decisÃo judicial e sua influÊncia sobre a legislaÇÃo
TRANSCRIPT
VALÉRIO PIMENTA DE MORAIS
DECISÃO JUDICIAL E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
PAULISTA: UMA PERSPECTIVA NEOPOSITIVISTA
Mestrado em direito tributário
PUC-SP
SÃO PAULO
2013
VALÉRIO PIMENTA DE MORAIS
DECISÃO JUDICIAL E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
PAULISTA: UMA PERSPECTIVA NEOPOSITIVISTA
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Tributário, sob orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.
PUC-SP
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
RESUMO
Esta dissertação tem por finalidade o estudo da influência das decisões judiciais sobre a legislação tributária paulista, tomando como referência o momento exacional de atuação da sua Administração Tributária, notadamente com o lançamento de ofício e sua revisão, que são tidos como marcadamente positivistas, sobretudo ao se levar em consideração a interpretação do Código Tributário Nacional, em seus artigos 142 e 149.
A premissa neopositivista - diga-se de plano - norteou o desenvolvimento do trabalho, uma vez que suas características sempre estiveram presentes na análise que foi promovida, podendo mesmo ser reduzida a uma ideia de complementaridade, não só das atividades dos Poderes de Estado, mas, antes mesmo, das correntes filosóficas do direito. Neste passo, suas notas essenciais, tomadas em consideração, estabeleceram-se pela ambientação na Constituição da República de 1988, com pauta em forte medida principiológica, que, por sua vez, ingressa amplificada pela multiplicidade dos intérpretes, trazendo preenchimento semântico à equação concebida de que a norma jurídica é encontrada como o resultado da interação entre lei (obra dos Poderes Legislativo e Executivo, ao atuar na sua sanção e iniciativa), interpretação (resultado de multíplices atores sociais), e, por fim, jurisprudência (decorrente da atuação do Poder Judiciário).
Nessa medida, foi também objeto de nossa investigação a consideração da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, que serviu de suporte para a apreciação, segundo a concepção de sistema jurídico adotada, da posição ocupada pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação ao mesmo sistema, a par da apreciação formulada, ainda, da principiologia e das correntes filosóficas do direito e da tributação, concebendo-se, assim, em decorrência, a norma jurídica (resultado da interação dos elementos, antes apontados, fundamentadas no neopositivismo) e no novo papel assumido pela jurisprudência como fonte do direito, viabilizado pela atuação do modelo típico-ideal de juiz, na forma do juiz-guardião.
Nesse contexto, com base no quanto se sacou das análises empreendidas ao longo do presente trabalho, em resposta às indagações lançadas durante a formulação da introdução deste, apreendemos que as decisões judiciais irradiam normatividade, num caminho de norma individual e concreta até a geral e abstrata, seja por meio do cumprimento de expectativas normativas contrafáticas, seja mesmo no caso da objetivação das lides submetidas ao Poder Judiciário, sendo responsáveis pela irritação suficiente para que, sobretudo dentro da consideração empreendida, o legislador estadual ou distrital, produza o novo direito positivado.
A aproximação efetuada entre a ética e o direito, dessa forma, construída, originariamente, pelas decisões judiciais do Poder Judiciário, tende a perpassar todo o sistema jurídico, servindo de base, ainda, para os momentos pré-exacionais e exacionais, que passam também a reproduzir, de sua parte, esta mencionada aproximação, representando uma tradução final dos princípios da segurança jurídica e da isonomia.
Palavras-chave: momentos-exacionais; correntes filosóficas do direito; neopositivismo; complementaridade; teoria dos sistemas; Niklas Luhmann; aproximação entre a ética e o direito; decisão judicial; norma jurídica; normatividade.
ABSTRACT
This essay analyses the influence of judicial decisions over São Paulo’s tax law, taking as reference the moment of taxation by Public Administration, notedly the moment of tax assessment and its revision, which are markedly positivist, over all when taking into consideration the interpretation of the articles 142 and 149 of Brazilian Tax Code.
The neopositivist premise has guided the development of the present essay, since its features have always been present at the analysis promoted, which can be reduced to an idea of complementarity, not only the activities of the government (Legislative, Executive and Judiciary), but also of a philosophical currents of Law. Note that the present analysis focus on Brazilian Federal Constitution, mainly on its principles, which join amplified by the multiplicity of interpreters, bringing semantic fill to the equation that assumes that rule of law is the result of interaction between law (work of Legislative and Executive, acting on its sanction and initiative), interpretation (a result of multiple social actors), and, finally, case law (deriving from the action of Judiciary).
In this respect, this essay also examines the systems theory of Niklas Luhmann, that, considering the concept of legal system adopted, served as a support for the analysis of the position occupied by Executive, Legislative and Judiciary relatively to the same system, as well as the analysis of the principles and of the philosophical currents of law and the taxation, conceiving, as a result, the rule of law (which derives from the interaction of the elements which were mentioned above, within the neopositivist idea) and the new role played by case law as a source of law, made possible by the performance of the ideal model of a judge as a guardian-judge.
In this context, in response to the questions thrown during the formulation of the introduction of this essay, we apprehend that judgments irradiate normativity, through individual and concrete rule up to general and abstract rule, either through compliance with regulatory expectations contrary to facts or even in case of objectification of judicial proceedings, being responsible for enough irritation that, over all taken into consideration, stimulate legislators create new laws.
Thus, the approach between ethics and law, originally built by judicial decisions, tend to pervade the entire the legal system, also serving as a base for taxation moments as well as the moments before taxation, which begin to reproduce the aforementioned approach, representing a final translation of the principles of legal certainty and of equality.
Keywords: moments of taxation; philosophical currents of Law; neopositivism; complementarity; system´s theory; Niklas Luhmann; approach between ethics and Law; judicial decision; rule of law; normativity.
AGRADECIMENTOS
À Deus, sempre, e por tudo, pelo simples e maior fato de poder compartilhar os
passos do caminho com aqueles que tanto amo e estimo.
À minha eterna e amada Rê, fonte de todo meu amor e família, que, por sua
presença em mim, verdadeiramente me “trouxe”, resgatando-me de todas as formas
e, sem a qual, hoje, vejo que nada seria possível ou mesmo teria sentido. Saiba o
quanto você me faz!
À minha – e, na verdade, “nossa” - querida Nina, com o amor e afeto da
“paternidade” - de minha parte um tanto atrapalhada, mas, essencialmente,
dedicada.
Ao Prof. Dr. Renato Lopes Becho, com a minha estima fraterna, e com a inabalável
admiração pela precisão da ciência e pelo caminho apontado como mestre, que me
instruiu, na academia e na vida, ao longo de todo o convívio.
À Fazenda do Estado de São Paulo, que, mais que colegas, abriga a minha maior
fonte de amizade e de verdadeira “família”. E que, aqui, por todos, e com o risco
certo do esquecimento – e do qual peço desculpas -, elenco, declarando a minha
mais alta gratidão e estima, por toda a inspiração - acadêmica, pessoal e profissional
-, nas pessoas de: Acácio Henrique Guinato, Alexandre de Godoy, André Watanabe
Hurtado, Argos Campos Ribeiro Simões, Carlos Alberto Sampaio, Carlos Roque
Gomes, Christian Penteado Sandrini, Daniela Cravo Forganes, João Carlos Csillag,
Lúcia Fransolin Rollo; Luís Fernando Angiolucci, Magali Serrano, Marily Andreazze,
Marcelo Gonçalves Amaral, Marcos Mei Vergani, Osvaldo Santos de Carvalho,
Paulo Antonio Fernandes Campilongo, Rosana Demétrio Fotopoulos, Sérgio Costa
Fantini, Sebastião Roberto Jr. e Vinícius Silva Matsumoto e a todos aqueles, com os
quais, mais que o convívio, me dão aprendizado e a certeza do passo.
Aos alunos estimados da pós-graduação da PUC – São Paulo, o agradecimento, por
compartilhar e ensinar, em especial, aos amigos: Bráulio Bata, Emerson Vioncek,
Leoncio Dacal, Leonardo Guarda e Luís Eduardo Barbieri.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 1
Capítulo I. DO SISTEMA JURÍDICO ......................................................... 7
1.1. Das considerações gerais ........................................................ 7
1.2. Da teoria dos sistemas ............................................................. 10
1.3. Das posições dos Poderes de Estado a partir da teoria dos
sistemas luhmanniana ................................................................................... 13
1.4. Dos princípios .......................................................................... 18
1.5. Do direito natural ao neopositivismo ou “o novo direito
tributário” ....................................................................................................... 25
1.5.1. Do direito natural e a tributação ..................................... 28
1.5.2. Do direito positivo e do realismo jurídico e a tributação 36
1.5.3. Do neopositivismo ou do neoconstitucionalismo e a
tributação ....................................................................................................... 40
1.6. Dos momentos exacionais e das correntes filosóficas: uma
ideia de complementaridade ......................................................................... 45
Capítulo II. DA NORMA JURÍDICA DENTRO DA PERSPECTIVA
NEOPOSITIVISTA 50
2.1. Dos processos legislativos e das decisões judiciais ................ 50
2.2. Da atuação dos juízes: os “quatro modelos típico-ideais de
juiz” ................................................................................................................ 55
2.2.1. Do juiz-executor ............................................................. 57
2.2.2. Do juiz-delegado ............................................................ 59
2.2.3. Do juiz-guardião ............................................................. 60
2.2.4. Do juiz-político ................................................................ 63
2.2.5. Dos modelos típico-ideais do juiz: o neopositivismo e o
espaço de atuação do juiz-guardião ............................................................. 65
2.3. Da jurisprudência como fonte do Direito: o novo papel da
jurisprudência dentro da perspectiva neopositivista ...................................... 69
Capítulo III. DOS EFEITOS DAS DECISÕES JUDICIAIS SOBRE O
SISTEMA JURÍDICO TRIBUTÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO ......... 80
3.1. Notas gerais ............................................................................. 80
3.2. Da “guerra fiscal” e da glosa unilateral pelo Estado de São
Paulo, uma leitura neopositivista legitimadora .............................................. 83
3.2.1. Notas do ICMS, do federalismo brasileiro e da “guerra
fiscal” ............................................................................................................. 83
3.2.2. Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do
momento exacional da Administração Tributária Paulista ............................ 94
3.3. Do processo administrativo tributário paulista e do “limitado”
diálogo das fontes no momento pré-exacional .............................................. 101
3.3.1. Das recentes reformas processuais civis – breves
notas .............................................................................................................. 106
3.3.2. Do recurso administrativo “reforma de julgado
administrativo” no âmbito da normatividade do processo administrativo
tributário paulista ........................................................................................... 110
3.3.3. Da aferição de alguns princípios atuantes na relação
entre as reformas de direito processual civil e o processo administrativo
tributário paulista ........................................................................................... 114
3.3.4. Da casuística – a apreciação pelo Tribunal de
Impostos e Taxas – TIT - sobre a aplicação da decadência para a
constituição do crédito tributário pela Fazenda Pública ................................ 121
CONCLUSÃO ............................................................................................... 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 137
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho volta-se para a aferição do papel assumido pelas
decisões judiciais como fonte do direito, à vista da sua inegável importância para a
formação da norma jurídica e, aqui, em específico, por suas relações com o direito
tributário posto pela legislação paulista.
Esse conjunto de decisões judiciais, inegavelmente, age sobre o sistema
jurídico dos entes federativos dos Estados e do Distrito Federal, na configuração
mesma de geração de expectativas normativas, conforme a apreciação
luhmanniana. E, ainda, podem ser traduzidas de modo imediato, com a estruturação
de uma nova disposição normativa da legislação ordinária estadual e distrital (que
podem ser concebidas, em nosso entendimento último, como expressão da moderna
teoria do diálogo das fontes, na justa medida em que uma norma positivada pelo
Poder Legislativo remete a uma norma jurídica introduzida pelo Poder Judiciário) e,
de modo mediato, com a decorrente atuação da Administração Tributária, à vista da
sua pauta no princípio da estrita legalidade.
Para essa aferição, tais decisões são consideradas na acepção dos julgados
resultantes de recursos especiais repetitivos, junto ao Superior Tribunal de Justiça,
ou mesmo de recursos extraordinários dotados de repercussão geral, bem como das
súmulas vinculantes, na sede do Supremo Tribunal Federal, ou ainda, por fim, de um
modo mais direto, de uma jurisprudência assentada nos mesmos tribunais
superiores.
2
Em conformidade com a doutrina1, o que se tem como fundante e um dos
pontos de maior relevo para a presente investigação é a consideração de que o
momento exacional, que circunstancia a atuação da Administração Tributária, é
marcadamente pautado pelo positivismo, bem como os atos relacionados ao
lançamento tributário e sua revisão (que se revelam como a seara própria do
processo administrativo tributário, na conformidade com as disposições dos artigos
142 e 149 do Código Tributário Nacional - CTN), alimentam-se, por atividade pública
vinculada, dos comandos encontrados no direito positivo.
Outro referencial teórico que se faz objeto de nossa verificação é o
neopositivismo, ou os chamados direitos humanos na tributação, resultado da
denominada “virada kantiana”, com a aproximação da ética e do direito. Ademais
será tratada neste estudo a conjunção do que se pode entender por norma, como
sendo o resultado da “equação algébrica” de “soma das variáveis” (ao menos na
medida em que podemos atribuir), na consideração dos dois tipos de normas – geral
e abstrata e individual e concreta –, norma esta traduzida em: lei + jurisprudência +
interpretação2, em que ganha relevo a atuação principiológica.
“Equação” esta, portanto, que vai convergir para o papel assumido pelo
legislador infraconstitucional, do momento pré-exacional, na tessitura dos comandos
normativos que instrumentam a atuação da Administração Tributária.
1 No escólio de Renato Lopes Becho, a conclusão: “Eis o momento de forte atuação positivista no
direito tributário”. (Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.340). 2 BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário: teoria geral e constitucional. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 148.
3
O que se põe como premissa, portanto, é que a formação do direito é um
resultado que passa pelo esforço, não só do legislador, como também do julgador3,
ambos, portanto, dotados de atividade jurídica criativa, sendo inegável sua
concepção como fonte do direito4.
Vai se ter, então, que a complementaridade entre lei, jurisprudência e
interpretação, segundo a concepção neopositivista, não leva só em conta os limites
do positivismo, ou a sua expressão do realismo jurídico, mas também se encontra
de acordo com nossa concepção, na atuação complementar dos Poderes de Estado,
nas suas linhas de atuação, e que será evidenciada quando da análise dos três
momentos exacionais.
Ambientado nesse cenário de amplitude normativa, vamos promover a análise
da atuação da Administração Tributária do Estado de São Paulo, como já
antecipado, basicamente levando em conta dois momentos marcadamente distintos:
o primeiro, de lançamento do crédito tributário, quando da autuação promovida pela
Fazenda paulista na glosa unilateral de créditos do ICMS, decorrentes da chamada
“guerra fiscal”, situação em que não há, portanto, o prévio acesso ao Poder
Judiciário; o segundo, de revisão do lançamento tributário, momento pautado pela
3 Nesta medida é do nosso interesse o fato de que o âmbito de atuação material do Poder Judiciário
não se revela uniforme, tão só limitado na sua função típica de aplicar e definir o direito no caso de
conflitos intersubjetivos ou de confronto entre as normas infraconstitucionais e constitucionais (cf.
ÁVILA, Humberto. Ativismo judicial e direito tributário, in Grandes questões atuais do direito tributário,
Valdir de Oliveira Rocha (Coord.). São Paulo: Dialética, 2011, p. 150). 4 Eros Roberto Grau bem pontua o problema, numa medida em que se verifica, de maneira inegável,
a multiplicidade dos intérpretes normativos, na configuração precisa da norma jurídica, dentro de uma
premissa neopositivista. São suas estas palavras: “Quem produz uma norma exerce um ato de poder.
Também o fazem os advogados, os juristas, o administrador público e os cidadãos, até o momento
anterior ao da definição da norma de decisão. Ora, se as normas nascem da interpretação, também
esses intérpretes não-autênticos, produzem normas.” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre
a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 89-90).
4
normatividade do processo administrativo tributário paulista, quando, então, nos
deteremos no exame da figura procedimental da “reforma de julgado administrativo”,
em sua natureza jurídica, delineado especificamente nas disposições dos artigos 50
e 51 da Lei Estadual nº 13.457/09.
Levaremos em consideração, ainda, que é amplo o reconhecimento do atual
estágio do que se pode chamar de novo direito tributário, que são fundamentados
em elementos do neopositivismo, carregados de características próprias, como a
discussão dos direitos humanos no fenômeno da tributação e da própria
aplicabilidade principiológica na formação da cadeia de positivação da norma
individual e concreta5. Assim, nessa perspectiva atual, emanam cargas de influência,
de maneira inequívoca, no momento pré-exacional de lançamento ou de revisão, a
cargo do legislador, diga-se, por sua atuação como recebedor das influências
sistêmicas.
Procuraremos, enfim, na análise do sistema jurídico, apontar razões
decorrentes de algumas indagações, tais como: Existiria normatividade nas decisões
judiciais (interessando-nos, de modo mais específico, no âmbito do direito
tributário6)? Qual o modelo típico-ideal de juiz que desempenharia melhor a sua
5 Por nós, adiantando-nos, a diferença que pode ser concebida entre o neopositivismo e o realismo
jurídico moderado é que aquele se ambienta na Constituição, pautado em forte medida
principiológica, que ingressa nos veios da interpretação, em que esta, por sua vez, amplificada pela
multiplicidade dos intérpretes, fazendo todo sentido semântico à equação montada, dispondo que a
norma é o resultado da lei (obra do Legislativo e do Executivo, na medida da sua sanção e iniciativa),
da interpretação (resultado de multíplices atores sociais), e, por fim, da jurisprudência (obra do
Judiciário); já, este, o realismo jurídico moderado, cuida da jurisprudência, que é tão fonte do direito
quanto a legislação, sendo um equívoco pensar que o legislador cria o direito, criando, antes, uma
parte do direito e não todo o direito (conforme pontua Renato Lopes Becho, in Lições de direito
tributário: teoria geral e constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 126). 6 A importância do Poder Judiciário no sistema jurídico brasileiro, referente sobretudo ao direito
tributário, revela-se, de maneira imediata, quando nos deparamos com o caso das súmulas
5
atividade nesse sistema jurídico? Qual a relação que poderia ser aferida entre o
legislador infraconstitucional dos Estados-membros e do Distrito Federal e as
decisões dos tribunais superiores nacionais? Que ordem de princípios estaria
presente nessa mesma relação considerada? E, ao fim, de que modo o momento
exacional, marcadamente positivista, como dito anteriormente, poderia trazer em seu
conteúdo elementos de aproximação entre o direito e a ética, denotadores da “virada
kantiana”?
E, em resposta a tal fato, adiantando-nos, ao menos num eixo condutor, em
relação à teoria dos sistemas de Luhmann - que permite a identificação do
posicionamento dos Poderes de Estado no sistema jurídico, e da correlação entre os
momentos exacionais e as correntes filosóficas do direito - notaremos que o papel
assumido pelo Poder Judiciário, de acordo com uma premissa pautada no
neopositivismo, em suas decisões judiciais, é maior do que a produção de coisa
julgada entre as partes, ou da sua estabilização social, como, primeiramente,
representa uma realidade7, revelando-se, mais, na consideração da sua atual fase,
como fonte mesma do direito, diante da sua objetivação da lide.
vinculantes. Assim, de um total de 31 súmulas vinculantes publicadas pelo Supremo Tribunal Federal,
7 estão relacionadas, de modo direto ou indireto, com o direito tributário (representando, então,
22,58% do total de súmulas vinculantes já publicadas). (Supremo Tribunal Federal. Súmulas
vinculantes. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/
Enunciados_Sumula_Vinculante_STF_1_a_29_31_e_32.pdf >. Acesso em: 29 abr. 2013. 7 Neste ponto, apreendemos a observação, impressa por Niklas Luhmann, à interpretação
convencional restringindo a diferenciação entre os processos legislativos e as decisões judiciais, de
maneira imprecisa, entre o que denomina de “lei genérica” e a “regulamentação concreta” do caso
particular, que lança a conclusão: “a diferenciação pode ser buscada quando muito com respeito ao
tipo de tratamento do aspecto genérico, mas nunca como uma contraposição entre o genérico e o
não genérico”. (cf. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradutor Gustavo Bayer. – Rio de
Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985, p. 34-5).
6
Desse modo, para cumprimento do presente estudo, estruturamos a seguinte
divisão: no capítulo primeiro cuidamos de uma conceituação geral de sistema
jurídico, com maior ênfase na aferição da sua ocupação pelos Poderes de Estado na
consideração da teoria dos sistemas luhmanniana, bem como na apresentação
analítica dos momentos exacionais em compasso com as correntes filosóficas do
direito tributário.
No segundo capítulo, por sua vez, cuidamos da norma jurídica com a
perspectiva neopositivista, aferindo, ainda, dentre os modelos típico-ideais de juiz,
aquele que melhor responde a essa corrente filosófica, chegando-se, assim, ao
modelo típico-ideal do juiz-guardião. Além disso, tratamos de cuidar, como um ponto
central de atividade, o papel assumido pela jurisprudência como fonte do direito.
Com esses conceitos passamos, no capítulo terceiro, então, ao estudo dos
efeitos das decisões judiciais sobre o sistema jurídico tributário do estado de São
Paulo, ganhando contornos de análise os, anteriormente mencionados, dois casos
específicos: o primeiro, relacionado com situações próprias da atuação unilateral da
Administração Tributária do Estado de São Paulo na glosa de créditos do ICMS; e o
segundo, pela análise direta de um instrumento processual próprio, encontrado na
lei paulista do contencioso administrativo tributário, denominada “reforma de julgado
administrativo”, que se revela como um ponto de comunicação entre as decisões
administrativas e as decisões dos tribunais judiciais.
7
CAPÍTULO I
DO SISTEMA JURÍDICO
1.1. Das considerações gerais
No que tange ao tema proposto, o sistema jurídico – diga-se, por enquanto,
restrito a esta consideração, não se adentrando, portanto, em atributos de
estaticidade ou dinamicidade8 – há que ser analisado segundo a perspectiva
neopositivista, com evidentes notas de principiologia, bem como, a par do quanto
será extraído, a seu tempo, com base em Niklas Luhmann, no que diz respeito à
atuação do legislador na sua periferia, alimentando-se, daí, das influências
exteriores para a construção do direito positivo – o que, para os limites de nossa
investigação, restringir-se-á à legislação tributária paulista.
No nosso entendimento, metodologicamente, o direito não pode ser
concebido tendo como pauta única uma norma jurídica determinada. Por
consequência, qualquer estudo do direito, seja em qualquer plano semiótico que se
considere – sintático, semântico ou pragmático -, só se torna possível,
gnosiologicamente, com o conceito de sistema jurídico.
8 Adianta-se que é certo, contudo, na linha de nosso trabalho, o aspecto dinâmico, uma vez que o que
nos norteia é declaradamente a normatividade, aferida em sua criação e na relação entre norma
fundada e fundante. Assim, a consideração de sistema e ordenamento jurídico, nos moldes do quanto
cuidado por Paulo de Barros Carvalho, não se revelam distintos e, como sistema, também,
consideramos um estrato de linguagem tal como se apresenta com um mínimo de racionalidade
inerente às entidades lógicas, sendo claro que, ainda, a Constituição da República exerce um papel
fundamental na regulação e transformação das normas jurídicas (cf. CARVALHO, Paulo de Barros.
Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. – São Paulo: Noeses, 2011, pp. 216/20).
8
O sistema jurídico vem representar, nessa medida, a unidade fundamental da
matéria do direito, ou, por outras palavras, o sistema jurídico fornece ao direito o seu
caráter de unidade. Há que ser dito, nesse passo, que entendemos por distintos,
sistema jurídico e sistema normativo. Nestes termos, é certo que ao se cuidar da
unidade do direito, somos alcançados pela indagação da completude do sistema
normativo, com a presença ou não de lacunas, sendo tal como decorrência de um
ideal racional ou como ficção de manifesta finalidade prática. Esta indagação, diga-
se, será melhor cuidada quando nos detivermos no ponto do neopositivismo. Mas,
em breve adiantar, situamo-nos dentre aqueles que entendem o direito como uma
realidade dinâmica, em que a unidade do direito não pode se confundir com a
unidade do sistema normativo, na medida em que as normas, por mais completas,
precisas e determinadas que se apresentem, são, ao fim, parte integrante do direito,
não podendo, de modo algum, identificar-se com ele9.
Há que se ter em conta, por sua parte, que, para os puristas, cuja expressão
maior se encontra em Hans Kelsen, a unicidade do direito não se encontra na norma
posta do sistema, mas, antes, na chamada norma hipotética fundamental, que se
revelaria - como pressuposto e fundamento último de validade das constituições dos
países - em verdadeiro dogma, na sua consideração de ápice da pirâmide
hierárquica das normas de direito positivo. Nessa medida, Hans Kelsen pontua:
9 No ponto, alinhamos o escólio de Maria Helena Diniz, suportando-se na doutrina de Lourival
Vilanova, na tradução do seu entendimento, na conformidade de nossa leitura, de que o direito é uma
realidade dinâmica, abarcando, além da norma, as experiências históricas, sociológicas e axiológicas:
“Dessas idéias se deduz que os elementos do sistema são interdependentes. De forma que quando
houver uma incongruência ou alteração entre eles, temos a lacuna e a quebra da isomorfia. Logo o
sistema normativo é aberto, está em relação de importação e exportação de informações com outros
sistemas (fáticos, axiológicos etc.), sendo ele próprio parte de um sistema jurídico. (DINIZ, Maria
Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 7 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 97).
9
A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas
pertencentes a uma mesma ordem normativa, o seu fundamento de
validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem
normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a
norma fundamental desta ordem10.
Portanto, o sistema jurídico, além de traduzir-se em unidade para o direito,
revela-se, por si mesmo, como um sistema, na medida em que se revela como um
conjunto ordenado de normas jurídicas (não consideradas na limitação das leis, ou
melhor, do produto do Legislativo), que guardam entre si uma série de relações.
Assim, em nossa concepção, sistema jurídico pressupõe uma construção de sentido,
que percorre elementos não só de lei, mas, também, carrega – segundo o
neopositivismo - interpretação e jurisprudência, e sua harmonia só se tem presente e
aferível quando do arranjo e formação da norma individual e concreta.
Na medida, portanto, do que se propõe, resta presente, tomando como
referência os temas da principiologia e do papel assumido pela jurisprudência no
ordenamento jurídico, na própria consideração do neopositivismo, a necessidade de
se cuidar, ao menos de modo tangencial, do conceito de sistema jurídico11, de
acordo com a doutrina de Niklas Luhmann.
10 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 217. 11 Apesar do entendimento doutrinário da distinção entre sistema e ordenamento, à vista da
fundamentação no direito positivo, para os limites que nos propomos, não será empreendida qualquer
distinção (v. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23 ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 178-180).
10
1.2. Da teoria dos sistemas
Numa primeira medida, vai se colher o conceito de seleção, com o seu
pressuposto depositado na redução da complexidade e na diferenciação funcional,
na consideração, portanto, do sistema pela teoria autopoiética12, que substituiu a
teoria dos sistemas abertos, apontando, como sua característica essencial, não para
a distinção possível entre o ambiente e o sistema, mas para a definição do sistema
social – que o jurídico o integra -, e seus subsistemas, como fechados e
autorreferenciados, a partir da construção teórica formulada por Niklas Luhmann13.
Nesses termos, a nota que caracteriza o sistema social é a presença da
comunicação, de modo exclusivo, em sua estrutura, que se autorreplica, com a
comunicação produzindo comunicação em outra direção, pautada na diferenciação
funcional nas sociedades modernas que, com o intuito certo de redução de
complexidades, exigem a estipulação de comunicações especializadas, como a
comunicação jurídica, que culmina com o direito positivo (convergindo para a varável
“lei”, da “equação” neopositivista).
É certo que resta o esclarecimento do modelo teórico luhmanniano, que é
passível de crítica no que se refere à caracterização do sistema social na presença
12 Pode-se sintetizar, na consideração de “autopoiese”, como o princípio segundo o qual um sistema
(biológico ou social) reproduz os processos pelos quais foi gerado, desenvolvendo atividades de
autorregulamentação e auto-organização (in ABBAGNO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 111-113). 13 Em Osvaldo Santos de Carvalho colhe-se o registro preciso da teoria luhmanniana de sistema,
sem, contudo, ter-se a intenção de esgotamento do tema, por sua nota de evidente complexidade:
“ressalvando mais uma vez que se cuidará de uma exposição bastante sintética de uma obra
vastíssima, rica, extremamente densa e eivada de conceitos, formulações e, mesmo, linguagem nada
convencionais” (CARVALHO, Osvaldo Santos de. A “guerra fiscal” entre os estados no Brasil: uma
análise à luz da teoria geral do direito; enfocando os pensamentos de Kelsen e Luhmann. Revista de
Direito Tributário. São Paulo: n. 93, 2006, p. 145).
11
exclusiva da comunicação. De plano, emergiria a indagação da presença do próprio
ser humano nessa concepção de sistema social. É que Luhmann coloca o ser
humano como ambiente da sociedade, como uma premissa fundante para o
equacionamento do fechamento operacional do sistema, conferindo à comunicação,
com esse deslocamento do ser humano para o ambiente da sociedade, da operação
que dota de unidade o sistema. Nessa medida, de fato, a comunicação é operação
interna ao sistema, não se apresentando entre o sistema e o ambiente.
Por sua parte, a comunicação é a síntese da seleção, em suas três
modalidades: emissão, entendida como ato de comunicar; informação e
compreensão, e o processo de comunicação, em consideração ampla, o que define
não só a unidade do próprio sistema social, como também promove a sua
reprodução14.
De volta à concepção luhmanniana, a diferenciação funcional própria do
direito, enquanto sistema jurídico, reside, não propriamente em dar conformação
comportamental, mas, antes, em assegurar as expectativas normativas
contrafáticas, não se adaptando aos fatos, portanto protegendo quem espera um
comportamento conforme a norma15 - situação contrária, então, da expectativa
cognitiva, que se revela dotada de adaptação.
Essa expectativa normativa, própria do sistema jurídico, pauta-se na
generalidade – que traz a includência e, portanto, por decorrência, a igualdade – e
14 É o quanto se extrai em Celso Fernandes Campilongo, na sua aferição teórica da teoria dos
sistemas de Luhmann, prendendo-se na colocação do homem na sociedade e no papel assumido
pela comunicação dentro do sistema social (cf. Política, sistema jurídico e decisão judicial. – 2. ed.
São Paulo : Saraiva, 2011, p. 68-69). 15 Justamente na consideração de proteção das expectativas de comportamento, na conformidade
normativa, que ganha relevo, segundo será cuidado, o novo papel assumido pela jurisprudência, em
comando dotado de generalidade e abstração.
12
na congruência, seja na sua consideração temporal – que ao utilizar-se da sanção,
mantém a integridade da expectativa normativa -; seja a social – na medida da
presença do consenso mínimo em que devem se encontrar os interessados ou
partes -; ou, por fim, seja material – ao oferecer segurança contra as contradições.
Por fim, na medida do pressuposto autopoiético do sistema jurídico, este
recebe dos demais sistemas, ou do próprio ambiente, uma série de informações,
que são selecionadas, processadas e construídas internamente, permitindo-se, por
essa atuação, a própria transformação evolutiva do mencionado sistema jurídico.
Assim, o que se tem presente é uma interação permissiva da abertura cognitiva
desse sistema jurídico, que, por sua parte, apresenta-se intangível sua nota de
operacionalidade fechada16.
Em nota simplificadora, com esse pressuposto autopoiético de sistema
jurídico, a partir de sua leitura interna, esse sistema pode ser reduzido a um conjunto
de unidades que se relacionam entre si, aglutinando-se em determinada
referência17. Assim, o sistema jurídico teria em sua composição o conjunto de
normas jurídicas. Estas são consideradas como porções de linguagem com estrutura
hipotético-condicional, sendo o resultado da interação entre lei, jurisprudência e
interpretação, as quais se relacionam entre si por força de uma referência
16 Há que ser apontado, em conformidade com a concepção de sistema luhmanniana, o fechamento
operacional e a abertura cognitiva, em alinhamento, a lição de Edgar Morin, destacada por Clarice
von Oertzen de Araújo: “Assim, se impõe o paradoxo: um sistema é aberto para se fechar outra vez,
mas é fechado para se abrir e se fecha novamente abrindo”. (ARAÚJO, Clarice von Oertzen de.
Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 58) 17 O que traduz a lição de Tercio Sampaio Ferraz Junior sobre repertório, apontando para o conjunto
de unidades, e de estrutura, para o complexo de relações, que contém regras que nos permitem
identificar certos fenômenos sociais como fontes de normas. Nesta medida, a noção de fonte guarda
relação com a estrutura e não com o repertório. (v. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao
estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 248-249).
13
unificadora, geralmente, revelando-se por estrutura hierarquizada, em convergência.
Esses pontos de convergência tomam a constituição dos princípios jurídicos, daí,
mais um dos aspectos de destaque do neopositivismo, na consideração da “virada
kantiana”.
1.3. Das posições dos Poderes de Estado a partir da teoria
dos sistemas luhmanniana
Para os limites de nosso trabalho, daquilo que podemos nominar como
dinâmica comunicativa, faz-se necessário delinear as posições de atuação
institucional18, destinadas ao Legislativo, ao Judiciário e mesmo à Administração
Tributária, segundo a teoria dos sistemas de Luhmann. E isso porque, na
consideração do sistema jurídico, a norma jurídica pode ser entendida como o
resultado da atuação concomitante, pautada necessariamente na comunicação, dos
Poderes de Estado, que, ao fim, ocupariam espaço certo e determinado no
mencionado sistema.
Nesse passo, o legislador executaria sua atividade funcional no campo
periférico do sistema jurídico, em razão de ser a posição de maior proximidade com
os demais sistemas, mostrando-se como o ponto de maior permissividade em
18 Por instituição, nos limites da expressão “atuação institucional”, vamos ter a compreensão de uma
ação determinada, própria e recorrente do sistema social. Sendo, na concepção de Hariou, como
uma organização social, cuja permanência é garantida por um equilíbrio de forças internas, sendo a
chamada “separação dos poderes” marca exterior das instituições. Em Abbagnamo, vamos extrair,
nesta linha: “[por instituição] em sentido mais geral, como “qualquer atitude suficientemente
recorrente num grupo social” (v. verbete “instituição”, in ALLAND, Denis e RIALS, Stéphane; tradução
Ivone Castilho Benedetti; revisão técnica Márcia Villares de Freitas. Dicionário da cultura jurídica. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 974-976; e verbete “instituição”, in ABBAGNAMO, Nicola.
Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 654).
14
relação às perturbações ou irritações ambientais19. Nessa medida, desempenharia o
legislador a função do primeiro filtro do sistema, voltando-se, sobremaneira, para o
futuro com a promoção da enunciação de expectativas normativas, pautando-se em
conceitos abstratos, dotados de alguma determinação, dotados ainda de alguma
tipificação, com alguma abertura principiológica e com cláusulas gerais sempre
abertas, resumindo-se, essa atividade, em pouca compreensão, com abrangência e
generalidades máximas.
De sua parte, o Poder Executivo, por meio específico da sua Administração
Tributária, e o Poder Judiciário não podem ocupar a região periférica do sistema
jurídico, em regra20, não podendo apresentar a mesma posição antes apontada da
atuação do legislador, não podendo, enfim, atuar na filtragem direta dos fatos puros,
econômicos, políticos e sociais, de modo direto como se apresentam no ambiente.
Assim, o que se tem é que tanto o Executivo, como o Judiciário, promovem a
leitura do ambiente externo por intermédio da atuação primeira do Legislativo.
Portanto, são tidos como um segundo filtro, voltados, dessa vez, para o passado,
uma vez que se debruçam sobre o resultado da atividade normativa legislativa
19 Insta destacar a classificação empreendida dos fatos legislativos em fatos históricos; fatos atuais e
eventos futuros, conforme proposto por Klaus Jürgen Philippi, em que a de maior importância para o
presente trabalho relaciona-se à primeira categoria. Assim, os “fatos históricos” referem-se à analise
dos fatos legislativos históricos que ensejaram a criação de determinadas decisões legislativas, como
no caso das decisões dos tribunais superiores nacionais influenciando, de modo determinante, o
Legislativo estadual ou distrital, sendo nessa medida concebidas como verdadeiro fato histórico. Tudo
isso a justificar, então, a concepção doutrinária de que não há como negar a comunicação entre fato
e norma (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade hermenêutica constitucional e
revisão de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial. Revista dos Tribunais. São Paulo:
Editora RT, n. 766, ago. 1999, p. 20-21). 20 Diz-se “em regra” justamente à vista do quanto se visualizará ao se promover a análise do novo
papel assumido pelo Judiciário na geração de expectativas normativas, as quais são ordinariamente
de atribuição do Legislativo.
15
inaugural, seja do Poder Executivo, com a execução do comando legislativo de
ofício, seja do Poder Judiciário, por meio de provocação.
Uma vez tratado da ocupação dos Poderes do Estado na produção do direito,
a lição de Misabel Abreu Machado Derzi, ao aferir que o tempo da lei e o tempo da
sentença são distintos, debruçando-se nas lições de Niklas Luhmann, tece esta
consideração:
Como aprendemos com Niklas Luhmann, em especial na Teoria da
Constituição como Aquisição Evolutiva, o legislador trabalha na periferia do
sistema, onde está mais perto dos demais sistemas, de modo poroso em
relação ao ambiente, no presente voltado precipuamente para o futuro [...]
[O Poder Executivo e o Poder Legislativo] Não podem se localizar na linha
fronteiriça do sistema jurídico, não podem, ambos, trabalhar porosamente,
em relação ao ambiente, não podem filtrar primária e primeiramente os fatos
puros, econômicos, políticos e sociais, como se dão no ambiente. Lêem o
ambiente externo pelos olhos do legislador, e, pois, de modo impermeável.
[...] estão voltados para o passado, para o input do sistema, para o que pôs
o legislador, atuando em estrita vinculação à lei, à Constituição, ao Direito21.
Em regra, portanto, podemos, em breve síntese, apreender a teoria dos
sistemas, enquanto atuação dos Poderes de Estado, na conformação do sistema
jurídico, considerando as suas relações e as suas unidades identificadas – lei,
decisão e ato administrativo, respectivamente relacionados, em regra, ao produto do
Legislativo, do Judiciário e do Executivo. E isso, com vistas inegáveis ao
atendimento do princípio da segurança jurídica, já que na linha temporal do passado,
21 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência : proteção da confiança, boa-fé
objetiva e irretroatividade como limites constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo:
Noeses, 2009, p. 56-57.
16
presente e futuro, a um mesmo fato jurídico será subsumida uma mesma norma
jurídica.
Assim, digamos, por hipótese, que em sua missão constitucional, o Supremo
Tribunal Federal (ou mesmo, para os fins da nossa investigação, o Superior Tribunal
de Justiça), ao enfrentar uma questão jurídica determinada, entenda por adoção de
uma solução jurídica, que se revela notadamente pacífica, por uma série de outras
decisões (caso, por exemplo, do exame da “guerra fiscal” do ICMS, que num sem
número de vezes foi repelida pelo Supremo Tribunal Federal, como inconstitucional;
ou mesmo, na ordem de trabalhos do Superior Tribunal de Justiça, eventual decisão
em sede de recursos especiais repetitivos, cuidando de matéria tributária), isso seja
a comunicação suficiente para que o legislador ordinário estadual ou distrital
promova, em primeiro filtro, a partir deste mencionado estímulo jurisprudencial,
vertendo-o na forma de lei ordinária que disponha sobre a matéria, então, cuidada e
decidida, com operatividade voltada para os comportamentos futuros.
Por sua vez, ainda dentro desta hipótese montada, é importante ressaltar que
as mencionadas decisões do Poder Judiciário, cuidando da matéria tributária,
mostram-se voltadas para o passado.
Em suma, da conjugação das expectativas normativas, no passado e no
futuro, revelam o pleno atendimento ao princípio da segurança jurídica, pois ao
longo do tempo deverá emergir a igualdade no tratamento tributário.
Logo, o que se colhe, em resultado, é a busca do maior equilíbrio
comportamental, no sistema jurídico, na medida em que o ajuste temporal se fará
17
sentir entre as expectativas normativas22, fruto, pois, da conjunção que vê da
atuação do legislador estadual e distrital e do julgador do Tribunal Superior, este
estimulando a inovação promovida por aquele.
Assim, mostra-se relevante a lição de Luís Roberto Barroso, com expressivo
amparo no escólio de Peter Häberle, apontando pela comunhão dos atores sociais
na interpretação do mandamento constitucional - e, em nossa concepção, na
interpretação do mandamento do sistema jurídico, e, necessariamente, na formação
de normas jurídicas. Nas considerações desse autor:
No desenvolvimento de suas idéias, assentou Häberle que a interpretação
constitucional é um processo aberto [...] Não há, assim, um elenco cerrado,
numerus clausus, de intérpretes da Constituição. [...] Nas palavras textuais
do autor alemão:
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com
este contexto é, indireta ou, até mesmo, diretamente, um intérprete dessa
norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que
se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são
apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não
detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição 23.
22 Celso Fernandes Campilongo faz a precisa conceituação de expectativas normativas, com pauta
em Luhmann, são as suas considerações: “Para Luhmann, o direito promove a ‘generalização
congruente das expectativas normativas’. [...] ‘Generalização’ equivale a dizer que o critério para a
compreensão do sistema não pode ser individual ou subjetivo. [...] ‘Congruente’ significa a
generalização da segurança do sistema em três dimensões: temporal [...]; social [...]; material. [...]
‘Expectativas normativas’ são aquelas que resistem aos fatos, não se adaptam às frustrações ou, na
linguagem de Luhmann, não estão dispostas à aprendizagem.” (CAMPILONGO, Celso Fernandes.
Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 19). 23 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 120.
18
Logo, a interpretação implica, necessariamente, a pluralidade dos
intérpretes24, na consideração mesma levada a termo, anteriormente, dentro da
nossa premissa neopositivista, em que a norma é o resultado da sua atuação, em
conjunto com a lei e a jurisprudência.
1.4. Dos princípios
Alcançando-se, então, estruturalmente, os princípios, como pontos de
convergência e referenciadores do sistema jurídico - aponta-se para o cumprimento
da condição suficiente para o ingresso de isolamento das peças normativas mais
relevantes para qualquer porção do conhecimento do direito.
Somos remetidos, neste momento do exame, à importância dos princípios,
podendo, por sua parte, ser descritos como funcionalmente organizadores do
24 Encontramos, também, em Cassio Scarpinella Bueno, alinhamento com a concepção de norma
jurídica na forma como composta. E isto se estabelece em artigo específico, construído com o intuito
certo do autor em cuidar da importância atual da interpretação para o direito, apresentado através da
aproximação musical do direito, naquilo que ele mesmo é, enquanto interpretação e norma jurídica.
Assim, para conceber a multiplicidade dos intérpretes do direito, Cassio Scarpinella percorre a
estática e a dinâmica do ordenamento jurídico, aquela correspondendo ao sentido literal do texto
normativo, ao passo que esta guarda relação direta com o direito aplicado ao caso concreto, na
medida da lei e do direito interpretados. Então, dentro do quanto se concebe de dinâmica do direito,
pontua uma conclusão acerca da participação plural na edificação do direito, no mesmo sentido que
da música, que aqui se faz presente: “Ninguém parece duvidar que interpretação do Direito seja
assim como no caso da música multifacetada. Para dizer o que parece exagerado: haverá tantas
normas jurídicas quantos sejam os seus intérpretes. Por que ouvir uma música com diferentes
intérpretes? Será a mesma música? Será uma mera questão estética de puro prazer auditivo? Por
que será que o advogado, contratado para defender uma “causa difícil”, busca em tantos livros e em
tantos repertórios de jurisprudência uma solução divergente ou diferenciada, da norma jurídica que
rege a espécie? Por que os operadores do Direito fazem questão de ter tantos livros, tantos
comentários, tantas monografias, de uma dada lei, de um dado Código, de um dado tema jurídico?”
(cf. Direito, interpretação e norma jurídica: uma aproximação musical do direito. Disponível em:
<http://www.scarpinellabueno.com.br/>. Acesso em: 30 mai. 2013).
19
sistema jurídico, atuando como elo responsável por demonstrar os resultados
escolhidos pela nação25, sendo inegável, portanto, sua característica axiológica.
No que tange aos princípios, à vista de maior precisão, ganha nítida
importância este questionamento formulado por Renato Lopes Becho26: se diante da
distinção que se pode fazer entre texto e norma, a classificação entre regra e
princípio se manteria? Em resposta, adianta-se que sim. O que se tem, nessa
medida, na conformidade da apreensão que fazemos do entendimento do próprio
autor, é que a norma traz os comandos de obrigatório, permitido ou proibido, nos
quais se inserem princípios e regras, normalmente diluídos dentro do seu campo de
significação.
Concebe-se, então, que os princípios e as regras não são normas, mas antes,
são veículos normativos, componentes ou partes das normas, sendo que ambos são
imprescindíveis para o alcance da norma, com a compreensão suficiente do
comando jurídico.
E, nesse sentido, Renato Lopes Becho, conclui que regras e princípios se
revelam pela mesma estrutura, contudo, na ordem interna, são diferentes:
Pelo exposto, entendemos que a classificação das normas jurídicas em
regras e princípios deve ser mantida.
25 Esta é a medida sumarizante empreendida por Paulo Henrique dos Santos Lucon, para quem os
princípios retratam, por fim, “os valores atuais de uma nação”. (cf. Devido processo legal substancial.
Disponível em: <http://direitoprocessual.org.br/content/blocos/103/1>. Acesso em: 20 set. 2011). 26 Ver BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário: teoria geral e constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 348. Com relação aos princípios, ainda, percorrendo a doutrina de Celso Bastos,
Eros Grau e Roque Carrazza, Renato Becho assinala para o cuidado que se deve tomar com a
terminologia, aportando, com isto, na expressão de Paulo Bonavides para quem os princípios são
normas e as normas compreendem igualmente os princípios e as regras.
20
Valendo-nos dos conhecimentos de lógica formal, podemos dizer que,
formalmente, regras e princípios têm a mesma natureza, são todos
componentes textuais de normas jurídicas. Entretanto, internamente, há
diferenciações, como veremos27.
Em passo coincidente, contudo utilizando como premissa a ordem
constitucional, com Roque Antonio Carrazza, vamos colher noções introdutórias de
princípios, em específico os jurídico-constitucionais, e sua diferenciação das regras.
Assim, após se aferir, na sua doutrina, a Constituição e o seu papel no ordenamento
jurídico, alcança-se, por fim, que ao longo da estrutura constitucional, há normas
mais e menos importantes, uma vez que aquelas veiculam verdadeiros princípios, ao
passo que estas, regras.
Chega-se à noção de princípio, na linha condutora de Roque Antonio
Carrazza, após um breve percurso histórico que nos remete à filosofia de
Anaximandro e Platão, bem como à Kant, e conclui-se que, para qualquer ciência,
princípio é qualquer começo, alicerce, ponto de partida, ou patamar privilegiado, que
permite a facilidade na compreensão ou demonstração de algo, ou, em resumo, é a
pedra angular de qualquer sistema. A partir da seara jurídico-constitucional, aponta-
se que o princípio jurídico é concebido como um enunciado lógico, dotado, em sua
nota característica, de grande generalidade, ocupando posição de destaque no
direito, estabelecendo vínculos não só para o entendimento, como também para a
aplicação das normas jurídicas, que com ele se ligam28 (ou, na anterior concepção
doutrinária apresentada por Renato Lopes Becho, por ele veiculada).
27 BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário: teoria geral e constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 348. 28 Para Roque Antonio Carrazza, a sua concepção de princípio é de toda semelhante ao enunciado
por Eduardo Couture, inclusive detendo-se no conceito de “princípio da constitucionalidade”,
21
Ademais a doutrina de Carrazza, acrescenta que não importa, por fim, se o
princípio se apresenta de modo explícito ou implícito, mas antes, e este é o ponto, a
importância de sua existência. Restando, portanto, ao jurista - ou melhor, como
mesmo cuidado por nós29, aos múltiplos intérpretes do sistema jurídico - o
necessário papel da identificação dos limites próprios de atuação dos princípios e
sua hierarquização.
A ideia de princípio, portanto, e de maneira precocemente já lançada, deita
raiz na derivação da geometria, designando as verdades primeiras e objetivas, nem
sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, uma vez estar voltada
para a especificação da modalidade de normas jurídicas.
O fato é que um ponto de destaque merece ser cuidado, qual seja, como se
deu, mesmo que em termos históricos, a marcha dos princípios ao longo do caminho
da normatividade. E justamente, com esse passo, que vamos ao encontro da
pesquisa doutrinária de Paulo Bonavides30, que apresenta outros aspectos
referentes aos princípios e sua normatividade, que merecem exposição:
encontrado em Jorge Bacelar Nogueira, que coloca a Constituição, em linhas gerais, como destinada
a esclarecer a presença de uma hierarquia na ordem jurídica, com a subordinação de todas as outras
fontes e atos que não sejam constitucionais à mesma, ingressando, ainda, pela presença no sistema
de mecanismos eficazes de verificação e expulsão das incompatibilidades de atos com a própria
Constituição (cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São
Paulo: Malheiros, 2011, p. 46-47). 29 Retomamos, para alinhamento, as notas de rodapé 4 e 23, com suporte nas doutrinas
apresentadas de Eros Roberto Grau, Luís Roberto Barroso e Peter Häberle. 30 Paulo Bonavides apresenta uma consistente abordagem histórica do percurso percorrido pelos
princípios na sua transição do jusprivativismo (próprio dos Códigos) para o juspublicismo (próprio da
Constituição), transformando-se na “chave” de todo o sistema normativo (v. BONAVIDES, Paulo.
Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 255-295).
22
i.) como pensamento diretivo: em F. de Clemente, a partir de uma imersão
civilista e da aferição de equivalência com a equidade dos romanos, princípio para o
direito pode ser tido como:
[...] o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das
disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código
ou de todo um Direito Positivo31.
ii.) como orientações e diretivas de caráter geral e fundamental: da
enunciação da Corte Constitucional italiana, em 1956, os princípios são:
[...] aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental
que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da
íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num
dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico32.
iii.) por fim, identificando-se um “defeito capital” das conceituações anteriores,
diante da ausência do traço de normatividade, que vem só a a ser formulada em
Crisafulli, em 1952, na medida:
[...] é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como
determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,
desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais
particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem,
potencialmente o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam,
ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as
contém33.
Apontam-se, ainda em Paulo Bonavides, com amparo na lição de Ricardo
Guastini, seis conceituações vinculadas às disposições normativas dos princípios,
31 v. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 256. 32 Ibidem, p. 256. 33 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 257.
23
sendo relacionados: i.) como normas providas de alto grau de generalidade; ii.)
como normas providas de um alto grau de indeterminação e que, por isso, requerem
concretização, por via interpretativa, sem a qual não seriam suscetíveis de aplicação
ao caso concreto; iii.) como normas de caráter programático, apresentando, nessa
medida, baixa densidade normativa; iv.) como normas, hierarquicamente, elevadas
na referência às fontes do Direito; v.) como, ainda, normas que desempenham uma
função importante e fundamental no sistema jurídico ou político unitariamente
considerado, ou num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto; vi.) por fim,
como normas direcionadas aos órgãos de aplicação, cuja específica função é fazer a
escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos.
Na condição de normas, na conformidade com Paulo Bonavides, ou, de
veículos normativos, conforme Renato Lopes Becho, então, os princípios orientam a
correta aplicação das regras hierarquicamente inferiores, exercendo, ainda, função
criativa ao apontar para o legislador a necessidade de completude do sistema,
sendo esta uma nota de interesse maior para o presente trabalho, em específico do
legislador estadual ou distrital, na geração de normas que deem resposta às
expectativas normativas originadas de decisões já emanadas pelos tribunais
superiores.
Uma retomada se faz necessária, ainda que num breve apontamento, a partir
da concepção da normatividade e sua relação com os princípios e regras. Como se
verificaria, então, sua distinção? O que se tem, em resposta, é que o modo de
solução de conflitos é tido como ponto de importante distinção entre regras e
princípios. Dessa maneira, em termos gerais, o conflito entre regras, por sua parte,
somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for
introduzida numa regra ou, pelo menos, se uma das regras for declarada nula,
24
então, uma norma vale ou não. Já que com os princípios, no conflito há o recuo, que
não significa que o princípio de que se abdicou seja declarado nulo, nem que uma
cláusula de exceção nele se introduza, uma vez que, para caso concreto
determinado, os princípios têm peso diferente, preponderando o de maior peso, para
o caso referido34.
Diversamente das regras, portanto, em que o conflito se dá na dimensão da
validade, o conflito de princípios dá-se na dimensão dos pesos ou dos valores35.
Podemos sumarizar valor, por sua parte, na conformidade com Paulo de Barros
Carvalho36, apesar da concepção de Johannes Hessen por sua indefinibilidade,
como o vínculo que se institui entre o agente do conhecimento e o objeto, tal que o
sujeito, movido por uma necessidade, não se comporta com indiferença, atribuindo-
lhe qualidades positivas ou negativas, sendo que não apresenta qualquer dimensão
ôntica, ou seja, os valores não são, valem. Aponta, Paulo de Barros Carvalho, que
valores são preferências por núcleos de significação, ou melhor, são centros
significativos que expressam preferibilidade por certos conteúdos de expectativas.
Por sua parte, a faceta valorativa está sempre em toda a configuração
jurídica, desde seus aspectos formais (lógicos), como nos planos semântico e
34 A concepção de distinção entre princípios e regras apresentada, por suas linhas gerais, pode ser
melhor referida em Robert Alexy, sobretudo ao cuidar da colidência entre princípios, estabelecendo a
chamada lei da colisão, que pode ser expressa, da seguinte forma: se o princípio P1 tem precedência
em face do princípio P2 sob as condições C: (P1 P P2) C, e se do princípio P1, sob as condições C,
decorre a consequência jurídica R, então vale uma regra que tem C como suporte fático e R como
consequência jurídica: C => R (Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 99). 35 A concepção apresentada, segundo trazido por Paulo Bonavides, deve-se ao trabalho empreendido
por Robert Alexy, que aponta, ainda, que no conflito entre princípios, a solução reside na
contiguidade da teoria dos princípios com a teoria dos valores (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito
constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 285). 36 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 174-177.
25
pragmático, ou seja, onde houver direito, conforme mesmo apontado em Paulo de
Barros Carvalho, haverá, certamente, o elemento axiológico (valor jurídico).
Alinhamos, neste passo, uma conclusão, que nos parece toda a sintetizar o quanto
se apreendeu:
Em outras palavras, ali onde houver direito, haverá, certamente, o elemento
axiológico. A demonstração deste asserto não é difícil e pode ser feita com
singelas lembranças das manifestações jurídicas, em pontos diversos da
existência desse fenômeno. [...] Vê-se que o valor está na raiz mesma do
dever-ser, isto é, na sua configuração lógico-formal37.
Por outro lado, ao se cuidar da aferição da prevalência possível entre
princípios, destaca-se a relação entre norma e valor, que não depende propriamente
da norma ou dos seus atributos. Tal relação depende, antes, das razões utilizadas
pelo intérprete, bem como das circunstâncias fáticas da aplicação – a dimensão
axiológica não decorre propriamente da norma, mas do exame feito pelo intérprete
do caso concreto, situação reveladora da inevitabilidade da subjetividade, passível
de modificação com a alteração das coordenadas da situação hermenêutica, diante
da evidência de uma dinâmica da unidade dialética, vertida em compreensão,
interpretação e aplicação38.
1.5. Do direito natural ao neopositivismo ou “o novo direito
tributário”
37 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 175. 38 Uma vez mais remetemo-nos à consideração da lei da colisão de Alexy, na conformidade com a
nota de rodapé n. 33.
26
De tudo o quanto se expôs, a nota que salta é a expressão característica do
neopositivismo – na pauta da principiologia e da interpretação, para a constituição
da norma jurídica. Então, nesse sentido, faz-se necessário adentrar em suas
especificidades, relacionando-o com as demais correntes filosóficas, para a sua
melhor apreensão.
Nesses termos, com Renato Lopes Becho39, que se propôs a promover a
análise das diversas expressões que pode tomar o direito, na aferição do
relacionamento entre as correntes filosóficas e as posturas dogmáticas do direito
tributário, vamos percorrer os passos de afirmação do neopositivismo, ou como
preferido por esse doutrinador, em sinonímia, dos direitos humanos na tributação, na
concretização de um novo direito tributário.
É certo, neste passo, que se faça, mesmo que em breves linhas, a
conceituação da filosofia do direito. Assim, tal locução toma utilização para significar
o conjunto de ponderações construídas, feitas de maneira externa, com relação a
um corpo jurídico, na consideração que se pode ter dos textos do direito, positivado
ou não, contudo, com referenciamento histórico, produzindo, ao final, avaliações
críticas40. Cuida-se, portanto, de uma organização dos questionamentos
fundamentais do mundo jurídico (valores jurídicos41).
39 Em Filosofia do direito tributário, Renato Lopes Becho determina que seu argumento central, ao
cuidar da obra em questão, revela-se no exame de como as correntes filosóficas podem explicar os
limites dogmáticos e interpretativos com relação ao direito tributário. E, com esta pauta, ingressamos
na exposição das correntes filosóficas que culminam com o surgimento e apropriação do
neopositivismo. Aponta-se, portanto, que toda a construção do item, que se cuida, encontra franco
suporte na mencionada doutrina (Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 149-205 e
228-263). 40 No ponto, ainda, há que se apontar a distinção que se estabelece entre filosofia do direito e filosofia
no direito, sendo esta voltada ao emprego de instrumentos utilizados para as meditações filosóficas,
27
Dessa forma, vem-se a conceber, na mesma forma que Renato Lopes Becho,
que todos os temas que compõem o direito tributário podem ser desenvolvidos com
referência aos pressupostos filosóficos, tais como: o núcleo disciplinar acadêmico, a
finalidade, a interpretação e as fontes do direito tributário (temas que se revelam de
maior interesse às nossas investigações), bem como a classificação dos tributos.
Há que ser dito, mesmo que em retrocesso à abordagem anterior, quando
cuidamos dos princípios e dos valores, que, pela teoria dos valores há espaço,
inegável, para uma postura objetiva e consequente expurgo da subjetividade dos
princípios e valores. Assim, dessa objetividade da postura dos valores, afere-se a
sua composição por meio de princípios – considerados portadores de carga
axiológica fundamentalmente objetiva, o que lhes permite uma ampla discussão
teórica em bases científicas, bem como o almejado alcance do consenso
intersubjetivo ou consenso social42, ponto este de interesse ao aferirmos o espaço
conferido às decisões judiciais, e sua criação normativa.
inseridas na dogmática jurídica, numa construção, portanto, interna (CARVALHO, Paulo de Barros.
Derivação e positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p. 6-7). 41 Diga-se que, no trabalho empreendido na aferição da existência de uma filosofia do direito
tributário, Renato Lopes Becho promove abordagem objetiva das áreas filosóficas aplicadas à
tributação, caminhando dentro da teoria dos valores, ingressando de maneira ocasional sobre a teoria
do conhecimento e, concluindo, pela remoticidade de estudo da metafísica na seara da tributação,
sendo esta reduzida ao tema da classificação dos tributos, quando se é levada pela consideração de
coisas sem a existência física (v. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 280/1). 42 Nesse sentido, comungamos com a doutrina de Inocêncio Mártires Coelho ao apontar que assiste
razão a Gadamer ao advertir que, nos limites da hermenêutica jurídica, toda compreensão depende
da pré-compreensão do intérprete, não se podendo, nessa medida, adotar um conhecimento objetivo,
mas, antes, cuidar do estabelecimento de critérios mínimos de racionalidade e de controle na
interpretação dos modelos jurídicos, estabelecendo-se, para tanto, algum critério de verdade
intersubjetivo. Sendo, de todo indicado o seu suporte na doutrina de Cóssio, assim, posta: “Si no hay
intersubjetividade em el punto de vista, no vamos a poder hablar nunca de lo objetivo; y lo objetivo em
su desarollo será aquello que así es para mi, para ti, para todos os demás; siendo claro que este
acordo posible sobre el objeto, presupone la intersubjetividade del punto de vista” (COELHO,
28
Ponto que merece destaque, portanto, é que, para a conformação dos
valores, ganha importância o mencionado conceito de “consenso social ou
intersubjetivo”, que, por nós, verte-se em “consenso universal”, que se revela, na
conformidade com Abbagnano43, como a tentativa de colocar ao abrigo da crítica
conhecimento ou prejulgamentos considerados absolutamente válidos, mas cuja
efetiva universalidade seria muito difícil provar (o que ocorre com as decisões
judiciais e sua jurisprudência, que seria uma resposta institucional ao consenso
universal ou intersubjetivo, denotando um acordo entre os membros de uma
determinada unidade social em relação a princípios, valores e normas, bem como
quanto aos objetivos almejados pela comunidade e aos meios para os alcançar)44.
Iniciamos, então, o breve cotejo, entre as escolas filosóficas e o direito
tributário, nos subitens que se seguem.
1.5.1. Do direito natural e a tributação
A primeira indagação que surge se encontra embasada na discussão se o
direito é meramente posto, alinhando-se com a positivação, ou se é o justo,
apresentando-se valorado, seja com a moral, seja com outro valor. Assim, o direito
Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 25-26, nota de rodapé nº 11). 43 ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 228. 44 De importância para o presente trabalho, é a aferição empreendida por Renato Lopes Becho do
consenso intersubjetivo na tributação, apoiando-se, de modo inequívoco, em dois pontos: o da
Assembléia Nacional Constituinte, momento em que vários valores constitucional-tributários foram
constitucionalizados, bem como na jurisprudência, que vem retratar, juridicamente, o consenso
intersubjetivo ético aplicado ao direito, na mesma linha dos legisladores (v. Filosofia do direito
tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 286).
29
justo é função de controle valorativo, submetido a critérios axiológicos, como o
conceito de justiça.
Deste encontro, então, entre os elementos direito e justiça vai se ter a
discussão entre o direito positivo e o direito natural ou jusnaturalismo. Nesse
sentido, se tem que o direito, como dado cultural, não será encontrado na natureza
ou se revelará alcançado pelos sentidos típicos.
Com relação à tensão aferível entre o direito natural e o positivo, três versões
mais consistentes do direito natural hão que se verificar:
i.) Direito natural de origem divina
Estabelecem-se alguns elementos de relevância para a discussão entre
direito positivo e direito natural, percorrendo: a) o problema da fonte, retratando a
multiplicidade dos ejetores de normas e a decorrente instabilidade; b) a dificuldade
presente no veículo ou suporte, na estrita referência às leis escritas ou não; c)
referência temporal, na medida da existência de um direito atemporal ou imemorial.
Nesses termos, afere-se que uma parcela do direito transcende a vontade do
soberano, governante ou autoridade, apresentando como fonte aquilo que é divino e
sobrenatural.
O direito natural, nesses moldes, teve um espaço de conformação e
exposição na história, correspondente às mudanças trazidas pela Revolução
Francesa, que, para sua sustentação e necessidade de afastamento da esfera de
atuação das anteriores classes dominantes, clamava por um mecanismo dotado de
maior objetividade e certeza das relações e normas, que veio a ser encontrada e
reequacionada com o positivismo, com a evidente finalidade de afastar a concepção
30
do direito de origem divina dos reis. É certo, contudo, que o direito natural de origem
divina ainda hoje pode ser visualizado, como, por exemplo, ao se verificar
dispositivos da Constituição do Irã45.
Pode-se, ainda, ter uma breve imagem da tensão entre o direito positivo,
originado numa noção de autoridade, e as leis de um senso superior, distinto da
autoridade, ao se percorrer a obra de Sófocles, Antígona. Nela, onde esta
protagonista contrapõe um direito natural, de origem divina, presente no direito de
enterrar o seu irmão morto, contra uma determinação posta pelo governante
Creonte, de que o corpo do seu irmão, considerado um traidor da cidade, não
poderia merecer os cuidados fúnebres46.
ii.) Direito natural de origem racional
45 Para o ponto, interessante aspecto pode ser aferido diretamente no artigo 1º da Constituição do Irã,
na consideração do direito natural de origem divina, na explícita menção ao Alcorão, como base
mesma da República Islâmica do Irã: A forma de governo do Irã é de uma República Islâmica,
apoiada pelo povo do Irã, com base em sua crença de longa data na soberania da verdade e da
justiça do Alcorão, no referendo de Farwardin 9 e 10 no ano de 1358 do calendário solar islâmico,
correspondente a Jamadi al-Awwal 1 e 2 no ano de 1399 do calendário lunar islâmico (29 de março e
30 de 1979), através do voto favorável de uma maioria de 98,2% dos eleitores, realizada após a
Revolução Islâmica vitoriosa liderada pelo eminente Marji al-taqlid Ayatullah al-Iman Uzma Khumayni
(Disponível em: <http://www.iranonline.com/iran/iraninfo/government/constitution-1.html>. Acesso em:
11 fev. 2013.). 46 Merece nota trecho do diálogo estabelecido entre Antígona e Creonte, no qual aquela sinaliza para
direitos que transcendem a estipulação normativa humana: “Sim, porque não foi Júpiter que a
promulgou; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas jamais estabeleceu tal
decreto entre os humanos; nem eu creio que tal édito tenha força suficiente para conferir a um mortal
o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a
partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! e ninguém sabe desde quando vigoram!” (cf.
SÓFOCLES. Antígona. Disponível em: <http://www.ingresso.ufu.br/sites/default/files/certificacao/
Teatro_%20Antigone_Sofocles.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2013, p. 30).
31
Expõe Renato Lopes Becho47 que na tentativa de superar a explicação divina,
ainda na Grécia, alguns, dentre eles Platão, trilhavam caminhos científicos, com o
uso mesmo da dialética como método de verificação e alcance da realidade, na
tradução do conhecimento por meio da razão. Em Platão, então, vai se ter que, em
atendimento à visão vulgar de que é justo a prevalência do melhor sobre o pior, do
mais forte sobre o mais fraco, o mais forte será a coletividade, que, de sua parte,
deve prevalecer sobre o mais fraco, que são os interesses individuais.
Em Platão, ainda, tem-se que o direito natural é conhecido por meio da razão.
Por sua vez, já em Aristóteles, aponta-se para a concepção dualista, com a
coexistência do direito natural, a par do positivo, ao invés da monista, com o
predomínio do direito positivo, em momento pós-aristotélico. Por sua vez, agora
segundo Bobbio, é que se apresenta uma vinculação entre o objetivismo da teoria
dos valores e o direito natural48, razão, ainda, para a promoção da divisão em direito
natural em graus, com a nota certa de se apontar a importância maior ou não de
vários temas: em primeiro grau – voltado, por exemplo, para a tutela da vida -; e em
segundo grau – voltado para as demais instituições humanas49.
Importante e conclusivo aspecto é levantado, na obra de Renato Lopes
Becho, na medida em que a razão tanto pode levar ao cumprimento do dever
47 Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 157. 48 Bobbio apresenta, com base em Aristóteles, dois critérios para distinção entre o direito natural e o
positivo: o primeiro, relacionado com a eficácia, em que o direito natural se apresentaria em toda
parte com a mesma medida de eficácia; e o segundo, inaugurando o objetivismo da teoria dos valores
para o direito natural, na medida em que este prescreveria ações cujo valor independeria do juízo
subjetivo do agente – as chamadas “ações cuja bondade é objetiva” -, ao passo que o direito positivo
estebeleceria ações que antes de serem executadas poderiam ser executadas, indistintamente de um
modo ou de outro, mas, uma vez reguladas, só poderiam ser desenvolvidas da maneira prescrita. (O
positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 17). 49 BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 160-161.
32
estabelecido conforme o direito natural, quanto conforme o direito positivo, assim, a
razão é tida como um elemento neutro, seja na teoria dos valores, seja na teoria do
conhecimento50.
iii.) Direito natural valorado
Tem-se que a influência da valoração é o elemento distintivo entre as
principais correntes da jusfilosofia, que modernamente, ainda, defendem a vitalidade
do direito natural, com tal versão, em que se confrontam as leis postas pelas
autoridades instaladas no poder com o senso de justiça, ou de outro valor moral,
estudado pela ética. Indicam-se, então, duas versões para o jusnaturalismo: a
definitória, na qual o direito injusto contrastante com a moral não é autêntico direito;
e a justificatória, na qual independentemente de chamar-se ou não direito, o direito
posto contrastante com a moral não deve ser obedecido.
Ainda segundo o jusnaturalismo valorativo, há a distinção entre a versão forte,
na qual qualquer violação da moral implica a perda do caráter de jurídico; e a versão
tênue, na qual não seria qualquer violação da moral que diminuiria a obrigação de
obediência ao direito. Um ponto de destaque é que, para essa versão, o direito é de
acordo com os valores supremos de uma sociedade, identificado por meio do
consenso social (justiça, liberdade, igualdade, ou outro).51
50 Diga-se, ainda, que a razão, na condição de elemento neutro, suportando tanto o direito natural,
como o positivo, habilita Kant a romper com a visão clássica do direito natural, que trazia a razão
como seu fundamento. (BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 161). 51 O que se tem, mais uma vez em evidência, é que a relação entre o direito e a moral se revela como
um dos problemas fundamentais da filosofia do direito. Assim, nessa ordem de valores, por versão
forte vai se ter na medida do confronto entre o direito positivo e o direito natural, e, assim, ao se
colher a falta de correspondência entre ambos, pode-se concluir, por esta tese, que aquele nem
mesmo pode ser considerado como direito. Por sua parte, para essa tese da versão fraca, uma lei do
33
Relembra Renato Lopes Becho52, cuidando da terminologia, que em Goffredo
Telles Junior53 vai se ter o conceito de ancilosamento das estruturas jurídicas, na
qual o direito posto passa a ser discordante dos ideais apontados pela coletividade,
e o direito natural, vem ser conceituado pela negativa, como aquele que não é
artificial.
Compartilhamos, ainda, a premissa de que as fontes do direito são
entendidas como os locais em que os julgadores, e mesmo os operadores do direito,
numa consideração de multiplicidade de intérpretes, extrairão o fundamento para
decidir um caso concreto. Esse fato, em remetimento ao direito natural de origem
divina, vai ter fundamento na concepção divina, já o direito natural de origem
racional vai ter fundamento nos usos e costumes, na doutrina, na legislação e nas
decisões dos tribunais, que se mostram como as fontes clássicas de direito.
Mas qual seria a exata dimensão do direito natural? Em resposta, colhe-se
que o direito natural, desde Aristóteles, deve ser visto como uma estrutura dual,
direito positivo que viesse a contrariar disposição de direito natural poderia até ser considerada
direito, contudo, poderia ser descumprida, uma vez que não atenderia aspecto determinado de
justiça, suficiente para aferição da moral das normas jurídicas. Emerge, por certo, inspiração na
posição naturalista de São Tomás de Aquino que afere que pode haver discordância entre o direito
natural e o direito positivo, sem que este perca seu caráter jurídico, o que seria aceitável até certa
medida, pois, ultrapassado este limite de injustiça, o direito positivo perde sua juridicidade. (v. verbete
“Moral e Direito”, in ALLAND, Denis e RIALS, Stéphane; tradução Ivone Castilho Benedetti; revisão
técnica Márcia Villares de Freitas. Dicionário da cultura jurídica. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2012, p. 1027). 52 Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.163. 53 Goffredo da Silva Telles Jr., neste ponto, cuida do direito natural, definindo-o pela negativa, na
medida em que por direito natural há que se entender aquele que não é artificial, apontando antes, ao
descrever o fenômeno apontado do ancilosamento das estruturas jurídicas, que cada direito objetivo
é dependente de um sistema ético de referência e que este, na sociedade, pode avançar, renovando-
se e evoluindo, apresentando, contudo, em confronto o próprio direito objetivo, que estagnado,
envelheceu. (Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 8 ed. rev. – São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2006, p. 354-345).
34
existindo suas normas locais e temporais (próprias, portanto, do direito positivo) e
uma determinação ou conjunto de disposições superiores (próprias, por sua vez, do
direito natural), não sendo, pois, absolutas. Assim, o resultado final da indagação é
que o direito natural não subsiste às regras particulares dos diversos ordenamentos
jurídicos nacionais, regionais, culturais ou jurídico-religiosos.
Contudo, há que ser dito que o direito natural não ficou imune à crise.
Apontando-se, de início, que o direito positivo, por sua parte, acabou promovendo a
alteração do núcleo do direito, enquanto fenômeno cultural, modernizando-o, em
razão mesmo de fatores tecnológicos decorrentes, sobretudo, da Revolução
Industrial, momento em que os homens passaram a demandar respostas objetivas e
previsíveis. Então, o que se colhe, conclusivamente, é que não é na natureza que se
vai localizar o fundamento sociológico e filosófico para o direito, mas, antes, na
detenção do poder.
O que se tem, de fato, da relação entre o direito natural e o direito tributário,
num primeiro momento, é que a raiz valorativa do direito sustenta a supremacia dos
princípios, considerados como veículos normativos dos valores, sobre as regras,
região em que podem ser situados uma série de tributaristas. Para tal, não se faz
necessária a eleição de um valor supremo, bastando que destaque e explore a
superioridade dos princípios, tomados como valores normatizados, com força
decisiva e eficácia legal, o que dá ensejo aos cultores dos direitos humanos
(lastreados em valores humanísticos, e não autoritários). Portanto, o que se afere é
que entre a dimensão de direitos humanos e direitos naturais, o que emerge, de fato,
é a complementaridade.
Por fim, alinhamos uma nota jurisprudencial, destacando-se decisões
proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuidando,
35
especificamente, da relação entre direito natural e tributação, na medida do exame
da possibilidade da compensação tributária como um direito natural entre devedores
e credores, independente, portanto, de norma para sua disposição. Eis, por todos,
trecho restringindo-se tão só ao apontamento do quanto decidido pelo Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, em sua ementa parcial, na razão encontrada de
direito natural, quando do exame da apelação:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.151.345 - RS (2009/0143500-9)
RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADOR : MÁRCIA REGINA LUSA CADORE WEBER E OUTRO(S)
RECORRIDO : SUL PET PLÁSTICOS LTDA
ADVOGADO : VALTRÍCIA BERTINATO
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – COMPENSAÇÃO ENTRE PRECATÓRIOS
(IPERGS) E DÉBITOS TRIBUTÁRIOS – ICMS – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – COMPENSAÇÃO – AUSÊNCIA DE LEI – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
DECISÃO
Vistos.
Cuida-se de recurso especial interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim
ementado (fls. 409/410e):
"APELAÇÃO CÍVEL. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DE PRECATÓRIO
EMITIDO CONTRA O IPERGS, OBJETO DE CESSÃO, COM DÉBITO
TRIBUTÁRIO FACE AO ESTADO. POSSIBILIDADE. 1. Compensação
como direito natural. A compensação entre credores e devedores
recíprocos é direito natural, quer dizer, independe de previsão
normativa. É legal, supraconstitucional. [...] Assim, nas circunstâncias, a
compensação de crédito face ao IPERGS com débito face ao Estado é
modo, in extremis, de compeli-lo a cumprir suas obrigações institucionais."
36
É certo, contudo, que as decisões judiciais do Tribunal Estadual foram
reformadas pelo Superior Tribunal de Justiça54, como mesmo apontado pelo
precedente desse tribunal superior, mas, de sua parte, revela-se como a
demonstração mínima da relação que se examinou entre a tributação e o direito
natural.
1.5.2. Do direito positivo e do realismo jurídico e
tributação
Ainda no âmbito da indagação “O que é o direito?” e na trilha doutrinária
proposta por Renato Lopes Becho, como antes apontado, ingressa-se na apreciação
do positivismo. O direito, na concepção positivista, configura-se como um
instrumental estatal de controle social daquele que detivesse a função legislativa (na
conformação mesma do que se chamou de “Estado Legislativo”55). Assim, seja pela
54 Diga-se, em acréscimo, em aula expositiva apresentada no curso de especialização em direito
tributário do COGEAE - Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da
PUCSP, ministrada por Renato Lopes Becho, cujo tema foi “execução fiscal”, haver o reconhecimento
do direito natural na judicância do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.120.295/SP, da relatoria do
Min. Luiz Fux, julgado em 12 de mio de 2010, na Primeira Seção, sob o regime dos recursos
repetitivos. Conforme apontado na mencionada aula - a par da crítica à decisão do STJ, que
promoveu uma leitura limitada do art. 219, do CPC, não considerando a completude de seus
parágrafos – o acórdão pautou-se em elemento de direito natural, ao abrigar como razão de decidir a
“coerência”. No ponto, a transcrição de excerto do quanto decidido no referido recurso especial:
“Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento de execução
fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a
qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito
tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em
que se der a citação válida do devedor, consoante anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do
artigo 174, do CTN)” (grifos no original). 55 É o quanto se aponta, de acordo com Renato Lopes Becho, para o que se concebeu como “Estado
Legislativo”, surgido no século XIX, e propiciador para a concepção e construção do positivismo
37
condição de soberano, seja pela condição mesma, e mais tradicional, do
Parlamento, controlaria o conteúdo do direito. E isso se deu pela suplantação do
conteúdo do direito natural nos países de matriz da “civil law”, de origem romana, em
razão de motivos históricos, revelados pelas Revoluções Gloriosa, Francesa e
Industrial, ou em razão mesmo de motivos filosóficos, revelados pelo movimento
positivista.
No que tange ao positivismo jurídico, o direito é tido como o conjunto das
normas jurídicas válidas numa relação de tempo e espaço, apresentando como sua
fonte certa apenas a legislação, o que, em última análise, vem a causar elemento de
confusão para o intérprete, uma vez que fonte e objeto acabam se imbricando.
Nesse sentido, para o caso do chamado positivismo extremo, considera-se como
fonte os fatos sociais que originaram a legislação e, nesta, a principal fonte do direito
passa a ser as decisões parlamentares.
Nesse ambiente criado com o positivismo jurídico, o papel do Judiciário é
meramente funcional, na acepção de a “boca da lei”. Assim, de modo mecanicista,
numa relação de causalidade, o juiz busca a norma jurídica no comando do
legislador, no corpo normativo, e a aplica ao caso concreto, sem qualquer
exteriorização do traço de sua vontade pessoal ou de sua leitura particular do
sistema jurídico, sem qualquer elemento, mesmo que indiciário, de seus valores
pessoais. Assim, a atuação judicial, no direito positivo, é a da subsunção, concebida
como a aplicação pelo juiz da norma ao fato do mundo real, em medida de
silogismo, na conjugação de premissas maior, menor e síntese.
jurídico, em confrontação direta ao direito natural, notabilizado por grande nota de importância ao
papel da legislação como fonte, mesmo quase exclusiva, do direito (Filosofia do direito tributário. São
Paulo: Saraiva, 2009, p.172).
38
O positivismo jurídico, nestes termos56, poderia ser visto, em análise, por suas
vertentes de ideologia ou doutrina, pregando o absoluto respeito à lei, onde o
legislador e a lei podem tudo; de teoria, na procura de explicar o direito pela
sustentação de seis acepções distintas: a.) direito como coação; b.) direito como
legislação; c.) teoria imperativa do direito; d.) a coerência do ordenamento jurídico;
e.) a completude do ordenamento jurídico; f.) a interpretação lógica ou mecanicista
do direito; e, por fim, de método, com a sustentação da abstração valorativa do
intérprete, em que se atém a descrever a norma e aplicá-la, sem qualquer juízo de
valor, sob o risco de se estar diante de política judiciária, e não ciência do direito.
Neste passo, do mesmo modo, aponta-se para o realismo jurídico57,
concebido como uma variante do direito positivo, que cuida do direito como aquilo
que é decidido pelos juízes, sendo, nos limites dessa linha filosófica do direito
positivo, o Poder Judiciário e sua jurisprudência as verdadeiras fontes do direito
(Oliver Wendell Holmes Jr58). Essa linha filosófica do direito positivo trata-se de uma
dissidência, na medida da sua defesa dos valores do intérprete em face da
legislação. Dessa forma, o realismo jurídico defende a mesma postura avalorativa,
56 É o quanto se colhe, em Norberto Bobbio, que aponta na sua avaliação para os três aspectos
fundamentais do positivismo jurídico: como ideologia do direito, como teoria do direito, ou, por fim,
como método para o estudo do direito (O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo:
Ícone, 1995, p. 233-238). 57 Retoma-se, em linhas gerais, a diferença entre realismo jurídico moderado e neopositivismo que,
por nós, pode ser concebida e apontada na nota de rodapé nº 5. 58 Holmes, com sua obra, formula a concepção de que o juiz é considerado aquele que tem e deve ter
um papel criador, e, nessa medida, a teoria do direito tem por missão a elucidação desse trabalho
criador, como verdadeira guia. Assim, preconiza que o direito é vivo, com uma Constituição, também,
viva, que são, dessa forma, utilizados pelo juiz para responder a uma sociedade em movimento. (v.
verbete “Estados Unidos (Grandes correntes do pensamento jurídico americano contemporâneo)”, in
ALLAND, Denis e RIALS, Stéphane; tradução Ivone Castilho Benedetti; revisão técnica Márcia
Villares de Freitas. Dicionário da cultura jurídica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 724-731).
39
desde que o intérprete fundamente suas decisões ou posições jurídicas usando
como fonte principal a jurisprudência e não de modo mediato as leis.
O que se tem, então, é que o realismo jurídico pressupõe a eficácia da
legislação, aferida no uso de uma dada lei pelo Poder Judiciário, ao passo que o
positivismo jurídico realça a validade de uma lei, ou seja, a higidez de sua
incorporação ao ordenamento jurídico pelas normas próprias de estrutura. Ressalta-
se, contudo, que para a posição radical do positivismo, restaria a crítica de que a
verificação da eficácia das leis seria papel próprio da sociologia jurídica, não da
ciência do direito.
Uma vez mais, como corrente filosófica, o positivismo jurídico, incluindo-se
mesmo o realismo jurídico, não se revelou imune à crise que o assolou, ao menos
em razão de dois fatores determinantes. A um, pelo fato de ter servido de
fundamentação para os regimes totalitários, como o fascismo e o nazismo, o que
remete ao seu momento de maior crise quando da verificação das atrocidades
desses regimes com o término da Segunda Guerra Mundial. E, a dois, a par de seus
préstimos aos regimes autoritários, outro fator da sua crise pode ser relacionado
com a evidenciação da crise de representatividade parlamentar, em que o lobby,
seja público ou privado, dificulta a percepção de que as leis seriam votadas em
conformidade com os anseios da população.
Em suma, a crise do positivismo jurídico no direito pode ser aferida mediante
a comprovação de que há um grande espaço entre a lei e a decisão final, com a
evidenciação de um campo de influência ética dos tribunais superiores.
Contudo, por certo é que a marca mais perceptível e aferível ainda, quando
se olha o direito tributário brasileiro, de que o direito positivo exerce profunda
influência, encontra-se presente no conceito de tributo, conforme a disposição do
40
artigo 3º do Código Tributário Nacional, o que se alinha com as lições doutrinárias
que realçam que a fonte do direito tributário apresenta a lei como sua única fonte,
em completa negação dos princípios constitucionais, ou mesmo para o
reconhecimento da presença dos valores na legislação.
1.5.3. Do neopositivismo ou do neoconstitucionalismo e
a tributação
Retoma-se que a crise do positivismo jurídico no direito, e mesmo para o
direito tributário, afere-se com o espaço existente entre a lei e a decisão final,
marcado pela atuação da ética, sobretudo quando nos detemos no campo das
decisões do Supremo Tribunal Federal59, que, em última análise, com pauta na
axiologia, revelam, ainda, a grande acolhida que os princípios constitucionais vão
tendo não só pela doutrina, como pela jurisprudência, o que, por fim, nos levaria ao
deslocamento do conceito de tributo como centro do direito tributário para uma
corrente de direitos humanos60, como anuncia a doutrina de Renato Lopes Becho.
59 De grande expressão para o direito pátrio, na extensão do que se cuida, encontra-se no precedente
do RE 477554 AgR/MG, da relatoria do Min. Celso de Mello, em julgamento pela 2ª Turma do STF,
em 16 de agosto de 2011. Em tal julgado, a axiologia, verbalizada por “afeto”, “família” e “felicidade”,
cumpriu o papel de preenchimento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,
quando da decisão acerca da aferição da constitucionalidade da união homoafetiva, equiparando-a
ao conceito constitucional de família, ficando, assim, ementado: O AFETO COMO VALOR JURÍDICO
IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA
COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA – O DIREITO À BUSCA DA
FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE
UMA IDEIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. 60 Renato Lopes Becho alerta para um ponto que, para os limites do presente trabalho, não
consideramos necessária, à vista das similitudes e aproximações, qual seja, na diferenciação entre
neoconstitucionalismo (neopositivismo) e direitos humanos: “é o neoconstitucionalismo como uma
41
Nesses termos, promove-se um verdadeiro rearranjo da posição dos direitos
humanos frente à tributação. Nessa quadratura, inaugura-se o fato de que os direitos
humanos colocam o homem no centro do direito. Então, o que se tem, em verdade,
é a conjugação da definição humanista com o positivismo, decorrendo, portanto, que
o direito é o conjunto de normas destinadas, de modo primordial e específico, para a
proteção do homem, em nítida concepção teleológica.
Portanto, o que se verifica, de fato, é que os direitos humanos, ou o
neopositivismo, representam a síntese entre o direito natural e o direito positivo,
numa união do que ambas as correntes apresentam de mais importante e
destacado. Assim, nutre-se da técnica, disposta pelo direito positivo, e do valor,
presente no direito natural. Dessa forma, os princípios, de ordem explícita ou
implícita, conduzem ao longo do direito positivo os valores mais elevados do direito
natural. Ou seja, os princípios jurídicos revelam-se por textos normativos
(configurando mesmo a sua normatização) que trazem os valores à integração do
sistema jurídico.
Não é de outra forma, no ponto, que apreendemos a lição de Luís Roberto
Barroso, em alinhamento ao quanto se externou, com a pauta, até o momento
cuidado no item, em Renato Lopes Becho:
Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a
síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. [...] Estes os papéis
desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao
sistema; c) condicionar a atividade do intérprete.
técnica jurídica de garantia e de realização dos direitos humanos. [...] Os direitos humanos não são
técnicas. Eles são o conteúdo e os fins do direito (a proteção do homem)” (Filosofia do direito
tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.250).
42
Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios tiveram de
conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam
uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou
aplicabilidade direta e imediata61.
A constatação de que o sistema jurídico, de fato, necessita tanto de regras
quanto de princípios, encontra espaço, ainda, na doutrina de Inocêncio Mártires
Coelho, que ao fincar análise na Constituição e em sua interpretação, por certo,
disseca por inteiro, o sistema jurídico e sua determinação, em matéria e sentido:
Com efeito, enquanto a lei ostenta um grau relativamente alto de
determinação material e de sentido, podendo, por isso ser diretamente
aplicável, a Constituição, por sua natureza, estrutura e finalidade –
apresenta-se como um sistema aberto de regras e princípios que
necessitam da mediação dos legisladores e juízes para lograrem
efetividade. (grifos nossos)62
Dentro, portanto, da estatura dos princípios, sendo possível a impressão de
hierarquia, Renato Lopes Becho63, ainda, promove o resgate da afirmação kantiana
de que o primeiro, e mais elevado, princípio jurídico universal é a liberdade do
homem, o que se revela alinhado com o direito natural valorativo, uma vez que as
versões racional e religiosa, ao fim, são inconciliáveis com os direitos humanos.
O que se extrai é que, com o que se convencionou chamar de “virada
kantiana”64, as relações entre ética e direito tornam-se mais intensas.
61 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 327. 62 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2003, p. 30. 63 Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 333-334. 64 Explora o tema da “virada kantiana”, Ricardo Lobo Torres, que a situa a partir da década de 1970,
trazendo como seus pontos principais: a inclusão da regra de justiça, a par da liberdade, no
43
Assim, a dogmática do neopositivismo (ou, diga-se, por nossa consideração
dos direitos humanos) de modo algum representa uma negação do positivismo
jurídico, revelando, antes, um avanço, um passo adiante, no entendimento do que
seja a positivação da norma jurídica, o que se alcança com a interpretação de
diversas fontes do direito, entre as quais, com a exigência de que o operador do
direito adote, de preferência, aquela que se revela mais protetiva do homem, para o
cumprimento dos valores.
Por outro lado, na consideração que se pode fazer sobre o realismo jurídico, a
dogmática do neopositivismo apresenta postura que lhe aproveita, em estrutura,
com o destaque para o papel ativo dos juízes na criação do direito, reconhecendo,
portanto, nas autoridades judicantes do Poder Judiciário, os verdadeiros operadores
dos direitos humanos, dotando-os de efetividade pelo uso de instrumentos de
interpretação condizentes com atividades pró-ativas na construção de uma
sociedade que respeite o multiculturalismo e a pluralidade. Com isso, e, de modo
inegável, conforme será melhor cuidado adiante, o Poder Judiciário, no desempenho
de suas funções, mostra-se a par do Poder Legislativo na criação do direito.
Por fim, num outro passo, e naquilo que diz respeito à universalidade65, ponto
amplamente cobrado pelo positivismo do direito natural, o neopositivismo a cumpre,
já que seu eventual descumprimento em qualquer parte do mundo pode gerar, de
imperativo categórico; a positivação jurídica da norma ética abstrata; o equilíbrio entre justiça e
direitos humanos; a projeção da ética tributária tanto para o ambiente internacional, como nacional e
local; a efetividade jurídica do mínimo ético e a perspectiva orçamentária do justo tributário (TORRES,
Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: Direito tributário : estudos em homenagem a Brandão
Machado. São Paulo : Dialética, 1998, p. 176). 65 O que se revela, ao fim, é uma tradução binária, para a construção da universalidade, com pauta
certa na principiologia: por um lado, Gustav Radbruch, com a busca da justiça, e, por outro, Kant,
com a universalidade pautando-se na liberdade. (BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito
tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.315).
44
modo certo e inegável, a intolerância da medida, o que se manifesta, com toda
evidência, no ordenamento mundial com a instalação do Tribunal Penal
Internacional, por exemplo, e na fórmula albergada pelo ordenamento pátrio da
disposição constitucional do artigo 5º, § 4º, da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.
Na sua relação, por fim, com o direito tributário, com os princípios jurídicos,
reconhece-se, portanto, a determinação e aplicação dos valores normatizados. E,
com base na doutrina de Renato Lopes Becho, segundo a qual a partir da máxima
kantiana de liberdade os princípios podem ser divididos em duas ordens: os por
decisão e os por natureza, estes considerados como uma decorrência natural dos
valores maiores do ordenamento jurídico; ao passo que aqueles decorrem de
decisões fundamentais adotadas, no caso do direito brasileiro, pelo trabalho da
Assembleia Nacional Constituinte, espaço concebido, de modo imediato à ideia de
consenso intersubjetivo.
Então, pode-se promover uma breve catalogação principial, aferindo como
princípios constitucionais tributários por natureza: o da justiça tributária, o do devido
processo legal tributário, o da igualdade tributária, o da vedação à tributação com
efeito de confisco e da capacidade contributiva (todos com a nota maior da máxima
kantiana da liberdade, como antes apontada). Por sua vez, a aferição dos princípios
constitucionais tributários por decisão apontam-se para o princípio federativo fiscal, o
da autonomia municipal, o da não-cumulatividade e o da seletividade.
Em síntese, tem-se que Renato Lopes Becho promoveu razões da aplicação
dos direitos humanos à tributação a partir do lastro instrumental didático da máxima
kantiana de liberdade – com necessárias adaptações e para fazer frente à máxima
de autoridade do Estado -, tudo isso, nesta consideração, acaba por apontar um
45
dever de agir do Estado na exigência de tributos com respeito à existência do
próprio contribuinte, o que inclui, de maneira consectária, o respeito à propriedade, à
autossubsistência e à livre atuação econômica, implicando, por outro lado, o que diz
respeito à atuação do contribuinte, à necessidade de seu respeito à legislação, bem
como à concorrência (revelando-se, nessa medida, que mesmo a liberdade é
relativa).
Neste passo, revelou-se o que se denominou como “novo direito tributário”,
promovendo-se a mudança da centralidade, no direito tributário, do conceito de
tributo, para o conceito de contribuinte. Essa mudança de certo modo nos permite
estabelecer um ponto de crítica, apesar da nossa concordância parcial, com esta
fundamentação, pois cremos poder guardar relação somente com o contribuinte, na
dimensão pessoa física, restando a centralidade, no caso de pessoa jurídica
assentada, em nosso entender, no princípio da solidariedade, estampado no artigo
3º, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, o que de certo modo
também promove um alinhamento com o princípio de justiça, conforme Gustav
Radbruch66.
1.6. Dos momentos exacionais e das correntes filosóficas:
uma ideia de complementaridade
66 Radbruch, em trabalhos posteriores à Segunda Guerra Mundial e diante dos horrores do regime
nazista, formula, em seu princípio de justiça, um melhor equacionamento do direito positivo, em que a
questão da validade do direito positivo é cuidada ao mesmo tempo como um problema intrajurídico e,
inseparavelmente, moral. Assim, segundo essa concepção, o direito positivo deve ser considerado
válido, portanto, respeitado, mesmo que se revele injusto, contudo, a medida dessa injustiça fica
delimitada, não excedendo um “grau intolerável”. (v. verbete “moral e direito”, in ALLAND, Denis e
RIALS, Stéphane; tradução Ivone Castilho Benedetti; revisão técnica Márcia Villares de Freitas.
Dicionário da cultura jurídica. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 1209).
46
Tem-se, como dito anteriormente, que a nota de análise de atos jurídicos67 na
presente investigação vai caminhar, basicamente, pela atividade legislativa do
legislador ordinário estadual e distrital, bem como pela atividade executiva da
Administração Tributária. Dessa forma, justifica-se de todo importante o
correlacionamento entre as abordadas correntes filosóficas e os chamados
momentos exacionais, à procura da prevalência das suas atuações nos momentos
determinados.
É, portanto, uma vez mais, em Renato Lopes Becho que podemos encontrar
doutrina suficiente para a aferição da influência axiológica no âmbito do direito
tributário68. São, então, identificados três momentos exacionais, em sentido amplo:
i.) Momento pré-exacional: quando se tem o controle de competência
tributária69. Pode ser considerado, à vista da estrutura constitucional brasileira, por
67 Diga-se, no ponto, que se concebe ato jurídico na extensão alinhada pela lei civil, contraposta a
atos materiais, sendo, portanto, tido como o ato lícito que tenha o objetivo imediato de adquirir,
resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. 68 A mencionada doutrina promove o recorte em três momentos, que recebem a denominação de
“três momentos distintos da realidade jurídico-tributária”, fruto do posicionamento do intérprete, de
maneira estática, diante da realidade jurídica exacional. (BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito
tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.339-340). 69 Por competência tributária, podemos ter presente a concepção de conjunção: de normas proibitivas
e permissivas, por uma lado e, por outro, de princípios. De acordo com Tácio Lacerda Gama, pode-se
entender, ainda, por competência a aptidão para criar normas jurídicas que, direta ou indiretamente,
disponham sobre a instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos. Nessa linha, a competência
pode significar norma, procedimento ou ato, na medida em que podemos organizar numa mesma
norma de competência os seguintes elementos, na conformidade da mesma doutrina: i.) qualificação
do sujeito que pode criar normas; ii.) indicação do processo de criação das normas, sugerindo todos
os atos que devem ser preordenados para o alcance desse fim; iii.) indicar as coordenadas de espaço
em que a ação de criar normas deve se realizar; iv.) indicação das condições de tempo em que a
ação de criar normas deve ser desempenhada; v.) estabelecimento do vínculo que existe entre quem
cria a norma e quem deve se sujeitar à norma criada, segundo as condições estabelecidas pelo
47
duas ordens de comandos: o primeiro, relacionado à divisão da competência e ao
processo legislativo, considerados com influência positivista, à vista da sua
determinação minuciosa no texto da Constituição da República Federativa do Brasil;
já o segundo, relacionado ao controle da competência tributária, que se manifesta
pela verificação das imunidades e pela aplicação da principiologia.
Nesse momento pré-exacional ocorre o controle de constitucionalidade dos
atos, que são feitos pela atuação tanto da sociedade civil, de maneira cognitiva,
como pelos órgãos estatais, aqui, manifestando-se com executoriedade, podendo,
assim, com essa prerrogativa na atuação, alterar o próprio ordenamento. À vista do
quanto se colhe da atuação do Poder Judiciário, sobretudo na consideração de seus
tribunais superiores, emerge um largo espaço para a aplicação de princípios,
associando-se, portanto, com a corrente neopositivista ou de direitos humanos;
ii.) Momento exacional, em sentido estrito: concebido, pela dogmática,
como o momento de explicação dos critérios da regra-matriz tributária, através do
lançamento tributário, da fiscalização e da verificação dos deveres acessórios.
Apresenta-se, inegavelmente, marcado pelo positivismo jurídico, muito mais
justificado, por se cuidar da aplicação dos atos normativos pela Administração
Tributária e sua vinculatividade, regida estreitamente na disposição do artigo 142 do
Código Tributário Nacional70.
próprio direito; vi.) modalização da conduta de criar outra norma, se obrigatória, permitida ou proibida;
e vii.) estabelecimento da programação material da norma inferior que é feita segundo quatro
variáveis – sujeito, espaço, tempo e comportamento (GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária:
fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 49).
70 Diga-se, contudo, que merece atenção direta, em nosso sentir, a presença de algum espaço para a
aproximação entre a ética e o direito - que se revela como a marca da “virada kantiana” -, mesmo na
consideração do momento exacional. E tal se dá, por nós, com assento justamente na extensão que
48
iii.) Momento executivo: diante de sua natureza de atuação do Poder
Judiciário, tal momento revela-se de grande influência para a axiologia e,
consequente, aplicação do neopositivismo e dos direitos humanos, sobretudo, ao se
ter em consideração institutos próprios atrelados à dignidade da pessoa humana,
como o caso do “mínimo existencial”71.
se pode dar à expressão “determinar a matéria tributável”, constante do artigo 142 do CTN,
direcionado à atividade vinculada da autoridade fiscal para a efetuação do lançamento. Nessa
medida, aferindo-se essa aproximação, é o quanto concebemos do julgado administrativo do Tribunal
de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT – no julgamento promovido por sua Câmara
Superior, datado de 29 de maio de 2012, no processo DRT 06-812914/08, da lavra de Eduardo Perez
Salusse, assim ementado: “ICMS. CRÉDITO INDEVIDO DECORRENTE DE DOCUMENTAÇÃO
INIDÔNEA E RECEBIMENTO DE MERCADORIA ACOBERTADA POR DOCUMENTO INIDÔNEO. O
acordão recorrido, capitaneado pelo voto do i. juiz com vista, prestigiou a responsabilidade objetiva
prevista no artigo 136 do CTN, o que não coaduna com as diretrizes definidas pelo STJ no recurso
especial repetitivo 1.148.444. Logo, dou provimento parcial ao recurso do contribuinte, para afastar a
aplicação da responsabilidade objetiva como fundamento para manutenção da acusação, devendo
retornar os autos à Câmara a quo para prosseguir o julgamento, atentando para aferição da boa-fé do
adquirente (ausência de dolo ou culpa), efetiva ocorrência do negócio jurídico de compra e venda
(prova de pagamento, transporte, etc) e os efeitos retroativos da declaração de inidoneidade, à luz do
conjunto probatório acostado aos autos e exclusivamente em relação aos itens I.1 e I.2 do AIIM,
mantendo a acusação do item 3. RECURSO CONHECIDO. PROVIDO PARCIALMENTE. RETORNO
À CÂMARA A QUO. DECISÃO NÃO UNÂNIME.” (Disponível em:
<https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos.aspx?instancia=2>. Acesso em: 08 mar.
2013). 71 Ana Paula de Barcelos, ao percorrer a fundamentação de Robert Alexy, bem pontua a concepção
de mínimo existencial, que alinhamos: “O mínimo existencial, como exposto, é exatamente o conjunto
de circunstâncias materiais mínimas a que todo homem tem direito; é o núcleo irredutível da
dignidade da pessoa humana. É, portanto, a redução máxima que se pode fazer em atenção aos
demais princípios (menor interferência na competência do legislativo e executivo e menor custo
possível para a sociedade)”. E ao final, conclui, ao reconhecer a essencialidade do mínimo existencial
e apontando para sua concretização: “[...] que, assim, vai deixando de ser apenas um consenso dos
discursos políticos, para ganhar forma e consistência em outros campos, como o da filosofia política e
do direito”. (BARCELOS, Ana Paula de. O mínimo existencial e algumas de suas fundamentações:
Joh Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy, In: Legitimação dos direitos humanos. 2 ed. rev. e
ampl./Ana Paula de Barcelos. [et all.]; org.: Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.
131-132).
49
O que se tem ao fim, com a identificação dessa correlação entre as correntes
filosóficas e os momentos exacionais, em sentido amplo, na realidade jurídica
tributária, é muito mais uma ideia de complementaridade entre as mencionadas
correntes, sobretudo quando levamos em consideração que nosso exame
investigativo caminhará por três fundamentos básicos.
Entendemos, por certo, a necessidade de uma breve retomada destes: o
primeiro, tendo como fundamento as decisões judiciais, na consideração do produto
emanado dos nossos tribunais superiores, que apresente a natureza de objetivação
da lide, momento, como apontado, marcado pelo neopositivismo; um segundo
fundamento terá em vista a atuação da Administração Tributária, que,
vinculadamente pela alteração legislativa, de modo mediato aplica o quanto decidido
pelos tribunais superiores (cuida-se, entendemos, de um momento exacional, então,
nitidamente, alinhado com a corrente positivista, contudo revelando em seus
contornos, pela aplicação subjacente e mediata do quanto decidido pelo Judiciário, a
influência, também, do neopositivismo); por fim, um terceiro fundamento encontra-se
no exame do instrumento processual próprio, encontrado na lei paulista do
contencioso administrativo tributário, e, como tal, cuida-se de um momento pré-
exacional, relacionado com o controle de competência tributária, e, como tal, com
influência neopositivista. Portanto, essa complementaridade das correntes filosóficas
nos momentos exacionais sob exame, serão, no decorrer do seu devido tempo,
melhor examinados, para os fins de nossa proposta, que é a sua explicitação.
50
CAPÍTULO II
DA NORMA JURÍDICA DENTRO DA PERSPECTIVA NEOPOSITIVISTA
2.1. Dos processos legislativos e das decisões judiciais
Dentro de uma perspectiva lançada de atuação dos Poderes de Estado, à
vista da concepção sistêmica lumanniana, e levando-se em consideração a corrente
filosófica do neopositivismo, marcada pela complementaridade e forte atuação,
portanto, dos princípios, podemos conceber, conforme adiantado em introdução, a
norma jurídica, como o resultado da atuação dos seus elementos “lei”,
“interpretação” e “jurisprudência”.
Em verdade, colhe-se que a complementaridade dentro da concepção
neopositivista, não leva só em conta os limites do positivismo, ou a sua expressão
do realismo jurídico, mas também se encontra dentro, em nossa concepção, de uma
atuação complementar dos Poderes de Estado, nas suas linhas de atuação e que,
se evidenciou quando da análise dos três momentos exacionais.
Nestes termos, por norma jurídica vamos ter o conceito como um imperativo
autorizante, na medida certa, em que, por imperativo teremos a ideia de regência,
comando, ao passo que por autorizante, somos remetidos à ideia de uma reação a
uma ação violadora72, ou seja, na forma de Luhmann, geradora de uma expectativa
normativa contrafática.
72 O que traduz a definição externada de norma jurídica em Goffredo Telles Jr. (cf. Direito quântico:
ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 8. ed. rev. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p.
51
Com esta pauta de ideias, a norma jurídica revela-se com a conjugação da
atuação dos Poderes de Estado e, numa medida de diferenciação, própria da teoria
dos sistemas de Luhmann, o que temos é que tanto a atuação do legislador, na
consideração de seus processos legislativos, quanto a atuação do juiz, por suas
decisões judiciais73, fundam-se ambos em processos decisórios.
O certo é que, diversamente do que poderia se verificar com o positivismo
jurídico, o neopositivismo faz com que a diferenciação e separação institucionais
entre a atuação do Legislativo e do Judiciário não se mostrem tão auto-evidentes na
sociedade74, sendo, de fato, muito mais ampla que a usual separação dos poderes75.
292). Diga-se ainda, na linha das definições, que em Paulo de Barros Carvalho, extrai-se que as
normas jurídicas se apresentam com organização interna de proposições condicionais, ligando-se
determinada consequência à realização de um fato (fato jurídico). Nesses termos, ainda na definição
lançada por Paulo de Barros Carvalho, a hipótese guarda referência com um fato de ocorrência
possível, enquanto o consequente prescreve a relação jurídica a ser estabelecida com as
determinações de tempo e lugar. Há que se alertar, ainda, que a norma jurídica não tem existência
individual, mas sempre num contexto de normas com relações entre si, na própria consideração do
sistema jurídico (Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p.137). 73 Ainda com suporte na premissa de que a norma jurídica é o resultado da relação entre os
elementos lei, interpretação e jurisprudência e, considerando que a coerência necessária não surge
da lei, mas, antes da interpretação posterior, a cargo do Judiciário, temos, em alinhamento, que a
decisão judicial, na concepção de Ricardo Luis Lorenzetti, é o resultado de um raciocínio de
complementação, em que, num primeiro lugar, aplica-se a dedução das regras válidas; num segundo
lugar, acrescenta-se a esse resultado o controle de precedentes, da harmonização do sistema
jurídico e das suas consequências; em terceiro lugar, diante de problemas ainda no resultado
encontrado pela decisão judicial, submete-se a solução aos princípios; e, por fim, num quarto lugar, a
utilização de paradigmas que definam a solução, quando existentes. (cf. LORENZETTI. Ricardo Luis.
Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 364-
365). 74 Neste ponto, parece-nos necessário adequar a concepção lançada por Luhmann, segundo a qual a
diferenciação entre os processos legislativos e as decisões judiciais sobre disputas fazem parte dos
dispositivos auto-evidentes das sociedades modernas com direito positivo (cf. LUHMANN, Niklas.
Sociologia do direito II. Tradutor Gustavo Bayer. – Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985, p.
34). E esta adequação se revela na medida em que consideramos que as decisões judiciais, com a
52
A diferenciação, portanto, entre os processos decisórios que envolvem a
atuação legislativa e judicial deve ser, minimamente, evidenciada, com pauta na
aferição empreendida em Niklas Luhmann76. Assim, Luhmann, de imediato, aponta
para o fato de que a suposição, segundo a qual a legislação não seria nada mais
que uma centralização técnica de parte da tarefa da decisão judicial, ao promover
uma forma de resposta em bloco sobre algumas premissas decisórias, não se
mostra satisfatória em relação às vantagens expressas com a separação dos
processos decisórios entre o Legislativo e o Judiciário.
Dessa forma, estar-se-ia negligenciando um aspecto fundamental de
diferenciação, na medida em que o juiz apresenta o comprometimento com suas
premissas e suas decisões, o que não ocorre na atuação do legislador. O que se
tem, em conclusão, nessa nota distintiva, é que o princípio da igualdade está
presente para o juiz de forma diversa da que se mostra para o legislador, na justa
medida em que, o juiz, lidando, em regra, com situações nas quais já ocorreram
frustrações, ao proferir uma determinada decisão, acaba comprometendo-se com
casos futuros, só podendo alinhar novas razões de decisão a determinada situação,
se os encarar de modo diferente77.
introdução de elementos de objetivação da lide, não só se voltam para as disputas jurídicas
concretas. 75 Até mesmo como curiosidade, diga-se que a função judiciária, consistente, em sua essência, na
entrega da solução de conflitos entre membros da sociedade e terceiros, encontra-se num estádio
relativamente avançado de diferenciação dos papéis sociais. E nem todas as sociedades humanas
apresentam um sistema judiciário, como se relata o caso da sociedade coreana, ao menos na década
de 80, do século XX. (cf. MARRADI, Alberto. In: Curso de introdução à ciência política. Brasília:
Universidade de Brasília, v. 3, 1982, p. 89). 76 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradutor Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1985, p. 34-42. 77 Ponto de extrema importância, neste passo, é introduzido por Luhmann ao se voltar para o perigo
representado pelas determinações genéricas de princípios jurídicos pelo Judiciário, à vista de sua
53
Tomando em conta o direito positivo, na concepção luhmanniana, e por nós,
com os acréscimos da jurisprudência e da interpretação – próprios de uma leitura
neopositivista -, as decisões judiciais cuidam, então, de promover a exposição do
direito vigente, com pauta na manutenção e sanção de determinadas expectativas
normativas, tornando certa a não assimilação das transgressões ao mesmo direito.
Portanto, a normatividade das expectativas, no sistema jurídico, pauta-se, na
sua não assimilação, apontando que o direito, e sua mudança, é rigorosamente
aprendizado, em que, ainda por Luhmann, significa: “aprender a não aprender;
assimilar a não assimilação”78. Assim, as frustrações devem ser continuamente
processadas, ao longo da série de decisões judiciais, até o momento em que se afira
a necessidade de mudança do direito, com a positivação do direito.
Por sua parte, os processos legislativos, diversamente das decisões judiciais,
encontram-se livres das pressões das frustrações e da exposição das normas
transgredidas, direcionando-se a uma escolha entre a possibilidade de diversas
normas jurídicas que se revelem, ao fim, possíveis, de acordo com a condicionante
do direito, ainda vigente.
Com isso Luhmann aponta que o direito existente, estruturado em positivação
e decisão judicial, baliza a estruturação de um novo direito, notadamente parcial em
sua renovação:
rigidez diante de uma sociedade sujeita a mudanças: “Toda proclamação judicial de princípios de
vigência genérica é, no entanto, perigosa, pois leva a determinações rígidas, dificilmente retratáveis,
o que é arriscado principalmente no contexto rapidamente mutável da sociedade moderna”
(LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradutor Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1985, p. 36). 78 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradutor Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1985, p. 37.
54
Pelo contrário, o direito existente está inserido nas condições que
possibilitam um novo direito, pois ele só pode ser modificado em aspectos
isolados e nunca como um todo, por mais significativos que esses aspectos
parciais sejam79.
Um outro aspecto de relevo na diferenciação entre os processos legislativos e
da decisão judicial consiste na aferição do espaço de atuação, ainda, da força física,
em que é deslocada do Legislativo, figurando na justiça, cabendo à jurisprudência,
segundo o postulado de “Estado de direito”, apontado por Luhmann, a filtragem da
utilização dessa mesma força física.
Resta, contudo, por fim, na linha de nossa investigação, um ajuste crítico ao
quanto pronunciado em Luhmann, ao retratar o perigo das determinações genéricas
de princípios jurídicos pelo Judiciário, à vista de sua rigidez e irretratabilidade numa
sociedade moderna80. E isso se faz levando-se em conta a objetivação da lide, como
presente no sistema jurídico brasileiro, uma vez que, tendo como exemplo direto a
Constituição da República Federativa do Brasil, resultante da Emenda Constitucional
nº 45, de 2004, que inaugurou o espaço para as súmulas vinculantes, vemos, em
sua estruturação, que a mesma traz previsão de uma evidente retratabilidade e
flexibilização, diante da previsão de sua revisão ou cancelamento. Logo, diante da
dessa forma de objetivação da lide, atende-se, também, ao princípio da igualdade,
79 v. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradutor Gustavo Bayer. – Rio de Janeiro: Edições
Tempo Brasileiro, 1985, p. 39. 80 Nesse sentido, retomamos, por sua importância, a nota de rodapé nº 74 e, de certo modo, faz com
que lancemos elementos do papel assumido pelo juiz, dentro da relação entre a decisão judicial e o
sistema político, na configuração de “quatro modelos típico-ideais de juiz”, a ser tratado em
subcapítulo próprio, que se cuida de trabalho doutrinário conduzido por Celso Fernandes
Campilongo, com pauta em Carlo Guarnieri, retratando a discussão da relação entre o Poder
Judiciário e a democracia, ou como preferido: a relação entre o sistema político e a decisão judicial
(cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo :
Saraiva, 2011, p. 46-57).
55
pois o mecanismo de revisão ou cancelamento de súmula vinculante traz resposta à
exigência de uma instância política ou hierárquica81.
2.2. Da atuação dos juízes: os “quatro modelos típico-ideais
de juiz”82
Aponta-se como necessário um exame do papel do juiz, na medida em que
ele mesmo não só declara o direito existente, mas, antes, atua na criação mesma do
direito, naquilo que apontamos com pauta primeira na doutrina de Renato Lopes
Becho83, decalcando que a norma jurídica é resultado de uma atuação
complementar entre os Poderes de Estado, e, ainda, certo, de que a norma jurídica 81 Nesta medida, é o quanto apreendemos do Texto Constitucional, na disposição do artigo 103-A e
seu § 2º: Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
estabelecida em lei.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de
súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). 82 Assevera Celso Fernandes Campilongo, em sua obra que nos serve de estrutura para estas
considerações, que tanto o prisma histórico quanto o institucional determinam a tendência própria do
modelo do juiz: “[...] a identificação do tipo de Estado (ativo ou reativo), da forma de governo
(monárquica ou republicana), do sistema de governo (presidencialista ou parlamentarista) e do
regime político (democrático, totalitário ou parlamentarista) oferece elementos substanciosos para a
aclaração da tipologia do juiz” (Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 51). 83 Nesta medida, Renato Lopes Becho alinha que, tanto a norma individual e concreta, quanto a geral
e abstrata, pode se reduzir ao equacionamento, reiteradamente utilizado ao longo deste trabalho, de
que a norma jurídica é resultado da lei, da interpretação e da jurisprudência. Sendo certo, ainda, que
não se pode se visualizar uma concorrência entre a jurisprudência e a lei, restando inegável, ainda,
que porções do direito são preenchidas pela atuação do Poder Judiciário e da sua jurisprudência
(Lições de direito tributário: teoria geral e constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 200).
56
é resultado da conjunção dos seus elementos parciais estabelecidos na lei, na
interpretação e na jurisprudência. E, aqui, justamente através desses elementos que
se conjugam na composição da norma jurídica é que vamos ter a revelada atuação
dos Poderes de Estado. Nesse sentido, ao juiz cabe a estruturação da interpretação
– mesmo, que com Peter Häberle, como apontado antes, tenhamos a multiplicidade
de intérpretes – e da jurisprudência – seu produto máximo84.
Dessa forma, com fundamento em duas variáveis essenciais, consistentes na
criatividade jurisprudencial e na autonomia política85, que se conjugam em grau,
Celso Fernandes Campilongo86 alinha os quatro modelos de juiz, aqui reunidos, que,
84 Aqui, jurisprudência é utilizada na acepção designada hoje, em países de matriz do Direito romano-
germânica, como o conjunto das regras de direito que emanam dos juízes, ou, ainda, o conjunto das
decisões jurisdicionais dos tribunais superiores, ou, mais, o conjunto das soluções judiciais proferidas
por tribunais determinados, em determinado ramo do direito. (v. verbete “jurisprudência”, in ALLAND,
Denis e RIALS, Stéphane; tradução Ivone Castilho Benedetti; revisão técnica Márcia Villares de
Freitas. Dicionário da cultura jurídica. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, pp. 974/6; e verbete
“instituição”, in ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2007, p.
1039). 85 Na linha do conceito de norma jurídica, na qual temos trilhado, em que se revela da conjugação de
Poderes de Estado e dos elementos lei, interpretação e jurisprudência, consideramos que a
associação entre variáveis da atuação do juiz, para a determinação efetiva de seu papel, pautadas
em criatividade e autonomia são mesmo essenciais. E não é outro, em nossa apreensão da
pronúncia dessas variáveis referidas por Gustav Radbruch, na forma de “portais”, “encarnação” e
“efetividade”, e que podemos encontrar no momento em que se detém na análise do direito da
organização judiciária: “O direito não quer ser apenas norma de valoração, quer ser força ativa, e o
juiz é um dos portais por onde se passa do reino das ideias ao reino da efetividade. Nele se consuma
a encarnação do direito.” (cf. RADBRUCH, Gustav.; tradução de Vera Barkow; revisão técnica Sérgio
Sérvulo da Cunha. Introdução à ciência do direito. – 2. ed. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010,
p. 125). 86 No ponto, Celso Fernandes Campilongo, caminhando com a doutrina de Carlo Guarnieri, ao cuidar
dos modelos típico-ideias de juiz, conclui que o juiz não apenas apresenta a função declaratória do
direito existente, mas, antes, promove a sua criação (cf. Política, sistema jurídico e decisão judicial. –
2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, pp. 46/7).
57
sumarizados num quadro, podem ser dispostos, salientando, ainda, nosso interesse
de associá-lo, ao final, a uma corrente filosófica do direito correspondente:
Modelo típico-ideal de juiz
Juiz-executor Juiz-delegado Juiz-guardião Juiz-político
Grau de
autonomia BAIXA BAIXA ALTA ALTA
Grau de
criatividade BAIXA ALTA BAIXA ALTA
Relação com
corrente
filosófica do
direito
Positivismo
jurídico
Ambiguidade em
relação ao
positivismo
jurídico
Neopositivismo
Extrapola a
noção do
neopositivismo
2.2.1. Do juiz-executor
O modelo típico ideal do juiz-executor traz, como sua nota distintiva, no
quadro das duas variáveis de determinação, a associação da baixa autonomia e da
baixa criatividade do juiz.
Seu momento histórico é circunstanciado pela Revolução Francesa e, por
consequência, com a afirmação da representatividade política e dos mecanismos de
participação popular, que estruturam a democracia liberal. Assim, nesse momento,
tem-se em vista que a feitura da política não é atividade própria do juiz e nem
mesmo aquela de contrapor-se às instituições representativas, originadas da
soberania popular.
58
Aqui encontramos o ambiente para o processo de codificação87, típico do
século XIX, quando se define nas mãos do legislador o eminente papel de definir o
sentido do direito, cabendo, portanto, ao juiz o mero papel de cumpridor da vontade
da lei, de maneira passiva – cuida-se da figura conhecida do juiz como “boca da lei”.
Nessa ordem de valores aponta-se, ainda, para o seu maior equívoco: o fato
de não ser realista, sendo, de modo inegável, um modelo construído de modo mais
normativo e prescritivo, que empírico, pois, ao final, revela-se inconcebível que, em
toda a sua extensão, a aplicação do direito se revelasse de maneira tão simples e
mecânica.
Relembra, contudo, Celso Fernandes Campilongo88 que esse Estado do
século XIX, garantidor do estado das coisas na sociedade, acoplou-se a uma
racionalidade jurídica dedutiva e linear de aplicação da norma ao fato, sendo o
monismo89 a sua palavra de ordem, ou seja, na seara política, com a concentração
de autoridades que produzem e aplicam o direito; na seara jurídica, com o direito 87 A palavra “codificação”, originada do latim codicem facere – traduzido como “fazer um código” -,
surge pela primeira vez em 1815, por Jeremy Bentham, na designação então de um projeto de
composição de um corpo legislativo completo, com a evidente razão técnica de trazer unidade e
segurança ao direito, uma vez que a codificação foi apresentada como um meio para trazer solução à
dispersão das fontes do direito e de tornar acessível o conjunto das regras. (v. verbete “codificação”,
in ALLAND, Denis e RIALS, Stéphane; tradução Ivone Castilho Benedetti; revisão técnica Márcia
Villares de Freitas. Dicionário da cultura jurídica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 223-229). 88 Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 50.
89 Por monismo, em nota comum, vai se ter a redução das coisas e propriedades à unidade,
filosoficamente, sustenta, ao fim, a existência de uma única só substância ou realidade fundamental.
Pontes de Miranda, por sua vez, trabalha no sentido de se evitar o ontologismo – que se revela como
monismo, já que na análise de fatos científicos, há um reducionismo do fato com base na definição de
suas relações e processos - uma vez que os processos sociais específicos de adaptação (dos quais o
direito o integra, sendo dividido, portanto, em sete: Arte, Religião, Política, Economia, Moral, Ciência
e Direito) não se efetuam somente entre atos, antes se revelam entre pensamentos, uma vez que os
“homens são seres pensantes”. (cf. ARAÚJO, Clarice von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e
crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 80).
59
posto pelo Estado. Assim, a atuação judicial encontra-se derivada e submetida
diretamente aos códigos legais e, necessariamente, na sua clareza e coerência,
bem como à hierarquia estrutural do ordenamento, de tal sorte que, diante da sua
passividade, a independência do juiz não se revela problemática.
Resta certo, portanto, a estreita relação entre esse modelo típico-ideal de juiz
com a ideia representada pela corrente filosófica do direito do positivismo jurídico,
que se traduz sobretudo com a prevalência da legislação, cabendo ao Poder
Judiciário a atividade meramente funcional.
2.2.2. Do juiz-delegado
Da associação das variáveis de determinação do seu papel, revela-se o juiz,
neste modelo, essencialmente com baixa autonomia e alta criatividade.
Sua formulação, como pontuado em Celso Fernandes Campilongo90, surge
em razão da inevitabilidade da ação política do juiz, motivo mesmo do equívoco
apontado quando da apreciação do modelo do juiz-executor.
A baixa independência do juiz-delegado é relacionada, de modo imediato, à
sua própria nomenclatura, já que é, de fato, delegado dos demais poderes. Por outra
parte, ainda como sua nota característica, a criatividade, que lhe é alta, é colocada à
disposição de quem delega os poderes, não se revelando, portanto, ao fim, como
um problema a ser considerado.
O que se tem, em análise crítica, é que a delegação, criada para se revelar
como um reforço às posições ocupadas pelas demais instituições, se em se tratando
de um Estado ativo, marcado por assunção de direitos sociais, pode, ao fim, revelar- 90 Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 51-52.
60
se como um verdadeiro desafio institucional, na medida em que se pode traduzir em
ameaça para quem delega, à vista de que eventual todo patrocínio de um direito
social seja da responsabilidade direta do juiz, contrastante, portanto, em poder.
As situações próprias de atuação do juiz-delegado - partindo da premissa da
inevitabilidade da sua atuação política, a par do inexorável estado de que o
ordenamento não traz um conjunto de regras determinadas e precisas para a
solução dos casos que lhes são submetidos - vão fazer com que a magistratura
adote a atitude de um verdadeiro “legislador”, promovendo, então, escolhas em
alinhamento com os interesses coletivos. Sua atuação, contudo, há que ser coerente
com o ordenamento já posto, sendo a sua criatividade, ao final, tida como um
verdadeiro auxílio aos demais poderes, apresentando, ao menos, um estrato mínimo
de previsibilidade jurídica, decorrente da sua atuação judicante.
Consideramos esse modelo típico-ideal de juiz, de natureza ambígua, sendo
certo, por um lado, que se revela como um avanço frente à corrente do positivismo
jurídico, ao trazer uma releitura da atribuição da magistratura com demarcação
precisa pelos limites da lei, mas, ainda, de aplicação do direito ao caso concreto. Por
outro lado, como observado, a vinculação aos demais Poderes de Estado inaugura
uma outra espécie de delimitação, com notas, talvez, mais severas, à vista do
choque democrático.
2.2.3. Do juiz-guardião
61
A associação das duas variáveis, presentes no papel do juiz revelam-se, aqui,
com a combinação da alta autonomia, com a baixa criatividade91.
Os pressupostos deste modelo típico-ideal de juiz, juiz-guardião, encontram-
se fincados na consolidação de uma Constituição, bem como na atribuição ao Poder
Judiciário do controle de constitucionalidade das leis. Nessa medida, esse modelo
típico-ideal de juiz encontra sua linha estruturante em um aspecto fundamental da
democracia, na exata medida de possibilitar a preservação dos interesses de uma
minoria.
Revela-se, como incialmente apontado, tal juiz com elevado grau de
autonomia, apresentando como objetivo a proteção da ordem constitucional – que se
mostra como seu limite certo de atuação - de eventuais ataques passionais da
maioria, contrapondo-se, então, se necessário, aos demais poderes e à própria
comunidade.
Por ter a Constituição como seu limite estabelecido de atuação, o juiz-
guardião encontra-se, de modo aparente, com sua discricionariedade diminuída, daí
sua baixa criatividade, inauguralmente, apontada. Nesse caso, a Constituição toma
o papel que antes cabia aos códigos do século XIX, fazendo, então, nos mesmos
moldes do quanto apontado para o modelo do juiz-executor, uma crise de realismo,
muito mais justificada pelo inegável fato de que a Constituição, diversamente dos
códigos, apresenta-se aberta, programática e valorativa.
Ainda, de modo diverso aos modelos típico-ideais de juiz, anteriormente
apontados, nos quais o papel do Poder Judiciário não poderia ser relacionado,
propriamente, como um verdadeiro poder, atuando muito mais na condição de
91 CAMPILONGO. Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo :
Saraiva, 2011, p. 52-55.
62
auxiliar dos demais poderes, pela razão determinante da sua falta de autonomia, no
modelo do juiz-guardião esse relacionamento com os demais poderes sofre uma
evidente mudança e reestruturação.
Assim, com a autonomia do Poder Judiciário, passa a ter uma nova medida
de importância a função política do juiz-guardião, tendo, ainda, como consequência
certa a evidenciação da fricção entre a sua atuação e os princípios democráticos92.
Ressurgem, no caso desse modelo de juiz, ainda, discussões relacionadas à
responsabilidade do juiz por suas decisões, bem como a discussão do devido
processo legal.
O que se revela, ainda, de modo diverso do monismo presente nos modelos
de juiz-executor ou de juiz-delegado - uma vez que sua atuação era,
92 No ponto, parece-nos, a medida para a inserção da denominada “dificuldade contramajoritária”,
criada por Alexander Bickel, em 1962, ao cuidar do tema sobre o modo correto de justificação das
decisões judiciárias, sobretudo naquilo que diz respeito ao exercício pelo Poder Judiciário do controle
de constitucionalidade. Assim, o que se coloca é a abordagem do problema relacionado com a
legitimidade democrática do Poder Judiciário, que, por não ser eleito pelo voto popular, controla os
atos, tanto do Executivo, como do Legislativo, que são eleitos pelo voto popular. (v. verbete “Estados
Unidos (Grandes correntes do pensamento jurídico americano contemporâneo)”, in ALLAND, Denis e
RIALS, Stéphane; tradução Ivone Castilho Benedetti; revisão técnica Márcia Villares de Freitas.
Dicionário da cultura jurídica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 728). Neste passo, cuidando
da questão da legitimidade democrática do Poder Judiciário, aponta-se para a Proposta de Emenda à
Constituição nº 03/2013, que traz, dentre outras medidas, nova proposta de redação do artigo 101 da
Constituição Federal, no sentido de alterar a composição do Supremo Tribunal Federal, dos atuais
onze para quinze Ministros, com o aumento da idade de ingresso de 35 para 45 anos, nomeados pelo
Presidente da República para mandato determinado de 15 anos, a partir de uma lista quádrupla
formada por um indicado pelos Tribunais Superiores, um pelo Conselho Nacional de Justiça, um pelo
Conselho Nacional do Ministério Público e um último pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, depois de aprovação por dois terços do Senado Federal, com vedação de
participação de quem, nos últimos 4 anos anteriores, tenha ocupado cargo de Ministro de Estado,
Presidente de agência reguladora ou Advogado-Geral da União ou mandato eletivo no Congresso
Nacional, ou tenha, ainda, sido condenado por órgão colegiado. (cf. Proposta de Emenda à
Constituição nº 3, de 2013. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp
?t=122862&tp=1>. Acesso em: 30 maio 2013).
63
eminentemente, de aplicação da norma ao caso concreto -, é que esse novo modelo
do juiz-guardião aponta para a dissolução do monismo, sendo, em substituição,
ocupado por uma dispersão de autoridades, dotadas com a tarefa de criar e aplicar o
direito, com a multiplicação das funções do mesmo juiz.
Então, o trabalho judicial de aplicação da norma jurídica mostra-se apenas
como uma das tarefas do juiz-guardião, que passa a desempenhar verdadeira
função política, à vista, sobretudo, da sua incumbência do controle de
constitucionalidade. Ademais, acresça-se que, em tópico próprio abaixo, vai se aferir
a sua aproximação com a corrente filosófica do neopositivismo.
2.2.4. Do juiz-político
Por fim, das duas variáveis de importância antes apontadas ao iniciarmos o
exame dos modelos típico-ideias de juiz, o papel atribuído ao juiz-político fica
maximizado, determinado pela associação da alta autonomia com a alta criatividade.
Neste caso, se, por um lado, a mencionada combinação maximizada de
autonomia e criatividade suscita a discussão sobre o problema do arbítrio e da
imprevisibilidade do direito, sem determinação daquilo que é, daquilo que não é
direito; por outro, o modelo do juiz-político traz ao magistrado o desempenho de
papel político equivalente ao legislador. Assim, nem um, nem outro, ou seja, nem o
juiz ou o legislador apresenta o monopólio na definição de sentido do direito.
De fato, o que se percebe, segundo Celso Fernandes Campilongo93, é que as
funções atípicas de cada poder, como, por exemplo, a judicância administrativa, vão
se multiplicando, permitindo contornar o problema do arbítrio, e, no mais, reconhece-
93 Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 55-57.
64
se que não existe um estado de total liberdade para a atuação do juiz, diante da sua
criatividade e independência, sempre restando espaço ocupado para a atuação de
procedimentos e hierarquia no sentido dado ao direito pelo Poder Judiciário.
Por fim, aponta-se que, contemporaneamente, direito e não direito são,
aceitadamente, sem limites próprios e perenes. Logo, aquilo que representava ser
direito no passado, pode não apresentar o mesmo perfil no presente, sem qualquer
garantia de sua existência futura, como, exemplificativamente, concebemos com o
conceito de direito de família, o qual para muitos, nos dias atuais, fica melhor
identificado com o que se pode chamar de “direito de famílias”94, à vista da sua
constante modificação, não só presente no seu modelo tradicional.
Diante da não limitação exata do direito e não direito, na atualidade, o que se
tem, por certo, é que o ordenamento revela-se na forma de uma rede, pelo fato da
necessidade de se mostrar maleável para recobrir a circunstância determinada, que,
de sua parte, mostra-se marcada pela inconstância. Assim, há um abandono da
dedução racional, quando da aplicação da norma ao fato, bem como da indução,
quando do fato à norma, chegando-se, ao fim, ao encontro da ideia da multiplicidade
de intérpretes, sem qualquer monopólio.
Esse modelo típico-ideal de juiz-político, portanto, apresenta-se afinal como
um passo posterior ao próprio neopositivismo, uma vez que nem mesmo a
Constituição, parece-nos, ao fim, revelar-se como um parâmetro de observação
necessária na atuação judicante.
94 Nesse sentido, por todos, Maria Berenice Dias, para quem, diante das transformações verificadas
na sociedade e que revolucionaram o conceito clássico de entidade familiar, impôs-se a reformulação
dos seus critérios interpretativos de modo, albergando novas formas de convívio (DIAS, Maria
Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011).
65
2.2.5. Dos modelos típico-ideais do juiz: o
neopositivismo e o espaço de atuação do juiz-guardião
O que resta certo é que toda a forma de modelagem, incluindo na concepção
de modelos típico-ideais de juiz, antes de mais nada, representa uma redução e
simplificação da própria realidade que tenta representar. Assim, dos modelos de
atuação do juiz cuidadas, é evidente que tipos puros não serão verificados na
realidade social.
Nessa medida, comungando do quanto apreendido em Inocêncio Mártires
Coelho, na sua busca da máxima redução do “resíduo incômodo de voluntarismo”, a
verdade epistemológica, que procuramos imprimir à nossa investigação, é resultado
direto, na sua concepção de atividade racional, da hermenêutica, em que esta, por
sua parte, encontra-se controlada e legitimada por dois fundamentos: o primeiro,
relacionado com a consciência jurídica geral95; o segundo, por meio do devido
processo legal, nas suas modalidades material e processual96. No ponto, a
comunhão com o mencionado doutrinador, em seu excerto:
95 A concepção de “consciência jurídica geral” encontra-se relacionada com critérios objetivos
encontrados ao longo do sistema jurídico, e, certamente, pronunciados na motivação da decisão
judicial, conforme desenvolve Inocêncio Mártires Coelho, na forma de princípios encontrados na
própria lei, acolhidos e desenvolvidos pela jurisprudência, bem como, ainda, valores éticos
reconhecidos pela comunidade jurídica (COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2.
ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p.58). Mas, de modo certo, ainda, a
concepção de “consciência jurídica geral” encontra elementos de comunicação com o conceito de
consenso básico acolhido, conforme faz crer pelo voto do Min. Luiz Fux, ao examinar a ADI nº
4.578/DF, Tribunal Pleno, em sessão de 16 de fevereiro de 2012: “Ora, como antes observado, não
há como sustentar, com as devidas vênias, que a extensão da presunção de inocência para além da
esfera criminal tenha atingido o grau de consenso básico a demonstrar sua radicação na consciência
jurídica geral”. 96 Em Alexandre de Moraes, alinha-se a concepção do devido processo legal, nas suas concepções
substancial e formal: “O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto
66
Numa palavra, convencidos de que, nesses domínios, a racionalidade
científica cede lugar à razoabilidade jurídica, e a verdade epistemológica à
simplesmente hermenêutica, decidimos lutar ao lado de Kaufmann e tantos
outros em defesa da ideia de que a hermenêutica é uma atividade racional,
que se ocupa com processos total ou parcialmente irracionais – como o da
aplicação do direito – da forma mais racional possível.
Daí termos considerado válido utilizar como parâmetros de controle e
legitimação da atividade hermenêutica a consciência jurídica geral e o
devido processo legal (substantive due process/procedural due process)
porque, à luz da experiência histórica, esses critérios de verdade têm-se
mostrado pelo menos razoáveis, na medida em que impedem os
voluntarismos mas não inibem a necessária criatividade dos intérpretes e
aplicadores do direito97.
Logo, a verdade epistemológica que nos remete para o encontro do juiz-
guardião, como atuante no cenário neopositivista, de um modo objetivamente
razoável, alinha-se por sua natureza, nos seguintes elementos:
i) pela perspectiva da consciência jurídica geral, o neopositivismo pauta-
se na principiologia da ordem constitucional, contando, ainda, com a dotação de
valores éticos (retoma-se o ponto da “virada kantiana”, com a aproximação da ética
ao direito). Esses aspectos, de maneira inegável, sustentam a democracia,
permitindo a convivência dos interesses dos participantes da ordem social, na forma
no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao
assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à
defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser
processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)”
(MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos art. 1º a 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2000, p. 255). 97 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2003, p.27.
67
da maioria ou da minoria. Nessa medida, o modelo do juiz-guardião alberga o
modelo típico de juiz, condizente com o neopositivismo, na medida em que tradutor
de alta autonomia, suficiente para a promoção da defesa da ordem constitucional;
ii) por sua vez, pela perspectiva do devido processo legal em sentido
amplo, o neopositivismo, como apresentado, mostra-se atuante no ambiente da
Constituição e isto é, ao fim, a sua própria limitação. Dessa forma, é na Constituição
que elementos do devido processo legal processual e substancial podem ser
aferidos, como, por exemplo, pelo fato de que as decisões judiciais são submetidas
a um amplo controle pelas estruturas do próprio Poder Judiciário, sob o aspecto
processual, em seu conteúdo de liberdade e propriedade, sob o aspecto material.
Desse modo, pela mesma limitação que lhe tolhe a criatividade98, revelada na figura
da Constituição, o modelo típico do juiz-guardião é o que melhor se adequa ao
neopositivismo.
Portanto, o juiz-guardião é o que melhor responde, com sua atuação, ao
neopositivismo, de modo objetivo, visto que revela sua alta autonomia para a defesa
da ordem constitucional, com pauta nos princípios e valores éticos, e a sua
criatividade, por sua vez, é limitada pela própria Constituição, que exerce,
definitivamente, o acoplamento estrutural entre os sistemas sociais. Repise-se, 98 Na consideração mesma de que a Constituição representa a fronteira certa de atuação do Poder
Judiciário, é o quanto se encontra em decisões que envolvam a adoção de políticas públicas e seu,
suposto, cumprimento pela decisão do juiz. De fato, justificando-se ainda o enquadramento do tipo do
juiz-guardião para o neopositivismo e, portanto, para o Estado de direito brasileiro, a Constituição é,
de modo inegável, seu limite. Nesse sentido, por todos, o quanto decidido pelo Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento do REsp 1.068.731/RS, julgado em 17 de fevereiro de 2012, pela Segunda
Turma, na relatoria do Min. Herman Benjamin: “Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na
formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de
Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente
quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua
completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente”.
68
portanto, que princípios, valores éticos e Constituição são da natureza mesma do
neopositivismo.
2.3. Da jurisprudência como fonte do direito: o novo papel da
jurisprudência na perspectiva neopositivista
De posse, então, do modelo típico-ideal de juiz, na modalidade de guardião,
conforme o quanto se aferiu, com sua pauta de atuação dotada pela alta autonomia
e com sua criatividade balizada pelos limites da Constituição, passamos à análise da
jurisprudência e de seu papel como fonte do direito.
Resgata-se, uma vez mais, a par da nota da principiologia – em que, por nós,
para a investigação que se empreende, tomará maior relevo na segurança jurídica e
na isonomia -, que nos ancoramos na premissa neopositivista99, na qual a norma
jurídica não é extraída, mas, antes, construída100, como resultado da interação da lei
99 Thomas da Rosa de Bustamante promove redução, em uma concepção neoposivista de direito,
que se justifica na retomada que se empreende da aferição da jurisprudência como fonte do direito,
situando-se a partir da colheita de elementos de uma série de teorias jurídicas. Assim, seria Direito:
“uma ordem normativa institucionalizada (MacCormick) que se constitui sob a forma de uma prática
social (Hart) de natureza construtivista (Rawls, Habermas, Dworkin, Alexy), interpretativa,
argumentativa (Dworkin) e não manifestamente injusta (Radbruch, Alexy, MacCormick), pressupondo-
se uma teoria procedimental da justiça (Habermas) capaz de tornar definitivamente sedimentado o
conhecimento moral necessário para satisfazer as exigências epistemológicas da ideia de “extrema
justiça” (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a
aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo : Noeses, 2012, p. 165-166). 100 Interessa-nos o quanto empreendido por Paulo de Barros Carvalho ao cuidar da ambiguidade do
termo “norma jurídica”, percorrendo ampla doutrina de relevo, cuja conclusão apreendemos, sempre
posicionados a partir do que denomina plataforma textual do direito posto: “A doutrina do ilustre
publicista se aproxima do ponto de vista que expusemos, com a pequena diferença que tomamos a
norma como construção ‘a partir dos enunciados’ e não “contida ou involucrada nos enunciados”.
Todavia, a expressão ‘o intérprete produz a norma’ cai como uma luva ao sentido que outorgamos às
unidades normativas.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed.
São Paulo: Noeses, 2011, p. 131-132).
69
com a jurisprudência e, ambos, carregados e apreendidos pela interpretação (ponto,
diga-se, em nossa concepção, de maior gravitação dos princípios).
Assim, na consideração do alcance da expressão mencionada
“jurisprudência”, em Renato Lopes Becho101, tem-se que somente há de se falar na
mesma, após uma consolidação do entendimento por parte dos tribunais, momento
em que teríamos o atingimento da norma jurídica. Situação, portanto, por outras
palavras, em que o vocábulo “jurisprudência” é utilizado para significar as decisões
firmes de um tribunal, ou seja, somente quando o órgão judiciário adota um
entendimento e o aplica a todos os casos compatíveis. Prestigiando-se, assim,
importante aspecto revelado pelos princípios da segurança jurídica e da igualdade,
diante das incontáveis decisões judiciais relacionadas com as situações de fato e de
direito.
Outro ponto de destaque, uma vez mais, e, em retomada, é que colhemos, na
consideração de sistema jurídico luhmanniano, que essa jurisprudência,
especificamente, originada do conjunto de decisões judiciais dos tribunais superiores
nacionais, é considerada como um elemento de irritação a ser aferido pelo legislador
estadual ou distrital, suficiente para a criação de normas para o estabelecimento de
expectativas normativas contrafáticas, segundo as quais o ordenamento
constitucional deve ser obedecido.
O que se aponta, então, em efetivo ingresso com relação à jurisprudência e
fontes do direito, é que essas, e em especial as do direito tributário, têm sido
tratadas pela doutrina de maneira divergente, não uniforme. Nesse sentido, merece
destaque as considerações empreendidas por Ricardo Lobo Torres102, para quem a
101 As alterações jurisprudenciais diante das fontes do direito tributário. Revista Dialética de Direito
Tributário. São Paulo: Dialética, n. 188, maio 2011, p. 106-107. 102 Curso de direito financeiro e tributário. 16. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 56-59.
70
jurisprudência não só é passível de ser considerada como fonte do direito tributário,
mas antes a retrata como fonte de tributação potencial, ao apresentar diversos tipos
de procedimentos judiciais. E, de sua parte, de modo mais pronunciado, Misabel
Abreu Machado Derzi103 demonstra, por seu trabalho, que os julgamentos
constituem fonte do direito tributário104.
A análise da questão da jurisprudência como fonte do direito necessariamente
tem que percorrer a distinção entre o sistema romanístico e o sistema anglo-
saxônico de direito.
Para o sistema anglo-saxônico, reconhece-se a força vinculante dos
precedentes judiciais, com a configuração mais definida dessa característica entre
os séculos XVII e XVIII, aperfeiçoando-se, por sua vez, no século XIX, com a
organização dos repertórios de casos e com o surgimento de uma hierarquia
judiciária que se tornou prevalente e consagrada, conhecida como a doutrina do
stare decisis105. Assim, poderíamos delinear as suas características fundamentais,
com assento em quatro pontos de aferência:
103 Misabel de Abreu Machado Derzi cuida, na consideração da jurisprudência como criadora do
direito, especificamente da situação em que o Poder Judiciário altera e muda sua decisão, adotando,
assim, uma outra alternativa, também válida, em razão da amplitude dos significados dos signos,
caso em que, o vínculo com a lei, acaso existente, revela-se, unicamente, formal (cf. Modificações da
jurisprudência : proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limites constitucionais
ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009, p. 189). 104 Em Renato Lopes Becho colhe-se, além da apresentação das alterações jurisprudenciais diante
das fontes do Direito Tributário, a anotação específica da existência de uma crise na apresentação
das mesmas fontes. (cf. As alterações jurisprudenciais diante das fontes do direito tributário. Revista
Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 188, maio 2011, p. 99-100). 105 A doutrina ou princípio do stare decisis se traduz na regra do precedente, em que as decisões
anteriores vinculam decisões a serem proferidas, posteriormente, acerca da mesma matéria levada a
juízo. Assim, não só a nota de hierarquia do Poder Judiciário toma expressão, mas também o aspecto
temporal é considerado, traduzindo, em nosso sentir, alinhamento com o princípio da confiança que
se volta para o jurisdicionado. Nessa medida, parece-nos, não ser outro o entendimento do Judiciário,
conforme se colhe do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do REsp 1.088.045/RJ, na
71
i.) os tribunais superiores obrigam-se por suas próprias decisões e, por
sua vez, vinculam as decisões dos tribunais inferiores;
ii.) toda decisão judicial que se revele relevante na lide do tribunal mostra-
se como argumento a ser levado à solução das demais lides, em repercussão;
iii.) o ponto de vinculação entre as decisões judiciais, repercussora e
repercutida, encontra-se na ratio decidendi ou no princípio geral de direito106,
podendo o juiz, no momento da aplicação, interpretá-lo por sua própria razão;
iv.) um precedente permanece válido ao longo do tempo, podendo ser
retomado na medida de sua utilidade para o caso, não se levando em consideração
imediata a sua remoticidade na linha do tempo, mas, sim, as circunstâncias de fato e
de direito para sua aplicação.
Por seu turno, o sistema romanístico, em sua nota de pureza107, caracteriza-
se pela não vinculação entre os tribunais superiores e os juízes inferiores, o mesmo
relatoria para acórdão do Min. Sidnei Beneti, julgamento em 22 de setembro de 2009, pela c. 3ª
Turma, na tradução - por nós - de que a “tranquilidade da sociedade brasileira” pode-se reconhecer
como o princípio da confiança nas relações estabelecidas: “A fase histórica do Poder Judiciário
nacional, visando à tranquilidade da sociedade brasileira, exige o desenvolvimento de uma doutrina
brasileira de “stare decisis et non quieta movere”. Nesse sentido vem sendo construído o novo
edifício jurídico nacional, por intermédio de normas constitucionais e infra-constitucionais recentes --
como, por exemplo, as Leis das Súmulas Vinculantes, da Repercussão Geral e dos Recursos
Repetitivos”. 106 Concebe-se os princípios gerais do direito, como na forma daqueles tidos como monovalentes,
pois situados somente para o âmbito de uma ciência. Nessa linha, somos levados a reconhecê-los
como presentes naquilo que foi cuidado de “consciência jurídica geral”. Maria Helena Diniz, assim os
expõe, no seu entendimento: “Os princípios gerais de direito, entendemos, não são preceitos de
ordem ética, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor
genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou
não positivadas” ( DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 7.
ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 129). 107 Na estruturação do sistema romanístico, conforme Tércio Sampaio Ferraz Jr., houve uma
desconfiança social da figura do juiz, com maior acentuação após a Revolução Francesa, contudo, na
consideração do direito português, aponta-se para um embrião de normatividade no precedente,
72
se diga entre os juízes de mesma hierarquia e, ainda mais, os mesmos juízes e
tribunais não se vinculam às suas próprias decisões, podendo, inegavelmente,
mudar de orientação para o caso trazido a julgamento. Aqui vige, portanto, a
chamada regra estrutural do sistema da independência da magistratura judicial, na
medida em que o juiz deve julgar, tendo como parâmetro a lei e na conformidade de
sua consciência.
Apesar do quanto se apontou para o sistema de tradição romanística, resta
certo, contudo, o inegável papel da jurisprudência na constituição do direito,
sobretudo quando se leva em conta a elaboração de normas jurídicas gerais, melhor
visualizadas para os casos da presença de lacuna, configuradora de uma espécie de
costume praeter legem, resultando de decisões judiciais que se repetem para os
casos semelhantes.
O mesmo seja dito, a par do tratamento jurídico dado às lacunas jurídicas,
com relação ao papel assumido pelas súmulas dos tribunais superiores e pela
disposição relacionada ao caso da figura recursal de uniformização da jurisprudência
dos tribunais e, em medida de maior contemporaneidade, pelos recursos
extraordinários dotados de repercussão geral, os recursos especiais repetitivos e,
mesmo as súmulas vinculantes, todos a apontar uma maior objetivação da lide e
uma aproximação entre os sistemas romanístico e anglo-saxônico.
Ou seja, a jurisprudência, apesar das limitações iniciais próprias do sistema
romanístico, apontava-se, de modo incipiente, como um importante papel de fonte
do direito, mesmo que tais expressões se relacionassem, ainda e tão somente, à
historicamente situado no “estilo da Corte” das Ordenações Afonsinas ou na “Lei da Boa Razão” de
Pombal (o que justifica a expressão empregada de “nota de pureza”) (FERRAZ JUNIOR, Tércio
Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994,
p. 244).
73
finalidade de ordem prática, sem qualquer ideia de introdução de característica de
generalidade e abstração, próprias das fontes de direito primárias.
Então, elementos da alteração de seu papel no ordenamento - numa
aproximação com o que se observa no sistema anglo-saxão, em que a função
paradigmática é própria do sistema jurídico - que se manifestam, em nossa
concepção, por dois momentos claramente presentes e temporalmente
determinados, indicadores, então, de uma progressão da objetivação da lide, não só
ao longo do tempo, mas também ao longo da própria extensão do sistema jurídico,
numa resposta direta à legalidade e, de forma indireta e mais acentuada, à
insuprimível isonomia, que deve estar presente em qualquer sistema em respeito a
seus jurisdicionados.
Portanto, num primeiro momento, em face das recentes reformas do processo
civil, pragmaticamente já submetidas à prova, diante da sua introdução no sistema
jurídico brasileiro, como as figuras dos recursos especiais repetitivos, na ordem
infraconstitucional, ou mesmo dos recursos extraordinários, dotados de repercussão
geral, na ordem constitucional.
Para esse momento, o que se tem por certo é que as reformas estruturais que
vêm sendo introduzidas no direito processual civil procuram traduzir, de modo
imediato, a maior segurança jurídica, igualdade e a celeridade no processo
decisório, implantando uma evidente característica de vinculatividade entre as
decisões dos tribunais superiores e as demais instâncias judicantes do Poder
Judiciário, com notas que apontam para uma tendência de objetivação das lides
apreciadas, fruto, portanto, de uma atividade jurisdicional que transcende os
74
interesses subjetivos108. O mesmo seja dito com respeito às súmulas vinculantes,
presentes neste momento, por ser um instrumento processual importante, contudo,
por sua própria essência, não se voltam, tão só, para o direito processual, tendo
conteúdo mesmo de direito material.
Então, nos direcionamos à nossa concepção do segundo momento desse
novo papel da jurisprudência, em decorrência, especificamente, das disposições
presentes no anteprojeto de Código de Processo Civil, tornando-se mais
pronunciada a tendência, antes apontada, da objetivação da lide, espraiando-se
ainda mais sobre o sistema jurídico109.
108 É o quanto se colhe na fundamentação do Min. Gilmar Mendes, no julgamento do RE 388.830/RJ
de 14 de fevereiro de 2006, no qual o recurso “deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de
defesa interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem
constitucional objetiva”. 109 Nesta medida, o quanto se colhe na exposição de motivos apresentada com a proposta de Novo
Código de Processo Civil, fruto do trabalho de estudiosos, capitaneados pelo Min. Luiz Fux: “Por
outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a
respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas,
tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de
tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira
perplexidade na sociedade. Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo
ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal
Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos
(que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize,
à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize. Essa é a
função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões que moldem o ordenamento
jurídico, objetivamente considerado. A função paradigmática que devem desempenhar é inerente ao
sistema. Por isso é que esses princípios foram expressamente formulados. Veja- se, por exemplo, o
que diz o novo Código, no Livro IV: ‘A jurisprudência do STF e dos tribunais Superiores deve nortear
as decisões de todos os Tribunais e Juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os
princípios da legalidade e da isonomia’. Evidentemente, porém, para que tenha eficácia a
recomendação no sentido de que seja a jurisprudência do STF e dos Tribunais superiores,
efetivamente, norte para os demais órgãos integrantes do Poder Judiciário, é necessário que aqueles
tribunais mantenham jurisprudência razoavelmente estável. A segurança jurídica fica comprometida
com a brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito” (Senado
75
Nesta justa medida do novo papel assumido pela jurisprudência, entendemos
e alinhamos as lições de Renato Lopes Becho, após lançar o conceito de
jurisprudência como “um certo número de decisões semelhantes sobre assuntos
semelhantes”, ingressando numa consideração própria do sistema romanístico:
Mesmo não sendo absoluta a força dessa fonte, o valor das leis é
acentuado ante as outras fontes. Normalmente são países com Constituição
escrita e codificações ou consolidações de vários ramos do direito, como o
nosso. Entretanto, a jurisprudência continua ganhando terreno. Isso ocorre,
inclusive, pela quantidade das leis, muitas vezes mal formuladas, deixando
dúvidas, dando margens a interpretações antagônicas e mantendo lacunas
que serão supridas pela atuação de juízes e tribunais110.
O que se vê, portanto, na conformidade do recorte promovido pela doutrina, é
que a jurisprudência, em razão de recentes reformas processuais, já postas ou em
vias de positivação, tem por alterado seu anterior estado de não possuir nítido
caráter normativo, para atingir-se a normatividade suficiente para trazer, finalmente e
de modo inafastável, segurança jurídica e isonomia à sociedade.
Isto denota, então, o objetivo da concretização do afastamento da
intranquilidade jurisdicional e, ainda, o rompimento da fragmentação encontrada no
mesmo sistema jurídico, que se faz presente pela constatação de decisões judiciais,
produzidas por tribunais distintos, as quais submetem os jurisdicionados, com
situações jurídicas idênticas, a regras de conduta diferentes.
Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo
Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto/Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de
Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010, p. 17)
(Disponível em: < http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 03
mar. 2013). 110 BECHO, Renato Lopes. As alterações jurisprudenciais diante das fontes do direito tributário.
Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 188, maio 2011, p. 107.
76
Interessa-nos, efetivamente, a medida da jurisprudência, concebida como
fonte do direito, com notas de primariedade e, diante da vinculatividade, com
características de generalidade e abstração, alcançando-se, dessa forma, os pontos
de atenção apontados por Regina Helena Costa111 para tê-la como fonte do direito:
de uniformidade, de estabilidade e de irretroatividade. Por outras palavras, então, o
Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas uma de
suas parcelas, a função legislativa.
Neste passo do papel da jurisprudência, na doutrina de Misabel Abreu
Machado Derzi, ainda, encontramos fundamentação teórica suficiente para a
concepção de que a jurisprudência, sobretudo na consideração das recentes
reformas processuais, não gera somente normas individuais e concretas, agindo,
antes, como normas gerais e abstratas, a par das leis, na criação de expectativas de
direito:
[As decisões judiciais] configuram, ainda, expectativas normativas de
observância obrigatória, os precedentes e as súmulas (mesmo as não
vinculantes), tomadas pela Corte Suprema, que possam ser qualificadas de
repercussão geral.
[...]
Essa é também a posição dos juristas TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.,
ROQUE ANTONIO CARRAZZA e NELSON NERY JUNIOR, para estender a
presunção de força vinculante às decisões finais de outros tribunais
superiores, dentro de sua respectiva área de competência 112.
111 Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
28. 112 A sua conclusão é estabelecida após validar as razões de Heiki Pohl, frente às peculiaridades do
direito positivo brasileiro. (in DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência :
proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limites constitucionais ao poder judicial
de tributar. São Paulo: Noeses, 2009, p. 272 e p. 283).
77
Assim, o que se pode ter em vista é que, uma vez consolidada a
jurisprudência – sobretudo, como decorrência da atividade dos tribunais superiores
nacionais, para os limites desta investigação –, a mesma representará diferentes
graus de obrigatoriedade, até mesmo com aparente vinculatividade, ao se referir à
criação de expectativas normativas de observância obrigatória.
Nesse sentido, em nota final e nos moldes de nossa premissa neopositivista,
em que a principiologia desponta como um dos elementos de maior proeminência,
catalogamos dois princípios de maior evidência em sua atuação, como já se vem
apontando:
i.) do princípio da segurança jurídica: considerado indispensável para a
conformação de um Estado de direito, tendo em vista elementos relacionados com a
estabilidade e continuidade da ordem jurídica, com a evidenciação da previsibilidade
das consequências jurídicas de determinada conduta. Em suma, a segurança
jurídica é tradutora de duas porções de princípios em conjugação, que se revelam
pela certeza113 e pela igualdade.
Assim, o princípio da segurança jurídica relaciona-se com a propagação, na
comunidade social, do sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da
regulação das condutas. Revela-se na ordem dos princípios em sentido estrito114,
113 Em Luiz Guilherme Marinoni colhe-se que é possível fazer-se uma distinção entre certeza e
previsibilidade, na medida em que se frisa que “a previsibilidade implica apenas um certo grau de
certeza e nunca uma certeza absoluta. Reconhecimento disso, aliás, está implícito na idéia que o
respeito aos precedentes não ignora a circunstância de que estes podem ser revogados” (cf.
MARINONI, Luiz Guilherme. Segurança dos atos jurisdicionais. Dicionário de princípios
jurídicos/Ricardo Lobo Torres, Eduardo Takemi Kataoka, Flávio Galdino, organizadores; Silvia Faber
Torres, supervisora. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 1249). 114 Em Paulo Cesar Conrado encontra-se breve distinção, aqui adotada, entre “princípios em sentido
estrito” – que se apresentam com uma dotação de valor nos seus enunciados prescritivos; “princípios
em sentido lato” ou “limites objetivos” – que se revelam desprovidos de carga valorativa predominante
em seus enunciados prescritivos; e “sobreprincípios”, apontados como princípios que irradiam seus
78
uma vez conter, axiologicamente, o valor específico da não surpresa (tido como um
dos mais importantes do Estado democrático de direito, e que, a toda evidência,
denota a expectativa normativa da sociedade);
ii.) do princípio da isonomia ou igualdade: nos termos da filosofia, não se
revela com definição clara de conteúdo, retratando, de modo imediato, um problema
conceitual, pressupondo o enfrentamento de três questionamentos básicos:
igualdade para quem? para quê? e de quê? Por sua vez, em termos jurídicos, o
princípio da igualdade encontra-se previsto de maneira genérica na forma do quanto
dispõe o artigo 5º, caput, inciso I da Constituição Federal de 1988, espraiando
efeitos sobre toda a ordem jurídica, de modo a influenciar o processo de formação
do juízo normativo.
Resta, ainda, a tal princípio ser classificado como sobreprincípio, na justa
medida de sua repercussão em face de outros princípios (assim como apontado
para o princípio da segurança jurídica, resultado da conjugação certeza e
igualdade). Toma-se, no mais, a distinção que pode ser feita entre igualdade formal
– com escopo na esfera normativa, que não pode se tornar fonte de privilégios ou
distinções, impondo, assim, tratamento uniforme perante a lei e vedando os
tratamentos desiguais a todos considerados como iguais – e igualdade material –
assegurando o tratamento uniforme, real e efetivo de todos, perante todos os bens
da vida.
Então, a jurisprudência, firmada pelos tribunais superiores, implica que, os
jurisdicionados, situados em diferentes pontos da estrutura do mesmo sistema
efeitos sobre outros princípios, permitindo a sua compreensão, e que se colocam, portanto, em
posição superior, fruto natural da sua maior amplitude e abstração. (Introdução à teoria geral do
processo civil. 2ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo, Editora Max Limonad, 2003, p. 51-84).
79
jurídico, possam, diante da identidade de situações jurídicas, ter, em resposta, a
aplicação das mesmas regras de conduta115.
115 Nestes termos, encontramos em Celso Antônio Bandeira de Mello a assertiva de que o princípio
da igualdade volta-se, não só para o legislador, mas também para o aplicador da lei, para a nivelação
dos indivíduos, merecendo, portanto, atenção na interpretação impressa ao aparato normativo, para
aferir-se, com maior clareza, a presença de discriminações intoleráveis. São suas as palavras: “Como
as leis nada mais fazem senão discriminar situações para submetê-las à regência de tais ou quais
regras – sendo esta mesma sua característica funcional – é preciso indagar quais as discriminações
são juridicamente intoleráveis.” (cf. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed., 6. tir.. São
Paulo: Malheiros, 1999, p. 11).
80
CAPÍTULO III
DOS EFEITOS DAS DECISÕES JUDICIAIS SOBRE O SISTEMA JURÍDICO TRIBUTÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO
3.1. Notas gerais
Anunciou-se, na introdução deste estudo, que as decisões judiciais são
aferidas como fonte do direito, em específico em suas relações com o direito
tributário posto pela legislação paulista, e é o quanto passaremos a trabalhar no
presente passo da nossa investigação.
Nessa medida, em retomada ao quanto cuidado nos capítulos anteriores, com
base na teoria dos sistemas de Luhmann, foram apontadas as posições que os
Poderes de Estado assumem no sistema jurídico, cabendo ao Poder Legislativo, por
seu posicionamento periférico, o funcionamento como filtro às perturbações ou
irritações direcionadas para dentro desse mesmo sistema considerado.
Então, adotando-se como premissa o fato de que há uma relação entre o
sistema jurídico nacional e os sistemas jurídicos dos Estados ou do Distrito Federal
(sendo limitado, em interesse, ao do Estado de São Paulo), as decisões emanadas
pelos tribunais superiores (notadamente na medida da objetivação da lide, impressa
pelas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça)
cumprem o papel de elemento de irritação ou perturbação perante os sistemas
81
jurídicos subnacionais, que por meio de seu Legislativo, darão vazão às expectativas
normativas desse estímulo no próprio sistema116.
O que se apontou, ainda, na introdução deste estudo é que o neopositivismo,
denotado por sua complementaridade e principiologia, influencia as decisões dos
tribunais superiores, e estas, uma vez tratadas como pontos de perturbação pelos
legisladores subnacionais, fazem com que essas mesmas características do
neopositivismo tomem espaço ao longo dos seus sistemas jurídicos, refletindo-se,
de modo inequívoco, também, nos seus momentos pré-exacionais e exacionais.
A figura abaixo ilustra a relação que se concebe entre o sistema jurídico
nacional e os sistemas jurídicos subnacionais, estabelecida por meio das decisões
judiciais, oriundas dos tribunais superiores nacionais, e de sua influência imediata,
como perturbação, sobre o Legislativo estadual ou distrital:
116 Na da autopoiese, ou no encerramento operativo, faz-se fundamental que a diferença entre o
sistema e o meio só é factível pela realização mesma do próprio sistema. O que se tem, portanto, e
por nós para os limites próprios do sistema jurídico, é que este pode ser considerado não como uma
máquina trivial, na expressão de que um input determinado (irritação ou perturbação) resultará,
deterministicamente, num output (resultado ou produto) pelo sistema, mas, antes, comporta-se como
uma máquina não trivial, em que a autorreferência do próprio sistema jurídico é que determina de que
modo se dará a produção do output (resultado ou produto), de maneira que o input (irritação ou
perturbação) tem que passar pelo que se denomina prova de estado momentâneo, ínsita do próprio
sistema (cf. LUHMANN, Niklas. Introdução a teoria dos sistemas. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010,
p. 102-111).
82
Figura ilustrativa 1: relação entre os sistemas jurídicos, nacional e subnacionais, a partir da influência
das decisões dos tribunais superiores.
Ou seja, a nota de complementaridade e de principiologia apresenta-se ao
longo de todo o sistema jurídico - na consideração, agora ampla, de nacional e
subnacionais -, nascida com as decisões judiciais dos tribunais superiores e em
atendimento final à procura da segurança jurídica e da isonomia, estabilizando
relações ao longo do tempo, sejam as relações passadas, com suporte, sobretudo,
nas decisões judiciais, sejam as relações futuras, pelo trabalho do Legislativo.
Assim, em face dessa amplificação normativa das decisões judiciais, segundo
o neopositivismo, vamos promover a análise da atuação da Administração Tributária
do Estado de São Paulo, pautada por dois momentos distintos: o primeiro, de
lançamento do crédito tributário, quando da autuação promovida pela Fazenda
paulista na glosa unilateral de créditos do ICMS, decorrentes da chamada “guerra
fiscal”, sem o prévio acesso ao Supremo Tribunal Federal; e o segundo, de revisão
do lançamento tributário, estruturado na normatividade do processo administrativo
tributário paulista, com o exame específico da figura procedimental da “reforma de
83
julgado administrativo”, delineado especificamente nas disposições da Lei Estadual
Paulista nº 13.457/09, por seus artigos 50 e 51, concebida, em sua natureza jurídica,
como verdadeiras normas de reenvio ou como diálogo das fontes, por se revelar
como um ponto de comunicação entre as decisões administrativas e as decisões
dos tribunais judiciais.
Passamos, então, para a análise do efeito das decisões judiciais dos tribunais
superiores com relação, exemplificativamente, a dois conjuntos de normas paulistas:
a primeira relacionada com a promoção unilateral de glosa de créditos do ICMS,
originados da “guerra fiscal”, e a segunda relacionada com a figura recursal “reforma
de julgado administrativo”, própria do contencioso administrativo tributário paulista,
conforme a figura abaixo:
Figura ilustrativa 2: efeito das decisões judiciais sobre normas específicas tributárias paulistas.
3.2. Da “guerra fiscal” e da glosa unilateral pelo Estado
de São Paulo, uma leitura neopositivista legitimadora
3.2.1. Notas do ICMS, do federalismo brasileiro e da
“guerra fiscal”
84
O ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e
sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação)117 revela-se como o mais importante tributo dos Estados e do Distrito
Federal, que, por meio de suas receitas, torna em realidade a autonomia dos
referidos entes federativos, viabilizando, em última instância, conceitualmente, o
próprio Estado Federal118. Esse breve apontamento já seria suficiente para justificar
a extensão e profundidade do ICMS no corpo do Texto Constitucional.
117 Quanto à sua origem imediata¸ o ICMS retoma o antigo ICM, que foi introduzido no sistema
tributário brasileiro, por meio da Emenda Constitucional nº 18 de 1965, à Constituição Federal de
1946. O ICM, por sua vez, sucessor do antigo IVM (Imposto sobre vendas mercantis, que se
estruturou a partir da década de 20 do século passado) e do IVC (Imposto sobre vendas e
consignações, que se estruturou, a partir do IVM, na década de 40 do século passado), procurou
afastar a incidência sobre as operações mercantis de forma cumulativa. Acresça-se que o ICM tomou
por base o modelo de imposto de valor agregado – IVA – francês, o chamado TVA (“Taxe sur la
Valeur Ajoutée”), contudo, serviu como um modelo de inspiração, uma vez que não se encontram
alguns fundamentos daquele na estrutura do ICM, a saber: a) imposição sobre base ampla – o ICM,
assim como o ICMS, seu sucessor, apresenta restrições ao creditamento; b) imposto aplicado por
ente unitário - o ICM restringia-se à tributação estadual e distrital, em operações mercantis, restando
espaço para a incidência do IPI (federal) e ISS (municipal); c) dedução financeira ao invés da física –
o ICM, bem como seu sucessor ICMS, apresentava restrições ao crédito de uso e consumo. (cf.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13. ed., rev. e ampl. - São Paulo: Malheiros, 2009, p.37-39). 118 Um Estado Federal, expressão de uma aliança (relembra-se a etimologia da palavra foedus no
sentido de apontar esse acoplamento), em decorrência de um lastro constitucional, pauta-se numa
série de características, em que o acoplamento dos entes federativos manifesta-se. Com Dalmo de
Abreu Dallari, apontam-se oito de suas características fundamentais: (i.) a união faz nascer um novo
Estado e, concomitantemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de estados (no
caso da espécie de federalismo por agregação, que não é o modelo brasileiro); (ii.) a base jurídica de
um Estado Federal é a Constituição, não um tratado, uma vez que este se revela limitado; (iii.) na
federação não existe direito de secessão, não podendo os entes federativos retirarem-se do pacto
constitucional; (iv.) somente o Estado Federal apresenta soberania, de forma que os entes
federativos perdem a sua soberania, com manutenção, contudo, de autonomia; (v.) no Estado
Federal as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas na Constituição, por meio
de uma distribuição de competência (essa característica toma toda relevância no presente tópico do
trabalho, uma vez que a “guerra fiscal” revela-se pela fricção das competências tributárias, em
detrimento da força normativa constitucional); (vi.) a cada esfera de competências se atribui renda
85
Dessa forma, de inegável relevância é a consideração da projeção nacional
da tributação do ICMS, em estreita e pronunciada relação de estruturação do perfil
do federalismo cooperativo brasileiro119, diante da necessária homogeneidade da
sua incidência, em alinhamento, portanto, com as disposições da Constituição da
República de 1988, que estruturam este imposto.
Outro não é o entendimento que se colhe na doutrina de Paulo de Barros
Carvalho, em que sobreleva o caráter nacional do imposto, traduzindo o corolário do
princípio da homogeneidade da incidência do ICMS, também conhecido como
princípio da equiponderância ou solidariedade nacional, que estrutura, ainda, o
federalismo estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil, como
cooperativo:
[...] parece-me importante ressaltar o caráter nacional do ICMS, máxima que
sobressai do sistema com grande vigor de juridicidade. Não se aloja na
formulação expressa de qualquer dos dispositivos constitucionais tributários,
própria (uma vez mais a relevância da apontada característica, pois para o cumprimento de seus
encargos há que se ter em vista uma fonte de recursos suficientes, que pode ser corrompida pela
dinâmica da “guerra fiscal”, quando da produção de benefícios fiscais à margem do mandamento
constitucional, acenando, em decorrência, para o desequilíbrio entre os entes federativos); (vii.) o
poder político mostra-se compartilhado pela União e as demais unidades federadas; (viii.) os
cidadãos do Estado que adere à federação adquirem a cidadania do Estado Federal e perdem a
anterior (característica válida, parece-nos, para o federalismo por agregação). (cf. DALLARI, Dalmo
de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 218-219). 119 A conceituação da expressão de nosso federalismo como da modalidade cooperativa se justifica
uma vez que rompe com a contradição do federalismo dualista, no qual os níveis de governo se
encontram em posição de atrito, por meio da solidariedade e da integração, na garantia mesma do
pacto federativo. Nesses termos, o quanto apreendido, uma vez mais, em Dalmo Dallari: “Outro
argumento é justificante, o que se refere à maior dificuldade para a concentração do poder, o que, em
última análise, também favorece a democracia. Além disso, argumenta-se que o Estado Federal,
preservando as características locais, ao mesmo tempo promove a integração, transformando as
oposições naturais em solidariedade.” (cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do
Estado. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 220).
86
mas está presente nas dobras de inúmeros preceitos, irradiando sua força
por toda a extensão da geografia do imposto. Seu relevo é tal que, sem o
invocarmos, fica praticamente impossível a compreensão da regra–matriz
do ICMS em sua plenitude sintática e na sua projeção semântica. Os
conceitos de operação interna, interestadual e de importação; de
compensação do imposto, de base de cálculo e de alíquota, bem como de
isenção e de outros “benefícios fiscais”, estão diretamente relacionados com
diplomas de âmbito normativo nacional, válidos, por mecanismos de
integração, para todo o território brasileiro120.
Contudo, se por um lado, de maneira imediata, o traço da arrecadação do
ICMS é pronunciado na garantia de princípios constitucionais – como o é o
federativo -, por outro, o seu potencial de distorção, na dinâmica do sistema
tributário dos Estados e do Distrito Federal, também se apresenta em relevo,
sobretudo quando se tem em vista a corrosividade imanente da intitulada “guerra
fiscal”, expressão que, de início, carrega uma inegável conotação política121.
Com efeito, a importância tributária do ICMS – viabilizadora de receita e
autonomia dos entes federativos - pode ser aferida em quaisquer dados estatísticos
que compõem a distribuição dos recursos econômico-financeiros entre os mesmos
120 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 767. 121 A expressão “guerra fiscal” é reveladora, de sua parte, do embate das estruturas constitucionais
dos Estados Federados e do Distrito Federal, especificamente no tocante à expressão tributária, em
que os referidos entes lançam mão de mecanismos, em práticas competitivas na busca de
investimentos privados, rompendo com a regência constitucional que estrutura o sistema tributário
nacional. Em Paulo de Barros Carvalho, apreende-se o realinhamento com a Constituição, diante da
manifestação da “guerra fiscal”, que extrapola o âmbito jurídico: “Assim, verificando-se a hipótese de
“guerra fiscal” as atitudes restauradoras da harmonia devem tomar como ponto de partida diretrizes
constitucionais, sob pena de, não o fazendo, serem adotadas medidas ilegais ou inconstitucionais”.
(cf. CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no
âmbito do ICMS. In: Guerra fiscal : reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS.
Paulo de Barros Carvalho; Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo : Noeses, 2012, p. 25).
87
entes122, os quais permitem a identificação, imediata e de plano, dos potenciais
elementos indutores para a gênese da chamada “guerra fiscal”, na medida em que
os mesmos apresentam:
i.) a presença de forte dependência, por alguns Estados-membros, de
repasse de recursos da União: identificando que suas receitas próprias,
tributárias ou não tributárias, não são suficientes para a efetivação da sua
autonomia financeira;
ii.) verificação do crescimento das demandas pela oferta de serviços por
parte dos Estados: aguçando a necessidade de maiores investimentos
sociais, como na educação e a saúde, e, consequentemente, maior pressão
sobre as receitas estatais ou distrital; e
iii.) evidenciação da necessidade de uma revisão da política de divisão dos
recursos na federação: apontando para a rediscussão do Fundo de
Participação dos Estados e do Distrito Federal, estabelecido normativamente
pela Lei Complementar nº 62, de 28 de dezembro de 1989.
A partir dessa nota inaugural, chega-se ao quadro de desarranjo no
equacionamento de receitas, recursos e demandas dos entes federativos,
apontando para uma realidade decorrente, na qual a sociedade brasileira demonstra
inequívocos sinais de profunda insatisfação com o sistema tributário atual123.
122 Nesse sentido, o quanto apresentado à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos
Deputados pelo Secretário da Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, em 12 de maio de 2011, a partir
de dados obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE -, com o tema “ICMS e
Federação” (Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/cft/arquivos/apresentacao-sec.-faz.-sp>. Acesso em: 09 mar. 2013). 123 A expressão dessa insatisfação pode ser constatada pelo número de propostas de alteração do
texto constitucional, que, para os limites do ICMS, conta, dentre outras, com a apresentação da PEC
nº 288, apresentada em 28 de fevereiro de 2008, consignando a seguinte ementa: “Simplifica o
sistema tributário federal, criando o imposto sobre o valor adicionado federal (IVA-F), que unificará as
88
De toda sorte, o fato é que a tessitura constitucional, em uma perspectiva
federativa, empreendeu limites demarcatórios à autuação dos entes federativos
subnacionais, como franca manifestação de sua autonomia, determinada pela
soberania constitucional. Portanto, revela-se nosso interesse, diante do manifesto
rompimento dos limites constitucionalmente determinados quando os entes
federativos empreendem concessão de benefícios fiscais à margem dos convênios
interestaduais, o que é, em verdade, manifesta ofensa ao pacto federativo,
encartado na disposição do artigo 155, § 2º, inciso XII, “g” da Constituição da
República Federativa do Brasil.
Inafastável é, portanto, a conclusão de que, na seara de benefícios fiscais do
ICMS, qualquer estipulação promovida unilateralmente, em desrespeito à
determinação do preceito constitucional da necessidade de convênios
interestaduais, que estratificam os limites da autonomia, é reveladora de uma
dinâmica corrosiva do desenho de nosso federalismo na ordem da Constituição da
República.
Por certo, o que se tem em consideração nesse desenho constitucional rígido
do federalismo brasileiro (e diga-se, ainda, com a premissa do federalismo revelar-se
como “cláusula pétrea” na Constituição Federal de 1988, à vista da disposição
combinada dos mandamentos do artigo 1º e do artigo 60, § 4º, inciso I da Carta
contribuições sociais: Cofins, Pis e Cide-combustível; extingue e incorpora a contribuição social sobre
o lucro líquido (CSLL) ao imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ); estabelece mecanismo para
repartição da receita tributária; institui um novo ICMS que passará a ter uma legislação única, com
alíquotas uniformes, e será cobrado no estado de destino do produto; desonera a folha de pagamento
das empresas, acaba com a contribuição do salário-educação e parte da contribuição patronal para a
Previdência Social. Altera a Constituição Federal de 1988. Reforma Tributária” (Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=384954>. Acesso em:
10 mar. 2013).
89
Maior124) é o concerto entre os entes subnacionais, em que se aponta, diante do
mandamento constitucional estampado no artigo 25, caput da Constituição Federal
de 1988, o marco específico para o trabalho, em relação ao “federalismo fiscal”, de
que o limite ao ordenamento desses entes se perfaz na justa medida dos
parâmetros postos pelo corpo constitucional.
Indubitavelmente, o federalismo há que ser verificado como fronteira de
atuação à autonomia, com a manifestação direta da não-cumulatividade própria da
dinâmica do ICMS. Esta não-cumulatividade, por sua vez, em essência, revela-se
como a garantia de compensação de créditos e débitos do imposto, assegurada
constitucionalmente, que tem como objetivo desonerar a cadeia produtiva,
cumprindo a vertente econômica do princípio da livre iniciativa e da livre
concorrência, que se veicula com a neutralidade tributária da tributação, na medida
em que é um valor perseguido pela Constituição com o objetivo de afastar as
distorções provocadas por incidência tributária na organização da atividade
produtiva, com a superposição de cargas tributárias125.
124 Na mesma medida é o que se apreende em Ives Gandra da Silva Martins, numa apreciação
paralela analisando a unanimidade exigida do quórum para a concessão de benefícios do ICMS, mas
em todo aplicável ao federalismo, na medida em que podemos considerar como um de seus
elementos: “A unanimidade exigida para a concessão de incentivos, estímulos ou benefícios fiscais
de todos os Estados e Distrito Federal é, a meu ver, cláusula pétrea constitucional, não podendo ser
alterada nem por legislação inferior e nem por emenda constitucional, por força do § 4º, inciso I, do
artigo 60 da CF/88”. (cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Estímulos fiscais no ICMS e a unanimidade
constitucional. Paulo de Barros Carvalho; Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo : Noeses, 2012, p.
22). 125 Diga-se, nessa mesma linha, que o modelo adotado para o ICMS, no que diz respeito à não-
cumulatividade foi o do “imposto contra imposto”, conforme enuncia Ives Gandra da Silva Martins:
“Não adotou o país, a compensação de base contra base, mas o do imposto contra imposto, em
apuração periódica, conforme determina o artigo 155, § 2º, inciso I, da CF”. (cf. MARTINS, Ives
Gandra da Silva. Estímulos fiscais no ICMS e a unanimidade constitucional. Paulo de Barros
Carvalho; Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Noeses, 2012, p. 2).
90
Assim, concebe-se que as normas constitucionais – que, de sua parte,
impõem disciplina nacional ao ICMS – são preceitos estabelecidos, contra os quais
não se pode fazer oposição a autonomia do ente federativo, na justa medida, que se
configuram, em essência, limitações à mesma. E mais, o rompimento desses limites
constitucionais postos à autonomia é o real instabilizador do pacto federativo,
quando se tem em vista a chamada “guerra fiscal” do ICMS.
Então, tem-se que a regulação de concessão e revogação de benefícios
fiscais por meio de convênios revela-se como ponto de proteção da harmonia
federativa, uma vez que, ao se evitar o regramento desuniforme, prestigia-se, em
contrapartida, a distribuição de competências num Estado Federal, na concepção
própria do federalismo brasileiro126.
Anote-se que a competência tributária e seu exercício, claramente,
transcendem o interesse individual e para o federalismo a outorga da aptidão de
instituir e arrecadar impostos (no caso ICMS) funciona, inegavelmente, como
instrumento para a equalização – garantia de harmonia e equilíbrio -, protegendo a
possibilidade de obtenção de recursos de maneira direta, sem qualquer interferência
de outros entes federados, o que se revela, ainda, como elemento certo do princípio
da segurança jurídica, dotando de certeza e igualdade as relações entre os entes
federativos, bem como na relação com os particulares.
126 Com essa nota de tipicidade do Brasil na adoção de convênios como instrumento para a
concessão de benefícios fiscais do ICMS, mantendo a uniformidade do imposto, tem-se o quanto
analisa Misabel Abreu Machado Derzi, ao promover a atualização da obra de Aliomar Baleeiro: “Essa
invenção brasileira, a dos convênios interestaduais, resulta do princípio da não-cumulatividade do
ICMS e da necessidade, em um Estado Federal, de se evitarem as regras díspares, unilateralmente
adotadas (concessivas de benefícios, incentivos e isenções), prejudiciais aos interesses de uns,
falseadoras da livre concorrência e da competitividade comercial e, sobretudo, desagregadoras da
harmonia político-econômica nacional”. (cf. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder
de tributar. 7.ed. rev. e compl. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 98).
91
De fato, o que resta pronunciado é que diante da inegável constatação de
uma preocupação com o desenvolvimento local, propiciador de geração de emprego
e de renda para o ente federativo, manifestada num cenário de inexistência de uma
política de desenvolvimento regional mais efetiva127, resta, como resultado o espaço
para a adoção de políticas agressivas de atração de investimentos, com o
consequente agravamento da situação de atrito dos sistemas tributários dos
mesmos entes federativos. Aqui são reveladores os prejuízos financeiros, aferidos
na apropriação de parte de substanciosa da receita devida a outros entes
federativos128.
127 Ives Gandra da Silva Martins aponta, historicamente, ainda na gênese do ICM, a razão para que a
União deixasse de praticar políticas regionais de desenvolvimento, conforme a normatização do artigo
21, inciso IX, c/c artigo 170, inciso VII, ambos da CFRB, tornando, ainda, mais acirrada a guerra fiscal
entre os Estados e o Distrito Federal, em evidente, por nós, omissão constitucional: “Sem me
aprofundar nas razões que levaram a esta solução – Gilberto de Ulhôa Canto, um dos pais do atual
sistema, contou-me que Rubens Gomes de Sousa, autor do anteprojeto de CTN, confidenciara-lhe,
durante os trabalhos preparatórios, que, com o “ICM”, iria acabar a guerra fiscal do IVC, imposto
sobre vendas e consignações -, o certo é que o problema da guerra fiscal permaneceu e foi
exacerbado, após a CF/88, quando a União, por ter perdido receita de IPI e de Imposto sobre a
Renda para os Estados e Municípios, deixou de praticar políticas regionais”. (cf. MARTINS, Ives
Gandra da Silva. Estímulos fiscais no ICMS e a unanimidade constitucional. Paulo de Barros
Carvalho, Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo : Noeses, 2012, p. 4). 128 Diga-se que, no que cuida ao tratamento político da “guerra fiscal” do ICMS, tramita no Congresso
Nacional a discussão da Medida Provisória nº 599, de 27 de dezembro de 2012, instituindo alíquotas
simétricas do ICMS, em 4%, para as operações interestaduais, bem como criando o Fundo de
Desenvolvimento Regional pela União, no intuito de dar vazão à sua omissão constitucional. Aponta-
se, contudo, o interesse ainda presente na manutenção de alíquotas do ICMS assimétricas, na
medida de 4% para as operações com o Sul e Sudeste, menos o Espírito Santo, e de 7% para Norte,
Nordeste, Centro-Oeste e o Espírito Santo, conforme audiências públicas conduzidas pela Comissão
de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Nesta medida, com a assimetria de alíquotas proposta,
certamente, a “guerra fiscal” do ICMS, não se esgotará, pois ainda restará espaço para a concessão
de benefícios ou incentivos fiscais à margem da moldura constitucional pelos Estados e Distrito
Federal (Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/opiniaopublica/inc/senamidia/notSena
92
Nessa adoção de políticas agressivas de atração de investimento, a
tributação do ICMS revela-se como instrumento utilizado como “arma de fogo” na
“guerra fiscal” entre os Estados, com sua renúncia no todo, ou em parte, em que os
entes federativos praticantes dessa política disputam novos investimentos, ou
mesmo atraem empresas estabelecidas em outras unidades federadas, mediante a
concessão de benefícios de natureza diversificada, especialmente isenção, redução
da base de cálculo e concessão de crédito presumido de imposto129. Com isso,
numa medida reativa direta, outros Estados, interessados em manter as empresas
nele localizadas, também lançam mão da prática da renúncia fiscal, levando a um
maior nível de atrito das estruturas tributárias.
Aponta-se uma vez mais, à vista do seu caráter nacional, que a concessão de
benefícios fiscais do ICMS encontra tratamento rígido no ordenamento jurídico
pátrio. Assim, a Constituição fixa os parâmetros para a concessão de tais benefícios
por parte das unidades federadas – Estados e Distrito Federal130 -, remetendo para a
Lei Complementar a disciplina do enunciado constitucional. Por sua vez, a Lei
Complementar nº 24/75, recepcionada pela Constituição Federal de 1988131, exige
midia.asp?ud=20130320&datNoticia=20130320&codNoticia=814263&nomeParlamentar=Lindbergh+F
arias&nomeJornal=Valor+Econ%C3%B4mico&codParlamentar=3695&tipPagina=1>. Acesso em: 23
mar. 2013). 129 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS Teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 274-
275. 130 Relembra-se que a disposição do artigo 155, § 2º, inciso XII, “g” da Constituição Federal de 1988,
determinando que à lei complementar cumpre regular como, mediante deliberação dos Estados e do
Distrito Federal, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. 131 Por todos, aponta-se remoto julgado do Supremo Tribunal Federal, na ADI 2157-5/BA, j.
28/06/2000, da relatoria do Min. Moreira Alves, em que, diante da disposição do artigo 34, § 8º da
Constituição Federal de 1988, reconhece-se a recepção da LC nº 24/75. Acresça-se que, mais
recentemente, podemos colacionar a decisão proferida na ADI 2549/DF, julgamento em 01 de junho
de 2011, do Tribunal Pleno do STF, na relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, reconhecendo que a
regulamentação da forma pela qual os Estados e o Distrito Federal implementaria o ditame
93
que a concessão ou a revogação de isenções, benefícios ou incentivos fiscais
ocorram por meio de deliberação, com a aprovação unânime dos entes federados.
Tal deliberação resulta na celebração de convênios que autorizam os Estados e o
Distrito Federal a ratificarem, ou não, os convênios celebrados no âmbito do
CONFAZ132.
De sua parte, ainda, a LC nº 24/75133 prevê as sanções ao desrespeito a seus
preceitos, acarretando, cumulativamente, a nulidade do ato e a ineficácia do crédito
fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria, à exigibilidade do
imposto pago ou devolvido e à ineficácia da lei que concedeu o benefício ou isenção
irregular. Aqui se encontram presentes os verdadeiros pressupostos do cometimento
de sanções aos agentes políticos representantes dos entes federados que oferecem
os benefícios ou incentivos fiscais inconstitucionais, que ainda podem incorrer, em
tese, em crime de responsabilidade, improbidade administrativa ou ressarcimento de
danos ao erário, podendo mesmo ser alvo de ações populares ou ações civis
públicas134.
constitucional do artigo 155, § 2º, inciso XII, “g” da Constituição Federal de 1988 estaria contida nas
disposições da LC nº 24/75. 132 O artigo 2º, § 2º da LC 24/75 determina que a concessão de benefícios dependerá sempre de
decisão unânime dos entes federativos. 133 Cf. artigo 8º da LC nº 24/75. 134 Nesse sentido, destaca-se a notícia, datada de 08 de maio de 2012, apresentada pela Federação
Nacional do Fisco Estadual e Distrital – Fenafisco -, apontando que o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios ingressou com mais de seis centenas de ações judiciais – especialmente, ações
civis públicas – questionando acordos da “guerra fiscal” estabelecidos entre o governo distrital e
empresas atacadistas no que se refere a benefícios do ICMS, por meio dos chamados “Tares” (Termo
de Acordo de Regime Especial): “O Ministério Público do Distrito Federal (MP-DF) entrou com mais
de 600 ações judiciais contra empresas atacadistas e o governo do DF, pedindo a devolução de R$ 8
bilhões em créditos de ICMS concedidos de 2000 a 2008, dentro do programa de incentivos fiscais
conhecido como Tare (Termo de Acordo de Regime Especial). A quantia, calculada em 2008, hoje
chegaria a um valor corrigido de R$ 9,5 bilhões”. (Disponível em:
<http://www.fenafisco.org.br/VerNoticia.aspx?IDNoticia=19184>. Acesso em 12 mar. 2013). À toda
94
Resultam, ademais, em grave ônus aos contribuintes do imposto, que figuram
no polo de adquirentes das mercadorias ou serviços gravados com a renúncia fiscal
concedida por parte dos entes federativos onde estão situados os remetentes das
mercadorias, pois é fato que seus créditos podem não ser reconhecidos pelas
Administrações Tributárias dos Estados-membros destinatários e, como tal, fica
presente uma inegável insegurança jurídica nessas relações.
Em suma, resta presente a situação paradoxal, pois, se de um lado, a criação
de benefícios fiscais do ICMS apresentaria como razão fundante o apelo
desenvolvimentista, por outro, a glosa desses mesmos créditos indevidamente
concedidos, traz insegurança jurídica para os investidores.
3.2.2. Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e
do momento exacional da Administração Tributária Paulista
A “guerra fiscal”, portanto, pode ser resumida na tensão formulada no pacto
federativo, com o atrito dos sistemas tributários dos entes federativos, em seu
acoplamento constitucional, por uma parte, a partir da concessão unilateral de
incentivos ou benefícios fiscais pelos Estados ou pelo Distrito Federal, à margem da
Constituição Federal, com o intuito de atrair investimentos; e, por outra parte,
gerando a retaliação de outros entes federativos, que se perfaz seja com a lavratura
de autos de infração e imposição de multas aos contribuintes135 (em glosa unilateral
evidência, parece-nos, nesta linha, guardar espaço para tipificação do quanto previsto no art. 10, VII,
da Lei nº 8.429/92(Lei de Improbidade Administrativa), uma vez que configura ato de improbidade
administrativa, causador de prejuízo ao Erário, a concessão de benefício fiscal sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie, qual seja, em desalinhamento com a
estipulação normativa da LC nº 24/75. 135 Cuida-se do chamado momento exacional que, em regra, encontra-se em alinhamento com o
positivismo, contudo, como já dito, apresenta em seus contornos a aplicação subjacente e mediata,
95
pelos entes federativos prejudicados), ou, de modo alternativo diverso, batendo às
portas do Judiciário136, almejando a retirada do ordenamento da medida que
concedeu o benefício inconstitucional.
Nesses termos, tudo isso levado em consideração, faz, ainda, com que se
revele mais consistente, como norma jurídica, e, portanto, geradora de expectativas
normativas contrafáticas, na dicção própria de Luhmann, a proibição de benefícios
fiscais obtidos sem a deliberação dos entes federativos no CONFAZ, com a
recondução da Federação ao cumprimento da ordem constitucional e ao equilíbrio
federativo, pela judicância do Supremo Tribunal Federal, à vista do sem número de
precedentes no sentido do óbice à produção de benefícios ou incentivos fiscais à
margem do preceito constitucional.
Aponta-se, de maneira inequívoca, frente ao expressivo número de ações em
sede de controle concentrado junto ao Supremo Tribunal Federal, que a “guerra
fiscal” continua presente na pauta da discussão judicial e remota revela-se, ainda, a
sua solução, retratando, em última instância, um problema de tutela jurídica do
federalismo brasileiro. Diante desse marcante litígio, emerge, ainda, mais um campo
para a tentativa do reequilíbrio federativo, na conformidade do anúncio de uma
uma vez que concretizada pela legislação própria, do quanto produzido pelo Poder Judiciário, por
suas decisões judiciais, conforme o neopositivismo. 136 Aponta-se que a repulsa pelo Supremo Tribunal Federal pela chamada “guerra fiscal” do ICMS
atingiu seu ápice em 1º de junho de 2011, quando numa só sessão do Pretório Excelso foram
rechaçadas 14 disciplinas normativas estaduais, à margem do CONFAZ. Foram julgadas nesta data
as ADIs: ADI 2906/RJ; ADI 3674/RJ; ADI 2376/RJ; ADI 3413/RJ; ADI 3664/RJ; ADI 4457/PR; ADI
3794/PR; ADI 2688/PR; ADI 3803/PR; ADI 1247/PA; ADI 2352/ES; ADI 3702/ES; ADI 4152/SP e ADI
2549/DF. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28
adi%29%28%40JULG+%3D+20110601%29&pagina=1&base=baseAcordaos>. Acesso em: 24 out.
2012).
96
proposta de súmula vinculante, cuidando em específico do assunto137, a par mesmo
da possibilidade de glosa dos créditos de maneira unilateral pelo ente federativo
prejudicado (na acepção neopositivista do direito, que colhe na jurisprudência uma
resposta à necessidade de atendimento da expectativa normativa).
Com essa leitura de evidente repulsa judiciária pela “guerra fiscal”,
apresentamos a posição de que a Administração Tributária pode, de modo unilateral,
promover a glosa de créditos tributários do ICMS à margem da Constituição da
República.
Isso representa, portanto, a adoção de uma posição oposta à encontrada por
parte da doutrina, como a que se faz presente, na doutrina de Marco Aurélio Greco,
que, a partir de um conceito próprio de solidariedade de Federação aplicável ao
Brasil, entende pela exclusividade do Poder Judiciário para promover o bloqueio da
eficácia de normas produzidas por entes federativos que geram benefícios fiscais do
ICMS irregulares, sob pena de agressão ao próprio pacto federativo138. Colaciona-
se, no ponto, o quanto cuidado por essa doutrina:
137 Em 24 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal publicou o edital de Proposta de Súmula
Vinculante nº 69, na tentativa de por fim à “guerra fiscal” travada entre os entes da Federação,
mediante a concessão unilateral de incentivos fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia autorização do
Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). O texto da Súmula Vinculante proposta pelo
Ministro Gilmar Mendes reproduz, no essencial, a Lei Complementar nº 24/75, dispondo o seguinte:
“Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa
de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em
convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional” (Disponível:
<http://s.conjur.com.br/dl/edital-sumula-vinculante-guerra-fiscal.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2013). 138 Alerta-se para a crítica pronunciada, e nos limites de nossa apreensão, por Paulo de Barros
Carvalho, para quem o “pacto federativo” nasce, antes, com a própria Constituição, não havendo se
falar num momento próprio, diverso e anterior para sua deliberação e, ainda, em sua precisa
apreciação, “a Federação é historicamente condicionada”. (conforme Conferência de Abertura
proferida durante o XXVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário – Tributação e Federalismo. São
Paulo, 17 de outubro de 2012).
97
A Constituição Federal consagra uma Federação solidária em que todos os
Estados estão em posição de igualdade, o que impede sejam adotados atos
unilaterais de bloqueio ou neutralização da eficácia da legislação alheia. O
Poder Judiciário é a Instituição Nacional competente para editar decisões
que inibam a eficácia de quaisquer leis ou atos normativos estaduais. Antes
do seu pronunciamento em ação proposta pelo Estado que se julgar afetado
(ADI ou ACO), qualquer ato unilateral estadual que impute à legislação
alheia a pecha de violadora da Constituição ou da LC n. 24/75 agride o
Pacto Federativo139.
Diga-se, ainda, sem maiores diferenças, que o mesmo pode ser aferido na
doutrina de Paulo de Barros Carvalho, caminhando pela pauta do pacto federativo e
da autonomia dos entes federativos, além dos direitos e garantias fundamentais dos
contribuintes, o que levaria à configuração da usurpação da competência do Poder
Judiciário, com a glosa unilateral empreendida pelo ente federativo prejudicado. Eis
a sua conclusão:
Do contrário, estar-se-ia legitimando a utilização de coerção para a
cobrança de tributos que não são da competência do Estado destinatário
da mercadoria. Com isso ter-se-ia, também, a exigência de ICMS pelo
Estado destinatário, sem que fizesse jus a ele, nos termos
constitucionalmente prescritos, em detrimento, portanto, dos direitos
arrecadatórios do estado de origem do bem. E tudo isto implicaria flagrante
violação ao pacto federativo e à autonomia dos entes tributantes, sem falar
nos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes140.
Levando-se em conta a fundamentação teórica de nosso estudo, não se pode
139 GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Glosa unilateral de créditos por operações interestaduais – a
posição do Estado de São Paulo – Lei estadual n. 6.374/89 e Comunicado CAT n. 36/2004 –
Necessidade de prévio acesso ao Poder Judiciário. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo:
Dialética, n. 148, 2008, p. 131. 140 CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal : reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito
do ICMS. Paulo de Barros Carvalho; Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo : Noeses, 2012, p. 82.
98
negar que, ao longo do trabalho a que nos propusemos, de acordo com uma
perspectiva neopositivista de complementaridade, sobretudo ao lançarmos os
capítulos iniciais, a jurisprudência e os princípios revelam-se como fonte primária de
normatividade, em torno dos quais gravitam direitos, garantias e, enfim,
competências constitucionais.
Enfatiza-se com esse recorte epistemológico, portanto, a atuação
principiológica na conformação de normas jurídicas (na conformidade da “equação”
antes apontada, em que se mostra que a norma jurídica pode ser tida como o
resultado destas variáveis: jurisprudência, interpretação e lei), numa dinâmica
iterativa de retroalimentação entre a jurisprudência constitucional, localizada nos
julgados constitucionais cuidando da “guerra fiscal” do ICMS, e a legislação
infraconstitucional estadual ou distrital, na construção final da norma jurídica, na
acepção neopositivista, habilitadora, portanto, na exata medida da expectativa
normativa, que efetivamente se consubstancia em norma, na forma de lei ordinária e
vincula a Administração Tributária, ao fim, na promoção legítima da glosa unilateral
dos créditos do ICMS, originados à margem da Constituição141.
141 No que diz respeito à legitimidade da glosa unilateral dos créditos do ICMS, à margem do
CONFAZ, resta necessário o ingresso na apreciação do que se concebe, segundo o princípio da
não-cumulatividade do ICMS, de crédito constitucionalmente garantido, construído com base na
disposição constitucional do artigo 150, inciso I, da Constituição da República. Ou seja, o
destinatário da mercadoria ou bem só faz jus ao direito de crédito daquilo que, na operação anterior,
tenha sido, de fato, cobrado, expurgando as inconstitucionalidades dos benefícios ou incentivos
fiscais. Nessa medida, parece-nos subsidiar, ainda, a Administração Tributária, na promoção da
glosa de créditos de maneira unilateral, o regramento presente no Código Tributário Nacional, em
específico em seu artigo 149, VII, que pode ser lido da seguinte forma: a Administração Tributária
deve efetuar o lançamento de ofício, uma vez que se encontra presente, e comprovada, a fraude na
ação do sujeito passivo (fraude esta concebida na forma da disposição do artigo 72 da Lei nº
4.502/64), pois o aproveitamento de crédito à margem do CONFAZ revela-se como a aquisição de
um benefício fiscal indevido, ou seja, a fraude fiscal, assim aferida, nada mais é do que uma
conduta ilegítima tipificada que objetiva a obtenção indevida de uma vantagem (traduzida, aqui, no
99
Imprime-se assim, por sua vez, uma nota nova da natureza jurídica das
decisões judiciais, enquanto preceito normativo, veiculando, certamente, conteúdo
geral e abstrato, ao menos ao gerar expectativas de direito a seus destinatários142,
benefício fiscal à margem do CONFAZ). É justamente com essa interpretação que apreendemos o
quanto julgado pelo Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário RE 463.079/MG, que em
suas razões entendeu como válida a ação fiscal estadual no sentido de vedação de créditos
oriundos da propalada “guerra fiscal”, não tangenciando, em qualquer sentido, da necessidade de
prévio controle concentrado de constitucionalidade da norma que promoveu o benefício fiscal à
margem do mandamento constitucional, com a tradução do quanto se concebe por “crédito
constitucionalmente garantido”: “Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a e c da
Constituição) interposto de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
que considerou válida a anulação de créditos relativos à não-cumulatividade do Imposto sobre
Operações de Mercadorias e Serviços [...] Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a
concessão dos benefícios fiscais de isenção ou de redução da base de cálculo implica o
reescalonamento dos créditos tributários gerados para o adquirente da mercadoria ou do serviço
(RE 174.478-EDcl, rel. min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2008, DJe-097 DIVULG
29-05-2008). O mesmo modelo se aplica às operações interestaduais (cf. o RE 596.469, rel. min.
Cármen Lúcia, DJe 45 de 09.03.2009 e o RE 423.658-AgR, rel. min. Carlos Velloso, Segunda
Turma, julgado em 22/11/2005, DJ 16-12-2005). Ademais, o valor do crédito constitucionalmente
garantido ao adquirente sofre a influência de eventuais benefícios concedidos ao contribuinte que
dá saída à mercadoria ou que presta o serviço. [...] Questão insuscetível de ser solucionada sob
invocação do princípio em causa, que, diferentemente do que entende a Recorrente, visa tão-
somente a assegurar a compensação, em cada operação relativa à circulação de mercadoria, do
montante do tributo que foi exigido nas operações anteriores, seja pelo próprio Estado, seja por
outro, de molde a permitir que o imposto incidente sobre a mercadoria, ao final do ciclo produção-
distribuição-consumo, não ultrapasse, em sua soma, percentual superior ao correspondente à
alíquota máxima prevista em lei, relativamente ao custo final do bem tributado. Havendo, no caso,
sido convertido em incentivo o tributo que deveria ser recolhido pelo vendedor da matéria-prima, e
fora de dúvida que a inadmissão do crédito, no Estado de destino, não afeta a equação acima
evidenciada. Recurso não conhecido.” (grifei - RE 109.486, rel. min. Ilmar Galvão, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 31/03/1992, DJ 24-04-1992). Dessa orientação não divergiu o acórdão
recorrido”. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%
28RE%24%2ESCLA%2E+E+463079%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyur
l.com/afaqooq>. Acesso em: 15 mar. 2013). 142 No ponto, a aferição empreendida por Renato Lopes Becho diante do novo papel assumido pela
jurisprudência: “Estamos, com isso, afirmando que as decisões judiciais não são, apenas, individuais
e concretas. Elas agem como elementos interpretativos, como textos gerais e abstratos, nos mesmos
termos que as leis. Elas criam expectativas de direito”. (As alterações jurisprudenciais diante das
100
que, nesse caso, materializa-se pela Administração Tributária, mediatamente, e ao
próprio Poder Legislativo, de modo imediato, recebendo as influências da
normatividade emanada pelo Poder Judiciário, vertendo-as em legislação
ordinária143.
Em síntese, especificamente para o caso da “guerra fiscal” do ICMS, temos
que o legislador ordinário estadual ou distrital recebe a jurisprudência assentada
pelo Supremo Tribunal Federal como irritação ou perturbação (input para o sistema
jurídico subnacional). E assim o faz, à vista do quanto apreendemos da concepção
luhmanniana de sistemas, a qual posiciona mencionado legislador na periferia do
sistema jurídico, sendo estimulado por esta reiterada jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal144, no sentido de declarar como inconstitucionais as normas
fontes do direito tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 188, maio
2011, p. 115). 143 Por todos, trazemos a obstação ao crédito promovido pela Lei Ordinária Paulista nº 6.374/89: “Art.
36 - O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é não-cumulativo,
compensando-se o imposto que seja devido em cada operação ou prestação com o anteriormente
cobrado por este, outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativamente à mercadoria entrada ou à
prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em
situação regular perante o fisco. § 3° - Não se considera cobrado, ainda que destacado em
documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da
concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou
benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da
Constituição Federal”. 144 É certo que estamos cientes da discussão atual em que se debruça o Supremo Tribunal Federal
em relação à “guerra fiscal” do ICMS, materializada na sua manifestação pela presença de
repercussão geral no RE 628.075/RS, na relatoria do Min. Joaquim Barbosa, julgado em 13 de
outubro de 2011, cuja ementa se apresenta: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. GUERRA
FISCAL. CUMULATIVIDADE. ESTORNO DE CRÉDITOS POR INICIATIVA UNILATERAL DE ENTE
FEDERADO. ESTORNO BASEADO EM PRETENSA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL
INVÁLIDO POR OUTRO ENTE FEDERADO. ARTS. 1º, 2º, 3º, 102 e 155, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. ART. 8º DA LC 24/1975. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO
GERAL DA MATÉRIA”, cuja decisão final, de modo inegável, poderá resultar em nova irritação
101
daqueles entes federativos que concedem benefícios fiscais, à margem das balizas
da Constituição da República.
Assim, a atuação desse legislador subnacional caminha no sentido de
promover a recepção, em primeiro filtro, a partir da mencionada irritação
jurisprudencial, internalizando-a, então, na forma de lei ordinária, que passa a dispor
sobre a glosa unilateral de créditos do ICMS inconstitucionalmente originados,
visando reger comportamentos futuros, já que os comportamentos passados se
encontram regidos pelas decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal, cuidando
da matéria (veja-se o quanto diagramado através da Figura ilustrativa 1,
apresentada acima, à p. 82 do presente trabalho).
Portanto, essa continuidade temporal das expectativas normativas – passado
e futuro – da regência dos comportamentos, na forma de óbice ao creditamento do
ICMS, inequivocamente, é um tributo à segurança jurídica do sistema jurídico.
3.3. Do processo administrativo tributário paulista e do
“limitado” diálogo das fontes no momento pré-exacional
Na linha da proposta de nossa abordagem analítica dos efeitos das decisões
judiciais sobre a legislação estadual, passamos a analisar, neste segundo momento,
o conjunto normativo paulista relacionado com o seu contencioso administrativo
jurisprudencial para os legisladores estaduais e distrital, conforme se concebe por suas relações. Na
extensão do quanto se analisa, na medida mesma de nova irritação jurisprudencial, é o que se
apreende do recente decreto paulista – Decreto nº 58.918, de 27 de fevereiro de 2013 -, passando a
vigorar o artigo 496-C do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, com redação objetivando o
recolhimento da diferença do ICMS nas operações interestaduais destinadas à contribuinte paulista,
beneficiadas ou incentivadas em desacordo com o disposto na alínea "g" do inciso XII do § 2º do
artigo 155 da Constituição Federal, trazendo, para tanto, regulamentação própria. (Disponível em:
<http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtrib
ut>. Acesso em: 14 mar. 2013).
102
tributário, especificamente no que diz respeito à figura recursal própria da “reforma
de julgado administrativo”, estruturada nas disposições normativas dos artigos 50 e
51 da Lei Estadual nº 13.457/09145.
Relembra-se que as reformas estruturais que vêm sendo introduzidas no
direito processual civil procuram traduzir, de modo imediato, a maior segurança
jurídica e a celeridade no processo decisório, implantando uma evidente
característica de vinculatividade entre as decisões dos tribunais superiores e as
demais instâncias judicantes do Poder Judiciário, indicando uma tendência de
objetivação das lides, resultando, por fim, numa atividade jurisdicional que
transcende os interesses das partes.
É, dessa forma, com esse conjunto de pressupostos (segurança jurídica,
celeridade e objetivação da lide), que dão sustento, atualmente, aos recursos
especiais repetitivos na órbita de atuação do Superior Tribunal de Justiça – STJ – e
aos recursos extraordinários, dotados de repercussão geral, na órbita própria de
atuação do Supremo Tribunal Federal – STF -, e o mesmo seja dito, ainda, para as
145 Vejam-se as disposições normativas de interesse, presentes na Lei Estadual Paulista nº 13.457,
de 18 de março de 2009, que, em sua Seção IV, cuida especificamente do recurso administrativo
“reforma de julgado administrativo”: “Artigo 50 - Cabe reforma da decisão contrária à Fazenda Pública
do Estado, da qual não caiba a interposição de recurso, quando a decisão reformanda: I - afastar a
aplicação da lei por inconstitucionalidade, observado o disposto no artigo 28 desta lei; II - adotar
interpretação da legislação tributária divergente da adotada pela jurisprudência firmada nos tribunais
judiciários. Artigo 51 - A apresentação do pedido de reforma, no prazo de 60 (sessenta) dias, cabe à
Diretoria da Representação Fiscal, mediante petição fundamentada dirigida ao Presidente do Tribunal
de Impostos e Taxas, o qual exercerá o juízo de admissibilidade. § 1º - Admitido o pedido de reforma,
será intimada a parte contrária para que responda no prazo de 30 (trinta) dias. § 2º - Findo esse
prazo, com ou sem apresentação de resposta, o processo será distribuído a juiz designado relator,
que terá 30 (trinta) dias para encaminhá-lo à Câmara Superior para decisão. § 3º - O pedido de
reforma poderá ser apresentado por meio eletrônico, conforme dispuser o regulamento. (Disponível
em: <http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_tit:vtit>.
Acesso em: 08 mar. 2013).
103
súmulas vinculantes; ou, tomando em referência o futuro, as disposições do
anteprojeto do Código de Processo Civil apresentado ao Senado Federal,
anteriormente apontado.
Enfim, precisamente, entendemos que as decisões judiciais, resultantes
dessas referidas novas modalidades recursais do processo civil, são enquadráveis
como uma forma de adoção de “jurisprudência firmada” nos tribunais judiciários. Por
sua vez, essa expressão destacada de “jurisprudência firmada” serve de suporte, na
condição de pressuposto procedimental objetivo, à interposição da reforma de
julgado administrativo (que se cuida de uma espécie recursal administrativa própria
da Fazenda Pública), presente no artigo 50, inciso II da Lei Estadual paulista nº
13.457/09.
Assim, a reforma de julgado administrativo, presente no contencioso
administrativo tributário paulista, revela-se como porta de entrada para a
jurisprudência judicial146. Ou seja, a mesma reforma de julgado administrativo
estratifica um possível diálogo entre a seara judicial e a administrativa - próprio do
quanto podemos conceber na perspectiva da teoria do diálogo das fontes.
146 No ponto resta de interesse relembrar, com Aldo de Paula Junior, com referência ao contencioso
administrativo tributário, que sob o ponto de vista lógico, o ato administrativo e o ato jurisdicional
apresentam a mesma estrutura lógica, e que o julgador administrativo tributário, no exercício da sua
função judicante, lastreada nas garantias constitucionais processuais, verifica, em essência, a
validade do ato administrativo submetido a julgamento. Assim, o que se tem ao final é que a atividade
judicante administrativa não pode se confundir com a atividade que constitui o crédito tributário, vez
que seu fundamento de validade de competência é diverso, mesmo que sejam manifestações de uma
única pessoa jurídica de direito público interno. (cf. A prescrição intercorrente no processo
administrativo tributário - Extinção do crédito pelo decurso do prazo sem a conclusão do processo
administrativo?. In: Paulo de Barros Carvalho, Priscila de Souza. (Org.). VI Congresso Nacional de
Estudos Tributários do IBET - Sistema Tributário e a Crise. São Paulo: Editora Noeses, 2009, p. 40).
104
Ressalta-se, contudo, que essa dialogia possível parece-nos apresentar-se
como limitada147, pois mantém ausente o elemento da reciprocidade, uma vez que a
solução emanada pela decisão judicial atua sobre a decisão administrativa a ser
produzida, sem a possibilidade de adoção do caminho inverso, ou seja, da influência
da decisão administrativa sobre a judicial. Resta, por outro lado, para essa dialogia,
o elemento da complementaridade, uma vez que o quanto decidido na sede judicial
complementa a decisão administrativa, em sua razão de decidir.
E, mais, a mencionada complementação promove, ainda, uma maior
pluralização do debate das decisões administrativas, na medida em que traz a
sedimentação promovida pelo Poder Judiciário em seu controle dialético sobre a
matéria, retomando-o, o que torna mais evidente a sua legitimação, na medida em
que terá maior efetividade na composição da lide. Ou por outras palavras: uma vez
que o quanto decidido administrativamente suporta-se nas mesmas razões de
decidir presentes nas decisões judiciais, as partes tenderiam à maior pacificação,
pois não encontrariam diferença final de resultado ao submeterem, com o término do
procedimento administrativo tributário, seu pleito à apreciação judicial.
147 O que apresentamos, portanto, é uma forma de diálogo das fontes “limitada”, e a justificamos, uma
vez que, de acordo com o preceito normativo da reforma de julgado administrativo, pautamo-nos na
complementaridade da influência entre a jurisprudência firmada pelo Judiciário, entendida, como
norma jurídica, sobre a decisão a ser produzida por ato da Administração Tributária, e não em termos
de reciprocidade. Por sua parte, a teoria do diálogo das fontes, em sua maior extensão, foi
introduzida no Brasil pelo trabalho doutrinário, notadamente consumerista, de Claudia Lima Marques,
fundamentado na teoria de Erik Jayme, sendo traduzida como uma técnica de coordenação entre
fontes legais, resultante de influências recíprocas, na medida em que há a aplicação conjunta de
normas diversas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, de maneira complementar ou subsidiária, ou
mesmo por opção voluntária das partes interessadas em razão da fonte prevalente ou através, ainda,
da opção por uma das leis em conflito abstrato. (cf. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio
Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 25-26).
105
Podemos, assim, sumarizar a dinâmica do momento pré-exacional na
produção da norma pelo legislador paulista com a seguinte figura ilustrativa:
Figura ilustrativa 3: Fluxo representativo da teoria do diálogo das fontes "limitada": unidirecionalidade
da complementação da decisão judicial sobre a decisão administrativa, diante da determinação da Lei
do Processo Administrativo Tributário Paulista. A internalização da proximidade da ética e do direito
no processo administrativo tributário.
Esse momento pré-exacional, materializado na Lei 13.457/09, em específico
com a criação da figura recursal administrativa da reforma de julgado administrativo,
que reproduz, na revisão do lançamento tributário, e no âmbito, portanto, da
judicância administrativa do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo – TIT -, a
proximidade entre a ética e o direito construída nas instâncias dos tribunais
superiores do sistema jurídico brasileiro, internalizando-a, através do fluxo
representativo desse aferido diálogo das fontes “limitado”.
Nesta linha, podem os dispositivos do contencioso administrativo, segundo a
leitura neopositivista, ser alinháveis com a ordem dos princípios, notadamente com
os da segurança jurídica – no justo passo da previsibilidade de todo o ordenamento
jurídico -; da igualdade – na medida de sua consideração material; da eficiência – na
consideração da relação entre meios e resultados auferidos -; da celeridade – uma
vez que traz, para o contencioso tributário, relações já decididas na seara judicial,
106
com possível eliminação de fases processuais –; e da praticabilidade – na sua
medida de consideração como modo simplificado de execução da lei. É certo, ainda,
que essa aferição da expressão será mais tratada a seu devido tempo, neste estudo.
3.3.1. Das recentes reformas processuais civis –
breves notas
Situadas as reformas do processo civil atualmente em vigor, que introduziram
o recurso especial repetitivo e o recurso extraordinário dotado de repercussão geral,
como projetoras de expectativas normativas, diante de seu julgamento, faz-se
necessário percorrer, internamente, a composição de suas normas de regência,
ainda, com vistas à consolidação da ideia de sua vinculatividade, no viés de
generalidade e abstração.
Assim, de antemão, acena-se que a regência dos recursos especiais
repetitivos e recursos extraordinários dotados de repercussão geral teve origem nas
leis, respectivamente, nº 11.672 de 2008, que acrescentou ao Código de Processo
Civil o artigo 543-C, e nº 11.418 de 2006, que introduziu os artigos 543-A e 543-B,
ao mesmo código.
De modo inegável suas razões de introdução no nosso ordenamento, mais do
que uma notável aproximação com o sistema de tradição anglo-saxônica, devem-se
ao esforço de se trazer ao ordenamento a segurança jurídica, impedindo que
determinada causa obtivesse, ao final, decisão distinta ao longo da estrutura judicial,
certamente, voltando-se de modo claro, à vista do direito econômico, em certezas
mínimas para o investimento nacional. Também resta notável, com a introdução das
107
referidas figuras recursais148, a objetivação da discussão de suas lides, sobretudo
quando se tem em vista a possibilidade de intervenção da figura do “amicus
curae”149, presente em suas normas de regência.
Nesse diapasão – de análise normativa interna – resta apurar se as decisões
no âmbito da decisão dos referidos recursos poderiam ser representativas de
jurisprudência firmada150. Aqui, por jurisprudência firmada, portanto, vai se ter por
significado aquela que é firme, não cambiante, não flutuando ora num sentido, ora
no outro, é aquela que contenha o entendimento do tribunal, não sendo, portanto,
suscetível de suscitar conflito de interpretação dentro do próprio órgão de
julgamento.
148 Cassio Scarpinella Bueno identifica a discussão da inconstitucionalidade em torno das regras
relativas ao tratamento dos recursos especiais repetitivos, colocados no Código de Processo Civil,
apontando que a sua introdução ocorreu sem a anterior e “indispensável” aprovação de Emenda
Constitucional – em específico a de nº 358/2005. Contudo, em passo seguinte, assume linha
argumentativa de superação da possível inconstitucionalidade, pautando-se na razão de cuidar-se de
uma questão de processamento do recurso especial repetitivo, nos moldes do verbete de súmula nº
83 do Superior Tribunal de Justiça. Então, o próprio autor: “Assumida esta linha argumentativa, ficaria
descartada qualquer pecha de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 11.672/2008, na exata medida
em que a nova disciplina legal não diria respeito ao cabimento do recurso, mas, apenas e tão-
somente, ai seu processamento, legitimando, consequentemente, a aplicação da nova disciplina
legislativa nos processos”. (Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 5: recursos, processos
e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 4.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 271-272). 149 Na consideração de Marinoni e Mitidiero, a presença dos “amici curae”, tanto na sede do recurso
extraordinário com repercussão geral, como do recurso especial repetitivo, tem a nítida finalidade “de
que seja mais aberto e plural o juízo” a respeito da existência da repercussão geral ou da
controvérsia federal (cf. MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil
comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 568 e 572). 150 Para os limites deste trabalho, é necessário pontuar que jurisprudência “firmada” ou “consolidada”
são entendidas como sinonímias, justificando-se que aquela última expressão foi a selecionada pelo
legislador paulista, ao delinear um dos pressupostos objetivos da reforma de julgado administrativo,
presentes no artigo 50 da Lei nº 13.457/09, como adiante será visto.
108
No que diz respeito aos recursos especiais repetitivos, é justamente com esta
conotação de jurisprudência firmada que se pode apreender a norma presente no §
7º, do artigo 543-C do CPC151 – por haver multiplicidade de recursos com
fundamento em idêntica questão de direito – uma vez que ao disciplinar o
alinhamento com a decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida na decisão de
recurso especial repetitivo, com o recurso sobrestado na origem, evidencia-se a
vinculatividade, seja denegando-lhe o seguimento, no caso em que a decisão do
STJ e do tribunal de origem coincidirem, seja para o caso de novo exame, por outro
lado, quando as decisões entre os tribunais revelarem-se, ao final, divergentes.
No que se refere aos recursos repetitivos, ainda, de outro modo, aguardar que
o Superior Tribunal de Justiça edite uma súmula para que se marque a sua
jurisprudência como firmada revelar-se-ia, ao final, um criticável equívoco, pois a
existência de um recurso especial repetitivo, cuidando de determinada matéria, fixa
a orientação a ser seguida pelo próprio tribunal152 do qual emana essa decisão, e
das instâncias inferiores, que inviabilizam qualquer outra interpretação da matéria153.
151 A redação do artigo apontada: “Artigo 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com
fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste
artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
[...]
§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na
origem: (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do
Superior Tribunal de Justiça; ou (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir
da orientação do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)”. 152 Reconhece Cassio Scarpinella Bueno a objetivação presente na figura do recurso especial
repetitivo, na mesma consideração que pode ser concebida para o recurso extraordinário dotado de
repercussão geral, justificada, ainda, na jurisprudência da própria Corte Especial do Superior Tribunal
de Justiça, em específico diante judicância da questão de ordem no REsp 1.063.343/RS, em que se
decidiu pela inviabilidade da desistência do recurso especial, após a sua seleção para ser julgado no
rito dos repetitivos. No ponto, comungamos do entendimento promovido por Cassio Scarpinella
109
O mesmo pode ser dito, ainda, no que diz respeito aos recursos
extraordinários dotados de repercussão geral, por certo, com as adaptações que se
fizerem necessárias, uma vez que, com essa modalidade recursal, tem-se uma
evidente aproximação dos modelos de controle de constitucionalidade concentrado e
difuso, com eficácia “erga omnes”, tomando importância a concepção que se pode
ter da expressão “repercussão geral”154.
Assim, para os fins próprios da reforma de julgado administrativa prevista na
legislação do contencioso administrativo tributário paulista, diante do inegável rigor
associado aos procedimentos próprios, tanto no âmbito dos recursos especiais
repetitivos ou recursos extraordinários dotados com repercussão geral, resta certo,
em suficiência, o atendimento de pressuposto de jurisprudência firmada, bem como
o de se tornar viabilizador de expectativas normativas aos destinatários das
decisões, em objetivação, generalidade e abstração.
Bueno, em crítica a tal decisão, em evidente nota, para nós, de “racionalização da atividade
jurisdicional”, vez que se poderia encontrar a convergência dos interesses privados e públicos no
processo, acolhendo-se, assim, a desistência recursal, por um lado, introduzindo o trânsito em
julgado para as partes; e, por outro lado, em atendimento à sistemática do recurso especial repetitivo,
com a escolha de outro recurso para decisão e a decorrente fixação da tese jurídica aplicável. (cf.
Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 5: recursos, processos e incidentes nos tribunais,
sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 272). 153 Tal a envergadura do recurso especial repetitivo que ele pode afastar a aplicação de súmula, é o
que se viu do julgamento do REsp 871.760/BA, que acabou por afastar o verbete da antiga súmula de
nº 71 do e. STJ, a partir 01 de maio de 1999, não havendo, portanto, como deixar de lado o
entendimento de que as decisões tomadas com base no procedimento próprio do artigo 543-C
representam jurisprudência firmada. 154 Em notas gerais, entende-se por “repercussão geral” quando a causa constitucional apresentar-se
com relevância e transcendência, aquilatada do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico,
em perspectiva qualitativa ou quantitativa, a cargo exclusivo de aferição pelo Supremo Tribunal
Federal (v. MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado
artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 566).
110
3.3.2. Do recurso administrativo “reforma de
julgado administrativo” no âmbito da normatividade do processo
administrativo tributário paulista
Conforme antes mencionado, a peça recursal administrativa, reforma de
julgado administrativo, tem como uma de suas características fundamentais o fato
de permitir, na seara do processo administrativo tributário paulista, que seja
promovido o diálogo com o quanto decidido na seara do processo civil – o que
viemos a denominar como diálogo das fontes “limitado” -, representando uma
verdadeira porta de ingresso daquelas decisões. Desse modo, ampliam-se os limites
de sua própria discussão e, eventualmente, com a promoção da objetivação do que
se decidiu, sobretudo quando se têm como parâmetro as decisões judiciais colhidas
dos procedimentos próprios das decisões judiciais, presentes nos recursos especiais
repetitivos e nos recursos extraordinários com repercussão geral, ou mesmo nos
casos de súmulas judiciais155.
155 Em nota de cotejo entre corpos normativos, em verdadeiro direito comparado, há que ser dito que
os sistemas administrativos tributários dos demais entes federativos não se encontram isentos da
influência das decisões judiciais sobre a sua legislação, mesmo na formação da norma individual e
concreta, representado pelo lançamento tributário, nos moldes presentes no artigo 142 do Código
Tributário Nacional. Ou seja, afere-se cada vez mais a presença da objetivação da lide judicial e sua
carga inegável de normatividade. E é justamente com esta premissa que se afere a recente reforma
legislativa sobre o processo administrativo fiscal, inaugurada no Município de São Paulo pela Lei nº
15.690, de 15 de abril de 2013, sobretudo quando se toma as disposições presentes nos seus artigos
43, § 9º e 50, § 6º, que trazem a estipulação sobre o procedimento para não interposição de peça
recursal, quando as razões de decidir da decisão pretensamente atacável alinham-se com o quanto
decidido, em decisões definitivas de mérito, pelo Supremo Tribunal Federal, na sede dos recursos
extraordinários dotados de repercussão geral, ou do Superior Tribunal de Justiça, para os casos
dotados do regime dos recursos especiais repetitivos. O mesmo também pode ser construído com
base na disposição do seu artigo 44-A, § 2º, que inaugura procedimento de produção de súmula de
caráter vinculante para toda a Administração Tributária municipal, tendo como pressuposto o mesmo
fundamento apontado de alinhamento com as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
111
Assim, no que diz respeito à reforma de julgado administrativo, contudo, vai
nos interessar a sua normatização de regência156 e algumas de suas características
objetivas, com o intuito de sua maior compreensão. Nesse sentido, merecerão nosso
detimento, em algumas notas, os seus pressupostos objetivos:
i.) a reforma de julgado administrativo cuida-se de recurso administrativo
exclusivo da Fazenda Pública paulista, por intermédio da atividade recursal
empreendida pela Diretoria da Representação Fiscal157, que apresenta,
portanto, legitimidade exclusiva para sua propositura;
ii.) a reforma de julgado administrativo tem cabimento justamente em
situações em que a Fazenda Pública restou com seus interesses
Tribunal Federal em matéria constitucional ou pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional, na consonância com a sistemática prevista pelo Código de Processo Civil,
respectivamente com o recurso extraordinário dotado de repercussão geral e do recurso especial
repetitivo. 156 Aponta-se, uma vez mais, que a disciplina normativa de interesse se encontra suportada pelo
artigo 50, inciso II da Lei Estadual paulista nº 13.457/09, que traz em seu corpo a já mencionada
dicção: “Artigo 50 - Cabe reforma da decisão contrária à Fazenda Pública do Estado, da qual não
caiba a interposição de recurso, quando a decisão reformanda: II – adotar interpretação da legislação
tributária divergente da adotada pela jurisprudência firmada nos tribunais judiciários”. Diga-se, então,
que a disposição do inciso I, do mesmo artigo, revela-se inaplicável para os limites do presente
trabalho, por se revelar no óbice à Administração judicante de empreender controle de
constitucionalidade por seus julgados. 157 A Diretoria da Representação Fiscal encontra-se estruturada pela legislação do contencioso
administrativo tributário paulista, apresentando suas atribuições com a disposição normativa do artigo
72 da Lei nº 13.457/09, que para o caso da propositura recursal da reforma de julgado administrativa,
funda-se na dicção do inciso I, assim posto: “Artigo 72 - A Representação Fiscal, órgão subordinado
diretamente à Coordenadoria da Administração Tributária, tem por atribuições: I - defender a
legislação e os interesses da Fazenda Pública do Estado, no que se refere aos créditos tributários
originários de auto de infração, no processo administrativo tributário;” (Disponível em
<http://www.fazenda.sp.gov.br/tit/tit_legis/leis_estaduais/2009/lei_13457_2009.htm>. Acesso em: 17
mar. 2013).
112
contrariados158, que se pode ter da aferição imediata da redução ou
cancelamento do crédito tributário, inicialmente concebido com a lavratura do
lançamento tributário, por meio de auto de infração e imposição de multa –
AIIM;
iii.) a reforma de julgado administrativo traz a nota da subsidiariedade
recursal, uma vez que só se tem por cabível quando não seja viável qualquer
outra figura recursal administrativa;
iv.) a reforma de julgado administrativo apresenta como pressuposto objetivo,
ainda, a existência de jurisprudência firmada no âmbito dos tribunais
judiciários, portanto não diz respeito somente aos tribunais superiores,
podendo, ainda, ser utilizada, como parâmetro, a jurisprudência firmada
mesmo nos tribunais estaduais;
v.) uma nota de interesse, nos precisos limites do artigo 50, inciso II da Lei nº
13.457/09 vai residir nos conceitos de conhecimento e provimento. Assim, sob
pena de esvaziamento da norma do artigo 50, inciso II da lei do contencioso
paulista, por sua vigência e validade, cabe à autoridade judicante
administrativa que verificar a existência de dissonância entre o quanto
decidido em sede administrativa e judiciária harmonizá-la com o seu
158 É certo que emerge uma nota crítica, ao focarmos a exclusividade dada à Fazenda Pública na
legitimidade para a interposição da “reforma de julgado administrativo”. Nessa medida, concebe-se
essa restrição como ausente de justa causa, apesar de justificável, em linhas gerais, pelas
dificuldades de acesso ao Poder Judiciário de uma pretensão tributária em sentido diverso à sua
decisão administrativa, sobretudo na consideração da falta de interesse de agir da eventual ação
judicial. Assim, de acordo com nossa premissa neopositivista, de complementaridade e multiplicidade
dos intérpretes na construção da norma jurídica, malgrado a positivação presente na disciplina da
“reforma de julgado administrativo” da Lei nº 13.457/09, há que se conceber, em apontamento de lege
ferenda, a ampliação dos legitimados em sua propositura, alcançando o contribuinte. Cremos que
essa alteração representaria, ao final, além do tributo aos princípios que se apontam ao longo deste
trabalho, também, mais um mecanismo alternativo de composição da lide, a par da judicial.
113
provimento. Daí, dizer-se, no caso da reforma de julgado administrativo, por
certo, que conhecimento e provimento são atos judicantes que se confundem,
na medida em que o seu conhecimento implica, de forma automática e
infalível, o seu provimento.
Todos esses aspectos objetivos da reforma de julgado administrativo tornam
seu sentido reforçado, na medida em que se tem em vista sua ratio essendi, que,
conforme, anteriormente afirmado, é traduzida como um remédio legal de
harmonização do entendimento entre o Tribunal de Impostos e Taxas e o
entendimento firmado pelo Poder Judiciário, por meio de sua jurisprudência firmada,
a respeito de uma mesma questão de direito, quando isso não puder ser feito por
meio de qualquer outra figura recursal administrativa própria da normatização do
processo administrativo tributário paulista, da Lei nº 13.457/09, revelando-se,
portanto, como uma nota final da normatividade das decisões judiciais, que vem
sendo cuidada.
Um último aspecto ainda merece ser destacado, na justa medida em que a
Fazenda Pública não vai ao Poder Judiciário para pedir a reforma das decisões que
lhe foram contrárias na esfera administrativa159, ainda que o entendimento do
Judiciário se tenha firmado favoravelmente à sua pretensão. Criou, portanto, o
legislador paulista a figura recursal da reforma de julgado administrativo para fazer
com que o entendimento administrativo amolde-se, em última instância, ao
entendimento judicial, em nítido alinhamento, portanto, com a segurança jurídica e
igualdade.
159 O que se diz se justifica à vista da proteção da confiança, que há que se fazer presente como
princípio de estrutura do processo administrativo tributário, bem como pela limitação processual, em
razão da falta de interesse de agir, no que se refere às condições da ação.
114
3.3.3. Da aferição de alguns princípios atuantes na
relação entre as reformas de direito processual civil e o processo
administrativo tributário paulista
Apresentadas as características de interesse dos princípios, no sistema
jurídico, com sua normatividade e função criativa de influência no legislador para
impulsionar a completude normativa – na configuração do momento pré-exacional -,
bem como visitadas as recentes reformas empreendidas no campo do processo civil,
como medida direta da objetivação das lides, em que a decisão transcende os
interesses puramente subjetivos das partes, vindo, assim, a acenar para o
adensamento do novo papel das decisões judiciais, por sua jurisprudência, no
ordenamento, como introdutora de normas gerais e abstratas, e não somente
individuais e concretas.
E, ainda por outro lado, percorridas as disposições normativas próprias do
processo administrativo tributário paulista, que cuidam da espécie recursal da
reforma de julgado administrativo, apontando-se para sua linha de pressupostos
próprios.
Assim, podemos catalogar, de maneira básica e justificante, os princípios que
podem ser surpreendidos na relação entre as reformas do processo civil e a
disposição normativa da reforma de julgado administrativo, presente no processo
administrativo tributário paulista, por sua norma de regência atual.
Daí, dizer-se que, além dos princípios da segurança jurídica e da igualdade,
que já foram apresentados em apontamentos anteriores deste estudo, restam dignos
de nota por sua atuação:
i.) Princípio da eficiência da Administração Pública
115
Entende-se, resumidamente, que a eficiência da Administração Pública deve
guardar relação direta com o melhor exercício das missões de interesse coletivo que
incumbe ao Estado, devendo, portanto, obter a melhor realização prática possível
das finalidades do ordenamento jurídico, diante da minimização dos ônus possíveis,
alcançando não só o Estado, como os próprios cidadãos, em suas liberdades.
Os resultados práticos da aplicação das normas jurídicas revelam-se como
elementos essenciais para determinar como devem ser interpretadas, com o intuito
de legitimação de sua aplicação. Percebe-se, portanto e de modo imediato, a
valorização dos elementos finalísticos do direito.
Ou seja, todo ato jurídico só será válido ou validamente aplicado, se, diante
do parâmetro do princípio da eficiência, revelar-se pela maneira mais eficiente ou, na
impossibilidade de se defini-la, se tal ato jurídico for ao menos uma maneira
razoavelmente eficiente de realização dos objetivos fixados pelo ordenamento
jurídico. Nessa medida, há que ser dito que o princípio da eficiência de forma
alguma mitiga o princípio da legalidade, antes, introduz uma nota de sua
manifestação como finalística e material, não meramente formal e abstrata.
Uma vez mais, voltamos para uma análise das decisões judiciais sobre as
administrativas. Assim, a influência das reformas do processo civil sobre a reforma
de julgado administrativo, como expressão do princípio da eficiência, assenta-se no
fato de que serão dadas interpretações comuns, tanto na esfera administrativa
quanto na judicial, à determinada questão de direito tributário, casuisticamente
cuidadas. E isso ocorre, justamente, com o alinhamento proporcionado pela
jurisprudência firmada pelo Poder Judiciário. Evita-se, assim, o dispêndio de maiores
esforços administrativos com a eventual produção de outros atos jurídicos para o
alcance da estabilização das partes.
116
ii.) Princípio da celeridade
O princípio da celeridade, antes de mais nada, revela-se, em classificação,
como modalidade de princípio em sentido estrito, uma vez que traz em sua estrutura
considerações de carga axiológica, podendo, ainda, ser relacionado com os
princípios do devido processo legal (catalogável como sobreprincípio), ou mesmo,
como decorrente lógico do princípio da eficiência, notadamente na sua consideração
de economicidade, própria da processualística.
Tem-se que, com a Emenda Constitucional n° 45/2004, o direito a um
processo sem dilações desnecessárias foi expressamente alçado à qualidade de
direito fundamental, por meio da disposição do artigo 5º, inciso LXXVIII da
Constituição Federal de 1988, com a dicção “razoável duração do processo”160.
Dessa forma, com o parâmetro do princípio da celeridade, o legislador tem
apresentado um inegável esforço para a criação de institutos, com o intuito certo de
tradução de um processo mais rápido. Assim, são exemplos que podem ser
colhidos, diretamente, na prática processual civil: o julgamento antecipado do mérito;
o procedimento sumário; o procedimento monitório; o julgamento de improcedência
liminar; a súmula impeditiva de recursos; os julgamentos monocráticos a cargo do
relator de recurso; a prova emprestada; o processo sincrético; a comunicação dos
atos por via eletrônica; a objetivação do julgamento das lides nos tribunais
superiores e, por fim, a repressão à utilização do processo de maneira artificiosa e
abusiva em recursos.
160 Há que ser lembrado, na conformidade de Daniel Amorim Assumpção Neves, que a celeridade
nem sempre é possível, pois “o legislador não pode sacrificar direitos fundamentais das partes,
visando somente à obtenção de celeridade processual, sob pena de criar situações ilegais e
extremamente injustas”. (cf. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2009, p. 68).
117
Resta, por fim, uma síntese da relação das decisões judiciais sobre as
administrativas: a influência das reformas do processo civil sobre a reforma de
julgado administrativo como expressão do princípio da celeridade reside, justamente,
na inegabilidade de um processo mais rápido, uma vez que as decisões
administrativas sujeitas à reforma de julgado administrativo trazem, diretamente,
para a fase do processo administrativo tributário161, a interpretação firmada pela
jurisprudência do Judiciário, adiantando-se, em verdade, a discussão processual,
que só teria espaço de ocorrência num momento posterior – quando do ingresso no
Judiciário – logo, o crédito tributário, resultante desta decisão administrativa, revela-
se, inequivocamente, mais fortalecido em suas razões de exigibilidade.
iii.) Princípio da praticabilidade
Em introdução, pontuamos o tratamento conjunto dos princípios da
praticabilidade (com sua nominação, ainda, de praticidade, factibilidade e pragmatismo)
e da legalidade, por entendermos estarem, íntima e essencialmente, relacionados,
sendo que, numa abordagem tangencial, aquele por ser considerado como um
consectário lógico da normatividade aferida e inaugurada neste.
161 Aldo de Paula Junior acentua que o processo administrativo tributário, concebido como uma
atividade jurisdicional exercida pela administração pública, lastreada, assim, com a garantia do devido
processo legal, contraditório e ampla defesa, não pode prolongar-se de maneira indefinida ao longo
do tempo. Nesta medida, suas as palavras: “É indiscutível que o processo administrativo não pode se
prolongar indefinidamente e mais ainda, que deve ter duração razoável, principalmente após a edição
da Emenda Constitucional n. 45/2004 que garantiu ‘a todos no âmbito judicial e administrativo (...) a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.’ (art. 5º,
LXXXVIII, CF/88).” (cf. A prescrição intercorrente no processo administrativo tributário - Extinção do
crédito pelo decurso do prazo sem a conclusão do processo administrativo?. In: Paulo de Barros
Carvalho, Priscila de Souza. (Org.). VI Congresso Nacional de Estudos Tributários do IBET - Sistema
Tributário e a Crise. São Paulo: Editora Noeses, 2009, p. 38).
118
Por certo, com amparo na doutrina162, a imbricação entre a praticabilidade e a
legalidade se torna manifesta a partir da estruturação do tipo e do chamado modo de
pensar tipificante (diga-se, apesar das críticas à denominação), viabilizando e
simplificando a execução das normas jurídicas, servindo à generalidade e à igualdade,
que são esteios da legalidade. Some-se que a tipificação revela-se como uma das mais
importantes técnicas que tornam apta a praticabilidade, voltando-se para a
simplificação executória, a economicidade e a viabilidade das normas.
Nessa justa medida de alinhamento entre praticabilidade e legalidade, colhe-se a
doutrina de Misabel Abreu Machado Derzi:
A praticidade é corolário do próprio princípio da legalidade. Não se nega a sua
relevância para garantir as normas postas pelo Poder Legislativo no Estado de
Direito.
Cabe ao Legislador a autotributação, o autoconsentimento ao pagamento dos
tributos, a justiça geral (por todos e para todos), sem corporativismos e
privilégios163.
Em ingresso ao estudo, por seu turno, a mesma Misabel Abreu Machado
Derzi, ao cuidar da distinção entre tipicidade e adequação típica, a partir do princípio
da legalidade - com destinação inegável ao legislador, que se pauta na utilização de
162 Faz-se referência à doutrina produzida de Misabel Abreu Machado Derzi e Regina Helena Costa.
Não se deixa, contudo, de se fazer referência à existência de trabalhos na doutrina alemã,
conduzidos por Klaus Tipke, Hans Wolfgang Arndt, Josef Isensee, Eberhard Wennrich, entre outros,
que apresentam trabalhos sobre as técnicas relacionadas à praticabilidade, em especial, dos estudos
de tipificação. 163 Misabel Abreu Machado Derzi, Princípio da praticidade, in Dicionário de princípios jurídicos.
Ricardo Lobo Torres, Eduardo Takemi Kataoka, Flávio Galdino (Orgs.). Rio de Janeiro: Elsevier,
2011, p. 989.
119
generalizações e abstrações conceituais para tal desiderato - antevê os problemas
gerados com a insuficiência dos comandos do Legislativo164.
Há que ser feita referência ao fato de que, por parte da doutrina e da
jurisprudência, há uma certa reserva à utilização do modo de pensar tipificante165 -
por sua parte, embasador da praticabilidade - mas por certo, colhe-se, a par da
resistência de relevo, a presença de elementos que lhe são validadores. Essa
validação pode ser relacionada, de forma inequívoca, com a defesa da esfera
privada, a uniformidade da tributação e o estado de necessidade administrativo.
Postos nesses termos, a espécie recursal administrativa, a reforma de julgado
administrativo, no que se refere à praticabilidade, vai se relacionar com os
elementos de validação identificados, no seguinte modo:
i.) na “defesa da esfera privada” – pois, em essência, a tributação cuida de
elementos de livre concorrência e sua lealdade intrínseca de mercado, e uma
vez que haja determinada decisão judicial, com dotação de generalidade e
abstração, deve a tributação afetar de modo equânime a todos que operam
no sistema jurídico tributário;
ii.) na “uniformização da tributação” - uma vez que os contribuintes
apresentam, com o alinhamento decisório, entre o processo administrativo e o
164 cf. Misabel Abreu Machado Derzi, Legalidade material, modo de pensar “tipificante” e praticidade
no direito tributário”, in Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da
administração e no processo tributário, I Congresso Internacional de Direito Tributário – Instituto
Brasileiro de Direito Tributário – IBET, Vitória –ES, 12-15 de agosto de 1998, p. 627-650. 165 Para traduzir a apontada reserva doutrinária e jurisprudencial, diz Misabel Derzi: “A maior parte da
literatura jurídica alemã rejeita o uso do pensar que leva à criação administrativa de esquemas e
padrões destinados a simplificar a execução da lei fiscal. Segundo Wennrich, entre outros, rejeitam
esse método: Bauerle, Blau, Koppe, Bühler, Flume, Friedrich, Hartung, Haubmann, Lion, Oswald,
Rosendorf, Senf, Vogt, Wacke e Schiffbauer.” (cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário,
direito penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p.270).
120
processo civil, possível com a reforma de julgado administrativo, a
equalização da sua carga tributária;
iii.) no “estado de necessidade administrativo” – uma vez que com o
alinhamento possível com a interposição da reforma de julgado administrativo,
a Fazenda Pública traduz a maior objetivação e certeza para o crédito
tributário na lide administrativa, com consequente redução dos esforços
fiscais com a administração do tributo, com a inegável marca de que o
sistema tributário deve mostrar-se exequível, na justa medida que permita a
atuação fiscal no atingimento da cobrança dos impostos e no devido
cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes.
Há que se ter em vista, ainda, que a praticabilidade é estabelecida em
convívio pleno com o direitos de propriedade e liberdade166, decorrentes, de fato, da
166 Trazemos para alinhamento, no ponto, o quanto cuidado por Marcelo Guerra Martins ao aferir a
estruturação conceitual da democracia fiscal, pautando-se em três fundamentos que se interagem
mutuamente, numa ideia de freios e contrapesos, apresentando, ao final, ser de todo desejável o
encontro de um ponto de equilíbrio entre os mesmos, na forma da liberdade material; da igualdade de
sacrifícios; e da não inibição da atividade econômica pelo Estado. Justamente da relação entre
propriedade e liberdade que se expressa o fundamento da liberdade material, para esta concepção
de fundamentos democráticos fiscais; e, servindo, de sua parte, para a praticabilidade, na linha do
que se apontou, como marco de atuação e de convívio. Eis o quanto concebido para este fundamento
em Marcelo Guerra Martins, que se transcreve: “O primeiro fundamento é a liberdade material que se
consubstancia na possibilidade do indivíduo decidir quais necessidades e desejos pretende satisfazer
em determinado instante. Isso se obtém a partir da garantia, pelo Estado, dos direitos fundamentais
de propriedade (em sentido amplo) e da livre iniciativa (exercício de profissão de atividade
econômica), donde ordinariamente se retira os meios de sobrevivência.” (cf. Democracia fiscal e seus
fundamentos à luz do direito & economia. 2010. Tese (Doutorado em Direito) Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis
/2/2134/tde-29082011-114111/pt-br.php>. Acesso em: 07 jun. 2013, p. 294).
121
estipulação constitucional, não se aceitando, portanto, qualquer invasão ou desvio
dos limites postos pelo mandamento constitucional167.
Pode-se, então, com a doutrina de Regina Helena Costa168, apontar,
fragmentariamente, o alinhamento do manejo da reforma de julgado administrativo
com a concepção da praticabilidade como o conjunto de esforços direcionados para
a operacionalização simplificada das normas (mesmo na consideração das decisões
judiciais em sede de recurso especial repetitivo ou recurso extraordinário dotado
com repercussão geral), como um conjunto de técnicas viabilizadoras da adequação
do ordenamento jurídico, não se resumindo à simples regulamentação de atos
produzidos pelo Legislativo.
3.3.4. Da casuística: a apreciação pelo Tribunal de
Impostos e Taxas – TIT - sobre a aplicação da decadência para a
constituição do crédito tributário pela Fazenda Pública
No intuito de apontar a dinâmica processual própria referente à figura recursal
administrativa da reforma de julgado administrativo, como harmonizador do quanto
decidido na esfera judicial e na esfera administrativa, traz-se a casuística que
envolveu o julgamento do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT – referente à
167 Nessa medida, é o quanto aponta Regina Helena Costa: ”A praticabilidade tributária deve, pois,
conviver harmonicamente com os direitos de propriedade e de liberdade, essencialmente atingidos
pela tributação, o que impõe que as medidas a ela correspondentes se revistam de equilíbrio e
moderação e sejam justificáveis somente se calcadas claramente na realização de desígnios
constitucionais”. (cf. Praticabilidade e justiça tributária. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 53 e 131). 168 Regina Helena Costa, Tipicidade e praticidade tributária. Palestra proferida no XXIV Congresso de
Direito Tributário, realizado em São Paulo, em 20 de outubro de 2010, sob a organização do Instituto
Geraldo Ataliba – IGA-IDEPE.
122
aplicação do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário pela
Fazenda Pública, decorrente do creditamento indevido do ICMS pelo autuado169.
Nesses termos, a Fazenda Pública paulista, por meio de sua Diretoria da
Representação Fiscal, após a interposição, sem resultados, de uma série de
recursos administrativos com o intuito de reformar as decisões de câmaras
ordinárias do TIT, quanto à aplicação do prazo decadencial para a constituição do
crédito tributário, diante do creditamento indevido do ICMS promovido pelo autuado,
pautando sua argumentação na aplicabilidade do artigo 173, inciso I do Código
Tributário Nacional, encontrou espaço para a interposição da reforma de julgado
administrativo.
Essa fase traz a marca certa de um dos pressupostos objetivos para a
utilização da referida figura recursal administrativa, na forma da sua residualidade,
ou seja, enquanto estiverem presentes razões recursais suportáveis com o manejo
de outros meios de impugnação, não se poderia aviar a interposição da reforma de
julgado administrativo.
169 Neste contexto, importante a referência à posição da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e
Taxas, que nas sessões monotemáticas realizadas em 22 e 29 de março de 2011, promoveu o
alinhamento de sua jurisprudência administrativa no mesmo sentido da abrigada pelo STJ, ou seja,
com aplicação do artigo 173, I, do CTN, para os casos de creditamento indevido de ICMS. Por todos,
o quanto decidido no Processo DRT CIII-633.511/07, assim ementado:
“ICMS. INFRAÇÃO RELATIVA AO CRÉDITO DO IMPOSTO. AUTUAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO
INICIAL DO PRAZO. ART. 173, I. I - Nos casos de infrações relativas ao crédito do imposto, a
decadência, no tocante à competência atribuída à Fazenda Pública para constituir crédito tributário
por intermédio de auto de infração, deve levar em conta, como termo inicial, o momento de que se
cuida no artigo 173, I do CTN. Jurisprudência contemporânea desta Câmara Superior. Ressalva do
ponto de vista do relator. II - Pedido de Reforma de Julgado provido. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. DECISÃO NÃO UNÂNIME”. (Disponível em:
<https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos.aspx?instancia=2>. Acesso: em 17 mar.
2013).
123
O que se tinha presente, portanto, é que a judicância administrativa paulista
do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT - vinha decidindo pela aplicação do artigo
150, § 4º do Código Tributário Nacional para os casos de creditamento indevido do
ICMS na constituição do crédito tributário pelo lançamento.
Por outro lado, ao mesmo tempo, de acordo com a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça – STJ -, por meio do recurso especial repetitivo na forma de seu
REsp 973.733/SC170, firmou-se o entendimento de seu tribunal no sentido da
aplicação do artigo 173, inciso I do Código Tributário Nacional, para a mesma
questão de direito – versando sobre a contagem do prazo de decadência nos
lançamentos por homologação.
Assim, diante das diferentes formas de contagem do prazo decadencial para
a constituição do crédito tributário – na esfera administrativa do TIT, com a aplicação
do artigo 150, § 4º do Código Tributário Nacional, ao passo que na esfera judicial do
STJ, em jurisprudência firmada, na forma do referido recurso especial repetitivo, com
a aplicação do artigo 173, inciso I do mesmo código -, o interesse fazendário
revelava-se, ao fim, prejudicado com o evidente menor prazo de contagem
decadencial.
Esta dissintonia entre a jurisprudência firmada pelo tribunal judicial e o quanto
decidido pelo tribunal administrativo deu ensejo, portanto, ao manejo da reforma de
julgado administrativo pela Fazenda Pública, que, ao ser admitido e, nos termos da
sua norma de regência do artigo 50 da Lei estadual paulista nº 13.457/09, teve, em
170 Na relatoria do Min. Luiz Fux, no REsp 973.733/SC, firmou-se a jurisprudência de contagem do
prazo decadencial para os lançamentos por homologação nos seguintes termos: “o prazo quinquenal
para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício
seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o
pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a
constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito”.
124
consequência, seu conhecimento e provimento pela Câmara Superior do TIT,
alterando-se, enfim, a contagem do prazo decadencial, com sua equalização.
Portanto, com a utilização da reforma de julgado administrativo, obteve-se um
diálogo harmonizante entre o quanto decidido no TIT e na jurisprudência firmada do
STJ, fruto da principiologia e da objetivação própria do recurso especial repetitivo,
antes apontados, para o caso específico da contagem do prazo decadencial nos
lançamentos por homologação.
125
CONCLUSÃO
Procuramos anotar, durante o desenvolvimento do presente trabalho, o papel
assumido pelas decisões judiciais, relacionadas sobremaneira ao campo do direito
tributário, ao longo do sistema jurídico. Assim, tendo como parâmetro as decisões
judiciais, não só no seu ambiente natural de atuação, ou seja, o momento executivo,
como também à vista do nosso interesse da aferição de eventual aproximação entre
a ética e o direito, que notabiliza a “virada kantiana”, na atividade própria da
Administração Tributária, no exame dos momentos exacionais e pré-exacionais, que
a fundamentam, podemos alcançar as conclusões a seguir.
Retomamos, para cumprimento de tal desiderato, pontos já desenvolvidos
neste estudo, sinalizando para nossas conclusões finais, em resposta às indagações
propostas na Introdução da presente investigação.
Assim, para o capítulo I, que cuidou do sistema jurídico, elencamos os
seguintes pontos:
1. O sistema jurídico, considerado como espécie do sistema social, é
tomado como um sistema operacionalmente fechado e cognitivamente aberto,
marcado pela seleção, com redução da complexidade e diferenciação funcional, e
pela comunicação, de modo exclusivo, em sua estrutura, levando-se em conta a
teoria autopoiética luhmanniana.
2. A exclusividade da comunicação na estrutura do sistema social é
formulada - afastando sua crítica, possível de emergir - com a concepção de que o
126
ser humano integra a sociedade e não o próprio sistema. A comunicação é tida
como uma operação interna ao próprio sistema.
3. Diante do pressuposto autopoiético do sistema jurídico, este recebe
dos demais sistemas, ou do próprio ambiente, uma série de informações, que são
selecionadas, processadas e construídas internamente, permitindo-se a sua
transformação evolutiva. O sistema jurídico teria, nesse sentido, em sua composição
o conjunto de normas jurídicas, como sendo o resultado da interação entre lei,
jurisprudência e interpretação.
4. Com a premissa da posição adotada pelos Poderes de Estado,
segundo a teoria dos sistemas luhmanniana, o legislador executaria sua atividade
funcional no campo periférico do sistema jurídico, em razão de ser a posição de
maior proximidade com os demais sistemas, mostrando-se essa atividade do
legislador como o ponto de maior permissividade em relação às perturbações ou
irritações ambientais.
5. Por sua vez, o Poder Executivo, por meio específico da sua
Administração Tributária, e o Poder Judiciário não podem ocupar essa região
periférica do sistema jurídico, que é própria do legislador, não podendo aqueles
Poderes, portanto, atuar na filtragem direta dos fatos puros, econômicos, políticos e
sociais, do modo direto como se apresentam no ambiente.
6. Da conjugação das expectativas normativas, no passado e no futuro,
criadas nas posições dos Poderes de Estado e na sua atuação, de acordo com a
concepção neopositivista, emergem o pleno atendimento ao princípio da segurança
jurídica, pois ao longo do tempo garante-se a igualdade no tratamento tributário.
127
7. Aferiu-se, ainda, com fundamentação no neopositivismo, a importância
dos princípios, podendo, por sua parte, ser descritos como funcionalmente
organizadores do sistema jurídico, atuando como elo responsável por demonstrar os
resultados escolhidos por uma nação, sendo inegável, portanto, sua característica
axiológica. Os princípios e regras - ressalva-se - não são normas, mas antes, são
concebidos como veículos normativos, componentes ou partes das normas, sendo
ambos imprescindíveis para o alcance da norma, com a compreensão suficiente do
comando jurídico.
8. Aponta-se no decorrer deste estudo que há uma complementaridade
possível entre as correntes filosóficas e os momentos exacionais, por três
fundamentos básicos da nossa investigação: o primeiro, tendo como fundamento as
decisões judiciais, que apresentam a natureza de objetivação da lide, momento este
marcado pelo neopositivismo; um segundo fundamento, pela atuação da
Administração Tributária, que, vinculadamente, pela alteração legislativa, de modo
mediato, aplica o quanto decidido pelos tribunais superiores (revelando em seus
contornos, a influência, portanto, do neopositivismo); por fim, foi tratado um terceiro
fundamento, que é o exame do instrumento processual encontrado na lei paulista do
contencioso administrativo tributário, considerado como um momento pré-exacional,
com influência, na nossa concepção também, neopositivista.
Por sua vez, quanto ao capítulo II, que cuidou da norma jurídica dentro da
perspectiva neopositivista, alinhamos:
1. A norma jurídica revela-se, então, pela conjugação da atuação dos
Poderes de Estado – dentro da ideia da complementaridade neopositivista - e, com
base na diferenciação luhmanniana, concebeu-se que a atuação do legislador, por
128
meio de seus processos legislativos, e atuação do juiz, por suas decisões judiciais,
fundam-se, ambos, em processos decisórios.
2. O juiz, na leitura de Luhmann, em regra, ao lidar com situações nas
quais já ocorreram frustrações, e ao proferir uma determinada decisão, acaba
comprometendo-se com casos futuros, só podendo alinhar novas razões de decisão
à determinada situação, na medida em que os encare de modo diferente.
3. As decisões judiciais cuidam de promover a exposição do direito
vigente, com pauta na manutenção e sanção de determinadas expectativas
normativas, tornando certa a não assimilação das transgressões ao mesmo direito.
4. As frustrações devem ser continuamente processadas, ao longo da
série de decisões judiciais, até o momento em que se afira a necessidade de
mudança do direito, com a positivação do novo direito.
5. Os processos legislativos, por sua vez, encontram-se livres das
pressões das frustrações e da exposição das normas transgredidas, escolhendo
entre as possibilidades de diversas normas jurídicas que possam ser concebidas.
6. Apontou-se, com Luhmann, que o direito existente, estruturado em
positivação e decisão judicial, baliza a estruturação de um novo direito, notadamente
parcial em sua renovação.
7. No que se refere ao uso da força física, no momento em que se revela
necessária a sua aplicação pelo Estado, esta é deslocada do Poder Legislativo para
o Poder Judiciário, cabendo a este, portanto, a filtragem da sua utilização.
8. Apontou-se, por sua vez, que a objetivação da lide, como se vem
apresentando no sistema jurídico brasileiro, dotado de retratabilidade e flexibilização,
revela-se como um ajuste à crítica de Luhmann, ao retratar o perigo das
129
determinações genéricas de princípios jurídicos pelo Poder Judiciário, à vista de sua
rigidez e irretratabilidade numa sociedade moderna.
9. Com fundamento na criatividade jurisprudencial e na autonomia
política, tidas como variáveis essenciais, que se conjugam em grau, identificaram-se
quatro modelos típico-ideais de juiz: i.) juiz-executor: da associação da baixa
autonomia e da baixa criatividade do juiz; ii.) juiz-delegado: da associação com baixa
autonomia e alta criatividade; iii.) juiz-guardião: da associação da alta autonomia,
com a baixa criatividade; iv.) juiz-político: da associação da alta autonomia com a
alta criatividade.
10. Com adoção, por sua vez, de critérios de verdade – a consciência
jurídica geral e o devido processo legal – apontou-se que o juiz-guardião é o que
melhor responde, com sua atuação, ao neopositivismo, de modo objetivo, uma vez
que revela sua alta autonomia para a defesa da ordem constitucional, e a sua
criatividade é limitada pela própria Constituição.
11. Examinou-se, então, o novo papel da jurisprudência, na sua
consideração de desenvolvimento atual, concluindo-se por sua representação como
fonte de direito, na consideração de fontes primárias, uma vez que gera expectativas
normativas, acentuadas pela tendência de objetivação das lides apreciadas pelo
Poder Judiciário, fruto, portanto, de uma atividade jurisdicional que transcende os
interesses subjetivos e em resposta aos princípios da segurança jurídica e da
igualdade.
Assim, diante da normatividade aferida das decisões judiciais, conforme a
premissa neopositivista, ingressamos no capítulo III, que cuidou dos efeitos das
decisões judiciais sobre o sistema jurídico tributário paulista por dois momentos
130
exacionais, tendo como fundamento a autuação da Administração Tributária do
Estado de São Paulo.
O primeiro, contido no subcapítulo 3.2., que cuidou da “guerra fiscal” e da
glosa unilateral pelo Estado de São Paulo de créditos do ICMS, sem o prévio acesso
ao Poder Judiciário, em típico momento exacional, em que foram sacados os
seguintes pontos:
1. Em breves notas quanto ao ICMS, averiguou-se que este se revela
como o mais importante tributo dos Estados e do Distrito Federal, viabilizador das
suas autonomias financeiras, e, portanto, do próprio Estado Federal.
2. Percorreu-se o caráter nacional do ICMS, à vista do federalismo
cooperativo brasileiro, com o princípio da homogeneidade da sua incidência.
3. Apontaram-se os elementos indutores da “guerra fiscal” do ICMS, bem
como o quadro de desarranjo no equacionamento de receitas, recursos e demandas
dos entes federativos, assentando-se: na presença de forte dependência de alguns
Estados do repasse de recursos da União; na verificação do crescimento das
demandas pela oferta de serviços por parte dos Estados; e na evidenciação da
necessidade de uma revisão da política de divisão dos recursos na Federação.
4. De acordo com o federalismo brasileiro, a Constituição da República de
1988 foi indicada como a responsável pela demarcação precisa da autonomia dos
entes federativos, e, assim, cuidou-se que a regulação de concessão e revogação
de benefícios fiscais por meio de convênios, em atendimento à determinação
constitucional, revela-se como ponto de proteção da harmonia federativa.
5. De outro lado, ainda, determinou-se que em razão da inexistência de
uma política de desenvolvimento regional mais efetiva pela União, em evidente
131
omissão constitucional, resulta na adoção de políticas agressivas para atração de
investimentos pelos Estados e pelo Distrito Federal, com maior atrito dos seus
sistemas tributários.
6. Apontou-se o papel da lei complementar relacionado à “guerra fiscal”
do ICMS, vertido nas disposições da Lei Complementar nº 24/75, que, com nota de
pragmatismo jurídico, restou recepcionada.
7. No cenário estabelecido da “guerra fiscal” do ICMS, apontou-se a
situação paradoxal existente, pois, por um lado, a criação de benefícios fiscais do
ICMS apresentaria como razão fundante o apelo desenvolvimentista; por outro, a
glosa desses mesmos créditos, indevidamente concedidos, traz insegurança jurídica
para as relações, sobretudo com os investidores.
8. Adotou-se, em resumo, a “guerra fiscal”, concebida como a tensão no
pacto federativo, com o atrito dos sistemas tributários dos entes federativos,
resultado da concessão unilateral de incentivos ou benefícios fiscais pelos Estados
ou pelo Distrito Federal, à margem da Constituição Federal, por um lado; por outro,
com a retaliação empreendida pelos entes federativos prejudicados, seja por meio
de autos de infração, que cuidam de promover a glosa unilateral de créditos
indevidos, seja, por outra medida, com a utilização de ações constitucionais próprias
para a discussão da matéria.
9. Com isso, aferiu-se, na acepção de norma jurídica, como geradora de
expectativas normativas contrafáticas de Luhmann, a proibição de benefícios fiscais
obtidos sem a deliberação dos entes federativos no CONFAZ, com a recondução da
federação ao cumprimento da ordem constitucional e ao equilíbrio federativo, pela
judicância do Supremo Tribunal Federal, diante de um incontável número de
132
decisões judiciais no sentido do óbice à produção de benefícios ou incentivos fiscais
à margem do preceito constitucional.
10. Aferiu-se, por fim, que o legislador ordinário estadual ou distrital – com
seu posicionamento periférico - estimulado pela leitura promovida frente a essa
reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, promove a sua recepção, em
primeiro filtro, vertendo-a em lei ordinária, que passa a dispor sobre a glosa
unilateral de créditos do ICMS inconstitucionalmente originados, lastreando, ao fim,
o momento exacional da atuação da Administração Tributária. Tudo isso
evidenciando um tributo à segurança jurídica do sistema.
Por sua parte, o segundo momento exacional, tendo como fundamento a
autuação da Administração Tributária do Estado de São Paulo, ficou apresentado no
subcapítulo 3.3., que cuidou do processo administrativo tributário paulista, em
modalidade de momento pré-exacional, frente à legislação de revisão do lançamento
tributário, com o exame da “reforma de julgado administrativo”. Aqui, encartaram-se
os seguintes pontos:
1. Para justificar a utilização da acepção diálogo das fontes “limitado”,
apontou-se que a “reforma de julgado administrativo”, apesar de se revelar como
porta de entrada, estratificando um possível diálogo entre a seara judicial e a
administrativa, com notas de aproximação entre a ética e o direito, não se mostra,
contudo, com o elemento da reciprocidade, pautando-se, de modo mais
contundente, no aspecto da complementaridade, com a solução emanada pela
decisão judicial atuando sobre a decisão administrativa a ser produzida.
2. Com pauta, sobretudo nas recentes reformas do processo civil, com a
introdução do recurso especial repetitivo e do recurso extraordinário dotado de
133
repercussão geral, verificou-se que tais espécies recursais retratam a objetivação na
discussão das lides, bem como a constituição, por seus julgados, de jurisprudência
firmada judicial.
3. Do exame dos pressupostos da figura recursal administrativa da
“reforma de julgado administrativo”, que por se suportar na existência de
jurisprudência firmada em tribunal judicial dissonante com a decisão administrativa
reformanda, apontou-se para a dialogia entre as instâncias decisórias.
4. Aferiu-se um catálogo de princípios atuantes nessa relação das
instâncias decisórias judicial e administrativa, reduzidos à: segurança jurídica – no
justo passo da previsibilidade de todo o ordenamento jurídico -; da igualdade – na
medida de sua consideração material; da eficiência – na consideração da relação
entre meios e resultados auferidos -; da celeridade – uma vez que traz, para o
contencioso tributário, relações já decididas na seara judicial, com possível
eliminação de fases processuais –; e da praticabilidade – na sua medida de
consideração como modo simplificado de execução da lei.
5. Apontou-se a casuística do Tribunal de Impostos e Taxas no
enfrentamento da questão de direito na contagem do prazo decadencial para os
tributos, lançados por homologação, que, em decorrência da interposição da reforma
de julgado administrativo, alinhou seu entendimento com a jurisprudência firmada no
Superior Tribunal de Justiça, vertida em recurso especial repetitivo.
6. Aferiu-se, por fim, que esse momento pré-exacional, materializado na
Lei 13.457/09, com a criação da figura recursal administrativa da “reforma de julgado
administrativo”, reproduz, na revisão do lançamento tributário e na judicância
administrativa, a proximidade entre a ética e o direito, própria do neopositivismo,
134
construída nas instâncias dos tribunais superiores do sistema jurídico brasileiro,
internalizando-a.
Neste ponto, após serem tratadas as reflexões de cada capítulo,
procederemos às respostas as indagações lançadas na Introdução, concluindo, com
fundamento nos passos anteriores que:
1. As decisões judiciais encontram normatividade inegável. As decisões
judiciais irradiam esta normatividade, num caminho de norma individual e concreta
até a geral e abstrata.
Esse caminho se dá, em razão da premissa estrutural de norma jurídica,
como o produto mesmo da operação de soma dos elementos “lei” (na consideração
da atividade do Legislativo), “interpretação” (fruto da multiplicidade dos operadores
no sistema jurídico considerado) e a “jurisprudência” (representada, em caso, no
assentamento jurisprudencial. Este gera, além da normatização própria das decisões
judiciais, seja pelo cumprimento de expectativas normativas contrafáticas ou mesmo
no caso da objetivação das lides submetidas ao Poder Judiciário, a irritação
suficiente para que, sobretudo, o legislador estadual ou distrital, conforme analisado,
produza o novo direito positivado).
Portanto, uma interação de elementos que revela, ao fim, a
complementaridade, conforme a concepção neopositivista, não tendo só em conta
os limites do positivismo, ou a sua expressão do realismo jurídico, mas também na
consideração de uma atuação conjugada, no sistema jurídico, dos Poderes de
Estado, e que se evidencia quando da análise dos três momentos exacionais.
Assim, as aproximações efetuadas entre a ética e o direito, construídas,
originariamente, pelas decisões judiciais do Poder Judiciário tendem a perpassar
135
todo o sistema jurídico, suportando, ainda, os momentos pré-exacionais e
exacionais, ligados, respetivamente, ao Legislativo e ao Executivo – por sua
Administração Tributária.
2. O modelo típico-ideal de juiz que desempenharia melhor a sua
atividade em um sistema jurídico neopositivista, conforme evidenciado em linhas
anteriores, seria o do juiz-guardião, aliando a alta autonomia para a defesa da ordem
constitucional, trazendo a limitação da sua atividade pelo recorte fornecido pela
própria Constituição da República.
Nessa consideração de juiz-guardião, a sua atuação poderia introduzir pontos
de aproximação entre o direito e a ética, balizados pela dicção constitucional e, com
isso, de modo a dar início ao seu perpasse ao longo de todo sistema jurídico.
3. Nessa medida, ainda como apontado, a relação que se pode aferir,
entre o legislador infraconstitucional estadual ou distrital e as decisões dos tribunais
superiores, seria de que estas, na consideração luhmanniana, representam
elementos de perturbação para atuação daquele na construção do novo direito
posto.
Assim, com a adoção da premissa de que há uma relação entre o sistema
jurídico nacional e os sistemas jurídicos subnacionais, as decisões emanadas pelos
tribunais superiores cumprem o papel de elemento de irritação ou perturbação
perante os sistemas jurídicos estaduais ou distritais, dando cumprimento, com a
positivação do novo direito, às expectativas normativas contrafáticas.
4. Dessa forma, a ordem de princípios restaria atendida, dentro outros,
com a consideração dos momentos exacionais, no que diz respeito à segurança
jurídica e à isonomia.
136
Em relação ao princípio da segurança jurídica, pois se acentua a certeza e a
igualdade entre os contribuintes, na justa medida que terão sua conduta recebendo
a mesma interpretação jurídica para a questão de direito, diante do alinhamento
entre o quanto decidido pelo Poder Judiciário, pelas decisões judiciais, e sua
internalização pelo Executivo – Administração Tributária. Em relação ao princípio da
igualdade, uma vez que se acentua o tratamento não privilegiado dado aos
contribuintes diante da mesma situação de direito posta em análise administrativa ou
judicial.
5. Por fim, o momento exacional, de contorno nitidamente positivista,
pode internalizar sim a aproximação entre o direito e a ética da “virada kantiana”, na
medida em que, por sua parte, o Legislativo cria o novo direito, normatizando a
mencionada aproximação, nascida no Poder Judiciário, por suas decisões judiciais,
as quais servem de elemento de perturbação, segundo a teoria dos sistemas
luhmanniana, para o próprio Poder Legislativo.
137
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
ABBAGNO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Malheiros, 2008.
ALLAND, Denis e RIALS, Stéphane. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Dicionário da
cultura jurídica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
ARAÚJO, Clarice von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo:
Noeses, 2011.
ÁVILA, Humberto. Ativismo judicial e direito tributário, in Grandes questões atuais do
direito tributário, Valdir de Oliveira Rocha (Coord.). São Paulo: Dialética, 2011.
Volume 15.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7.ed. rev. e
compl. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
BARCELOS, Ana Paula de. O mínimo existencial e algumas de suas
fundamentações: John Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy, in Legitimação dos
direitos humanos. 2 ed. rev. e ampl. Ricardo Lobo Torres (Org.). Rio de Janeiro:
Renovar, 2007.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos
de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2004.
BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.
138
___________________. As alterações jurisprudenciais diante das fontes do direito
tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 188, maio
2011.
____________________. Lições de direito tributário: teoria geral e constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2011.
____________________. Aula expositiva: “execução fiscal”. In: Curso de
especialização em direito tributário do COGEAE - Coordenadoria Geral de
Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da PUCSP. São Paulo, 22 de abril de
2013.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo:
Ícone, 1995.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros,
2006.
BRASIL. Câmara dos Deputados. CALABI, Andrea. ICMS e federação. 12 de maio
de 2011. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cft/arquivos/apresentacao-sec.-faz.-
sp>. Acesso em: 09 mar. 2013.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 288, de 28
de fevereiro de 2008. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=38495
4>. Acesso em: 10 mar. 2013.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Medida Provisória nº 599, de 27 de dezembro de
2012. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=88700F
139
7C8948B89A2EE58975E6CE3165.node1?codteor=1053532&filename=MPV+599/20
12>. Acesso em: 23 mar. 2013.
BRASIL. Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital. Ministério Público do
Distrito Federal cobra ICMS de empresas. Disponível em:
<http://www.fenafisco.org.br/VerNoticia.aspx?IDNoticia=19184>. Acesso em: 12 mar.
2013.
BRASIL. Presidência da República. Código de processo civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 17 mar. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 463.079/MG, Julgamento 17 de novembro
de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurispruden
cia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+463079%2ENUME%2E%29&base=base
Monocraticas>. Acesso em: 24 out. 2012.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4502.htm#ret>. Acesso
em: 15 mar. 2013.
BRASIL. Presidência da República. Código tributário nacional. Lei nº 5.172, de 25 de
outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.
htm>. Acesso em: 15 mar. 2013.
BRASIL. Presidência da República. Lei complementar nº 24, de 7 de janeiro de
1975. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp24.htm>.
Acesso em: 17 mar. 2013.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8429.htm>. Acesso em: 11 jun. 2013.
BRASIL. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de
Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil:
140
anteprojeto/Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de
Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível
em: < http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em:
24 out. 2012.
BRASIL. Senado Federal. Notícias: Alckmin rejeita proposta de duas alíquotas para
o ICMS. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/opiniaopublica/inc/senamidia/notSenamidia.asp?
ud=20130320&datNoticia=20130320&codNoticia=814263&nomeParlamentar=Lindbe
rgh+Farias&nomeJornal=Valor+Econ%C3%B4mico&codParlamentar=3695&tipPagin
a=1>. Acesso em: 23 mar. 2013
BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 3, de 2013.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=122862&
tp=1>. Acesso em: 30 mai. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 871.760/BA, Primeira Seção,
Julgamento 11 de março de 2009. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ITA&se
quencial=864337&num_registro=200601642242&data=20090330&formato=PDF>.
Acesso em: 17 mar. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 973.733/SC, Primeira Seção,
Julgamento 12 de agosto de 2009. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ITA&se
quencial=901905&num_registro=200701769940&data=20090918&formato=PDF>.
Acesso em: 17 mar. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.068.731/RS, Segunda Turma,
Julgamento 17 de fevereiro de 2012. Disponível em:
141
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1038100&sReg
=200801379303&sData=20120308&formato=PDF>. Acesso em: 02 mar. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.088.045/RJ, Terceira Turma,
Julgamento 22 de setembro de 2009. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ITA&se
quencial=896928&num_registro=200802060120&data=20091023&formato=PDF>.
Acesso em: 02 mar. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.151.345/RS, Julgamento 02 de agosto
de 2010. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=MON&s
equencial=11007831&formato=PDF >. Acesso em: 24 mar. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.120.295/SP, Julgamento 12 de maio
de 2010. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ITA&se
quencial=971699&num_registro=200901139645&data=20100521&formato=PDF>.
Acesso em: 01 maio 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante nº 69.
Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/edital-sumula-vinculante-guerra-fiscal.pdf>.
Acesso em: 13 mar. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmulas vinculantes. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/Enunciado
s_Sumula_Vinculante_STF_1_a_29_31_e_32.pdf >. Acesso em: 29 de abril de
2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 388.830/RJ, Julgamento 14 de fevereiro de
2006, Segunda Turma. Disponível em:
142
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261682>.
Acesso em: 15 nov. 2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4.578/DF, Tribunal Pleno, Julgamento 16
de fevereiro de 2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2257978>.
Acesso em: 01 mar. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2157-5/BA, Julgamento 28 de junho de
2000, Tribunal Pleno. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347462>.
Acesso em: 12 mar. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2549/DF, Julgamento 01 de junho de 2011,
Tribunal Pleno. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24
%2ESCLA%2E+E+2549%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+2
549%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bc4hpdp>.
Acesso em: 12 mar. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 463079/MG, Julgamento em 17 de outubro
de 2009, Decisão Monocrática. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24
%2ESCLA%2E+E+463079%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://
tinyurl.com/afaqooq>. Acesso em: 15 mar. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 477554 AgR/MG, Segunda Turma,
Julgamento em 17 de agosto de 2011. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626719>.
Acesso em: 24 mar. 2013.
143
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 628075 RG/RS, Julgamento de repercussão
geral no recurso extraordinário 13 de outubro de 2011, Tribunal Pleno Virtual.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID
=1597956>. Acesso em: 14 mar. 2013.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 5:
recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de
controle das decisões jurisdicionais. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
____________________. Direito, interpretação e norma jurídica: uma aproximação
musical do direito. Disponível em: <http://www.scarpinellabueno.com.br/>. Acesso
em 30 de maio de 2013.
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e
a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo : Noeses, 2012.
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed.
São Paulo : Saraiva, 2011.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São
Paulo: Malheiros, 2011.
____________________. ICMS. – 13. ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009.
CARVALHO, Osvaldo Santos de. A “guerra fiscal” entre os estados no Brasil: uma
análise à luz da teoria geral do direito; enfocando os pensamentos de Kelsen e
Luhmann. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 93, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. 23. ed. São
Paulo: Saraiva, 2011.
___________________. Derivação e positivação no direito tributário. São Paulo:
Noeses, 2011.
144
___________________. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo:
Noeses, 2011.
_________________________. Conferência de abertura. In: XXVI Congresso Brasileiro
de Direito Tributário – Tributação e Federalismo. São Paulo, 17 de outubro de 2012.
_________________________. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal : reflexões
sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo : Noeses, 2012.
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2. ed. rev. e aum. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.
CONRADO, Paulo Cesar. Introdução à teoria geral do processo civil. 2ª ed., rev.,
ampl. e atual. São Paulo, Editora Max Limonad, 2003.
COSTA, Regina Helena Costa. Praticabilidade e justiça tributária. São Paulo:
Malheiros, 2007.
____________________. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário
Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009.
____________________. Tipicidade e praticidade tributária. Palestra proferida no
XXIV Congresso de Direito Tributário, realizado em São Paulo, em 20 de outubro de
2010, sob a organização do Instituto Geraldo Ataliba – IGA-IDEPE.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 19. ed. atual. –
São Paulo: Saraiva, 1995.
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência : proteção da
confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limites constitucionais ao poder
judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
145
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 7. ed.
atual. São Paulo: Saraiva, 2001.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica,
decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Glosa unilateral de créditos por operações
interestaduais – a posição do Estado de São Paulo – Lei estadual n. 6.374/89 e
Comunicado CAT n. 36/2004 – Necessidade de prévio acesso ao Poder Judiciário.
Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 148, 2008.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991.
Irã. Constituição do Irã. Disponível em:
<http://www.iranonline.com/iran/iraninfo/government/constitution-1.html>. Acesso
em: 11 fev. 2013.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
LORENZETTI. Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Devido processo legal substancial. Disponível
em: <http://direitoprocessual.org.br/content/blocos/103/1>. Acesso em: 20 set. 2011.
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro:
Edições Tempo Brasileiro, 1985.
____________________. Introdução a teoria dos sistemas. 2. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2010.
146
MARINONI, Luiz Guilherme. Segurança dos atos jurisdicionais, in Dicionário de
princípios jurídicos. Ricardo Lobo Torres, Eduardo Takemi Kataoka, Flávio Galdino,
(Orgs.). Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil
comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MARRADI, Alberto. Curso de introdução à ciência política. vol. III. – Brasília:
Universidade de Brasília, v. 3, 1982.
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno.
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
MARTINS, Ives Gandra da Silva e CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal :
reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo : Noeses,
2012.
MARTINS, Marcelo Guerra. Democracia fiscal e seus fundamentos à luz do direito &
economia. 2010. Tese (Doutorado em Direito) Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo. São Paulo. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis
/2/2134/tde-29082011-114111/pt-br.php>. Acesso em: 07 jun. 2013.
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS : teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Dialética,
2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
3. ed., 6. tir.. São Paulo: Malheiros, 1999.
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade hermenêutica
constitucional e revisão de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial. Revista
dos Tribunais. São Paulo: Editora RT, n. 766, ago. 1999.
147
MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos
art. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e
jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Prefeitura de São Paulo. Lei nº 15.690, de 15 de abril
de 2013. Disponível em: <http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_cidade/index.
asp?c=1&e=20130416&p=1&clipID=0R6Q9F6FE88FCeDKDF3PGVDA0G7>.
Acesso em: 02 maio 2013.
PAULA JUNIOR, Aldo de. A prescrição intercorrente no processo administrativo
tributário - Extinção do crédito pelo decurso do prazo sem a conclusão do processo
administrativo?. In: Paulo de Barros Carvalho, Priscila de Souza. (Org.). VI
Congresso Nacional de Estudos Tributários do IBET - Sistema Tributário e a Crise.
São Paulo: Editora Noeses, 2009.
RADBRUCH, Gustav. Trad. Vera Barkow. Introdução à ciência do direito. 2. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
SÃO PAULO. Secretaria da Fazenda de São Paulo. Processo DRT 06-812914/08.
Disponível em: <https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos
.aspx?instancia=2>. Acesso em: 08 mar. 2013.
SÃO PAULO. Secretaria da Fazenda de São Paulo. Processo DRT CIII-633.511/07.
Disponível em: <https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos.aspx?instanci
a=2>. Acesso em: 17 mar. 2013.
SÃO PAULO. Secretaria da Fazenda de São Paulo. Lei 6.374, de 01 de março de
1989. Disponível em: <http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn
=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtribut>. Acesso em: 15 out. 2012.
SÃO PAULO. Secretaria da Fazenda de São Paulo. Lei Estadual Paulista nº 13.457,
de 18 de março de 2009. Disponível em:
148
<http://www.fazenda.sp.gov.br/tit/tit_legis/leis_estaduais/2009/lei_13457_2009.htm>.
Acesso em: 17 mar. 2013.
SÃO PAULO. Secretaria da Fazenda de São Paulo. Processo DRT 06-812914/08
Disponível em: <https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos
.aspx?instancia=2>. Acesso em: 08 mar. 2013.
SÃO PAULO. Secretaria da Fazenda de São Paulo. Processo DRT 06-812914/08
Disponível em: <https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos
.aspx?instancia=2>. Acesso em: 08 mar. 2013.
SÓFOCLES. Antígona. Trad. J. B. de Mello e Souza. Disponível em:
<http://www.ingresso.ufu.br/sites/default/files/certificacao/Teatro_%20Antigone_Sofo
cles.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2013.
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. 8. ed. rev. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006.
TORRES, Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: Direito tributário : estudos em
homenagem a Brandão Machado. São Paulo : Dialética, 1998.
____________________. Curso de direito financeiro e tributário. 16. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2009.