danilo sales do nascimento franca (2009). negros de classe media nas periferias de sao paulo....

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XXVII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología. Asociación Latinoamericana de Sociología, Buenos Aires, 2009. Negros de classe média nas periferias de São Paulo. Segregação e identidade. Danilo Sales do Nascimento França. Cita: Danilo Sales do Nascimento França (2009). Negros de classe média nas periferias de São Paulo. Segregação e identidade. XXVII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología. Asociación Latinoamericana de Sociología, Buenos Aires. Dirección estable: http://www.aacademica.com/000-062/144 Acta Académica es un proyecto académico sin fines de lucro enmarcado en la iniciativa de acceso abierto. Acta Académica fue creado para facilitar a investigadores de todo el mundo el compartir su producción académica. Para crear un perfil gratuitamente o acceder a otros trabajos visite: http://www.aacademica.com.

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  • XXVII Congreso de la Asociacin Latinoamericana de Sociologa. AsociacinLatinoamericana de Sociologa, Buenos Aires, 2009.

    Negros de classe mdia nasperiferias de So Paulo.Segregao e identidade.Danilo Sales do Nascimento Frana.

    Cita: Danilo Sales do Nascimento Frana (2009). Negros de classe mdianas periferias de So Paulo. Segregao e identidade. XXVII Congresode la Asociacin Latinoamericana de Sociologa. AsociacinLatinoamericana de Sociologa, Buenos Aires.

    Direccin estable: http://www.aacademica.com/000-062/144

    Acta Acadmica es un proyecto acadmico sin fines de lucro enmarcado en la iniciativa de accesoabierto. Acta Acadmica fue creado para facilitar a investigadores de todo el mundo el compartir suproduccin acadmica. Para crear un perfil gratuitamente o acceder a otros trabajos visite:http://www.aacademica.com.

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    Negros de classe mdia

    nas periferias de So Paulo Segregao e identidade

    Danilo Sales do Nascimento Frana

    Universidade de So Paulo, Brasil

    [email protected]

    1. Introduo

    O presente trabalho pretende apresentar alguns resultados iniciais e questionamentos em

    desenvolvimento em pesquisa de mestrado sobre os negros de classe mdia residentes nas

    periferias da cidade de So Paulo, Brasil.

    O objetivo desta pesquisa desenvolver uma anlise do tema da segregao residencial

    tendo em vista as questes acerca da ascenso social da populao negra. O enfoque especfico

    ser sobre os negros de classe mdia que residem em bairros perifricos de So Paulo, e sobre

    as conseqncias da segregao para este grupo. Articulando, deste modo, os temas raa, classe

    e espao urbano. A pesquisa partir da localizao desta populao no espao do Municpio de

    So Paulo, indo na direo das experincias de moradia e relaes de vizinhana deste grupo, e

    das representaes que constroem a respeito de si, de sua identidade e dos locais onde residem.

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    Dentre os poucos trabalhos realizados sobre segregao com base em raa no Brasil, o

    estudo mais sistemtico o do socilogo norte-americano Edward Telles. Entretanto, os

    trabalhos de Telles tm servido de inspirao para diversos outros como Costa e Ribeiro

    (2004), Garcia (2007), R

    ibeiro (2007), alm da presente pesquisa.

    J os estudos sobre os negros que ascenderam socialmente ou em processo de ascenso

    social parecem representar uma temtica promissora, no apenas porque se tem observado um

    aumento numrico da populao negra que ingressa nestes estratos (Figueiredo 1999), como

    tambm tm surgido diversos estudos sobre segmentos especficos deste grupo.

    Os principais estudos recentes sobre os negros de classe mdia tm resultado em algumas

    concluses diferentes das constatadas nos estudos clssicos das relaes raciais brasileiras que

    apontavam, por exemplo, que a ascenso social de negros pode ser descrita como um processo de

    embranquecimento.

    Atualmente, as pesquisas apontam que na trajetria de ascenso dos negros verifica-se um

    fortalecimento da identidade tnica e o cultivo de

    um orgulho da cor e da ascendncia negra

    (Figueiredo 2002: 116). Esta identidade tnica tardia, como ngela Figueiredo chama a

    identidade desenvolvida durante o processo de ascenso, trata-se, em parte, de uma forma de

    resposta s situaes de discriminao, que se tornam cada vez mais fortes quanto mais alto for

    o estrato social.

    A autora reala o fato de que os negros que ascendem pagam um alto preo por estarem

    fora do lugar sociologicamente construdo e simbolicamente determinado, sendo alvo de

    preconceitos e discriminaes.

    Ao freqentarem estes espaos e tentarem desfrutar de sua posio econmica elevada,

    (...) enquanto ocupavam a base da estratificao scio-econmica, e viviam em

    bairros pobres, esses indivduos no se sentiam fora de lugar e no eram vistos

    como tais. Situao oposta ao que ocorre quando eles passam a exercer cargos de

    comando, ocupar posio de destaque no mercado de trabalho, morar em bairros

    de classe mdia (...), se dirigem aos espaos sociais freqentados pela classe

    mdia, a exemplo de bares, lojas e restaurantes e quando matriculam os seus

    filhos em boas escolas particulares. (Figueiredo 2004: 227-8)

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    atravs do consumo de bens e servios considerados caros ou luxuosos, por exemplo, estes

    indivduos so vistos como negros e tratados do modo como se trata, em geral, os negros no Brasil,

    sempre com certa desconfiana.

    Desse modo, eles so levados a refletir sobre a sua condio tnico-racial e sobre

    os limites da ideologia racial brasileira.(...) restando apenas a possibilidade da

    assuno de uma identidade tnico-racial tardia.. (Figueiredo 2004: 208-9)

    Deste modo, Figueiredo (2002) argumenta que, na verdade, a maior escolarizao e a

    ascenso scio-econmica atual, em lugar de implicar um embranquecimento, possibilitam

    maior reflexo e valorizao tnico-racial. Alm disso, tanto a trajetria como a fala dos

    entrevistados mostram que, muito alm de algum projeto de embranquecimento, no processo

    ascensional que eles redescobrem e tentam incorporar smbolos e costumes tidos como negros

    no prprio estilo de vida. (p. 110).

    Assim como o trabalho de Figueiredo, boa parte dos estudos recentes sobre ascenso

    social de negros no Brasil enfatiza as experincias e dificuldades de negros que ascendem e

    passam a freqentar ambientes e residir em bairros predominantemente brancos e ricos. Minha

    pesquisa enfoca os negros que ascenderam scio-economicamente mas permanecem em bairros

    perifricos que contam uma proporo expressiva de populao negra e pobre. Ou seja, os

    negros que apesar de terem ascendido socialmente, permanecem, em certa medida, no lugar.

    O enfoque sobre os negros que residem nas periferias, apesar de terem ascendido

    socialmente, aponta para questionamentos sobre as conseqncias da segregao para este

    grupo, em especial para sua identidade e estilo de vida. Parto do pressuposto que o local de

    moradia pode ser tomado como um importante referencial identitrio (Andrade e Mendona

    2007), podendo conformar, inclusive, determinados modos de vida e vises de mundo.1

    1 Pierucci (1989), por exemplo, analisa um certo segmento da classe mdia cujo local de moradia (bairros da Zona Leste de So Paulo) um trao inferiorizador do seu status, implicando em uma auto-percepo, auto-avaliao e num auto-recorte especfico com relao classe mdia em geral. De maneira que este grupo rejeita a viso de mundo e o estilo de vida da classe mdia chique e in, distante social e geograficamente deste grupo. Assim, ocupar uma posio mais privilegiada na hierarquia social e residir em um bairro com uma posio desfavorecida na hierarquia espacial pode indicar uma especificidade de determinado grupo ou frao de classe, inclusive em termos de mentalidades. Cabe aqui a busca de uma especificidade dos negros de classe mdia dos bairros perifricos, em sua relao com o local onde residem.

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    A proposta ganha fora se levarmos em considerao que atualmente difundem-se diversos

    discursos que proclamam uma identidade perifrica fundada em experincias compartilhadas por

    moradores destes espaos. Muitas vezes, esta identidade perifrica aparece ligada a uma idia de

    negritude (principalmente por parte de grupos de rap e de certos autores da chamada literatura

    perifrica), inclusive em algumas pesquisas acadmicas que abordam as periferias utilizando o

    conceito de territrios negros.

    Ento, alm de questionar como se constri a identidade destes negros que ascendem mas

    permanecem no lugar, devemos perguntar em que medida esta identidade pode estar ou no

    vinculada a estes discursos que concebem a periferia como um territrio negro.

    A seguir, realizo uma discusso sobre o tema segregao na cidade de So Paulo,

    considerando o peso da varivel raa. Por fim, retomarei questionamentos sobre raa, espao e

    identidade.

    2. Segregao

    O socilogo norte-americano Edward Telles publicou, na dcada de 1990, uma srie de

    artigos analisando o peso da varivel cor2 nos ndices de segregao residencial em 35 regies

    metropolitanas do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, a partir dos dados do Censo demogrfico

    brasileiro de 1980.3 Para medir a segregao foi utilizado o ndice de dissimilaridade, que mede a

    uniformidade de distribuio de grupos sociais no espao.4

    De acordo com os ndices, pode-se considerar a segregao racial por residncia no Brasil

    como sendo moderada, se comparada aos padres extremos encontrados nos Estados Unidos. No

    2 Cor ser entendida aqui como uma categoria racial. Tal qual nos ensina Guimares (2003: 103-4): (...) a anlise dessa categoria, no Brasil, nos leva concluso, sem grande dificuldade, de que a classificao por cor orientada pela idia de raa, ou seja, que a classificao das pessoas por cor orientada por um discurso sobre qualidades, atitudes e essncias transmitidas por sangue, que remontam a uma origem ancestral comum (...) O meu argumento o seguinte: "cor" no uma categoria objetiva, cor uma categoria racial, pois quando se classificam as pessoas como negros, mulatos ou pardos a idia de raa que orienta essa forma de classificao. Utilizarei aqui a classificao por cor/raa proposta pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica): brancos, pretos, pardos, amarelos, indgenas, outras. Considerando negros a soma das categorias pretos e pardos. 3 Telles 1993, 1995, 2003. 4 O ndice de dissimilaridade resulta na proporo de pessoas de um dado grupo social A que teria de mudar de uma determinada rea para que passasse a ter a mesma uniformidade de distribuio de um dado grupo B. O valor vai de 0, quando os grupos A e B esto uniformemente distribudos numa rea urbana, at 1, no caso em que A e B no compartilham nenhuma rea, ou seja, segregao total.

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    entanto, para verificar at que ponto a segregao residencial por raa ou cor no Brasil est ligada

    ou no varivel classe social, Telles separou a populao das metrpoles em faixas de renda e

    calculou os ndices de segregao dentro de cada faixa. Observando, assim, que os ndices vo

    crescendo na medida em que cresce o nvel de renda.

    A partir destes resultados de Telles formulo a hiptese de que, em So Paulo, a populao

    negra dos estratos mdio e alto tenderia a se localizar em espaos distintos da populao branca

    destes mesmos estratos. De modo que, mesmo nos estratos mdio e alto, os negros teriam maior

    concentrao nas reas perifricas que os brancos. Para explorar esta hiptese procederemos,

    primeiro, na delimitao do conceito de segregao, em seguida, na identificao das reas

    perifricas e, por fim, na apresentao dos dados.

    Entenderemos segregao aqui como o grau de maior ou menor separao ou concentrao

    de determinado categoria social (delimitada analiticamente) com relao outra.5

    Ou seja, trata-se

    de investigar em que medida um grupo se segrega com relao a outro. Aqui consideraremos a

    medida na qual os negros de classe mdia se segregam com relao aos brancos dos mesmos

    estratos.

    No Brasil, os estudos mais clssicos sobre segregao tem enfocado a concentrao da

    populao pobre nas periferias das grandes metrpoles. Estudos recentes tm construdos crticas

    aos modelos de estruturao urbana centrados na diviso entre centro e periferia que implicam em

    uma viso generalizante e simplificadora da distribuio espacial dos grupos sociais. Tal modelo

    considera a periferia como um espao homogneo de pobreza, marcado pela ausncia do Estado e

    pelas ms condies de vida e acesso ao mercado de trabalho.

    5 Segregao como separao, ou homogeneidade interna e heterogeneidade externa na distribuio dos grupos no espao. () trata-se de investigar padres de semelhana e diferena na distribuio dos grupos sociais no espao, considerando alguma clivagem (renda, escolaridade, raa, etc.) (Marques 2005a: 34)

    A literatura recente tem colocado em pauta a questo da heterogeneidade da periferia e a

    necessidade em se falar de periferias (no plural). A coletnea organizada por Marques e Torres

    (2005) contm diversos textos que expe estas novas configuraes da segregao e das

    desigualdades sociais na Regio Metropolitana de So Paulo. O texto de Marques (2005b), por

    exemplo, tem o objetivo de revelar a distribuio dos grupos sociais no espao urbano, bem

    como os contedos sociais dos diversos espaos, numa escala mais detalhada. Este trabalho se

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    enquadra numa proposta de

    se contrapor ao chamado modelo radial-concntrico de

    estruturao urbana de So Paulo, que tem uma imagem da metrpole calcada num gradiente

    decrescente de indicadores como por exemplo, renda, bem-estar, e servios e equipamentos

    pblicos do centro para a periferia. O autor prope uma mudana de escala de anlise, antes

    realizada atravs dos dados de distritos dos municpios ou de mdias de crculos concntricos

    partindo do centro da metrpole, para as reas de ponderao (AP). Permitindo, assim, um maior

    grau de detalhamento, visto que as AP so unidades espaciais bem menores que os distritos.

    A rea de ponderao a unidade espacial de maior desagregao na qual so divulgados os

    dados da amostra do censo brasileiro, que incluem as variveis cor/raa e ocupao por exemplo.

    As AP so reas homogneas do ponto demogrfica e scio-economicamente delimitadas pelo

    IBGE e formadas por 4000 domiclios, dos quais cerca de 10% compem a amostra do Censo.

    Tal mudana de escala trouxe um ganho em riqueza de detalhes na localizao espacial dos

    dados da metrpole, revelando uma grande heterogeneidade no espao urbano, permitindo que o

    modelo radial-concntrico pudesse ser qualificado como uma generalizao grosseira (Marques

    e Bitar 2002), e ratificando a idia de que existem periferias no plural e no apenas uma periferia

    homognea na pobreza e na precariedade.

    A partir de dados da amostra do censo reunidos atravs de duas variveis-sntese: renda

    domiciliar mdia e taxa de crescimento demogrfico, as reas de ponderao foram

    classificados em dez grupos.6 Estes grupos revelam um continuum de posies scio-

    econmicas e condies urbanas. Os grupos de reas de ponderao 1 a 3, que concentram a

    populao de classe baixa, foram reunidos sob a denominao de periferias,7

    os grupos de 4 a 7

    foram chamados de reas intermedirias ou reas de classe mdia, e os grupos de 8 a 10 de

    reas de elite. Esta classificao ser utilizada como parmetro de operacionalizao e anlise

    em minha pesquisa. O resultado pode ser verificado no mapa 1.

    Vamos aos dados.

    6 Estas variveis sntese expressam conjuntos de fenmenos altamente associados a elas. Por exemplo, renda est altamente associada escolaridade e raa, crescimento demogrfico precariedade urbana e migrao recente. A tipologia construda a partir do cruzamentos dos quintis das variveis-sntese. 7 Apesar da constatao da heterogeneidade das periferias, ainda prevalece o posicionamento de que as reas perifricas concentram a populao pobre.

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    A tabela 1 apresenta a distribuio da populao de mais de dez milhes de pessoas que

    vivem no municpio de So Paulo segundo sua cor ou raa. Nela observamos que 30% da

    populao paulistana negra.

    Entretanto, se observarmos a tabela 2, notamos que os negros tem uma distribuio bem

    distinta dos brancos nas diversas faixas de renda.8

    A populao negra se encontra em propores

    superiores populao branca nas faixas de renda at 5 salrios-mnimos e de 5 a 10 salrios-

    mnimos; e inferiores populao branca na faixa de 10 a 20 salrios mnimos (21,9% dos brancos

    e 14,8% dos negros) e na faixa acima de 20 salrios-mnimo (23,2% dos brancos e 5,5% dos

    negros). Ou seja, os negros tm maior concentrao nas faixas de renda mais baixas.

    A tabela 3 mostra que mais da metade da populao negra do municpio de So Paulo reside

    em reas perifricas. Esta tendncia melhor detalhada atravs do mapa 2, que apresenta a

    proporo de negros para cada rea de ponderao. Nele, podemos notar que as reas de

    ponderao perifricas so as que apresentam uma proporo de negros acima da mdia.

    Cabe agora questionar em que medida as periferias apresentam maiores propores de

    negros porque concentram a populao pobre, dado que a correlao entre ser negro e pobre no

    Brasil muito forte. Ou melhor: em que reas residem os negros que no so pobres?

    As tabelas 4 e 5 respondem esta questo. A populao branca na faixa entre 10 e 20 salrios-

    mnimos distribui-se da seguinte maneira: 16,3% em reas de elite, 62,5% em reas intermedirias e

    21,2% em reas perifricas. J os negros neste mesmo estrato apresentam a seguinte distribuio:

    5,6% em reas de elite, 52% em reas intermedirias e 42,4% em reas perifricas. Apesar da maior

    concentrao de ambos em reas intermedirias, a proporo de negros desta faixa de renda em

    reas perifricas o dobro da proporo de brancos.

    Comparando a distribuio por reas entre negros e brancos dentro da faixa de renda acima

    de 20 salrios-minimos, os negros concentram-se mais nas reas intermedirias (57%), com o

    restante quase dividindo-se entre reas perifricas (22,4%) e de elite (20,2%). J os brancos deste

    estrato dividem-se entre reas de elite e intermedirias (47,1% em cada), com apenas 5,8% em reas

    8 Trata-se aqui da renda domiciliar em salrios-mnimos em 2000, ano de realizao do ltimo Censo. Neste ano, o salrio-mnimo brasileiro era de 151 reais, que correspondia a um valor entre 80 e 90 dlares.

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    perifricas. importante enfatizar que aqui estamos comparando propores da distribuio de

    negros e brancos em cada tipo de rea. Os valores absolutos podem ser verificados na tabela 4.

    Sem embargo, fica demonstrado que os negros nas faixas de renda mais alta concentram-se

    mais nas reas perifricas de So Paulo que os brancos nas mesmas faixas de renda. Considerando a

    definio dada acima, existe, ento, um grau de segregao dos negros das faixas de renda mais altas

    com relao aos brancos neste mesmos estratos.

    A segregao pode ter diversas conseqncias para um grupo segregado, positivas ou

    negativas.

    Bichir (2006) cita, por exemplo:

    A homogeneidade social da pobreza em certas reas pode ter diversas

    conseqncias negativas, como o isolamento em relao a diversas redes sociais e

    a oportunidades de vida em geral (Pavez, 2006; Briggs, 2001), a dificuldade de

    acessar o mercado de trabalho (Kaztman e Retamoso, 2005a) e outras polticas

    pblicas (Torres e Bichir, 2005), alm de conseqncias nocivas do ponto de vista

    da socializao, da transmisso de valores e modelos, contribuindo para a

    reproduo da pobreza (Brooks-Gunn e Duncan, 1997; Yinger, 2001; Durlauf,

    2001). Porm, tambm possvel verificar que a homogeneidade social de certas

    reas pobres pode contribuir para gerar laos de sociabilidade e solidariedade

    internos (DAlmeida e Andrea, 2005), alm de maior capacidade de organizao e

    combatividade frente ao Estado (Sabatini, 2004). (p. 18)

    Qadeer (2004) enfatiza o fato de que apesar da segregao facilitar a manuteno de

    estigmas e esteretipos, tambm ajuda a fundar laos de identitrios e de solidariedade.

    3. Identidade, Raa e Periferia

    Dentre as possveis conseqncias da segregao, esta pesquisa pretende dar maior

    nfase s questes identitrias, em especial a discursos que associam a periferia a certas

    representaes em torno da populao negra. Seja de modo estigmatizado ou atravs de

    ressignificaes dos estigmas.

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    Rolnik (1989) faz um levantamento histrico da insero territorial do negro no Rio de

    Janeiro e em So Paulo. Ao delinear este quadro, a autora apresenta a noo de territrio negro

    como um espao com histria e tradies prprias, alm de ser marcado por um estigma de

    marginalidade e desorganizao associada populao negra. Tais territrios nunca foram

    exclusivamente negros l residiam tambm diversos grupos das camadas populares no

    obstante abrigavam comunidades afro-brasileiras fortemente estruturadas (Rolnik 1989: 35).9

    A idia de que estigmas atribudos ao negro esto tambm associados s representaes de

    determinados espaos da cidade tambm levantada por outros pesquisadores. Silva (2004), por

    exemplo, retoma a noo de territrio negro de Rolnik para tratar de bairros que, apesar de

    marginalizados, eram mais propcios ao encontro e sociabilidade da populao negra. Vargas

    (2005) elabora a noo de espaos racializados para se referir representaes que associam

    negritude e favela e que permeiam o senso comum, as quais a mdia ajuda a construir e

    consolidar.10

    O trabalho de Carril (2003) chama ateno para o papel do rap na construo de um

    discurso que traz a idia de uma identidade negra fundada sobre um territrio, a periferia. O

    discurso do rap a respeito da periferia o tema da dissertao de Guasco (2000). Interessa aqui a

    forma pela qual Guasco concebe a idia de periferia, como uma categoria nativa que no se

    limita a uma referncia geogrfico-espacial, mas descreve uma condio social que costura uma

    identidade entre pretos e pobres (p. 21). Ele aponta ainda que o rap um dos maiores

    responsveis pela sedimentao de uma identidade de periferia, que atualmente parece substituir

    num grau mais acentuado o que teria sido para outras geraes a identidade de pobre (p. 102).

    Num momento em que a literatura tem colocado em pauta a questo da heterogeneidade da

    periferia (Cf. Marques e Torres 2005) e a necessidade em se falar de periferias (no plural),

    proponho um questionamento acerca dos discursos e representaes a respeito destes espaos, em

    especial aqueles que associam negritude e periferia.

    9 Rolnik tambm nos apresenta dados que informam que os negros no esto uniformemente distribudos nas periferias paulistanas, mas se concentram em ncleos que j eram territrios negros desde pelo menos a dcada de 1930. 10 Da a percepo comum no Brasil de que, se uma pessoa moradora de favela, ele ou ela deve ser no-branco/a. (Vargas 2005: 102)

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    Dada a possibilidade de existir uma idia de periferia, presente no discurso acadmico, do

    rap e no senso comum, o contedo do que significa periferia ser aqui problematizado com

    nfase nas representaes do grupo de atores recortado para esta pesquisa os negros de classe

    mdia residentes nestas reas. Adoto aqui a postura proposta por Frgoli Jr. (2005), que chama

    ateno para a necessidade de pesquisas que considerem o tema da periferia no apenas como uma

    espacialidade sujeita a diversos graus de segregao (ou de consolidao), mas tambm como um

    conjunto de representaes nativas.11

    Desta maneira, o estigma negativo de morar na periferia (assim como de ser negro) pode

    ser ressignificado e positivado na forma de uma identidade de negro e perifrico a por parte de

    uma classe mdia negra presente neste contexto (a partir da influncia de diversos movimentos

    de ressignificao).12

    Retomando as questes expostas anteriormente, este projeto pretende indagar em que

    medida os negros de classe mdia no lugar se diferenciam dos negros de classe mdia fora

    do lugar e de modo os discursos que associam negritude e periferia so recebidos ou

    reproduzidos por este grupo.

    11 Haja vista que ele retoma alguns resultados da pesquisa de Guasco (2000), enfatizando o papel do rap na construo de uma narrativa de singularizao da periferia, implicando na produo e divulgao de uma determinada representao local ou nativa. Nesta mesma linha, Nascimento (2006) aborda os discursos de escritores marginais que se colocam ao lado do rap como porta-vozes da periferia, referindo-se inclusive a uma certa cultura da periferia. 12 Como indica o trabalho de Soares (2004), quando trata da questo esttica: A construo de uma identidade positiva passa pela questo esttica (...) A sociedade imputa ao negro uma srie de atributos negativos em razo de suas caractersticas fenotpicas. H tambm um movimento de resistncia. Assim, o cabelo e a cor da pele, de smbolos de inferioridade, passam a ser cones de beleza. A beleza negra surge como um padro de beleza alternativo (p. 193). Guasco (2000), diz que os rappers desenvolvem a sua identidade e seu discurso assimilando o esteretipo que recai sobre eles, valorizando aspectos negativos como sinais de identidade, mas devolvendo essa imagem negativa sociedade abrangente e ao chamado sistema (p. 26). Nascimento (2004), mostra que os escritores estudados tm como projeto dar uma nova significao periferia, por meio da valorizao da cultura de tal espao (...) (p. 172).

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