departamento de taquigrafia, revisÃo e redaÇÃo … · dr. márcio lopes e dr ... todos os...
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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE AGRICULTURA E POLÍTICA RURALEVENTO: Audiência Pública N°: 1930/03 DATA: 12/11/03INÍCIO: 10h23min TÉRMINO: 13h36min DURAÇÃO: 03h13minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h12min PÁGINAS: 58 QUARTOS: 39
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOFRANCISCO FLAMARION PORTELA - Governador do Estado de Roraima.MÁRCIO LOPES DE FREITAS - Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras —OCB.LEÔNCIO DE SOUZA BRITO FILHO - Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Indígenasda Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil — CNA.MÉRCIO PEREIRA GOMES - Presidente da Fundação Nacional do Índio — FUNAI.
SUMÁRIO: Debate sobre a questão fundiária e a demarcação de terras indígenas no Estado deRoraima: causas, efeitos e possíveis soluções em relação ao espaço geográfico agricultável.
OBSERVAÇÕESHá exibição de imagens.Há intervenção inaudível.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Declaro aberta a reunião de
audiência pública da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados
convocada para discutir a questão fundiária e a demarcação de terras indígenas no
Estado de Roraima: causas, efeitos e possíveis soluções em relação ao espaço
geográfico agricultável.
Foram convidados para participar desta audiência pública, como palestrantes, o Sr.
Francisco Flamarion Portela, Governador do Estado de Roraima; o Sr. Márcio Lopes de
Freitas, Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras — OCB; e o Sr. Leôncio
de Souza Brito Filho, Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Indígenas da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil — CNA. Peço aos senhores a gentileza
de vir compor a Mesa.
Solicito ao Deputado Almir Sá, autor do requerimento que possibilitou a realização
desta audiência pública, que também se junte a nós.
Informo aos Srs. Deputados que nossos convidados terão para sua exposição
inicial prazo de 20 minutos, prorrogável, se necessário, não podendo, durante esse
intervalo de tempo, ser aparteados. Os Deputados inscritos para interpelar os expositores
terão prazo de 3 minutos, dispondo os expositores do mesmo tempo para responder,
facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo.
Agradeço a todos os Srs. Parlamentares e em especial ao Governador de Roraima
a presença.
Registro com enorme prazer a presença neste plenário do Presidente da Fundação
Nacional do Índio — FUNAI, Dr. Mércio Pereira Gomes, a quem também convido para
compor a Mesa.
Com a palavra o Sr. Governador Flamarion Portela, pelo prazo de 20 minutos.
O SR. FRANCISCO FLAMARION PORTELA - Bom dia a todos.
2
Sr. Presidente, Deputado Waldemir Moka, em seu nome saúdo todos os
membros desta Comissão de Agricultura. Dr. Márcio Lopes e Dr. Mércio Gomes,
Presidente da FUNAI, meus cumprimentos. Deputado Almir Sá, em seu nome saúdo
todos os Deputados Federais de Roraima. Agradeço ao Senador Augusto Botelho,
do nosso querido Estado, a presença. Em nome da sociedade roraimense,
agradeço a esta Comissão a oportunidade de um Estado pequeno como Roraima
poder fazer aqui uma manifestação.
Faremos uma breve demonstração das nossas potencialidades, ao mesmo
tempo retratando nossa angústia maior, a solução definitiva e rápida para a questão
fundiária. Começarei descrevendo um pouco do nosso Estado.
(Segue-se exibição de imagens.)
Roraima está localizada no extremo norte do País e tem mais de 70% da sua
área no hemisfério norte. Somos cortados pela linha do Equador. Estamos num
hemisfério rico, apesar de sermos pobres. Ocupamos algo em torno de 4% da
Amazônia ou 2,6% do território nacional. Temos praticamente 1.900 quilômetros de
área de fronteira, com a Guiana e com a Venezuela. Nosso Estado tem, portanto,
potencial para a conquista de mercados, mas essa conquista só virá se alcançarmos
níveis de produção competitivos.
Temos projetos importantes no Estado, no Arco Norte, apoiados pelo
Ministério do Desenvolvimento, pelo BNDES e pelo Investe Brasil, numa integração
com a Guiana, com o Suriname e com o Estado do Amapá.
Este trecho até a fronteira está asfaltado, com condições de trafegabilidade.
Falta o trecho da Guiana. A rodovia vai agregar toda a Região Norte, até o Estado
do Amazonas, que tem na Zona Franca de Manaus um pólo de eletroeletrônicos
muito forte.
Aqui demonstramos a nossa proximidade com os portos. Temos no lado
brasileiro o porto de Itaquatiara e nos países vizinhos o da Venezuela e o de
Georgetown, na Guiana. O mais próximo de Roraima é o da cidade de Bolívar, a
836 quilômetros. Portanto temos como levar nossos produtos ao resto do mundo.
Condição viária do Estado.
A BR-174 nos liga ao Estado do Amazonas e à Venezuela. Já há uma
estrada asfaltada que sai de Manaus, passa por Roraima e vai até a Venezuela.
Uma família pode perfeitamente viajar de automóvel de Manaus até a Venezuela,
para passar as férias na Ilha Margarita. A BR-174 está totalmente asfaltada.
Problemática energética.
Hoje temos fornecimento de energia bastante confiável, haja vista que o
complexo de Guri, na Venezuela, nos abastece. Temos o prazer de poder dizer que
Roraima tem energia sobrando. Importamos 200 megawatts, e nosso pico de
consumo atinge 70 megawatts; conseqüentemente temos algo em torno de 130
megawatts de energia sobrando. Essa energia está sendo levada até as
comunidades rurais do Estado, para dar a elas não só conforto, mas também
condições para irrigar o solo e assim aumentar a produção.
Um pouco do nosso aspecto econômico.
Vivemos uma condição até de pobreza em função da questão fundiária, que
tem realmente amarrado o nosso desenvolvimento. Temos uma população de
aproximadamente 324 mil habitantes, segundo o Censo 2000, espalhados numa
área de 225 mil quilômetros quadrados. Nossa área é grande. Temos baixa
densidade demográfica, mas com concentração bastante forte na cidade de Boa
Vista. No Estado há somente 15 Municípios.
Comportamento do crescimento populacional na Amazônia.
Na Amazônia, o crescimento populacional foi de algo em torno de 10,4% de
1996 a 2000. Roraima teve, no mesmo período, crescimento bem maior, de 31,2%.
Esses números mostram que recebemos um fluxo migratório muito grande,
conseqüentemente estamos sempre devendo no que concerne a demandas sociais.
Aqui os senhores podem ver o comportamento desse crescimento em 2001 e
2002. Observem que nosso crescimento populacional é bem diferenciado do resto.
Queremos também comparar nossa renda per capita com a do Norte e com a
do Brasil. Roraima tem renda per capita de R$ 3.417,00, enquanto a renda no Norte
é de R$ 3.900,00 e, no Brasil, de R$ 6.000,00. Portanto nós registramos 87% do
PIB per capita regional e 53% do nacional, além de termos, no contexto nacional,
uma capacidade de exportações de 0,01%, bastante reduzida. Somos um Estado
absolutamente dependente de transferências do FPE. Oitenta por cento das nossas
receitas são oriundas do FPE e somente 20% da nossa economia são gerados com
recursos próprios. Temos a menor receita do País.
Aqui começamos a mostrar a situação do nosso território. Os senhores
podem observar que já temos 46,17% da nossa área destinada a reservas
indígenas, para uma população de 23 mil habitantes, segundo dados do IBGE de
2000. Já o Instituto Socioambiental — ISA diz que Roraima tem 31 mil índios. Os
dados são divergentes, por isso fazemos questão de destacar um e outro. Nenhum
deles, nem mesmo o dado do ISA, alcança 10% da nossa população. Aqui estão
áreas militares, rochosas e inundadas. Conseqüentemente, a área remanescente é
de em torno de 7.700. Retirado tudo isso, temos 33% da área total.
Fizemos questão também de trazer esta observação sobre os nossos
lavrados. Os lavrados em Roraima são os campos naturais, são as savanas, os
cerrados. Nossos campos naturais têm hoje em torno de 2 milhões e 14 mil
hectares. Aplicado o Código Florestal, esse número desce para 1 milhão e 200 mil.
Com real aptidão agrícola, temos 723 mil hectares, segundo estudos feitos e refeitos
por técnicos da EMBRAPA.
Então, de 17% do nosso território, nós reduzimos os campos naturais para
700 mil hectares. Da nossa região de mata, onde há floresta tropical, floresta de
transição e campos naturais, restariam 5 milhões e 400 mil hectares. Aplicado o
Código Florestal, esse número cairia para 1 milhão. Somados um e outro, chegamos
a 2 milhões de hectares. Conseqüentemente, temos, com capacidade de produção,
resolvida a questão fundiária, 2 milhões de hectares, de uma área de 22 milhões de
hectares.
Esta parte vermelha mostra as demarcações já reconhecidas e homologadas
pela FUNAI. A ampliação de algumas áreas está em discussão.
Fizemos questão de comparar Roraima com outros Estados da Amazônia.
Vejam aqui o Amazonas, o Pará, Rondônia, o Acre, o Amapá e Tocantins. Roraima
é realmente bem diferente.
A seguir vamos ver o que representam estas outras áreas. Aqui estão as áreas
indígenas; aqui as áreas do Exército Brasileiro, que também tem território
significativo; aqui as áreas do IBAMA, as unidades de conservação; aqui as áreas
alagadas e as áreas montanhosas. O que sobrou de área livre é isto aqui. Roraima
tem somente esta área livre. Bem aqui o Rio Branco deságua no Rio Negro, uma
região bastante alagada. São cerca de 3 milhões de hectares alagados no Baixo Rio
Branco que talvez no futuro tenhamos de aproveitar como unidade de conservação,
para ecoturismo, uso econômico. Em termos de exploração para cultivo, é uma área
bastante difícil de trabalhar, a não ser que avance a tecnologia. Daqui tiramos mais
3 milhões. Esta parte amarela é o que realmente Roraima tem livre.
Fizemos questão de mostrar a evolução das nossas áreas. Esta é a área dos
ianomâmis, com aproximadamente 10 mil índios. Para essa população estão
reservados 9 milhões e 400 mil hectares de terra, uma área maior do que a de
Portugal.
O próximo slide vai mostrar uma evolução.
Aqui está a Raposa Serra do Sol, hoje a área mais emblemática, motivo desta
discussão, porque já há uma portaria de criação da reserva, faltando apenas a
homologação do Presidente da República.
A Raposa Serra do Sol, antes mesmo do ato jurídico perfeito e da decisão
derradeira do Sr. Presidente da República, já foi ampliada 4 vezes. Aqui eu mostro
algumas.
Em 1984, ela foi ampliada algumas vezes; em 1987, uma; em 1993, outra. O
Ministro Nelson Jobim, que lá esteve quando foi Ministro da Justiça, diz que não
encontrou nenhuma justificação histórica, antropológica ou jurídica para a
ampliação, de 1987 para 1993, de 1 milhão e 300 mil para 1 milhão 687 mil
hectares, mais de 300 mil hectares, num período tão curto.
Ainda há mais uma imagem, que mostra a ânsia expansionista permanente
nessas áreas.
Aqui estão os mapueras-trombetas. Há 10 anos, eles estavam a 150
quilômetros do Estado de Roraima, no Rio Trombetas. Vieram avançando e hoje
têm mais de 600 mil hectares. São apenas 700 índios. Destacamos estes dados
para mostrar a expansão permanente de áreas que tem havido nos últimos anos.
Fizemos questão de trazer um decreto da época do ex-Presidente Figueiredo,
que determinou que as pessoas que fossem retiradas das áreas indígenas seriam
necessariamente reassentadas. Isso nunca foi cumprido. Depois ainda houve
decreto dos ex-Presidentes Sarney e Fernando Henrique Cardoso, mas os
reassentamentos nunca foram cumpridos. Cerca de 500 famílias foram retiradas
dessas áreas com indenização até duvidosa, porque a avaliação feita hoje é paga
daqui a muitos anos, então fica bastante defasada. Os assentamentos não foram
feitos. O decreto do ex-Presidente Figueiredo até nomina as pessoas que tinham de
ser reassentadas: a D. Maria José, o Seu Pedro da Silva, o Francisco Costa. Nem
com a determinação expressa o reassentamento foi cumprido.
Vamos falar um pouco da nossa condição social, para que os senhores
entendam o contexto em que Roraima vive.
Nosso crescimento populacional é muito grande, porque as pessoas se
mudam para Roraima buscando uma condição de vida melhor. Isso aconteceu
comigo. Fui para Roraima em 1983, também atrás de conquistar uma vida melhor.
O êxodo rural no Estado também é muito forte. Por que ele acontece? Nós ouvimos
muito falar em assentamento, mas a verdade é que o INCRA não assenta, ele joga
a pessoa numa área, sem transporte, sem escola, sem saúde, sem condições
mínimas para uma vida digna. Então o assentado começa a produzir, mas depois se
muda para a cidade grande.
De todos esses assentados, só 25% estão efetivamente no lote, o resto migrou para
os centros urbanos, especialmente para Boa Vista, que concentra 63% da
população do Estado. Cresce a violência e a prostituição infantil. A taxa de
analfabetismo aumenta em Roraima, não porque o Estado não faça nada para
combatê-lo. Fazemos muito, e bem. O problema é que recebemos muita gente de
outros Estados, e essas pessoas chegam sem nenhuma condição intelectual. A
nossa taxa de analfabetismo cresce à proporção do avanço do fluxo migratório.
Quanto a empregos, queremos ressaltar que um segmento muito forte no Estado, já
enraizado e consolidado, é a rizicultura. Roraima é abastecida com 30% dessa
produção, e o resto é vendido para o Amazonas, para Belém, para Santarém, para a
Venezuela. Esse setor gera bastante emprego, ao lado da fruticultura e da pecuária
de corte. Temos algumas áreas com uma pecuária bastante razoável.
Dado importante. Em 1979, Roraima tinha em torno de 400 mil cabeças de gado. No
mesmo ano, Rondônia — não sei se aqui há algum Deputado de Rondônia —
também tinha em torno de 400 mil cabeças de gado. A pecuária em Roraima era
extensiva, feita nos campos naturais. Como muitos deles se tornaram área indígena,
os pecuaristas se mudaram. Roraima tem hoje 430 mil cabeças de gado, e
Rondônia 9 milhões de cabeças de gado. A diferença é muito grande. Rondônia
transformou-se de Território em Estado em 1981.
A agricultura familiar, apesar de termos só 25% de assentados, gera 4 mil
empregos. Os outros setores são o das madeireiras e o de móveis.
Geramos, no setor primário, em torno de 21 mil empregos. Esse número é
importante, significativo, mas tem de aumentar. Os senhores verão que estamos
diante de uma situação social difícil.
Há pouco tempo, a Universidade de Brasília — UnB fez um concurso público em
Roraima. Amanhã deve sair seu resultado. No começo do ano, fizemos concurso
público para a Polícia Civil, agora fizemos um concurso geral. Roraima tem uma
população de 324 mil habitantes e algo em torno de 42 mil servidores. O número é
expressivo, e nunca houve concurso público. Nesse enxugamento que estamos
fazendo com o concurso, é possível retirar do serviço público umas 17 mil pessoas.
É uma projeção que, se confirmada, terá grande impacto social. Eu costumo dizer
que pode até ocasionar um desequilíbrio. Ficamos preocupados com as
conseqüências dessa mudança. Essas 17 mil pessoas representam 11% da
população economicamente ativa do Estado.
Além do momento difícil por que passa a nossa economia, somos absolutamente
dependentes. Se uma gripe atinge a União, Roraima pega uma pneumonia. Somos
tão dependentes que qualquer mudança no comportamento da receita reflete em
Roraima e eventualmente provoca desemprego.
Diante de tudo isso, temos implantado programas para estimular o segmento
primário. Procuramos apoiar a agricultura familiar, ressaltando sempre o
desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas, especialmente. Temos
feito alguns programas com a comunidade indígena.
Aqui está o Presidente da FUNAI. É bom destacar que, ao longo de sua existência
— não estou criticando o atual Presidente —, a FUNAI sempre se preocupou em
demarcar as áreas indígenas. Somos plenamente favoráveis a isso. Nem o
Governador, nem a bancada, nem a sociedade de Roraima é contra a demarcação
das terras indígenas, sob hipótese alguma. Mas queremos que a demarcação seja
feita com racionalidade, seguindo o princípio da lógica área/índio, para que os mais
de 90% da população não-índia tenham condição de construir seu caminho de
progresso, de riqueza, de bem-estar.
O apoiamento às comunidades indígenas, a sustentabilidade dessas
comunidades advém do Governo. A FUNAI não tem uma política — estou dizendo
isto na frente do Presidente da Fundação — que dê ao índio melhores condições de
vida, que gere nele a expectativa e a esperança de ver seu filho ter uma vida mais
digna do que a que tem hoje seu pai. A demarcação por si só não resolve a questão
indígena; ela tem de estar associada a projetos, programas e ações que visem à
melhoria da qualidade de vida do índio.
Roraima é, na verdade, um grande esteio. A energia das comunidades
indígenas é bancada pelo Estado. Nossa companhia de energia abastece 126
comunidades, mas só 36 pagam pela energia. Das 90 localidades que não pagam
energia, 46 são comunidades indígenas. Tudo é bancado pelo Estado. A população
não paga nenhuma taxa, absolutamente nada. Da mesma forma a água, a estrada,
a saúde, a escola. E há concurso público para professores indígenas,
especificamente para indígenas, custeados pelo Estado.
Implantamos este ano um convênio com a Universidade Federal de Roraima,
para habilitar no 3º grau só os professores indígenas que foram concursados e que
são professores nas comunidades. Eles terão a oportunidade de fazer um curso
superior bancado pelo Estado.
É importante destacar que a grande parceria com as comunidades é
construída pelo Governo. Em algumas, estamos desenvolvendo projetos de
piscicultura. Aqui estão o Senador Augusto Botelho e o Deputado Rodolfo,
idealizadores dessa iniciativa. Eles é que me trouxeram a proposta de criação de
peixes em tanques de rede na comunidade da Raposa, por exemplo. Estão aí os 2.
Na comunidade do Flexal, temos um projeto importante de produção de
feijão. A comunidade já está produzindo. O Estado embalou o feijão e já lançou o
produto no mercado com a marca Feijão Flexal. Nosso feijão está sendo vendido
nos supermercados.
Zoneamento econômico e ecológico.
Estamos lançando o Projeto Apoio ao Empreendedorismo, com a finalidade
principal de dar às pessoas que estão deixando o serviço público uma alternativa de
renda.
Programa de Produção de Grãos.
Mesmo com todas as dificuldade, Roraima tem estimulado a produção de
grãos, dadas as nossas potencialidades e os mercados que estão ao nosso lado. A
Venezuela tem 26 milhões de habitantes e é a quinta maior reserva de petróleo do
mundo. Já ouvi o Presidente Hugo Chávez dizer em pelo menos duas ocasiões que
a soja que importam do Brasil é questão de segurança nacional. A Venezuela só
produz 20% do que consome. A soja que eles compram do Brasil sai do Porto de
Paranaguá e atravessa 1.500 quilômetros a mais do que a soja produzida em
Roraima, se tivermos produção em alta escala para atender aos nossos irmãos
venezuelanos, a 215 quilômetros da Capital, Boa Vista. A estrada está asfaltada, e
há também cidades na fronteira.
Com o Programa Pró-Calcário, queremos estimular, em parceria com os
produtores, a correção do nosso solo.
Estes são programas sociais do Governo para as pessoas carentes.
Fizemos o Conjunto Cidadão. No Dias das Mães, entregamos mil casas às
famílias carentes, principalmente às mulheres. Colocamos as casas todas no nome
das mães, porque sabemos que elas têm mais compromisso e mais amor pela
família. Jamais uma mãe vai vender sua casa e desabrigar a família. Nesse mesmo
local está o Centro de Geração de Emprego e Renda, além do Pró-Custeio, para
estimular a agricultura familiar.
Amanhã faremos uma apresentação para a comissão interministerial
nomeada pelo Presidente Lula a pedido da nossa bancada. Eu e os 11
Parlamentares de Roraima fomos ao Ministro José Dirceu, que por sua vez levou
nosso pleito ao Presidente Lula. Foi nomeada uma comissão interministerial para
analisar de forma global a questão fundiária de Roraima, não emblematicamente a
questão indígena.
Na verdade, meus caros Parlamentares, Roraima é um Estado virtual.
Metade do Estado é administrada pela FUNAI, a outra metade pelo INCRA. Se
qualquer um dos senhores me disser que está indo a Roraima e quer 0,5 hectare de
terra para plantar banana, terei de ter coragem para dizer, olho no olho, que o
Estado não tem nenhuma gerência sobre suas terras. O governante absorve os
problemas, as demandas, mas não tem nenhum poder de gerenciamento sobre as
terras do Estado, esta é a verdade. Por isso fazemos a provocação.
Vamos apresentar não a proposta do governante — faço questão de destacar
—, mas a proposta da classe política e da sociedade de Roraima, uma proposta que
representa o que o povo pensa. Faremos isso já amanhã.
Outro ponto importante. Temos a necessidade urgente de tecnificação da
agricultura familiar. Os senhores já viram, em duas ocasiões, no ano passado e em
1998, as queimadas. As primeiras colônias agrícolas de Roraima foram implantadas
pelo ex-Governador Valério Caldas de Magalhães, em 1953 — a do Taiano e a do
Mucajaí. Hoje, as comunidades assentadas pelo INCRA utilizam a mesma
tecnologia daquela época: derrubam, queimam e plantam.
Cinqüenta anos depois, em nada avançamos. Temos de dar aos produtores
condições de trabalhar menos e produzir mais. Esse é o nosso desafio. Esta
proposta foi apresentada no começo do ano, logo após as queimadas, à equipe do
Ministério do Meio Ambiente, à Ministra Marina Silva. É importante que haja
cooperação técnica entre os Municípios, o Estado e a União. Precisamos substituir a
prática da queimada. Queremos desenvolver culturas permanentes como a
fruticultura e promover o fortalecimento da piscicultura, da apicultura, da pecuária de
leite. O setor madeireiro gera bastante emprego em Roraima. O manejo florestal
também é importante para a agricultura familiar.
Quanto à problemática indígena, estamos pedindo que as indenizações
sejam justas e os reassentamentos cumpridos. Se uma pessoa foi tirada da área
que habitava há séculos, ela deve ser indenizada e reassentada de forma justa. Isso
é imperioso. Ela não pode ficar jogada na periferia dos centros urbanos. Já
dissemos isso ao Ministro, quando lá esteve, a toda a classe política e ao setor
produtivo.
Temos em Roraima 4 comunidades indígenas: Sodiur, Alidici, Arikon e Apir,
mais o CIR. As quatro comunidades apresentaram uma proposta, e o CIR outra.
(Intervenção inaudível.)
O SR. FRANCISCO FLAMARION PORTELA - As organizações indígenas.
Desculpe, organizações indígenas.
Concordamos com a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, mas
estamos tentando excluir dela algumas áreas importantes.
No final da exposição eu mostrarei no mapa a reserva waimiri-atroari. Essa
comunidade veio do Amazonas e já tem mais de 500 mil hectares de terra em
Roraima. Quando o ex-Presidente José Sarney a homologou, se não me falha a
memória, em 1989, estava escrito no decreto homologatório mais ou menos o
seguinte: estarão excluídos da reserva waimiri-atroari a BR-174 e sua faixa de
domínio e também o Lago de Balbina. Balbina é a nossa hidrelétrica, e a BR-174 é a
rodovia que liga o Amazonas e Roraima à Venezuela. Mas atualmente, Sr.
Presidente, às 18h, todos os dias, os índios colocam uma corrente na BR-174 e só a
retiram às 6h da manhã. Ou seja, o direito de ir e vir do cidadão brasileiro — por lá
não trafegam apenas os cidadãos amazonenses e roraimenses — é cerceado
durante 12 horas. Mesmo havendo determinação expressa em ato jurídico perfeito
do Presidente da República, essa é a prática todos os dias.
Quando pedimos a exclusão das estradas e faixas de servidão, queremos
exatamente evitar esse conflito nas estradas existentes ao longo da Raposa Serra
do Sol. O cidadão que está trafegando pode ser obrigado a retornar, e acaba
havendo um choque.
Temos imóveis com domínio de posse anterior a 1934, títulos já reconhecidos
pelo Supremo Tribunal Federal. É outra questão que tem de ser observada. Temos
também título definitivo concedido pelo Poder Público Federal — casos raríssimos,
mas há.
Áreas urbanas. Estamos pedindo que os Municípios sejam mantidos —
alguns existem desde 1914 — e que seja preservada uma área de expansão, para
que eles possam crescer e não fiquem comprimidos como Pacaraima, que teve sua
área urbana cercada com rede. Houve um motim, um conflito bastante desgastante,
a sociedade se rebelou.
Nós temos esta área de rizicultura irrigada na várzea do Rio Surumu há mais
de 20 anos. Houve tecnificação, aumento da produção, crescimento, tudo com o
esforço e a absoluta boa-fé dos produtores. Isso precisa ser preservado.
Estamos introduzindo aqui algo especial, que é ouvir o Congresso Nacional, o
Estado e o Município na criação e ampliação de novas áreas. Nós pesquisamos e
verificamos que nunca um Município ou Estado foi ouvido antes de se tomar essa
decisão. Estamos transferindo a responsabilidade. Além do ato do Sr. Presidente da
República, que seja ouvido o Estado e o Município e consultado o Congresso
Nacional, que pode concordar ou não. Portanto estamos pedindo que seja ouvido o
Congresso Nacional, o Estado e o Município na criação e na ampliação de áreas
ambientais. Isso é importante também.
Nossos produtores estão levantando com muita ênfase o problema de só
poderem utilizar 20% da terra, deixando 80% para preservação, em conformidade
com a lei ambiental. Está sendo pedido que essa reserva legal seja ampliada para
50%.
Como já dissemos, em 1979 Rondônia tinha a mesma quantidade de gado
que Roraima. Eles avançaram, nós não. Vou tentar explicar a vocês o porquê disso.
Nossos produtores foram tirados da área de pecuária extensiva, dos campos
naturais. Com responsabilidade, e dentro das limitações, nós preservamos a nossa
floresta. O próprio Ministério do Meio Ambiente diz que os Estados mais
preservados da Federação em termos de florestas são o Estado do Amapá, depois
o Estado de Roraima, com apenas 2,5% de comprometimento, e depois o Estado do
Amazonas, com aproximadamente 3% de comprometimento. A Zona Franca de
Manaus gerou muito emprego no Amazonas, muita riqueza e muita prosperidade,
mas ficou muito centralizada na cidade de Manaus, conseqüentemente, não houve
necessidade de interiorização.
Nós dizemos às vezes ao pessoal do Meio Ambiente que Roraima deveria
ganhar um prêmio por essa preservação, porque preservamos, mas nos
empobrecemos. Rondônia cresceu, mas já comprometeu 25% da sua floresta. Eles
tiveram de abrir áreas para a criação de gado. Roraima preservou suas florestas,
mas está pobre. Isso tem de ser repensado. Precisamos dar dignidade a nossa
gente.
Sras. e Srs. Deputados, Sr. Presidente da FUNAI, sempre que levantamos
este assunto alguém argumenta com uma ou outra legislação. Eu gostaria de
retroagir um pouco no tempo.
A Constituição Federal de 1988, nas suas Disposições Transitórias, já
estabeleceu que se aplicaria a Roraima o mesmo que se aplicou a Rondônia, a Lei
Complementar nº 41, que transferiu para o Estado de Rondônia todo o patrimônio
móvel e imóvel da União lá localizado. A União não cumpriu a Constituição no que
diz respeito a Roraima, e nada do seu patrimônio até hoje foi transferido para o
Estado. De 1988 para cá, a União permanece administrando tudo por lá.
Fizemos questão de destacar este ponto para que todos entendessem que, antes
de mencionar qualquer outra legislação, é preciso lembrar que a União deixou de
cumprir a Constituição de 1988 no que diz respeito a Roraima.
Agradeço a todos a atenção. Não sei se cumpri o tempo previsto, mas
procurei ser rápido. Posso afirmar aos senhores que nossa proposta para amanhã é
bem mais elástica, bem mais ampla.
Por fim, quero destacar que a BR-174 sai por aqui e passa por aqui até
chegar à Venezuela. Esta é a área waimiri-atroari. Na fronteira, bem aqui, a rodovia
é fechada todos os dias, às 18h, e reaberta às 6h da manhã, como eu disse. Faço
questão de fechar minha intervenção mostrando este mapa. Em Roraima, há 33
reservas indígenas, e nenhuma delas foi ampliada menos de 3 vezes. Isso angustia
a sociedade roraimense. Apelamos para o Governo Federal, a fim de que essa
questão seja resolvida de uma vez por todas. Estamos discutindo a forma, mas que
ela seja resolvida para sempre, porque a insegurança no Estado é muito grande.
O Presidente Lula, nos primeiros 6 meses de governo, até junho, já havia
ampliado 5 áreas em Roraima, e ainda outras estão pleiteando ampliação. No
Amazonas ampliou duas. Na medida em que uma área é ampliada, seu entorno fica
inseguro e intranqüilo, porque há por lá pessoas que têm documentos em que a
FUNAI e o INCRA atestam que a área não era pretendida. A pessoa se instala e,
pouco tempo depois, é expulsa da sua terra. Há muitos casos desse tipo. A
ampliação gera grande insegurança.
Agradecemos profundamente aos Deputados desta Comissão de Agricultura
a atenção. O desejo da bancada que representa o povo de Roraima, enfim, o desejo
de toda a nossa sociedade é que resolvamos este impasse definitivamente. O que é
do índio é do índio, mas que o estoque de terra que sobrar sirva para que a
sociedade, juntamente com o Governo, possa tocar seus projetos e buscar o
progresso, a prosperidade, o bem-estar. Essa é a vocação de Roraima. Para
Roraima não há milagre, não há saída: ou se fortalece o segmento produtivo
primário ou estaremos fadados ao insucesso.
Obrigado. Um abraço a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Agradeço ao Governador
Flamarion Portela a exposição e comunico aos Parlamentares que vamos ouvir os
outros expositores antes de iniciar o debate. Este Presidente não quis interromper o
Governador, até porque sua exposição é o objetivo maior desta audiência pública,
mas S.Exa. usou bem mais do que 30 minutos. Vamos observar o tempo, para que
todos os Parlamentares possam se manifestar.
Concedo a palavra, por 20 minutos, ao Sr. Márcio Lopes de Freitas,
Presidente da OCB.
O SR. MÁRCIO LOPES DE FREITAS - Muito obrigado, Presidente Waldemir
Moka. Saúdo V.Exa e agradeço-lhe a oportunidade. Cumprimento também o
Governador Flamarion Portela, a quem parabenizo pela brilhante exposição e pela
clareza com que apresentou a situação real do Estado de Roraima e de seu povo. O
Governador teve coragem de vir ao lugar certo, onde está a representação do povo
brasileiro e de todos os Estados, buscar a compreensão dos Parlamentares, para
que sejam resolvidos os problema de Roraima e de seu povo. Cumprimento também
meu amigo Léo Brito, o Presidente da FUNAI e todos os Parlamentares.
Governador, tive a oportunidade de visitar seu Estado, do qual gostei.
Roraima é do tamanho do meu Estado, São Paulo, mas tem a população da minha
cidade, Franca. Quando estive em Roraima, pude ver o potencial de
desenvolvimento humano e econômico, de reserva de sustentabilidade que há para
todos, tanto para os índios quanto para os assentados.
Comecei a interessar-me pelo assunto quando conversei com o ex-Ministro
Alysson Paulinelli, que está presente, homem que se apaixonou pelo
desenvolvimento do Brasil, em primeiro lugar, desenvolveu o cerrado brasileiro e as
fronteiras agrícolas e que claramente me expôs, na OCB, a potencialidade de
desenvolvimento de Roraima. Depois me visitaram os Deputados Luciano Castro e
Almir Sá, que me expuseram os problemas do Estado. Pude então não só me
sensibilizar com os problemas de Roraima, mas, acima de tudo, comprometer-me
com a solução deles.
Minha fala não é para agregar dados ao que já foi muito bem exposto pelo
Governador — é impossível ser mais claro —, mas para expressar a solidariedade
de todo o movimento cooperativista brasileiro, dos 5 milhões de cooperativistas
brasileiros, das 7.500 cooperativas, somando esforços para solucionar, de uma vez
por todas, os problemas fundiários de Roraima.
Temos tido conversas com o Presidente da CAMPO, Dr. Emiliano Pereira
Botelho, a quem também gostaria de cumprimentar pelos 25 anos dessa fantástica
empresa de desenvolvimento do Brasil e do povo brasileiro. Comemoramos ontem,
nesta Casa, os 25 anos da CAMPO, da qual a OCB tem orgulho de fazer parte. O
Dr. Emiliano, desenvolvendo projetos junto com sua equipe, mostra-nos com clareza
e transparência a grande potencialidade dos processos de Roraima.
Estive com o Dr. Emiliano há um mês no Japão, juntamente com o Dr. Tsutsui, Vice-
Presidente da CAMPO, visitando empresas e agências de fomento japonesas, as
grandes trades japonesas, sensibilizando-as para a necessidade de continuar o
processo de desenvolvimento do pós-PRODECER, de continuar a haver fluxo de
recursos para o desenvolvimento não só da agricultura brasileira, mas também das
logísticas, dos processos de distribuição e de comercialização dos produtos
agrícolas e outros no Brasil. Precisamos de novos parceiros, novos aliados.
Nessa visita, sem dúvida nenhuma, pelo nome da CAMPO, pela imagem que o Dr.
Alysson Paulinelli vendeu do Brasil, em especial de Roraima, tivemos imensa
aceitação dessas empresas, que expressaram clara vontade de trazer investimentos
para o País, em especial para Roraima, pela sua posição estratégica e seu potencial
de desenvolvimento.
Tudo vai muito bem, as conversas são boas quando se trata da Mitsubishi, da
Itochu, da JICA, mas uma pergunta sempre trava o processo: que segurança
ofereceremos aos investidores que desejam fazer aliança conosco? Projetos no
cerrado são desenvolvidos em 25 anos, verdadeiros casamentos. Como poderemos
oferecer esse casamento sem segurança fundiária? Temos de resolver o problema,
porque vemos a potencialidade existente.
O Brasil agrícola está despontando, mostrando seu desenvolvimento e sua
força por todo o País, começando no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no
Paraná, passando pelo Centro-Oeste. Temos uma agricultura se desenvolvendo,
criando divisas, gerando superávit e oportunidades, começando a gerar potencial
humano, buscando novas fronteiras, o que é muito importante. Nas nossas
cooperativas, na região do Deputado Zonta, do Deputado Luis Carlos Heinze, filhos
de agricultores enfrentam problemas de fronteira, de área para plantar. Vemos em
Roraima uma potencialidade imensa para levar esses jovens, com tecnologia, com
condição e até com algum recurso para desenvolver a agricultura.
Mais uma vez também notamos a inibição. Na realidade, percebemos que o
Brasil inteiro tem responsabilidade com Roraima.
O problema que o Governador enfrenta não apenas de seu Governo e do
povo de Roraima, mas do Brasil. A iniciativa de trazer essa discussão para a
Câmara dos Deputados, ganhar o apoio da Casa para depois levá-la ao Executivo é
perfeita. O Brasil tem de se comprometer com o tema. É por aí que vamos dar
oportunidade de desenvolvimento para as pessoas de todo o País.
A posição estratégica de Roraima é fantástica. Tenho visitado os países do
Caribe, da América Latina, da região que faz divisa com Roraima e tenho visto a
necessidade importadora. Na Colômbia, estive conversando com o pessoal da
produção de frangos, basicamente centrada no movimento cooperativista. Eles me
contaram que importam 80% da soja e do milho consumidos na Colômbia.
Provavelmente essa soja e esse milho são produzidos no Brasil, vão para os
Estados Unidos, para as grandes trades americanas, e de lá para a Colômbia,
manipulados, com valores agregados. Poderíamos criar, com desenvolvimento
agrícola em Roraima, um processo de logística melhor, com novos mercados para
os produtos brasileiros e melhor condição de integração da América, até com
favorecimento de preço. Podemos oferecer produtos mais baratos e com logística
melhor.
Não quero falar mais do que já foi muito bem dito. Estão aqui pessoas
capazes de entender claramente essa necessidade. O cooperativismo brasileiro vê
a oportunidade de se desenvolver. Roraima tem capital social. O Estado foi
constituído por um povo migrante, as pessoas têm capital social e necessidade de
confiar uma nas outras para poderem abrir as fronteiras. Isso é natural do Estado. A
cultura da cooperação já existe, mas vemos também a dificuldade da criação de
novas cooperativas, do desenvolvimento cooperativista, pelas limitações fundiárias e
documentais. A nossa posição é de reforço.
Sr. Presidente, tenha a OCB como seu aliado nesse processo, não a
instituição de representação, mas o movimento cooperativista brasileiro, que está a
seu lado nessa empreitada junto com esta Casa para resolver os problemas. Pode
contar conosco.
São essas as minhas palavras, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - A Presidência agradece a
exposição ao Sr. Márcio Lopes de Freitas e concede a palavra, por 20 minutos, ao
Sr. Leôncio de Souza Brito, Presidente da Comissão Nacional de Assuntos
Indígenas da CNA.
O SR. LEÔNCIO DE SOUZA BRITO FILHO - Bom dia a todos. Deputado
Waldemir Moka, Presidente desta Comissão; Governador Francisco Flamarion
Portela; companheiro Márcio Lopes de Freitas, da Organização das Cooperativas do
Brasil; Dr. Mércio Pereira Gomes, Presidente da FUNAI; Sras. e Srs. Deputados, o
óbvio que transcende ao território de Roraima e que em todo o País afirmarmos com
segurança é que o índio e o produtor rural serão sempre vizinhos. Não temos a
possibilidade de fazer uma faixa, impedindo que o entorno das reservas ou das
aldeias indígenas seja isolado do restante da sociedade brasileira. Se a sociedade
brasileira deve — e, com certeza, deve — algo às etnias indígenas, isso não deve
ser, como tem sido nos últimos anos, debitado exclusivamente dos produtores
rurais.
O caso de Roraima transcende aos produtores rurais e atinge Estado que não
tem um milímetro quadrado de terra — todo o espaço do território de Roraima é da
União. E essas ampliações de áreas indígenas, essa questão fundiária de Roraima,
de cinqüenta e tantos por cento do seu território, também encontramos em outras
regiões do País. A população indígena absorve área de 1 milhão e 20 mil
quilômetros quadrados, ou seja, mais de 12% do território brasileiro. A Constituição
garantiu esse direito aos índios assim como todos os outros direitos e garantias que
a sociedade brasileira tem.
Nesta hora represento o Presidente da CNA, Antônio Ernesto, gentilmente
convidado pelo Deputado Waldemir Moka, e parabenizo meu companheiro de
Federação e Deputado Almir Sá pela brilhante iniciativa de trazer a esta Casa nosso
Governador para discutir o assunto.
O Decreto nº 1.775, de janeiro de 1996, não permite aos Estados, aos
Municípios e aos produtores rurais a participação na identificação ou mesmo
ampliação de áreas indígenas. Agiu de forma parcial o antropólogo ou aquele
terceirizado da FUNAI. Há muitos e muitos anos, infelizmente, a FUNAI não renova
seus quadros. Esperamos que o 35º Presidente da FUNAI tenha uma gestão
profícua e duradoura.
No dia 18 de março deste ano, por coincidência acompanhado do Presidente
desta Comissão, Deputado Waldemir Moka, procuramos o Dr. Eduardo Almeida,
ex-Presidente da FUNAI, para dizer que era preciso orçamento para que se pudesse
atender inicialmente as necessidade básicas dos índios e depois indenizar
justamente aqueles que estão tendo suas propriedades registradas no cartório com
matrícula, aqueles com cinqüenta, setenta, cento e tantos anos de contribuição para
a sociedade brasileira, sem condição de serem indenizados e muito menos de
participar dessa lide de identificação e de ampliação de áreas indígenas. De
maneira diferente, o INCRA avisa à Federação de Agricultura, dá oportunidade ao
produtor rural de participar de todas as fases da ampliação e da identificação das
áreas.
Há uma questão fundiária gritante em todo o País. Pequenas propriedades de Santa
Catarina, de 5 ou 6 hectares, de cooperados ou não, de produtores rurais ali
assentados e suas famílias, de uma hora para outra, foram vistoriadas, com a
participação da comunidade indígena. De forma terceirizada, um estudo preliminar
muitas vezes é feito por organização não-governamental e é oferecido à FUNAI, de
maneira que a identificação demora de 2 a 5 anos.
Das ampliações que vimos na Raposa Serra do Sol, ninguém pode participar do
percurso que dela nesses 16 anos de ampliação, a não ser o grupo nomeado pela
FUNAI, o qual termina seu trabalho e o passa à Diretoria de Assuntos Fundiários da
FUNAI, que leva ao Presidente da FUNAI, que leva ao Ministro da Justiça. Depois
temos apenas 90 dias para o contraditório. Ao sair da área, o grupo já avisa a
comunidade indígena. Com toda a certeza, aquela é área indígena. Os índios a
invadem, e o conflito está criado. E temos 90 dias para o contraditório,
fundamentado nesse Decreto nº 1.775/96, para nos defender.
Qual a posição da CNA, dos sindicatos rurais, das federações desde 1996? O que
tem acontecido no relacionamento entre os produtores rurais e os índios? Nossa
vizinhança permanente e eterna foi abalada há muito tempo pela interferência não
só em Roraima. A estrada é fechada para os brasileiros, mas não para os que estão
lá e tratam dos interesses ambientais ou indígenas — esses têm livre trânsito. E o
senhor tem conhecimento disso.
Queremos que a soberania nacional seja respeitada e principalmente que nossas
populações indígenas sejam assistidas independentemente de qualquer viés
antropológico que ache que o índio deve ficar no seu estágio primitivo. Achamos
que o índio deve ser inexoravelmente incorporado à sociedade brasileira, como
aconteceu com os parecis, em Campos Novos dos Parecis, no Mato Grosso, que
possuem 1 milhão e 400 mil hectares de terra, estão preparados para plantar soja,
contam com o apoio do Governo do Estado e têm 400 mil hectares em Dourados,
terras melhores do que as do meu Estado, mais planas do que esta mesa. No
entanto, o Ministério Público e a FUNAI os impedem de terem sua própria gestão.
Não interessa muitas vezes às ONGs, e com todo o respeito, às vezes até à própria
FUNAI que os índios sejam os gestores do seu patrimônio, lógico que assessorados
pela FUNAI e principalmente pelo Congresso Nacional.
Quero expor não só o aspecto de Roraima, mas esse barril de pólvora que se
instalou em todo o País. Os representantes da sociedade brasileira precisam tomar
conhecimento do problema.
(Segue-se exibição de imagens.)
Mostro um seminário realizado em Cuiabá. Em azul estão os Estados onde
há problemas com as comunidades indígenas, sem muita gravidade. Não há
questões indígenas graves em Fernando de Noronha e no Piauí, mas nos outros
Estados, com essa área de 102 milhões de hectares, com 600 etnias, há
demarcação de 5 milhões e 600 mil hectares, áreas demandadas em 93 milhões de
hectares e a demarcar 3 bilhões e 400 milhões de hectares.
Estão demonstrados os Municípios com conflitos em Mato Grosso. Neste
quadro vemos as etnias, os conflitos e os estágios em que se encontram. Esse
asterisco vermelho é demonstração de intensa gravidade nos problemas fundiários
entre produtores rurais e índios.
Em mais de 10 Municípios do Mato Grosso do Sul houve ampliação de áreas
indígenas, fundamentadas principalmente por esse decreto, o que resultou em
mortes e conflitos. A FUNAI está trabalhando, junto com a Justiça Federal, com
produtores rurais e com o Governo de Mato Grosso do Sul, para solucionar esses
problemas.
Saliento, com todo o respeito, a ação do Ministério Público em muitos Estados,
principalmente no Mato Grosso do Sul. Os Procuradores do Ministério Público, de
forma parcial, defendem os índios, participam até de sepultamentos, baixando o
índio na cova, na terra que ainda não foi homologada como sendo área indígena, o
que gera conflito. Na última semana, perante o Governador do Estado, 6
Secretários, a Assembléia Legislativa, o Superintendente da Polícia Federal,
autoridades e representantes dos produtores, o Procurador disse que no Mato
Grosso do Sul não pode haver essas ampliações pontuais. É preciso que 30% do
território do Mato Grosso do Sul seja destinado às populações indígenas. A situação
tem trazido problemas para outros Estados. É o caso da Bahia, em Pau Brasil e
Eunápolis. Há a ampliação da área de Porto Seguro, Itamaraju e Prado, e a
reivindicação de 210 mil hectares para os pataxós. É uma situação de conflito, de
lavouras irrigadas de coco, mamão e café em pequenas propriedades rurais.
Quanto a Roraima, objeto desta audiência, o que acontecerá com os Municípios que
desaparecerão — Normandia, Pacaraima e Uiramutã —, com a criação da Raposa
Serra do Sol e a expansão de Boqueirão e Jacamim, com mais 189 mil hectares nos
Municípios de Bonfim e Canta?
No Rio Grande do Sul, podemos verificar que Faxinalzinho, Benjamin Constant do
Sul e São Valentim também poderão desaparecer. O que acontecerá com a criação
no Município de Constantina, na terra indígena Serrinha, onde 100 famílias de
colonos há muito tempo nas terras as perderão? Trezentos ainda não foram
indenizados.
No Estado do Paraná, não há problemas indígenas nem conflitos, segundo
informação das Federações de Agricultura.
Sras. e Srs. Deputados, esse problema social entre comunidades indígenas
não é só fundiário, porque os índios — cito os xavantes, que têm extensas áreas —
não querem nem podem mais viver exclusivamente da caça, da pesca e do apanho
de frutas, como também os índios parecis, terenas, pataxós e todos os outros do
Estado. Cada um deles é um caso que devemos julgar isoladamente.
A questão social, que está sendo julgada apenas no aspecto jurídico, único
campo em que podemos sair para o diálogo, tem também um viés econômico,
porque essas áreas que estão sendo transformadas em áreas indígenas saem da
produção para o agronegócio. As extensas áreas indígenas também não estão
produzindo, e os índios estão em situação muito difícil. Se a terra fosse o problema,
os índios kadiwéus, donos de 538 mil hectares no Mato Grosso do Sul, não estariam
em extrema pobreza e desassistidos.
O que devemos fazer para resolver essa questão social e econômica? Passamos
obrigatoriamente por uma decisão política. O Congresso Nacional é responsável
pela decisão política no que diz respeito a Roraima, como também por todos os
conflitos e problemas indígenas existentes no País.
Precisamos verificar se o que foi identificado na CPI da FUNAI ainda persiste —
tomara que não. Percebemos no Dr. Mércio Gomes intenção de resolver questões
indígenas. Para isso tem o apoio dos produtores e da sociedade. Precisamos
destinar orçamento para a FUNAI, a fim de que possamos atender às necessidades
básicas daquela entidade e indenizar os produtores rurais, que estão sendo
desapropriados, não só nas suas benfeitorias. É preciso haver também democracia,
a fim de que, na hora da ampliação e da identificação das terras indígenas, não
exista um decreto do tipo do Decreto nº 1.775/96, parcial e confiscatório e que está
causando problemas imensos à produção rural em nosso País, dando ao índio
somente mais terra, sem proporcionar condições de melhoria da sua qualidade de
vida e de ser integrado plenamente à sociedade brasileira.
As portarias da FUNAI criando os grupos de trabalho, baseado no Decreto
nº 1.775/96, e a omissão no tratamento das questões indígenas por parte da
sociedade brasileira, infelizmente, têm transferido aos produtores rurais a
responsabilidade sobre isso. Estamos sendo debitados em relação ao nosso
patrimônio, conquistado com muito trabalho e sacrifício. V.Exas. conhecem a saga
dos produtores rurais neste País, o que eles fizeram e o convívio pacífico que
sempre tiveram com os índios. Contudo, de alguns anos para cá, nossa situação e a
da comunidade indígena é muito difícil.
Por isso, a CNA pede encarecidamente ao Congresso Nacional que debata, junto ao
Executivo, o problema do Decreto nº 1.775/96, que não pode ser utilizado de forma
a prejudicar o agronegócio brasileiro. Estamos sendo esbulhados e confiscados e
não temos direito à defesa. São dados 90 dias para o contraditório e quem julga é a
própria FUNAI, que avalia as benfeitorias.
Não estou criticando as pessoas, mas a forma como está sendo utilizado esse
decreto. Não podemos aceitar o que está acontecendo em Roraima, em 18% do
território de Mato Grosso e em criações de aldeias indígenas no Tocantins e no
Município de Martinho Campos, em Minas Gerais. Criam-se aldeias indígenas que
são entregues pelas ONGs para serem identificadas e ampliadas. E os produtores
rurais que estão ali, matriculados no cartório, pagando seus impostos, gerando
riquezas, trazendo progresso para suas regiões e cuidando de suas famílias,
transformam-se, de uma hora para outra, em sem-terra. Por isso, devem ser
inseridos no Plano Nacional de Reforma Agrária.
Sr. Presidente, devemos ter consciência da necessidade da regularização
fundiária dessas terras, não nos esquecendo de que seremos, produtores rurais e
índios, sempre vizinhos. No entanto, precisamos dar a esses índios o merecido
respeito, pois falta vontade política.
Esse decreto, muitas vezes, com o devido respeito, Sras. e Srs. Deputados
aqui presentes, tem mais força do que o Congresso Nacional, porque decide o que
vai ser ampliado e identificado.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Agradeço ao Sr. Leôncio
de Souza Brito Filho a participação.
Informo aos Srs. Deputados que, quando do requerimento do Deputado Almir
Sá, esta Presidência deixou claro que, nesta reunião, não teríamos a pretensão de
discutir o conflito indígena. Quero deixar isso muito claro, até porque esta
Presidência entende que, para discutir o tema, teríamos de ter aqui também a
representação dos índios. Do contrário, a discussão é unilateral. Evidentemente, o
problema fundiário de Roraima necessariamente passa pela discussão sobre as
terras indígenas.
Louvar a presença do Presidente da FUNAI. Esta Comissão tem a pretensão — já
disse isso ao Presidente — de realizar audiência pública para travar debate sobre os
conflitos indígenas, mas com a presença da representação dos povos indígenas. Se
assim não for, poderá haver parcialidade. Tenho certeza de que os Srs.
Parlamentares entenderiam que a discussão estaria prejudicada.
Esta Presidência passa a palavra ao Presidente da FUNAI, Sr. Mércio Pereira
Gomes, que aqui está nos prestigiando.
O SR. MÉRCIO PEREIRA GOMES - Muito obrigado, Deputado Waldemir Moka.
Exmo. Sr. Governador Francisco Flamarion Portela, Sr. Leôncio Brito, Sr. Márcio
Freitas, Sras. e Srs. Deputados, cavalheiros e damas presentes, estou muito
honrado pelo convite para estar aqui presente. Não vim participar efetivamente, mas
o Deputado Waldemir Moka me honrou com o convite de vir à Mesa e dizer algumas
palavras.
Como S.Exa. disse, teria ficado muito honrado de ter participado nesta Casa de
debate específico sobre a questão indígena no Brasil, que é de caráter nacional,
está no cerne da nacionalidade, é permanente, não é mais passageira. Portanto,
temos de encará-la diante do Brasil e do futuro.
Meus comentários serão exclusivamente sobre a situação em Roraima, principal
item da reunião desta Comissão.
Em primeiro lugar, agradeço a muitos Deputados — é a primeira vez que venho a
uma Comissão no Congresso — os votos de boas-vindas à FUNAI e de sucesso.
A grande maioria das pessoas tem-me falado quão árduo é a Presidência da
FUNAI. Alguns dizem que é um dos cargos mais árduos do Governo Federal. De
fato, não tenho mais do que 70 dias na casa. Sou antropólogo de longa data,
trabalhei com os índios muitos anos, tenho escrito livros sobre a questão indígena
no Brasil. De modo que eu sabia mais ou menos o que aconteceria e tinha
conhecimento de causa. No entanto, quando se senta na cadeira e se começa a
dialogar com as várias partes que compõem a questão indígena, vê-se que a
intensidade do trabalho é muito grande. Apresentei-me ao Ministro Márcio Thomaz
Bastos e ao Presidente da República para ser soldado da causa indígena. Disse a
todos e digo sempre que é uma honra para mim ser Presidente da FUNAI. Não
temo as discussões e controvérsias existentes nesse trabalho.
Em termos gerais, a política indigenista brasileira vem do Império — não estamos
aqui só com o SPI e com o positivismo brasileiro —; de José Bonifácio, primeiro a
escrever sobre a necessidade da existência de uma política específica para os
indígenas; de Gonçalves Dias, que muitos dizem ter sido apenas um indigenista,
grande poeta que fantasiou os índios, mas que na verdade foi quem disse uma das
coisas mais lúcidas sobre a questão indígena brasileira: a coroa da prosperidade do
índio do Brasil será o dia da sua reabilitação.
Portanto, o País tem, dentro da sua causa maior e mais profunda, no cerne da sua
nacionalidade, a questão indígena. Não podemos fugir disso. Os índios estão no
Brasil, foram a nossa raiz. Durante muito tempo, pensava-se que seriam
simplesmente um passado.
Toda a política indigenista brasileira, até há uns 20, 30 anos, foi feita no sentido de
que os índios teriam um fim. Antropólogos, indigenistas, sertanistas, políticos,
grandes estadistas brasileiros sempre acharam que os índios teriam um fim, seja
por morte morrida, seja por morte matada, seja pelo processo de aculturação, seja
pelo processo de exclusão de suas terras, seja pelo processo de caboclização. No
entanto, desde a década de 60, os índios vêm crescendo em população, e esse
crescimento é sustentado — e não provocado — por rápida melhoria das condições
de saúde existentes no Brasil e crescimento de defesas imunológicas contra as
doenças. O crescimento tem a ver também com a nacionalidade brasileira, com a
aceitação do povo indígena como parte do Brasil. Os índios não são as raízes, são o
presente e, digo mais, são o futuro do Brasil.
Grandes áreas indígenas foram, estão sendo e serão demarcadas e homologadas,
seja por este Governo — que é o que esperamos —, seja pelo próximo Governo,
seja ainda pelos que virão depois do próximo. Brasileiros, temos de ter certeza de
que as terras indígenas serão inexoravelmente demarcadas. Não há outra saída. O
processo faz parte da consciência nacional. Não é uma questão simplesmente de
um Governo, mas da nacionalidade brasileira.
Os índios estão aqui para ficar; eles têm um desenvolvimento sustentado, estão
crescendo a um índice de mais de 4,5% ao ano. Têm carências imensas de
adaptação às condições em que vivemos e problemas de interação social e
econômica. Desenvolver uma economia indígena não é fácil, todos sabemos.
Marxistas ou não sabemos que para desenvolver uma economia sempre se
necessita de uma mais valia, que surge pela exploração.
Como, então, desenvolver uma economia sem causar exploração, mantendo um
princípio de igualdade, que é o que prevalece entre as populações indígenas? Esse
é um problema que nem antropólogos e teóricos da sociologia e da ciência política
sabem resolver. Faz parte do desafio maior da sociedade brasileira definir a maneira
de estabelecer a permanência dos povos indígenas, a sua continuidade e a defesa
dos seus territórios segundo um princípio em que se mantenha o seu valor principal:
o igualitarismo social.
Nós, da FUNAI, do Estado brasileiro, da sociedade brasileira e do mundo que
pensamos a questão indígena, entendemos que o processo de crescimento dos
povos indígenas é permanente. Não é só no Brasil que isso está ocorrendo, mas em
todos os lugares onde a expansão da civilização ocidental deixou bolsões de
resistência. Existem bolsões de resistência na Austrália, com os aborígenes
australianos; no Canadá, que tem mais de 30% do seu território demarcado e
reservado para os povos indígenas; nos Estados Unidos, onde os índios que foram
derrotados no século XIX estão em crescimento, sendo mais de 2 milhões
atualmente, na Colômbia e no Peru.
A nossa civilização, que, graças, a Deus é mestiça, não só no sangue mas na
cultura, vai dar a cara principal do Brasil no futuro, nessa época de globalização, em
que as culturas estão sendo homogeneizadas, destruídas pela força de uma cultura
que domina a Terra. A sociedade brasileira vai investir contra isso, vai dar a nossa
característica, nosso modo de ser, nossa capacidade de resistir e de enfrentar esse
grave período de globalização e de homogeneização cultural.
A presença de índios em 12% a 13% do território nacional é uma reserva, uma
garantia para o futuro do País. Defender terras indígenas é defender o futuro do
País. Esta Casa é responsável não só pelo presente, pelas necessidades e pelos
processos socioeconômicos atuais, mas pelo futuro. Ao olharmos o mapa do Brasil,
sabemos onde ainda há floresta amazônica, cerrado, caatinga e pantanal. Os
senhores podem ver que as terras são indígenas. Então, não se iludam com a
necessidade atual. Temos de pensar também em nosso futuro. Esta Casa deve
saber que o futuro do País está na preservação de terras, de culturas diferenciadas,
na constituição de uma idéia nobre de mestiçagem em nossa cultura.
Estas minhas palavras são gerais. Se precisar, debateremos os casos específicos,
em que haja injustiças, conflitos. Temos certeza de que esses casos serão
resolvidos, mas com a convicção de que o Brasil necessita concluir a demarcação
das terras indígenas.
Faremos o nosso esforço neste Governo, pois acreditamos nele. Se não der tempo,
a demarcação acontecerá no próximo, e se não der no próximo será no que virá em
seguida. Todos os Governos brasileiros que fazem parte da nacionalidade não
deixarão de cumprir tarefa que vem sendo realizada aos poucos desde D. Pedro II e
Rondon. Em algum tempo, quando se esperava que os índios fossem morrer,
davam-se a eles pedacinhos de terra.
Falam muito do Estado de Mato Grosso do Sul, onde índios brigam por 600
hectares. Em Dourados, em 3.460 hectares, vivem 9.500, enquanto há outras áreas
demarcadas mais adiante com mais solidez de consolidação de território, defesa de
patrimônio genético brasileiro e do meio ambiente brasileiro. As terras indígenas são
patrimônio da cultura brasileira, do Estado e da sociedade. Não podemos afunilar-
nos no pensamento da atualidade. Nós e esta Casa, que é do povo brasileiro,
devemos pensar no futuro do Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Passo a palavra aos
Parlamentares inscritos. Regimentalmente, o autor do requerimento tem prioridade
para falar e por tempo maior.
O Deputado Almir Sá, autor do requerimento para realização desta audiência
pública, tem a palavra por 5 minutos, sendo reservados aos Parlamentares inscritos
3 minutos.
O SR. DEPUTADO ALMIR SÁ - Sr. Presidente, Srs. Deputados, senhores
convidados, ilustre Governador de Roraima, Francisco Flamarion Portela; Sr.
Presidente da Organização das Cooperativas, Dr. Márcio Lopes de Freitas, meu
amigo Leôncio de Souza Brito, da CNA, que muito bem expôs a problemática
fundiária; Sr. Presidente da FUNAI, que nos honra com sua presença, este encontro
teve o apoio de todos os membros desta Comissão, em especial do seu Presidente,
que deixou bem claro que não houve enfoque na controvérsia da demarcação
indígenas. No entanto, não há como fugir desse enfoque, que precisava ter sido
apresentado com muita propriedade, como disseram o Governador e o companheiro
Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Indígenas da CNA. O enfoque
principal desse encontro é demonstrar aos Srs. Parlamentares e ao Brasil a
importância do potencial agrícola de Roraima.
O Brasil precisa saber que no extremo norte há uma região que pode produzir
o ano inteiro, no inverno e no verão. No verão seco de Roraima há grande bacia
hidrográfica que pode produzir semente para o Brasil e para o mundo, com a
utilização de pivôs centrais e de sistemas de irrigação. E hoje, por falta de apoio e
de regularização das áreas, temos apenas 2 pivôs centrais da EMBRAPA e uns 3
pivôs pequenos de particulares. O potencial referido pelo Governador — 2 milhões
de hectares, sendo mais de 700 milhões agricultáveis — está adormecido por falta
de titulação da terra. Hoje, o INCRA só titula áreas de 100 hectares — somente 100
hectares —, o que não possibilita o avanço da agricultura familiar, que sem apoio
não consegue sobreviver, muito menos da agricultura de médios e grandes
produtores.
É importante salientar que, como o Governador expôs brilhantemente, Roraima
pode produzir no hemisfério norte de maneira diferente das demais regiões do
Brasil. Milhões de hectares podem ser explorados e grãos podem ser colocados no
mercado internacional, ajudando a balança de exportação brasileira. O Brasil
precisa acordar para o potencial que tem na mão. Parece que o País só conta com
as demais regiões e que, com referência à Amazônia, só se fala em preservação.
Pode-se, sim, preservar Roraima. Quando falamos em liberar Roraima, nós nos
referimos a liberar de 5% a 7% do seu território para produzir. Nesta manhã, com
muita propriedade, o Governador expôs que é favorável à demarcação das terras
indígenas, à preservação do meio ambiente, mas, pelo amor de Deus, o Estado
quer a regularização do mínimo das suas áreas para produzir.
E a finalidade principal de vir a esta Comissão foi uma bateria de informações que
deve ser jogada ao mercado e às autoridades brasileiras. Quando se fala em
Roraima ou no Amazonas, todos fogem. Quando é para falar em questões
fundiárias e indígenas, todos fogem, principalmente no Congresso Nacional. É
chegada a hora de não se ter medo de discutir questões indígenas e dar aos povos
indígenas o que é de direito. É hora de se ter coragem de definir as questões
fundiárias de apoio às minorias e também de dar a quem de direito sua parcela para
produzir e abrigar milhares de pessoas desempregadas que querem trabalhar,
principalmente os que ficarão desempregados a partir de agora, com o concurso
público que vai ocorrer no Estado.
A minha pergunta é dirigida ao Governador, que talvez tenha números e
dados. Precisamos demonstrar ao Brasil o potencial do Estado para exportar grãos
para o Caribe, Venezuela e Colômbia e até mesmo disputar, com bons preços, o
mercado americano durante o período da entressafra americana, que temos
potencial para cobrir. O Brasil terá safra e produção o ano inteiro se souber usar
com racionalidade seu território. Peço ao Governador que discorra sobre o potencial
do Estado relativamente à produção de grãos, de frutas, enfim, sobre o que
podemos adensar para o Brasil nessa nova fronteira agrícola.
Esta seria a minha abordagem.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - É tradição nas audiências
públicas ouvir os Parlamentares em bloco de 3 e as perguntas serem respondidas
depois, objetivamente.
Na seqüência, passo a palavra ao Deputado Dr. Rodolfo Pereira.
O SR. DEPUTADO DR. RODOLFO PEREIRA - Sr. Presidente, cumprimento
o Presidente e demais autoridades na pessoa do nosso Governador Francisco
Flamarion Portela.
O problema fundiário em Roraima não é simples como em outros Estados. O
problema fundiário é o mais grave que o Estado enfrenta. Em primeiro lugar, por
causa da posição geográfica. Mais de 50% das suas terras são destinadas às
comunidades indígenas; e o restante para agricultura familiar, todos os 2 segmentos
colocados de forma desordenada e irresponsável pelos Governos que conduziram
essa questão do Estado de Roraima.
O segundo ponto é a questão social. O agricultor, o assentado, está vivendo
nas piores condições de vida. Nas reservas indígenas, homologadas ou não, há
fome e doenças causadas por ela, cito a tuberculose, a verminose e outras.
O Estado de Roraima recebe 26 milhões de reais para cuidar da saúde
básica dos 30 mil índios, o que corresponde a 822 reais por índio/ano e 68 reais por
mês. Sr. Presidente da FUNAI, Sr. Presidente da Comissão, não acredito que esses
valores sejam suficientes para oferecer saúde básica aos índios de Roraima.
Conheço a situação, porque sou um deles. Meu avô é um nordestino casado com
uma índia da Raposa Serra do Sol. Minha avó, meus pais e eu nascemos lá.
Conheço cada pedra da região, cada árvore, cada igarapé, cada índio pelo nome e
cada tuxaua, porque sou um deles. Posso dizer-lhes com toda a garantia que estou
falando a verdade, como quem quiser poderá comprovar, e não do cenário de uma
ou 2 comunidades. Represento hoje as 4 maiores comunidades indígenas da
Raposa Serra do Sol, a maior e mais antiga, onde se encontra o Tuxaua Caetano
Raposo; da Maloca Napoleão, a terceira comunidade, onde David é o tuxaua; e
Contão, a segunda comunidade, com o Tuxaua Prof. Jonas; e o Flexal, a quarta
maior comunidade, com Abel Barbosa. Falo isso com muita segurança, porque a
maioria dessas pessoas são meus parentes, alguns são meus primos legítimos.
Estou falando o que é verdade e o que sentimos naquela região.
O outro ponto é a demarcação da terra. Se o mapa estivesse aí para mostrar wai-
wai, ianomâmi, São Marcos e Raposa, V.Exas. veriam que todas elas são contíguas
a países vizinhos. Do outro lado da Guiana, no caso da Raposa Serra do Sol,
separada só pelo Rio Maú, que não tem nem 50 metros, porque é possível
atravessá-lo nadando, mesmo estando obeso como estou — e fiz isto recentemente
—, os índios do outro lado cultivam maconha com a maior naturalidade. No país
deles não é crime plantar maconha. Portanto, o narcotráfico se apropria da situação
porque o índio que está de cá não está de tanga, está vivendo em uma economia já
mista, precisa de dinheiro e vai encontrar o narcotraficante com muita facilidade
para receber o dinheiro de que está precisando — dinheiro que a FUNAI e o
Governo não dão. Deixamos o índio em condição de miserabilidade, como estava
dizendo ainda agora, de tal forma que a situação vai acobertar o narcotráfico. Estou
falando isso porque já passei o problema para o Ministro da Justiça e porque quero
que fique registrado por onde realmente entra a droga no meu Estado.
Outro ponto que gostaria de abordar é a soberania, e peço que me expliquem
antropologicamente. Conheço Roraima e a Raposa Serra do Sol com muita
propriedade. Naquela região, onde começamos a história do Brasil, a migração do
índio sempre foi no rumo de Boa Vista, a Capital, veio passando por cima dos
Municípios pequenos e hoje a Tábua Lascada, comunidade indígena no Município
do Cantá. Essa ampliação parou em Boa Vista. Portanto, temos de verificar esses
fatos, porque, daqui a pouco, Roraima deixa de ser Estado, já que estão sendo
destruídas todas as representações governamentais, tais como Municípios, Exército,
de forma pejorativa e marginalizada, sempre que se discute esses pontos.
Temos de ficar atentos à soberania, porque aquelas regiões são de fronteira e estão
propícias ao narcotráfico e à guerrilha.
Um ponto interessante é que as pessoas que vão ao meu Estado discutir questão
que atinge meu povo, índio e ou não, sempre têm opinião formada. Elas só vão lá
ver o que querem ver, com exceção do Ministro Márcio Thomaz Bastos, que, depois
de uma luta incessante dessa bancada, foi conhecer as outras 4 comunidades, e
não só o Maturuca.
Neste cenário, a Comissão de Direitos Humanos falou tanta asneira que até pediu
permissão para prender o Exército Brasileiro. Daqui a pouco, nós vamos prender o
Exército Brasileiro por estupro de índio. Todos nós sabemos que nunca se
conseguiu provar nada disso, porque os próprios soldados do Exército Brasileiro são
indígenas.
Outro ponto que temos de ressaltar, analisando as palavras de cada um dos
palestrantes, é que há realmente discriminação. Vejo isso até com um pouco de
paranóia. Vejam só: nasci de um nordestino, que o Brasil considera atrasado, e de
uma índia, que o brasileiro considera incapaz. O fruto do incapaz com o atrasado só
dá 25% do cidadão. Se não conseguir provar que o índio é capaz de desenvolver
suas atividades tanto quanto qualquer cidadão brasileiro, como o nordestino — e
são tantos outros aliados empenhados em provar isso —, eu estaria fadado a ser
um cidadão com apenas 25% da minha capacidade mental. Mas garanto aos
senhores que não sou. Nasci na Raposa Serra do Sol, mas sou médico, Deputado e
desenvolvo um trabalho bom em minha vida. Então, isso me coloca nesta posição.
(Palmas.)
Há outros pontos que temos de discutir e que são importantes. Cada vez que
se fala do meu Estado, se é o Governador, ele é inimigo dos índios; se é o Exército,
é inimigo dos índios; se é a Polícia Federal, está mancomunada com o fazendeiro.
Imaginem se um fazendeiro que tem 50, 200 reses tem condições de pagar um
policial federal corrupto com propinas que sabemos serem extremamente altas,
quando se tem de corromper um órgão desses. Um fazendeiro com 50 cabeças de
gado, que não considero fazendeiro, é um sobrevivente, um pioneiro.
Vou comparar os 2 mapas que vi ali. Vi os Estados de Roraima e do Acre. O
Acre é considerado exemplar no desenvolvimento da Amazônia. É sustentável,
respeita os direitos dos povos da floresta, dos índios, mas só 11% do seu território é
considerado área indígena. Se a ampliássemos para 64%, Chico Mendes seria
inimigo dos povos indígenas, porque pegaria o Xapuri. E como viveríamos se Chico
Mendes fosse inimigo e não mártir dos povos da floresta?
São pontos que gosto de levar ao extremo para dizer que qualquer cidadão
que for tratar da questão fundiária na Amazônia, onde há assentados, índios,
caboclos, mestiços como eu, metrópoles como Manaus, Estados como o Pará e
cidades pequenas como as de Roraima, precisa conhecer o júri do saci-pererê.
Assistindo ao Sítio do Pica-Pau Amarelo quando era criança, aprendi...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Quero garantir a palavra
ao Deputado Dr. Rodolfo Pereira. V.Exas. sabem que o Presidente é escravo do
Regimento, mas peço ao Plenário que conceda um pouco mais de tempo a S.Exa.,
porque dificilmente alguém que seja filho de índio e que tenha nascido lá pode dar
maior contribuição. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO MOACIR MICHELETTO - Sr. Presidente, se precisar do
meu tempo, eu o cedo ao nobre Deputado, para que dê este depoimento que
deveria estar sendo transmitido em cadeia nacional.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Então, S.Exa. tem o
tempo destinado ao Deputado Moacir Micheletto, que é de 3 minutos.
O SR. DEPUTADO DR. RODOLFO PEREIRA - Agradeço aos colegas. No júri
do saci-pererê, há um juiz, que é saci-pererê; um jurado, que é saci-pererê; um réu,
que é saci-pererê e um advogado. Só há um detalhe: esse jurado só sabe dizer
“condenado”, ele nunca diz a palavra “inocente”. Para um advogado defender um
saci-pererê, ele precisa começar ensinando o juiz e o jurado a dizerem a palavra
“inocente”.
Na questão fundiária da Amazônia, que é tão delicada, é preciso que cada
cidadão que sente para discuti-la tenha principalmente humildade, o que é difícil
encontrar nos 2 lados, tanto no que defende a questão indígena, que são indigenista
de peninha e de cocar, mas que não têm de fato o sentimento indigenista, que não
conhecem as dores do índio, quanto no que, do outro lado, impõe a destruição do
índio ou então passar por cima dos seus direitos. para trazer o desenvolvimento
para a Amazônia.
O País não criou ainda uma Justiça Agrária para defender o homem do
campo, um dos problemas graves que enfrentamos, pois discutimos sempre em
cima do Código Civil. Discute-se friamente a questão do índio, da água, da árvore,
do homem do campo, errando em todas as suas observações. É preciso haver
humildade, conhecimento do que é o júri saci-pererê, saber ver de um lado e do
outro, porque não pode ser time de futebol que defende só o seu lado. É preciso
defender os 2 lados e conhecê-los com profundidade.
Quem disse que índio agrônomo não tem condições de desenvolver soja?
Quem disse que índio antropólogo não pode conduzir um processo de demarcação
das terras indígenas? Tenho confiança no senhor, porque assisti a uma palestra
sua, quando falou em saúde para chegar ao índio. As farmácias dos índios em
Roraima não têm nem medicamentos, nem médicos. E continuamos com o mesmo
problema, reduzindo o índice de mortalidade infantil por malária. Todo o Estado está
reduzindo esse índice. Municipalizamos e conseguimos reduzir esse índice, mas os
índices de mortalidade infantil, materna e de sobrevida ainda são altos.
A outra questão é a educação, e aqui quero fazer uma pergunta ao senhor.
Quando o senhor diz que o índio tem de se adaptar ao brasileiro, o senhor quer
dizer que índio não é brasileiro ou que o índio é brasileiro? Porque é uma afirmação
não muito correta do senhor. A outra questão é a da palavra “nação”. As nações
indígenas são brasileiras ou são nações independentes dentro do Brasil? São
coisas que temos de questionar, porque, quem sabe?, não sou nem brasileiro, sou
da nação macuxi ou da nação Raposa Serra do Sol. Aí eu teria direito de ser
candidato à presidência no meu Estado.
Esses são pontos que devem ser esclarecidos. Porque começa a ficar uma
rotina, e acabamos descobrindo que há Parlamentares e outras pessoas dizendo
que existem várias nações no Brasil. Quando eu acredito que hoje só exista a nação
brasileira.
Outra questão é a do laudo antropológico, que decide a demarcação e
ampliação das terras segundo os costumes dos povos indígenas. O laudo
antropológico não explicou essa questão ainda. Se aqui está a Guiana Inglesa e
aqui estão as comunidades indígenas, o índio só migra no rumo de Boa Vista. Se
ele vai migrar, e não existe fronteira, ele podia migrar para a Guiana e para a
Venezuela. Mas isso não acontece. Então, o laudo antropológico teria de começar a
explicar por que o costume dele só é migrar para Boa Vista, que não existia há
alguns anos.
Era mais ou menos isso que eu queria dizer para os senhores. A questão
indígena é, sim, uma questão social. E o Governador mostrou há pouco que haverá
por volta de 10 mil desempregados, depois do concurso público. Só professores
indígenas são 720. Também passarão pelo processo de demissão 1.500 servidores
públicos, assim como já passaram por outros processos de perda de emprego no
período em que houve a retirada dos índios lá de dentro.
Temos de buscar, hoje, uma solução menos mística e folclórica para a
questão dos índios. E o Governo brasileiro tem de ter uma política indigenista
nacional em que estejam incluídas as ONGs que podem contribuir conosco, e não o
contrário. São tantas as políticas indigenistas brasileiras que nem sei mais se são
brasileiras. E o Presidente da FUNAI, que deveria ter uma política, sempre serviu de
fantoche. Não é o seu caso. Já vi sua personalidade em outros debates. Sei que
tenta buscar uma forma diferenciada para que o índio possa produzir, comer e
vender seus excedentes para vestir e para outras coisas que estão nos nossos
olhos. Não podemos mais ficar mais calados.
Muito obrigado. (Palmas)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Agradeço ao Deputado Dr.
Rodolfo Pereira a participação. Passo a palavra à Deputada Sueli Campos. (Pausa.)
Ausente.
Concedo a palavra ao Senador Augusto Botelho. (Pausa.) Ausente.
Concedo a palavra ao Deputado Zé Geraldo. (Pausa.) Ausente.
Concedo a palavra ao Deputado Luciano Castro. (Pausa.) Ausente.
Concedo a palavra ao Deputado Confúcio Moura.
O SR. DEPUTADO CONFÚCIO MOURA - Sr. Presidente, é muito difícil fazer
qualquer tipo de indagação depois dessa abordagem muito apropriada do ilustre
Deputado Dr. Rodolfo Pereira. Mesmo assim, farei algumas perguntas.
Sou do Estado de Rondônia. Ouvi a exposição do Sr. Governador, que se
referiu ao meu Estado. Tenho visto nos índices do IBGE que Roraima se destaca
como um Estado que vai bem, principalmente com elevados índices de
desenvolvimento humano. Roraima, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Goiás
constituem os chamados Estados emergentes do País, tendo em vista a progressiva
melhoria de seus indicadores de desenvolvimento humano. Então, são realmente
paradoxais as citações, porque o IBGE constata que esses Estados estão bem.
Esta é minha primeira observação, para que o Governador faça algum
comentário sobre ela.
A segunda pergunta é sobre a reserva legal. Hoje, 20% da Amazônia são de
propriedade particular. Em que estágio se encontra o zoneamento econômico e
ecológico do Estado de Roraima? Após a sua aprovação, em acordo com o
Ministério do Meio Ambiente e aprovação de lei complementar na Assembléia
Legislativa, o zoneamento obedecerá a um decreto presidencial de setembro do ano
passado, que concederá, na propriedade particular, o que prescreve o zoneamento,
inclusive a possibilidade 50% de uso do solo, como é o caso de Rondônia.
A pergunta que faço ao Presidente da FUNAI é sobre a relação
pobreza-índio-meio ambiente. Será que, na realidade, essa relação preservação
ambiental-ampliação de reservas indígenas tem obrigatoriamente de passar pela
pobreza?
Outra pergunta: Concorda V.Sa.com o estabelecimento definitivo de que 7%
a 10% das terras de Roraima sejam concedidas ao Governo do Estado para seu
uso econômico?
Terceira: Por que o bem-estar do índio passa também pela necessidade
imperiosa de ampliação das terras? Não poderiam ser implementadas metodologias
mediante as quais se pudesse consorciar o interesse indígena com seu bem-estar e
o respeito ao uso da terra por várias cadeias dominiais, asseguradas em lei, em
documentos, para que o índio possa realmente prosperar em terras menores com
qualidade?
Outra pergunta ao Presidente da FUNAI: é tática dos antropólogos da FUNAI
dividir as tribos indígenas em tribos menores, esparramá-las em um espaço
territorial para justificar a expansão das áreas em novas demarcações?
E para encerrar, a FUNAI vive basicamente do discurso?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Vou passar a palavra,
inicialmente, ao Governador e ao Presidente da FUNAI, que foram aqui solicitados,
para que possam responder objetivamente, e em seguida concederei a palavra aos
3 próximos inscritos.
O SR. FRANCISCO FLAMARION PORTELA - Quero ratificar, mais uma vez,
o depoimento do Dr. Rodolfo Pereira. Já tivemos oportunidade de ouvi-lo em outras
ocasiões. S.Exa. fala com muita propriedade e até nos emociona, porque ele
vivencia essa questão desde sua infância. Hoje ele é, como sempre foi, um
profissional respeitado no Estado, é um Deputado Federal que mostra a capacidade
de evolução e também de integração dos nossos povos indígenas, com os quais
vivemos, com exceção dos ianomâmis, absolutamente integrados e em harmonia.
Graças a Deus, a história de Roraima construiu isso.
Destacada a emoção do Dr. Rodolfo, convido o Presidente da FUNAI para ir a
Roraima, mas que vá com uma folha de papel em branco. Sempre peço isso às
autoridades de Brasília. Vá para lá com a folha de papel em branco para ouvir a
todos e não levar idéias pré-fabricadas, para não chegar lá com uma tendência, não
ouça somente as classes políticas e a representação da classe indígena, mas todas
as representações.
Isso é importante para que o senhor possa construir um juízo sem influência
de ninguém. Vá vivenciar, tire uma semana para isso. Essa questão é fundamental,
é primordial para Roraima, é questão de sobrevida para as gerações futuras. É
importante, portanto, que o senhor reserve um pouco de tempo e vá a Roraima
fazer um apanhado da situação.
Roraima e do Acre são os 2 Estados da Federação que mantêm uma
Secretaria indígena. Em Roraima existe uma Secretaria do Índio e um antropólogo.
Orlando Justino é o Secretário do Índio. Ele é índio macuxi e também da Raposa —
como foi dito aqui —, que é a maior comunidade. O senhor terá oportunidade de
conversar com o Dr. Rodolfo. E ele vai manifestar o que pensa desse
posicionamento.
Reiteramos aqui que nós, Governo, sociedade, Parlamentares, temos o
posicionamento legitimo de que devemos demarcar a área. Estamos discutindo
como fazer isso, de que forma, para que evitemos conflitos e possamos construir
uma sociedade harmoniosa e próspera. As nossas energias devem ser depositadas
na construção do bem e não para administrar conflitos, guerrilhas e confrontos. Não
é isso que Roraima espera nem deseja.
Quero dizer também que sou o primeiro governante de Roraima que mostra a
sua cara para discutir essas questões. Estou levando essa questão com toda a
tranqüilidade, como disse o Dr. Rodolfo, ao se discutir a questão indígena. No Brasil,
se alguém não concorda com a Raposa Serra do Sol em área contínua, ninguém
aceita que ele discuta. É a idéia já preestabelecida.
Seria muito cômodo eu ficar encolhido, mas estou mostrando a cara para
discutir essa questão, porque penso nas responsabilidades de Roraima. Temos a
obrigação, todos nós, os entes políticos do Brasil, principalmente os de Roraima, de
tentar equacionar a questão definitivamente. Vamos ver a forma de demarcar. E o
que sobra de estoque de terra deve ficar para a sociedade construir sua
prosperidade.
Voltando ao estoque de terra, o Deputado Almir Sá questionou que, se não tivéssemos a questão fundiária, teríamos
essa área fantástica para produzir grãos. Aí, podem me perguntar: “Mas, Governador, o senhor defende a plantação de grãos
na floresta, a derrubada de árvores para plantar grãos?” Não, não defendemos, não. Nós queremos que a nossa floresta
esteja intacta, preservada, e ofereça condição de a comunidade viver de forma auto-sustentável das próprias riquezas
naturais. Por outro lado, é inadmissível que nossos campos naturais, que não têm árvore, só capim nativo, planos como esse
daqui, só necessitando de correção química, porque fisicamente é perfeito, fiquem lá inexplorados e não produzam.
O que queremos? Raposa Serra do Sol hoje representa 1 milhão 687 mil hectares. O Estado de Roraima ficaria
extremamente feliz se tiver em torno de 2 milhões para o resto, para os mais de 90% da sociedade. Estou falando só de uma
reserva; não estou falando da metade praticamente, mais de 9 milhões de hectares, para as demarcações indígenas. Estamos
pedindo para a construção da sociedade quase o mesmo tamanho de área que está sendo discutida agora para a Raposa
Serra do Sol.
Então, Deputado Almir Sá, com certeza, teríamos mais de 10 milhões de hectares, se não houvesse esse problema
da demarcação, mas estamos pedindo em torno de 2 milhões para termos condições de implantar a fruticultura num canto, a
pecuária no outro, porque temos condições de produzir. Depois, lá também deve ser criado o projeto de grãos, e não deve ser
esquecida a agricultura familiar. O INCRA já deu aproximadamente 20 mil lotes ao longo da história do Estado, abriu mais de
5 mil quilômetros de estrada. Só que ele abre as estradas e, a partir daí, a responsabilidade de manutenção passa a ser do
Estado. Só que ele assenta o produtor, e a responsabilidade de assistência sob todos os aspectos passa a ser do Estado.
Volto a dizer, o Estado não gerencia a terra, mas absorve os problemas. Onde quer que vamos há o clamor: “E a
estrada? E a energia? E água? E a escola? E a saúde?” O Estado não tem condições de acompanhar essa demanda.
Então a União tem de ter, por meio de seus órgãos, a responsabilidade de fazer essa parceria. Não estou
inventando a roda. Só estou querendo fazer essa discussão com o conjunto da sociedade brasileira. Como destacou o Dr.
Rodolfo, é questão de soberania nacional.
O Município de Uiramutã foi criado mais recentemente, em 1983. Quando o Exército Brasileiro foi construir o quartel
nessa localidade, uma organização indígena foi à Justiça e vetou a construção. Hoje, discute-se se o Exército brasileiro não
deve estar presente nas nossas fronteiras. Qual é a segurança que temos nas nossas fronteiras? Elas já são vazias, pouco
habitadas. Sem a presença do Exército Brasileiro, o que vai ocorrer em nossas fronteiras?
Respondendo ao Deputado Almir Sá, quero acrescentar que Roraima é uma estufa a céu aberto. Estamos na linha
do Equador. Roraima tem condições de colher a safra em 100 dias. Nossa soja, por exemplo, já testada, produz quantidade de
óleo e de proteína mais elevada. Ele tem boa condição de fotossíntese e um metabolismo muito mais forte,
conseqüentemente seu ciclo de produção é mais curto. Temos um potencial enorme para produzir. É só haver decisão política
e, a partir daí, parcerias, para fazer a produção que a sociedade espera.
Deputado Confúcio Moura, assim como Rondônia era um território, Roraima
também. Então, tinha muitos servidores públicos. Essa beleza de indicadores
sociais positivos, na realidade, é reflexo ainda daquele grupo de servidores com
salários razoáveis, que, agora, estão bastante comprimidos e achatados, porque, ao
longo desses anos, não houve reajuste. Mas nosso IDH está caindo no que se
refere à renda, assim como está caindo nossa qualidade de vida, porque recebemos
um fluxo migratório muito grande. Somos pobres e dividimos a pobreza com aqueles
que chegam mais pobres do que os que lá estão. Assim, acabamos ficando cada
vez mais pobres.
Além disso, a Portaria nº 820, baixada pelo ex-Ministro Renan Calheiros, da
Justiça, diz, em seu art. 5º, que para qualquer pessoa entrar, por exemplo, em
Raposa Serra do Sol tem de ter autorização da FUNAI — para levar merenda
escolar, tem de pedir autorização à FUNAI; para levar óleo para a termoelétrica, tem
de pedir autorização à FUNAI; para recuperar a estrada, tem de pedir autorização à
FUNAI. Preocupa-me muito a condição de trafegabilidade na área.
Deputado Confúcio Moura, nosso zoneamento econômico e ecológico foi feito
numa escala de 1 para 250 mil. E estamos trabalhando em 1 para 100 e para 50,
para termos maior definição e, com isso, aprovarmos nossa lei, que ainda está em
processo de discussão. Esperamos avançar e concluí-la o mais rapidamente
possível.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Com a palavra o
Presidente da FUNAI.
O SR. MÉRCIO PEREIRA GOMES - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
obrigado pelas perguntas, algumas das quais estão tão fora da minha alçada que
nem sei como responder. Não sei se cabe ao Presidente da FUNAI dizer se é a
favor ou contra as áreas federais do Governo do Estado serem estadualizadas. É
claro que, por princípio, sou a favor de que o Estado tenha sua capacidade. Mas ser
contra ou a favor não indica alguma competência nessa área.
Nesse sentido, nas áreas demarcadas em que há pessoas vivendo nelas,
seja de boa-fé, seja de má-fé, essas pessoas têm de ser retiradas. Nesse trabalho
há sempre a presença do INCRA, de alguém do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, para estabelecer para onde elas irão. Isso tem sido feito ao longo dos anos,
há mais de 40 anos, ou seja, desde o tempo do regime militar. É claro que há
problemas, conflitos. Às vezes, as áreas de onde os posseiros ou invasores — da
forma como queiram conceituá-los —, são retirados não são aproveitáveis. Então,
há sempre uma discussão a mais.
A determinação do Presidente da República e do Ministro é de que todas as
áreas sejam demarcadas, mas de modo que esses invasores ou posseiros — como
se preferir conceituá-los — sejam também reassentados. E a FUNAI está disposta a
isso, como sempre esteve.
Quero dizer aos senhores que não existe área para ser demarcada que não
seja conflitual. Não existe área indígena sobre a qual não tenha uma pretensão
anterior. Essas pretensões são históricas ou atuais, mas há sempre uma pretensão.
Às vezes, é até uma pretensão do Estado anterior. No reconhecimento de uma área
indígena sempre há alguém que diz que não é. O processo de colonização brasileiro
historicamente se fez sobre o território indígena. Então, não podemos jamais pensar
que a demarcação de terras indígenas signifique um trabalho muito fácil. Existe
sempre algum conflito que tem de ser resolvido.
Escrevi um artigo recente no Jornal de Brasília no qual eu dizia que a FUNAI
é o órgão indigenista brasileiro, é o órgão encarregado da questão indígena, porém
não exerce atualmente mais do que 30% das ações indigenistas. E respondo,
inclusive, ao nobre Deputado Dr. Rodolfo no sentido de que as questões de saúde
dos indígenas estão com a FUNASA, Fundação Nacional de Saúde, desde 1999,
por determinação presidencial à época. A lógica era de que para a questão da
saúde se deveria criar um Ministério. Portanto, que se retirasse da FUNAI e se
criasse o próprio Ministério.
O mesmo se pode dizer em relação à educação. São 2 imensos pontos na
questão do bem-estar das populações indígenas. Às vezes, em alguns lugares,
funcionam muito bem e, em outros, não funcionam. Essa é uma questão que tem de
ser discutida pelo Congresso Nacional. Mas o que sempre acontece é que, quando
dá um erro aqui e acolá — e há erros graves sobre questões de saúde e de
educação —, o ônus cai sobre a FUNAI, que tem apenas 30% das ações
indigenistas no Estado, mas que recebe 100% do ônus. Ela ainda é visivelmente o
órgão único no Estado, tal como era na década de 50 o Serviço de Proteção aos
Índios e tal como era na época dos militares a Fundação Nacional do Índio. Nós
ainda recebemos o ônus de todos os problemas indígenas, mesmo sobre aqueles
em relação aos quais não temos mais atribuição administrativa.
Então, temos preocupação com algumas áreas que não estão mais com a
FUNAI e procuramos manter certo conhecimento, mas sempre com dificuldades.
Portanto, eu respondo assim sua indagação. Gostaria muito que a FUNAI
ainda tivesse capacidade de tratar da saúde dos índios, mas hoje essa atribuição
está sendo exercida pela FUNASA, com quem estamos procurando realizar um
trabalho conjunto, mais efetivo do que tem sido feito até agora.
No Ministério da Educação, o assunto tem evoluído bastante e positivamente.
Mas há problemas. A verba da educação, às vezes, vai do FUNDEF para as
Prefeituras, e estas, tendo problemas de discriminação com os índios, não a
disponibiliza. Assim, os povos indígenas não realizam suas atividades escolares a
contento. Para se trabalhar com povos indígenas é preciso ter espírito indigenista,
isto é, tem de saber que aqueles povos possuem uma cultura específica e têm uma
razão de ser específica, apresentam relacionamentos específicos, que são um
pouco diferentes dos nossos. Saber disso e penetrar nesse espírito é essencial para
que a relação com os povos indígenas seja harmoniosa. Temos sempre essa
questão em mente.
Também quero dizer que nunca houve um censo indígena no Brasil. Há
muitos anos, o SPI e a FUNAI sempre tinham estimativas populacionais. Em alguns
momentos chegavam a fazer censos razoáveis. Mas nunca houve um senso
indígena no sentido profundo da palavra, isto é, para saber do crescimento
demográfico, da taxa de mortalidade, da taxa de morbidade, enfim, coisas que hoje
em dia são mais estudadas. Antes, só se conhecia a taxa de mortalidade, pois
estavam todos morrendo, mas, agora, estão em crescimento. Há 40 anos os índios
estão em crescimento. É preciso saber tudo isso.
Há vários estudos realizados no Brasil que demonstram que a mortalidade
infantil, que já chegou a 200, 250 por mil, está, em média, em torno de 80 a 90 por
mil. Isso quer dizer que houve decréscimo na mortalidade infantil, de modo que isso
condiciona a possibilidade de crescimento. Houve também um decréscimo na
morbidade, de modo que se encontram pessoas mais velhas entre os povos
indígenas do que se encontrava há 40 ou 50 anos.
O Brasil criou um cordão sanitário em relação aos índios por conta das
vacinações, que é o nosso caso. Há 50 anos, se houvesse uma epidemia de
sarampo entre os povos indígenas, 20% dos indivíduos morreriam em um mês.
Hoje, se não houver nenhum cuidado, não morre 2%, e se houver cuidado, morre
apenas 0,5%, tal como no Brasil. A varíola, o grande flagelo da humanidade e dos
povos indígenas, foi debelada há trinta e poucos anos. O último caso foi de uma
menina no Quênia em 1983. Só sabemos dessa doença agora porque constam de
laboratórios de Atlanta, de Moscou e de Londres o vírus da varíola. Mas não há
mais surtos, espalhada, o que foi um grande benefício para as populações
indígenas. Tudo isso leva ao crescimento do povo indígena.
Na FUNAI, queremos criar um censo indígena que não somente explicite
esses dados, mas também algo relacionado ao questionamento do Deputado
Confúcio Moura — o que é pobreza, tanto em relação ao meio ambiente quanto em
relação à população indígena. Por conseguinte, temos de criar um IDH indígena.
Viver nu no Brasil, em qualquer lugar, mesmo numa favela, é sinal de pobreza.
Entre os índios não é sinal de pobreza. Viver numa palhoça é sinal de pobreza, o
que não é entre os índios. Ter terra demarcada e garantida é sinal de riqueza.
Então, temos que descobrir, no Brasil, qual é o IDH indígena. Viver numa palhoça,
numa oca, numa casa, andar de pé no chão, não significa pobreza. Pobreza
significa ter os seus filhos com diarréia, com problemas intestinais graves, não ter
uma água saudável. Uma das coisas que tem diminuído substancialmente a
mortalidade infantil é a construção de poços semi-artesianos. Com 3 meses se vê a
diferença. Constrói-se um poço artesiano. O índio bebe daquela água. E com 3
meses se vê a diferença dos filhos em relação às doenças intestinais.
Nós queremos fazer isso. Estamos em conversa com a Associação Brasileira
de Estudos Populacionais, com a Fundação Getúlio Vargas e com o IBGE. Vamos
fazer esse censo, que vai ser completo — vamos levar de 10 a 12 meses para
concluí-lo — e daqui a um ano teremos um quadro da população indígena, da sua
vida, do seu potencial econômico, do seu Índice de Desenvolvimento Humano —
IDH. Este é a nosso propósito. E o Ministro está muito interessado nisso.
O Brasil é uma nação única. Quando dizem nações indígenas, dizem no
sentido de povos indígenas. É um epíteto em homenagem aos índios. Só existe uma
nação reconhecida pelas Nações Unidas, reconhecida por seus vizinhos, uma
nação soberana, a Nação brasileira. A expressão nação waimiri-atroari, nação
aticum, nação pancararu é usada no sentido de um epíteto honorífico, mas não quer
dizer que sejam uma nação com soberania. O Brasil reconhece a diversidade étnica
e cultural, mas a nação é única, é a Nação brasileira. E os índios sabem disso
também. Então, ao homenageá-los com o epíteto de nação não quer dizer que se
esteja colocando em pauta a discussão sobre a soberania e a plurinacionalidade
brasileira.
Há uma pergunta sobre como é feito o laudo antropológico. Eu iria entediar
os senhores tentando explicar esse mecanismo, mas quero fazer só um comentário.
Em alguns Estados brasileiros, a Justiça Federal está requerendo um laudo
arqueológico. Eu adverti — no sentido positivo — as pessoas envolvidas na questão
que isso seria um desastre. Se fizermos o laudo arqueológico, vamos descobrir que
o Brasil inteiro é indígena. O laudo antropológico é uma concessão que fazemos,
reconhecido pelo Estado brasileiro, para reconhecer aquele processo histórico
recente. Mas se fizermos um laudo arqueológico para determinar essa questão,
vamos descobrir índio aqui e em qualquer lugar do Brasil.
Então, o laudo antropológico é feito pelo Estado brasileiro para identificar
onde estão as terras indígenas e qual o processo da sua formação. É claro que há,
de vez em quando, diferenciações sobre isso. E elas são corrigidas ao longo do
tempo.
Em alguns casos, fala-se de ampliação de área. Em quase 100% dos casos
não se trata de ampliação; em geral, são terras que foram reconhecidas como
indígenas em certa época — em muitos casos do Mato Grosso do Sul é isso — e
foram sendo reduzidas. O General Rondon dava mais ou menos 3.600 hectares de
terra, aproximadamente uma légua em quadra, para uma população indígena, e os
fazendeiros entravam e, no final, eles terminavam com 600 hectares. Então, não é
ampliação, mas reconhecimento de uma área que já tinha sido reconhecida como
tal e que foi, num processo demarcatório, desvirtuada. Esse é a grande maioria dos
casos.
Há outra pergunta, como se a FUNAI fosse capaz de pôr em prática táticas
ou estratégias de ampliação. Não existe isso. Os índios têm sua estratégia de
consolidação de território. Eles sabem onde vão se situar. A FUNAI não se mete
nisso. O Governo brasileiro não diz o que o índio deve fazer em relação à sua
territorialidade.
Muita gente pensa que os índios são manipulados pela FUNAI, mas isso não
existe. Isso é determinar uma equivalência infantil aos índios. O que não é verdade.
Então, esses grandes territórios indígenas foram consolidados pelos povos
indígenas, com estratégica própria deles, de reconhecer, de ampliar. Às vezes,
ampliar sobre outros povos indígenas. O processo histórico diz isso também. Temos
muitas informações a esse respeito. Então não é a FUNAI que esparrama, nem bota
aldeia aqui e acolá e amplia o seu quadro. A FUNAI não faz isso.
Em terceiro lugar, não sei se foi uma provocação gentil do Deputado Confúcio
Moura ao dizer que a FUNAI vive de discurso. Quisera vivêssemos só de discutir. Se
o senhor quiser aparecer para ver como é o trabalho da FUNAI verá que vivemos de
muita pauleira. É um batente a dureza da FUNAI. Os problemas são imensos.
Então, não vivemos de discurso. Gostaria muito de viver só de discurso. Não sei
quem é que vive só de discurso, mas vivemos é de muito trabalho.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Há inscritos ainda 5
Parlamentares. Concedo a palavra ao Deputado Luciano Castro, que estava
ausente quando chamei, e, em seguida, à Deputada Maria Helena e, logo após, ao
Deputado Alceste Almeida.
O SR. DEPUTADO LUCIANO CASTRO - Sr. Presidente, primeiramente,
gostaria de parabenizar nosso Governador, como disse o Presidente da OCB, o
Márcio, pela clareza e transparência com que apresenta a situação do Estado de
Roraima, de forma pública. Isso demonstra claramente como S.Exa. conduz o nosso
Estado, procurando mostrar para a sociedade as dificuldades que ele encontrou ao
governar o Estado de Roraima. Fica para nós sempre a preocupação maior,
externada com muita propriedade pelo Deputado Dr. Rodolfo Pereira, um profundo
conhecedor da problemática indígena no Estado de Roraima.
Queremos a solução da questão fundiária porque sem ela não se pensa em
desenvolvimento, não se pensa em geração de emprego e distribuição de renda.
Esse é o único Estado da Federação que está praticamente isolado e condenado ao
esquecimento, se não dermos uma solução definitiva para a questão fundiária do
Estado.
O Governo Federal se comprometeu, em 90 dias, através de uma portaria
interministerial, a dar uma solução. Os 90 dias já estão agora se findando. O
Governador Flamarion Portela, hoje à tarde e quinta-feira pela manhã, será ouvido
por esta Comissão. E nós, Deputados, também deveremos ser ouvidos também
ainda este mês. Mas queremos que a questão fundiária tenha uma solução
definitiva, não só a parte de transferência de terra para o Estado, mas também a
demarcação de áreas indígenas, Sr. Presidente da FUNAI. Sei que o senhor, ao
assumir agora, vivenciando esse novo cargo, terá a responsabilidade ímpar de
conduzir a política indigenista do País, de forma a defender, sim, a minoria indígena,
mas também de olhar o Brasil como um todo, com a responsabilidade de construir,
sim, a defesa das minorias, como é o caso das comunidades indígenas, mas
também a defesa de um Estado promissor como é o Estado de Roraima.
O Estado de Roraima não pode estar condenado ao que hoje se pratica em
relação à demarcação de áreas indígenas. Como disse o Deputado Dr. Rodolfo
Pereira, não é uma questão referente apenas à Taba Lascada, uma área já
demarcada, e que, para demarcar novamente, havia um estudo antropológico para
fazer. E, de repente, resolve-se ampliar essa área como se novo estudo
antropológico surgisse. Quer dizer, quando foi demarcado, não havia um estudo
para isso, não havia uma decisão em torno de estudos já feitos? De repente se
resolve ampliar essa área como se aquele estudo nada valesse, quando então
demarcaram. O que queremos é que as coisas sejam claras e transparentes.
Vamos resolver, sim, essa questão da Raposa Serra do Sol. Vamos resolvê-
la com o Governo Federal, com a sua ajuda, de modo transparente, de forma que
seja bom para os índios, bom para o Estado e bom para toda a nossa população,
que representa 95% da população do Estado. Esses são efetivamente os excluídos
de Roraima, e o restante da nossa população, excluídos do desenvolvimento e da
possibilidade de emprego e de renda.
Portanto, queremos do senhor uma parceria transparente. Como disse o
Governador, queremos que o senhor chegue lá com uma folha de papel em branco,
para ouvir. Faça a defesa das minorias que o senhor representa, mas não se
esqueça de olhar para os excluídos do nosso Estado, que precisam do Governo
Federal, sem dúvida, para resolver a questão. Como disse o Governador, estamos
falando de 2 milhões de hectares para se criar um projeto de desenvolvimento para
o Estado e dar uma solução de vida para mais de 350.000 habitantes.
Portanto, Sr. Presidente da FUNAI, quero deixar claro que nós, da bancada
— outros Deputados vão falar —, estamos determinados quanto a essa questão.
Temos uma proposta clara com o Governo Federal. Queremos uma solução para as
demarcações, mas de forma definitiva. Não queremos mais demarcar áreas e que,
daqui a pouco, seja decidido que não são mais aquelas áreas, que há mais áreas
pretendidas etc. Isso gera insegurança aos investidores e aos produtores. Não
queremos isso.
Estão presentes o ex-Ministro Alysson Paulinelli e o Dr. Emiliano Botelho,
Presidente da CAMPO. O Grupo Mitsubishi pretende investir no Estado, na
produção de grãos. Para fazê-lo, precisa da garantia da terra.
Ontem mesmo, num jantar, conversei muito com o Governador de Mato
Grosso. S.Exa. me disse que um investidor, o maior plantador de soja do País, está
interessadíssimo e já está investindo no Estado de Roraima, que é sem dúvida a
grande fronteira agrícola do futuro, exatamente porque vamos produzir na
entressafra brasileira os grãos de que necessitamos para exportação.
Precisamos viabilizar esse nosso potencial, que todos os empresários
nacionais e internacionais estão enxergando. E vamos fazê-lo. Temos essa
determinação, ao lado do Governador.
Queremos aproveitar que o senhor está conosco para deixar esse alerta e
pedir a sua parceria, para que possamos juntos construir a saída da problemática
indígena e da questão fundiária do Estado.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Passo a palavra à
Deputada Maria Helena.
A SRA. DEPUTADA MARIA HELENA - Sr. Presidente, Sr. Governador
Francisco Flamarion Portela, Sr. Presidente da FUNAI, demais membros da Mesa,
que enriqueceram este momento com os seus pronunciamentos, entendo que o
Governador conseguiu, de forma bem clara, expor o sentimento e as angústias que
o povo de Roraima está sofrendo. Nunca o povo e os seus representantes estiveram
tão unidos com o sentimento de que nós, em Roraima, temos tantas riquezas.
Somos um Estado tão rico, com tanta potencialidade, e temos uma população tão
pobre de índios e não-índios.
Nesse ponto, discordo do Presidente da FUNAI, porque em Roraima
infelizmente os nossos índios estão numa situação muito difícil. As crianças estão
morrendo por desnutrição.
Fizemos um levantamento na área de saúde e obtivemos alguns dados
inclusive junto à Fundação Nacional de Saúde. Embora o índice de 75% de
mortalidade infantil entre os índios pareça ser baixo, grande parte dessas crianças
morre por desnutrição. Isso significa que essa população é muito pobre e que não
está sequer sendo orientada sobre como aproveitar a terra que lhes pertence.
Como disse o Presidente da Comissão Indígena, essas áreas indígenas
também não estão produzindo. Estamos tendo dificuldades de produzir onde não é
território indígena, mas também não estamos produzindo onde é área já demarcada.
Queremos que nossa população indígena cresça. Nesse estudo que fizemos junto à
área de Saúde, na FUNASA, encontramos duas organizações não-governamentais,
como citou o Deputado Dr. Rodolfo Pereira. Cada uma delas recebe 7 milhões de
reais por mês para fazer apenas serviços de atenção básica à saúde do índio,
enquanto o Governo do Estado, para todo o serviço de atenção primária, secundária
e terciária, recebe 8,5 milhões. Então, esse é um pedido que fazemos à FUNAI,
porque reconhecemos a seriedade com que o senhor está conduzindo a instituição.
Queremos que a FUNAI acompanhe o trabalho da área de Saúde que vem sendo
realizado pela CIR e Urihi, duas ONGs que atuam na área de Saúde em nosso
Estado. Fizemos um requerimento ao Ministério da Saúde pedindo que nos fosse
informada a aplicação desses recursos. Infelizmente, as respostas foram evasivas e
não conseguimos concluir nada. Aparentemente o recurso é aplicado de forma
positiva. Porém, como não é uma auditoria que estamos fazendo, apenas pedimos
informações, esses dados não dizem nada.
Quanto à questão das áreas desapropriadas, sabemos que a desapropriação tem
que acontecer mediante prévia e justa indenização em dinheiro. E isso não
aconteceu. Os produtores foram retirados de suas áreas e até hoje sequer foram
reassentados ou indenizados. Os problemas sociais que hoje estamos vivendo nas
cidades, principalmente em Boa Vista, que concentra, como disse o Governador,
63% da população do Estado, é grave. Fácil é dizer: estamos vivendo problemas
sociais em decorrência do desemprego, da fome, da desesperança, mas difícil e
cruel é conviver com essas famílias e tentar tirá-las dessa situação, sem ter uma
alternativa sequer. Esse problema estamos vivendo.
Peço desculpas, Sr. Presidente da FUNAI, por estarmos nos dirigindo ao senhor de
forma direta, mas é o momento que temos de aproveitar para manter este diálogo,
porque muitas são as nossas angústias e raramente temos esta oportunidade.
Outra questão que desejo apontar aqui é que sabemos que existem estudos
antropológicos prévios a uma definição de área indígena, mas não conseguimos
entender como esses estudos definem como área indígena áreas nunca antes
habitadas por índios. Se sobrevoarmos de Boa vista até a fronteira norte do Estado,
onde está a maior parte das nossas reservas, vamos verificar uma imensidão de
áreas estéreis, onde não vamos encontrar índios e também não vamos encontrar
produção. Nosso Estado já foi o maior produtor de gado bovino do norte do País —
acho que foi citado pelo nosso Governador. Hoje produzimos a mesma coisa que há
30 anos, porque toda a área foi sendo incluída nas reservas. Hoje não há nada ali,
nem plantação, nem produção, porque os índios não são estimulados nem
orientados a produzir.
Nesse ponto também apresento uma sugestão: que a FUNAI introduza políticas a
fim de que nossos índios recebam condições para participar dos projetos produtivos
para o desenvolvimento do Estado e, conseqüentemente, do País. Sabemos que
nossos índios detém conhecimento de fitoterapia, são doutores no cultivo da
mandioca e no fabrico da farinha, porém hoje importamos farinha do Amazonas e
do Pará para o consumo interno do Estado. O artesanato dos nossos índios é o
mais belo do País. Há peças artesanais da etnia mayongong que pessoas de outros
Estados perguntam se vieram de Bali ou da Indonésia. São trabalhos de alta
qualidade produzidos no Estado, mas os índios não recebem qualquer incentivo. Em
Roraima basta jogar uma semente de fruta que ela aflora, e nossos índios estão
morrendo por desnutrição. Eles não recebem estímulos para a fruticultura.
Era a sugestão que tinha a fazer ao senhor.
Repetindo o que foi dito pelo Deputado Luciano Castro, é uma voz única povo e
representante do povo. Que seja dada uma solução definitiva para o problema da
demarcação. Reconhecemos que os índios têm direito à terra, direito
constitucionalmente assegurado. Mas queremos que seja dada uma solução
definitiva, porque nenhum Estado do País sofre o que vem sofrendo Roraima. Como
já dito aqui, nossas áreas já foram ampliadas pelo menos 3 vezes. Reconhecemos a
necessidade da demarcação das áreas, mas que haja um basta, que saibamos que
vamos ter áreas onde vamos poder produzir, e que o Estado de Roraima, que hoje
depende da Nação, possa representar um Estado a mais para ajudar nosso País a
crescer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Com a palavra o Deputado
Alceste Almeida.
O SR. DEPUTADO ALCESTE ALMEIDA - Sr. Presidente, não poderia deixar de
considerar o aspecto fundiário de Roraima sem passar também pela questão
indígena.
Meus cumprimentos ao Governador Flamarion pela bonita exposição, lamentando
que tenha sido tão curta pela exigüidade do tempo. O assunto levaria várias horas,
sem dúvida alguma, tais as características do nosso Estado e as questões
complexas que precisam ser resolvidas nesse tópico.
Sem dúvida alguma, ao Presidente da FUNAI reputo a maior idoneidade. É possível
sentir seus bons propósitos. Na realidade, o que não está acontecendo é a
convicção de que o senhor ainda conheça a questão indígena de Roraima na sua
realidade. O convite do Governador Flamarion é bastante oportuno para que o
senhor possa ir lá, fazer essa checagem, e levantar com o papel em branco mesmo
todas essas questões.
Existe manifestação de sua parte aqui de que o Brasil precisaria destinar de 12% a
13% de suas terras aos índios. Roraima já está com mais de 50%. O Estado está se
acabando. Já fecharam por cima, na área de fronteira, e agora fecham por baixo, ao
sul do Estado, com novas migrações. Estas já nem reputo de maior preocupação,
apesar de que não podemos ficar ilhados — uma unidade federativa que é
facilmente amputável pelas ambições e cobiças internacionais. A migração da qual o
Deputado Dr. Rodolfo falou é muito típica, acontece da Guiana para o Brasil, da
Venezuela para o Brasil. Até há poucos anos havia comunidades indígenas que só
falavam o inglês da Guiana, mas estavam no Brasil. Essas migrações foram se
fechando por conta de quê?
Existem duas situações indígenas em nosso Estado. Espero que a Deputada Maria
Helena tenha se referido aqui. Uma são os índios silvícolas ianomâmis e
mayongongs. A outra grande maioria, sem dúvida alguma, são os índios que
dependem de açougues. Eles não têm onde caçar, porque o local é lavrado, é
serrado. Não existe caça. Se dessem uma flecha a esse índio, ele erraria até um
gado, uma vaca, um animal, porque ele não tem o hábito mais da sua civilização. É
um índio que anda vestido, que é a grande maioria, e que está muito bem integrado
ao Governo do Estado e aos Governos municipais. Não há essa questão aqui
enfocada pelo senhor no que diz respeito à FUNDEF.
Os Governos Municipal e Estadual são na realidade os verdadeiros ancoradouros
das necessidades sociais dessas comunidades indígenas, que são a grande maioria
do lavrado roraimense, que querem estar devidamente integrados ao mundo
civilizado. Trata-se de índios que têm geladeira, ventilador, carro, título de eleitor;
muitos deles são até Vice-Prefeitos e Vereadores. Dos 15 Municípios de Roraima, 3
são de índios. Temos uma Prefeita índia no Uiramutã. Enfim, existe harmonia. O
que me preocupa é a perturbação que procuram fazer as iniciativas internacionais.
Trago documento, da maior importância, que tem 22 anos de existência. Se
tivesse tido conhecimento desse documento à época — estou em Roraima há 32
anos — , eu o consideraria fantasia, algo inimaginável, ficção pura. O documento,
cujo título é Top Secret, está em inglês, foi elaborado pelo Christian Church World
Council, com 7 associações e ONGs internacionais — inglesas, italianas, francesas
— , e traduzido em São Paulo no dia 22 de junho de 1987 por tradutor público
juramentado. O seu conteúdo nos assusta. Eu não acreditaria na época, mas
estamos confrontando o que foi escrito com o que vem acontecendo ao longo
desses anos todos.
Consta do documento: "A Amazônia é um patrimônio da humanidade. A
posse dessa imensa área pelos países mencionados (Brasil, Venezuela, Colômbia,
Peru e Equador) é meramente circunstancial". Então, essa região não é do Brasil,
está bem configurado aqui. Essa é uma cópia do original. Dizem coisas aqui que na
época não se pensavam que viriam acontecer agora, como aconteceu no Uiramutã
há um ano. O documento diz também que é dever deles impedir qualquer caso de
agressão como construção de estradas, atividades de garimpos, construção civil ou
militar, tais como quartéis — vejam só, quartéis — , estradas, limpezas de faixas de
campos de pouso, de pouso militar. Isso foi escrito há 22 anos. Há 2 anos quiseram
impedir a construção do pelotão do Uiramutã, numa área onde existe narcotráfico,
que importa aos interesses internacionais que fique o mais inerte possível, pela sua
riqueza mineral e despovoação que pretendem dar à nossa Amazônia.
Esse documento é tão descarado que eles chegam a dizer: “É nosso dever garantir
a preservação do território da Amazônia e de seus habitantes aborígenes para o
desfrute pelas grandes civilizações européias, cujas áreas naturais estejam
reduzidas a um limite crítico”. Interesses de países europeus estão aqui
estabelecidos. Esse cronograma vem sendo desempenhado. É preciso reunir
associações de antropologia e sociologia, de tal maneira que, sempre que
necessitemos de assessoria, tenhamos essas associações ao nosso lado, em
convênio com a igreja católica desses países.
O volume de dinheiro é enorme. Mais de 40 milhões de dólares estavam
disponíveis à época a essa pregação, intitulada Diretrizes ao Brasil, documento nº 4,
Top Secret, ou seja, alto segredo, alta seguridade. Tudo isso visando deixar a
Amazônia inerte, sujeita ao direcionamento dos interesses internacionais.
Na realidade, Sr. Presidente da FUNAI, a observação feita pelo Governador
Flamarion Portela de que o senhor fosse lá com um papel em branco é muito boa,
porque, quando se vai a Roraima, só se ouve a CIR, que é uma dentre tantas
outras associações indígenas — e não é a maior. A maior é a Sodiur, que está do
lado da harmonia, da civilização. Aliás, as aldeias da CIR também estão, quem não
está são os dirigentes da CIR. Isso é comprovável. Basta consultarmos o orçamento
da FUNASA.
No ano passado, a Fundação direcionou para essas associações emendas
no valor de 27 milhões de reais, enquanto ao Estado, que é quem verdadeiramente
presta assistência, foram destinados apenas 7 milhões — inclusive não foram
pagos. As associações conseguem esse dinheiro através da FUNASA. E a cúpula
tira proveito desse dinheiro. Porque, na realidade, as comunidades indígenas, as
que sofrem de morbidade, as que têm uma condição miserável de vida, são aquelas
que estão longe da civilização, longe do alcance das Prefeituras, do Governo.
Cito aqui os ianomâmis, cuja mortandade infantil faz inveja aos países pobres
da África, tal o grau de incidência. E não se vê o velho, porque aos 45 anos ele já
está morrendo. São todos desnutridos. Na realidade, a FUNAI não pode dizer que
hoje não há assistência médica, porque esse quadro era o mesmo. O interesse
assistencial da saúde saiu da FUNAI há 2 anos, mas essa miséria já estava
estabelecida há décadas. Os ianomâmis são índios pequenos, desnutridos,
anêmicos. Enquanto os que estão ligados ao Governo do Estado, aos Governos
municipais são índios nutridos, que têm mais longevidade, mais saúde, são índios
que andam vestidos.
Não queremos que os índios voltem ao tempo do descobrimento do Brasil, ao
tempo de Pedro Álvares Cabral, não queremos sufocar a tradição indígena. O Rio
Grande do Sul é um dos Estados mais politizados, e cultua sua tradição. Queremos
preservar, sim, a cultura indígena. E o Governo do Estado tem sido o principal aliado
nessa empreitada, pois tem implementado escolas com professores indígenas,
aulas de idiomas indígenas, danças folclóricas indígenas. Não temos nenhum
interesse em massacrar nossos irmãos, que são a raiz da raiz, como disse o senhor.
Portanto, precisamos harmonizar essas questões, para que possamos
inclusive propiciar, como tem sido lá no Município de Uiramutã, na Fazenda Flexal
— como disse aqui o Governador —, onde o índio está produzindo. E isso tem sido
orgulho para nós, para o Governo. Estamos vendo inclusive tomadas de televisão
mostrando a produção de feijão, de milho que os índios estão tendo, ganhando
dinheiro com o excedente. Estão felizes da vida de estar junto ao Governo do
Estado.
Então, a FUNAI realmente não vive de discurso, mas tem vivido de demarcações.
Aconselharia ao Sr. Presidente da FUNAI, até para melhorar a qualidade de vida
dos índios, que tanto merecem ser assistidos, que reduzisse então essas áreas para
que houvesse uma concentração e uma assistência mais adequadas. Esse pessoal
veio da Guiana, veio perambulando da Venezuela, e quer ficar lá porque tem
açougue. Eles querem comprar, produzir, querem emprego, carteira assinada. São
em torno de 20.000 índios. Então, se temos 300.000 habitantes, não há razão para
darmos 50% das terras, impedindo, inclusive, a alavanca econômica do Estado, que
está na rizicultura e no pólo industrial, os quais absorverão, sim, mão-de-obra
indígena. É de interesse do índio que se faça realmente dessa alavanca o seu
desenvolvimento.
É bom que, enquanto a própria FUNAI não conhecer o IDH indígena, não
expanda mais as demarcações. Primeiro, deve procurar conhecer o Índice de
Desenvolvimento Humano do índio, para depois pensar em expandi-las, sem
contudo isolá-lo como se estivesse em jardim zoológico humano, onde é inviável até
a assistência que o Governo tem dado.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) Concedo a palavra ao
Deputado Josias Gomes.
O SR. DEPUTADO JOSIAS GOMES - Sr. Presidente, serei breve. Quero, em
primeiro lugar, saudar nosso Governador, companheiro Flamarion Portela, pela
exposição brilhante que fez no dia de hoje, trazendo a debate tema que, como
V.Exa., Sr. Presidente, mesmo disse, apesar de muito importante ao Estado de
Roraima, outros Governos tentaram esconder ou tratar como discussão secundária.
O respeito pelo Estado de Roraima e pela figura do Governador é total. Dr.
Márcio, nosso velho conhecido, partilha dessa opinião.
Tive poucos e recentes contatos com o Dr. Mércio, mas quero dizer que os
problemas fundiário e indígena de Roraima poderão ser resolvidos com nosso
Presidente, que está sintonizadíssimo com o interesse do nosso Governo em
prontamente solucioná-los, porque protelar essas questões não ajuda o
desenvolvimento de Estados e de pessoas.
Não fui a S.Exa. com as respostas prontas, mas, sim, levei-lhe problemas,
contudo, percebi a tranqüilidade com que tratou determinada questão na qual fui
muito enfático em sua tradução. Tenho certeza de que estamos no início de
importante solução.
O censo mencionado é de importância extraordinária. O companheiro
Rodolfo, nosso velho conhecido da Comissão, tem dito que é preciso que os
Governos Estaduais e Federal façam políticas públicas para as nações indígenas,
procurando dar-lhes a condição que S.Exa. propõe para que os índios se
desenvolvam e não voltem à época do descobrimento. Tenho a mais absoluta
clareza de que a FUNAI vai nessa direção. Precisamos mais do que nunca
preservar nossa cultura, guardando as dificuldades orçamentárias que temos hoje,
mas sobretudo preservando o que é mais sublime: a vida do indígena e do cidadão
de Roraima.
O Governador não está pedindo muito, apenas que haja realmente uma
situação harmônica. É reconhecidamente um Estado onde há várias nações
indígenas de grande importância para o País. O Governador tem sensibilidade para
isso, e a direção da FUNAI tem competência para fazer isso. Apesar de suas
grandes atribuições, o Dr. Mércio concordará em visitar o Estado, e não apenas
para conhecê-lo, porque, se tem alguém hoje na FUNAI, com conhecimento
profundo sobre questões indígenas, é o Dr. Mércio. Confio absolutamente que
nossas políticas indigenistas terão importante papel.
Chamo a atenção da Comissão de Agricultura, na qual temos interface muito
grande em relação a essa questão, para que aprofundemos o conhecimento sobre o
assunto. A questão indígena não envolve apenas o Estado de Roraima, mas corre
pelo Brasil afora. A FUNAI vai trazer a debate essa questão e precisamos estar
sintonizados. A fundação não quer criar problemas hoje, como sempre aconteceu,
mas buscar soluções, e não apenas para essa questão.
Quero lembrar problema gravíssimo que ocorre em meu Estado com os índios
pataxós, na região cacaueira, onde há 54.000 hectares para serem demarcados há
20 anos, e que não se concretiza apesar do processo estar aqui no Supremo
Tribunal Federal. Esse fato demonstra que a questão indígena precisa ser inserida
na problemática que incide diretamente sobre o Estado de Roraima, mas que não
se transforme apenas em um entrave e, sim, em um dos desafios que todos juntos,
Governo Federal, Governo Estadual e os organismos que temos para tratar dessa
questão, devemos enfrentar.
Finalizo dizendo da minha alegria de ter participado desta audiência pública, deste
debate, que nos propiciou conhecimento profundo sobre esse Estado — o qual fui
convidado a visitar pelo nosso companheiro Rodolfo —, um dos poucos que não
conheço. Quero ir em companhia do Dr. Mércio na visita que sei que fará, para
tomarmos mais um grande banho de antropologia indígena no nosso Estado de
Roraima. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Agradeço a participação
ao Deputado Josias Gomes.
Para encerrar, concedo a palavra ao Deputado Pastor Frankembergen.
O SR. DEPUTADO PASTOR FRANKEMBERGEN - Muito obrigado, Sr.
Presidente. Cumprimento a Mesa na pessoa do nosso Governador Flamarion
Portela, a quem parabenizo pela exposição que fez sobre nosso Estado.
Sou roraimense, nascido ali. Minha mãe nasceu na região da Serra da Lua,
também em área indígena. Não sou descendente, como o nobre colega Rodolfo,
mas nos criamos com nossos irmãos indígenas e acompanhamos o seu
crescimento e suas dificuldades.
Quero primeiro agregar-me aos sentimentos de cada um dos nobres colegas
que já nos antecederam e se posicionaram muito bem em relação à questão
fundiária do nosso Estado. Não se trata somente da questão indígena, mas se está
dando ênfase a ela por se tratar de área bem maior de demarcação. E gostaria de
trazer também a questão do desenvolvimento das áreas indígenas em relação aos
nossos irmãos índios, que têm capacidade de produzir e condições para explorar
recursos naturais que lhes proporcionem desenvolvimento econômico.
Como exemplo, cito a questão da Venezuela, país vizinho. Temos hoje o
Monte Roraima, marco histórico de turismo no nosso Estado, que é basicamente do
Brasil e de Roraima, mas é explorado pela Venezuela e administrado pelos índios
venezuelanos. A Colônia São Francisco recebe diariamente estrangeiros
americanos, canadenses, alemães e outros, que estão ali para conhecer o Monte
Roraima. Temos condições de explorar as trilhas pelo lado brasileiro, no Município
do Uiramutã, que seria uma fonte de recursos para nossos irmãos índios.
Infelizmente, os pontos turísticos que temos nas reservas indígenas hoje não
são explorados. Na BR-174, próxima à fronteira com a Venezuela, há a Cachoeira
do Macaco. Com a demarcação da Reserva São Marcos, foi colocada uma cerca, e
os moradores da região não têm liberdade e não podem sequer bater uma foto
daquela cachoeira, porque é proibido.
O branco não deve tomar posse daquilo que é dos índios, mas sou a favor da
demarcação de terras realizada de maneira sensata, para que nelas todos possam
se desenvolver e principalmente os índios possam sair da situação em que hoje
vivem.
Para concluir, chamo a atenção para fato até pitoresco. Há cerca de 5 meses,
nasceu uma criança com defeito físico na reserva ianomâmi e, por costume daquele
povo, ela seria rejeitada e morta. As pessoas que trabalham lá — creio que
funcionários de organização que atua na área — pegaram a criança e a levaram
para Boa Vista, onde recebeu a assistência necessária. Desde então, ela vive em
um pronto-socorro infantil e é cuidada pelos funcionários, que lhe compram roupas e
brinquedos. Creio que as organizações que recebem milhões de reais para dar esse
tipo de assistência deveriam estar ali. Não sei se esse fato já chegou ao
conhecimento dos senhores; é isolado, mas importante dentro do contexto que
estamos vivendo.
Concluo dizendo que estamos de acordo com a demarcação e queremos
contribuir com ela. Entendo que sua presença nesta Comissão, embora eu não faça
parte dela, vem se somar ao interesse do nosso Presidente em solucionar tal
problemática, que perdura há anos. Somos da base aliada do Governo e estamos
torcendo e trabalhando para que, ao final, ele seja altamente positivo.
Agradeço por participar desta audiência pública, que trata especificamente do
nosso Estado.
O SR. DEPUTADO DR. RODOLFO PEREIRA - Sr. Presidente, sem querer
abusar, instituições como o INCRA , FUNAI e IBAMA influenciam muito a política do
Estado de Roraima, por ser pequeno, em todos os setores. Na verdade, mandam
mais do que o Estado, o Governador e os Deputados.
Quero dizer ao Presidente da FUNAI, Dr. Mércio, que nos ouviu com toda a
paciência, que também acreditamos muito nele, desde aquela primeira reunião que
tivemos. Mas peço a ele que alerte o Presidente Regional da FUNAI a fim de que
este respeite o cidadão roraimense. Um dia desses, ele voou sobre a cidade de
Uraimutã e a chamou de “corrutela”. Corrutelas são cidades pequenas provenientes
de prostíbulos e foi exatamente lá que nossas mães, tias e irmãs cresceram. A
sociedade roraimense sentiu-se extremamente ofendida por ser tratada dessa
maneira. Não que eu tenha alguma coisa contra a profissional da prostituição, mas
nem minha mãe e nem as mães dos outros são prostitutas. Apesar de ele haver dito
isso, nunca se retratou. Passei o caso ao Presidente da FUNAI, que também não se
retratou, e agora estou citando o fato ao senhor, que vejo ser um pouco mais
sensato.
Nosso Governador é do PT. Não somos aliados políticos, pois sou do PDT,
mas nessa questão estamos andando juntos. Peço que o Presidente da FUNAI se
aproxime do Governo do Estado, que hoje dispõe de uma Secretaria Estadual do
Índio, a qual arca com quase todas as despesas dos índios em relação a transporte,
energia, escola e saúde. Que ele tenha a humildade de, pelo menos, se sentar uma
vez para conversar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Vou conceder a palavra
ao Presidente da FUNAI e peço ao Governador que encerre a audiência pública, até
porque estamos sendo advertidos de que, daqui a pouco, começará outra. Nós
começamos exatamente às 10h23min e estamos há 3 horas nesta audiência.
O SR. MÉRCIO PEREIRA GOMES - Sr. Presidente, Sr. Governador e demais
membros da Mesa, senhoras e senhores, quero reiterar minha honra e felicidade em
estar aqui conversando e debatendo sobre a questão indígena em Roraima. Sei que
isso foi motivado pela brilhante explanação do Governador Francisco Flamarion
Portela a respeito do seu Estado. Uma exposição sucinta, que esclareceu muito
sobre Roraima, inclusive, para minha felicidade, que as terras indígenas
representam 46% do total e não mais da metade, como dizem. Não precisa haver
determinação constitucional para que algum Estado brasileiro tenha mais de 50% de
terras do que Roraima, com 46%.
Fico feliz por estar aqui debatendo o assunto, pela primeira vez, juntamente com a
bancada de Roraima. Tenho certeza de que é uma bancada firme, que vai ajudar na
consolidação desse relacionamento entre os povos indígenas de Roraima e a
população do Estado.
Devo dizer que às vezes me perturba, sem ironia alguma, falarem em “migração de
índios para Roraima” quando sabemos que, há 30 ou 40 anos, a população daquele
Estado era de 60 mil habitantes. É como se estivessem falando de corda em casa
de enforcado. Os migrantes não são os índios. De fato, essa afirmação não
fortalece a posição dos defensores de Roraima.
Perturba-me muito a influência estrangeira na Amazônia. Tenho consciência de que
há interesses avulsos e genéricos — recursos genéticos, biodiversidade, toda essa
riqueza é importante. Na condição de Presidente da FUNAI, estou preocupado com
essa situação, bem como todo o País. Às vezes, há documentos demonstrando
certo interesse, às vezes, denunciando algo que não está acontecendo. De todo
modo, há grande preocupação no Brasil em relação aos recursos genéticos na
Amazônia.
Preocupa-me que pesquisadores entrem em áreas indígenas sem permissão da
FUNAI, sem conhecimento prévio do que estão fazendo. Tenho intenção de fazer
convênio com todas as universidades brasileiras, convênios guarda-chuva, de modo
que termos aditivos especifiquem os trabalhos. Tenho consciência da riqueza e do
conhecimento dos povos indígenas sobre plantas, animais, situações ecológicas
que são de grande valor para a humanidade. Tenho também clareza de que é
melhor que isso seja feito em convênio com pesquisadores que passam pelas
universidades brasileiras. Vamos agir o mais breve possível.
As observações feitas sobre o aproveitamento do potencial econômico, inclusive
turístico, das áreas indígenas, bem como da presença militar nessas áreas, serão
levadas em consideração. Tenho certeza de que não é iniciativa dos índios proibir
ou ir contra a presença militar em suas áreas. Toda observação que tenho ouvido
deles é de um relacionamento que pode dificultar a relação interétnica, mas a
presença do Exército brasileiro nas áreas de fronteira certamente é uma garantia
nacional para nossa segurança, e não haverá problema a esse respeito.
Fico feliz em ouvir reiteradas afirmações, inclusive do ilustre Governador, e ter a
certeza de que vamos consolidar essas demarcações e essa homologação. Elas
são importantes para o sentimento de nacionalidade brasileira e para este Governo.
Minha convicção tem sido alimentada inclusive pelo bom relacionamento que tem o
Estado de Roraima com o Governo Federal, ainda mais pela amizade do
Governador com o Ministro Dr. Márcio Thomaz Bastos. Há um encaminhamento
muito bem adequado para essa homologação, para o ressarcimento daqueles que
estão em áreas indígenas e para o reassentamento.
Ao comentar a observação do Deputado Dr. Rodolfo, quero dizer que a
FUNAI sente muito que alguém de lá tenha chamado Uiramutã de corrutela. Nesse
sentido, apresento as desculpas da FUNAI à cidade.
Quanto ao diálogo, estaremos sempre abertos a ele. Este diálogo foi iniciado
pelo atual Governo. Este é um Governo de diálogos. Se não o fosse, as
providências teriam sido tomadas com muito mais rapidez. Nós, da FUNAI, temos
ouvido reclamações de outras instâncias, de ONGs e de organizações indígenas e
não-indígenas, que defendem esses povos, sobre a lentidão do Governo. Essa
lentidão se dá porque não queremos impor nada. Temos firmeza de nossas
convicções. Quando há conflitos, encontramos soluções por meio do diálogo. Na
Presidência da República, conta-se, sim, com certeza, com o Ministro e com esse
humilde servidor aqui presente.
Queremos conversar. Não fugiremos do diálogo com nenhuma das partes
interessadas. De antemão, todos devem entender que não haverá demarcação de
terra indígena sem que haja pessoas interessadas. Pelo contrário, quando há essa
convicção, encontramos a solução. O Estado brasileiro tem encontrado a solução ao
longo dos últimos 150 anos e, mais intensamente, ao longo dos últimos 30,
independentemente de regime político. O Estado permanecerá buscando essa
solução, porque dela depende a nacionalidade brasileira.
O futuro do Brasil depende do resgate da dívida que o País tem com os
povos indígenas. Primeiro, a consolidação do território indígena. A defesa da saúde
e do crescimento demográfico desses povos está sendo feita. O resgate da
participação política, cultural e econômica no Brasil é árduo. Às vezes, não temos
solução clara, mas será feito também. Acredito neste Governo, no Estado brasileiro
e na cultura brasileira, capaz de manter um relacionamento integrado, respeitoso e
não-discriminatório com os povos indígenas. Acredito na unicidade da cultura
brasileira diante do mundo e na sua capacidade de diálogo. Não temos palestinos
nem israelitas, mas o povo brasileiro dialogando consigo mesmo.
Deixo essas palavras e me disponho a participar de qualquer debate nesta
Casa e no Senado Federal, para prestar melhores esclarecimentos sobre a
amplitude da causa indígena no País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Agradeço ao Dr. Mércio
Pereira Gomes a participação.
Concedo a palavra ao Governador Francisco Flamarion Portela. Em seguida,
encerraremos a presente reunião.
O SR. FRANCISCO FLAMARION PORTELA - Sr. Presidente, serei breve.
Lembro ao Dr. Mércio que procuramos ser verdadeiros e muito responsáveis.
Temos hoje, em Roraima, 46,17% de áreas já demarcadas, mas está sendo
solicitada a ampliação de muitas outras. Por exemplo, a da Malacaxeta, que, se
ampliada, como a FUNAI está pretendendo, atingiria a área urbana de Boa Vista —
pasmem os senhores — e Anaro, no Amajari, e Boqueirão. Hoje, temos essas, mas
a ânsia expansionista continua. Citei apenas 3 para exemplificar, mas há outras.
Agradeço ao Deputado Josias Gomes pela sensibilidade, engajamento,
entendimento e até pelo diálogo que tem travado com o Deputado Rodolfo, para
entender melhor nossa situação. Agradeço também aos Deputados Pastor
Frankembergen, Alceste Madeira, Maria Helena, Luciano Castro, Rodolfo Pereira,
Almir Sá e Maria Suely Campos. Sete dos 8 Deputados roraimenses estiveram
presentes na Comissão, mostrando não só o compromisso e a vontade de resolver
o problema, mas, principalmente, a disponibilidade em participar desta reunião,
neste momento de debate tão importante no Congresso Nacional.
Registro mais uma vez nossa profunda gratidão e conclamo todos a juntos
encontrarmos uma saída para esse problema.
Do fundo do coração, agradeço ao Presidente da Comissão, Deputado
Waldemir Moka e, na sua pessoa, a todos os Deputados da Comissão por terem se
disponibilizado a nos ouvir por mais de 3 horas. Tenham certeza de que Roraima
reconhecerá a importância desse debate.
Agradeço ao Dr. Márcio a presença. Foi uma grande honra conversar com o Dr.
Mércio Pereira Gomes. Realmente, temos mantido com o Ministro Márcio Thomaz
Bastos estreito relacionamento. S.Exa. foi a Roraima e se sensibilizou com nossa
situação. Não quero tecer críticas, mas Renan Calheiros, quando Ministro da
Justiça, instituiu portaria demarcatória da Raposa Serra do Sol sem nunca ter ido a
Roraima. Então, é importante que a pessoa vá a Roraima, como fez o Ministro
Márcio, ouvir todas as representações, segmentos políticos e sociedade, para, a
partir daí, entender melhor o assunto, haja vista o convite reiterado para que V.Exa.
possa ir a Roraima e sair de lá também com esse sentimento.
Agradeço ao Dr. Leôncio, representante da Confederação Nacional de
Agricultura, por ter mostrado o problema.
Por fim, deixo um abraço especial a todos e meu muito obrigado pela
paciência. Saímos daqui, mais que esperançosos, engrandecidos.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Waldemir Moka) - Antes de encerrar a
presente reunião, quero dizer que, primeiro, senti-me honrado com a presença da
bancada de Roraima, que tem, dentre outros, um grande representante, o Deputado
Almir Sá. É evidente que a Comissão de Agricultura está aberta a todos, e o
Deputado Rodolfo dela faz parte.
Quero dizer ao Presidente da FUNAI que este debate sobre terras indígenas
vai acontecer na Comissão, mas temos de contar com a presença de
representantes dos Estados e dos povos indígenas para que o assunto seja tratado
de forma adequada.
Muito obrigado a todos.
Declaro encerrada a reunião.