departamento de taquigrafia, revisÃo e redaÇÃo … · supervisÃo: amanda, ana maria, cláudia...
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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE RELAÇÃO EXTERIORES E DE DEFESA NACIONALEVENTO: Seminário N°: 0752/02 DATA: 20/08/02INÍCIO: 14h18min TÉRMINO: 18h46min DURAÇÃO: 04h28minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 04h20min PÁGINAS: 109 QUARTOS: 52REVISÃO: Anna Augusta, Carla, Cláudia Castro, Eliana, Gilberto, Irma, Liz, Marlúcia, Monica,Paulo Domingos, Rosa Aragão, TatianaSUPERVISÃO: Amanda, Ana Maria, Cláudia Luiza, Debora, Estela, J. Carlos, Joel, Letícia, ZuzuCONCATENAÇÃO: Letícia
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
OTHON LUIZ PINHEIRO DA SILVA - Diretor da empresa ARATEC.MARCO CEPIK - Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais ePesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro — IUPERJ.ALAN PAES LEME ATHOU - Diretor do Centro Tecnológico da Marinha.SÉRGIO CHAGASTELES - Comandante da Marinha.GLEUBER VIEIRA - Comandante do Exército.CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA - Comandante da Aeronáutica.
SUMÁRIO: Seminário Política de Defesa para o Século XXI. Temas: "Ordem Mundial, RelaçõesExternas e Poder Militar" e "Estrutura Militar e Imperativos de Segurança Nacional".
OBSERVAÇÕES
Há exibição de imagens.A reunião foi suspensa e reaberta.Há expressão ininteligível.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ SEM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa Nacional Número: 0752/02 Data: 20/08/02
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Boa tarde, senhoras e
senhores.
Declaro abertos os trabalhos desta reunião da Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional.
Vamos dar início ao painel desta tarde. Solicito-lhes encarecidamente o
desligamento dos telefones celulares, para que possamos oferecer toda a atenção
devida aos expositores desta tarde.
Gostaríamos de reiterar aos participantes do seminário que os certificados de
presença só serão concedidos, como é óbvio, mediante a presença, ou seja, terão
que ser consignadas as assinaturas ao ser conferida a presença para a emissão dos
certificados.
A mesa do início desta tarde tem como título “Ordem Mundial, Relações
Externas e Poder Militar” e como subitens: “As alianças militares e o conceito de
segurança mútua”; “Relações internacionais e Forças Armadas: defesa territorial e
'conflito assimétrico'; com o conceito de 'área de interesse' — projeção externa de
poder e capacidade de intervenção"; “Inteligência militar: estrutura, objetivos
(segurança externa e/ou interna e controle)"; “Alta tecnologia militar: capacidade
atômica e poder aéreo”.
Convido o Prof. Marco Cepik, da Universidade Federal de Minas Gerais, do
Departamento de Ciência Política, Doutor em Ciência Política pelo Instituto
Universidade de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro — IUPERJ.
Convido o Sr. Contra-Almirante Alan Paes Leme Athou, Diretor do Centro
Tecnológico da Marinha.
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Convido o Sr. Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, Diretor da Empresa de
Consultoria e Engenharia ARATEC.
Logo após o encerramento deste painel, teremos o painel denominado
“Estrutura Militar e Imperativos de Segurança Nacional”; com os subitens “Hipóteses
de emprego na determinação da estrutura militar: custos, organização e dimensões
da Marinha, Exército e Força Aérea”, “Capacidade de mobilização do poder militar
nacional como fator dissuasório”; “Exército de conscritos ou de voluntários
(profissionais): implicações sociais, custos e eficiência militar”, “Segurança interna:
polícia (militar) ou Forças Armadas?”, com os conferencistas General Gleuber Vieira,
Almirante Sérgio Chagasteles e o Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista.
Dito isto, mais uma vez, em nome dos organizadores do seminário, da
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da Fundação Carlos
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro — FAPERJ, e da
Fundação Habitacional do Exército — POUPEX, manifesto o agradecimento pela
presença dos conferencistas.
Passamos a palavra ao Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva para sua
exposição. V.Exa. disporá de cerca de 25 minutos para que tenhamos condições de
debater e em seguida apresentarmos o próximo painel.
Com a palavra V.Exa. Muito obrigado pela presença.
O SR. OTHON LUIZ PINHEIRO DA SILVA – Sr. Deputado Aldo Rebelo,
colegas da Mesa, ilustres senhoras e senhores, é com muita satisfação que venho a
este seminário, porque ele consolida dois aspectos muito importantes. O primeiro, a
preocupação do nosso Parlamento, desta Casa, com temas de defesa. O segundo,
muito importante, a preocupação de uma organização de pesquisa com a defesa.
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Essa caracterização é muito relevante. Uma das ordenadas maiores que uma
sociedade tem para a aplicação de seus talentos, o desenvolvimento de
capacidades, são justamente os programas de pesquisa, desenvolvimento e
produção de material de defesa. De modo que essa iniciativa da FAPERJ é fato
extremamente alvissareiro para a nossa sociedade.
O tema da minha palestra é “Tecnologia e Política de Defesa para o Século
XXI”. Em primeiro lugar, eu gostaria de conceituar a necessidade e capacidade de
defesa. Eu me sinto até um pouco tímido de no Congresso abordar temas dessa
natureza e procurarei fazê-lo de maneira simples.
Se acompanharmos as notícias da mídia, consultarmos diariamente os jornais
e recortarmos as notícias, poderemos colocar esses recortes de jornal num arquivo
de quatro gavetas. Na gaveta inferior estarão as relações normais entre países, ou
seja, as relações diplomáticas e comerciais. Logo a seguir, na segunda gaveta,
colocaremos logo acima outra pilha de recortes relativos às pressões diplomáticas e
econômicas. Felizmente, menor número de recortes de jornais irá para uma terceira
gaveta; serão os que se referem à demonstração de força militar e ameaça. Essas
são notícias de todos os dias. Hoje mesmo podemos fazer esses recortes.
Finalmente, na última gaveta, a de cima, vez por outra, encontraremos os recortes
de jornais relativos à agressão. Mas bastam quatro gavetas, e o que faz o escalar de
uma gaveta para outra é sempre a economia. Discordo dos brilhantes conferencistas
que estão aqui hoje, mas as razões econômicas é que levam ao escalonamento das
gavetas, ou seja, a passarmos de uma situação a outra. Essas razões são
mascaradas por justificativas políticas e religiosas, mas basicamente são
preocupações econômicas.
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Ora, é muito importante que conceituemos o assunto dessa maneira, pois
algo que se pergunta sempre é: sistema de defesa contra quem? Quem é o inimigo?
A procura do inimigo inibe a definição de uma política de defesa. A política de defesa
objetiva garantir a soberania de um Estado nacional, independentemente de quem
possa ser o inimigo. Sempre existirá algum; sempre haverá uma motivação
econômica. E tudo que fazemos nesta vida, querendo ou não, é em função de uma
análise custo/benefício. Quando compramos um jornal, estamos gastando algum
dinheiro e o benefício é ter aquelas notícias. Mesmo que instintivamente, fazemos a
análise custo/benefício. Todas as vezes em que o sistema de defesa é por demais
débil, há um estímulo à escalada de uma gaveta para outra.
Ao conceituar dessa forma, a definição de uma política de defesa fica muito
cortês em relação aos outros países. Nossa política de defesa não é para contestar
ninguém, é simplesmente para preservar o nosso Estado nacional. Acreditamos na
necessidade de um Estado nacional soberano e queremos preservá-lo.
A capacidade de defesa depende de vários fatores: do sistema político
adotado pelo País; do grau de representatividade de seus dirigentes; da crença nas
instituições e do grau de satisfação do cidadão; da identificação do cidadão com as
tradições e os costumes nacionais e, sobretudo, da capacidade militar de defesa. No
entanto, só a capacidade militar de defesa obviamente não nos garante. Tem de
haver a capacidade militar mais a vontade de cada cidadão de lutar pelo Estado
nacional e preservá-lo, não como contraposição aos outros Estados nacionais, mas
com o desejo de seus valores e sua cultura estarem presentes no cenário nacional,
não como subserviência, mas como parceria para contribuir.
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Pode parecer um pouco ridículo mencionar esses aspectos para pessoas tão
ilustres. Mas, infelizmente, nos meus 39 anos de carreira e nos 8 anos na qualidade
de empresário, vejo certa despreocupação da nossa sociedade com a defesa. É
como se não houvesse a forte vontade de ter um Estado nacional soberano; como
se não fosse importante; como se nosso País não estivesse entre as dez primeiras
economias do mundo; como se não tivéssemos um grande patrimônio. Ou seja,
existe endemicamente a vontade de preservar essa nossa cultura e o nosso País,
mas não de forma pronunciada.
O simples número de cadeiras vazias neste importante seminário seria prova
dessa assertiva, mas temos outras provas. É bom sempre sedimentarmos opiniões
ou fatos, porque a opinião é adjetiva e o fato é substantivo.
Fatos. Existe timidez em nós, militares, de admitirmos que determinados
programas são típicos de defesa. Por exemplo, o importante programa Sonda
inicialmente foi rotulado para dar apoio à meteorologia (índices meteorológicos que
depois passaram a ser satelizadores). Tive muita dificuldade no início do programa
de propulsão nuclear de convencer meus chefes, que tinham de admitir de saída
que se tratava de um programa de propulsão nuclear para submarinos e não para a
propulsão de navios mercantes. Simplesmente, não tem a menor justificativa para a
propulsão de navios mercantes. Internamente, eu não me sentia bem, pois é muito
importante para a sociedade saber o que está sendo feito; se o que se está falando
é absolutamente verdade. Isso nos dá força. Tive grande dificuldade, mas,
felizmente, na época isso foi admitido desde o início. Não houve a menor dúvida de
que estávamos trabalhando para desenvolver a propulsão nuclear de submarinos.
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Defesa significa ter habilidade na arte da guerra e energia é elemento
fundamental na arte da guerra. Alguns comandantes presentes não vão gostar, mas
quando um comandante de navio, um piloto de um avião, um comandante de um
tanque está movimentando, nada mais está fazendo do que deslocando sua
plataforma, usando uma reação controlada. É só isso. Os submarinistas, desculpem-
me, estão deslocando um vaso de pressão com reação controlada. Quando dão um
tiro de canhão ou disparam um míssil sobre um alvo, estão usando energia de forma
não controlada. Então, a energia está diretamente ligada à arte da guerra.
A primeira forma de uso de energia foi a energia mecânica. Quando uma
pessoa dava uma paulada no adversário, estava usando a energia mecânica, que
depois foi sendo aprimorada.
Ora, se a energia é um fator importante, uma importante decisão sobre a
ratificação de um tratado sobre energia nuclear, ou seja, que regulamentava as
maneiras de inspeção dos nossos órgãos nucleares e assumia alguns
compromissos, foi votada nesta Casa no fim de uma sessão, quando anteriormente
tinha havido um grande tumulto em que um Deputado quebrou um microfone. Isso
aconteceu por voto de Liderança. Ora, se os representantes do povo tratam um
aspecto relevante em termos de estratégia dessa forma — os nossos representantes
são a medida da vontade do povo —, ainda não há a firme caracterização da nossa
vontade com relação à defesa.
Outro exemplo é esta própria Comissão. Há determinado tempo, a Comissão
de Defesa não dava status ao Deputado; agora, sim, pois houve a integração com
outra Comissão, mas até determinada época ela era a única que permitia acumular
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funções com outra Comissão. Isso também é uma medida da importância que a
nossa sociedade dava à defesa.
Recentemente, por ocasião da falência da WorldCom, os jornais noticiaram
que o Presidente da EMBRATEL, representante no Brasil daquela empresa
falimentar, veio a Brasília tranqüilizar os chefes militares no sentido de que as
comunicações militares não seriam interrompidas. Se eles ficaram tranqüilos, eu
também fiquei.
Para deixar claro que esta análise não tem cunho belicista, vale lembrar que a
Suécia e a Suíça, com grande tradição de neutralidade e paz, admitem sem
constrangimentos sua preocupação com a defesa. Esta palestra diz respeito ao nível
tecnológico de material de defesa. Para que os armamentos sejam atualizados,
usam-se sempre os materiais mais leves, mais resistentes e com eletrônica de
última geração; para que sejam competitivos implicam o que existe de melhor em
termos de tecnologia. Deles é sempre esperado o melhor desempenho possível,
embora possuam duas marcantes características. Como incorporam alta tecnologia,
eles têm alto preço e caem rapidamente em obsolescência, características que
lembram um pouco a moda feminina.
Se a opção for sempre importar armamentos e todos os seus componentes e
não houver preocupação endêmica em desenvolvê-los e produzi-los, teremos dois
caminhos: ou gastos contínuos no exterior ou a obsolescência. A opção por
importação significa nada mais do que isso.
Normalmente, as vendas de armamento são controladas pelos países de
origem ou por mecanismos internacionais de controle. Como via de conseqüência,
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ao se optar pela importação, permite-se que a capacidade militar de defesa seja
decidida fora de nossas fronteiras.
Quando trabalhávamos no desenvolvimento da propulsão nuclear de
submarinos, lembro-me de que usamos o seguinte critério: concentramos nossos
esforços em tudo o que tínhamos certeza de que seria negado e nacionalizamos
tudo o que pudemos. Erramos numa análise: o motor elétrico de propulsão era
basicamente o motor elétrico do submarino que os alemães haviam vendido aos
argentinos, com uma pequena modificação. Foi feita a consulta, os alemães
concordaram com a venda, e a licitação especificava que ele fosse fabricado no
Brasil, mas houve um problema entre a matriz e a firma aqui do Brasil. Eles
chegaram à conclusão de que uma parte seria fabricada aqui e a outra viria da
Alemanha. Mas era um motor elétrico normal, convencional, de propulsão.
As licenças na Alemanha são renovadas a cada seis meses. Nos dois
primeiros anos e meio foram renovadas; de repente, foram canceladas
simplesmente. Embora houvesse um contrato, o cancelamento foi feito porque
houve veto de outro país para o qual eles forneciam, mesmo não sendo o motor
destinado à propulsão do submarino. Ele seria aplicado numa estação de testes, o
que significa que houve uma decisão. Quero atentar para o detalhe de que a
propulsão nuclear é admitida internacionalmente em caso de uso pacífico da energia
nuclear. Existe porque ele apenas substitui o motor normal. Mesmo assim, houve
decisão: foi vetada a exportação de parte daquele motor. Isso mostrou que nossa
política em relação ao sistema foi correta. Ninguém venderia um reator de
propulsão, e nós fizemos. Todos os componentes primários foram feitos no nosso
País. Somos um país de Terceiro Mundo que tem não só todo o ciclo de
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combustível, mas também a propulsão definida. Dependemos apenas de fazer a
montagem e continuar com o trabalho de desenvolvimento. Então, o motor de
propulsão é exemplo cabal dessa assertiva. Ou seja, toda vez que se trata de
exportação o poder de veto está com quem vende. Isso é óbvio, mas nem sempre
levado em consideração.
Outro ponto importante a ser levado em consideração é a produção de
material de defesa no País, que contribui para aproximar a sociedade civil e as
empresas dos problemas de defesa. A maior ponte existente entre a sociedade civil
e o sistema de defesa é o desenvolvimento de material de defesa. Não conheço
ponte mais larga e rígida do que essa, principalmente neste momento em que as
Forças Armadas trabalham exclusivamente com material importado. É como se
tivesse chegado um marciano com roupa diferente, de material diferente; e isso não
é bem entendido. No momento em que universidades brasileiras estiverem
trabalhando no desenvolvimento de materiais e as empresas brasileiras estiverem
engajadas na produção de componentes e equipamentos, é óbvio que elas
começarão a entender a necessidade de defesa. E então haverá uma sinergia. É a
única forma de participação. Temos optado sistematicamente pelo isolamento. Se
perguntarmos a um tenente que material usado por ele no dia-a-dia é produzido no
Brasil, ele terá de pensar um pouco para responder.
A opção pelo desenvolvimento e pela produção de equipamentos e
componentes em nosso País será de grande importância e, sem dúvida, contribuirá
para que haja aproximação entre civis e militares. Além de tudo, novos empregos
serão gerados.
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Áustria, Suécia e Israel produzem todo seu armamento portátil, seus
uniformes, equipamentos de proteção do soldado, suas rações militares. O
armamento portátil e a produção individual do soldado tem muito a ver com a
formação da identidade nacional das Forças Armadas. Atrever-me-ia a dizer que o
armamento portátil é a impressão digital da Força terrestre.
Fabricamos algum equipamento portátil no Brasil, mas não me lembro de
nenhum equipamento de tecnologia avançada desenvolvido no País com a
finalidade específica de ser utilizado por nossas Forças.
Com relação à produção de material de defesa no Brasil, é fácil constatar que
temos um paradoxo tecnológico perverso. Mesmo com orçamentos modestos, se
comparados com os gastos per capita em defesa em outros países, as nossas
Forças Armadas viveram épocas de grande preocupação com o desenvolvimento
tecnológico e produção de material de defesa.
Assim, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica e o Instituto Militar de
Engenharia estão situados, tranqüilamente, entres as dez melhores escolas de
engenharia do País. A Marinha criou na Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, que dispensa apresentações, um departamento de engenharia nuclear.
No século passado, houve importante movimento no Brasil chamado
tenentismo. Seu ideário era a ruptura com o pacto colonial existente até aquela
época. Éramos um País eminentemente agrário e o tenentismo surgiu com o grande
inconformismo diante daquela situação.
No bojo desse movimento surgiu uma série de empreendimentos no País,
inclusive a siderurgia. O tenentismo contribuiu para que deixássemos de ser uma
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sociedade tipicamente rural. Com todos os problemas que temos, ainda somos
líderes de industrialização na América do Sul.
Sr. Presidente, apesar de todos os esforços que fazem as Forças Armadas, o
cenário lhes é adverso. No rol das importações militares constam alguns tipos
especiais de pólvora e de capacetes, rações de campanha, armamentos portáteis,
bazucas, navios e carros de combate de segunda mão, que concluíram o ciclo de
vida em outros países , e até mesmo os aviões de modelo equivalente aos usados
na Guerra da Coréia.
Importantes programas de equipamentos de defesa foram interrompidos ou
perderam sua prioridade nas Forças Armadas. De certa forma, isso mostra a falta de
controle externo do Parlamento em relação à continuidade dos programas de
governo.
Como exemplo, citamos a interrupção da produção de carros de combate,
substituída pela importação de carros de combate usados, e o programa de
propulsão nuclear da Marinha, prioridade durante muitos anos. No entanto, deixaram
de lado essa prioridade de anos e compraram, sem licitação — gosto de fatos para
mostrar os argumentos —, o Cisne Branco, navio de beleza indiscutível, mas de
discutível utilidade. Sem dúvida, a dispensa de licitação caracterizou a prioridade da
época. Foi substituída a propulsão nuclear pela propulsão à vela.
Os esforços das Forças Armadas na área do desenvolvimento e na aquisição
de armamentos e uniforme têm sido feitos de forma isolada; cada Força tem seu
programa. Então, dificilmente chegaremos à economia de escala.
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Os programas não são elaborados dentro da ótica da padronização do que for
possível. Se com a economia de escala já é difícil, imaginem com os programas
isolados!
Vou citar um fato que presenciei com muita tristeza: nos meus últimos tempos
de vida ativa, tive de interromper exercício de combate a incêndio, em Aramar,
porque observei que o tecido camuflado dos uniformes dos fuzileiros era sintético e
inflamável. Somente a aparência era de uniforme de combate.
Então, se até mesmo o uniforme é impróprio... É claro que tem de haver
padronização do tecido — pode até ter cores diferentes —, mas é fundamental que
em cenário de combate trabalhe-se com uniformes e equipamentos adequados.
O Ministério da Defesa como oportunidade de integração no esforço de
produção de material de defesa.
Na maioria dos países, o Ministério de Defesa teve como propósito a
produção dos próprios equipamentos e a redução dos custos. Muito mais por isso do
que por razões políticas.
Na França, em particular, essa integração ocorreu de forma muito feliz, até
mesmo porque foi em época de crise, durante as quais as vaidades são despidas e
as decisões tomadas são melhores. A França havia perdido sua condição de nação
colonial, estava começando a pensar no futuro que lhe deu o contorno que tem hoje.
O Ministério da Defesa naquele país tem quatro Forças Armadas: o Exército,
a Marinha, a Aeronáutica e o DGA — Délégation Général pour L’Armement. O DGA
é responsável pelo material bélico do país e se subdivide em três organizações, que
servem ao Exército, à Força Aérea e à Marinha. É interessante mencionar que um
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engenheiro do DGA migra de uma divisão para outra usando diferentes uniformes,
dependendo da Força Armada.
Se observarmos a quantidade de recursos aplicados e os equipamentos
adquiridos, torna-se fácil concluir que o sistema foi muito eficiente. A França lidera a
atividade de defesa da Europa.
Se quiséssemos implantar sistema equivalente no Brasil, teríamos de criar a
Secretaria-Geral de Armamento dentro do Ministério da Defesa e reunir o Instituto
Tecnológica da Aeronáutica, o Instituto Militar de Engenharia, além de engenheiros
das três Forças e arsenais militares. Sem dúvida, temos potencial muito grande
capaz de mudar o modelo perverso que temos.
A descontinuidade dos programas de Governo tem sido relacionada com
aspectos internos. Muitas vezes, para a direção de órgãos típicos de produção de
armamento são designados brilhantes oficiais, que, embora operativos, não
entendem do negócio. Na verdade, quando uma pessoa é muito boa em uma área,
não vai ser em outra. Existe grande diferença entre o perfil exigido para a direção de
programas dessa natureza e o de um oficial operativo. Para este, 50 anos já é a
idade limite no que se refere a certas atividades, tais como acompanhar tropa,
enquanto na área de produção é essa a idade da plenitude, da combinação da
experiência com a capacidade técnica.
O sistema francês me pareceu muito feliz porque os resultados foram
adequados e o custo foi pequeno.
Acreditamos que um programa de pesquisa e desenvolvimento de material de
defesa deve conduzir à produção, logo que possível e entre outros, dos seguintes
materiais: armamento portátil; uniformes de campanha adequados; equipamento
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individual e de visão noturna com alta tecnologia; mísseis terra/ar para médias
distâncias, que provoquem incerteza de sucesso em sobrevôos de aviões de
qualquer natureza em território nacional; mísseis terra/ar de uso individual ou para
dupla de soldados, que provoque incerteza em vôos rasantes de aviões e de
helicópteros; mísseis terra/terra — alguns deles já existem — e navais sub-superfície
de média distância, que dificultem a concentração de forças em terra ou a ameaça
por forças nucleadas em navios aeródromos; lançador de longa distância, que
desestimule o uso de país vizinho como instrumento de “guerra por procuração”;
sistemas de detecção e comunicações; helicópteros e aviões com armamentos para
um cenário de guerrilha na região amazônica; submarinos com propulsão nuclear
silenciosos, para inibir ameaças na fronteira marítima.
No cenário atual, em que cada palmo de terreno do planeta é acompanhado
por satélites, fica evidente que a defesa de nossas fronteiras marítimas tem como
elemento fundamental os submarinos.
O submarino de propulsão nuclear permite tempo praticamente ilimitado de
ocultação e provoca grande incerteza e expectativa de insucesso ao candidato a
agressor. Quando pudermos contar com submarinos nucleares, estaremos
praticamente imunes a ameaças ou agressões pela fronteira marítima, mesmo que
os submarinos tenham armamento convencional.
Parece claro que um programa ambicioso como o sugerido não vem a
contemplar a fabricação de todos os componentes de cada equipamento e, sim,
concentrar nos insumos em que possam ocorrer negativas de fornecimentos, à
semelhança do que fizemos no Programa de Desenvolvimento da Tecnologia de
Propulsão Nuclear.
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Partindo do pressuposto de que nossos recursos vão ser sempre limitados,
não tenho dúvidas de que, com a estrutura atual, dificilmente teremos oportunidade
de produzir materiais de defesa de alta tecnologia e de que a nova estrutura deve
ser integrada. Acreditamos também que alguns retoques são necessários para a
integração operativa das Forças Armadas.
O Ministério da Defesa e a integração operativa das Forças Armadas.
Atualmente, a divisão do território nacional feita por cada Força Armada dá a
impressão de que pertencem a países diferentes. Dessa forma, a área atribuída ao
Exército é diferente da área do distrito naval e da zona aérea.
Na condição de engenheiro de sistemas, preferia ver as áreas integradas e
que, em caso de conflito, automaticamente o comando ficasse com o comandante
da área que, por razões de ordem lógica, deva ser sempre o comandante da força
terrestre. Em contrapartida, a defesa estratégica do espaço aéreo e da fronteira
marítima e as forças de intervenção externa para apoio à paz deveria ser de
responsabilidade da Marinha e da Aeronáutica.
Da mesma forma que o sistema de produção de material bélico necessita ser
repensado neste País, acreditamos que a estrutura operacional requer muita
discussão e novo contorno.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Muito obrigado a V.Sa. pela
contribuição, Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva.
Caros senhores, as conferências serão publicadas, posteriormente, em livro,
e oferecidas ao público pelos organizadores. Boa parte da programação está sendo
levada ao País inteiro pela TV Câmara, à qual agradecemos.
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Concedo a palavra de imediato ao Prof. Marco Cepik, a quem também
agradeço a presença.
Tem V.Sa. a palavra.
O SR. MARCO CEPIK – Agradeço a V.Exa., Deputado Aldo Rebelo, e à Casa
o convite generoso para aqui comparecer, o que representa duplo desafio para mim,
que não sou nem militar, nem muito inteligente.
O Deputado Aldo Rebelo encomendou-me palestra sobre o Serviço de
Inteligência Militar. Não sendo militar, tampouco muito inteligente, vou tentar manter
a platéia acordada pelos próximos quinze minutos.
Farei uma pequena apresentação em PowerPoint, que pode mais atrapalhar
do que ajudar, mas procurarei superar todos esses desafios.
A apresentação desta tarde terá três itens: a configuração dos sistemas de
inteligência — o significado da Inteligência Militar nesse contexto; a avaliação do
desempenho; o papel do controle externo sobre a utilidade da Inteligência Militar.
(Segue-se exibição de imagens.)
Há diferentes matrizes históricas para a configuração do Sistema de
Inteligência Militar contemporâneo. A Diplomacia Secreta estabeleceu-se na Europa
inicialmente, na Renascença italiana posteriormente, nos séculos XVI e XVII na
Inglaterra e, por fim, na França. Atualmente, tudo o que diz respeito à Inteligência
externa, não apenas a orientada para a análise, mas também a voltada mais
diretamente para as organizações de criptografia, tem sua origem nesse período.
A Inteligência Militar surge como especialidade a partir das guerras
napoleônicas, principalmente com a generalização do modelo do Estado Maior
Prussiano na Europa, no começo do século XIX.
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A Inteligência de Segurança, orientada para as ameaças internas, tem origem
no policiamento político que se estabeleceu no século XIX — e com muito mais força
na Europa — a partir da experiência da Ucrânia e da França depois da Revolução
Francesa.
Tais matrizes históricas não derivam linearmente dos Sistemas de Inteligência
nos diversos países. Elas são diferentes em cada lugar. Houve importante
descontinuidade histórica, de forma mais geral determinada pelas capacidades
estatais. A variação da capacidade estatal é o mais importante fator isolado na
determinação da configuração final dos Sistemas Nacionais de Inteligência.
A maior parte dos Sistemas de Inteligência obedeceu a dupla lógica de
expansão ao longo dos últimos 150 anos: horizontal e vertical. Na lógica horizontal,
as organizações de Inteligência foram sendo configuradas a partir de certa
especialização ao longo do continuum de coleta, análise e disseminação de
informação e gestão. Hoje temos organizações relativamente especializadas, pelo
menos do ponto de vista das técnicas, dos procedimentos, dos métodos de emprego
dessas atividades e das culturas organizacionais. Há especialização funcional, que
muitas vezes se revela numa divisão organizacional.
A lógica de expansão vertical acabou redundando na configuração de
subsistemas de Inteligência na área externa de defesa e segurança. Isso acontece
porque não há padronização internacional. Não existe acordo geral ou protocolo
internacional sobre o assunto. Não há norma que nos oriente como organizar o
Sistema de Segurança. Cada país elabora a sua. Não se obedece, de maneira
alguma, a qualquer tipo de linearidade internacional, embora seja uma área bastante
internacionalizada, talvez não tanto quanto as Marinhas do mundo.
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São basicamente quatro os tipos de organizações militares de Inteligência.
Podemos hierarquizá-las segundo a própria estrutura de comando. As típicas
unidades de análises estratégicas podem estar configuradas de maneira distinta
como agência de suporte ao combate e como Departamento de Inteligência
Estratégica. Contudo, devem atender às decisões ministeriais e aos escalões
superiores de Governo.
Há unidades que apóiam mais diretamente os próprios comandantes das
Forças Armadas e que podem estar ou não ligadas diretamente ao Estado Maior.
Agências, organizações ou segmentos estão mais ou menos especializados
nos próprios Subsistemas de Inteligência de Defesa, de acordo com o continuum
de coleta para análise — humint, sigint, imint ou inteligência humana, de sinais e
de imagens.
Temos também as unidades táticas que atendem aos comandantes do campo
no caso de as Forças terrestres estarem estruturadas desde o nível do pelotão até
os batalhões. Mas isso depende do país.
Independentemente da organização e da configuração do Sistema de
Inteligência, a grande pergunta é: para que precisamos disso? Vou falar das
expectativas em relação ao papel positivo e à finalidade esperada e porque os
governantes têm recursos para Inteligência. Não há por que tergiversar. A
Inteligência é um componente do Poder do Estado. Este visa maximizar o poder na
guerra e na paz.
Vou citar alguns itens muito otimistas a respeito do funcionamento ideal da
atividade. Ela vai contribuir a longo prazo para o processo decisório realista, ágil,
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reflexivo e mais informativo. Ninguém estabelece um Sistema de Inteligência para
tomar decisões com base em preconceito e desinformação. Ao contrário.
Atualmente, a Inteligência é uma palavra tão frouxa quanto estratégia.
Qualquer coisa a ver com gestão de informação e planejamento de longo prazo
recebe o nome de estratégia de Inteligência.
A relevância analítica da Inteligência governamental está restrita. Os métodos
e as técnicas únicas que envolvem os processos de coleta e de análise da
Inteligência limitam a relevância desses fluxos de informações a certos tipos de
política pública: de exterior, de defesa e de provimento de ordem pública.
A contribuição da atividade de Inteligência para o processo decisório
governamental é decrescente em outras áreas, nas quais outros tipos de
organizações de informação do Estado cumprem melhor papel. Espero, ao dizer
isso, provocar um debate sobre o papel da Inteligência na informação de, por
exemplo, epidemia de AIDS na África ou coisa do gênero.
Outra função da Inteligência é prevenir contra-ataque surpresa, crises
diplomáticas e graves ameaças internas. A Inteligência, necessariamente, é uma
apólice de seguros que esperamos nunca ter de usar. É mais ou menos como a
Força Aérea: tem efeito dissuasório e preventivo pelo simples fato de existir.
Na seqüência, vemos as finalidades da atividade de Inteligência. Uma delas é
apoiar o planejamento de capacidades defensivas, planos militares e
desenvolvimento/aquisição de sistema de armas. O orador que me antecedeu já
falou a respeito da necessidade de monitorar a dinâmica evolutiva dos armamentos.
Não me refiro aos ganhos absolutos, mas ao monitoramento de ganhos relativos na
sucessão gerencial do sistema de armas.
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Outra finalidade da Inteligência deve ser a de envolver-se mais diretamente
nas operações militares de combate e outras que não as de guerra, ou seja,
operação de paz, assistência e missões técnicas. Além disso, deve monitorar alvos
e ambientes externos para reduzir incertezas e aumentar conhecimento e confiança;
proteger os segredos governamentais e garantir a segurança da informação, muito
importante para os Estados.
Passo a falar, agora, sobre a Inteligência Militar.
Na guerra, os efeitos positivos de uma boa capacidade de Inteligência são:
otimização e gestão eficiente e integrada dos componentes da Força.
A tendência de qualquer pessoa é dizer que seu assunto é o mais importante.
Então, não há por que debatermos o tema em profundidade. A Inteligência é o
grande componente multiplicador da capacidade combatente? Não. Ela é
subsidiária. Seus efeitos são menos dramáticos do que os da cultura de massa
internacional. A Inteligência, de alguma forma, contribui para uma gestão mais
eficiente e integrada com as Forças Armadas.
Se há alguma missão fundamental para a atividade de Inteligência Militar, é a
de ajudar a aumentar d sobrevivência das forças amigas. Assim, elas terão melhor
desempenho nas cadeias de comando de controle de comunicações, os nervos das
Forças Armadas.
Há impacto combatente direto muito limitado, na medida em que existe a
capacidade de criar fricção e de aumentar a entropia no ciclo de tomada de decisão
e de ação das forças adversárias.
Historicamente, de forma limitada na experiência do século XX, temos visto
alguns efeitos de transformação. Isso acontece quando o bom desempenho do
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Sistema de Inteligência muda a natureza dos engajamentos ou quando permite
rápido ajuste entre os conceitos de emprego e os projetos das Forças Armadas.
Um exemplo, para não nos demorarmos muito nisso, foi o impacto tático da
ruptura dos códigos de comunicação da Alemanha na Batalha do Atlântico durante a
Segunda Guerra Mundial, mudança da natureza dos engajamentos, do
planejamento militar e do impacto operacional que uma atuação bem sucedida da
Inteligência pode ter. Tais impactos são raros, inclusive em tempos de paz.
O telegrama Zimmermann foi, na Primeira Guerra Mundial, instrumentalizado
pela Inteligência britânica como parte de sua campanha para o envolvimento dos
Estados Unidos na guerra. São coisas relativamente raras. Não temos por que
dramatizar esse impacto. De qualquer modo, são efeitos de otimização, de
transformação ou de Inteligência que constituem fatores multiplicadores das
capacidades.
Gostaríamos que a Inteligência fosse tudo isso, mas existem dificuldades de
natureza doutrinária e obstáculos bastante identificáveis para atingirmos nosso
objetivo. Não vou abordar a atividade de Inteligência de maneira geral. Refiro-me
aos ciclos e categorias.
Tendemos a ver muito passivamente o papel da Inteligência. Na verdade, a
dinâmica de puxar e empurrar produz bom relatório de Inteligência, designa
contemporaneamente a responsabilidade principal sobre a relevância dessa
atividade às organizações especializadas das Forças Armadas e do Estado.
Há confusão nas missões de muitos Sistemas de Inteligência. Não me refiro
apenas à segurança em si, mas também à organização da atividade. Tal confusão
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leva a significativa perda do foco da eficiência e distorce a capacidade da
Inteligência de se integrar a elementos operacionais.
Falei rapidamente a respeito das mudanças nas demandas dos tomadores de
decisão. As ações militares têm de ser planejadas. Suportar diretamente a ação dos
comandantes no campo leva a dificuldades de ajuste no conceito de emprego dos
níveis tático, estratégico e doutrinário.
Temos dificuldades organizacionais. Não conheço nenhum país que tenha
resolvido adequadamente o funcionamento do seu Sistema de Inteligência, embora
isso conste de lei criada em 1999, dos decretos posteriores que configuraram o
Subsistema de Inteligência de Segurança Pública e, recentemente, em junho de
2002, da organização do Sistema de Inteligência e de Defesa. Sempre temos a
pretensão de trabalhar com o conceito de sistema. Alguns países preferem assumir
claramente que se trata de uma federação mais frouxa. Muitos tentam montar
esquemas ad hoc de cooperação e desistem de configurar o sistema.
Trata-se de dilema, de dificuldade organizacional. Atualmente, enfrentamos
sérios problemas de recrutamento e retenção de pessoal na atividade de
Inteligência, no desempenho das estruturas de comando e controle. Existe a guerra
da informação, o debate internacional sobre a necessidade, a viabilidade e o desejo
de a guerra da informação tornar-se nova arma de combate ou simplesmente se
integrar às armas tradicionais e ser uma missão, digamos assim, ou um espaço.
Temos, contudo, dificuldade de natureza operacional. Todos os comandantes
militares ficam tensos na hora de controlar certos fluxos de informação, típicos da
atividade operacional. Refiro-me à informação de combate, derivada diretamente do
contato com as Forças.
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A tecnologia dos armamentos do sistema de aquisição de alvo está hoje a
serviço da informação do combate. O que é a Inteligência? É pôr a cabeça para
funcionar. A pessoa tem de analisar a informação de combate, consumida mais
diretamente em função das próprias necessidades operacionais. Essa problemática
introduz a tensão, que gera dificuldade operacional para atingir aquelas finalidades.
Há atritos no sistema de coleta e de análise, no continuum. O coletor de
inteligência é especializado, dispõe de técnica, de um tipo de fonte; o analista tem
como função integrar as informações que vêm de fontes muitos diferentes. Refiro-
me a produto útil para o tomador de decisão, para o comandante e para o
responsável pela política pública.
Os atritos nos fluxos de informação são de natureza internacional. O grande
desafio da interoperabilidade dos sistemas e de suas arquiteturas é brutal, para não
ficarmos mais tarde chorando e falando da escassez de recursos. Todos querem
tudo mais próximo do ideal, mas esbarram nos constrangimentos econômicos.
Internacionalmente, não existe parâmetro definido. A maior parte desses gastos é
obviamente secreta; as estimativas é que variam de país para país. Hoje, o valor
despendido com a Inteligência varia entre 3% e 10 % do total de gastos da área de
defesa. Em alguns países, o valor está mais próximo de 10%; nos países europeus,
é de 5%. Os sistemas de coleta de Inteligência, à medida que exigem mais técnicos,
tendem a absorver 90% dos recursos, não apenas financeiros, mas também
humanos e tecnológicos. Com a tensão entre coleta e análise, podemos coletar
muito mais informações do que somos capazes de analisar.
Os envolvidos no projeto SIVAM devem saber que nosso grande problema,
depois de vencer a batalha da implantação do sistema, é definir os modelos de
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consumo dos fluxos de informações. Temos, na área da Inteligência, subestimado o
investimento do capital humano. No caso de organizações policiais e militares, isso é
agravado pelo perfil de carreira. O tempo de formação de um bom analista de
Inteligência é absolutamente incompatível com o rodízio das funções típicas da
carreira de policial militar.
Gostaria de enfatizar, agora, o papel crucial da camada intermediária desta
pirâmide. No plano tático, temos recursos envolvidos. Os orçamentos de Inteligência
são mais consumidos na base do sistema. À medida que caminhamos em direção à
pirâmide, temos expectativa de valor maior para a organização.
Nas duas pontas temos, classicamente, os elementos que diferenciam a
categoria de Inteligência: estimativas, alertas avançados, relatórios de
acompanhamento, ou seja, atividades diárias.
Na verdade, nosso grande problema está nessa camada intermediária, nas
arquiteturas de sistema, na inteligência para referência da própria organização. Não
se inventa um sistema de avaliação de danos e batalhas de um dia para a noite. Ele
tem de estar montado, inventado e mobilizado para fins táticos e estratégicos.
O velho mote do começo do século XX, ou seja, que a qualidade do serviço
de inteligência se mede por seus arquivos, está traduzido, do ponto de vista da era
da informática, pela qualidade de seu banco de dados. Os processos de validação
desses fluxos de informação são hoje — desculpem-me a expressão — uma zona
internacional, o que nos leva ao último item dessa sonífera palestra, que terminará
em cinco minutos.
Como podemos avaliar o desempenho? Como o organismo responsável pelo
controle externo da política de defesa, pelo acompanhamento, pela formulação,
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pode ajudar a manter responsáveis os dirigentes das organizações de inteligência
em relação aos fins para os quais essas organizações são desenhadas? Os
comandantes militares e as autoridades políticas estão satisfeitos com a qualidade
dos produtos de inteligência que estão recebendo?
Estudos que realizei principalmente nos sistemas de inteligência policial e
militar — e em tese é o que tem-me orientado — dizem claramente que não. Se
perguntarem ao pessoal de operações, ao comandante, veremos que não estão
satisfeitos com o que estão recebendo. Não sei se isso é uma realidade genérica.
Não temos critérios objetivos para mensurar a qualidade analítica do produto de
inteligência sequer na academia.
A melhor medida do impacto de uma idéia no mundo acadêmico é uma
bibliometria do impacto da citação bibliográfica. Não temos essa capacidade,
especialmente em fluxos mais estruturados. Qual o impacto de um relatório
governamental? Como medir isso? Temos uma medida light, soft, para usar o
anglicismo que todos detestamos, que é a satisfação do usuário. Essa é a primeira
pergunta que deve ser feita.
Em segundo lugar, respeito os limites e as necessidades do segredo
governamental. Como estão configuradas hoje as relações custo/efetividade e
custo/benefício desses sistemas? O que estou recebendo pelo dinheiro investido?
Vou terminar a palestra falando do volume investido.
Finalmente, há o problema da discussão sobre legalidade, legitimidade,
consistência entre políticas e requerimentos de informação para inteligência. Quanto
a isso, não temos ainda indicadores de desempenho adequados para a área de
inteligência, especificamente na área de inteligência militar, embora seja mais fácil
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que na área de inteligência externa. O segredo governamental e a complexidade das
dinâmicas conflituosas tornam mais evidentes as falhas que o sucesso, o que é
natural na área e fruto da frustração profissional, como observado nas entrevistas
que fiz.
No plano estratégico, é preciso diferenciar falhas de inteligência de falhas
dos comandantes e governantes em atuarem sobre evidências disponíveis. Muitas
falhas de estratégia de inteligência ou alertas avançados são debatidos durante 20,
30 ou 40 anos para se chegar à conclusão se houve realmente falha de inteligência
ou de tomada de decisões sobre evidências disponíveis.
Finalmente, não temos outra saída a não ser fortalecer os mecanismos
institucionais hoje disponíveis para o controle dessas atividades, tanto dos mandatos
legais quanto das Comissões Parlamentares, da própria inspetoria interna e das
instâncias de coordenação e gerenciamento dentro do próprio Poder Executivo.
Para terminar, darei três exemplos irresponsáveis sobre questões que
deveriam ser respondidas. Para aumentar meu grau de segurança sobre o controle,
começaria perguntando: qual o estado atual da avaliação qualitativa e quantitativa
das capacidades das Forças Armadas dos países que são relevantes para o Brasil?
Qual é a qualidade do material que temos e do que sabemos?
Não vamos debater esse tema num seminário como este, mas as Comissões
responsáveis pelo controle e acompanhamento e as instâncias de coordenação do
Poder Executivo têm a obrigação e o direito legal de fazer esse tipo de pergunta:
qual o grau de assimetria entre o Brasil e os países líderes no uso de sistemas
espaciais e aéreos de inteligência de imagens, de sinais, de comando e quais as
contramedidas propostas? Qual a atual doutrina de emprego e os graus de
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integração, prontidão e segurança dos sistemas militares brasileiros de coleta na
área de inseminação de inteligência tática e estratégica?
Obviamente, não tenho a resposta para essas perguntas, mas creio que elas
poderiam começar a fornecer indicadores sobre o debate que estamos precisando
nessa área, sem descuido daqueles temas trazidos pela emergência, pela
preocupação da mídia, por mais responsável que seja, ou pela preocupação legítima
dos diversos grupos de interesse da sociedade, que devem repercutir também de
forma pró-ativa no debate que os Poderes Executivo e Legislativo fazem a respeito
da matéria.
As conclusões finais são um pouco tolas. Em conclusão, inteligência e
informação é o tema mais importante na revolução dos assuntos militares como
subfunção de uma Força Armada. Discordo da premissa de que exista propriamente
uma revolução nos assuntos militares, o que não vem ao caso. Quero destacar que
a atividade de inteligência, especificamente no que diz respeito à função militar, tem
importância crescente.
A pressão por maior desempenho na qualidade das análises estratégicas e no
suporte mais adequado para os comandantes no campo de batalha é crescente. A
chave para responder a essa maior pressão está naquela camada intermediária da
pirâmide.
O maior grau de consciência sobre o potencial e os riscos da atividade de
inteligência aumenta necessariamente a cobrança sobre adequação, legitimidade,
eficiência, eficácia dos sistemas de comando e controle, computação, inteligência e
gerência de batalha das Forças Armadas.
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Agradeço aos senhores e espero debatermos esse tema no decorrer da fase
de perguntas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Agradeço ao Prof. Marco
Cepik.
Anuncio aos presentes que a Comissão de Controle das Atividades de
Inteligência, também por mim presidida, realizará, em novembro, um seminário
sobre política de inteligência, soberania e democracia no Brasil do século XXI.
Contaremos com a colaboração do Prof. Marco Cepik, da Universidade Federal de
Minas Gerais, da Agência Brasileira de Inteligência, da Receita Federal, do Banco
Central e da FAPERJ, presença já confirmada pelo Sr. Luís Fernandes, que aqui se
encontra.
O Prof. Cepik já nos deu uma demonstração da importância desse debate
para o Congresso e para a sociedade brasileira.
Passo a palavra ao Contra-Almirante Alan Paes Leme Athou, Diretor do
Centro Tecnológico da Marinha.
O SR. ALAN PAES LEME ATHOU – Obrigado, Deputado Aldo Rebelo. Boa
tarde, senhoras e senhores. Também tenho uma apresentação em PowerPoint.
O tema da palestra é “Ordem Mundial, Relações Externas e Poder Militar”. A
partir das características que estabeleci como ordem mundial, que, na realidade,
poderia ser chamada de desordem mundial, tentarei chegar à situação de conflito a
que o Brasil estaria submetido. Na verdade, apontarei como uma das soluções para
esse tipo de conflito o programa de submarino nuclear da Marinha. Obviamente, não
é a única solução. A palestra pode ser apontada como tendenciosa, mas é a solução
que temos.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Começaremos falando sobre a ordem mundial. Todos concordam que existe
hoje em dia um país hegemônico, apesar de essa hegemonia não ser total, na
medida em que existem países com capacidade de retaliação e até mesmo
passíveis de provocar quebra de hegemonia. Refiro-me especificamente à Rússia,
que desistiu de imputar zonas de interesse e deixou os Estados Unidos praticamente
sozinhos defendendo seus interesses no mundo. A Rússia ainda tem bastante poder
militar. Quanto à China, é uma potência crescente que pode vir a desafiar o país
hegemônico em curto espaço tempo.
Também existem países que recebem, por parte do país hegemônico,
tratamento especial. Defino aqui dois grupos: um de países extremamente ricos,
com tecnologia avançada e capazes de se transformar em potência militar, mas não
o fazem porque recebem tratamento especial, como Alemanha e Japão; e outro de
países utilizados pelo país hegemônico como cabeça-de-ponte, ponto de partida, na
Europa e no Oriente Médio. Refiro-me a Israel e Inglaterra.
Além desses países, existe uma série de outros que se sentem oprimidos.
Normalmente, são países muito pobres, em sua maioria governados por regime
ditatorial e quase sempre suas riquezas naturais são exploradas pelos países ditos
do Primeiro Mundo. São países geradores de conflitos assimétricos e não têm
condições militares de responder à altura a intervenção ou ação militar, respondendo
com guerrilhas, ataques a computadores, guerra química ou qualquer outro tipo de
resposta diferente da ação aplicada. No resto do mundo, cada um tem seus
interesses econômicos e alguns conflitantes. A matriz é muito grande e bem
complexa para que se possa detalhá-la.
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O Brasil está incluído dentre aqueles com interesses econômicos conflitantes
com os de outros países.
Tentando analisar as possibilidades de ação militar, recorrerei à definição
clássica de Carls von Clausewitz, que diz que a guerra é a continuação da política
com o emprego de outros meios. Carls von Clausewitz falou de diplomacia, mas hoje
em dia é aceita a palavra “política”, que permite uma amplitude mais geral do que
ele gostaria de dizer.
Além de guerra, que é declarada formalmente, acrescentei ação militar. Essa
definição cai muito bem para qualquer ação militar. Então, guerra ou qualquer ação
militar é a continuação da política, na tentativa de resolver um conflito de interesse,
com o emprego de outro meio. Quais tipos de conflitos existem no mundo a partir
disso? Existem conflitos ideológicos, éticos, religiosos, de disputa de recursos etc.
O Brasil, ainda bem, não tem problemas ideológicos, éticos ou religiosos, mas
pode se ver envolvido em problemas de disputa de recursos. Que tipo de recursos?
Poderia mencionar apenas os recursos territoriais e citar os vários recursos
brasileiros, mas fiz questão de dividir entre recursos de terra e de mar. Pela
característica continental do País, quando se fala em recursos, todo mundo pensa
em Amazonas, em minérios, só em terra e se esquece que existe uma área imensa
de mar, uma plataforma continental com tantos recursos quanto os que existem em
terra, numa área que chega a quase 50% do território brasileiro. Por isso fiz questão
de separar. Além do mais, os recursos de terra estão quase sempre interiorizados e
os recursos de mar estão na nossa fronteira com outros países, portanto, mais
passíveis de conflito.
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Nesse grupo de recursos os senhores notarão a presença de dois tipos de
recursos: água doce e fonte de energia, que existe tanto em terra quanto no mar e
com prazo de validade. Todos sabem que energia e água doce serão problemas
mundiais e recursos muito disputados.
Qual o papel da Marinha? A Marinha é a instituição nacional que tem a
atribuição de preservar e defender os interesses brasileiros no mar. Como ela faz
isso? Primeiro, exercendo o controle do mar. Só que a nossa Marinha, com os
navios de superfície que tem, está muito aquém do que a nossa costa e a nossa
economia exigem. A Marinha consegue exercer algum controle do mar, mas
dependendo do tipo de ameaça, do tipo de interesse da potência em alguns dos
nossos recursos, ela teria que partir para a segunda opção, que é negar ao eventual
agressor o uso do mar.
Entre aqueles recursos a que nos estávamos referindo, mesmo os de terra só
poderiam ser escoados pelo mar. De qualquer maneira, seria necessário o domínio
do mar antes de alcançar qualquer recurso nosso. E qual a maneira de se negar ao
agressor o uso do mar? A resposta é histórica. O submarino é o melhor elemento
para se negar o uso do mar. Por quê? Mesmo com toda a tecnologia atual, o
submarino continua sendo invisível à maioria dos sensores. Os que conseguem
detectá-lo só o fazem quando ele está muito próximo. Isso faz com que ele seja um
elemento que provoca grande surpresa tática, aumenta estupidamente o risco do
oponente e atua muito no aspecto psicológico. Os nossos descobridores temiam
encontrar monstros que saiam de dentro d’água para destruí-los. Da mesma
maneira, sabendo que existem submarinos na área, quem estiver navegando estará
sempre preocupado, porque a qualquer momento pode ouvir o sinal de um torpedo e
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uma explosão levá-lo ao fundo. O submarino só consegue ser detectado cada vez
que subir à superfície para carregar baterias.
Falaremos especificamente do submarino nuclear, que faz parte de um
programa atual da Marinha. Sua propulsão é totalmente independente da atmosfera.
Obviamente, existem submarinos convencionais independentes da atmosfera.
Alguns deles estão navegando, mas nenhum provou ser eficiente e amplamente
empregado. O submarino nuclear, há quase cinco décadas, tem demonstrado sua
grande capacidade de autonomia. Um submarino nuclear pode permanecer até três
anos submerso, o que só não ocorre pelo estresse da guarnição e pela quantidade
de mantimentos que é capaz de levar. Essa é uma diferença muito grande do
submarino convencional.
Outro detalhe é que ele consegue manter velocidade máxima em tempo
integral. O submarino convencional, se utilizar a velocidade máxima, que
normalmente é baixa, por volta de vinte e poucos nós, consegue operar em torno de
uma hora e meia a pouco mais de duas horas, dependendo da quantidade da carga
da bateria; depois, ele tem de subir à superfície para recarregar. O submarino
nuclear consegue manter velocidade máxima durante todo o período de operação.
Ainda por cima, pode ser empregado para bombardeio à terra, e o submarino
convencional sempre foi utilizado contra navios de superfícies.
Nos dois últimos conflitos que o mundo assistiu, a Guerra do Golfo e a do
Afeganistão, os submarinos foram utilizados como plataforma para lançar o Toma
Hawk contra objetivos de terra. Esse submarino serve também para proteção da
esquadra. O submarino convencional não consegue acompanhar a esquadra, mas o
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submarino nuclear não só consegue acompanhar como também pode ser elemento
de proteção contra o ataque de outro submarino.
Uma vez definido que o submarino nuclear é uma solução boa, inteligente e
relativamente barata em relação aos benefícios que traz, vamos analisar o que
existe no mundo em termos de submarinos nucleares.
Primeiro, países que desenvolveram submarino nuclear: Estados Unidos,
Reino Unido, França, Rússia e China. Com exceção do Reino Unido e da França,
que tiveram algum auxílio americano, todos foram totalmente autônomos no
desenvolvimento dessa tecnologia, que não se vende. Essa tecnologia foi
desenvolvida inicialmente para propulsão de submarino, depois virou o embrião da
indústria de centrais nucleoelétricas, que hoje em dia têm um peso importante no
mundo, embora não tenha no Brasil — lamentavelmente, porque poderíamos ser
totalmente independentes em termos de energia. Somos a quinta ou sexta — há
discussões — maior reserva de urânio do mundo, tendo apenas 30% do nosso
território prospectado.
Essa tecnologia não é transferida porque, primeiro, tem um valor estratégico
imenso. Estamos falando de um mercado de cerca de 100 bilhões anuais. Este ano,
há 32 reatores nucleares sendo construídos no mundo. O preço de cada reator
varia entre 2 e 5 bilhões, fora o mercado de combustível, que é muito rico — e quem
tem não vai querer dividi-lo. Quem possui submarino nuclear tem total liberdade de
movimentação nos oceanos.
Vamos ver a estratégia da Marinha para obtenção desses submarinos.
Gostaria de frisar que a preocupação da Marinha é a de não duplicar esforços. Cito
vários exemplos de convênios com universidades, até mesmo durante a construção
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de submarinos convencionais que estamos construindo no arsenal da Marinha.
Como havia máquinas suficientes para fazer casco resistente, encomendamos esse
casco na NUCLEP, em vez de tentarmos internar essa tecnologia na Marinha. Essa
não é a nossa função, a finalidade da Marinha é produzir defesa, não desenvolver
tecnologia e construir navios.
Se houvesse estaleiros construindo navios e submarinos com a tecnologia
que gostaríamos, compraríamos lá. E se tivesse no País desenvolvimento de
tecnologia de construção de reatores e de enriquecimento de minério de urânio,
compraríamos da empresa que a produzisse.
Faço questão de mostrar esse slide, porque quando falam do programa
nuclear brasileiro a pergunta é sempre a mesma: por que os militares é que estão
desenvolvendo esse programa? A resposta é simples: porque ninguém mais está
fazendo.
Vamos ver, então, qual a estratégia da Marinha. Primeiro, não sabíamos
construir submarinos. Sabíamos reparar submarinos, operar submarinos, mas não
construir submarinos. Fizemos um contrato com a HDW alemã, compramos um
submarino e 85 técnicos foram até lá para ver como ele era construído, para
disseminar esse conhecimento e começar a construção dos outros submarinos no
País. O Tamoio, o Timbira e o Tapajós já foram construídos e estão em plena
operação; o Tikuna ainda está em construção.
Ao mesmo tempo em que mandamos esse grupo, também foi enviado um
pequeno grupo de quinze pessoas para a RKL, projetista alemã, para tentar
absorver a tecnologia de projeto. Esse grupo formou o núcleo, mais tarde
transformado no Centro de Projetos de Navios, que hoje está projetando um
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submarino convencional, ou seja, sem propulsão nuclear — única característica que
o difere do submarino nuclear —, a ser construído no País.
Paralelamente a isso, foi desenvolvido o ciclo de elementos combustíveis, isto
é, foi desenvolvida a capacidade de enriquecer urânio e de construir elementos
combustíveis. Desenvolveu-se também o protótipo em terra, ainda em fase de
construção. Trata-se de planta de reator com planta de propulsão, tudo como se
fosse um submarino — o reator permanece mergulhado numa piscina —, com o fim
de servir a estudos, tirar dúvidas de projetos e treinar pessoal. Uma vez capazes de
instalar reator nuclear em terra e de construir submarino totalmente convencional,
passaríamos finalmente à construção de submarino nuclear.
Falemos agora especificamente sobre protótipo em terra e, em seguida, sobre
ciclo de combustível.
Vejamos quais os objetivos da construção do protótipo em terra:
Desenvolver capacitação tecnológica para projetar, construir e operar reatores
de potência. V.Exas. verão mais tarde que gastamos cerca de 1 bilhão de dólares
em todo o projeto, que nos tornará aptos a projetar, a construir e a operar reatores
que custam entre 2 e 5 bilhões de dólares.
Incrementar a capacidade de construção do parque industrial nacional. Esse
projeto representou grande avanço para a indústria nacional, tanto do ponto de vista
tecnológico quanto qualitativo.
Garantir a segurança e a eficiência de futuros projetos de propulsão e
geração nuclear.
Finalmente, contribuir para o preparo e adestramento de equipes que
conduzirão submarinos e, eventualmente, usinas nucleares.
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Vimos uma amostragem do que seria o protótipo interno. Aqui, o prédio
fechado.
Falemos sobre o ciclo de combustíveis. Como disse, apenas cerca de 30% do
território nacional está prospectado, sendo que esses 30% fazem de nós a quinta ou
sexta maior reserva do mundo. Sempre achei que a maior reserva de urânio do
mundo fosse a Austrália, mas já o último congresso ocorrido no Rio de Janeiro
apontava o Cazaquistão como tal, ficando a Austrália em segundo lugar.
Esse minério é explorado, minerado e transformado no que se convencionou
chamar de yellow cake, um concentrado de urânio.
Reparem essa faixa preta. As Indústrias Nucleares Brasileiras são
responsáveis por isso. E se elas fazem, não nos precisamos preocupar em fazê-lo.
Estamos procurando fazer o que ninguém faz.
Em primeiro lugar, dá-se a transformação do yellow cake em gás
hexafluoreto de urânio, processo que chamamos de conversão e que se dá em
fábrica como esta que vemos, montada em Iperó. Parece-me que não há, no
Hemisfério Sul, ninguém que faça essa conversão. Normalmente a INB contrata uma
empresa canadense para fazer a conversão.
Temos capacidade de produzir na Marinha e vamos vender os excedentes
para as Indústrias Nucleares Brasileiras — INB.
Depois da conversão, passa-se ao enriquecimento, que é feito com a
ultracentrifugação, tecnologia encontrada apenas no Japão, na Rússia, que usa
ultracentrífugas pequenas, e no consórcio URENCO, formado por Inglaterra,
Alemanha e Holanda. A diferença entre a nossa centrífuga e a deles é que a deles é
pivotada, ou seja, tem um mancal de agulha na parte inferior, ao passo que a nossa
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funciona totalmente por levitação magnética. Falo rapidamente dessas
características para dar uma idéia do nível de tecnologia.
Essas centrífugas são montadas em cascata, em um conjunto série paralelo,
de tal maneira que o urânio é admitido. O urânio admitido é encontrado na natureza
a 0,7% de grau de enriquecimento em urânio 235. Queremos aumentar a quantidade
de urânio 235, que é o urânio difícil. Ele sai empobrecido de um lado. Esse urânio
empobrecido a 0,2%, normalmente 235, é usado em cabeças de granadas
convencionais para aumentar a inércia da munição.
Uma vez enriquecido, o gás tem de ser reconvertido a pó e passar por
processo de conversão. Aqui estamos vendo uma foto do laboratório de materiais
responsáveis pela conversão. Uma vez transformado em UO2, que é esse pó preto,
ele é prensado em forma de pastilhas, sintetizado, retificado e colocado nas varetas
de combustível para montar os elementos combustíveis, que podem alimentar
usinas nucleares ou submarinos.
Vemos agora foto de nossas instalações. Trata-se da sede, dentro da
Universidade de São Paulo, onde temos dezenove edifícios, com vários laboratórios
montados. Acima vemos um pedaço da fazenda de Ipanema, no Centro
Experimental, entre Iperó e Sorocaba, onde temos mais dezessete prédios, fora
alguns outros em construção, e onde se faz a parte que não pode ser feita no
campus.
Nossos recursos humanos perfazem um total de 1 mil e 553 pessoas.
Dispomos de recursos humanos e materiais, mas, infelizmente, não dispomos
de muitos recursos financeiros.
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Vemos em vermelho o que a Marinha tem aplicado no programa e, em azul, o
que vem de outras fontes do Governo. Entre 1987 e 1988, o Governo Federal como
um todo — não só a Marinha — entendeu que se tratava de programa nacional. Na
realidade, o programa é nacional e representa o desenvolvimento tecnológico de
que o País precisa para tornar-se totalmente independente em energia. Ocorre que
a fonte de recursos foi minguando, e a Marinha tem tentado sustentar o programa
sozinha.
Se somarmos a área sob a curva verde, que representa o total, vamos
encontrar um gasto total em torno de 1 bilhão de dólares, que, como disse, foi capaz
de promover o desenvolvimento do enriquecimento, hoje repassado para as
indústrias nucleares brasileiras a fim de o utilizarem em Angra I e II, não mais sendo
necessário enviar recursos para fora.
Além disso, tornamo-nos capazes de projetar e construir reatores de custo
elevado relativamente ao que foi gasto até hoje, gasto esse em que está computado
absolutamente tudo: pessoal, infra-estrutura, enfim, cada tijolo, bem como a
constante manutenção exigida pelos centros.
Os principais ganhos resultantes do empreendimento foram o combustível
nuclear e o protótipo em terra. Estamos trabalhando também em giroscópios e em
acelerômetros, bem com na modernização do sistema de controle, já que
desenvolvemos grande capacidade de sistema de controle.
Além desses projetos em andamento, há ainda vários outros deles
decorrentes. Grandes foram os avanços no desenvolvimento de alguns tipos
especiais de aço e de fibra carbono; mais de cinqüenta tipos de válvulas passíveis
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de serem usadas em indústrias químicas e farmacêuticas e antes inexistentes no
Brasil são hoje fabricadas no País.
Várias foram, portanto, as capacidades desenvolvidas, entre elas a proteção
ambiental. Grande é nossa preocupação com o licenciamento e com o controle
ambiental, e somos um dos poucos órgãos do País que, entre outras coisas, criam
uma espécie de pulguinha. Considerada o animalzinho mais sensível a qualquer
variação ambiental, é usada como parâmetro para detectar em efluente o máximo
que pode haver de cada elemento. Eventualmente também prestamos auxílio à
SABESP e a outros órgãos de São Paulo.
Gostaria de terminar a apresentação citando palavras do Almirante Othon
Luiz Pinheiro da Silva, quando Diretor do Centro: “Brasil: tecnologia própria é
independência.”
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Agradeço ao Contra-
Almirante Alan Paes Leme Athou a concisa e brilhante exposição.
Pergunto se foi encaminhada à Mesa alguma pergunta por escrito. (Pausa.)
Com a palavra o Prof. Marco Cepik.
O SR. MARCO CEPIK – Quanto à primeira pergunta, sobre o papel da ABIN
na defesa nacional, embora não tenha total conhecimento da atual configuração,
tenho a dizer que a Agência Brasileira de Inteligência é a coordenadora do Sistema
Brasileiro de Inteligência, no qual tem assento e representação por meio do
Departamento de Inteligência Estratégica do Ministério da Defesa, componente de
inteligência das Forças Armadas. O Sistema de Inteligência e Segurança Pública é
coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, subordinada ao
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Ministério da Justiça, e o Sistema de Inteligência de Defesa, criado em junho
passado, é coordenado pelo Departamento de Inteligência Estratégica da Secretaria
de Política, Estratégia e Assuntos Exteriores do Ministério da Defesa.
O papel da ABIN, nesse sentido, é indireto. Ela tem três missões básicas:
monitoramento e produção de inteligência externa, atividade de contra-inteligência e
atividades relacionadas à inteligência de segurança, ou seja, inteligência sobre alvos
domésticos. É, portanto, um papel indireto. Com a criação do SIND, ficaram melhor
delimitadas as áreas de cobertura dos dois subsistemas e da própria agência.
Quanto à segunda pergunta, sobre as contribuições da inteligência militar
brasileira ao mundo, declino de respondê-la, pois isso exigiria tempo e
conhecimentos de que não disponho. Tudo o que posso fazer é convidar o autor da
pergunta a conversar comigo sobre o assunto durante o intervalo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Os nossos convidados ainda
desejam tecer alguma comentário? (Pausa.)
Em nome da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, FAPERJ, e da
POUPEX, que nos apóia nesta iniciativa, agradeço mais uma vez nossos
expositores pela inestimável contribuição.
Os trabalhos da próxima reunião serão coordenados pelo ilustre Deputado
Neiva Moreira, Primeiro Vice-Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional.
Estão suspensos os trabalhos por quinze minutos.
Obrigado. (Palmas.)
(A reunião é suspensa.)
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O SR. COORDENADOR (Deputado Neiva Moreira) - Boa tarde a todos.
Vamos reiniciar nossos trabalhos com a terceira mesa do Seminário de Política de
Defesa para o Século XXI. Fico muito honrado de presidir esta Mesa, na qual
integram os comandantes das três Armas.
A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, sob a Presidência
do nosso companheiro Aldo Rebelo, teve uma iniciativa muito feliz ao promover este
seminário. Hoje, o tema Forças Armadas está permanentemente presente na
discussão do País. O mais importante neste seminário é que o conceito tradicional
de Exército, Marinha e Aeronáutica, geralmente ligado às Armas, ao fator militar,
agora encontra um novo caminho. Hoje, Forças Armadas é sinônimo de
desenvolvimento, trata de fatores tecnológicos, políticos e também sociais.
Este seminário vai marcar um momento muito importante no aprofundamento
do conhecimento de problemas relacionados com a segurança do País e seu
instrumento mais importante, as Forças Armadas.
A terceira mesa deste seminário vai tratar da Estrutura Militar e Imperativos
de Segurança Nacional: a) Hipóteses de emprego na determinação da estrutura
militar: custos, organização e dimensões, participando, naturalmente, Marinha,
Exército e Força Aérea; b) Capacidade de mobilização do poder militar nacional
como fator dissuasório; c) Exército de conscritos ou de voluntários (profissionais):
implicações sociais, custos e efetivo militar; d) Segurança interna: polícia (militar) ou
Forças Armadas?
Esses temas são de enorme atualidade. Ninguém melhor do que os
palestrantes para dar ao País uma opinião que possa ser tomada em consideração
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nos difíceis debates, nos estudos complexos. Nós, da Comissão de Relações
Exteriores, temos abordado subtemas de enorme relevância.
Os conferencistas são o General Gleuber Vieira, do Exército; o Almirante-de-
Esquadra Sérgio Chagasteles, da Marinha; e o Brigadeiro-do-Ar Carlos de Almeida
Baptista, da Aeronáutica.
Ficou decidido o seguinte: o conferencista apresentará seu trabalho e depois
voltará ao plenário. Ao final, reuniremos o eminente grupo de líderes militares
presentes.
Com a palavra o Almirante-de-Esquadra Sérgio Chagasteles como primeiro
conferencista. (Palmas.)
O SR. SÉRGIO CHAGASTELES – Exmo. Sr. Presidente da Mesa, Deputado
Neiva Moreira, Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional da Câmara dos Deputados, Deputado Aldo Rebelo, Exmo. Sr. Comandante
do Exército, Exmo. Sr. Comandante da Aeronáutica, Srs. Parlamentares, é com
muita satisfação que comparecemos a esta Casa para participar do Seminário
Política de Defesa para o Século XXI, que abre mais um espaço para debates
ligados à defesa nacional.
Essa iniciativa da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional —
CREDEN — se reveste de especial importância em momentos de significativas
transformações políticas, sociais e econômicas, no âmbito global, regional e
nacional. Somos testemunhas de que neste início de século conflitos de diversas
naturezas conformam um ordenamento mundial incerto, e predomina a dinâmica das
disputas de poder e de mercado. Presenciamos o surgimento de novas
interpretações do Direito Internacional e de novas conceituações de soberania,
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ditadas à conveniência do círculo dos mais fortes e dos que detêm o poder de impor
suas vontades. Estamos assistindo também o agravamento de assimetrias entre os
países ricos, os emergentes e os pobres, gerando dependências, submissões e
alargando distâncias nos campos da ciência, da economia e do comércio, entre
outros.
O processo evolutivo do sistema internacional parece ter se intensificado
especialmente na última década, algo que busca novas fundamentações para a
postura e a conduta política estratégica. Trata-se de uma questão de amplitude
mundial. No Brasil também tem suscitado debates nos meios políticos, acadêmicos,
militares, enfim, nos setores que se interessam e têm responsabilidade sobre a
defesa do nosso País.
Nesse contexto, o dimensionamento das Forças Militares vê a importância —
comandando orientações políticas consistentes — de um planejamento estratégico
coerente, uma sistemática que, considerando as condicionantes políticas
estratégicas e socioeconômicas, configure uma estrutura de força de defesa à altura
do nosso País e que reflita sobretudo a racionalização dos recursos empregados, o
imperativo dos novos tempos.
Gostaria de destacar, a princípio, que o Ministério da Defesa está conduzindo
importante trabalho integrado de revisão e aprimoramento de documentos
condicionantes de alto nível, como a política de defesa nacional, a política militar de
defesa e a estratégia militar de defesa. Esses documentos nortearão os estudos
para a reconfiguração das Forças.
Até o presente, a Marinha sempre desenvolveu contínuo esforço de revisão e
atualização de seu planejamento que, em última análise, se concretizava no
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dimensionamento de nossas forças navais, aeronavais e de fuzileiros navais pelos
diversos planos e programas de material. Embora, de certa forma intramuros, ou
seja, internamente à Marinha, podemos constatar que as diretrizes estratégicas
navais guardavam nítida consonância com as orientações de política de defesa
nacional editadas em 1996.
Na condução de tal planejamento, entre os fatores de relevo considerados,
estão evidentemente as atribuições constitucionais e legais da Marinha que dão
origem a sua missão. Há também as chamadas hipóteses de emprego que se
referem basicamente às possibilidades deslumbradas de atuação da Força.
Em atenção ao tema proposto, vou abordar brevemente esses dois elementos
condicionantes: missão e hipótese de emprego.
A partir das atribuições constantes da Constituição Federal e da Lei
Complementar nº 97, de 1999, a Marinha assumiu a seguinte missão que será agora
projetada: orientar o preparo e aplicação do poder marítimo; preparar e aplicar o
poder naval a fim de contribuir para a consecução dos objetivos nacionais.
Em relação à primeira tarefa, orientar o preparo e aplicação do poder
marítimo, a Marinha tem atribuições relacionadas com os componentes do poder
marítimo. Esse conceito de poder marítimo integra todos os elementos e as
atividades que capacitam o Estado a fazer uso do mar em prol de seus interesses;
elementos tais como marinha mercante, infra-estrutura portuária, indústria naval,
indústria de pesca e todo o pessoal ligado a essas atividades.
Entre essas atribuições podemos destacar: orientar e controlar a marinha
mercante e suas atividades correlatas no que interessa à defesa nacional; prover a
segurança aquaviária, isto é, marítima, fluvial e lacustre; contribuir para a formulação
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e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar; implementar e
fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos no mar e em águas interiores,
controlando o uso do mar territorial, da zona econômica exclusiva e da plataforma
continental, e cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil — atribuição
subsidiária de caráter geral para as três Forças.
Pela especificidade de suas atribuições, o Comandante da Marinha foi
designado por lei a autoridade marítima brasileira. Podemos perceber que, pelas
dimensões do nosso País, essas atividades demandam consideráveis recursos
humanos, materiais e financeiros.
Vamos falar agora da outra tarefa: preparar e aplicar o poder naval, que é o
segmento armado do poder marítimo dentro do conceito destinado a defender os
interesses da Nação no mar e ali garantir a integridade e soberania, assegurando ao
País o direito ao uso econômico e estratégico do mar.
Essa tarefa vem alcançada basicamente pelo cumprimento das quatro tarefas
clássicas do poder naval: controlar a área marítima, negar o uso do mar, projetar
poder sobre terra e contribuir para a dissuasão.
Destaco também o consagrado papel do poder naval em apoio à política
externa, que teve sua importância aumentada em decorrência de três objetivos
estabelecidos na política de defesa nacional, em 1966, relacionados ao ambiente
internacional. O primeiro, consecução e manutenção dos interesses brasileiros no
exterior; o segundo, projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção
no processo decisório internacional; e o terceiro, contribuição para a manutenção da
paz e da segurança internacionais.
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Além da missão que acabei de apresentar, as hipóteses de emprego têm
importante papel orientador para o planejamento estratégico naval.
No passado, a polarização das forças atuantes no cenário internacional
permitia a identificação de prováveis ameaças e inimigos, facilitando a formulação
das chamadas hipóteses de guerra. Entretanto, as transformações mundiais das
duas últimas décadas em muito alteraram esse panorama, e muitas ameaças e
inimigos foram perdendo significado.
A defesa nacional estabeleceu novas orientações políticas que possibilitaram
a mudança em alguns referenciais do planejamento estratégico. Assim é que, em
1998, foi elaborada nova estratégia militar em trabalho conjunto entre o Estado
Maior das Forças Armadas e as Forças Armadas.
Novo documento trouxe o conceito de hipótese de emprego significando
antevisão do possível emprego das Forças Armadas em determinada situação ou
área de interesse estratégico para a defesa nacional e nomear inimigos específicos.
As hipóteses de empregos selecionados decorreram de estudos de cenários
que consideram as conjunturas nacional e internacional, as orientações políticas de
alto nível, as vulnerabilidades estratégicas do País e os compromissos
internacionais do Brasil.
Assim, a partir delas, pode-se estimar as possíveis respostas das Forças
brasileiras e as estratégias a serem adotadas em cada situação ou área de interesse
onde possa ser necessário o uso da força militar. É um processo interativo de
análise que permite levantar as capacidades exigidas das Forças e delinear meios e
recursos necessários.
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No caso específico da Marinha, cada hipótese de emprego permite elaborar a
correspondente concepção de emprego do poder naval que servirá de orientação
para identificação das necessidades da Força.
É bom lembrar que as Forças deverão estar permanentemente em condições
de atender com presteza, eficiência e eficácia às missões decorrentes das hipóteses
de emprego visualizadas.
A disponibilidade para emprego imediato de forças deve ser proporcionada
pela existência de determinada quantidade de unidades de pronto-emprego, que vão
constituir o primeiro escalão de intervenção, o que na Marinha denominamos de
força pronta. Esses elementos indicam necessidade de força capaz de cumprir
missões e amplo espectro de emprego que variam desde as operações de tempo de
paz, de natureza cívico-sociais e humanitárias até as operações típicas de uma nova
dimensão de conflito. Trata-se de capacitação que demanda um conjunto de forças
navais, aeronavais e de fuzileiros navais que tenha flexibilidade, versatilidade e
habilidade, forças que permitam configurações diversas conforme as necessidades.
Assim, faremos, ao abordar a composição das Forças Navais Brasileiras, a
organização e o conceito da força pronta.
A dimensão do poder naval. A projeção a seguir mostra a composição da
nossa Marinha, a quantidade total de meios agrupados em esquadra, que é a
atividade-fim, forças distritais, apoio em atividades subsidiárias e meios
hidrográficos.
(Segue-se exibição de imagens.)
O principal núcleo do nosso poder naval é a esquadra, sediada no Rio de
Janeiro, e possui 37 navios e 91 aeronaves. Distribuídos ao longo do litoral brasileiro
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e das Bacias Amazônica e do Paraguai estão as forças navais distritais, com 50
navios e 11 helicópteros de menor porte, que descentralizam a atuação da Marinha,
especialmente em tempo de paz, nas atividades subsidiárias.
Há ainda 14 navios dedicados ao serviço de hidrografia e navegação que,
entre outras tarefas, fazem o balizamento de toda a costa brasileira e os
levantamentos hidrográficos que permitem a elaboração das cartas náuticas. Em
resumo, são 101 navios e 102 aeronaves.
Outro quadro que será projetado detalha um pouco mais os quantitativos e
meios. Na parte superior, as atividades-fim, temos os meios destinados à aplicação
da Força no mar. Aí estão os meios da esquadra, sediados no Rio de Janeiro, e seis
navios da Força de Minagem e Varredura, sediados em Salvador. Todas essas
unidades são diversamente dotadas de equipamentos de detecção passiva e ativa,
canhões, foguetes, bombas de profundidade, minas e as chamadas armas
inteligentes: torpedos e mísseis anti-superfície e antiaéreos.
Há ainda a Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE), dimensionada em nível de
brigada, composta por unidades de infantaria, engenharia, artilharia, viaturas
anfíbias, carros de combate, guerra eletrônica, comunicações e logística. A Força de
Fuzileiros da Esquadra, sempre que oportuno, passa a integrar a força-tarefa
anfíbia, com capacidade para realizar assaltos, incursões e operações de retirada
anfíbia.
Na parte inferior, temos os meios das forças distritais, com seus navios de
patrulha, socorro e salvamento, e ainda os dedicados aos serviços de hidrografia e
navegação.
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Nesse quadro, gostaria de mostrar aos senhores a coluna de idade dos
nossos navios. Apenas os submarinos e os navios de patrulha costeira possuem
menos de dez anos, o que significa que a Força está envelhecendo e precisa ser
renovada através de programa conveniente.
A Marinha desenvolveu o conceito de força pronta para atender
tempestivamente a qualquer necessidade de emprego do poder naval. Seguindo um
critério de revezamento, um certo número de meios navais, aeroviais e de fuzileiros
navais são mantidos em grau elevado de aprestamento, participando continuamente
de exercícios e operações. Havendo necessidade, em no máximo quarenta e oito
horas, a força pronta pode se deslocar para a área de operações. E dentro de cada
força pronta existe um navio de serviço que se desloca de quatro a seis horas,
dependendo de onde seja.
A Força de Fuzileiros e todos os distritos navais mantêm forças prontas. Os
meios alocados são suficientes para uma primeira resposta em caso de crise, mas
não representam a totalidade dos meios prontos, os quais, em caso de escalada de
conflito, também serão acionados.
Esta projeção mostra apenas parcela da força pronta da esquadra, dedicada
a operações de ataque anti-submarino, defesa de plataforma, ações de superfície
aéreas, etc., um submarino, cinco escoltas e cinco helicópteros. Operações de apoio
logístico móvel: navio-tanque, navio de desembarque em doca, navio transporte de
tropa e helicóptero. Essas parcelas, podemos movimentá-las em quarenta e oito
horas.
Feito isso, gostaria de falar sobre a questão de pessoal. Evidentemente, para
seu funcionamento, a Marinha necessita de recursos humanos, militares que
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guarneçam e operem todas as organizações da estrutura da Força, especialmente
as unidades combatentes. Necessita também de servidores civis que, juntamente
com os militares, homens e mulheres, atuem nas áreas de apoio, indispensáveis ao
preparo e aprestamento do poder naval.
Gostaria de apresentar-lhes os quantitativos de pessoal: quantos somos e
como estamos distribuídos. A primeira projeção mostra os militares, divididos em
oficiais e praças, e o total de efetivo autorizado em lei e o efetivo atual. Estamos
abaixo do efetivo autorizado em lei.
A próxima projeção mostra parcela importantíssima do pessoal da Marinha,
que é o pessoal civil, cuja tabela de lotação seria de 15.382, e o nosso efetivo hoje é
de 9.130. São profissionais, especialmente técnicos e de nível superior, dos quais a
Marinha não pode prescindir, mas que não podemos admitir no presente momento,
apesar dos 4.332 cargos vagos, porque não nos é permitido realizar concurso
público para admissão e substituição dos que vêm pedindo demissão, dos que têm
sido exonerados ou tomado posse em outros cargos. Há também os aposentados,
naturalmente.
Uma vez conhecidos os principais aspectos relativos às atribuições e à
constituição do poder naval brasileiro, passaremos a abordar questão fundamental
para seu preparo e manutenção. Trata-se dos custos e do orçamento da Marinha.
A manutenção do sistema de defesa nacional tem custos significativos por
diversas razões. A dependência tecnológica do Estado, a necessidade de
recrutamento, treinamento e aperfeiçoamento dos contingentes militares, o
imperativo da presença e vigilância permanentes em diversos pontos do País e as
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demandas logísticas das atividades operativas são apenas algumas das parcelas
que oneram a defesa.
O fato é que a defesa nacional requer que a Nação lhe destine recursos. O
preparo a manutenção das Forças Armadas, atividades planejadas em longo prazo,
demandam inserção de parcelas orçamentárias específicas, normalmente por meio
de planos plurianuais. Só assim pode-se assegurar a continuidade dos programas
de reequipamento de cada Força, estabelecido em função das necessidades
estratégicas.
Talvez por isso se possa dizer que, em última análise, o orçamento de defesa
é a expressão numérica da política de defesa. Ou seja, os recursos alocados às
Forças Armadas por meio do Ministério da Defesa espelham a disposição da
sociedade em investir em sua segurança e defesa.
No caso da Marinha, é fácil imaginar os custos de sua contribuição para a
defesa e o desenvolvimento nacional. O permanente patrulhamento de nosso
extenso espaço econômico e marítimo; o apoio social às populações ribeirinhas da
Amazônia; o desenvolvimento de projetos de alta tecnologia ligados aos sistemas de
combate; o levantamento hidrográfico e oceanográfico da costa e da plataforma
continental brasileira; a garantia da segurança da navegação e salvaguarda da vida
humana no mar; as operações internacionais com países amigos, incluindo as
operações de manutenção de paz; as atividades de apoio à Estação Antártida
Comandante Ferraz e o próprio aprestamento das forças navais, aeronavais e de
fuzileiros navais. Todas essas atividade e muitas outras, cotidianas e silenciosas,
requerem recursos humanos e materiais.
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A contrapartida desses custos são benefícios de certa forma imponderáveis e
intangíveis: segurança, soberania, liberdade, contribuição para o desenvolvimento
social, científico, tecnológico e outros. Benefícios difíceis de serem quantificados,
mas acredito serem compreendidos pela maioria da sociedade, haja vista a elevada
confiança que os brasileiros depositam nas Forças Armadas, constatada em várias
pesquisas de opinião.
Tratando-se de custos e de aplicação de recursos, a Marinha tem algumas
peculiaridades. Apesar dos progressos no desenvolvimento de tecnologias
autóctones, os navios, aeronaves, carros de combate, sistemas e outros
equipamentos de alta tecnologia ainda têm baixos índices de nacionalização, o que
nos torna dependentes do mercado externo. Muito nos afetam as variações cambiais
desfavoráveis.
Além disso, os programas de longo prazo desenvolvidos na área de ciência e
tecnologia e de construção naval do Brasil demandam aplicação contínua e
tempestiva de recursos. A degradação ou interrupção do fluxo de recursos gera
atrasos que se acumulam, e a extensão demasiada dos cronogramas pode até
mesmo tornar obsoletas as tecnologias estudadas. Enquadram-se, nesse caso, o
desenvolvimento de propulsão nuclear, a construção naval no Brasil das Corvetas
Barroso e do Submarino Tikuna e a modernização das nossas Fragatas da classe
"Niterói", programas que atualmente acumulam atrasos indesejáveis.
Enfim, a Marinha depende e é especialmente sensível às alterações no plano
orçamentário. Infelizmente, nesses últimos anos, formou-se um quadro de
disponibilidade declinante de recursos para custeio e investimento da Marinha,
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correspondentes à rubrica Outros Custeios e Capital — OCC, com reflexos
negativos para o preparo e o adestramento do Poder Naval brasileiro.
Os valores aprovados na Lei Orçamentária anual têm sofrido significativos
contingenciamentos, que em 2002 alcançaram a marca de 37%, bem superior à
faixa de 11% de anos anteriores. Tamanho foi o impacto, que as conseqüências das
medidas emergenciais adotadas pela administração naval ganharam espaço na
mídia e vêm estimulando debates com relação aos custos de defesa. Acrescento
que, para 2003, os limites orçamentários estabelecidos confirmam a tendência de
declínio da disponibilidade de recursos, o que traz a perspectiva de que os reflexos
negativos vêm obrigando a Força a cortar despesas essenciais no próximo ano.
Trata-se de problema decorrente da conjuntura econômica que o País
atravessa e que é do conhecimento do Ministro da Defesa e também do
Comandante-em-Chefe. Em discurso recente, na cerimônia de apresentação de
oficiais-generais, o Presidente da República manifestou elevada preocupação com
esse problema.
Vale dizer que esse quadro introduz distorções no planejamento de alto nível
e nos impõe repensar objetivos, prioridades e metas. Isso porque a questão
orçamentária passa a sobrepujar os parâmetros políticos estratégicos e afeta
dramaticamente os programas de longo prazo.
A Marinha brasileira reviu e editou uma nova versão do seu Plano Estratégico,
buscando adequar o pensamento estratégico naval aos novos condicionantes deste
início de século, em conformidade com os documentos de alto nível político. Como
decorrência, foi também atualizado o Programa de Reaparelhamento da Marinha
(PRM), que passou a refletir as novas necessidades em relação à área de material.
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Os demais planos, como os de obtenção e modernização, estão sendo adaptados
para racionalizar os esforços de reaparelhamento em consonância com nossa
realidade orçamentária. Esses planos serão submetidos à apreciação do Ministro
da Defesa e servirão para subsidiar os estudos para reconfiguração das Forças.
Posteriormente, caberá ao Ministro obter a aprovação do Presidente da República e,
conseqüentemente, a adequada alocação de recursos.
Chegando ao final desta exposição, gostaria de reiterar nossa apreensão com
o preparo do poder naval, em face do atual quadro orçamentário. Quadro este que
reduz e limita a capacidade da Marinha, sobretudo do poder naval que legaremos às
próximas gerações.
No século XXI, não bastará apenas o esforço de se fazer o melhor possível
com o que se tem: o distanciamento do Estado da arte nos sistemas de combate
deixará sem alternativa e sem qualquer chance os menos preparados, os
tecnologicamente defasados. Basta olharmos para o arsenal de novas armas
empregadas nos recentes conflitos, para percebermos a importância de adquirirmos
alguma capacidade tecnológica autóctone no campo militar, algo que,
evidentemente, tem custo — e bem elevado —, além de demandar vontade,
determinação e naturalmente recursos.
Apesar de todas as dificuldades, nossa postura ainda é de confiança.
Confiança estimulada pelos progressos já alcançados. Afinal, somos hoje uma
Marinha de porte médio, capaz de operar uma força naval nucleada em porta-
aviões, com aviação de asa fixa embarcada que domina a tecnologia referente ao
ciclo do combustível para propulsão nuclear.
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São avanços que conferem credibilidade ao País em termos de defesa e
contribuem para o poder decisório nacional e respaldam a postura estratégica
formulada em nossa política. Entretanto, são avanços que, para serem preservados,
necessitarão da vontade e da determinação da sociedade brasileira e de seus
representantes.
Para finalizar, cumprimento os Presidentes da Mesa e da Comissão de
Relações Exteriores e de Defesa Nacional, pela iniciativa de promover este
seminário.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Neiva Moreira) – Agradecemos ao
Comandante da Marinha a brilhante exposição e análise a que se propôs neste
seminário.
Convidamos o Gen. Gleuber Vieira, Comandante do Exército, a fazer sua
exposição.
O SR. GLEUBER VIEIRA – Exmo. Sr. Deputado Neiva Moreira, que preside
esta Mesa, Sr. Deputado Aldo Rebelo, Presidente da Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional, prezados companheiros Comandantes de Força,
Almirante Chagasteles, Brigadeiro Baptista, Srs. generais, jornalistas, acadêmicos,
estudiosos da área de defesa, Srs. Parlamentares presentes, senhoras e senhores,
compartilho com o Almirante Chagasteles o comentário sobre a oportunidade deste
encontro.
É realmente necessário discutirmos entre nós o campo da defesa que ainda
está em iniciação, digamos assim, nas conjeturas, nos comentários da área
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acadêmica. O tema precisa realmente ganhar impulso, e esta é uma magnífica
oportunidade para fazê-lo.
Procurarei me ater aos temas propostos, enfatizando o primeiro deles, que se
refere à organização, estrutura e percepção estratégica do Exército brasileiro, além
de tecer breves comentários mais provocativos sobre outros temas que versam
sobre mobilização, serviço militar e segurança pública. E que no debate, então,
venham as indagações e os comentários que acharem pertinentes.
Ao falar do Exército, precisamos inicialmente nos ater à sua missão, o que
farei da forma mais substantiva possível para melhor aproveitamento do tempo.
Teremos de inserir essa missão nas circunstâncias em que vivemos — não
apenas em âmbito nacional, mas muito além dele. Não há como evitar partirmos de
uma lente aberta vinda da conjuntura mundial para a nacional, e, então, sob esse
prisma, missões e circunstâncias possamos examinar o Exército de hoje e falar
especificamente sobre a questão orçamentária, sobretudo em termos de
perspectivas. O problema de hoje está estabelecido, buscamos soluções, mas como
projetar isso para o futuro? Por isso, faremos menção ao Orçamento 2003.
Falarei — e será minha conclusão — sobre a responsabilidade de decisões a
respeito do tema, configuração de Forças Armadas, sua estrutura, sua dimensão,
suas estratégias, por considerar que não é de exclusiva decisão na área de defesa.
É algo muito mais amplo e importante. É uma decisão de ordem política e assim
deve ser tratada. Por fim, apenas mencionarei algumas conjeturas sobre serviço
militar, mobilização e segurança pública.
Então, vejamos as missões do Exército. De todos conhecida, mera
recordação, a primeira delas é a defesa da Pátria, qual seja, a defesa da integridade
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territorial e do patrimônio físico e cultural da Nação. É a missão precípua, presente
em todas as Constituições brasileiras desde o Império. Outra missão é a garantia
dos poderes constitucionais, vale dizer, a defesa do regime democrático
representativo e a garantia da lei e da ordem — todos sabemos que somente em
última instância, quando falecem todas as instâncias legais, em âmbito estadual e
federal, para restabelecer e manter a ordem pública.
Também a Política de Defesa Nacional, de 1996, reiterada na lei
complementar que regula o emprego das Forças Armadas, dispõe que devemos
desenvolver ações subsidiárias que, na verdade, são historicamente desenvolvidas
pelo Exército brasileiro, visando à integração nacional, à defesa civil e ao apoio e
desenvolvimento socioeconômico do País. E, por força de diversos tratados e
convenções internacionais, deve participar de forças e operações de paz sob a
égide da Organização das Nações Unidas.
Vejam bem que há grande abrangência na essência e no conteúdo disso
tudo, além da, espacialmente falando, grande extensão do território em que teremos
de cumprir tais compromissos. Logo, é algo delicado porque se configura em missão
extensa e de extrema responsabilidade, e assim deve ser considerada quando
pensamos nos meios de cumpri-la.
Falemos, então, da conjuntura em que vivemos. Claro que falar da conjuntura
internacional levaria todo o tempo de trabalho desta Mesa, assim, contenho-me em
pinçar alguns traços característicos nos quais vejo repercussão direta ou indireta nas
Forças Armadas brasileiras, passando pela conjuntura política, que de alguma
maneira reflete em nossas possibilidades, nossas obrigações.
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Em âmbito mundial, saliento a existência indiscutível de potência hegemônica,
que cria certos referenciais em todo trato político, tecnológico, comercial ou militar do
exercício do poder. Recentemente, num evento, o Sr. Presidente falou a respeito da
falta de controle internacional sobre fluxos financeiros, o que gera instabilidade no
mundo capaz de criar condições para que conglomerados financeiros, grupos
financeiros apátridas venham a comprometer a economia nacional de países menos
solidamente estruturados para enfrentar essas crises. Vemos no dia-a-dia, em todo
o mundo, a atuação apátrida de fluxos financeiros, eventualmente comprometendo a
economia de países. E, por isso mesmo, com reflexos, lá adiante, nos diversos
segmentos de vida dessas nações, inclusive o estamento militar.
Assimetria entre países. Não apenas a potência hegemônica se distancia de
um grupo grande de países periféricos, mas, na intermediação entre esses dois
extremos, há diversos níveis de poder entre países, o que, muitas vezes, nos leva a
associações como forma até de contraposição à potência hegemônica. A porfia,
hoje, na disputa pelo poder, é justamente para encontrar espaço nesses países e,
de alguma forma, ter instrumento de participação internacional. Por isso, é relevante
que atualmente abramos espaço e janelas para algum grupo de pressão que possa
contrapor-se ao exercício unilateral de poder.
Parecem-me patentes as incertezas quanto ao futuro econômico, pelo que
constatamos no dia-a-dia da economia de países de Primeiro Mundo, como os
Estados Unidos e outros, e pelas conseqüências do efeito dominó sobre as
economias de menor porte.
Agora, há um reflexo direto disso, muito importante, para a área de defesa, o
estamento militar. Hoje em dia, torna-se muito mais eficaz o exercício de poder em
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outros campos, seja na área política, seja na área diplomática, seja nas pressões e
contenções comerciais, seja na área financeira, seja na retenção do conhecimento,
seja nas dificuldades para transferência de tecnologia. São formas muito mais
efetivas e com resultados mais imediatos do que o próprio exercício do poder militar,
que é sempre mais desgastante perante a opinião pública e de custos mais
elevados. Por isso mesmo, o emprego do braço militar está em posição secundária,
ficando restrito realmente à última ratio regis, quer dizer, é utilizado somente em
última instância. Temos outros campos mais propícios para exercitar o poder, e é o
que vemos no dia-a-dia.
Finalmente, a permanência de conflitos localizados e crônicos. Lembro que,
no início da década de 90, falava-se muito da nova ordem internacional, mas, às
vezes, ocorria exatamente o contrário, por exemplo, durante a Guerra Fria, os
conflitos saltaram de duas dezenas para sete ou oito dezenas de conflitos,
caracterizando uma nova desordem internacional, pela dificuldade de regulação da
vida política em âmbito mundial. E esse quadro permanece. Tenho até uma
transparência, que o tempo não me permite mostrá-la, sobre a incidência de
conflitos de natureza crônica, grave, que têm a capacidade de polarizar a atenção
das grandes potências e, por isso mesmo, reduzir a uma segunda prioridade a
atenção com as áreas mais pacíficas.
Na área mundial, parece-me suficiente, para depois eu chegar às estratégias
com que trabalhamos.
No âmbito continental, permanece a consideração da assimetria de poder,
que, entre as potências hegemônicas, as de Primeiro Mundo, e os países do
continente, se faz ainda mais pronunciada, o que dificulta a inserção do país e das
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suas Forças Armadas em grupos de exercício de poder que se contraponham aos
hegemônicos. Ou seja, a assimetria é muito mais difícil de superar porque o hiato é
muito mais amplo.
Na América Sul, podemos considerar que hoje os contenciosos estão sob
controle. Não vemos, entre os países, nenhum contencioso grave que nos leve a
considerar iminente a eclosão de conflito. Esse é um dado importante no
planejamento das hipóteses de emprego e da resposta às hipóteses de emprego.
É relevante para o Brasil, para a Força Terrestre, particularmente, considerar
as diferentes naturezas de preocupações dos países que fazem limite conosco. Os
diferentes níveis de estabilidade política, de preocupação econômica, de concepção
estratégica, de objetivos nacionais fazem com que, nas associações que buscamos
no MERCOSUL, na área andina, na área amazônica, tenhamos sempre que variar
nossos propósitos, nossas estratégias, nossos procedimentos, para atender aos
anseios e às idiossincrasias dos grupos com os quais interagimos. É importante
porque isso nos leva também a diferentes procedimentos de adestramento,
logísticos, para termos condições de interagir com esses nossos vizinhos.
Diante daquelas incertezas que apontei na economia mundial; da influência
que certos grupos financeiros podem exercer nas economias nacionais; do momento
vivido no nosso entorno — ao contrário do que acontecia dois ou três anos atrás,
quando víamos um horizonte azul com economias estáveis, democracia em
evolução —, de incertezas econômicas na Argentina e no Uruguai; das
interrogações sobre eleições recentes na Bolívia; dos problemas da FARC, seus
reflexos no Peru, no Equador; dos recentes incidentes na Venezuela, percebe-se
que panorama extremamente favorável transformou-se, com rapidez, em um ciclo de
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incertezas sobre o mundo e, conseqüentemente, sobre a valorização das hipóteses
de emprego com que trabalhamos.
Finalmente, há evidente preocupação, nas manchetes de cada dia, com os
crimes transnacionais de diversas naturezas — o crime organizado, o terrorismo, o
contrabando —, o que de alguma maneira faz permear os conflitos, as ameaças
pelos vários países. Desse modo, há também maior integração e interação das
forças de segurança pública e militares, para conter e reprimir os crimes
transnacionais.
Chegamos, então, ao nosso Brasil. Como considerá-lo?
As flutuações da economia, pelo que trazem, refletem, sobretudo, vícios
indesejáveis na administração das Forças Armadas. Nós, que estamos acostumados
a planejar anos à frente, a ter programas plurianuais, de repente e indesejavelmente,
somos obrigados a raciocinar para o mês que vem e, no máximo, para o ano que
vem. Isso cria certos vícios administrativos, certos vícios de planejamentos, além
dos reflexos operacionais, que adiante mencionarei, o que nos traz preocupações. A
flutuação econômica sempre nos deixa interrogações, questionamentos para o
futuro e dificulta, sobremaneira, a administração da Força.
Eleições. Grande interrogação. Não que nos interesse o resultado, porque às
Forças Armadas não cabe ter opinião sobre correntes políticas, mas, sim, sobre os
desdobramentos desse ou daquele vencedor a respeito das perspectivas para elas,
pelo menos para o Exército Brasileiro.
Por razões que mencionei, e o Brasil não é exceção diante daquela projeção,
daquela prioridade que se atribui a outros campos do exercício do poder —
econômico, político, comercial, especificamente, e tecnológico —, existe declínio nas
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atenções com a área de defesa. No Brasil, permitam-me dizer, isso ganha maior
expressão, porque não há tradição, sobretudo no meio civil, de estudo, de
desenvolvimento de idéias a respeito de defesa. O que surge de real é algo de
poucos anos, que vai crescendo. E necessário que cresça, porque as Forças
Armadas, o Exército — eu falo por ele — ressentem-se do compartilhamento de
percepções de defesa com áreas acadêmicas, universitárias, com as indústrias, com
os centros de pesquisa. Mas isso é algo que vai surgir aos poucos; não se fabrica de
um dia para o outro. Penso que se aperfeiçoará na medida em que o País ganhe
porte e projeção. Mas é essencial que se tenha esta consideração: que, hoje, defesa
é baixa prioridade.
Amazônia. Embora extremamente sensível em razões de seus recursos
minerais, seu potencial de água doce, seu potencial de biodiversidade, pelos
cuidados que provoca nas organizações não-governamentais — grande parte delas
com motivos e propósitos legítimos; outros, com propósitos não tão legítimos, até
bastante difusos, que merecem nossa atenção —, também há ameaças do entorno,
pelos problemas na Colômbia, na Venezuela. Enfim, é uma área que merece nossa
atenção. Mas costumo dizer, e ratifico, sempre com abordagem profissional: não me
parece inteligente termos abordagem emocional sobre problemas que surgem na
Amazônia. Nós, brasileiros, sabemos o que queremos e o que fazer com ela. Assim,
cabe a nós enfrentarmos essa tarefa, sem ficarmos em posição passiva e, sim,
adotando atitude pró-ativa com relação à Amazônia.
(Segue-se exibição de imagens.)
Senhoras e senhores, aí está o quadro, a moldura em que colocaria nosso
Exército. Temos as missões e o quadro em que temos de trabalhar; não podemos
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evitá-lo. Chegamos, portanto, às estratégias que elegemos para trabalhar nessas
circunstâncias e com essas missões. Estratégias essas, devo dizer, que convergem
absolutamente 100% com aquelas comentadas no âmbito da estratégia militar de
defesa e da política militar de defesa em gestação no Ministério da Defesa. E não
poderia deixar de ser assim.
A primeira estratégia é a presença do Exército, que é histórica. Desde o início
de sua existência, o Exército tem sido pioneiro, antecipando-se na ocupação dos
territórios, chegando aos seus pontos extremos e desenvolvendo os núcleos de
povoamento que estabelece. Todavia, este é o momento de perguntarmos: ainda é
necessária e oportuna a estratégia da presença? Sim, na medida em que
continuarmos atuando nesse papel pioneiro. Não, na medida em que o Estado hoje
se fizer presente e proporcionar aquilo que só o pioneiro proporcionava.
Hoje, passou a ser mais importante ter a capacidade de se fazer presente do
que estar presente. A presença deve ser seletiva, o que demanda retraimento lento
da estratégia da presença, na medida em que o Brasil se desenvolver socialmente e
não carecer mais do apoio do Exército; que o Estado se fizer presente em toda
fronteira, com outras agências que não apenas as Forças Armadas; que tenha
estrutura econômica que possa dispensar o Exército do apoio ao desenvolvimento
socioeconômico, que tenha estabilidade social interna, e que a sociedade não tema
mais seu esgarçamento por força de crimes, de tal forma que possamos aliviar
nossa responsabilidade pela manutenção da lei, da ordem e, assim, concentrar
unidades.
Não há uma solução mágica, pela qual se fecha a presença e acaba-se o
problema. O processo de retirada de uma presença seletiva deve ser lento, mas
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observando-se aquele papel pioneiro que, durante algum tempo, teremos de
exercer. Repito: será mais importante a capacidade de se fazer presente do que
estar permanentemente em determinado local. Há decorrências disso. No dia
seguinte em que fecharmos uma unidade e a concentrarmos em outra região, terei
na minha porta o Prefeito, o Deputado, o Senador e o Governador, em razão do
peso de pequenas guarnições, de uma unidade na economia local. Esse processo
tem de ser bem pensado e gerenciado.
A segunda estratégia que me parece deva ser permanente é a da dissuasão,
estabelecida desde os tempos coloniais, que levou o Brasil a se envolver nas
guerras intestinas da América do Sul. Hoje, obedece-se a outro tipo de concepção e
de estruturação para a dissuasão. Ainda que tenhamos hipóteses de emprego, a
eclosão de conflitos hoje em dia é tão instantânea e tão exigente de instantaneidade
da reação que exige forças flexíveis, com capacidade de adaptação. Não são
configuradas para enfrentar essa ou aquela ameaça. Elas têm de ter capacidade de
flexibilização, de adaptar-se a essa ou àquela ameaça com imediatismo;
prontamente devem reagir e moldar-se àquela ameaça que se apresenta. É outra
concepção de organização de força de dissuasão, em dimensão compatível com as
hipóteses de emprego formuladas dentro de um teatro de operações continental.
Não temos hoje estrutura para operar além-mar, a não ser em conexão com forças
internacionais.
Quando o Brasil ganhar consciência da sua dimensão geoestratégica e do
seu peso específico — muitas vezes, é melhor considerado lá fora do que aqui —,
terá de projetar poder. Se quiser participar de grupos de poder e entrar no campo de
disputas, terá de gerar e exercer poder. Evidentemente, o braço militar é uma das
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possibilidades de exercício de poder, a par da busca de tecnologia, do
estabelecimento de economia sólida, da presença política na diplomacia e a militar
tanto quanto possível. Essa é uma inevitável estratégia a ser desenvolvida, se o
Brasil quiser realmente colocar-se em projeção no concerto internacional.
Por isso, arrisco dizer que, se posso colocar nesses três horizontes, vejo a
tendência de declinar a presença, por razões que apresentei há pouco. A dissuasão,
num crescimento uniforme, na medida em que o peso do Brasil vá originar maior
possibilidade de conflito — quanto mais cresce um país, maior a margem de criação
de conflitos —, e projeção de poder também na proporção em que ganhe posição,
ganhe expressão geoestratégica no exterior, em que busque espaço no concerto
internacional.
Agora, onde estará o curto, o médio e o longo prazo? É difícil dizer; eu não
me arriscaria. Vai ser justamente na medida em que ganhe solidez a Federação, sua
organização político-partidária, a solidez da economia, a estabilidade social. Então,
aí, vai-se trabalhar sobre esses três vetores, enquanto esses fatos ocorrerem e
concorrerem entre si.
Para trabalhar com essas estratégias, com o quê conta o Exército Brasileiro?
Vou dar aqui alguns dados substantivos para que possam dimensionar a coisa.
Parto dos efetivos totais. De acordo com o decreto de fixação de efetivos para este
ano, podemos ter até 200 mil homens. E lembro que, em 1989, havia uma lei que
nos autorizava a elevar esse número até 300 mil, à razão de 10% a cada ano, ao
longo de 10 anos. Abdicamos disso, achando que é preferível ter qualidade do que
quantidade. Hoje, poderíamos ter 200 mil homens, mas há pouco mais de 140 mil.
Não nos interessa dígitos exatos, porque ninguém vai guardar; é apenas para
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termos uma idéia comparativa. Acrescentando-se o efetivo do serviço militar inicial,
do qual foram dispensados — tive que mandar para casa — 44 mil, chegaríamos a
cerca de 188 mil, número próximo, portanto, do efetivo autorizado. Mas, na
realidade, temos apenas esse efetivo de profissionais.
Dos oficiais, em azul-claro, temos os permanentes e, em amarelo, os oficiais
temporários, aqueles que aparecem até 7, 8 anos dentro no Exército, totalizando
essa existência de oficiais. As mesmas considerações aos subtenentes e sargentos,
em que vemos que o segmento de profissionais é bem superior ao de temporários.
Quanto aos cabos e soldados, há um pequeno núcleo de permanentes; temporários,
em grande número. E o existente, que é o somatório dos temporários com os
permanentes, se estivesse aí o contingente de serviço militar inicial, que acabamos
de dispensar, os 44 mil, chegaríamos a este total aqui, de cabos e soldados, isto é,
pouco mais de 130 mil.
Então, esses são os efetivos com que trabalhamos. E, convictamente, digo-
lhes que são absolutamente compatíveis com a dimensão do País, com aquele
espectro de missões e de responsabilidade espacial que temos. Mas, se quiserem
isso comparar em relação ao PIB, à população, à extensão territorial, verão que
estaremos sempre abaixo dos índices recomendáveis em termos de efetivos.
Algumas conclusões. É evidente que sofremos sérias insuficiências materiais.
Um pouco adiante poderão ver isso. Agora, mais perverso, pior que a própria
deficiência material em si é o hiato tecnológico, a perda de contato com o estado da
arte, as diversas prateleiras de tecnologia que se vão colocando entre o estado da
arte e aquela de que dispomos. E por que tão perverso? Porque o material, na hora
em que tiver dinheiro, compra-se, porque sempre há quem queira vender. Mas
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recompor a cabeça de um sargento, de um oficial, de um especialista, atualizá-lo
rapidamente, permitir que ele faça uma reciclagem, isso só se ele tiver um mínimo
de acompanhamento acerca desse estágio de tecnologia. Então, o mais perverso,
pela sua permanência no tempo, é o hiato tecnológico. E, quanto maior a demora,
mais difícil superá-lo.
A grande razão disso tudo são a dificuldades orçamentárias, não pelo que
traduzem hoje, mas muito mais pela permanência no tempo. Para uma dificuldade
orçamentária localizada, tópica, episódica, há soluções para adotarmos no
momento; depois, podemos nos recuperar à frente. O que castiga é a permanência
ao longo do tempo, a tendência declinante e permanente, sem perspectiva, num
ponto de inflexão. Aí, agrava-se a questão do hiato tecnológico, sem que haja
perspectiva de recuperação. De modo que, muito mais negativo que o impacto de
uma redução orçamentária em um ano, é a permanência de vários e freqüentes
contingenciamentos e restrições dessa natureza.
Em contrapartida, também com a mesma convicção, afirmo que exigimos do
nosso pessoal o máximo de empenho no cumprimento das missões, justamente
porque sabemos que vivemos no limbo. Em qualquer atuação em área de segurança
pública, em área de fronteira, podemos, com facilidade, passar de heróis a vilões.
Também procuramos primar sempre pela absoluta regularidade administrativa,
embora evidentemente aconteçam deslizes aqui e acolá, voluntários ou
involuntários, para não abrir guarda, como costumamos dizer, perante os órgãos
auditores, perante a Justiça. Ou seja, temos consciência do cumprimento das
missões e somos exigentes em relação a elas, para honrar a credibilidade que
ostentamos junto à sociedade.
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Sem dúvida, possuo quadros de primeiro nível. Meus profissionais, oficiais,
sargentos, são de primeiro nível. E por que afirmo isso? Hoje em dia, há um convívio
permanente, freqüente, com outros Exércitos, outras Forças. Então, comparecemos
em missões internacionais, em missões de observadores, em exercícios conjuntos;
há escolas de estudantes estrangeiros aqui, outras nossas lá fora, reuniões
bilaterais, conferências de diversas ordens etc. Por isso, não tenho a menor dúvida
de que nossos quadros estão no primeiro nível, de igual com os países com melhor
estruturação militar. E essa é a grande muleta de que disponho para superar as
dificuldades que estamos atravessando: a qualidade, a dedicação e a consciência
profissional dos quadros.
Não tenho dúvida também que, graças a isso, ostentamos sólido conceito
nacional e internacional. Conceito nacional comprovado nas pesquisas mencionadas
pelo Almirante Chagasteles, e que são de conhecimento de todos. Conceito
internacional pelo reconhecimento que temos da ONU e dos países visitados, em
agradecimentos e em referências ao nosso pessoal que trabalham nessas regiões .
Também posso afirmar, pela profissionalização que se vem incutindo no
Exército Brasileiro — e não é na minha gestão, simplesmente, mas vem de um
trabalho contínuo, em que cada Ministro, Comandante, coloca seu tijolinho na
construção do Exército —, ele é homogêneo; todo ele pensa da mesma maneira,
com doutrina uniforme. Há respeito à unidade de comando, dedicação,
profissionalismo, não no sentido de ter emprego permanente, mas profissionalismo
pela consciência da sua missão, do seus propósitos, do seu papel dentro da Força.
Trabalhamos com essas graves insuficiências, tentando equilibrá-las com os
atributos que aqui desenvolvemos. Mas pergunto: até quando sustento isso,
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sobretudo se, para a qualidade dos quadros, dependo da superação do ato
tecnológico, da superação de dificuldades orçamentárias?
Vejamos os gastos que temos com a Força Terrestre. Inadvertidamente, há
quem fale que o Exército Brasileiro gaste quase 10 bilhões de reais por ano. Mas
vejamos como é isso. Pagamento de pessoal, de 2001 e 2002. E olhem a fração.
Inativos, pensionistas e pensões especiais, concedidas aqui por projetos de pensões
especiais e que, às vezes, são pessoas que nem são militares nem dependentes de
militares, mas que estão em meu orçamento e nem sei por quê — mas entram aqui.
Agora, sobre a Força propriamente. Com o quê sustentamos a Força? Em
2001, nossa execução orçamentária de custeio foi de 589 milhões. Investimentos,
148 milhões, lembrando que 80% disso foi pagamento de obrigações contratuais de
anos anteriores. Investimentos novos foram 20%, se não me engano. Comparem
bem esses valores com os que são veiculados pelas manchetes dos jornais, para
isso e para aquilo, e vejam que, para sustentar uma Força com 800 organizações
militares, das quais 460 são unidades administrativas, o custeio foi de 589 milhões,
em 2001. Em 2002, valendo os contingenciamentos existentes até hoje, que acredito
e espero que sejam aliviados até o final do ano, trabalharemos com 439 milhões.
Investimentos em 1991 foram totalmente tomados por pagamentos de obrigações
contratuais anteriores. Não houve nenhum investimento novo, e até esta data só se
puderam executar 251 milhões de reais. O restante deverá ser executado à medida
que créditos e numerários forem liberados, tal como estão programados.
Observem os senhores aquela tendência declinante que eu apontei.
Chegamos a um ponto em que não há mais soluções clínicas, só soluções
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cirúrgicas, e estas significam a reconfiguração da Força, tópico sobre o qual
discorrerei mais adiante.
Aqui temos uma mera ilustração. Notem que a parte maior do gráfico refere-
se a pessoal. Depois, temos o custeio. Em amarelo, o investimento para pagamento
das prestações. A parte vermelha representa os recursos de convênios, o
pagamentos de juros e de obrigações externas, o manuseio de exportações — ou
seja, não revertem em benefício da Força Aérea, embora também não se
enquadrem em pagamento de pessoal.
No gráfico que mostra a distribuição do pagamento de pessoal, temos 52% do
total para inativos e pensionistas, 29% para ativos e 8% para as chamadas pensões
especiais, que eu assinalei há pouco.
Esses quadros ilustram bem a dimensão das mágicas que temos de fazer
para conduzir a Força terrestre, com as responsabilidades que ela tem diante da
atual conjuntura.
Não estou culpando a área econômica. Reconheci, desde o início, aqueles
vetores da esfera internacional que obrigam o País a esse aperto de cinto. Eu afirmo
sempre que o Exército não pode ser melhor que a sociedade, mas não pode
significar menos do que a dimensão do País, menos do que exige a nossa
expressão geopolítica.
Temos de seguir nesse trilho, o que torna difícil encontrar um ponto de
equilíbrio. Não estou responsabilizando ninguém por essa contingência, mas um
fórum como este precisa conhecer a situação real. Não posso tapar o sol com a
peneira.
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Este outro quadro eu mostro para que os senhores tenham uma idéia sobre
as nossas necessidades. Os dados são de 2001 porque ainda não temos os dados
completos deste ano. A tendência é de que sejam piores que os do ano passado.
Viaturas. O quadro mostra o que é preciso para termos veículos com no
máximo cinco anos de uso. Hoje, nossa frota é predominantemente da década de
1970. Por mais esforço que haja da parte dos mecânicos e dos motoristas, não
temos uma frota confiável.
Armamento. A renovação é necessária dada a obsolescência e o
esgotamento pelo uso. Os quadros mostram o desejado e o que pudemos comprar.
Munição. O quadro indica redução nos estoques, o que é motivo de
preocupação, se pensarmos num conflito prolongado.
Combustível, elemento essencial para o funcionamento da frota e para as
horas de vôo necessárias aos helicópteros. Fazemos um grande esforço para
manter a capacidade de nos fazermos presentes, e não necessariamente de
estarmos presentes. Precisamos de mobilidade tática, o que é garantido pelo
Comando de Aviação. Eu festejo, para alegria do Brigadeiro Baptista, a recuperação
da força de transporte da Força Aérea. Precisamos de mobilidade estratégica. Minha
preocupação com as horas de vôo visa justamente manter essa faculdade, essa
capacidade de mobilidade tática.
O Almirante Chagasteles já apontou as preocupações que temos com o
orçamento do ano que vem, que até o momento se afigura pior do que o atual.
Definitivamente, como eu já disse, não há mais solução clínica possível.
Chegamos ao extremo da racionalização. Inviável, portanto, a manutenção da
operacionalidade com a atual estrutura. Vamos ter de revê-la, ou abdicar do nível de
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operacionalidade. Não há mais como adaptar os planejamentos operacionais hoje
existentes. Teremos de fazer outros, muito mais modestos. E aí inserimos toda a
programação de adestramento e exercício, que resulta na capacidade de executar
um planejamento operacional.
A atual situação compromete as estratégias em vigor. Já não podemos
garantir o nível de dissuasão desejado. Não podemos exercer plenamente a
projeção de poder, porque não podemos comparecer com a mesma freqüência a
missões internacionais. A presença fica discutível. Teríamos de selecionar os
exercícios de presença. Haverá sérios comprometimentos, a prevalecer o atual
quadro.
Uma das medidas extremas seria a extinção ou desativação de unidades,
com conseqüente redução de efetivos. De imediato, haveria um acréscimo de
despesas, porque teríamos de remanejar os efetivos dos quartéis para outras áreas,
com ajuda de custo para movimentação de todo esse pessoal. Teríamos também de
cuidar dos acervos, até que o patrimônio da União desse nova destinação a eles. Há
ainda outros reflexos, como os políticos, sobre os quais já discorri, como interesse
de Prefeitos, Governadores e Deputados nas questões que envolvem a economia
local.
Esses são os impactos conseqüentes da extinção ou desativação de
unidades, se necessária a reconfiguração da Força. Mas o mais grave e perverso é
o seguinte: desmontar essa estrutura nós conseguimos em um ano, mas recompor
uma unidade, com seu nível original de eficácia, recompor a memória dos seus
integrantes, reconstituir seus quadros, preparar especialistas, isso é trabalho para 10
ou 15 anos. Uma unidade de qualidade, com espírito de corpo e efetiva capacitação
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para sua missão, não se constrói por decreto nem se reativa por meio de uma
assinatura. Os efeitos da desativação de uma unidade são profundos no tempo e no
espaço, e, por isso, têm de ser bem considerados.
Pelas razões expostas, concluo, afirmando que esse problema extrapola a
área de defesa. A decisão deve ser compartilhada — uma decisão política e militar.
Uma decisão estritamente militar poderia condenar o Exército a, daqui a 10 anos, se
não tiver condições de cumprir uma missão a ele atribuída, ter de responder à
seguinte indagação: por que então vocês reduziram efetivos e extinguiram
unidades?
Essa decisão não deve pesar sobre a administração do Exército. A decisão
precisa ser compartilhada entre Executivo, Congresso Nacional e a área de defesa.
Que missão queremos para as Forças Armadas? Aquela que está designada na
Constituição Federal, em sua plenitude. Então, que meios serão atribuídos às
Forças? E, se não podemos atribuir-lhes os recursos necessários, que limitações
estabeleceremos para essas funções? Quais delas podem deixar de ser cumpridas?
É preciso ter noção do grau de confiabilidade das Forças Armadas. Esta é a
mensagem que eu deixo para os senhores. Este fórum é muito bem-vindo. Todos
precisamos ter subsídios para considerar, em conjunto, a grave decisão que talvez
tenhamos de tomar proximamente, ao persistirem as restrições orçamentárias.
Por fim, faço uma breve referência aos outros tópicos mencionados no
temário desta Mesa, apenas para não me omitir a respeito deles.
Com relação ao serviço militar, definitivamente, acho que a conscrição
obrigatória ainda é a melhor solução. Não vejo razão nenhuma para mudança desse
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sistema. Eu poderia argumentar a favor da minha posição por uma hora, mas vou
sintetizar, apontando as implicações sociais e o menor custo de manutenção.
O soldado recruta custa muito menos que o soldado profissional, em termos
absolutos, levando-se em conta arrecadação para a Previdência Social e assistência
hospitalar. A conscrição obrigatória também permite a renovação e a seleção dos
quadros; do contrário haveria um envelhecimento progressivo, e forma reservas
mobilizáveis, em determinado nível.
As implicações sociais são, resumidamente, as noções básicas de civismo, de
responsabilidade, de disciplina e de organização que transmitimos a esses jovens,
carentes desses princípios nas escolas e, às vezes, até mesmo em seus lares.
Também desenvolvemos nos recrutas hábitos físico-sanitários, o que é uma grande
contribuição para a higidez da juventude acolhida em nossos quartéis.
A capacitação profissional que proporcionamos é outro benefício social.
Temos convênios com o SENAI, o SENAC, o SESC e com as Secretarias Estaduais
e Municipais de Trabalho. Esse é um trabalho permanente, de resultados cada vez
mais visíveis.
Finalmente, o que para mim é o mais importante: o Exército é e se orgulha de
ser um corte social do País, o espelho da sociedade brasileira, pela sua
representatividade étnica, social e religiosa. Devemos manter esse traço. Um
sistema de voluntariado provavelmente ocasionaria a concentração de voluntários
numa área em que a oportunidade de empregos fosse menor. Perderíamos também
a representatividade geográfica, muito importante, além da representatividade social
e étnica, porque o voluntariado poderia convergir de um único segmento da
sociedade.
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O primordial para o Exército é conservar, preservar essa identificação com a
sociedade que faz com que o jovem sargento, o jovem tenente, desde novo, numa
pequena guarnição, possa interagir com o Prefeito, com a professora, com o
comerciante, permitindo-nos compreender os anseios da sociedade brasileira.
Talvez esteja aí o segredo da nossa credibilidade.
A mobilização é um conceito que deve ser amplamente modernizado. Não se
pode mais pensar em mobilizações maciças. Os conflitos já não permitem tempo
para preparação de pessoal. Há de se ter capacidade de mobilização imediata,
instantânea, principalmente de pessoal, convergindo sobre especialistas, sobre
aqueles que têm algo a acrescentar aos quadros permanentes da Força.
Acessoriamente, mais importante é o equipamento da infra-estrutura de território,
para ser aproveitado pelas operações militares, e o fortalecimento de uma indústria
de material de defesa — a propósito, um daqueles vetores de superação do hiato
tecnológico não apenas dentro do Exército.
Lamenta-se que a indústria não tenha hoje oxigênio para resgatar a
importância que teve anos atrás. São vetores importantes, repito, de recuperação do
hiato tecnológico. Infelizmente, o mercado oferecido hoje em dia e a incapacidade
das Forças Armadas para fazer encomendas às indústrias de material de defesa as
condenam a um difícil período de busca por oxigênio apenas para sobrevivência.
Elas são importantes para a mobilização industrial.
Finalmente, segurança pública. Encerro minha exposição inicial com este
slogan: “Forças Armadas em segurança pública podem auxiliar na solução, mas não
a vejam como uma salvação”.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. COORDENADOR (Deputado Neiva Moreira) - Muito obrigado, General
Gleuber Vieira, pela competência demonstrada na oportuna exposição que acaba de
fazer.
Convido o Brigadeiro-do-Ar Carlos de Almeida Baptista para usar da palavra
como nosso terceiro conferencista. (Palmas.)
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA - Prezado Deputado Neiva
Moreira, prezado Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional desta Câmara dos Deputados, Deputado Aldo Rebelo, em primeiro lugar, e
repetindo o que já foi dito pelos Comandantes anteriores, quero manifestar a grande
satisfação da Força Aérea em participar de tão importante evento. Que prazer tenho
eu de ouvir do Deputado Neiva Moreira algumas breves considerações sobre a
Força Aérea como fator de desenvolvimento do País e, do Deputado Aldo Rebelo,
na abertura dos trabalhos, considerações a respeito da importância das Forças
Armadas para o progresso, para o desenvolvimento e para a segurança nacional.
Estamos neste momento sendo ouvidos em milhares de lares brasileiros,
graças à TV Câmara. Nós, os Comandantes, temos a oportunidade de mostrar a
essas famílias quem somos, o que representamos neste País, como achamos que
devemos ser tratados no momento e no futuro.
Parabenizo mais uma vez, efusivamente, o Deputado Aldo Rebelo, que dá
nova configuração à nossa Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional,
fazendo com que o Parlamento nacional e, indiretamente, a sociedade participem
desse conhecimento mais aprofundado a que nos referimos quando falamos em
Forças Armadas.
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Em 2002, início do tão propalado novo milênio, vivemos ainda a perplexidade
decorrente das profundas mudanças e variadas indefinições que se abateram sobre
o mundo a partir da última década, desencadeando um processo que busca
acomodar-se ao contexto de uma nova ordem internacional, a qual, por sua vez, se
mostra ainda confusa e muito distante do equilíbrio político, econômico e social tão
almejado pelo concerto das nações.
No cenário mundial, qualquer análise preliminar associada aos
acontecimentos do cotidiano aponta mais na direção de que o término da Guerra
Fria apenas mudou algumas posições dos atores centrais na política internacional.
Na verdade, fica evidente em sua essência que permanecem intactos todos os
conceitos e relações fundamentais que sempre nortearam os mecanismos da
convivência entre os países, mediante as regras que, imutavelmente, estabelecem o
status quo entre os mais fortes e os mais fracos, entre os desenvolvidos e os
subdesenvolvidos, entre os ricos e os pobres.
Nesse contexto, todos os discursos que hoje predominam no âmbito da
política internacional, especialmente quando emanados dos centros de poder
mundial, carecem da necessária coerência em todos os sentidos, mormente no que
tange ao campo militar, quando se revelam pródigos em aconselhamentos na
direção de supostas demandas de mudança no papel das Forças Armadas,
enfáticos na sua exortação com validade somente para os países do chamado
Terceiro Mundo.
Somos pela paz e queremos a paz. O Brasil não cultua objetivos militaristas,
não obstante possui dimensão geopolítica e posição que o leva a ser considerado
potência mediana, em termos dimensionais. E, como tal, tem possibilidade de
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sustentar a liderança da região do continente sul-americano. Muito embora o cenário
político-estratégico em que se encontra esteja confinado à América do Sul,
apresenta uma política externa coerente, ao liderar o processo de integração
regional. Assim sendo, no contexto da sua diplomacia e das considerações sobre o
emprego do poder militar, busca manter, paralelamente, a opção por uma postura de
potência pacífica, tentando desqualificar o emprego da força como meio de solução
de conflitos e interesses.
Devemos, todavia, entender que um estado pacífico é pacífico por seus
compromissos e propósitos, não por timidez ou por seus arsenais. Mesmo o estado
mais pacífico não pode abrir mão de tratados de defesa adequados, nem de Forças
Armadas capazes de respaldar suas políticas, dando sustentação a suas posições.
Devemos dimensionar a reorganização dos nossos acordos de defesa em
harmonia com a política internacional. O arranjo adequado entre as demandas,
responsabilidades e limites de acordos internacionais e datados pela nossa
soberania é o grande e constante desafio.
A principal razão da existência de qualquer Força Armada nos tempos
modernos é fortalecer o poder nacional por intermédio da dissuasão militar. O poder
militar é uma ferramenta política. Por outro lado, a realidade política, como sempre,
é cambiante, mutável, provisória, temporária.
A complexidade das sociedades modernas traz consigo, necessariamente,
uma diversidade de objetivos. A realização de acordos sempre envolve concessões,
moldadas em determinada correlação de forças. Assim sendo, ao considerar a
política de defesa do País e a sua política externa, inseridas na dinâmica do
ambiente internacional, uma e outra têm de ser solidárias, conectadas de forma
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adequada, para que, juntas, forneçam instrumentos para a ação do Brasil no
concerto global.
Relembro as palavras do Barão do Rio Branco:
Diplomatas e soldados são colaboradores que
prestam mútuo auxílio. Um expõe o direito e argumenta
com ele em prol da comunidade. O outro bate-se para
vingar o direito agredido, respondendo a violência com
violência.
No bojo dos diversos temas que na atualidade têm sido objeto de discussões
está a questão da segurança interna. Este assunto tem suscitado os mais variados
questionamentos e até mesmo graves equívocos.
O fim da Guerra Fria, com efeito, pôs em relevo um debate, que perdura até
os dias correntes, sobre o papel das Forças Armadas. A conjuntura pós-Muro de
Berlim, os novos elementos acrescentados à arena política relegaram para segundo
plano a questão da tutela interna, aspecto central no período imediatamente
posterior aos governos militares.
A pedra angular sobre a qual se assenta essa crise de papéis depois da
Guerra Fria é particularmente caracterizada pela falta de um norte claro à missão
castrense no tocante à segurança interna, acostumada que estava a classe militar,
ao menos desde o golpe que instaurou a República, ainda no século XIX, a uma
tradição de regulagem da vida política e social, sob os mais diferentes aspectos.
Historicamente, as Forças Armadas brasileiras têm cumprido missões de ordem
interna, que têm assumido as mais diversas formas.
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Uma participação que merece destaque nesse quadro mais amplo é a que diz
respeito ao envolvimento das Forças Armadas no combate ao mundo das drogas.
Na verdade, trata-se de um dos maiores e ainda não resolvidos problemas no
tocante à definição das missões militares para este século.
A postura das Forças Armadas brasileiras tem-se caracterizado nesse sentido
por uma posição pendular, na qual tarefas que incluem a interdição de drogas ora
são abraçadas, ora são refutadas.
A missão das Forças Armadas tem de ser primordialmente a defesa externa.
O combate ao tráfico de drogas exige preparação policial específica. Caso fosse
atribuída às Forças Armadas, essa missão exigiria a mudança da mentalidade do
profissional militar desde a sua formação nas escolas. O País, então, teria uma
imensa polícia, mas sem capacidade dissuasória e muito atraente para aventuras,
porque não teria Forças Armadas com capacidade de resposta.
Definitivamente ou não, o certo é que as Forças Armadas, não obstante
muitas declarações em contrário, sempre atuaram com baixo perfil no tocante à
repressão ao narcotráfico, e esse padrão vem sendo mantido.
Assim, é fundamental assinalar o risco que esse possível novo padrão traz
consigo. O emprego da instituição militar apenas diretamente na segurança pública
tem aumentado sensivelmente, chegando a pelo menos dezessete participações
entre 1995 e 1997. Os números parecem confirmar que a pressão em favor da
participação das Forças Armadas em tarefas de combate ao crime organizado tem
direcionado os militares brasileiros para os antigos treinamentos e a insurgência,
fortificando uma missão de controle social.
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Os novos inimigos agora são os narcotraficantes e os contrabandistas de
armas. As missões de segurança interna assumem nova roupagem. Vivemos um
panorama internacional que parece delinear-se pela deterioração da
regulamentação jurídica entre os Estados e o avigoramento das relações de força.
Urge, nessa direção, não reforçar a preocupação militar com a temática interna,
como vem acontecendo nos últimos anos, e sim incrementar o preparo militar para
as questões externas, em razão da dimensão estratégica pretendida e dos
interesses nacionais e compromissos internacionais assumidos, a fim de que o Brasil
não veja o aparelho militar transformado em órgão suprapolicial.
O emprego das Forças Armadas, em sua essência, tem por objetivo a
aniquilação do inimigo, devendo, portanto, agir com a necessária violência, com o
objetivo de decidir definitivamente o conflito. Para tanto, utiliza armamento pesado e
o emprego da força em massa, táticas e técnicas específicas para esse tipo de
confronto, o que não se coaduna com a natureza das ações policiais.
A Força Aérea reconhece a gravidade da situação de violência que se verifica
nos grandes centros urbanos, porém a possibilidade de emprego de tropas para
combater o crime organizado no momento atual é afastada, por considerar-se que
não está ainda caracterizado um estado de guerra, condição necessária para o
emprego das Forças Armadas em sua plenitude.
As Forças Armadas não estão preparadas para realizar uma incursão em
determinado local, condicionadas a medir a amplitude e conseqüência de suas
ações, em decorrência de possíveis problemas relacionados aos direitos humanos.
Ações dessa natureza com certeza se defrontariam com fortes reações e objeções
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por parte dessas organizações que, infelizmente, agem costumeiramente em defesa
de criminosos de toda sorte e omitem-se quanto aos direitos das pessoas de bem.
Para que as Forças Armadas sejam convocadas a intervir, é pressuposto que
sejam assegurados os meios para uma ação eficaz, tanto durante quanto após a
intervenção. É necessário que se estabeleçam medidas que possibilitem o
prosseguimento das ações do combate ao crime, com o objetivo de manter a
autoridade nos locais em que tenha havido a intervenção.
Não é possível, portanto, que se esperem das Forças Armadas ações
militares comedidas, buscando não afetar os direitos humanos. Não seria possível
realizar uma incursão num morro do Rio de Janeiro, por exemplo, de forma
parcimoniosa contra bandidos fortemente armados, que possuem a vantagem do
elemento surpresa, além de se escudarem na população em sua rotina diária.
Não existem características físicas que diferenciem bandidos de pessoas de
bem. É necessário um processo investigativo suficientemente estruturado, que
permita a identificação e a localização com precisão dos objetivos que se pretende
atingir. Essa ação cabe às Polícias Civis e Militares, que devem estar bem
aparelhadas para executar esse tipo de tarefa.
O combate ao crime organizado deve ser buscado em direção às causas do
problema e não simplesmente aos efeitos de momento, sendo necessário que se
adotem medidas no sentido de devolver às Polícias o prestígio e a auto-estima, de
modo a reaparelhá-las, pagar-lhes melhores salários e mantê-las nas ruas, a fim de
que se possa proporcionar a segurança almejada pela população.
Dessa forma, pode-se afirmar que, caso seja extremamente necessário o
emprego das Forças Armadas em conflitos internos, principalmente em combate ao
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crime organizado, tal situação deve ser muito bem estudada e planejada,
considerando não só a amplitude de emprego dos armamentos em relação aos
objetivos que se pretende alcançar, como também as conseqüências da ação,
perante a opinião pública. As Forças Armadas não podem ser desgastadas em
ações nas quais não possam utilizar a sua capacidade de chegar e decidir.
Com relação ao serviço militar, têm sido freqüentes no âmbito da nossa
sociedade os debates que envolvem variados questionamentos sobre a
obrigatoriedade de atendimento a esse dever cívico. É oportuno, portanto, que
sejam relevados alguns aspectos particulares sobre o tema, para o seu melhor
entendimento.
A obrigatoriedade do serviço militar é adotada em dois terços dos países que
possuem Forças Armadas organizadas, sendo realizado em períodos que variam de
quatro meses, em Portugal, a dois ou três anos, na Bulgária. Na Alemanha, por
exemplo, a partir de 1994, o serviço militar continuou sendo de doze meses e
constituído por 10% de voluntários, 20% de profissionais e 70% dos advindos da
conscrição obrigatória. Há alguns anos, os Estados Unidos da América do Norte
vêm adotando o serviço militar voluntário em tempo de paz. Os Estados Unidos da
América precisam manter um contingente de milhões de homens, permanentemente
mobilizados, nos três setores das Forças Armadas, presentes em várias partes do
mundo. Esse sistema trouxe uma grande diferença entre o que percebia um
conscrito norte-americano no tempo de serviço obrigatório e o que percebe o atual
soldado profissional.
Na América Latina, dez países observam o serviço militar obrigatório por um
período de 12 a 24 meses. Porém, em Cuba, é de 36 meses. Quatro países seguem
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o critério misto, isto é, há os voluntários e o número é completado por uma
conscrição parcial. Somente Uruguai, Argentina, Guiana e Suriname adotam
exclusivamente a forma de voluntariado. No Brasil, tomando-se por base jovens da
classe de 1982, por exemplo, selecionados para prestar o serviço militar em 2001, a
Marinha, o Exército e a Força Aérea incorporaram 5,54% do total de 1 milhão e 553
mil jovens alistados. A Força Aérea atingiu cerca de 14% dos seus alistados. Vale
ressaltar que, dos chamados a servir nas nossas Forças, a grande maioria é de
voluntários.
O princípio da obrigatoriedade do serviço militar no Brasil acha-se consagrado
em sua história e vem atendendo às necessidades e peculiaridades de sua defesa,
que dispõe de Forças Armadas muito modestas se comparadas com o restante das
nações. Para a vigilância do espaço aéreo e das fronteiras terrestres e marítimas e
para o cumprimento de suas complexas missões específicas, as Forças Armadas
brasileiras dispõem de efetivo irrisório, se comparado com sua população e seu
território. Um velho chefe já dizia que todos nós da ativa caberíamos, um pouco
apertados, evidentemente, no estádio do Maracanã.
Possuindo um dos maiores PIBs do mundo, o Brasil tem empenhado na
defesa menos que 0,50% desse produto. É um dos que menos gastam, em
percentuais do PIB, em defesa. O serviço militar obrigatório no Brasil está voltado
para a formação de reservas. A cada ano, uma classe de jovens a ele se incorpora,
enquanto outra, atingindo a idade de 45 anos, deixa de ter obrigações para com o
serviço militar. Essa sucessividade permite que, em qualquer tempo, se disponha de
um contingente tão homogêneo quanto possível, capaz de, em curto espaço de
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tempo, atender aos interesses da defesa e às exigências dos conflitos modernos de
grande ou de pequena intensidade.
Os militares dos quadros permanentes, altamente capacitados, aplicados na
instituição, garantem a ampliação dos efetivos e da operacionalidade das Forças, na
medida em que a situação de emergência venha se delineando em ato de
beligerância.
Atualmente, a defesa se baseia em equipamentos sofisticados que devem ser
operados por homens com elevada capacidade intelectual e preparação técnica. O
sistema de voluntários, para que possa absorver os mais capazes física, moral e
intelectualmente, necessitaria de incentivos e recompensas reais, além de colocar
as Forças à mercê das variações do mercado de trabalho, cada vez mais exigente,
bem como geraria custos muitas vezes maior para o já combalido orçamento da
defesa.
A obrigatoriedade do serviço militar atinge também os estudantes de
Medicina, Odontologia, Farmácia e Veterinária, que podem ter suas incorporações
adiadas e vir, depois de formados, a prestar serviços como oficiais convocados nas
organizações militares. Esses profissionais, além de prestarem valioso serviço ao
País, auferem significativa experiência em suas carreiras.
A renovação de grande parcela dos efetivos das Forças Armadas é deveras
importante, pois impede que venha ocorrer perigoso distanciamento em relação à
sociedade brasileira, devendo estar integrados como um dos seus segmentos e
absolutamente subordinados à vontade nacional.
Outrossim, a participação da mulher na defesa nacional, incluída na estrutura
permanente das Forças Armadas como profissional de carreira, é desejável e deve
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ser mantida para grande número de funções. Entretanto, a obrigatoriedade do
serviço militar das mulheres em tempo de paz seria um contra-senso, na medida em
que percentual ínfimo de brasileiros são incorporados todos os semestres e se
perderia a desejável homogeneidade dos efetivos da reserva de guerra.
Finalmente, as seguintes razões — compiladas de uma variedade de fontes
— são favoráveis à manutenção da obrigatoriedade do serviço militar:
- é mais democrático, porque é universal;
- o universo de escolha é mais amplo;
- há menor custo de manutenção dos efetivos;
- na manutenção de efetivos completos nas organizações militares, o
contingente incorporado é pequeno;
- o modelo é adotado em dois terços dos países com Forças Armadas
organizadas;
- possibilita a formação de reservas mobilizáveis;
- a maioria da opinião pública é favorável;
- permite a integração das Forças Armadas com a população;
- o rodízio anual dos contingentes aproxima a população das Forças
Armadas;
- há maior representatividade geográfica, étnica, social e religiosa, evitando
a regionalização; e
- no serviço militar ocorre a socialização do jovem, o desenvolvimento de
valores morais e o estímulo ao respeito às leis e às instituições.
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Assim, os argumentos ora apresentados evidenciam que o serviço militar
obrigatório, nos moldes como o adotado no Brasil, atende de maneira geral aos
interesses individuais e às necessidades da defesa nacional.
Vou falar um pouco da Força Aérea Brasileira.
Faz-se necessário, antes, uma descrição sucinta do cenário geopolítico em
que ela se encontra inserida. Os conflitos localizados que ocorrem na atualidade em
quase todos os continentes, o recrudescimento de extremismos étnicos,
nacionalistas e religiosos, bem como o fenômeno da fragmentação observado em
diversos países, tornam evidente o fato de que continuam a ter relevância conceitos
tradicionais como soberania, integridade do território e identidade nacional.
O quadro de incertezas que marca o atual contexto mundial impõe que a
defesa continue a merecer o cuidado dos governos nacionais e que a expressão
militar permaneça de importância capital para a sobrevivência dos Estados,
comunidades independentes. Nesse contexto, identifica-se a necessidade de um
perfeito planejamento baseado na antevisão do possível emprego das Forças
Armadas em determinada situação ou área de interesse estratégico para a defesa
nacional.
O Brasil é o maior país do continente sul-americano e o quinto maior do
planeta. Possui uma área de 8 milhões e 547 mil quilômetros quadrados, um litoral
com extensão de 7 mil e 367 quilômetros, uma fronteira seca com 15 mil e 719
quilômetros e diferentes regiões internas — amazônica, atlântica, platina e a do
Cone Sul —, fazendo fronteira com dez dos outros doze países do continente.
Possui a maior floresta tropical do mundo, correspondendo a 51% do território
brasileiro. Abriga o maior rio, portador de 20% de toda a água doce existente, sendo
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11% em condições de consumo humano, e as maiores flora e fauna e biodiversidade
do planeta.
Em contrapartida a esses aspectos, estima-se que, do início do século XX até
os dias de hoje, a população mundial cresceu em torno de vinte vezes, o consumo
de combustível aumentou cerca de trinta vezes e a produção industrial se elevou em
aproximadamente cinqüenta vezes. Grande parte desse crescimento ocorreu a partir
dos anos 50. E, da forma como se processou, foi o grande responsável pelo
comprometimento do meio ambiente em todo o planeta. Tais fatos trazem um
impacto altamente preocupante em relação a seus recursos, devido ao atual modelo
de desenvolvimento. Sua insustentabilidade é responsável pela exaustão das
florestas, extinção de espécies animais e vegetais, poluição das águas potáveis e
outras tantas agressões ao meio ambiente.
A introdução do conceito de desenvolvimento sustentável no bojo da nova
ordem econômica mundial representa um grande desafio para a humanidade,
porquanto afetará muitos interesses. Além disso, implicará profundas mudanças no
modelo de desenvolvimento da sociedade para que o crescimento econômico seja
menos intensivo no consumo de matérias-primas e energia e mais eqüitativo na
distribuição dos seus resultados para a população.
No âmbito da ONU, já existem vozes pregando a legitimidade da ingerência
das nações em nome da preservação do meio ambiente. É política dos Estados
Unidos da América o uso da força sempre que os interesses americanos forem
ameaçados. O indevido uso do meio ambiente pode ser um deles. Será aceitável
que as nações devam ter suas forças armadas sucumbidas ante as políticas
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externas dos mais fortes, normalmente divergentes dos nossos interesses
nacionais?
A América do Sul, distante dos focos mundiais de tensão, é considerada a
região mais desmilitarizada do mundo. A redemocratização ocorrida no continente
tende a reduzir a probabilidade de ocorrência de conflitos. Na América do Sul, as
prioridades nas áreas social e de infra-estrutura têm sido apresentadas como
argumentos por setores que defendem a redução dos gastos militares. Nesse
contexto, a grande e fundamental questão paira sobre a antevisão do futuro,
quando, então, a defesa nacional ocupará espaço legítimo em prol da própria
segurança e sobrevivência do País.
Contudo, a suposta ausência, hoje, de ameaças externas não significa que
não existam de fato, ou que não venham a materializar-se de forma mais evidente
no futuro. Enquanto não se delinear uma ordem mundial menos incerta, a maioria
das nações, inclusive as mais armadas, tenderá a manter uma atitude de prudência
na reformulação de suas organizações de defesa. De acordo com a proposta da
nova estratégia militar de defesa, a indefinição de ameaças, a multiplicidade de
missões e formas de atuação, os variados níveis de intensidade dos conflitos e os
diversificados ambientes operacionais caracterizam um quadro de incerteza e
imprevisibilidade e impõem que as Forças Armadas se mantenham em condições de
atender permanentemente a qualquer das hipóteses de emprego, ao considerar-se
as vulnerabilidades estratégicas do País, os interesses nacionais, os compromissos
internacionais do Brasil e a conjuntura internacional.
A Força Aérea Brasileira, explorando ao máximo suas características de
velocidade, mobilidade, flexibilidade, penetração e alcance, para atender a todas as
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hipóteses de emprego, deverá manter-se em condições de atuar em pronta defesa a
partir de qualquer parte do território, devendo estar preparada para a transição
desde o tempo de paz até possível situação de conflito. O dimensionamento
quantitativo e qualitativo da Força Aérea deverá ser buscado permanentemente, a
fim de que possa refletir poder dissuasório condizente com a estatura
político-econômica do País, a evolução da conjuntura e a percepção de possíveis
ameaças. A concepção de que a FAB deve ser estruturada de maneira a atuar em
todas as hipóteses de emprego com uma força de pronta defesa a obriga a possuir
uma infra-estrutura logística desdobrável, aerotransportável e com elevada
capacidade de autodefesa.
Todavia, em que pese ao grande potencial de emprego que possui, resultante
das suas características peculiares, do imensurável valor profissional, da coragem e
do idealismo dos homens e mulheres que a integram, a Força Aérea tem enfrentado
sérias dificuldades orçamentárias para o exercício de sua destinação constitucional.
Desconsiderados os recursos gastos em pagamento de pessoal e encargos sociais,
tem-lhe restado apenas 0,19% do PIB para manutenção e desenvolvimento das
suas organizações. Encontram-se seriamente prejudicados a disponibilidade de
seus meios aéreos e o treinamento de suas tripulações. O seu acervo operacional,
que na década de 70 contava com 1.866 aeronaves, não ultrapassa hoje 750
obsoletas unidades, com uma agravante: cerca de 45% destas encontram-se
indisponíveis para o vôo, em decorrência da falta de recursos para a aquisição de
suprimento, cujos estoques estão abaixo dos níveis aceitáveis. Além disso, são
restritas ainda as horas de vôo disponíveis, por falta de recursos para a aquisição de
combustíveis e lubrificantes.
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Perpetua-se, dessa forma, o grande desafio para o inteiro cumprimento da
sua missão, que pode ser compreendida desde os programas de formação e
adestramento de seu pessoal em todos os campos de atuação até a realização dos
imprescindíveis exercícios operacionais, com vistas ao preparo e emprego dos seus
meios para o cumprimento da sua atividade-fim: a defesa aérea realizada
diuturnamente, em permanente vigilância, assegurando ao País o exercício da sua
soberania sobre o espaço aéreo brasileiro.
Srs. Deputados, muitos pensam que, quando falo em defesa aérea, em
missões de interceptação, refiro-me apenas às missões ou treinamentos para
interceptações e missões de guerra. Que prazer eu tenho cada vez que vejo nossas
tripulações decolarem em condições meteorológicas adversas, altas horas da noite,
para conduzir a um porto seguro, tal qual um bom pastor, alguém que esteja
perdido, sem energia, absolutamente cego, surdo e mudo, precisando de um apoio
para chegar ao solo! Quantas missões dessas realizamos rotineiramente, sem que a
sociedade saiba!
O apoio operacional à Marinha do Brasil e ao Exército brasileiro é aquilo de
que precisamos para garantir a manutenção e a tranqüilidade do general Gleuber no
apoio a todas as famílias espalhadas pelas nossas fronteiras, dependentes do nosso
avião.
E a Marinha do Brasil nas idas à estação na Antártida? Nossas idas à Europa
e a outros continentes, como as para levar as tropas brasileiras ao Timor e trazê-las
de lá, são exemplos de missões que temos a responsabilidade de manter bem
apoiadas e preservadas.
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Compromissos internacionais com busca e salvamento relativos a sinistros
aéreos em território nacional e sinistros aéreos e marítimos no Oceano Atlântico,
desde o nosso litoral até o Meridiano 10. Sabem os senhores e as senhoras onde
está localizado o Meridiano 10? Muitos integrantes da sociedade pensam que a
responsabilidade da Força Aérea ou da Marinha do Brasil termina logo ali, a cerca
de 200 milhas, na plataforma. Não. Neste ano ainda, a Força Aérea teve a
satisfação e o orgulho de fazer um resgate de tripulações e passageiros de dois
barcos que naufragaram perto do Meridiano 10 — cerca de dez, doze horas de vôo
do nosso C-130, por não termos ainda avião de patrulha. Com certeza, vamos ter
em breve, se a sociedade assim concordar. Mas, pela responsabilidade que temos
por imensa área do nosso oceano, os nossos C-130 lançaram botes salva-vidas.
Felizmente, os náufragos foram recolhidos nas duas situações por barcos que
passavam por perto, que foram orientados para o salvamento pelo nosso avião.
Diversas missões de transporte de pessoal e de material, em apoio às vítimas
de calamidades públicas, tais como enchentes e incêndios, ocorrem anualmente.
O plano de apoio à Amazônia é atividade permanente e essencial para aquela
região, implementado por intermédio de transporte aéreo e apoio a órgãos do
Governo, notadamente o Ministério da Saúde, nas freqüentes campanhas de
vacinação e combate às epidemias nas regiões carentes.
Essa é a nossa Força Aérea, Srs. Deputados, que gostaríamos de ter
preservada, com horas de vôo suficientes, estoque nas prateleiras suficiente para
jamais negar uma missão pedida pela Câmara dos Deputados para levar Comissões
Parlamentares de Inquérito aonde quer que seja, ou para resolver um conflito, como
há dez dias ocorreu na região do Cachimbo, situações em que temos de estar
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disponíveis. Em ocasiões como essas, temos de levar de imediato a nossa Polícia
Federal. Também por esses motivos costumo chamar a FAB de força aerossocial
brasileira.
Sensibilizado por essa grave situação, o Presidente da República aprovou,
em 13 de julho de 2001, o Programa de Fortalecimento do Controle do Espaço
Aéreo Brasileiro, que prevê o comprometimento de recursos da ordem de 3 bilhões
de dólares, destinados a superar parte das carências hoje existentes, que têm sido
motivo das sérias limitações para que a Força cumpra sua missão na plenitude
desejada para com sua destinação constitucional.
Alguns projetos já se encontram em andamento. Tenho dito e repito que
seríamos muito mais eficientes e menos onerosos se trocássemos as 750 aeronaves
existentes por apenas 300 novas. Todavia, duros contingenciamentos impostos no
presente momento têm dificultado a realização do plano na cadência ideal, além de
não permitirem a recuperação da capacidade operacional da Força.
Desejo finalizar minha participação neste encontro fazendo justa menção à
exemplar dedicação profissional de todos aqueles que deram de si no árduo e
dignificante trabalho que resultou na recente inauguração do acalentado Sistema de
Vigilância da Amazônia.
Ao atingir a completa implementação em 2003, o SIVAM possibilitará ao
Brasil efetivo controle do espaço aéreo amazônico. A Força Aérea Brasileira verá
aumentadas, assim, a presença e a capacidade operacional em área de inestimável
valor estratégico para o País. As medidas de policiamento do espaço aéreo
alcançarão maior efetividade contra a prática de vôos clandestinos, irregulares ou
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ilícitos. O monitoramento das reservas florestais e minerais assegurará maior
efetividade de controle.
Alentado por essa perspectiva, gostaria de repetir minhas primeiras palavras,
de confiança nos homens e no futuro do nosso País. Relembro mais uma vez que os
compromissos que a Força Aérea Brasileira tem com o Brasil serão sempre o
objetivo permanente de nossa causa, no cumprimento da nossa missão.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Neiva Moreira) - Agradeço ao brigadeiro
Carlos Baptista a oportuna e importante contribuição a este seminário.
Convido o almirante Chagasteles e o general Gleuber para recompor a Mesa
e participar da próxima etapa, que será de perguntas.
É minha opinião — e penso que também dos Deputados que aqui se
encontram e do Presidente da Comissão — que a contribuição trazida pelos três
conferencistas a todos nós é de enorme importância não apenas para que
possamos analisar com mais propriedade todos os problemas que se relacionam
com a defesa nacional que aqui chegam, mas sobretudo pelas advertências feitas.
Não se podem adiar, não se podem mais evitar as soluções que devem ser
tomadas para resolver problemas intimamente ligados não apenas à defesa
nacional, mas ao desenvolvimento e à soberania do País.
Agradeço aos conferencistas a brilhante cooperação que acabam de dar a
este seminário.
Vamos passar às perguntas. O nosso Secretário está recolhendo as questões
formuladas. (Pausa.)
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Teremos de divulgar amplamente as opiniões e os dados expostos, pois são
impactantes. Não tenho a menor dúvida de que, a partir de agora, estaremos
armados para análise mais correta, séria, justa e imediata dos problemas aqui
suscitados.
O SR. SÉRGIO CHAGASTELES – A pergunta gira em torno da aviação
brasileira, em particular do novo porta-aviões São Paulo: “Qual é a perspectiva de
aplicação desta força dentro dos desígnios da Marinha? Não seria uma força naval
algo dispendioso demais, de utilidade por demais discutível para um país como o
nosso? Que lugar teria tal instrumento de proteção de fronteira numa nação que se
rege pelo princípio da não-intervenção? Não seria a aviação naval um sumidouro de
recursos, que melhor seriam aplicados em projetos mais vitais para o EB e com
maiores possibilidades de participação da indústria nacional, como o do submarino
nuclear?”
O planejamento estratégico da Marinha leva em conta a necessidade de
termos uma capacidade aérea de defesa de força naval quando defendendo os
interesses nacionais não só na área e no que diz respeito a uma linha de
comunicação marítima vital para o Brasil, mas também nas águas jurisdicionais
brasileiras.
Nossas águas vão a 200 milhas de zona econômica exclusiva, e, em algumas
regiões, já terminado o levantamento da plataforma continental, temos interesses
indo até a cerca de 350 milhas.
A Marinha sentia sempre dificuldade, porque, quando suas forças operavam
sem a proteção de aviação e em qualquer exercício feito com oponentes fictícios,
era sempre alvo de reconhecimento inimigo, não podendo tomar nenhuma medida
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contra isso. Julgada absolutamente necessária no nosso planejamento estratégico,
optou-se por fazer essa despesa e se estabelecer a nossa capacidade de operar
uma força naval nucleada em navio aeródromo, porta-aviões, com aviação de asa
fixa embarcada.
O porta-aviões, como os senhores sabem, foi uma venda de ocasião —
custou 12 milhões de dólares —, e os aviões que compramos do Kuwait também.
Realmente, teríamos de ponderar se haveria projetos mais interessantes ou
mais baratos do que os que conseguimos com os aviões e o porta-aviões.
O SR. COORDENADOR (Deputado Neiva Moreira) – Com a palavra o
general Gleuber.
O SR. GLEUBER VIEIRA – Tenho três perguntas a fazer, e uma delas é
sobre o serviço militar. Realmente, eu poderia estender-me e ficar falando até
amanhã, de modo que preciso sintetizar.
Esta pergunta não está assinada, mas uma parte é a seguinte: “A insistência
do Exército em defender a manutenção do serviço militar obrigatório — exército de
conscritos — seria uma postura retrógrada, dentro de um ideal romântico e
anacrônico de que o EB teria a função de formar o cidadão brasileiro?”
Não, o Exército não tem essa pretensão. Ele quer unicamente colaborar
nesse sentido. Possivelmente, quem perguntou tem muito pouca vivência de
Exército e de Brasil. Uma coisa que emociona e comove a todos que trabalham na
tropa é ver como chega um jovem sem hábito de escovar dentes, de pentear os
cabelos, sem preocupação com limpeza e higiene, analfabeto ou perto disso e como
sai depois de um ano de trabalho, reclamando quando o subtenente não troca a
roupa de cama, porque a quer limpa, com hábitos de organização — basta olhar o
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seu armário quando ele chega e quando sai. E também as manifestações, as mais
importantes, dos familiares reconhecendo o filho que entregaram e o filho que
receberam. Isso me dá convicção para discordar frontalmente de quem fez a
pergunta. Mas acredito que a falta de vivência não lhe tenha proporcionado as
emoções e satisfações que vivemos no trato com o soldado.
Pergunta também se não seria isso incompatível com a constituição de um
exército operacional.
E eu pergunto se há lembrança recente de um fracasso do Exército com os
conscritos em missão operacional.
Há funções que podem perfeitamente, na atividade-meio sobretudo, ser
desempenhadas pelos conscritos. Evidentemente, quem perguntou não tem
obrigação de saber que as forças empregadas na dissuasão — e há outro tópico
que fala sobre isso — são todas profissionais. Há poucos conscritos apenas em
atividades-meio de guarnição do quartel e permanência nele quando a força é
empregada, mas as forças de ação rápida, sejam estratégicas, sejam regionais, são
100% operacionais e profissionais. E é onde ainda mantemos o nosso esforço, de
acordo com as limitações de recursos, para manter um nível mínimo de
equipamentos e de satisfação profissional para os que integram essa Força.
Desse modo, há diferença capital de pontos de vista e de premissas entre
quem perguntou e a posição do Exército. Eu me estenderia em outras razões para o
serviço militar regional, além daquelas que apontei, das implicações sociais, mas
mostro, por exemplo, que o custo de manutenção de um soldado engajado é 320%
mais caro que o de um soldado recruta; um cabo engajado é 620% mais caro que
um soldado recruta. E as razões são: primeiro, pela remuneração básica; segundo,
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pela indenização que se dá ao engajado quando licenciado e que não se dá para o
conscrito; terceiro, pela apropriação dos custos da assistência hospitalar; quarto,
porque traz dependentes consigo, que também têm de ser assistidos; quinto,
porque, depois de certo tempo, ele passa a fazer parte do sistema previdenciário
dos militares, com direito a proventos quando se afasta. São razões importantes e
que temos de considerar na conjuntura em que estamos vivendo. Não podemos
ignorá-las.
O brigadeiro Baptista aduziu outras razões, e aí têm os senhores a variação
do custo do recruta e do engajado. E por que vou ter nas costas o peso de um
soldado engajado para funções de atividade-meio, que podem ser perfeitamente
desempenhadas por um recruta bem instruído, além das implicações sociais a que
me referi? Assim, por todas essas razões, sustento a posição, embora respeite as
radicais premissas de quem perguntou.
Há outra pergunta sobre serviço militar, em contrapartida, até mesmo
apoiando essa solução — não a entendi bem: “Seria mais importante que a
empregabilidade desses mesmos conscritos, excluídos que são do mercado pelo
serviço militar obrigatório?”
É verdade, mas a grande maioria está tendo emprego no serviço militar
obrigatório. É justamente o inverso do que ocorre hoje. E diga-se também que esse
indivíduo, ainda que venha de um emprego que teve de abandonar ou que o
empregador não reconheça, não recebendo-o no seu retorno, certamente vai
adquirir habilitações profissionais que o colocarão em melhores condições no
retorno ao mercado de trabalho. E é por essa razão que posso afirmar que, na
última incorporação no Exército, tivemos 96% de voluntários. E os 4% que não o
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eram foram por imposição nossa, para preencher cargos que exigem certo grau de
habilitação. Então, tivemos de buscar em outro perfil, além dos que foram
voluntários.
A última pergunta refere-se à minha afirmação de que graves decisões terão
que ser tomadas diante de restrições de orçamento: “Que tipo de decisões, redução
de unidades efetivas, em que proporções, em que regiões?"
Primeiro, é prematuro dizer. Dependeria do vulto dos cortes e das limitações.
Segundo, não se trataria disso num foro ostensivo como este. Teria de ser algo
reservado, nas Comissões compatíveis do Congresso. Mas, certamente, teria de
envolver redução de efetivos e extinção ou desativação de unidades.
Diz também que se chegou ao extremo da racionalização e que se poderia
dar exemplos, além da dispensa de recrutas.
Na verdade, não foram coisas pontuais desse momento. Constituem um
processo de racionalização em curso desde 1994, 1995, ou seja, desde que se
começaram a perceber as limitações orçamentárias, sobretudo no campo da
racionalização administrativa, com habilidades para juntar atividades-meio comuns,
enxugamento de efetivos por reatribuição de encargos, uma série de medidas de
racionalização na área administrativa, sobretudo. E racionalização também na área
operacional, no adestramento, substituindo o emprego de munição por simuladores
ou até por meios de fortuna que nosso pessoal tenha imaginação para inventar, para
superar as limitações de combustível e munição.
Pergunta também como é, em linhas gerais, o novo e modernizado Exército
brasileiro. Sempre me pergunto isso. É uma resposta difícil, até porque essa
evolução, essa dinâmica de conjunturas às vezes faz obsoleta uma opinião de hoje
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tratada daqui a um ano. Há que se ter enfoque bem dinâmico, que permita
flexibilização organizacional e constante adaptação.
Em linhas gerais, como eu disse, seria uma diminuição da presença do
Exército em todo o território, concentrando, em determinadas áreas, forças de
dissuasão de âmbito estratégico — já as temos, apenas as desenvolveríamos — e
outras comissões mais de fundo territorial e de garantia da lei e da ordem, com focos
e dispositivos voltados para as necessidades regionais, com ênfase especial na
agregação de novos níveis de tecnologia.
Esse seria o ponto básico da modernização do Exército. Eu trocaria,
tranqüilamente, quantidade por qualidade, desde que eu tivesse certeza de que o
que eu economizasse em quantidade reverteria em algo para aumentar a qualidade,
sem o que não faço negócio.
Perguntaram-me por último: “Que tipo de ação o Exército visa desenvolver na
Amazônia, diante do crescimento da guerra civil na Colômbia? E tem havido
combates nos postos de fronteira?”
Não tem havido combates. Até o momento, o recrudescimento, o plano
Colômbia, a mudança de governo não mudaram o perfil do comportamento das
FARC na nossa fronteira. Por conseguinte, a nossa estratégia continua a mesma:
vigilância permanente e ativa, patrulhamento constante, interligação entre os postos
de fronteira, intercâmbio com as forças legais da Colômbia, da Venezuela, do Peru e
do Equador.
Não há mudança de atuação do Exército em nossa fronteira.
O SR. COORDENADOR (Deputado Neiva Moreira) – Muito obrigado, general.
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Passo a palavra ao brigadeiro Carlos de Almeida Baptista, Comandante da
Aeronáutica, para as devidas respostas.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA – Antes de responder à pergunta a
mim dirigida, permito-me fazer uma intromissão para complementar o que disse o
general Gleuber, até porque toquei um pouco mais no problema do serviço militar
obrigatório — eu sabia que seria muito bem defendido pelo Comandante do
Exército.
Impressionam-me muito as cartas que, rotineiramente, recebo. Antes de vir
para cá, o meu assistente me mostrou umas vinte delas e me perguntou se eu sabia
do que se tratava. Eu disse que não sabia. Eu pedi ao oficial que me assessorou
nesse trabalho que reservasse alguns pedidos para admitirmos filhos e netos no
serviço militar. Hoje mesmo, recebi uma correspondência de um cabo que serviu na
base aérea de Campo dos Afonsos e que circula muito no Superior Tribunal Militar,
pedindo a minha interferência — como deve acontecer com o general Gleuber e com
o almirante Chagasteles — para realizar o sonho do seu neto de servir naquela
mesma base. O serviço militar obrigatório não é mais desejo. É sonho de muitos
jovens e de muitas famílias brasileiras.
Hoje, não há pedido de dispensa de incorporação, mas para incorporar.
Certamente, há razões de mercado de trabalho, mas também a confiança de que o
indivíduo será bem recebido, bem tratado e criará habilitações para a sua vida
posterior.
Perguntaram-me: “Não resta dúvida de que a preocupação do antigo
Ministério da Aeronáutica, criado em 1941, nunca foi o desenvolvimento da
capacidade de combate aéreo”.
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Aqui abro um parêntese. Permito-me discordar de quem elaborou esta
pergunta. Na verdade, foi. O Ministério da Aeronáutica é resultante da fusão da
aviação, do Exército e da Marinha, baseados praticamente nos correios aeromilitar e
aeronaval. Um fazendo as linhas pelo litoral, aproximando os povos mais escondidos
do governo do País, e o outro tentando sair daquele Campo dos Afonsos, em 1931,
naquela histórica missão de levar a primeira correspondência para o prédio dos
correios, em São Paulo, entregue à meia-noite. Essa missão me emocionou muito,
porque eu tive a oportunidade de ouvir do marechal Casemiro Montenegro como
aconteceu a inauguração do correio aeropostal no Brasil.
A Força Aérea Brasileira foi batizada na 2ª Guerra Mundial com a operação
da Força Expedicionária, e nós, no primeiro grupo de caça, operamos na campanha
do Mediterrâneo, ao lado das forças aliadas. Em 1945, chegamos impregnados do
sentimento de lutar pelo Brasil, o que me levou, jovem sonhador de apenas 15 anos,
à vocação de entrar no grupo de caça, a fim de verter meu sangue por este imenso
País. Criado o Ministério da Aeronáutica, de repente, deram-nos as atribuições
subsidiárias.
Aí vem o restante da pergunta: “A doutrina do poder aeroespacial unificado
não seria prejudicial à operacionalidade da Força, na medida em que implica a
diluição dos parcos recursos em tarefas que não teriam caráter eminentemente
militar?”
Sim, mas o que aconteceu? Em todas as palestras, costumo dizer que eu fui
descobrindo aos poucos que mais do que entrar para a Força Aérea Brasileira eu
estava entrando para uma grande empresa. Esse sentimento foi ficando cada vez
mais fixado na minha consciência. Hoje, reconheço que sou obrigado a fazer mais
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por essa gente que recebeu as atribuições subsidiárias para desenvolver a aviação
civil. Como as indústrias, especialmente as do Vale do Paraíba, vão encontrar os
jovens formados no ITA — Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que está formando
mais de 4 mil alunos? Para a FAB não ficaram mais do que cem. Todos os outros
tiveram grande sucesso nas atividades ligadas à indústria aeronáutica e
aeroespacial do País, orgulho para todos nós.
Por que nos atribuíram isso? Não havia mais ninguém para desenvolver a
aviação civil? Por que, em determinado momento, tivemos de desenvolver a
INFRAERO — Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária? Os 67
aeroportos, que dão faturamento fabuloso para a INFRAERO, há até pouco tempo
eram por nós administrados. Hoje, além de administrarmos mais de 300 aeródromos
espalhados por este País, temos a incumbência de administrar com dificuldade os
que não dão lucro, até se transformarem em aeródromos lucrativos. Então, ou passa
para o Município ou para o Estado ou, se for muito lucrativo, para a INFRAERO,
transformando-se num grande centro de negócios, em vez de simplesmente num
aeroporto.
Nós criamos a CELMA, companhia que faz a revisão de vários tipos de
motores para todas as empresas no mundo. Foram os nossos homens que
receberam a tarefa subsidiária de desenvolver a proteção ao vôo. Agora,
completando com o SIVAM/SIPAM, 15 mil militares estão espalhados no Brasil
operando radares, proporcionando segurança ao tráfego, apesar dos escassos
recursos colocados à disposição da modernização dos nossos meios de
comunicação.
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Fomos nós que ajudamos o Exército, adentrando o interior do País, levando
desenvolvimento, remédios e socorro. De vez em quando, recebo pedidos
suplementares para transportar equipes de cinegrafistas a eventos. Há grave
concorrência com aqueles que compram helicóptero, que estão em Brasília à
disposição e ganham pouco. Mas é a Força Aérea que faz todas as atividades
aéreas. Em determinado momento, nós temos de chamar tudo isso de poder aéreo
unificado.
Hoje, o nosso glorioso Exército, assim como a Marinha, têm os seus meios
aéreos, e nós estamos desvinculados dessas atribuições subsidiárias, voltando-nos
para a Força. Lamentavelmente, não foi em função disso que tudo se deu, mas com
outros tipos de recursos, fundos aeronáuticos, fundos aeroviários. Não foi por causa
disso, embora cause grave problema no nosso orçamento. E é hora de eu falar a
respeito. Desculpem-me por abusar um pouco da paciência dos Srs. Deputados,
mas não falei do meu orçamento, que talvez seja o mais prejudicado, porque todos
esses fundos aeronáuticos e aeroviários são orçamentados dentro do meu.
Meu orçamento, igual ao do Exército e ao da Marinha, tirando esse
pagamento de pessoal e também as verbas do projeto, já está um pouco mais
elevado, por conter quantidade de recursos em reais adequados ao projeto de
fortalecimento que está sendo desenvolvido. À medida que um projeto dessa
natureza começa, entra no meu orçamento uma quantidade de reais para fazer face
aos dólares do financiamento externo. O problema é que, de uns anos para cá,
esses fundos entraram no meu orçamento. Então, como um deles tem cerca de 1
bilhão, se orçamentarmos a quantidade de tarifas e adicionais que recolhemos para
prover os serviços de proteção ao vôo, modernização dos radares, dinheiro para
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aviação civil, a cada real que entrar sairá um da Força Aérea, e acabaremos ficando
sufocados.
Antigamente, há mais de dez anos, esses fundos não eram orçamentados.
Isso fez com que os Ministros anteriores pudessem desenvolver o Dacta 1, o Dacta
2 e o Dacta 3, feitos com esse tipo de recursos. Depois orçamentaram. E agora?
Como manter? E o apelo que tenho feito às autoridades do Governo — o Sr.
Presidente e o Sr. Ministro sabem disso, porque venho falando do assunto há mais
de dois anos — é para que o próximo orçamento volte ao que era, sem
orçamentação dos recursos oriundos dos fundos. Desse modo, a Força Aérea pode
respirar e talvez assim não precise dos vultosos recursos orçamentários para se
manter, para operar e cumprir a missão que a sociedade lhe impõe em termos de
defesa e segurança nacional. Essa foi a segunda pergunta.
Outra pergunta é: “A FAB vai alugar aviões para fazer a segurança das
fronteiras? Existe alguma estimativa de vôos ilícitos ou suspeitos no País?”
Sr. Presidente, isso tem sido muito divulgado. A quantidade de vôos ilícitos
que temos no País é enorme. Todos têm acompanhado o problema da famosa Lei
do Abate. Nós, da Força Aérea, não falamos mais do assunto. Cumprimos nossa
obrigação de interceptar, identificar o avião, perguntar ao órgão controlador e saber
na hora se aquele é um vôo ilícito, que, provavelmente, transporta drogas e armas
contrabandeadas. Mas nada podemos fazer.
Não critico o fato de a lei não estar regulamentada. Foge ao meu alcance
fazê-lo. Se ainda não o foi, é porque algum motivo muito imperioso deve existir. Sei
que a Comissão está reunida para tratar do assunto. Vamos esperar até o dia em
que pudermos impedir que esses aviões continuem circulando no nosso espaço
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aéreo e transportando as mercadorias citadas, o que, na minha opinião, é a causa
da deterioração de nossa sociedade.
Quanto à alegação de a FAB alugar aviões para fazer a segurança, preciso
fazer um esclarecimento. Ainda há pouco, eu estava ao lado do Ministro da Defesa,
durante entrevista que S.Exa. concedeu. É até muito bom falar disso, porque estou
certo de que todos os presentes ligados ao sistema militar, às Forças Armadas
estariam curiosos para saber o que aconteceu em relação ao artigo da revista
ISTOÉ desse final de semana. Esta é minha oportunidade de lhes dizer que eu não
tinha nenhuma contração a mais com esse problema de numa semana alguém
eleger o avião russo, na outra o avião americano, por pressão americana, em
seguida, um francês. Eu não respondia nunca. E dessa vez, quando elegeram o
sueco, também não respondi. Não cabe responder a essa pergunta.
Um jornalista, a quem inclusive eu dava muito crédito, apesar de muitas
pessoas nesta República me alertarem para ter cuidado com ele, alegava que — há
dois anos e meio converso com ele e jamais... O General Gleuber Vieira, inclusive. E
ele usava minha casa, ligava, passava horas conversando com ele. Em dois anos e
meio jamais tive uma decepção. Poucos dias antes da publicação da revista, Sr.
Deputado, ele fez a mesma coisa. Eu lhe disse que não ligasse, que se tratava de
especulação. (Ininteligível.) Não tem americano, não tem nada. Nosso trabalho é
limpo, não tem lobby. A Força Aérea tem uma comissão notável, elogiada por todos
os competidores. Embaixadores, todos elogiam a lisura de nosso processo. Não
haverá pressão sobre nós. A pressão não diz respeito à nossa decisão. Eu dizia
tudo isso a ele. Aí fui surpreendido com essa reportagem, contra a qual terei de
entrar com ação judicial — não sei se criminal ou cível —, porque forjou uma trama.
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Só de uma cabeça doentia poderia sair a idéia de inventar uma reunião do Alto
Comando, que não houve, uma decisão pela qual briguei, documentos que teria
confiscado. Isso não vai ficar assim!
Tenho certeza de que o grupo confia na Força Aérea, mais até do que os
embaixadores. Todos acreditam que estamos fazendo o processo de forma isenta,
limpa. Vai ganhar aquele que os senhores sabem, pelas condições sopradas de
nossos requisitos, transferência de tecnologia, sem limitação para nada, para
armamento; vai vencer quem reunir as melhores condições, na opinião de 57
técnicos, de sargentos, até experientes pilotos de provas, passando pelo
comandante.
Em relação à proposta de leasing, qualquer chefe militar que se preze tem
alternativa para o caso de insucesso de uma solução. Recebi várias propostas de
leasing de aviões tipo F-16, Gripen, Sukhoi — tenho todas catalogadas. Todas
montam a mais de 300 milhões de dólares. E por que são propostas razoáveis?
Porque em Anápolis não existe nada compatível com esses aviões. Mas tem
compatibilidade com essa aeronave, um Mirage modernizado, algo que não
poderíamos ter feito no passado, embora devêssemos tê-lo feito antes. Como não o
fizemos, perdemos o passo. Não compensa mais modernizar. O Kfir é um Mirage
modernizado. Se o tivéssemos hoje, não ficaria preocupado em ter um F-X. Ele
possui excelente radar, sistema de navegação e ataque muito bons — estou
falando do Kfir C10, não do C2 ou C7. Trata-se de uma aeronave que, se aprovada
pelo Presidente e pelo Ministro e ratificada pelo Conselho de Defesa, substituirá
nossos Mirages, que serão desativados até 2006.
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Ocorre que todo esse processo é muito demorado, e, se a situação
orçamentária se agravar ainda mais, aí então será indefinido o tempo necessário
para que tenhamos recursos suficientes a fim de bancar projetos que façam face à
situação. Por tudo o que já passei, imagino que a aeronave que vencer a
concorrência não estará em Anápolis antes de 2007 ou 2008, na melhor das
hipóteses.
E o que fazer? Vamos desativar o grupo, já que em janeiro de 2006 os
Mirages não poderão mais voar? Esse impasse nos levou a pensar uma solução
intermediária. Eu adoraria que o Presidente, sua equipe econômica e o Conselho de
Segurança me tranqüilizassem, garantindo que os novos aviões chegariam até
janeiro de 2006, ou mesmo um ano depois. Isso é tudo o que gostaria de ouvir. A
não ser assim, quando chegar a hora, o Presidente será obrigado a determinar que
o grupo seja desativado e fique à espera do dia em que disporá de equipamento
adequado ao cumprimento da função especial, que é a defesa aérea dessa área
governamental e do complexo industrial que a cerca.
O fato é que quem fez a pergunta que acabo de responder me deu a feliz
oportunidade de dar conhecimento a todos os que aqui estão, pessoas que
entendem de militarismo e de Forças Armadas, dessa dificuldade pela qual a Força
Aérea Brasileira está passando.
Obrigado.
O SR. COORDENADOR (Deputado Neiva Moreira) – Pergunto se algum dos
convidados ainda deseja tecer alguma consideração. (Pausa.)
Gostaria que V.Exas. registrassem na história da Força Aérea que eu, no Alto
Parnaíba, conheci o avião antes de conhecer o caminhão. (Risos.) Tempos depois
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transformei-me em repórter da Aeronáutica e passei a registrar os sacrifícios, os
desastres e as perdas humanas que marcaram a história do Correio Aéreo
Brasileiro.
Muito histórias já se contaram sobre a Força Aérea e o Correio Aéreo
Brasileiro, mas muito ainda falta contar sobre o extraordinário trabalho realizado por
esses pilotos.
Agradeço a presença aos nobres convidados e convoco nova reunião para
amanhã, às 9h, no Plenário 2, quando discutiremos o papel das Forças Armadas na
Sociedade Brasileira.
Está encerrada a presente reunião.