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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
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DANIELE FERREIRA SOARES
YOGA NA ESTAÇÃO:
UMA INVESTIGAÇÃO DOS PROCESSOS DE RESSIGNIFICAÇÃO
Alfenas/MG
2018
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DANIELE FERREIRA SOARES
YOGA NA ESTAÇÃO:
UMA INVESTIGAÇÃO DOS PROCESSOS DE RESSIGNIFICAÇÃO
Trabalho apresentado como requisito parcial
para a conclusão do Curso de Graduação em
Ciências Sociais (Bacharelado), pela
Universidade Federal de Alfenas.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Tadeu Siepierski
Alfenas/MG
2018
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Agradecimentos
Agradeço à Universidade Federal de Alfenas e, sobretudo, ao curso de Ciências
Sociais/Bacharelado por ter possibilitado uma formação que me engrandeceu enquanto
cientista e pessoa.
Agradeço aos professores que fizeram parte da minha trajetória acadêmica,
sobretudo ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Tadeu Siepierski, que me fez enxergar o
quão complexo e importante pode ser o pensar antropológico.
Agradeço aos colegas do grupo de pesquisa Sociedade e Cultura
Contemporâneas, que contribuíram diretamente para meu amadurecimento enquanto
pesquisadora.
Agradeço a todos os laços de amizade que fiz em Alfenas, mas especialmente
aos meus queridos Pedro, Lucas e Ylzes.
Por fim, mas não menos importante, agradeço aos meus pais, que sempre me
apoiaram em todas minhas escolhas. Por vocês tenho todo amor do mundo!
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Apresentação
Quando resolvi fazer o curso de Ciências Sociais almejava, desde minha
inserção, ter como tema de pesquisa as manifestações religiosas. Isso devido ao valor
que minha família sempre conferiu à esfera do sagrado: haviam aqueles que se
caracterizam por católicos, outros enquanto evangélicos e os que se intitulavam como
espíritas. Devido a esse pluralismo e ao meu interesse de sempre ouvir e compreender,
acabei por ter ainda mais vontade de saber sobre o assunto.
Com ainda muita ingenuidade e com saberes metodológicos para serem
adquiridos, pude ingressar (ainda no terceiro período de graduação) no grupo de
pesquisa orientado pelo Prof. Dr. Carlos Tadeu Siepierski, que sempre enfatizava a
importância da pesquisa no âmbito das Ciências Sociais e a necessidade de elaboração
de bons projetos. Deste modo, com a colaboração de todos os colegas que integravam o
grupo naquele momento, acabei por desenvolver um plano de trabalho que almejava
compreender algumas nuances do pensamento do filósofo e historiador das religiões
Mircea Eliade, o que veio a se tornar uma Iniciação Científica desenvolvida no período
de março de 2017 à fevereiro de 2018, contando com uma bolsa da Fundação de Apoio
à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). Pelo fato deste intelectual se propor a fazer
um estudo comparado das religiões, pude sanar alguns questionamentos que já
carregava comigo desde o início da graduação. Soube mais não só sobre as
manifestações religiosas que acima citei, mas sobre tantas outras, como as indianas, por
exemplo.
Deste modo, uma das obras mais famosas de Eliade que pude revisar é aquela
que possui como título Yoga: Imortalidade e Liberdade. Nela, o autor aponta que o
yoga seria um dos elementos mais acionados pela cultura indiana, sendo que sua
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característica geral seria a busca, por meio de meditação e posturas corporais, de uma
realidade transcendente, marcada pelo não condicionamento e liberdade absoluta. A
partir destas informações que fui colhendo ao longo da iniciação científica, acabei por
obter ainda mais dúvidas: porquê o yoga na nossa sociedade é tão diferente? Se não é
religioso, qual seria o motivo das pessoas buscarem o yoga no nosso contexto?
Já caminhando para o fim da graduação e com o objetivo de ingressar em um
futuro mestrado, acabei optando por fazer como trabalho de conclusão algo que fosse
um desdobramento dessa primeira investigação, agora procurando problematizar
justamente esses processos de ressignificação que a prática yóguica foi adquirindo no
contexto ocidental. Tal proposta, como ficará claro nas próximas páginas, procura
atender as exigências do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Nesta instituição, eles pedem que o projeto tenha no
máximo 10 páginas (não entrando na contagem a bibliografia), que seja escrito com
fonte Times New Roman 12, espaçamento 2, margens superior e inferior de 2,5cm e
margens esquerda e direita 3cm. O projeto deve conter também os seguintes tópicos: 1.
resumo (com no máximo 15 linhas e 6 palavras-chave); 2. tema e objeto (neste item
deve ser apresentado o tema da pesquisa e a delineação do objeto a ser pesquisado); 3. o
campo de debate (deve ser aqui apresentada a revisão de literatura sobre o tema da
pesquisa e a relevância da mesma); 4. o campo da pesquisa (neste item deve ser
esclarecido o local onde a pesquisa será realizada, apresentar a metodologia, uma
previsão de seu desenvolvimento e os resultados esperados) e, por fim, 5. a bibliografia.
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YOGA NA ESTAÇÃO:
UMA INVESTIGAÇÃO DOS PROCESSOS DE RESSIGNIFICAÇÃO
Resumo
A cultura indiana, em toda a sua complexidade, apresenta diversos elementos
interessantes de serem pensados, e um deles seria o yoga. Na verdade, este elemento em
questão não é apenas mais um entre tantos, mas um dos mais acionados pelos habitantes
daquele contexto. Em suma, o yoga (por meio de meditação e certas posturas corporais)
possibilita ao indiano alcançar um estado de espírito marcado pelo não condicionamento
e liberdade absoluta. Contudo, essa não é a única característica do yoga, posto que outra
importante de ser destacada diz respeito à popularidade que ele possui em quase todos
os cantos do mundo. O yoga foi se disseminando, ao longo do tempo, para outras
culturas, inclusive as sociedades ocidentais. Mas, conforme essa expansão foi
ocorrendo, acabou por ser submetido a uma série de ressignificações. Aqui no ocidente
é visto ora como esporte, ora como prática espiritual e ora enquanto prática
complementar de saúde. Na cidade de São Sebastião do Paraíso/MG, em um lugar
denominado Praça da Estação, a prática do yoga é ofertada por dois instrutores
gratuitamente e ao ar livre. Em vista disto, a presente proposta visa compreender, por
meio de um trabalho etnográfico, o processo de ressignificação do yoga neste contexto
em particular.
Palavras-chave: Yoga, cultura indiana, ressignificação, técnicas corporais, etnografia.
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2. Tema da pesquisa: A mundialização do yoga.
2.1 Objeto a ser pesquisado:
Um dos elementos chaves da cultura indiana e um dos mais acionados é o yoga.
Isso devido a sua função soteriológica, já que indiano procura por meio dessa prática
(através de meditações e posturas corporais) atingir um estado de espírito marcado pelo
não condicionamento e liberdade absoluta. Em outros termos, almeja-se com a execução
de certas técnicas corporais romper com a realidade profana em prol do alcance daquela
caracterizada como sagrada. Todavia, a prática não está hoje em dia inserida somente no
seu contexto de origem, posto que ao longo da história acabou por encantar outras
sociedades e encontrar terreno fértil em quase todos os cantos do mundo.
Contudo, conforme a difusão da prática foi acontecendo para além das fronteiras
orientais, ela acabou sendo submetida a uma série de ressignificações. Sendo assim, nas
sociedades ocidentais o yoga é visto de diversas formas: ora como prática espiritual, ora
enquanto atividade física e ora como atividade complementar de saúde. Na cidade de
São Sebastião do Paraíso, localizada no Estado de Minas Gerais, dois instrutores
ofertam aulas de yoga gratuitamente em um lugar denominado Praça da Estação. Sendo
assim, indagamo-nos: quais seriam os significados atribuídos ao yoga pelos praticantes
na Estação?
Para adquirir domínio e autoridade de ensino sobre a prática de yoga, muitas
pessoas procuram ir ao território indiano ou conviver com instrutores que já estiveram
por lá. Este seria um requisito para se tornar um mestre da prática, podendo, assim,
difundi-la. Deste modo, como os instrutores em questão adquiriram tal autoridade?
Como os novos significados do yoga são construídos em diálogo – ou não - ao que ele
representa no contexto indiano? Outra questão salientada por diversos estudiosos seria a
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de que o corpo e as práticas corporais seriam as instâncias mais requisitadas dentro do
yoga moderno (ou yoga ocidental). Assim, como o corpo e essas práticas contribuem
para a construção de tal sentido?
3. Campo de Debate:
3.1 Revisão de literatura
Falar sobre o yoga é o mesmo que fazer referência a um dos poucos elementos
da cultura indiana que conseguiu caminhar por entre distintas sociedades e encontrar
terreno fértil em quase todos os cantos do mundo (ALMEIDA, 2003). Na verdade, o
yoga não é apenas um elemento daquela cultura, mas sim um dos mais importantes e
requisitados. De acordo com o filósofo e historiador das religiões Mircea Eliade (1996)
quatro conceitos principais fundamentam o universo indiano, sendo eles o de 1) Karma:
lei da causalidade que solidariza o homem com o cosmos; 2) Mayã: processo misterioso
que gera e sustenta o mundo e, deste modo, mantêm-nos apegados a uma existência
ilusória; 3) Nirvãna: realidade absoluta que está para além da ilusão cósmica; e, por fim
o 4) Yoga: prática para se atingir o ser em si, a técnica mais eficaz para se chegar ao
nirvana ou libertação.
Vemos, a partir de tais informações, que o yoga na Índia é visto enquanto uma
ferramenta decisiva para se alcançar o tão almejado estado de liberdade. Contudo, este
termo possui para os indianos um sentido bastante particular, posto que “libertar-se
equivale a impor-se outro modo de existência, apropriar-se de outro modo de ser,
transcendendo a condição humana” (ELIADE, 1996, p. 20).
O vocábulo yoga geralmente é utilizado para denominar toda técnica de ascese e
todo método de meditação. Todavia, Eliade (1996) evidencia que tais asceses, ao longo
da história da Índia, foram valorizadas de maneiras distintas pelas múltiplas correntes de
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pensamento existentes naquele contexto. Podemos nos deparar com um tipo de yoga
denominado como clássico (sistema filósofo sistematizado por Patañjali), com yogas
não-bramânicos (dos budistas e jainistas), aqueles de estrutura mística e outros de
estruturas mágicas.
Como vemos, o yoga até mesmo na Índia possui múltiplas facetas e seria uma
missão quase impossível tentar exaurir em poucas linhas todas elas e elencar as suas
características. Contudo, se quisermos compreender os elementos essenciais da prática,
devemos recorrer ao yoga clássico tal como sistematizado pelo estudioso e guru
Patañjali (que viveu provavelmente entre os anos 200 a.C. e 400 d.C.), posto que desse
sistema podemos depreender a posição do yoga na história do pensamento indiano. Em
outras palavras:
De todas as significações que se reveste a palavra yoga na literatura indiana, a mais
precisa é a que se liga a “filosofia” (yoga-darsana) tal como é exposta sobretudo no
tratado de Patañjali, yoga-sutra [...]. Entretanto, ele não é o criador da filosofia yoga,
da mesma forma como não é, e nem poderia ser, o inventor das técnicas yóguicas.
Ele mesmo confessa que (yoga-sutra, 1, 1) não fez senão compilar e corrigir (atha
yogãnusãsanan) as tradições doutrinárias e técnicas do yoga em torno do material
filosófico emprestado do Sãnkhya (ELIADE, 1996, p.22).
Em regra, o objetivo do Sãnkhya, bem como do yoga, seria desunir o espírito
(purusa) da matéria (prakrti). Essas duas correntes de pensamentos se justificam por
tentar libertar a humanidade do sofrimento, sendo que este advém justamente da
ignorância que nos faz confundir o espírito (o ser em si) com estados psicomentais
(sentidos, sentimentos, pensamentos, desejos etc.). Se a Índia rejeita o mundo e a vida
tal como se apresentam é porque se acredita que é para além de tudo isso que se localiza
a liberdade absoluta (moksa). Em outros termos, se o sofrimento existe e perdura é
porque a humanidade se solidariza com a realidade profana destituída de todo real valor
(ELIADE, 1996). Tendo isto em vista, podemos afirmar que o yoga no território indiano
seria um conjunto de técnicas que permitem que a pessoa acesse a realidade sagrada e
encontre seu verdadeiro eu.
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A partir desta breve exposição, vimos a importância que as técnicas yóguicas
possuem para os indianos, e é devido a esta importância e sistematicidade que talvez a
prática tenha encantado todo o resto do mundo. Via de regra, o yoga tornou-se popular
em várias sociedades ocidentais e, devido a isso, muitos autores não tardaram a tentar
desvendar o momento histórico que tornou possível a difusão do yoga para além das
fronteiras orientais.
Este é o caso de Nunes (2008), que salienta que a primeira vez que o ocidente
teve contato mais incisivo com a prática foi no ano de 1839 na cidade de Chicago. Com
intuito de promover um diálogo entre as religiões mundiais, convidou-se para participar
de um parlamento grandes líderes de todas as religiões para que falassem a respeito de
suas crenças. Na verdade, tal parlamento foi idealizado por diversos estudiosos que
procuraram promover o encontro entre oriente-ocidente e, em vista disso, tornaram
possível a vinda de representantes religiosos dos territórios da Índia, Sri Lanka e Japão.
Em meio a isso, uma das figuras que mais tiveram destaque foi a do guru indiano
Swami Vivekananda, que falou em nome do hinduísmo e fez referência à prática do
yoga. O fato de o ano de 1839 ser apontado como o momento decisivo do contato do
ocidente com o yoga não quer dizer que anteriormente não houvesse nenhum
conhecimento sobre a prática, mas sim que foi a partir desta data que a técnica yóguica
se popularizou e passou a ser praticada por um número significativo de pessoas,
religiosas ou não.
Outra estudiosa do yoga que aponta ser esse um momento importante da
apresentação do yoga ao ocidente seria Almeida (2003). Contudo, tal autora nos
apresenta a informação adicional de que Vivekananda possuía certos valores que não
eram os mesmos de grande parcela da população indiana. A saber, ele fazia parte da
corrente neo-hinduísta que procurava ocidentalizar a Índia e também disseminar os
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saberes indianos para todos os cantos do mundo. Deste modo, o yoga acabou por ser
exposto enquanto um conhecimento técnico bastante sistemático capaz de auxiliar as
pessoas na resolução de problemas oriundos da vida moderna. Em outras palavras, o
yoga “seria apresentado aos ocidentais de uma forma laica, como um conhecimento
prático e corporalizado, utilizado pelo praticante como forma de aperfeiçoamento e de
controle pessoal” (ALMEIDA, 2003, p. 58).
Vemos, a partir do que foi exposto por estes dois autores, que conforme a
difusão da prática foi ocorrendo para além das fronteiras orientais, ela foi sendo
submetida a um processo de ressignificação e passou a ser empregada por razões
distintas. Enquanto em quase todo domínio da Índia o yoga é tomado enquanto uma
ferramenta corporal/espiritual que possui a função soteriológica de possibilitar ao
sujeito o alcance da liberdade, afastando-o do ciclo infinito de reencarnações (samsara),
o yoga passou aqui a ser encarado preponderantemente enquanto uma tecnologia
voltada para o corpo (Le Breton, 2013).
De acordo com Siegel e Barros (2013), um fato que denota claramente que o
yoga é utilizado pelas sociedades ocidentais enquanto uma tecnologia capaz de trazer
melhorias ao corpo físico dos sujeitos foi o de que, em 2005, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) passou a reconhecer a prática enquanto integrativa/complementar ao
âmbito da saúde, haja vista que ela “atua como exercício físico, respiratório e mental;
relaxa e contrai os músculos, ocasionando automassagem sobre as glândulas
endócrinas” (SIEGEL, Pâmela; BARROS, Nelson, 2013, p. 176).
Contudo, a compreensão dos sentidos atribuídos ao yoga no contexto ocidental
se torna mais complexo quando tomamos como referência outros domínios da vida
social. De acordo Gnerre (2010) o yoga não se apresenta para nós somente enquanto
prática complementar de saúde, posto que se mostra ora como atividade corporal de
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relaxamento do stress, ora como um esporte que exige muito de seu praticante e ora
como um caminho espiritual.
A partir do que nos diz a autora, seria impossível falar do yoga nas sociedades
ocidentais como contendo um sentido único. Assim, só poderíamos compreender a
multiplicidade de seus significados se fossem empregadas análises minuciosas de
contextos específicos onde a prática é realizada. Para além desta questão, outras duas
informações importantes de serem destacadas dizem respeito a 1) característica
iniciática que o yoga possui e 2) a importância que o yoga ocidental (ou yoga moderno)
atribui ao corpo e às técnicas corporais para se alcançar alguns fins almejados, sejam
eles quais forem.
Mircea Eliade (1996) é um dos autores que apontam a importância que a
iniciação possui para que os sujeitos possam ser inseridos no universo yogi. Deste
modo, para além do seu lado prático, o yoga também possui o lado iniciático, posto que
“não se aprende yoga sozinho, é necessário a orientação de um mestre (guru)”
(ELIADE, 1996, p. 20-21). Todavia, os preceitos deste universo só podem ser
transmitidos por alguém que já possua experiência e conteúdo (ideológico e técnico)
adquiridos por um largo espaço de tempo. Não se trata somente de querer ensinar, é
necessária uma formação para tanto. Nunes (2008) salienta que para adquirir essa
“autoridade” de ensino muitas pessoas buscam ir até a Índia ou ter aulas com instrutores
que já estiveram por lá a fim de adquirirem conhecimento e maturidade exigidos.
Já sobre a segunda informação levantada acima, é Tales Nunes (2008) que
assinala o quanto o corpo e as posturas corporais são requisitados no universo do yoga
moderno. Ele enfatiza que a prática passou a assumir sua forma secularizada quando
adentrou no ocidente, visto que nossa sociedade estava passando pelo longo e
ininterrupto processo de desencantamento do mundo (PIERUCCI, 2013). Isso não quer
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dizer que os preceitos religiosos de explicação do mundo deixaram de existir, mas sim
que eles passaram a competir com outras categorias explicativas, as científicas por
exemplo. Mircea Eliade (2010) falando também sobre este processo e sendo um pouco
mais radical que Weber, salienta que o homem ocidental moderno assumiu um modo de
existência secular, onde o sagrado não seria mais articulado para se justificar o mundo e
a vida. Esse processo histórico foi elencado aqui porque ele nos permite entender a
forma que o yoga passou a assumir no nosso contexto.
Deste modo, em uma sociedade onde os preceitos religiosos passaram a ser
questionados e a competir com outras justificações de mundo, o yoga passou a ser
tomado não mais exclusivamente enquanto uma alternativa de se alcançar uma realidade
sagrada marcada pelo estado de libertação (como é no caso indiano) Aqui, de acordo
com Nunes (2008) ele tomaria sua forma moderna justamente porque as posturas
corporais (asanas) passaram a ser demandadas majoritariamente em prol do melhor
condicionamento físico dos indivíduos. A vertente do yoga mais conhecida por nós seria
o Hatha, onde as posturas são a etapa mais requisitada da prática.
Tendo em vista o que foi dito pelos diversos autores aqui trazidos, várias outras
questões nos surgem: como os instrutores de yoga adquirem “autoridade” de ensino e
como essa tal autoridade repercute na forma como os sentidos são construídos? Já que a
ida à Índia ou o contato com os instrutores que lá estiveram são as condições colocadas
para se atingir essa autoridade, como funciona o diálogo entre o que representa o yoga
no contexto oriental e o que ele representa para nós? Será mesmo que certos
pressupostos tradicionais da prática são deixados de lado? E, por fim, mas não menos
importante, como as técnicas corporais - tão acionadas pelas sociedades ocidentais - são
articuladas em prol da construção de sentido ao yoga?
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3.2 Relevância da Pesquisa
Diante do mundo destituído de sentido intrínseco, o homem procura dotar sua
existência e tudo o que o circunda com significados que possibilitem uma orientação. A
religião, sendo um fenômeno cultural extremamente difundido e praticado por diversas
sociedades, é um dos principais meios pelos quais modelos explicativos são elaborados
para que o problema da falta de sentido seja enfrentado. Tradicionalmente a prática do
Yoga possui um caráter religioso e por meio dela os sujeitos buscam se conectar com o
sagrado e o transcendente. Não obstante, ao longo da história ela foi sendo incorporada
por culturas diversas e, devido a isto, recebeu novos sentidos e significados. Posto que
tal prática é largamente difundida pelo mundo – bem como no Brasil - e que os estudos
que já foram realizados sobre ela são em grande medida ligados às ciências da saúde
(onde se procurar ensinar como executar os exercícios prescritos pelo yoga e ressaltar os
benefícios dos mesmos), seria interessante um estudo de caráter antropológico que
procurasse compreender a motivação das pessoas em buscarem a prática, quais os
significados atribuídos a ela (se são religiosos, ligados a saúde, etc.) e suas implicações
sociais.
4. Campo de Pesquisa
4.1 Lugar onde pretende-se realizar a pesquisa
Pretende-se realizar a pesquisa na cidade de São Sebastião do Paraíso, localizada
no interior do Estado de Minas Gerais e com estimativa populacional de 70 mil
habitantes, segundo dados do IBGE/2010. Mais especificamente, a investigação se
centrará em um lugar denominado Praça da Estação, posto que é neste ambiente que a
prática de yoga é ofertada ao ar livre por dois instrutores (todos os sábados das 7 às 10
horas da manhã).
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4.2 Metodologia a ser adotada
Pretende-se, tal como destacado por Clifford Geertz (2015), lançar mão de uma
pesquisa que tenha a etnografia como suporte principal, posto que é por meio dela que
podemos adentrar em universos estranhos e, através de entrevistas, conversas informais,
observação de rituais etc., fazer “leituras” e construir inteligibilidades sobre contextos
específicos. Sendo assim, almeja-se que haja uma total inserção da pesquisadora no
meio proposto, posto que somente o contato e convivência com o “outro” pode fazer
com que os antropólogos mergulhem em universos específicos do contexto social e
conheça de fato seus fundamentos.
4.3 Previsão de desenvolvimento
Pretende-se que a pesquisa como um todo tenha uma duração aproximada de
dois anos, conforme as exigências do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Nos primeiros seis meses, pretende-se
que haja uma dedicação total as disciplinas exigidas pelo programa. Nos próximos seis
meses e com uma maturidade maior da pesquisadora com formas mais precisas de
trabalho e um conhecimento mais preciso sobre a antropologia urbana, almeja-se que
haja uma convergência entre ida à campo (que ocorrerá aos fins de semana) e o término
das disciplinas obrigatórias. No segundo ano de desenvolvimento da pesquisa, os
esforços se voltarão exclusivamente para a etnografia do campo escolhido, assim como
a sistematização do material coletado e a finalização, nos seis meses finais, da redação
do trabalho de conclusão (que terá o formato de dissertação).
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4.4 Resultados esperados
Os resultados esperados situam-se basicamente em dois campos. Por um lado,
espera-se compreender, em uma cidade pequena do Estado de Minas Gerais, os
processos de ressignificação da prática do yoga. Pretendemos, com essas informações,
avançar na análise dos resultados e, deste modo, dar sequência a pesquisa em um
possível doutorado. Por outro lado, espera-se que a pesquisadora desenvolva seu senso
crítico para a análise de dados, sua perspicácia para a investigação científica e sua
capacidade para correlacionar teoria e empiria.
5. Bibliografia
ALMEIDA, Joana Raquel. O Oriente que há em nós. O Centro Nori: um estudo de
caso da prática de yoga em Portugal. 2003. 198 f. Dissertação (Mestrado em
Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação) – Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa, Lisboa.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: essência das religiões. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2010.
ELIADE, Mircea. Yoga: Imortalidade e Liberdade. São Paulo: Palas Athena, 1996.
FERNANDES Edrisi; ROCHA, Vera Lúcia da. A imagem do yoga como terapia e
como ginástica: uma construção ocidental. Artigos Vivência, p. 311-326, 2005.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2015.
GNERRE, Maria Lúcia. Identidades e paradoxos do Yoga no Brasil: caminho
espiritual, prática de relaxamento ou atividade física? Fronteira: Dourados, MS,
2010.
LE BRETON, David. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis, RJ: Vozes,
2013.
NUNES, Tales. Yoga: do corpo, a consciência; do corpo à consciência. O
significado da experiência corporal em praticantes de Yoga. 2008. 159 f.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de pós-graduação em
Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento do mundo: todos os passos do
conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2013
SIEGEL, Pamela; BARROS, Nelson. Yoga, saúde e religião. Último Andar [21] –
Revista Unicamp, março de 2013.