo, torna-

1 0 conhecido e manipulavel por meio de urn esquema de ca-

tegorias ordenadas.

Mas dentro dos tres pianos que destacamos e nos quais

incluimos indiretamente a linguagem sera preciso destacar os

s e g u i n t e s pontos:

o estudo da Antropologia Biol6gica situa a questao de

uma .consciencia fisica no estudo do Homern. Ela remete aos. --

parametres biologicos de nossa existencia, revelando comoestamos ligados ao mundo animal e aos rnecanismos basicos

da vida no planeta. Neste plano, trabalhamos num eixo

temporal de carater verdadeiramente planetario e c6smico,

numa escala de milh5es de anos, onde e praticamente impos-

sivel discutir com alguma precisao 0 surgimento de eventos

hem marcados. No plano da consciencia que faz parte da

Antropologia Bio16gica, especulamos sobre mudancas intrin-

secas do corpo e cerebro humanos, apreciando por compa-

34 35

__.

 

Page 11: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 11/22

I

a1·

i lL I '

\ 1 ' .

J

racao com os animais as conquistas realizadas par esse pri-

mata 'superior que acabou tao diferenciado. 0 f'ato de 0

homem ter descido de uma arvore, de ter desenvolvido 0

bipedalis.mo pode ser 0 ponto de part.ida para uma serie

de Lrunsformacoes correlatas, todas ocor ridas num espaco de

tempo inteiramente inconcebivel para a nossa consciencia

f 'requentemente confinada a uma exper iencia verdadeiramen-

te diminuta da duracaotemporal.

Assim,0

bipedalismo estaassociado a uma diferenciacao entre os pes e as maos, espe-

cializacao verdadeiramentc tinica, ja que os primatas supe-

riores nao deram um passo tao decisive nesta direcao, sendo

suas maos e pes crgaos com uma mesma estrutura anato-

mica. Tal diferenciacao entre a parte de cima do corpo e

sua parte de baixo (uma oposicao clara no homem entre

alto e baixo) levou a mudancas na estrutura do rosto (com

as olhos vindo urn pouco mais it frente e 0 cranio tomando

uma parte bern maior da cabeca) , com as modificacoes tipi-

cas nas curvaturas da coluna vertebral (sao tres no homem)

e posicao do foramen nuurnum. (orificio 11a parte inferior

da cabeca, na sua articulacao corn a espinha dorsal), nas

articulacoes da bacia e do femur, com as suas implicacoes

basicas para todo 0 conjunto f'uncional e anatomico relacio-

nado ao andar bipedal,

Tais transformacoes na estrutura anatomica sao acom-

panhadas de mudancas na estrutura do cerebro, visao, olfato

e audicao, mudancas que, sabemos hoj e, estao intimamente

ligadas ao uso de instrumentos e do fogo, mesmo quando se

tratava de urn pre-homem (urn hominidio}, vivendo na .Africa

do SuI ha cerca de tres milhoes de anos atras, E, pois , impor-

tante discutir tais modificacoes em suas associacoes diretas

com alguma forma de cultura ou proj e'~ao no meio ambients,

atividade que esta acompanhada de uma complexa dialetica.

Mas e importante notar que aqui estamos observando e

conhecendo residuos de homens ancestrais, pedacos de estr,u-

turas que estavam a meio caminho entre uma-"forma animal,

situada dentro das determinacoes naturais e geograf'icas, e

formas mais desenvolvidas, com uma capacidade unica de

reagir a tais deterrninacoes. De fato, inventando suas pro-

prias determinacoes socials e hist6ricas, pelo uso e abuso dos

instrumentos. Estamos, portanto, situados num reino conge-

lado ou como colocou Levi-Strauss (1970) no reinado de

i

ltI

uma «historia f 'ria», onde os ucontccimentos s o aparecem em

espacos de tempo extrao'rdinariamente longos. Entre a «des-

coberta» do bipedalismo OUy digamos, a perspectiva desta pos-

sibilidade e a descoberta da primeira arma 011 instrumento,

quantos milhoes de anos nao se teriam passado ? E entre a

domesticacao do fogo e dos animais, quantos outros milha-

res de anos nao teriam decorrido? Ou sera que tudo foi

vislumbrado num s6 memento, Ulna especie de «queda doParaiso biologico», quando 0 animal que viria a ser 0 homem

rompeu com as cadeias que 0 prendiam a s determinacoes

bio16gicas e ambientais, construindo urn primeiro ato pro-

jetivo : uma arrna, uma alavanca, urn instrurnento capaz de

prolongar 0 braco, ou de multiplicar a forca ? Sabemos que

tais problemas nos colocam, por sua propria dificuldade atemesmo de verbal izacao adequada, no limiar entre 0 cientificoe 0 religloso (ou 0 filosofico) , naquela fronteira onde 0

tempo - por ter que ser contado na escala dos milhoes

de anos - · deixa de operar como uma categoria significa-

tiva, perdendo todo 0 sentido cla.ssificat6rio. A Antropologia

Biologica, assim, nos colocadiante dos espacos primordiais,

dos gestos decisivos, do tempo que corre numa escala fria,

lenta, inf'inita. Ela nos permite especular sabre aque1e mo-

menta magico quando 0 milagro do significado deve ter

se realizado e todas as coisas se juntaram num primeiro

sistema de classificacao,.>

o estudo da Antropologia Cultural e/on Social (ou Etno-

logia) abre as portas de realidades diversas, A b.. .L~Iu ,eolQgi_~t" "

nos remete ao mundo de urn tempo em escala de milha.res

de anos, mas onde osacontecimentos passam a ser decisivos

nao rnais em escala da especie humana como uma totalidade,

mas como elementos que permitem diferenciar civilizacoes,

sistemas produtivos e regimes politicos especificos. Ela nosi~oloca~~'atafited e" -'u ma es p€ cie .d e ' arrancada posterior: depois

de uma dif'erenciacao ao nivel universal (e portanto da espe-•

(~ ic), 0 homem realizou simultaneamente as suas variadas

d iferenciacoes iritcrnas. inventando formas sociais difcrentes.

() movimento e simultaneo, parece-me, .embora seja dif 'icil

coloca-lo assim, sobretudo utilizando urn meio como a escrita

(pte e , acima de 'tudo, linear. De qualquer modo, a «conscien-

('ia arqueol6gica» e aquela que nos toea com tcmporalidadcs

IIII"initas e com uma histori» igualmente fria, onde os espacos

11

. 1(,

I

I

I,

I I

~ ~r

i

:. ~

I I.I

I I

I

··1

!I

36 37..

 

Page 12: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 12/22

..,/

. I .

\.

GJ

e~O I I K ' I I I

b IJ'Qr at

e- .~

o

- _..

 

Page 13: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 13/22

'., .

" ,I' .. I

. . . . . \. . . . . . . '

. '

----_ ._--

 

Page 14: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 14/22

Nosso teatro da Origem do Homem revela (e creio que

sem muitos erros) uma visao utilitarista da cultura e da

sociedade cor'rente.. N ela, como. vimos.. 0 social e um fcnomenosecundario : uma resposta aos elementos naturals (internos

(~ externos) que de f'ato cercam a vida humana e para ele

colocam problemas e estimulos,

Quais os enganos deste teatro ?

o primeiro e que ele fala do homem quando, na verdade,o que temos sao sociedades e culturas. 0 homem e umainvencao ocidental e, ainda que possa ser urn conceito gene-l"OSO e titil em muitos contextos, nao se pode esquecer que

C uma invencao social determinada, parte importante de urnsistema social que se concebe como formado de individuos

e no qual sao esses atomos sociais - os individuos - que

se constituem nos seus elementos mais basicos,

o segundo e qu e , falando do ho-mem e deixando de lado

as sociedades e culturas, fala-se de universalidades e de ge-

neralidades, j amais chegando perto das diferencas. E curiosaobservar essa ambigtiidade diante do diverso e do especifico,

sobretudo em sociedades m.arcadas como e 0 caso da brasi-

leira, por uma tendencia hierarquizante, _Tomando 0 homem

como u r n ser da «resposta instrumental», deixamos de lado

a taref'a .realmente basica de explicar .as dif'erencas.. ~.

. ~

o terceiro e que, deixando de focalizar as diferencas,

inventamos uma mentalidade ecologica, segundo a qual 0

homem nao contempla nem pensa : ele apenas reage ao am-

biente natural, como uma espccie de cao de Pavlov, E nestamentalidade, essa resposta e tanto mais clara., quanto mais

primitiva for a sociedade. Entre os indios brasileiros, queos antropologos da «ciencia ecologica» percebem como pri-

mitivos, pois tern uma capacidade muito baixa de acumular

energia, a sociedade s-omente reage de modo direto. Em tais

sociedades nao se contempla a possibilidade de 0 pensamentoanalitico existir de fato, de modo que 0 processo se passe

ao contrario : com a. sociedade provocando a mudanca do

ambiente em sua volta; on pensando e experimentando comuma nova forma de organizacao social. Nao ! S6 na nossasocicdade e no 110SS0 sistema e que novas formas de rela-

cionamento social podem ser descobcrtas e inventadas, Em

outras palavras, 0 ponto de partida da mentalidade instru-

mental e eco16gica e a de que os indios e natives em geral

J

feitamente calmo e dadivoso. E ainda que 0 hornem pri-

mitivo, 0 Adao da nossa Antropologia Bio16gica e dos

esquemas vitorranos, seja forcado a descobrir e a inven-

.tar pela forca do ambiente., Ou seja: 0 homem nao po-deria inventar sem 0 impulso de uma forca a ele exte-

rior, como 0 pecado, a mudanca ambiental ou 0 proprio

Deus. E e isso que provoca (arranca, seria melhor

dizer) dele uma resposta! Nao e , pois, ao acaso que aAntropologia de Levi-Strauss tenha causado polemica

quando ela sugere a possibilidade de imaginal" a espe-

cie humana tendo a capacidade de inventar, contem-

plar e especular sobre 0 mundo e sobre si propria, do

mesmo modo que faz urn f i16sofo da Sorbonne ou de

Harvard! Por que nao seria possivel imaginar 0 nossoAdao da Ciencia como urn ser fundamentalmente con-

templativo e filos6fico, vivendo num mundo natural da-

divoso e com facilidades para .encontrur todo 0 tipo de

alimentos ? ',E que, no nosso sistema ideologico, a a~ao

e mais importante como mediacao do que 0 pensamento.

E este, sem duvida, e urn dos nossos mais importantesparadoxes. Como, pergunta-se, pode-se privilegiar a

a~ao, num universe s.ocial no qual 0 individuo e tao

fundamental?

Q'tlarto Ato: Descoberto urn modo de intervir na natureza,

e conhecendo a magnitude e 0 poder destrutivo das forcas

naturals, 0 homem passa a se conhecer como f'raco e so-

litario. Decide entao agrupa.r-se e forrnar a sociedade.

Quinto Ato: Uma vez em sociedade, mas mantendo dentro

dele todos os impulsos anti-sociais individualis tas, como

a fomc, a agressividade e 0 sexo, 0 homem se v e novamen-

te obrigado, pcla forca da experiencia negativa, a inventar'.~s instituicoes. Deste modo, a. agressividade engendra as

. Ieis, a politica e 0 direito : 0 apetite sexual provoca-il'

invencac da familia" do incesto, do casamento e do pa-

rentesco ; a fome conduz a descoberta do trabalho e do

valor dos al imentos pela lei da escassez.. Os eventos

anormais, como a coincidencia, a morte, 0 sonho e a des-

graca, leva a religiao.

I .

III

- Pano-

4243

...

..-.--~

~

. . . ~ : .- - :- : >. . , /_" -" .

. ~

 

Page 15: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 15/22

·- . . . . . . -

- ----------- - - - - -- - - - - - ------------ --~--------- - - - -- -~ -- ----~.-- - - - - - - - - - - - - - - --

 

Page 16: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 16/22

\ .\. . . .

~~. ,

- ~

' . \ ' "... ,':

(

\ r•

. . . . .,

. .._ .--.. __---- _ ... _ .. - .~--- ..--,--.- _... _ . • _ . _ - - _ .. _ .._-_ .... ,.. ,~ ~-

 

Page 17: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 17/22

- \, ." ...

. \.. \• • ' L

.. \

 

Page 18: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 18/22

, II

i '

,I.

; !

I

II

I: ,

: i1

!

~ .

. I· I

: I I. '

:' f iI II, ,

. '\

I I

I

, membros acabam por perccber sua tradicao como alga inven-

tado especialmente para eles, como uma coisa que lhes per-

tence. Assim dizem: «fazemos deste modo porque assim diz

nossa trtuliciio» e a «nossa tra.di~fLO» e uma realidadc (e

uma realizacao) dinamica .. Que csta dentro e fora do grupo :

que pertence aos ancestrais e espiritos; que a legitimam e

a nos mesmos (pobres mortais ) , que a atualizamos e honra-

mos no espaco atual, no momento presente.Sociedades sem tradicao sao sistemas coletivos sem cul-

tura. Mas alem de estarem submetidas a leis e normas uni-

versais, impermeaveis it passagem do tempo e das geracfies,

as sociedades de formigas e abelhas nada deixam que as·

individualize. Quando desaparecem, sabra apenas sua a~ao~

mais violenta sobre urn dado ambiente natural. Mas, destas

sobras, e impossivel reconstruir 0 comportamento de seus

individuos e dos seus grupos. Em outras palavras, formigas

e outros animais sociais estao suj eitos a uma apreensao

sincronica do seu comportamento. Caso a sociedade desapa-

reca no tempo, sua reconstrucao e impossivel ficando 0 .

animal representado individualmente , como as dinossauros

que nunca sao rep res entados em grupo. Os animais nao

deixam nada comparavel a uma tradicao quando desapare-

cern. Sua sociedade e urn conjunto de mecanismos dados numa

estrutura genetica, contidos na propria especie, naD se des-

tacando dela e, por isso mesmo, j amais permitindo inovacoes

que poderiam consagrar espacos especiais para dif 'erenciacoes

de quaisquer tipos.

Podemos asaim dizer que sociedades sem cultura apenas

acontecem no caso das «animals sociais» (uma expressao,

sem diivida, contraditoria) . No caso do homem, a cada so-

ciedade corresponde uma t.radicao cultural que se assenta 110

tempo e se projeta no espaco. Dai 0 seguinte postulado ba-. . . - -

.sico :" dado 0 fato de que a cultura pode ser reificada no

. tempo e· Ito esp,a~o (atraves de sua proj c~ao e materializacfio

em objetos) , ela pode sobreviver it sociedade que a atualizanum conjunto de praticas concretas e visiveis, Assim, pode

haver cultura sem. eociedade, embora niio possa existir umasociedrule seni culiura.

Em outras palavras, posso tel ' residues daquilo que foi a

sociedade do Egito Antigo na forma de restos de monumen-

tos arquitetonicos, estatuas, campos de cultivo, decretos reais,

selos comemorativos, obras de arte e tratados cientificos e

filos6ficos, embora a sociedade do Antigo Egito tenha desapa-

recido diante dos meus olhos. Dito de outre modo, nao tenho

mais urn sistema de acao entre grupos, categorias, classes 80-

ciais, estamentos e individuos que fizeram a coletividade do

Egito Antigo e atualizaram urn certo conjunto de valores,

expressi vos de uma dada Lradicao. Apenas tenho certas cris-

talizacoes (ou materializacoes) deste sistema de a~ao, obj e-

tificacdes que sao tanto urn reflexo direto deste sistema de

praticas concretas, quanto esse proprio sistema. Mas tudo

isso dado atraves de uma forma indireta de suas repre-

sentacoes, Vale dizer: par meio de urn espelho que e a cul-

tura au a tradicao reificada. Mas como nem tudo que per-

tence a uma tradicao pode ser reificado ou 0 grupo desej a

ver reificado em coisas materials, sabemos que e impossivel

ter todo 0 sistema de a c ; a , Q social reproduzido em objetos,

do mesmo modo que nem todos os valores sao igualmente

concretizados. Dai tambem a distincao entre sociedade e cul-..:;.

tura como dois segrnentos importantes da realidade humana:

o primeiro indicando conj untos de acoes padronizadas; 0 se-

gundo expressando valores e ideologias que fazem parte daoutra ponta da realidade social (a cultura). Uma se reflete

na outra, uma e 0 espelho da outra, mas nunca uma pode

reproduzir intcgralmente a outra. Dai, novamente, a impli-

cacao de que 0 germe da mudanca, da transicao e da pro-

pria morte, ja escondido no vasto espaco existente entre as

praticas (com sua logica organizntcr.ia) e teoria com suas

asas de anj 0 e idealizacoes que permitem enxergar 0 mundo

transforrnado. De fato, se a sociedade do Antigo Egito fosse

uma rcproducao exata dos valores e ideologias do Antigo

Egito (vale dizer: de sua cultura) , seria impossivel aos seus

membros distinguir e atr ibuir valores a pedacos de suas acf ies

socials, Porque nem tudo no Antigo Egito foi feito de pedraou de ouro; e nem tudo foi cercado de obj etas materiais

indicatives do seu valor excepcional e de sua pompa ver-

dadeiramente sagrada, E pela cr istalizacao material que,

muitas vezes, nos podcmoe separar, distinguir e atribuir sig-

nificado a s nossas aedes. 0 dominic do sagrado (e do poder

que, em muitos sistemas, se mistura com elc) e freqticnte-

mente uma esf'era lnterdita, segregada, secreta)! proxima ria

morte que, COT.nO nos diz Thomas Mann, inspira respeito -

505J~

. .. _ _ _ . _ . - -

 

Page 19: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 19/22

~ \.\ ..,

~. :

 

Page 20: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 20/22

-\

,. ,,. . - . . . . ~ ' -~--..- .: . . ... - - . . _ - ' •• ', .. .. :- .. .... .. .-=. ... ~ \

~,

...

. ; ; j,.'

~..

~: . : . -

j..,

!&o

1 ~

t " , '~ ;~ - - ¢ ,. .;._

J i : . .. - . .. . . . . .. ~

~ "- -:i" .~

I i ! :...,.:;

fi _._....

. ..

0 1- -rO~

0:;;

::: ' :, ..~ " I

-.. . .

. ~:,-- '-

-",

r

• L

 

Page 21: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 21/22

y

'. . . .

." .. . . .,

 

Page 22: damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências

5/13/2018 damatta, roberto. a antropologia no quadro das ciências - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/damatta-roberto-a-antropologia-no-quadro-das-ciencias-55a74f987e9f1 22/22

. . . .: ... (

/:~) 7. Digressao: A Fabula das 'I'res Racas.on 0 Problema do Racismo a Brasileira

grupo num certo periodo de tempo, tendem a minimizar 0

papel dos obj etas materials que 0 gru po cristaliza em sua

trajetoria, objet-os que concretizam sua his t6ria e 0 modopelo qual ele pode se perpetuar enquanto coletividade. .Dai,

como estamos vendo, a importancia dos dais conceitos que,

tudo indica, exprimem aspectos fundamentais da vida social

das coletivida,des humanas enos aj udam a perceber sua..

especificidade~:-//~,/ r

sobre as razoes que motivam as relacoes profundas entre

credos cientificos supostamente eruditos e divorciados da

realidade social e .s ideologias vasadas na expcriencia con-

creta do dia-a-dia b.~~~'rYQ,,_entao,nesta parte, como 0 nosso

:.S_istemahierarquizado .esta plonamente de acordo com os de-

_~!rminismos que .ucabam por apresentar 0 todo como algol

_ .C<:? J !_c~et~_ ,_ l_Q~n_ecendQum. Inga r _para cada coisa e colocando;.,LCO~~lementarmente, cada coisa em seu Ingar. Mas e precise

comecar do comeco,

E 0 comeco aqui e a porspectiva de senso comum rela-tivamente it Antropo19gia. Tomando tal posicao como ponto

de partida, assinalo minha conviccao segundo a qual e sempremenor do que supomos/ a famosa distancia que deve separar

a~_.te9:ias__.e~uditas (ou cientificas) da ideologi~ ..- - ; e _ " ~ _ y , a l o : r e s ~¥__.~-

. il l f 1 J . ~ 9 .! ~ _ O _ ~pelo"corpo social, ideias que, como sabemos, for-mam 0 que podemos __denominar .de «ideologia abrangente»

porque estao disseminadas por todas as camadas, permeando

os seus espacos sociaisz' Por tudo isso, gostaria de comecarrememorando uma experiencia social corriqueira para 0 pro-

fissional de Antropolosra.Quando alguem descobre que somos «antrop61ogos»

e os amigos, observo, dizem isso pronunciando a palavra comose ela fos~e uma formula, posta que e , na maioria das vezes,desconheclda, supondo uma atividade misteriosa - .. a primei-

ra pergunta e sempre dirigida ao nosso trabalho com OSSOS

c~~nios, t umul_os e esqueletos f6sseis.1 Outra indagacao fre~quente pode igualmente surgir no conjunto de perguntas

~obre as «racas formadoras do Brasil», com todas aquelas

indagacoes ja conhecidas desde 0 tempo da escola primaria

mas que misteriosamente persistem no nosso cenario ideolo-

g,ic.o, perguntas q?e dizem respeito a uma eonfirmacao cien-

tiftca da «preguica do indio», «melancolia do negro» e a

«cupidez» e estupidez do branco lusitano, degredado e de-

gradado, Tais sertam ainda hoje O oS fatores rosponsaveisnesta visao tao arronea quanto popular, pelo nosso atraso

". .economico-social, por nossa indigencia cultural e da nossa

necessidade de autorita.rismo politico, fator .corretivo basico

neste universo social que, entregue a si mesmo, so poderia

degenerar-se. Ouvindo tais opinioes tantas vezes, eu I sempre

me pergunto c;~e0 racismo do famoso Conde de Gobineau estarealmente morro ! _ ~ ~ . _ . o . " - . . . . . . . .. . - - , . . . _ . .

-.

\

,

/" ~ '

f

.~ ~ ~-"I :

.>. . . .. . . . . ..~......--- .

\,

Termino esta parte com uma digl'essao para revelar ao leitor

como I a perspectiva sociologica enCo11tra resistencias no ce-

narro social brasileiro/ De fato, ela tern sido sistematica-mente relegada a um plano sscundar io, dado que sao as

doutrinas deterministas que sempre lhe tomam a frente/

Destas, vale destacar o~nOSSQ- r a. G i smo - conti do .na «fabula das" . . . ; - { ' , . . . . . , . ' ' . ./ : . , - , . _ " - ; ~' , - . > - - ' - - - . .- - . . . . . ~ - - - - - - " " _ - _ .

",!~~~~._~.. ~ S » que, do final do seculo I1assado ate os nossos

rras clentificas l,,quanto!lU e-ampQ~._P9Pular Mas 0 nosso"Q--.

pendor para determinis'mos niio se esg·ota nisso, pais logo

depois do «racismo» abracarnos 0 determinismo dado pelas

teorias positivistas de Augusto Cornte, teorias basicas para

muitos movimentos sociais abragados par nossas elites, en-

quanto que modernamente assistimos ao surgimento do mar-xismo vulgar como a moldura pela qual se pode orientar

muito da vida social, politica e cultural do p,ais ./ Estamos,

pois, novamente as voltas com urn outro determinismo, agorar

fundado numa def'inicao .abrangente do. <<_e~onQmjco» e das

f~<!qrs ; ~g_12EO_?h tiy a s» , . .)3:~~9m9!3.outra vez a possibilidade de,_otalizar 0 mundo e a vida, social num tempo que nao e 0

_ d ~ vontade e consciencia dos agentes hist6ricos, mas emforcas e energias que se nut.rem em outras esferas, incon-troladas pela vontade e desejos humanosl Num certo sentido,retornamos a urn comeco, recnsando a discussao aberla e

generosa de nossa realidade enquanto urn fato social e his-

torico especifico. ., ,'r ," '" \ :~ ~ , .Nesta digressa.o,· pois, apresento l 0 caso ,Po ~i J?_r . ! l o<~a

brasileira» como prova desta dificuldade de pensar social-. ._ . .- ._- . .- - - - --- - . - ..\ mente 0-'- Brasil e ainda como uma tentativa de especular

59-./

, ' . 58

..

:/. , . ::. - . ~... -

(