desafios do mundo do trabalho no centro e periferia · fazem parte de um mercado produtivo como...

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Desafios do Mundo do Trabalho no Século XXI e a EJA. Challenges to the World of Work in the XXI Century and adult education. ¹ Prof. Lucimar Bordignon CEEBJA – Profª Maria Deon de Lira [email protected] ² Prof. Sandro Marlus Wambier Universidade Federal do Paraná - UFPR [email protected] Resumo Este trabalho busca discutir a organização da sociedade em que estamos inseridos, a qual se caracteriza pela constante dinâmica em sua estrutura econômica, política e social, bem como as transformações e os desafios impostos ao mundo do trabalho, à medida que essa sociedade vai se estruturando. O método utilizado é o da pesquisa-ação e visa estabelecer uma análise mais abrangente dessa dinâmica na atualidade, a partir de três ações ____________________________________ ¹ Prof. da Rede de Ensino Público do Paraná e participante do Programa de Desenvolvimento da Educação – PDE, no período de 2008/2009. ² Prof. da Universidade Federal do Paraná e orientador deste trabalho.

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Desafios do Mundo do Trabalho no Século XXI e a EJA.

Challenges to the World of Work in the XXI Century and

adult education.

¹ Prof. Lucimar Bordignon

CEEBJA – Profª Maria Deon de Lira

[email protected]

² Prof. Sandro Marlus Wambier

Universidade Federal do Paraná - UFPR

[email protected]

Resumo

Este trabalho busca discutir a organização da sociedade em que estamos

inseridos, a qual se caracteriza pela constante dinâmica em sua estrutura

econômica, política e social, bem como as transformações e os desafios

impostos ao mundo do trabalho, à medida que essa sociedade vai se

estruturando. O método utilizado é o da pesquisa-ação e visa estabelecer uma

análise mais abrangente dessa dinâmica na atualidade, a partir de três ações

____________________________________

¹ Prof. da Rede de Ensino Público do Paraná e participante do Programa de Desenvolvimento da Educação – PDE, no período de 2008/2009.² Prof. da Universidade Federal do Paraná e orientador deste trabalho.

principais, conforme Stringer (1996): “Pesquisar e observar para reunir as

informações e construir um cenário; pensar, para explorar, analisar e

interpretar os fatos; e agir, implementando e avaliando as ações.” Para isso, a

necessidade de se resgatar aspectos das transformações ocorridas no seio do

mundo do trabalho, desde as mais remotas civilizações até os dias atuais. O

trabalho sempre foi a referência essencial e necessária no processo de

estruturação das sociedades e o meio indispensável para a sobrevivência das

mesmas. Porém, a partir da consolidação do modo de produção capitalista,

quando a força de trabalho passa a ser encarada como valor de troca, quando

a precarização, informalidade e lumpenização tornam-se práticas constantes e

com a evolução da técnica principalmente, essa força de trabalho vai sofrendo

um profundo processo de degradação, favorecendo a estruturação de um

modelo de organização produtiva onde a força de trabalho torna-se

praticamente descartável, ou seja, não deixa de existir, porém, perde seu

caráter essencial e imprescindível e vai gradativamente sendo substituída pela

tecnologia. Compreender esse processo é criar a possibilidade de desmistificar

o modo como os homens reais produzem suas condições reais de existência, a

forma como produzem e reproduzem as relações que estabelecem entre si e

com a natureza. Os homens, neste contexto, distinguem-se uns dos outros,

pelo fato de possuírem ou não a propriedade dos meios de produção. É a

propriedade ou não, dos meios de produção, que determina a classe social a

que pertencem e consequentemente sua luta, posição política e ideológica.

Palavras-chave: mundo do trabalho, valor de troca, precarização, degradação,

informalidade, lumpenização, meio de produção, ideologia.

Summary

This article discusses the organization of society in which we operate,

which is characterized by constant dynamic in its economic structure, political

and social as well as the changes and challenges the world of work, as the

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company is expanding. The method used is that of action research and aims to

establish a more comprehensive analysis of this dynamic in the news, from

three main actions, as Stringer (1996): "Search and look to gather information

and build a scenario, think, explore, analyze and interpret the facts, and act,

implementing and evaluating stocks." Therefore, the need to rescue aspects of

the changes occurring within the world of work, from the most remote

civilizations to the present day. The work has always been the essential and

necessary in the process of structuring and corporate means necessary to their

survival, however, from the consolidation of the capitalist mode of production,

when the workforce is now seen as an exchange value, when the uncertainty,

informality and lumpenization become constant practices and developments in

technology especially, this workforce is undergoing a profound process of

degradation, favoring the structuring of a model of productive organization

where the work force becomes practically disposable, that is, it still exists,

however, loses its essential and vital and is gradually being replaced by

technology. Understanding this process is to create the opportunity to demystify

how real men produce their real conditions of existence, the way they produce

and reproduce the relations they establish with each other and with nature. The

men in this respect, they differ from each other, because they own the property

of the means of production. Is the property or not, the means of production,

which determines the social class they belong to and hence their struggle, the

political and ideological.

Keywords: world of work, exchange value, impoverishment, degradation,

informality, lumpenization, means of production, ideology.

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1 Introdução

Os trabalhadores produzem riqueza, mas não usufruem dela,

aumentam a produção de bens, mas não podem consumi-los. Fazem parte de

um mercado produtivo como força de trabalho manual, precarizada e embora

sendo produtores de riqueza, são excluídos dos resultados que essa

exploração do trabalho produz. Porém, somente os trabalhadores serão

capazes de “criar um mundo novo, revelar a nova vida, recordar que existe um

limite, uma fronteira para tudo, menos para o sonho humano. Moldar com as

mãos o mundo, revelar com os olhos a vida, recordar nos sonhos aquilo que

virá.”

“O mundo que fotografo é o do trabalho e o dos trabalhadores.”

³ Sebastião Salgado

A história tem demonstrado ao longo do tempo que, as exigências para

o homem contemporâneo são cada vez maiores em termos de uma formação

que lhe permita compreender e atuar na dinamicidade que representa o mundo

do trabalho hoje, não como um mero coadjuvante, mas enquanto sujeito

político e produtivo em conformidade com suas necessidades de sobrevivência.

É nesse contexto que se coloca a importância da apropriação do

conhecimento. Um saber que vise não somente o desenvolvimento de

habilidades e competências, mas que considere o homem em todas as suas

possibilidades, em sua totalidade.

E é este conhecimento, tão importante nos dias de hoje, que passa a ser

visto como instrumento essencial e necessário no processo de transformação

da sociedade. Na criação de meios favoráveis à luta para a construção da

___________________________________________

³ Sebastião Ribeiro Salgado é um fotógrafo brasileiro reconhecido mundialmente por seu estilo único de fotografar. Nascido em Minas Gerais, é um dos mais respeitados fotojornalistas da atualidade.

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hegemonia das classes trabalhadoras e na formação da consciência política

dessas classes, transformando-se dessa forma, em instrumento de

contestação e atuação por parte dos trabalhadores na sociedade onde vivem

contribuindo na construção de um projeto de sociedade menos desigual.

1.1 As Relações de Trabalho na História

Na história da humanidade as relações de trabalho atingiram os mais

variados estágios de organização e estruturação, desde as primitivas,

escravistas, servis, etc., até atingir o estágio atual, onde predominam as

relações capitalistas ou assalariadas de produção. Em todos eles, com raras

exceções, sempre se observou a exploração intensiva da força de trabalho.

Mais especificamente no modo capitalista de produção, esta exploração tem se

dado de uma forma cruel e intensiva, como nunca se observou na história das

relações de trabalho. Neste modelo de organização econômica, o trabalhador

vende sua força de trabalho de acordo com as condições do mercado. A força

de trabalho passa a ser utilizada como valor de troca. Prática esta intensificada

com o advento da evolução tecnológica a qual propiciou, ainda mais, acúmulo

de capital por uma minoria que, em nome da valorização do capital, tem

contribuído para degradar as relações sociais, submetendo a força de trabalho

a condições precárias de trabalho e de subsistência e também acelerado o

processo de degradação ambiental.

“... a utilização predatória do meio ambiente nunca foi tão dramaticamente verificada e, ao mesmo tempo, tão alertada e tão deliberadamente desrespeitada, como provam, entre os principais países poluidores, os EUA. À ampliação das fontes e canais informativos entre agentes de decisão, seguiu-se, desastrosamente, uma imensa concentração de poder e seu uso unilateral por interesses governamentais bélicos atendendo, ademais à sanha de grupos anônimos de especuladores financeiros, cuja capacidade de manipulação de capital lhes permite alterar o destino das nações.Frente a essa concentração de poder e de riquezas, não se tem notícia, pelo menos nos ‘períodos de paz’, de tantas e tamanhas atrocidades contra a natureza humana, como as que presenciamos atualmente: a crescente quantidade de pessoas vivendo abaixo da linha da miséria no mundo não é mais um fato isolado de países molestados pelas últimas guerras coloniais, mas se apresenta nas estatísticas das grandes potências, cujas classes, em todos os níveis sociais, têm assistido a conflitos,

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contravenções e atos de violência num grau de perversidade ainda não compreensível.” (PINTO, Geraldo Augusto. p.08)

No capitalismo, como bem observou Marx, a força de trabalho foi

transformada em uma mercadoria e o processo de acumulação de capital

ocorreu paralelamente à intensificação da exploração sofrida pelo trabalhador e

ao intenso uso de tecnologia de ponta. É importante salientar, no que se refere

especificamente ao uso de recursos tecnológicos que, as tecnologias que

circulam o mundo não são homogêneas e de última geração. Os países de

terceiro mundo têm acesso a tecnologias obsoletas ou semi-obsoletas, já

abandonadas pelas nações que possuem uma posição predominante na

divisão internacional do trabalho no planeta. Esse movimento se explica

através de um processo complexo, dialético e contraditório entre a produção e

a circulação das mercadorias. Mészáros em “Para Além do Capital” afirma que

o modo de produção capitalista apresenta uma tendência de reduzir

drasticamente as práticas produtivas voltadas para a durabilidade das

mercadorias produzidas.

“Desse modo, a sociedade se mantém como um sistema produtivo manipulando até mesmo a aquisição dos chamados ‘bens de consumo duráveis’ que necessariamente são lançados ao lixo (ou enviados a gigantescos ferros-velhos, como os ‘cemitérios de automóveis’ etc.) muito antes de esgotada a vida útil.” (MÉSZÁROS, 2002, p. 640).

Ao proletário, não detentor dos meios de produção, impõe-se a condição

de vender a sua força de trabalho como meio de garantir a sua sobrevivência e

como fonte geradora de lucro, atendendo aos interesses do capital. Sua mão-

de-obra transforma-se em mercadoria como qualquer outro artigo do comércio

e, portanto, está igualmente sujeita a todas as vicissitudes da concorrência, a

todas as flutuações do mercado.

Diante desse quadro onde se vislumbra um acelerado processo de

produção e acumulação de capital e uma intensa exploração e degradação da

força de trabalho, uma análise interressante a ser feita, refere-se à relação

entre o trabalho e o tempo livre do trabalhador. Na atualidade, a grande

preocupação consiste em "estar empregado" (ainda mais depois deste quadro

de demissões mundiais devido à crise de recessão ou diminuição da meta de

crescimento de alguns países) e pouco se fala/reflete sobre a relação do

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trabalhador com o ócio no sistema capitalista - tornando-se quase um tabu tal

questão. Aos detentores do capital, na maioria das vezes, a preocupação com

a saúde física e mental da força de trabalho é relegada a segundo plano.

Estabelece-se como prioridade a intensificação da produção, ora aumentando

a jornada de trabalho, ora mantendo a jornada, porém, intensificando a

produção. Vislumbrado esse quadro, cabem algumas questões: Como criar a

possibilidade do tempo livre numa sociedade em que este é gerido pelo

capital? Existe alguma saída no sentido de mudar esta situação de modo que o

trabalhador possa usufruir de condição favorável de lazer e com isso melhorar

sua condição de vida? Estariam dispostos, os donos do capital, a discutir estas

questões intrigantes da contemporaneidade? E mais, melhorar as condições de

lazer influenciaria numa melhora significativa da produção? Estas são questões

que devem nos intrigar e acima de tudo, nos fazer refletir sobre e buscar

soluções para esse que se constitui num grave problema que a humanidade

enfrenta em virtude das imposições do capital.

Problematizar estas e outras questões no que se refere às atividades

produtivas dentro da esfera atual da nossa sociedade, constitui-se numa

excelente ferramenta para a criação de conceitos que transformem a própria

posição/atitude de nossos estudantes diante das relações de trabalho.

Problematizar estas e outras situações possibilita um contato mais crítico do (a)

educando (a) com a lógica do trabalho, mesmo quando ainda se encontra fora

da rotina que envolve o mercado. Permite, também, uma prévia concepção,

mais realista, das relações de trabalho, podendo transformar a preparação de

cada um para o mercado e até mesmo levá-lo (a) a pensar e repensar novos

rumos para sua preparação/formação intelectual. Abolindo-se, também, a idéia

de uma formação exclusivamente voltada para o mercado de trabalho de

acordo com a lógica do capital. Criando a possibilidade de formação de uma

força de trabalho não enquadrada somente nas perspectivas do sistema, mas

com potencial para redirecionar os rumos da sociedade onde vive buscando

uma condição menos desigual, para além da igualdade jurídica, ou seja, uma

igualdade substantiva, material, voltada para a emancipação do trabalho.

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2 O Mundo do Trabalho no Centro e na Periferia

É interessante se observar como a compreensão sobre o mundo do

trabalho vem sofrendo alterações no decorrer da história. Fazer uma análise

das relações impostas pelo mundo do trabalho e dos desafios em relação ao

mesmo no século XXI constitui-se numa tarefa, deveras, complexa visto que

muitas são as teorias que tentam dar conta de explicar essa problemática que

se intensifica no pós Revolução Industrial, porém, nem sempre com a clareza

necessária. Dentre essas correntes de pensamento merecem destaque as

ideias de Hegel e Marx em virtude de seus posicionamentos completamente

diferenciados em relação ao assunto. O idealismo hegeliano remete a uma

compreensão da história do mundo do trabalho vista não somente como uma

mera sucessão de fatos, mas sim, como uma análise da consciência adquirida

pelas ações humanas, é a partir das ações que se estabelece a consciência,

ou seja, a constituição do mundo ideal que vai sendo construído na ação. Já

Marx aponta com mais objetividade a ideia de que as relações de trabalho

construídas historicamente são relações de exploração de dominantes sobre

dominados, onde o trabalhador, dominado, é quem cria, a partir da exploração

de sua força de trabalho, uma possibilidade de lucro ao dominante, mas que

não usufrui desse lucro.

Tomando por base a visão marxista como referencial, destaca-se

também a possibilidade de se fazer uma análise do trabalho a partir da relação

centro e periferia capitalista. Utilizando-se a categoria – luta de classes como

conceito norteador, cria-se a possibilidade de análise partindo-se do

pressuposto de que, nos países pobres ou periféricos, a exploração da força de

trabalho esteve no passado e está no presente, direcionada a atender os

interesses de lucro do capital externo, a partir da intensificação da exploração

dessa força de trabalho. Nos países ricos ou centrais, o objetivo principal é

atingir a maior produtividade possível, com o menor custo possível, ou seja,

emprego de alta tecnologia, com produção acelerada e utilização de mão-de-

obra em escala cada vez menor. Nesses países, o “palco de guerra” entre

capital e força de trabalho tende mais a uma difícil luta de trincheiras e de

posições do que uma batalha de movimentos e ofensivas relâmpagos. A

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combinação encontrada atualmente nos EUA – redução dos postos de trabalho

no setor produtivo, aumento do emprego de trabalho simples no setor de

distribuição e serviços, elevada taxa de desemprego e aumento da intensidade

do trabalho – deve ser tomada enquanto tendência para décadas. No centro

capitalista, desemprego e subemprego avançam formando pólos de pobreza.

Nos EUA, nos setores de agricultura, pesca e reflorestamento, para se ter uma

idéia, 24% da força de trabalho empregada é constituída por imigrantes ilegais,

trabalhadores desprovidos de qualquer sistema de proteção e seguridade. Na

Europa, os índices de desemprego insistem em manter-se elevados, pondo em

xeque um histórico, e até recente, modelo de pleno emprego, e expondo

elementos crescentemente reveladores da pauperização.

István Mészáros em sua obra “Para Além do Capital” sugere a

elaboração de uma teoria de transição quando se propõe a analisar a crise

estrutural do sistema de capital, teoria que deveria encabeçar, segundo ele,

toda a agenda teórica do marxismo para o nosso tempo.

“Uma tarefa desafiadora, pois vários são os aportes para a formulação de uma pauta investigativa: a crescente dicotomia entre a riqueza da produção (meios de produção e capacidade de trabalho) e a produção da riqueza enquanto valorização do capital; produção que leva à alienação do trabalho humano e ao fetiche do capital materializado no valor de troca. Desperdício consumista do centro capitalista que além do consumo de bens e serviços, incorporou a subutilização dos meios de produção e da força de trabalho.” (MÉSZÁROS, 2002).

O que se percebe hoje, com a crise estrutural do sistema de capital, não

é somente essa realidade periférica sendo afetada, há também o surgimento

de focos de grandes desigualdades em países ricos, os quais se viam ou se

consideravam inatingíveis até bem pouco tempo atrás. Destacam-se aí os

casos dos Estados Unidos e de alguns países europeus. Esses países sempre

se colocaram acima do bem e do mal em relação às demais economias

mundiais, ditando as regras da política-econômica mundial e submetendo os

demais à condição de meras colônias, obrigando-os a exercer o papel de

complemento de suas economias. No entanto, o que se observa, é que os

países ricos, ou melhor, as economias de centro em geral, passam por um

momento de crise e de insegurança extremamente delicados. As oscilações

políticas e econômicas do sistema capitalista muito têm contribuído para que o

mundo do trabalho, nesses países, passe por um dos piores momentos de sua

história. São criadas expectativas negativas de que toda e qualquer

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conseqüência dessas oscilações do mercado devam recair sobre a força de

trabalho, ou seja, sobre aqueles que vivem do trabalho, afetando

significativamente sua condição humana enquanto produtores e consumidores

de riqueza.. O sistema capitalista, desde sua gênese até os dias atuais, quando

atingiu seu grau máximo de acumulação e exploração com a consolidação dos

monopólios, proporciona esse tipo de prática, ou seja, ao mesmo tempo em

que produz riquezas, também produz exclusão e insegurança, e isso afeta não

somente a força de trabalho dos países periféricos, mas também dos países

centrais.

Para se compreender de uma forma mais abrangente as contradições

que permeiam o mundo do trabalho a nível mundial, por mais despretenciosa e

simples que possa parecer uma análise nesse sentido, faz-se necessário

observar alguns aspectos que demonstram as situações específicas da China e

dos EUA na atualidade. Esses países bem representam as contradições

vivenciadas pelo capitalismo no século XXI. A abertura da China ao capitalismo

resultou em transformações profundas na economia, na política e na cultura

daquele país. Intensificou-se as relações voltadas para o processo de produção

e acumulação de capital, trazendo como consequência uma exploração

exagerada de sua força de trabalho. Já nos EUA, foram quase U$ 500 bilhões

em gastos correntes e logísticos em armamentos somente no ano de 2008,

gastos que não geraram melhorias nas condições de vida dos trabalhadores,

constituindo-se nas mais avançadas forças produtivas mobilizadas para a

geração de forças crescentemente destrutivas. O que se percebe, nos dois

casos abordados, é que os interesses do capital estão acima de qualquer outra

possibilidade, ou seja, o lucro é o que move os objetivos do capital

transformando-se num verdadeiro vilão anti-humanista.

2.1 Trabalho e Mais-valia

Um outro referencial que precisa ser observado com atenção devido às

implicações e presença constante e crescente tanto no centro quanto na

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periferia capitalista, é a questão da 4mais-valia. No centro, considerando o

aumento da jornada de trabalho, ela se manifesta basicamente de duas

maneiras: uma delas ligada ao aumento do exército industrial de reserva de

mão-de-obra e a outra, através da flexibilização da legislação trabalhista. Neste

último caso, o que se percebe é que foram abortados os processos de

regulação das relações jurídicas de trabalho, particularmente em relação à

estabilidade e à jornada de trabalho, ou seja, flexibilizaram-se as legislações

para facilitar a atuação do capital de uma forma mais contundente,

desrespeitando as condições mínimas de trabalho e ampliando as

possibilidades de lucro. Vale ressaltar que, tanto nos EUA quanto na Europa,

áreas do capitalismo com características semelhantes em muitos aspectos, a

média de horas de trabalho vem aumentando gradativamente ano a ano,

atingindo todo tipo de assalariado e nem sempre significando aumento nos

ganhos dos trabalhadores e melhorias nas suas condições de vida e trabalho.

Na periferia, há a ocorrência da mais-valia a partir do aumento da

jornada de trabalho; flexibilização da legislação trabalhista; burocracia de

Estado associada ao capital; existência de uma extraordinária superpopulação

relativa de tipo latente (Marx) - são centenas de milhões de camponeses à

disposição para o assalariamento (êxodo rural) e também através da

desorganização da estrutura sindical. Essa imensa massa de trabalhadores

das regiões periféricas encontra-se à margem do sistema produtivo, não

somente através de uma exclusão vazia e superficial, a da chamada

“cidadania” (burguesa), mas também e principalmente, através de uma

exclusão sistêmica, ou seja, excluídos como consumidores dos meios de

____________________________________

4A mais-valia é uma categoria marxiana que explica os modos de apropriação do produto do trabalho humano: “A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a mais-valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança de proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa.” (MARX, 1985, p.251).

subsistência necessários e como produtores, como realizadores de trabalho.

11

Esse aumento do número de horas trabalhadas ou, a manutenção da

jornada, porém, com aumento da produtividade, tem se constituído numa

contradição vivenciada pela força de trabalho tanto no centro quanto na

periferia capitalista, visto que em nenhum dos casos, o aumento da jornada ou

da produtividade, tem representado ganhos reais para a força de trabalho.

A ofensiva do capital sobre o trabalho está sendo capaz de elevar a

extração de trabalho excedente através da ampliação média da jornada de

trabalho, quase sempre sem alteração do montante despendido em capital

variável (mais-valia absoluta).

“(...) verificamos que as magnitudes relativas do preço da força de trabalho e da mais-valia, são determinadas por três circunstâncias: 1) a duração do trabalho ou a magnitude extensiva do trabalho; 2) a intensidade normal do trabalho ou a sua magnitude intensiva, segundo a qual dada quantidade de trabalho é despendida em determinado espaço de tempo; 3) finalmente, a produtividade do trabalho, segundo a qual a mesma quantidade de trabalho fornece no mesmo tempo uma quantidade maior ou menor de produto, dependendo do grau de desenvolvimento das condições de produção.” (MARX, 1994, p.596).

A intensificação dessas contradições tem se manifestado, no sentido

mais amplo do modo de produção capitalista, como crise estrutural. Essa crise

estrutural ocorre em virtude de um controle cada vez maior do capital sobre o

trabalho, estabelecendo relações cada vez menos sujeitas às mediações do

Estado e políticas públicas (livre negociação). O que se percebe é que o

processo de valorização do capital é cada vez mais dependente dos elementos

extra-econômicos, favoráveis à acumulação e mediadores de contradições

internas ao modo de produção capitalista.

3 Educação e Trabalho

12

E quanto ao sistema educacional, o que esperar dele nesse

emaranhado de contradições do século XXI? É importante ressaltar que, no

contexto das imposições capitalistas, ele tem passado por muitas

transformações ao longo do tempo, acompanhando, infelizmente, os interesses

de uma minoria, representantes da classe hegemônica detentora do capital.

Sempre esteve mais preocupado em legitimar o domínio e o poder desta

classe, criando as condições para a estruturação e consolidação do poder da

mesma. Já para as massas, tem reservado as mazelas, úteis para a

constituição de uma mão-de-obra barata e descartável, submetida às

imposições de um sistema de rapina e que, diante dessa situação, infelizmente,

se coloca sem perspectivas de uma guinada expressiva em sua estrutura, pelo

menos a curto e médio prazo.

Diagnosticado esse quadro, constata-se que é preciso uma retomada

urgente das diretrizes educacionais, onde a educação dê mais crédito a si,

como um pilar importante, não o único, no processo de reestruturação da

sociedade e principalmente nas discussões que envolvam o mundo do

trabalho. E o que é mais significativo, deixe de ser a legitimadora do poder da

elite e se transforme, de vez, no sustentáculo ideológico responsável por uma

maior qualificação e valorização da força de trabalho; observando, analisando,

apontando e criando perspectivas para que uma transformação possível e de

fato efetivamente se concretize. Ela precisa ser emancipadora e realizar-se na

totalidade, sem a preocupação em desenvolver competências e habilidades

nos trabalhadores, de modo a atender às necessidades e objetivos de um

sistema econômico preocupado somente em satisfazer seus desejos mais

perversos e excludentes – o lucro a qualquer custo.

“O processo educativo, escolar ou não, é reduzido à função de produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas atitudes, transmissão de um determinado volume de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidade de trabalho e, consequentemente, de produção [...]. A educação passa, então, a constituir-se num dos fatores fundamentais para explicar economicamente as diferenças de capacidade de trabalho e, consequentemente, as diferenças de produtividade e de renda.” (FRIGOTTO, 1989, p.41).

Os educadores precisam perceber que fazem uma grande diferença

nessa transformação tão esperada pela sociedade. Criar a possibilidade de

13

reverter à situação de domínio do saber teórico sobre o prático, porém,

lembrando sempre que o saber prático por si só não basta, é necessário uma

inter-relação entre os saberes para que se crie bases sólidas para um efetivo

processo de mudança na sociedade, tornando-a menos desigual. Ao

trabalhador, deve ser reservado o direito de usufruir do saber teórico e à

sociedade em geral, valorizar o saber prático produzido pelos trabalhadores.

Neste momento da história da humanidade, quando as novas tecnologias

da informação e da produção estabelecem os rumos da sociedade global, é

preciso criar possibilidades de qualificação real da força de trabalho, para que

ela possa se inserir num mercado cada vez mais competitivo em virtude da

corrida tecnológica. Essa maior qualificação acarretará na possibilidade de uma

melhor remuneração e em contrapartida, numa melhora da condição de vida do

trabalhador. Nesse contexto, o papel da escola precisa ser repensado de modo

a intervir nesse necessário processo de mudança. A estrutura da escola até

então, tem desempenhado a seguinte função: propicia qualificação ao rico e

este por sua vez exerce atividades de controle, de poder, ditando as regras

sociais. Já o pobre, trabalhador, como não tem possibilidade de uma

qualificação condizente com sua real necessidade, até pela sua própria

condição econômica que o leva a ingressar precocemente no mercado de

trabalho, é obrigado a submeter-se à ordem estabelecida. Trabalhar muito

(muitas horas), receber pouco, sem usufruir daquilo que ele próprio produz. É

mais que necessário, é imprescindível e urgente uma mudança de rumo se

quisermos uma sociedade menos desigual.

Convém ressaltar que, para esse contingente de trabalhadores,

sabidamente excluídos do processo de escolarização formal, a única

alternativa de apropriação do saber sobre o trabalho, de forma sistematizada,

em sua dimensão de totalidade, é a escola, apesar de seus limites. Configura-

se, deste modo, a necessidade premente de se propor formas de educação

para o ensino desse contingente de trabalhadores que já foi ou está sendo

absorvido pelo processo produtivo, bem como daqueles que sequer

conseguem nele ingressar. Esta premência se evidencia ao considerar-se que,

aproximadamente 85% deles não têm acesso à formação profissional e 92% da

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população economicamente ativa ocupada, tem acesso apenas à prática do

trabalho e não ao saber sobre o trabalho. A educação do trabalhador constitui-

se em um imenso espaço vazio que não tem sido assumido efetivamente nem

pelo sistema de ensino, nem pelo Sistema Nacional de Formação de força de

trabalho. Resta saber como avançar concretamente, a partir da construção de

um Projeto Político Pedagógico comprometido com a educação do trabalhador

no processo de construçao de sua hegemonia. Esta é a proposta que tem

norteado as pesquisas, os debates e as práticas de um grupo de educadores

brasileiros que têm se dedicado à linha de investigação que se convencionou

chamar de Educação e Trabalho - 5Acacia Kuenzer.

Sendo as Relações de Trabalho um dos conteúdos estruturantes

propostos pela SEED no Ensino Médio e diante das evidentes dificuldades de

escolarização de grande parte dessa força de trabalho, faz-se necessário um

olhar mais comprometido em relação ao uso dos recursos da História Oral

como objeto de investigação e teorização. É importante valorizar o

conhecimento que este aluno-trabalhador trás para dentro da sala de aula,

podendo o mesmo ser usado como um ponto de partida para, posteriormente,

se introduzir o conhecimento formal. Resgatar esse tipo de saber é criar a

possibilidade de valorizar, de re-inserir essa grande parcela da sociedade que

durante muito tempo tem ficado de fora do processo educativo. A partir de

entrevistas, depoimentos, relatos de experiências dos trabalhadores, torna-se

possível uma reflexão mais abrangente e profunda sobre as questões que

envolvem o mundo do trabalho, o trabalhador e a sua relação no mercado.

Introduzir referenciais bibliográficos e relacioná-los ao cotidiano do aluno-

trabalhador é uma forma de aproximar o conhecimento formal do prático,

utilizando o trabalho como princípio e o mundo do trabalho como meio,

tornando sua articulação possível.

___________________________________

5Acacia Zeneida Kuenzer é professora titular da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação e trabalho, educação tecnológica, formação de professores e ensino médio.

3.1 Práticas Possíveis na Implementação

15

Um exemplo concreto desse tipo de atividade e que fez parte das

diversas práticas utilizadas durante o processo de implementação desse

projeto na escola, foi a utilização do Mito de Sísifo. Este mito apresenta o

trabalho como castigo para os gregos antigos e sua utilização como referencial

torna-se muito interessante à medida que oferece a oportunidade de análise do

mito em si e sua comparação com a situação real vivenciada pelos alunos-

trabalhadores.

Tendo como objetivo problematizar a função que os alunos

desempenham em relação ao mundo do trabalho, a leitura e análise do referido

mito, viabilizou um processo de discussão a respeito dessa problemática e

possibilitou uma reflexão crítica mais profunda dos mesmos a esse respeito.

Questões como: - O que vai definir que um trabalho seja mais bem visto que

outros? Nascemos pré-determinados a ocupar posições sociais pré-definidas

no mundo do trabalho? - surgiram nas discussões. Por meio desse trabalho

reflexivo dos alunos e de suas respostas, que nem sempre foram as

esperadas, visto que alguns ainda acreditavam que as posições no mundo do

trabalho eram previamente definidas e de certa forma imutáveis, conseguiu-se,

apesar das dificuldades, pensar e repensar algumas questões pertinentes ao

mundo do trabalho.

Foi interessante perceber que, apesar de todas as dificuldades de

acesso às informações que os alunos-trabalhadores enfrentam e também

devido às ameaças sofridas por eles, de acordo com relatos deles próprios, nos

locais onde desenvolvem suas atividades profissionais, foi possível detectar

conclusivamente que suas posições dentro da hierarquia trabalhista podem ser

transformadas.

É importante se ter claro que, encaminhar discussões mais concretas a

respeito das questões pertinentes ao mundo do trabalho a partir de relatos das

experiências dos próprios alunos-trabalhadores, pode trazer resultados

significativos. É interessante selecionar partes destes relatos e editá-los como

textos a serem analisados em sala, objetivando uma melhor assimilação e

compreensão dos conteúdos relacionados ao tema que se está querendo

abordar. Essas falas servem de referenciais e de elementos relevantes na

16

percepção dos fatos do presente, possibilitando ao aluno o estabelecimento de

discussões pautadas em questões relacionadas ao mundo capitalista, tais

como: a globalização, terceirizações, enfim, o chamado processo de produção

flexível ao qual estão inseridos e assim, problematizando toda a complexidade

do mundo do trabalho, sentindo-o bem próximo, pois a sua realidade, o seu

cotidiano é a referência, onde os próprios trabalhadores fazem observações e

atribuem significados a essa dinâmica que é característica do mundo do

trabalho contemporâneo.

Essa proposta de trabalho investigativo, recurso ainda pouco utilizado

pelos professores, apresenta mais e novas fontes de pesquisa no intuito de

conferir, acrescentar e enriquecer o trabalho e assim, interagir com a realidade

social e, ao mesmo tempo, conduzir à prática de uma pesquisa participativa,

valorizando a construção coletiva do conhecimento. Para melhorar a

capacidade de compreensão e expressão do educando, é função da escola a

elaboração de um projeto político pedagógico coletivo, um currículo reflexivo

com metodologias alternativas, garantindo aos alunos acesso às informações

que permitam a construção do conhecimento. O professor, nesse sentido, tem

um papel fundamental. É ele o articulador, o agente ativo que intervém no

processo educacional.

Nesse sentido, é importante apontar algumas sugestões que podem

estimular uma reflexão mais profunda entre alunos e professores, tendo em

vista uma melhor compreensão do tema proposto.

• Automatismos – novas tecnologias – sociedade da informação e do

conhecimento.

• Competitividade econômica, globalização, desemprego estrutural, exclusão

social.

• Desigualdade social com cortes de gastos com as políticas sociais

• O emprego dependente das capacidades individuais, da adaptação do

indivíduo ao meio e às condições de trabalho oferecidas.

17

• O sucesso como responsabilidade individual.

• A principal característica do sistema de acumulação flexível é a

informatização do processo produtivo. Com a informatização das máquinas o

sistema de supervisão é realizado pela própria máquina, havendo um aumento

de controle sobre a mercadoria e sobre o trabalhador.

• O sistema de acumulação flexível se apóia na flexibilidade das relações de

trabalho, dos produtos e padrões de consumo.

• O sistema de acumulação flexível não está preocupado com o homem, com

sua realização pessoal, mas sim com o lucro.

Diante de todo esse arsenal de informações convém um relato mais

detalhado a respeito do processo de implementação do mesmo. A escola –

CEEBJA Maria Deon de Lira foi onde ocorreu todo o processo de

implementação, tendo como público alvo, jovens e adultos do Ensino Médio,

inseridos ou não no mercado de trabalho.

O processo de implementação inicia-se com a coleta de dados a partir de

relatos e experiências dos alunos, tendo em vista a relação dos mesmos com o

mercado de trabalho e também com o estudo de textos selecionados para a

abordagem da temática. Interessante observar a heterogeneidade de situações

apresentadas pelo grupo em questão, suas histórias, suas experiências e

acima de tudo, suas expectativas em relação à entrada e/ou permanência no

mercado de trabalho.

Chama atenção o fato de que, mesmo sendo alunos da EJA, portanto

adultos, muitos desconhecem completamente questões relevantes ao mercado

de trabalho, como leis trabalhistas, por exemplo.

Outro aspecto que se apresenta de forma clara, é o processo de

exploração a que são obrigados a se submeter, tendo em vista as suas

próprias condições de trabalho. Muito interessante observar as reações dos

mesmos quando confrontados os referenciais teóricos utilizados e a realidade

vivenciada por eles. No início, reações de revolta, insegurança e

posteriormente, a partir de um embasamento teórico mínimo, perspectivas e

18

atitudes de coragem para enfrentamento e auto-estima para discutir a sua

própria condição.

A realização de uma feira de profissões se constituiu num momento

muito importante nesse sentido. Uma atividade dessa envergadura possibilita

aos alunos a oportunidade de expressar os seus sentimentos em relação às

suas atividades profissionais, discutindo e ampliando horizontes no sentido de

resgatar o valor social de seu trabalho e não somente aspectos relacionados

ao valor de troca imposto pelo mercado de trabalho.

Fica evidente que o trabalhador encontra-se subjugado a uma condição

de sistema, onde o que lhe falta efetivamente é o conhecimento para buscar

melhores condições. Uma certeza, o papel do professor assume uma

importância vital nesse processo de construção e resgate da auto-estima do

aluno-trabalhador.

São esses os contornos dramáticos observados no seio do próprio

sistema: sem escolarização não há chances de se inserir; com escolarização

as poucas chances de inserção se dão “por baixo”, através das mais variadas

formas de precariedade (informalidade incentivada, estágio compulsório,

terceirização, etc.).

Nas discussões, foi possível detectar alguns mecanismos de regulação

desse problema, porém, o que se apresenta de uma forma mais contundente,

explícita, é o que se refere ao processo de secundarização da importância da

educação, isso em se tratando de Educação de Jovens e Adultos. Este se dá

na maior parte das vezes via esvaziamento de conteúdos, aligeiramento de

etapas e estreitamento dos objetivos escolares. Em suma, o ganho em

quantidade (maior escolarização) fica prejudicado e anulado pela perda em

qualidade, pois à medida que os objetivos da educação vão se restringindo ao

atendimento das demandas do mercado de trabalho, a conseqüência imediata

é uma escolarização estreita e limitada aos interesses da classe que não

depende dessa educação, uma vez que não vivem do próprio trabalho.

É interessante observar que, apesar de tudo já relatado, o aluno-

trabalhador da EJA, em geral, deposita na escola as suas esperanças e

perspectivas de uma melhora imediata em sua situação profissional. Diante

disso, substitui a possibilidade de uma melhor formação, de longo prazo, por

19

uma formação emergencial, aligeirada e determinada pela lógica capitalista, ou

seja, uma formação que o ajude, o mais depressa possível, a ingressar no

mercado de trabalho, mas que geralmente não oferece a qualificação

necessária para que possa nele se manter.

É sabido que o aligeiramento da formação responde a um anseio, tanto

do aluno-trabalhador, quanto do mercado de trabalho. Isso implica, por

hipótese, numa migração de estudantes do ensino regular para a EJA,

buscando nesta uma formação menos criteriosa e mais rápida.

4 Conclusão

No entanto, nem tudo está perdido. É claro que fatos como os relatados,

ocorreram e ainda ocorrem no seio desta modalidade educacional, porém, o

contrário também é uma realidade presente e marcante e precisa ser

elucidada. Hoje é possível se observar e de forma crescente, a presença de

alunos e professores na EJA, comprometidos com diferentes visões em relação

ao que deve ser entendido como educação dentro desse sistema. E que

diferentes visões seriam essas? Uma educação que não vise à solução

imediata de problemas, visando atender necessidades dos trabalhadores

(emprego imediato) e mão-de-obra barata para o capitalista. Mas sim, a

constituição de uma nova realidade de educação onde a escola e os

educadores estejam mais bem preparados para intervir no processo

educacional e com isso criar as reais condições pra uma melhor qualificação da

força de trabalho.

O trabalhador do século XXI precisa estar ciente de que, com o

desenvolvimento dos sistemas de comércio e produção, a luta pelo controle do

trabalho humano intensificou-se. Os donos do capital concentram cada vez

mais a posse sobre os instrumentos de trabalho, as terras e matérias-primas,

restando aos trabalhadores a venda de seus conhecimentos, experiência e

força de trabalho. Para o trabalhador, a partir de então, somente habilidade e

20

competência para executar tarefas não será mais suficiente. As exigências

de precisão nos prazos de entrega e a qualidade dos produtos devido à

concorrência e competição por novos mercados, fará com que a necessidade

de ampliação do conhecimento, envolvido no âmbito da produção, passe a ser

assumido como prioridade estratégica pelos capitalistas empregadores, não

restando outra saída ao trabalhador senão a capacitação/qualificação.

É preciso situar a EJA nos contextos da Educação Geral e das Relações

Sociais decorrentes do modo de produção capitalista. Resgatar e compreender

a importância da EJA dentro do novo cenário criado pela Globalização. Tornar

urgente a necessidade de ultrapassar o processo de secundarizaçao da

importância da educação/conhecimento imposto pelo capital ou mercado e

superar, de uma vez por todas, entraves como: esvaziamento de conteúdos,

aligeiramento de etapas e estreitamento dos objetivos escolares.

Quando a educação se restringe ao atendimento das demandas do

mercado de trabalho, a consequência imediata é uma escolarização estreita e

limitada aos interesses da classe que não depende dessa educação para se

manter no poder. O ganho em quantidade (rápida escolarização) fica

prejudicado e anulado pela perda em qualidade.

Do ponto de vista dos interesses da classe trabalhadora, essa nova

realidade do sistema educacional exige um preparo maior da escola e dos

educadores, no sentido de garantir as condições para uma formação de caráter

emancipador.

Se a construção do ser social depende das mediações sociais próprias

das relações de produção, cabe à escola consolidar o conhecimento através de

mediações culturais que preparem o aluno-trabalhador (no caso da EJA) para a

vida e o trabalho numa perspectiva para além do caráter alienador da

sociedade de classes. É preciso lembrar que a Educação de Jovens e Adultos

é hoje uma realidade no sistema educacional brasileiro. Poderá servir para

reproduzir os interesses da classe dominante ou para democratizar o acesso

ao saber sistematizado.

É importante que cada vez mais se discuta em sala de aula os problemas

enfrentados pelos trabalhadores na sociedade capitalista atual, possibilitando

que os educandos reflitam sobre seu papel enquanto sujeitos e também como

21

parte dessa classe trabalhadora, no presente ou no futuro. Através de

questionamentos, debates, enfim, troca de ideias é que podemos caminhar

para a formação de sujeitos mais conscientes de suas realidades e

consequentemente mais bem preparados para enfrentar os desafios do mundo

globalizado. Se a luta é necessária, que tome o trabalho como princípio, a

educação como meio e a felicidade coletiva como o fim último do esforço da

humanidade.

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