demodicose canina canine demodicosis

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Demodicose canina Canine demodicosis José Pedro A. Leitão 1 , João Paulo A. Leitão 2 * 1 União Zoófila, Rua Padre Carlos dos Santos, São Domingos de Benfica, Lisboa 2 Centro Médico Veterinário de Cabeço de Mouro, Rua António Tomás Botto, lote3, loja1, Urbanização Cabeço de Mouro. 2785-008 São Domingos de Rana REVISTA PORTUGUESA CIÊNCIAS VETERINÁRIAS DE ARTIGO DE REVISÃO 135 Resumo: A demodicose canina (DC) surge pela multiplicação exagerada de ácaros do género Demodex. Existem três espécies descritas de Demodex no cão, sendo a D. canis a mais frequente. No desenvolvimento da doença interferem vários factores que condicionam um desequilíbrio na regulação da população dos ácaros na pele, no qual a predisposição hereditária e a imunidade celular têm um papel chave. A observação microscópica do produto da raspagem cutânea permite, salvo algumas excepções, obter um diagnóstico definitivo e rápido. A possível presença de outras patologias em simultâneo deve ser investigada pois influencia o sucesso terapêutico. Estão descritas várias formas de apresentação de DC, as quais ditam qual a abordagem diagnóstica e terapêutica a adoptar. O tratamento é, na maioria dos casos, bem sucedido e existem poucas recidivas se se cumprirem os protocolos terapêuticos e o seguimento adequado. Summary: Canine demodicosis (CD) emerges from exagerated proliferation of demodectic mites. D. canis is the most frequent of the three species of Demodex mites in the dog. The course of disease depends on multiple factors, wich may disrupt the regulation of skin mite populations. Immunity and genetics play an important role in the development of CD. Skin scrapings offers a quick and easy diagnosis in most cases. Concurrent diseases should be investigated as they influence the treatment outcome. CD has different clinical presentations. Diagnostic approach and terapeutics depends on the age of onset of disease and affected body surface. Prognosis is often good and few relapses occurs if apropriated treatment protocol and follow-up are taken. Introdução A demodicose canina (DC), dermatite resultante da multiplicação excessiva de ácaros do género Demodex na pele dos cães, é uma doença multifactorial onde a presença do ácaro se conjuga com factores genéticos e imunológicos do animal (Griffin et al., 1993). A raspagem da pele em profundidade permite com facilidade a detecção de ácaros do género Demodex em cães afectados por esta doença (Mathet et al., 1996). O tratamento depende das formas de apresen- tação da doença, é geralmente bem sucedido mas pode ser bastante difícil e prolongado. Etiologia A DC resulta da proliferação excessiva de ácaros do género Demodex (Figura 1) na pele dos cães (Guaguère, 1991). Além de D. canis foram relatadas mais duas espécies de Demodex no cão: uma forma curta deno- minada D. cornae, e uma forma longa denominada D. injai (Tabela 1) (Medleau e Hnilica, 2006). A "forma curta" apresenta características morfológicas distintas *Correspondência: Tel/Fax: + 351 214456566 Tabela 1 - Dimensões das três espécies do género Demodex (Ferrer, 1997; Scott et al., 2001; Gross et al., 2005) Demodex canis Demodex cornae Demodex injai Macho adulto 90-148 μm 334-368 μm 40-250 μm abdómen largo e truncado Fêmea adulta 40-300 μm Figura 1 - Raspagem de pele. Note-se a multiplicação excessiva de ácaros D. canis (objectiva 10x) (original).

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Demodicose canina

Canine demodicosis

José Pedro A. Leitão1, João Paulo A. Leitão2*

1União Zoófila, Rua Padre Carlos dos Santos, São Domingos de Benfica, Lisboa2Centro Médico Veterinário de Cabeço de Mouro, Rua António Tomás Botto, lote3, loja1, Urbanização Cabeço de Mouro.

2785-008 São Domingos de Rana

R E V I S T A P O R T U G U E S A

CIÊNCIAS VETERINÁRIASDE

ARTIGO DE REVISÃO

135

Resumo: A demodicose canina (DC) surge pela multiplicaçãoexagerada de ácaros do género Demodex. Existem três espéciesdescritas de Demodex no cão, sendo a D. canis a mais frequente.No desenvolvimento da doença interferem vários factores quecondicionam um desequilíbrio na regulação da população dos ácaros na pele, no qual a predisposição hereditária e a imunidade celular têm um papel chave. A observaçãomicroscópica do produto da raspagem cutânea permite, salvoalgumas excepções, obter um diagnóstico definitivo e rápido. Apossível presença de outras patologias em simultâneo deve serinvestigada pois influencia o sucesso terapêutico. Estãodescritas várias formas de apresentação de DC, as quais ditamqual a abordagem diagnóstica e terapêutica a adoptar. O tratamento é, na maioria dos casos, bem sucedido e existempoucas recidivas se se cumprirem os protocolos terapêuticos e oseguimento adequado.

Summary: Canine demodicosis (CD) emerges from exageratedproliferation of demodectic mites. D. canis is the most frequentof the three species of Demodex mites in the dog. The course ofdisease depends on multiple factors, wich may disrupt the regulation of skin mite populations. Immunity and genetics playan important role in the development of CD. Skin scrapingsoffers a quick and easy diagnosis in most cases. Concurrent diseases should be investigated as they influence the treatmentoutcome. CD has different clinical presentations. Diagnosticapproach and terapeutics depends on the age of onset of diseaseand affected body surface. Prognosis is often good and fewrelapses occurs if apropriated treatment protocol and follow-upare taken.

Introdução

A demodicose canina (DC), dermatite resultante damultiplicação excessiva de ácaros do género Demodexna pele dos cães, é uma doença multifactorial onde apresença do ácaro se conjuga com factores genéticos e imunológicos do animal (Griffin et al., 1993). A raspagem da pele em profundidade permite com facilidade a detecção de ácaros do género Demodexem cães afectados por esta doença (Mathet et al.,

1996). O tratamento depende das formas de apresen-tação da doença, é geralmente bem sucedido mas podeser bastante difícil e prolongado.

Etiologia

A DC resulta da proliferação excessiva de ácaros do género Demodex (Figura 1) na pele dos cães(Guaguère, 1991).

Além de D. canis foram relatadas mais duas espécies de Demodex no cão: uma forma curta deno-minada D. cornae, e uma forma longa denominada D.injai (Tabela 1) (Medleau e Hnilica, 2006). A "formacurta" apresenta características morfológicas distintas

*Correspondência: Tel/Fax: + 351 214456566

Tabela 1 - Dimensões das três espécies do género Demodex (Ferrer,1997; Scott et al., 2001; Gross et al., 2005)

Demodex canis Demodex cornae Demodex injaiMacho adulto 90-148 µm 334-368 µm

40-250 µm abdómen largo e truncado

Fêmea adulta40-300 µm

Figura 1 - Raspagem de pele. Note-se a multiplicação excessiva deácaros D. canis (objectiva 10x) (original).

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e habita preferencialmente o estrato córneo da epiderme (Nesbitt e Ackerman, 1998; Gross et al.,2005) (Figura 5). Na maioria dos casos encontra-seem associação com D. canis (Scott et al., 2001). Osácaros da espécie Demodex injai parecem habitar osfolículos pilosos e as glândulas sebáceas (Mueller e

Bettenay, 1999; Gross et al., 2005) (Figura 6). Até àdata só está descrito na DC generalizada adulta, espe-cialmente nas raças terriers e seus cruzamentos(Medleau e Hnilica, 2006). O West Highland WhiteTerrier parece ter a maior incidência (Medleau eHnilica, 2006). O modo de transmissão destas espé-cies é ainda desconhecido (Medleau e Hnilica, 2006).

Ciclo de vida

O ciclo de vida de D. canis é homoxeno, temduração aproximada de 18 a 35 dias e compreende 4estádios evolutivos: ovo fusiforme; larva hexápoda(Figura 2); ninfa e adulto, ambos octópodes (Nesbitt eAckerman, 1998) (Figuras 3 e 4). O ácaro habita osfolículos pilosos, as glândulas sebáceas ou, mais rara-mente, as glândulas sudoríparas apócrinas, alimentan-do-se de células, secreções e detritos epidérmicos(Mur, 1997). A presença do ácaro em localizaçõesextra cutâneas (linfonodos superficiais e profundos,parede intestinal, baço, rins, bexiga, pulmões, tiróide,sangue, leite, urina e fezes) resulta da drenagem linfática e sanguínea após ruptura folicular (Scott etal., 2001; Gross et al., 2005). Em condições clínicas,os ácaros da espécie D. canis não sobrevivem fora dosfolículos pilosos, na superfície corporal ou fora dohospedeiro (Ferrer, 1997).

Transmissão

A transmissão de D. canis ocorre por contacto directo da progenitora para a sua ninhada, ou entre oscachorros da ninhada, durante as primeiras 48 a 72horas pós-parto (Scott et al., 2001; Gross et al., 2005).A transmissão intra-uterina parece não acontecer pois

Figura 2 - Raspagem de pele. Larva e adulto de D. canis (objectiva 40x)(original).

Figura 4 - Raspagem de pele. Ninfa de D. canis (objectiva 40x) (original).

Figura 3 - Raspagem de pele. Fêmea adulta e ovo de D. canis(objectiva 40x) (original).

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em cachorros abortados ou nascidos por cesariana eseparados das mães infectadas não foi possíveldemonstrar ácaros (Leitão e Oliveira, 2003). O modode transmissão de D. injai e de D. cornae não são conhecidos. A DC não é considerada contagiosa entreanimais saudáveis após o período neonatal, uma vezque a convivência entre cães com demodicose genera-lizada e cães saudáveis em ambiente confinado ou ainoculação de soluções contendo ácaros na pele deanimais saudáveis não produzem doença evolutiva(Mathet et al., 1996). Quaisquer lesões que surjamcuram espontaneamente (Nesbitt e Ackerman, 1998).D. canis não é considerado contagioso para gatos ouseres humanos (Tilley and Smith, 2004).

Patogenia

D. canis está presente em pequeno número comocomensal na pele e nos condutos auditivos em cercade 30% a 80% dos cães saudáveis, mas apenas algunsdesenvolvem a doença (Paradis, 2000; Gross et al,2005). O agente etiológico não é, portanto, o respon-sável exclusivo pela patologia (Paradis, 2000).Nalguns animais, a pele constitui um habitat favorável para a rápida reprodução e crescimento deD. canis, gerando a demodicose (Scott et al., 2001).As condições específicas que favorecem esta prolife-ração anormal são apenas parcialmente conhecidas(Griffin et al., 1993). Parece tratar-se de uma doençamultifactorial onde factores genéticos e imunológicos,parasitários e bacterianos, ecológicos cutâneos eambientais se conjugam de forma intrincada (Leitão eOliveira, 2003). Os conceitos actuais assentam sobre acoexistência de uma supressão da imunidade celular ede uma predisposição hereditária (Griffin et al.,1993).

A predisposição hereditária tem sido suportada pelamaior prevalência da doença em cães de raça pura, porcertas raças serem mais afectadas do que outras, pela

associação da DC com outras doenças hereditárias emBeagles (ex. deficiência em factor VII) e por nas ninhadas afectadas parte ou a totalidade dos cachorrosapresentarem DC generalizada (Scott et al., 2001). Asraças com presisposição para demodicose segundoHill, (2002) são: Boston Terrier, Jack Russel Terrier,Scottish Terrier, Boxer, Bulldog, Chihuahua, Dalmata,Daschund, Doberman pinscher, Dogue alemão, Galgoafegão, Malamute do Alasca, Old English Sheepdog,Pointer, Shar-pei, Weimaraner, West Highland WhiteTerrier. A eliminação dos animais demodécicos ouportadores do ácaro (progenitores e crias) dos progra-mas de reprodução permitiu a redução ou mesmo aerradicação da doença em alguns canis de reprodução(Scott et al., 2001). A análise da incidência de DC emalguns canis de criação (Collies e Beagles) sugereuma transmissão hereditária autossómica recessiva(Scott et al., 2001; Gross et al., 2005).

Uma disfunção imunitária desempenha um papelfundamental na patogenia da DC (Mathet et al., 1996).A DC generalizada pode ser induzida por adminis-tração de soro anti-linfócito ou de altas doses de corticosteróides e é observada em até 8% dos cãesadultos com hiperadrenocorticismo (Nesbitt eAckerman, 1998). No entanto, uma imunossupressãogeneralizada não explica a maioria dos casos de DC(Scott et al., 2001). Neste caso, cachorros com DCgeneralizada deveriam desenvolver infecções virais,pneumonias ou outras infecções sistémicas (Scott et al., 2001). Da mesma forma, cães adultos com neoplasias, sobretudo do sistema linforreticular, ou submetidos a tratamentos imunossupressores deveriam desenvolver DC (Scott et al., 2001).Adicionalmente, cães com DC são capazes de desencadear uma resposta humoral normal quandovacinados contra esgana - hepatite infecciosa canina(Scott et al., 2001).

Estudos sobre as populações de linfócitos envolvidos na DC sugerem uma responsabilidade doslinfócitos T citotóxicos activados por uma irregulari-

Figura 5 - Raspagem de pele. Demodex cornae (objectiva 40x) (original).

Figura 6 - Raspagem de pele. Demodex injai (objectiva 10x) (original).

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dade na função dos linfócitos T helper (Scott et al.,2001; Gross et al., 2005). Documentou-se ainda umadiminuição na produção de interleucina 2 (IL-2) e do número de receptores para IL-2 nos linfócitos circulantes (Mathet et al., 1996; Rhodes et al., 2004).Estes dados indicam um defeito no processamento eapresentação dos antigénios de D. canis que conduz auma resposta inadequada dos linfócitos T helper tipo 1(Scott et al., 2001). Julga-se que este defeito nos linfócitos T específicos para D. canis tem uma componente hereditária de expressão variável (Scott et al., 2001). A investigação nesta área permitirá compreender melhor a patogenia e desenvolver novas formas de tratamento. A criação de modelos biológicos (usando enxertos de pele de cão em ratosde laboratório) parece ser um avanço no estudo daimunopatologia da demodicose (Scott et al., 2001).

Vários factores predisponentes para a DC generali-zada, tais como a administração de fármacos imunos-supressores (ex: anti-neoplásicos, corticosteróides,progestagéneos), doenças sistémicas graves, stresstransitório (cirurgia, estro, parto, lactação) e infecçãopor Dirofilaria sp. ou Trichuris vulpis, têm sido sugeridos ou documentados (Griffin et al., 1993;Rhodes et al., 2004). Apesar de não ter sido estabele-cida em definitivo uma relação de causalidade, diversas doenças metabólicas ou potencialmenteimunossupressoras têm sido associadas a casos de DCgeneralizada no cão adulto: hiperadrenocorticismoespontâneo ou iatrogénico, hipotiroidismo, diabetesmellitus, neoplasias malignas, leishmaniose, blastomi-cose e outras micoses profundas (Medleau e Hnilica,2006). Num estudo a propósito do tratamento de 22casos de DC generalizada no cão adulto, Guaguèredemonstrou a existência de uma patologia subjacenteem 77,3% dos casos (Guaguère, 1991). Duclos et al.(1994) e Lemarié e colaboradores (1996) obtiveramresultados semelhantes (Ferrer, 1997).

Não parece haver predisposição sexual nem influência da castração no desenvolvimento de umaDC (Leitão e Oliveira, 2003; Gross et al., 2005).

Sinais clínicos

A DC pode ser classificada segundo a apresentaçãoclínica e a idade de início (Nesbitt e Ackerman, 1998).Na prática, a sobreposição é comum.

De acordo com a apresentação clínica são reconhe-cidos três tipos de DC: DC localizada (DCL), DC generalizada (DCG) e pododermatite demodécica(PD).

A DCL representa cerca de 90% dos casos de DC, é mais frequente em cães jovens (até 12 meses) e caracteriza-se pelo desenvolvimento de pequenasáreas de alopecia (até seis) bem circunscritas, comdescamação e eritema variáveis, geralmente não pruriginosas (Niemand e Suter, 1992; Rhodes et al.,2004; Gross et al., 2005) (Figuras 7 e 8). Podem surgirhiperpigmentação e comedões (Mathet et al., 1996).Afecta sobretudo a face, a região periocular e ascomissuras labiais, o pescoço e os membros anteriores, mas qualquer área do corpo pode estarenvolvida (Ferrer, 1997; Rhodes et al., 2004; Gross etal., 2005). A piodermite secundária é rara (Paradis,2000). A evolução é benigna e na maioria dos casos(cerca de 90%) há resolução espontânea em 6 a 12semanas (Griffin et al., 1993; Rhodes et al., 2004). Arecidiva é rara mas as lesões podem aparecer e desa-parecer no decurso de vários meses (Scott et al.,2001). Cerca de 10% dos casos de DCL evoluem paraDCG, nalguns casos tão rapidamente que a formalocalizada passa despercebida (Ferrer, 1997; Rhodeset al., 2004). A otite externa ceruminosa bilateral (otitedemodécica - OD), com ou sem prurido associado, éuma apresentação muito rara nesta forma e pode ser a

Figura 7 - DC Localizada juvenil numa cadela com 6 meses de idade.Lesão focal alopécica, descamativa e eritematosa na cabeça (original).

Figura 8 - DC Localizada adulta num Pequinês com 8 anos de idade.Envolvimento do pescoço com lesão alopécica eritematosa (original).

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única manifestação clínica da doença, necessitandotratamento específico (Nesbitt e Ackerman, 1998).Não foram demonstradas alterações imunológicas emcães com DCL (Gross et al., 2005). No entanto, umdefeito genético imunitário de expressão focal podeestar presente na DCJ localizada permitindo a suaevolução para a forma generalizada (Gross et al.,2005).

A DCG, mais frequente em cachorros até aos 18meses, é uma das dermatopatias mais severas doscanídeos, podendo aparecer generalizada logo de início ou sob a forma, mais comum, de múltiplaslesões mal circunscritas que se agravam com o tempo(Scott et al., 2001; Gross et al., 2005) (Figuras 9 e 10).Considera-se a existência de DCG sempre que hajammuitas lesões localizadas (mais que 12), envolvimentode toda uma região corporal (ex: face) ou envolvi-mento completo de duas ou mais extremidades podais(Medleau e Hnilica, 2006). Casos intermédios, com 6 a 12 lesões localizadas, devem ser avaliados deforma individual (Scott et al., 2001). A DCG afecta sobretudo a cabeça, o tronco e os membros(Knottenbelt, 1994; Gross et al., 2005) (Figura 11). Oabdómen é a região menos afectada, possivelmente

pela menor densidade pilosa (Scott et al., 2001). A ODacompanha com frequência o envolvimento facial maspode ser a única manifestação clínica de DCG (Griffinet al., 1993; Gross et al., 2005) (Figura 12). A peleafectada pode apresentar eritema, edema e seborreia,descamação, comedões, liquenificação, hiperpigmen-tação, pústulas, erosões, crostas ou ulceração(Medleau e Hnilica, 2006). Ao longo do tempo, aslesões crescem e coalescem, dando lugar a grandesáreas afectadas (Mathet et al., 1996; Gross et al.,2005). A piodermite secundária, comum na DCG,acompanha-se de graus variados de prurido. O autotraumatismo agrava as lesões primárias (Griffin etal., 1993; Gross et al., 2005). Com a foliculite e afurunculose surgem lesões pio-hemorrágicas comexsudados abundantes e formação de crostas espessase aderentes, em especial na cabeça, pescoço e regiãoperianal (Scott et al., 2001). Podem mesmo gerar-setrajectos fistulosos e com o mínimo traumatismoocorrer perda de tecido cutâneo (Mathet et al., 1996;Gross et al., 2005). O dono pode optar pela eutanásiadevido à gravidade das lesões (Mathet et al., 1996).Animais com piodermite profunda podem revelarsinais de septicémia com febre, anorexia, letargia e

Figura 9 - DCG juvenil numa cadela com 5 meses de idade.Distribuição multifocal de lesões alopécicas, eritematosas e descamati-vas na cabeça, pescoço e membros (original).

Figura 11 - DCG juvenil numa cadela com 6 meses de idade. Lesões defurunculose com eritema, alopecia e seborreia (original).

Figura 12 - Mesmo animal da figura anterior mostrando otite demodé-cica associada a envolvimento facial grave (original).

Figura 10 - DCG juvenil num Dogue de Bordéus com 12 meses deidade. Distribuição generalizada de lesões alopécicas, eritematosas edescamativas (original).

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debilitação (Gross et al., 2005; Medleau e Hnilica,2006). A linfadenopatia periférica é geralmente marcada e generalizada (Niemand e Sutter, 1992).

Staphylococcus intermedius é a bactéria isoladacom maior frequência (Scott et al., 2001). Outras bactérias importantes incluem Pseudomonas aerugi-nosa (causando piodermite grave e especialmenterefractária ao tratamento na PD) e Proteus mirabilis(Scott et al., 2001).

Podem surgir formas atípicas caracterizadas pormúltiplos nódulos (com 2 a 3 mm de diâmetro) oualopecias focais bem demarcadas, sobretudo nas raçasbraquicefálicas como o Bulldog inglês, o Boxer ePittbull Terriers, bem como no Shar-pei (Scott et al.,2001; (Gross et al., 2005) (Figura 13).

A PD, quando ocorre isoladamente, pode ser o resul-tado de DCG que curou completamente com excepçãodas extremidades podais ou ser a única manifestação daDC (Mur, 1997; Gross et al., 2005) (Figura 14). Uminquérito rigoroso permite distinguir os dois casos(Lopez, 1998). Apesar da doença estar confinada às extremidades podais, alguns destes cães têm populações de ácaros mais numerosas que o normal naszonas de pele clinicamente saudável (Scott et al., 2001).Caracteriza-se por uma dermatite papulonodular comeritema, edema e dor, prurido, alopecia, hiperpigmen-tação, liquenificação, seborreia, crostas, pústulas, bolhas e fístulas envolvendo as áreas digital, interdigi-tal e palmar/plantar (Nesbitt e Ackerman, 1998; Grosset al., 2005). Esta apresentação é particularmentepropensa a infecção bacteriana secundária, podendotornar-se crónica e resistente ao tratamento (Mur,1997). Algumas raças são especialmente afectadas pelodesconforto e dor da PD: Bobtail, Cão da Terra Nova,Dogue Alemão e São Bernardo (Scott et al., 2001).

As infestações por D. injai caracterizam-se tipicamente por seborreia oleosa sobretudo na regiãodorsal do tronco mas podem surgir outras lesões comoalopecia, eritema, hiperpigmentação e comedões(Medleau e Hnilica, 2006).

Segundo a idade em que surge, a DC pode ser designada como juvenil ou adulta (Ferrer, 1997).

A DC juvenil (DCJ) é tipicamente observada em cãesdesde as 6 semanas até aos 12 a 18 meses de vida(Nesbitt e Ackerman, 1998). A grande maioria apresen-ta a forma localizada mas alguns exibem a forma generalizada desde a infância (Nesbitt e Ackerman,1998). Parece haver maior incidência nos cães de portemédio ou grande. A DC generalizada juvenil (DCGJ)pode ser causada por D. canis bem como por D. cornae(Medleau e Hnilica, 2006). Julga-se que resulta de umdefeito genético na resposta imunitária específica contra D. canis (Scott et al., 2001).

A DC adulta (DCA) pode ser causada pelas trêsespécies de Demodex e surge em cães com mais de 2anos de idade (após os 4 anos segundo alguns autores)(Guaguère, 1991). Nestes casos, doenças concomi-tantes devem estar presentes para romper o equilíbrioque permitiu durante anos a existência de ácaros dogénero Demodex como parte da fauna cutânea normal,promovendo a rápida multiplicação do parasita(Ferrer, 1997). Embora alguns casos relatados representem animais que "transportaram" a doençanão diagnosticada desde a idade juvenil, a maioriaresulta de condições imunossupressoras na idade adulta (Ferrer, 1997). A história clínica deve permitirdiferenciar as situações.

Diagnóstico

O método diagnóstico de eleição da DC é a observação microscópica do produto da raspagem de pele. O tricograma e a histopatologia de biópsias de pele podem ser úteis em determinados casos. Osdados epidemiológicos (idade, raça, existência de outros membros da ninhada afectados, história familiar da doença), a anamnese (idade em que surgiua doença, evolução, resposta a terapêuticas anteriores)e o exame clínico permitem obter informação adi-cional importante para elaborar o plano terapêutico.

A raspagem de pele, além do diagnóstico, permite amonitorização do animal ao longo do tratamento(Bensignor, 2002). Todas as lesões de pele, sugestivas

Figura 13 - Forma nodular de demodicose canina numa AmericanStaffordshire Terrier com cerca de 5 meses de idade (original).

Figura 14 - Pododemodicose no mesmo animal da figura 10.Tumefacção digital devido a furunculose secundária a demodicose generalizada (original).

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ou não de DC, devem ser objecto de raspagem e obser-vação microscópica em pequena ampliação (Leitão eOliveira, 2003). As raspagens devem ser profundas eextensas, evitando zonas de elevada fragilidade (ahemorragia produzida prejudica a interpretação), comfibrose ou hiperqueratose acentuada (a probabilidadede captar ácaros nas raspagens é reduzida) (Medleau eHnilica, 2006). Por vezes é necessária a sedação paraobter boas raspagens, sobretudo em áreas difíceiscomo os lábios, as pálpebras e os espaços interdigitais(Griffin et al., 1993). O diagnóstico assenta nademonstração de elevado número de ácaros adultosvivos ou de um elevado rácio entre formas imaturas(ovo, larva e ninfa) e formas adultas (Mur, 1997). Ademonstração de um ácaro ocasional não oferece odiagnóstico mas não deve ser ignorada pois é raroencontrar D. canis na pele de cães saudáveis (Ferrer,1997). Raspagens adicionais devem ser realizadas emdiversos outros locais antes de considerar improvávela existência de DC (Scott et al., 2001). Embora a raspagem de pele seja um teste rápido e simples, écomum observar cães com DC que tiveram raspagensde pele negativas para ácaros (Scott et al., 2001).

Apesar da sua menor sensibilidade, o tricograma possibilita a recolha de material para diagnóstico emáreas de difícil execução da raspagem (periocular, peri-nasal e interdigital) (Bensignor, 2002). Para a recolhados pêlos devem ser seleccionadas zonas de pele comhiperqueratose superficial e folicular. O teste pode sernegativo em casos de infestação ligeira e nunca devesubstituir a raspagem de pele na monitorização do animal (Mueller et al., 2000; Scott et al., 2001).

Quando diversas raspagens negativas são obtidas deum Shar-Pei ou de cães com hiperqueratose ou fibrosecutâneas, em especial na região interdigital, a histopa-tologia deve ser realizada antes de descartar a DC(Griffin et al., 1993; Mueller et al., 2000; Gross et al.,2005). Mesmo não sendo demonstrados ácaros, a pelede cães com DC apresenta padrões histopatológicoscaracterísticos (foliculite mural, dermatite nodular efoliculite e furunculose supurativas) (Nesbitt e Acker-man, 1998; Gross et al., 2005; Bettenay et al., 2006).

A realização de hemograma, perfil bioquímico sérico, urianálise, exame fecal para helmintas epesquisa de Dirofilaria sp. permite a avaliação maiscompleta do estado do animal e mesmo suspeitar oudiagnosticar uma eventual doença sistémica concomi-tante. Esta avaliação deve ser realizada em todos os cãescom mais de dois anos com DCG, em cães que nãorespondem ao tratamento ou que apresentam recidivada doença. Cães com DCG adulta devem realizar testesde função da tiróide e das glândulas adrenais. Casosprecoces de hiperadrenocorticismo podem ter apenasexpressão dermatológica (incluindo DCG) sem quaisquer alterações laboratoriais ou sinais sistémicosclássicos (Griffin et al., 1993). Em cerca de 30% a 60%dos casos não é possível determinar uma patologiaassociada no momento do diagnóstico, sendo prudenteimplementar uma vigilância regular, já que doençassistémicas graves ou neoplasias podem evidenciar-sesemanas ou meses depois (Mathet et al., 1996).

Diagnóstico diferencial

As situações a considerar mais frequentemente parao diagnóstico diferencial são: piodermite bacteriana(superficial ou profunda), dermatofitose, hipersensi-bilidade (dermatite por alergia à picada de pulga,hipersensibilidade alimentar, atopia, dermatite de contacto) e doenças cutâneas imunomediadas (complexo pemphigus, lúpus eritematoso sistémico,dermatomiosite facial) (Niemand e Sutter, 1992;Rhodes et al., 2004; Gross et al., 2005). A raspagemde pele bem realizada é usualmente diagnóstica, peloque a DC não deverá ser confundida com outrasdoenças (Leitão e Oliveira, 2003).

Raspagens de pele positivas para D. canis nãodevem impedir a realização de outros exames derma-tológicos como o exame micológico cultural e acitologia cutânea. Animais com DC e outras doençasconcomitantes têm sido identificados pelos autores(Figura 15 e 16). A citologia cutânea torna-se útil paradirigir a antibioterapia empírica ou sugerir a necessidade

Figura 15 - DCG associada a dermatofitose num cão com 6 anos deidade. Lesões multifocais coalescentes com alopecia, descamação ehiperpigmentação (original).

Figura 16 - DCG adulta associada a hiperadrenocorticismo num cãocom 10 anos de idade. Lesões multifocais coalescentes com alopecia,seborreia e hiperpigmentação. Note-se a distensão abdominal e a atrofiamuscular das coxas (original).

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absoluta de antibiograma (caso evidencie bastonetesGram negativos). A leishmaniose pode coexistir com aDC (Oliveira et al., 2002). Os autores já diagnos-ticaram quatro cães com DCG e leishmaniose concomitantes e sugerem a pesquisa de Leishmaniaspp., sobretudo nas regiões onde a doença é endémica.

Tratamento

Embora o tratamento varie com a forma de apresen-tação da doença, alguns princípios gerais são comuns(Mathet et al., 1996).

O uso de fármacos corticosteróides, em qualquerdose ou forma de apresentação, está contra-indicadojá que o seu efeito imunossupressor pode levar à progressão da doença da forma localizada à formageneralizada (Hill, 2002). Exceptuam-se as situaçõesque implicam risco de vida para o animal (Scott et al.,2001; Hill, 2002).

A piodermite bacteriana, o prurido e a seborreiadevem ser controlados, quer se institua ou não umtratamento acaricida específico (Medleau e Hnilica,2006). O uso de colares isabelinos ou de T-shirts ajudaa minimizar o autotraumatismo resultante do prurido eo agravamento da piodermite (Griffin et al., 1993). Ouso de anti-inflamatórios não esteróides no maneioinicial da piodermite ajuda a controlar o prurido aoreduzir a inflamação, a dor e o edema muitas vezespresentes. Quando o prurido é intenso associamosanti-histamínicos sem que surjam efeitos colaterais.

A gravidade e a extensão da infecção bacterianasecundária condicionam o tratamento da piodermite.Nas piodermites superficiais localizadas, o uso dechampôs à base de clorohexidina (2% a 4%)(peso/volume) ou de peróxido de benzoílo (2,5%)(peso/volume) pode ser suficiente (Griffin et al.,1993). Vários autores preferem o peróxido de benzoí-lo pelas propriedades antibacteriana, antisseborreica e antipruriginosa, auxiliando ainda na expulsão do conteúdo dos folículos pilosos (efeito de flushing)(Hill, 2002; Rhodes et al., 2004). A antibioterapiasistémica deve ser associada nas piodermites generali-zadas ou profundas (Hill, 2002).

O controlo da piodermite e da seborreia, ainda quenão seja total até que os ácaros sejam eliminados, per-mite reduzir a irritação cutânea, melhorar a penetraçãodos acaricidas tópicos e diminuir a imunodepressãoprovocada pelo componente bacteriano secundário(Scott et al., 2001).

A recuperação da DC depende, pelo menos emparte, de um bom estado geral. Devido ao carácterimunodepressivo que acompanha a DC, os cuidadosbásicos de saúde como a nutrição, a desparasitação e avacinação não devem ser descurados (Paradis, 2000).A vacinação é geralmente adiada até que a piodermiteseja controlada. Qualquer patologia associada merecetratamento imediato (Mathet et al., 1996).

Tratamento da DCL

O tratamento da DCL assenta em quatro premissasimportantes: é uma forma benigna que resolve espontaneamente em cerca de 90% dos casos; o seutratamento não previne a progressão para a forma generalizada nos restantes 10%; a percentagem decura de animais tratados e não tratados não diverge eas recidivas são raras. De acordo com as premissasreferidas e pelo risco de selecção de estirpesresistentes aos acaricidas específicos, o seu uso não érecomendado no tratamento da DCL (Scott et al.,2001). O tratamento, a realizar algum, deve ser conservativo à base de peróxido de benzoílo (gel,loção, creme, champô), aplicado 2 a 3 vezes ao dia eno sentido de crescimento do pêlo, ou rotenona eantibioterapia em caso de piodermite (Medleau eHnilica, 2006).

A raspagem de pele cada 4 semanas após o diagnós-tico (com ou sem tratamento) permite monitorizar aevolução da doença. Nas lesões em regressão, as ras-pagens mostram poucas formas imaturas ou adultas.Se as lesões progridem ou se a contagem de ácarosaumenta, incluindo a relação formas larvares/formasadultas, há progressão para a forma generalizada da doença e o tratamento acaricida específico estáindicado (Griffin et al., 1993; Hill, 2002).

Tratamento da DCG

Apesar do conhecimento sobre a doença ter evoluídoconsideravelmente nos últimos anos, continua a seruma doença de difícil tratamento, com frequênciaoneroso e desgastante para o proprietário (Scott et al.,2001). A discussão acerca da etiopatogenia, da gravi-dade dos sinais clínicos, dos tratamentos disponíveis edo prognóstico da DCG, permite obter confiança e ummaior envolvimento do dono, essencial para o sucessodo tratamento. A compreensão dos critérios de cura(clínica, parasitológica e definitiva) é fundamental.

A eficácia do tratamento é monitorizada por raspa-gens de pele cada 2 a 4 semanas, idealmente semprenos mesmos locais (Paradis, 2000).

O tratamento deve ser prolongado por pelo menosmais 30 dias (60 dias para reduzir as recidivas) após aobtenção das primeiras raspagens de pele negativassimultaneamente em 6 a 8 locais diferentes. São entãorealizadas novas raspagens. Se forem negativas, otratamento pode ser interrompido. Se as raspagensainda revelarem ácaros, o tratamento deve continuarpor mais 30 dias (60 dias quando se trata de recidivas)seguido de novas raspagens (Scott et al., 2001; Hill,2002; Rhodes et al., 2004).

A cura parasitológica é conseguida quando as raspagens de pele não revelam ácaros (vivos ou mortos) em qualquer estádio de desenvolvimento. Acura definitiva é alcançada quando são obtidas raspa-gens negativas 4 semanas após a cura parasitológica edepois cada 3 meses por um período de 12 meses

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(Griffin et al., 1993). Note-se que a cura clínica antecede em semanas a meses a cura parasitológica eque muitas recidivas se devem à paragem precoce dotratamento (Carlotti et al., 1996). A reavaliação frequente permite reconhecer o desenvolvimento derecidivas e instituir o tratamento adequado antes doagravamento das lesões (Griffin et al., 1993; Hill,2002).

Entre 30% a 50% dos cães com DC com menos de1 ano de idade e em bom estado geral curam espon-taneamente com tratamento sintomático (Paradis,2000). Nestes casos há redução da contagem de ácarose melhoria clínica progressivas. Caso contrário, a curaespontânea é improvável e o tratamento acaricidaespecífico está indicado. Cães com DCG e mais de 1ano de idade necessitam sempre tratamento acaricida(Scott et al., 2001).

Existem poucos fármacos eficazes contra ácaros dogénero Demodex pelo que há que utilizá-los comprudência. O tratamento da DCG baseia-se no uso deacaricidas como o amitraz (tratamento tópico) e algu-mas lactonas macrocíclicas sistémicas (tratamentosistémico). Apenas a milbemicina oxima e a moxi-dectina estão licenciadas pelo Instituto Nacional daFarmácia e do Medicamento (INFARMED) para otratamento da DC, pelo que o proprietário deve autorizar a utilização de fármacos não licenciados.

Tratamento tópico (amitraz)

Apesar de não licenciado pelo INFARMED paraeste fim, o amitraz continua a ser uma opção no trata-mento da DCG. Esta formamidina, com actividadeagonista α2-adrenérgica e inibidora das monoami-noxidases e da síntese das prostaglandinas, possuiuma acção acaricida baseada na perturbação da trans-missão nervosa (antagonista ao nível dos receptoresda octopamina) (Hugnet et al., 1996; Rhodes et al.,2004).

O amitraz é aplicado sob a forma de banho, pordiluição aquosa da emulsão comercial. Para maxi-mizar os resultados do uso do amitraz, algumas medidas preparatórias são indispensáveis:

1. Cães de pêlo médio/longo devem ser sujeitos atosquia completa, rente e regular de forma a melhoraro contacto da solução aquosa de amitraz com a pele ea sua penetração nos folículos pilosos (Hill, 2002).

2. Remoção de todas as crostas. Nalguns casos énecessária a tranquilização ou mesmo anestesia, já que a remoção de crostas espessas e aderentes poderevelar-se muito dolorosa. O uso de agentes sedativosagonistas α2-adrenérgicos (ex: medetomidina, xilazina, benzodiazepinas) pode causar toxicidade sinergística e deve ser evitado. Caso contrário, a aplicação do amitraz deve ser adiada por 24 horas.

3. Banho completo com champô antisseborreico eantibacteriano, idealmente antes de cada tratamentocom amitraz. O banho em sistema de whirlpool

(corrente suave de água) é benéfico. Estes procedi-mentos, essenciais para um contacto óptimo da medicação com a pele afectada, podem conferir à peleum aspecto irritado. De seguida, o animal é gentil-mente enxugado com uma toalha para não haverdiluição adicional da solução de amitraz na água retida na superfície corporal (Hill, 2002). Outra opçãoé aplicar o banho 12 a 24 horas antes da solução deamitraz, embora a desejada actividade de flushingfolicular possa ser perdida neste intervalo.

4. A solução de amitraz deve ser aplicada continua-mente em todo o corpo (nas zonas afectadas e nãoafectadas) por um período mínimo de 10 minutos. Asextremidades podais devem ficar submersas ouenvolvidas por um pano embebido na solução e suave-mente massajadas, especialmente em caso de PD(Hill, 2002). O amitraz deve permanecer na pele porduas semanas. A secagem com toalha ou a suaremoção através de banhos, incluindo a água da chuvaou de piscinas está contra-indicada (Hill, 2002). Se as condições climatéricas constituírem um riscoimportante para infecções respiratórias, o uso desecador de ar quente ou a exposição a um radiador estásugerido, embora o calor possa agravar o eritema e oprurido. Se não for possível manter o animal secoentre as aplicações de amitraz, a aplicação seguintepode ser antecipada.

5. A solução de amitraz deve ser usada imediata-mente após a sua preparação. O amitraz, por oxidaçãoe acção dos raios ultravioletas, degrada-se em N-metilformamidina, substância muito mais tóxica do que a original. A solução de amitraz deve ser conservada num recipiente opaco bem fechado earmazenada ao abrigo da luz (Griffin et al., 1993;Ferrer, 1997; Scott et al., 2001). Embalagens fora deprazo, com depósito ou abertas há algum tempo nãodevem ser utilizadas (Nesbitt e Ackerman, 1998).

O consenso mais generalizado consiste em iniciar o tratamento com aplicações quinzenais de amitraz na concentração de 0,025% (peso/volume). Este protocolo permite obter percentagens de cura de 60%a 80% em cães com DCG e idade inferior a 18 meses(Nesbitt e Ackerman, 1998). Nos casos não respon-sivos ou quando após 8 a 10 tratamentos não se obtêmraspagens negativas, está indicado aumentar a frequência do tratamento para semanal, mantendo aconcentração a 0,025% (peso/volume) ou subindopara 0,05% a 0,100% (peso/volume). Esta alteraçãopoderá ser indicada mais cedo se o quadro clínico seagrava ou se as contagens dos ácaros aumentam ounão diminuem (Griffin et al., 1993).

Nos casos refractários aos tratamentos quinzenaisou semanais, recomenda-se utilizar outros fármacosacaricidas (ex: lactonas macrocíclicas sistémicas) ouusar o amitraz a 0,125% (peso/volume) em dias alter-nados em cada metade do corpo (Mathet et al., 1996).Num estudo realizado por Medleau e Willemse(1995), este protocolo mostrou uma percentagem de

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cura de 81% (38/47) nos cães com DC não tratadosanteriormente com amitraz e de 75% (18/24) noscasos refractários ao tratamento quinzenal ou semanal(Griffin et al., 1993; Nesbitt e Ackerman, 1998). Aduração média do tratamento foi de 3,7 meses e nãofoi observada toxicidade grave (Mathet et al., 1996;Nesbitt e Ackerman, 1998).

Acredita-se que até 20% dos casos não atingem ras-pagens negativas ou recidivam quando o tratamento ésuspenso (Scott et al., 2001). Alguns casos requeremtratamentos a cada 2 a 4 semanas por toda a vida paracontrolar a população de ácaros e manter o animal assintomático (Griffin et al., 1993).

Um estudo de Christophe Hugnet et al. (2001)avaliou a eficácia da aplicação semanal de solução deamitraz a 1,25% (peso/volume) associada à adminis-tração de antídotos (atipamezol e yohimbina) no tratamento da DCG. Este estudo mostrou uma percentagem de cura de 100% em 8 cães com DC comidades compreendidas entre os 4 meses e os 12 anos,previamente resistentes a múltiplos tratamentos deamitraz. O número médio de banhos necessário para acura parasitológica foi de 3 (2-5). O seguimento alongo prazo permitiu registar a ausência de recidiva 6a 36 meses após o último banho e por 12 ou maismeses em seis cães. É essencial testar este protocolonum número elevado de cães com DCG antes de serrecomendado (Hugnet et al., 2001).

A OD e a PD podem ser especialmente resistentesaos tratamentos com a solução aquosa. Vários autoresrecomendam a aplicação de amitraz em diluições (volume/volume) desde 1:9 até 1:60 em parafinalíquida ou propilenoglicol duas a três vezes por semana nas extremidades podais e no interior dos condutos auditivos (Knottenbelt, 1994; Rhodes et al.,2004). No caso de OD isolada, alguns autores suge-rem a utilização de uma solução ótica ceruminolíticaantes de recorrer ao amitraz já que o potencial paraototoxicidade ainda não foi suficientemente estudado.Protocolos similares são sugeridos para lesões localizadas, de forma diária ou em dias alternados(Nesbitt e Ackerman, 1998).

Vários autores recomendam que a primeira aplicação do tratamento tópico seja realizada na clínica veterinária, não só pela necessidade de umbom tratamento preparatório mas também comoforma de demonstração para o dono. A vigilância doanimal por um período de 12 a 24 horas permitereconhecer rapidamente efeitos adversos do tratamento (Griffin et al., 1993; Scott et al., 2001).

Os efeitos secundários mais comuns são sedaçãotransitória (pode durar 12 a 24 horas, sobretudo apóso primeiro tratamento) e prurido de intensidade variável nas primeiras aplicações. O aparente agrava-mento dos sinais clínicos não deve conduzir à interrupção do tratamento. À solução aquosa de amitraz deve adicionar-se um emoliente e hidratantepara minimizar o efeito secante. Irritação cutânea,

letargia e midríase são menos frequentes e tendem areduzir com os tratamentos seguintes. Outros efeitossecundários incluem reacções alérgicas (urticária eedema), vómito, diarreia, hiperglicémia, hipotermia,vasoconstrição, bradicárdia, convulsões e morteaguda. Deve aplicar-se uma pomada oftálmica nosolhos dos animais para proteger da acção irritante doschampôs e do amitraz (Booth e McDonald, 1998;Adams, 2001; Rhodes et al., 2004).

Cachorros com menos de 4 meses de idade, cãesgeriátricos ou debilitados e raças miniatura são maissujeitos ao desenvolvimento de reacções adversas.Nestes casos, o tratamento deve iniciar-se comsoluções mais diluídas [ex: 0,0125% (peso/volume)],reduzir o tempo de contacto com a solução ou tratarapenas metade do corpo de cada vez. A concentração,o tempo de contacto e a extensão da superfície corporal tratada são gradualmente aumentados se osprimeiros tratamentos são bem tolerados (Griffin etal., 1993; Booth e McDonald, 1998). O amitraz estácontra-indicado em cães de raça Chihuahua, em cãesdiabéticos e também em fêmeas gestantes (por nãohaver estudos de avaliação dos efeitos reprodutivos)(Booth e McDonald, 1998; Tennant, 2005).

Ocasionalmente, os efeitos secundários tornam-seprogressivamente mais severos com os tratamentos(Scott et al., 2001). A administração de yohimbina(0,1 mg/kg IV) ou atipamezol (0,2 mg/kg IM) estáindicada para reduzir ou reverter as reacções adversasimportantes. A atropina beneficia alguns animais maspode induzir arritmias cardíacas e potenciar a hipomotilidade gastrointestinal (Booth e McDonald,1998; Nesbitt e Ackerman, 1998). Se se pretende manter o tratamento com amitraz após reacções adversas intensas, o uso profiláctico de yohimbina (30 µg/kg SC 15 a 30 minutos antes de cada aplicação,seguido de 10 µg/kg SC cada 3 horas, segundonecessário, após o banho) está recomendado (Scott et al., 2001).

Os tratamentos com amitraz devem ser realizadosem local bem ventilado e com uso de protecção pelotratador (luvas, máscara e avental). Deve ser evitado ocontacto com os animais logo após o tratamento(Booth e McDonald, 1998). O amitraz é suspeito deser um agente carcinogénico para seres humanos.Mulheres grávidas e diabéticos não devem manipularo medicamento (Pucheu-Haston, 1999; Hillier et al.,2004). Dermatite de contacto, náuseas, vómitos,cefaleias do tipo enxaquecas, tonturas e episódiosasmatiformes podem afectar o tratador, mesmo quenão haja contacto cutâneo com a solução (toxicidadepor inalação). Os efeitos são mais prováveis em pessoasmedicadas com inibidores da monoaminoxidase (ex:antidepressivos tricíclicos, anti-hipertensores e anti-histamínicos) (Griffin et al., 1993). A solução concen-trada de amitraz é inflamável até que se dilua em águapelo que não deve ser manipulada próximo de faíscasou chamas (Tennant, 2005).

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Alguns autores advogam que o uso de coleirasimpregnadas com amitraz a 9% (peso/peso) pode sereficaz em cães até 20 kg. A região cervical do animaldeve ser tosquiada para permitir o contacto óptimo dacoleira com a pele e a coleira deve ser renovada cada2 semanas durante o tratamento. Segundo os mesmosautores, para cães pequenos, pode ser tão eficaz comoa ivermectina (0,6 mg/kg/dia PO). Ainda, o uso combinado de coleira impregnada com amitraz e deivermectina pode ter efeito sinergístico (Rhodes et al.,2004; Medleau e Hnilica, 2006).

Tratamento sistémico

Algumas lactonas macrocíclicas como a ivermectina,a milbemicina oxima e a moxidectina têm actividadecontra ácaros do género Demodex. Estes fármacosactuam nos invertebrados estimulando a libertaçãopré-sináptica do ácido gama-amino-butírico e poten-ciando a sua ligação aos seus receptores, provocandoo bloqueio neuromuscular, paralisia e morte do para-sita (Kwochka et al., 1998). Para alguns autores,aumentam a penetração dos iões de cloro no neuróniopós-sináptico pela elevada afinidade pelos canaiscloro-glutamato (Guaguère, 1996; Paradis, 2000).

O uso destes fármacos está indicado em casosresistentes ao amitraz, quando o amitraz produzreacções adversas inaceitáveis ou quando a sua aplicação se torna um problema para os donos (por sermuito laborioso, implicar bastantes cuidados e serpotencialmente tóxico). A sua administração a cachorros com menos de 12 semanas de idade deve ser rodeada de cuidados adicionais (Nesbitt eAckerman, 1998).

Devido à sua acção microfilaricida, os cães devemapresentar resultados negativos nos testes de pesquisade Dirofilaria sp. antes de iniciarem o tratamento comestes fármacos (Ferrer, 1997). Cães com DCG adultaou PD respondem menos do que cães com DCG juvenil (Nesbitt e Ackerman, 1998). A duração médiade tratamento com as lactonas macrocíclicas é de 4meses (3-9). O tratamento deve ser continuado porpelo menos 1 mês após a cura parasitológica (2 a 3meses para os casos que demoram mais a responder).A milbemicina oxima é mais dispendiosa mas temmenor potencial tóxico que a ivermectina e a moxi-dectina. A moxidectina é mais lipofílica que a ivermectina e deve ser usada com precaução em animais magros ou debilitados (Paradis, 2000).

Ivermectina

As formulações de ivermectina sob a forma de solução injectável e pasta oral são susceptíveis de administração oral a canídeos de forma não licen-ciada. O sabor destas formulações pode ser muitodesagradável para alguns cães, induzindo salivaçãointensa e perda do medicamento, sendo recomendadoo uso de engodos. A ivermectina administrada na dose

de 0,3-0,6 mg/kg/dia PO tem mostrado percentagensde cura entre 83% e 100% (Scott et al., 2001). Nasdoses superiores, as percentagens de cura são maiselevadas e as recidivas menos frequentes (0% a 26%),mesmo nos casos previamente refractários ao tratamento com amitraz. Está recomendado iniciar a administração de ivermectina na dose de 0,1mg/kg/dia e incrementar em 0,1 mg/kg/dia até umadose máxima de 0,6 mg/kg/dia para minimizar o riscode efeitos secundários (Lopez, 1998; Nesbitt eAckerman, 1998; Hill, 2002). A duração média dotratamento até à completa resolução é de 10 a 12 semanas (Mathet et al., 1996) (Figuras 17 e 18). Asreacções adversas à ivermectina incluem midríase,anorexia, hipersiália, tremores, letargia, depressão,ataxia, distúrbios comportamentais, cegueira,decúbito e mesmo coma e morte nos casos muitograves (Booth e McDonald, 1998; Medleau et al.,1996; Hill, 2002). Surgem habitualmente 4 a 12 horasapós a administração, são raras e na maioria dos casosresolvem em alguns dias com a redução da dose ou asuspensão da administração (Medleau et al., 1996).Alguns casos necessitam de tratamento de suporte quepode incluir fluidoterapia endovenosa, administraçãode carvão activado, alimentação forçada e prevençãode úlceras de decúbito (Ristic et al., 1995). A administração de fisiostigmina e de picrotoxina também está sugerida nas intoxicações graves(Guaguère, 1996). A intoxicação pode surgir porsobredosagem ou por reacção idiossincrática.

Numa investigação do Washington State UniversityCollege of Veterinary Medicine em Collies demons-trou-se que a sensibilidade acrescida aos efeitos neurotóxicos da ivermectina resulta de uma mutaçãopor delecção do gene MDR1 (gene Multiple DrugResistance 1) (Mealey et al., 2001). Esta mutaçãoprovoca uma deslocação de fase que gera uma stopcodon prematura no gene MDR1, resultando numaproteína (glicoproteína-P) gravemente truncada, nãofuncional. Ensaios com murganhos knockoutMDR1a(-/-) demonstraram que a glicoproteína-Ptransporta activamente a ivermectina do tecido cerebral para a circulação periférica, impedindo a suaacumulação e a sua toxicidade neste tecido (Dicato etal., 1997). Nos Estados Unidos da América, aprevalência desta mutação nos Collies é relativamentealta: 22% são homozigóticos para o alelo normal(MDR1 selvagem/selvagem), 42% são heterozigóticosportadores (MDR1 selvagem/mutante) e 35% sãohomozigóticos para o alelo mutante (MDR1mutante/mutante) (Mealey et al., 2002). Dados semelhantes foram registados a partir de Collies deFrança e da Austrália (Margo, 2007). Esta mutação foitambém demonstrada nas raças Pastor Australiano,Pastor das Shetland, Pastor Alemão branco, entre outras. Os animais homozigóticos para o gene mutanteexibem sensibilidade à ivermectina, os heterozigóticospoderão ser sensíveis e os homozigóticos para o gene

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normal não são sensíveis à neurotoxicidade da iver-mectina. A ivermectina está por isso contra-indicadanos homozigóticos para o gene MDR1 mutante já quepodem desenvolver reacções adversas graves mesmocom doses únicas muito baixas (0,1 mg/kg) (Mealey etal., 2001, 2002). Nos heterozigóticos, o seu uso deveser muito prudente. A sensibilidade acrescida estátambém descrita no Bobtail (Nesbitt e Ackerman,1998). A sensibilidade a outras avermectinas emCollies e noutras raças de cães pastores também foireferida (Tranquilli et al., 1991; Plumb, 2002). Sem oacesso a este tipo de informação, o uso das avermecti-nas nas raças sensíveis identificadas reveste-se de umrisco importante, facto que deve ser compreendido eaceite pelo proprietário. Dados preliminares de umestudo sobre a administração de ivermectina (0,45-0,6mg/kg) em dias alternados sugerem que o tratamentodiário pode não ser necessário. A associação do trata-mento tópico semanal com amitraz à administraçãooral diária de ivermectina pode desencadear neuroto-xicidade grave (Scott et al., 2001; Rhodes et al.,2004).

Milbemicina oxima

A milbemicina oxima usada na dose de 0,5-2mg/kg/dia PO, mostra percentagens de cura de 15% a92% (Nesbitt e Ackerman, 1998; Scott et al., 2001).As doses mais elevadas estão associadas com as melhores percentagens de cura. O tratamento dura emmédia 3 meses (Nesbitt e Ackerman, 1998). Este protocolo parece ser bem tolerado nas raças sensíveisà ivermectina (Garfield e Reedy, 1992; Hill, 2002). Asreacções adversas (estupor, ataxia e tremores transi-tórios) são raras e desaparecem com a interrupção dotratamento (Paradis, 2000).

Moxidectina

Existe pouca informação sobre o uso da moxidectina.Administrada na dose de 0,2-0,4 mg/kg/dia PO,mostra percentagens de cura entre 88% e 100%

(González et al., 1998). A duração do tratamento variade 2 a 5 meses (Lopez, 1998). As reacções adversas(anorexia, letargia, tremores, ataxia e estupor) sãoraras e passageiras (Paradis, 2000). Está tambémdisponível sob a forma de spot on com 2,5%(peso/volume) de moxidectina para o controlo dedemodicose (causada por D. canis), na dose de 0,1ml/kg preconizando 2 a 4 aplicações a cada 4 semanas, mas não especificando qual a forma dadoença (Bayer, 2003). Apesar do fabricante reportaruma redução de 97,84% no número de ácaros nos cãestratados com este regime, no final do estudo foramencontrados ácaros num número significativo de cães(Bayer, 2003). Muitos autores acreditam que a moxi-dectina neste regime não é eficaz para o tratamento da DCG, recomendado mais estudos para avaliar aeficácia de regimes não autorizados (Bonagura eTwedt, 2009).

Doramectina

Há relatos de que a doramectina na dose de 0,6mg/kg SC uma vez por semana é eficaz na DC compercentagens de cura de cerca de 85%. As reacçõesadversas (midríase, letargia, cegueira e coma) sãoraras (Medleau e Hnilica, 2006; Bonagura e Twedt,2009).

Em todos os trabalhos publicados, a percentagem decura clínica excede a verdadeira percentagem de cura,com recidivas em 10% a 45% dos casos. As recidivaspodem surgir em qualquer altura mas são mais observadas nos primeiros 3 meses após o fim dotratamento, possivelmente por tratamento insufi-ciente. Se a recidiva surge nos primeiros 3 meses, otratamento mais vigoroso (dose e/ou frequência) como mesmo fármaco pode levar à cura. Se o segundotratamento falha ou se a primeira recidiva ocorre 9 oumais meses após o fim do tratamento, provavelmentetratamentos adicionais com o mesmo fármaco nãoconduzem à cura. Fármacos alternativos devem serusados.

Com os tratamentos actuais nem todos os cães comDC alcançam a cura. Nestes casos, o dono pode escolher entre o tratamento crónico de manutenção e aeutanásia. Os autores acompanham dois casos emtratamento com ivermectina em dias alternados (0,6mg/kg) há cerca de 3 anos sem que tenham manifesta-do sinais de toxicidade. Outros autores relatam algunscasos de tratamento oral cada 2 a 3 dias com ivermectina ou milbemicina oxima por períodos de 4ou mais anos, igualmente sem efeitos secundários(Scott et al., 2001).

Imunoestimulantes

O uso de imunoestimulantes inespecíficos para melhorar a resposta ao tratamento específico de DC éadvogado por alguns. Um medicamento imunológico

Figura 17 - O mesmo cão da figura 10, 87 dias após o início do trata-mento. Note-se a melhoria significativa (original).

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recente à base de Propyonibacterium acnes e E. coli,que induz a activação de macrófagos, a proliferação ediferenciação de linfócitos B e a produção de citoquinas, vem colmatar uma lacuna na estratégia detratamento da DC. A utilização deste produto comocoadjuvante ao protocolo convencional acaricida podepermitir reduzir a sintomatologia e o período de recuperação da DC (Calier, 2006).

Prognóstico

O prognóstico varia com o tipo de demodicose, aidade de início da doença e a presença de patologiasconcomitantes. Os casos de DCL são mais benignosdo que os casos de DCG. A DCG juvenil tem prognós-tico menos grave do que a DCG adulta. Os resultadosterapêuticos parecem variar em função da patologiaassociada. As causas iatrogénicas e as causas nãoidentificadas têm melhor prognóstico (100% e 80% depercentagens de cura, respectivamente) do que ohiperadrenocorticismo espontâneo (57,1%) ou ohipotiroidismo (25%). O tempo necessário para a curaparasitológica parece depender da carga parasitáriainicial (Guaguère, 1991).

Prevenção

A ovario-histerectomia está recomendada por duasrazões: por a doença poder exacerbar ou recidivaraquando do estro e por afastar as fêmeas afectadas daslinhas de reprodução. (Nesbitt e Ackerman, 1998;Hill, 2002). Apesar de a American Academy ofVeterinary Dermatology recomendar desde 1981 aesterilização dos animais com DCG e dos reprodutoresque geram ninhadas afectadas, enquanto o carácterhereditário da doença não for definitivamente provadoserá difícil implementar esta medida no universo doscriadores de raças puras (Mathet et al., 1996; Gross etal., 2005).

Conclusão

A DC é uma doença parasitária cutânea grave resul-tante da multiplicação exagerada de ácaros do géneroDemodex na pele dos cães. Das três espécies deDemodex spp. descritas, a espécie D. canis é a maisfrequentemente diagnosticada. Os ácaros do géneroDemodex são habitualmente comensais. Um distúrbiona regulação da sua população resulta numa multipli-cação exagerada e no aparecimento da doença. Pensa--se que em cães jovens até 1 de idade este distúrbioestá relacionado com um defeito genético na respostaimunitária específica contra o ácaro. Nos cães adultosparece estar relacionado com outras doenças quedebilitem o sistema imunitário. A observação

microscópica do produto de raspagem cutânea é oprincipal meio de diagnóstico. Em casos particulares abiópsia ou o tricograma são necessários para o diagnóstico. A DC pode manifestar-se por diversasapresentações clínicas de acordo com a idade de inícioda doença (forma juvenil ou forma adulta) e com aárea corporal afectada (forma localizada ou formageneralizada). A anamnese permite, na maioria doscasos, a sua distinção. A DC localizada e a DC juvenilsão mais benignas do que a DC generalizada e a DCadulta. O tratamento da DC localizada é sobretudoconservativo, baseado na aplicação tópica de champôse cremes anti-sépticos, evitando o uso de fármacosacaricidas. O tratamento da DC generalizada baseia-seno uso de acaricidas como o amitraz (tratamento tópico) e algumas lactonas macrocíclicas sistémicas(tratamento sistémico). O amitraz aplicado em soluçãoaquosa sobre a pele dos cães com demodicose permitepercentagens de cura elevadas. A utilização das lactonas macrocíclicas revolucionou a abordagem terapêutica, melhorando as percentagens de cura e tornando o tratamento mais cómodo. Em todos oscasos a piodermite associada deve ser tratada. Apesardas elevadas percentagens de cura podem surgirrecidivas em 10% a 20% dos casos. A investigação dosfactores genéticos e imunitários envolvidos na DCpode permitir o desenvolvimento de novos fármacospara o seu tratamento.

Figura 18 - O mesmo cão da figura 8 após tratamento. Note-se a recu-peração clínica completa (original).

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