desafios e contribuiÇÕes para o aprimoramento … · a linguagem é um fenômeno comportamental...
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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação
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DESAFIOS E CONTRIBUIÇÕES PARA O APRIMORAMENTO DAS MATRIZES DE REFERÊNCIA DE
LINGUAGENS E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
Por Antonio Carlos Xavier1
Resumo: Este trabalho visa oferecer uma contribuição crítica para atualizar as Matrizes de Referência sobre as Competências e Habilidades que orientam as avaliações aplicadas pelo INEP/MEC em diferentes níveis da educação brasileira. Faz-se uma reflexão sobre a necessidade de se articular a língua
e as linguagem às tecnologias dentro de uma prática docente contextualizada. Como resultado, apresentam-se três descritores hipertextuais que deveriam constar na nova versão da Matriz de Referência a fim de contemplar as mudanças nas práticas sociais e comunicativas dos alunos submetidos às avaliações. Palavras-chave: Matrizes de Referência do INEP/MEC, descritores hipertextuais, linguagem, tecnologias. Abstract: This paper aims to provide a critical contribution to update Matrix Reference for Competencies and Skills that guide exams applied by INEP / MEC in different levels of Brazilian education. It is a reflection on the need to articulate the language with the technologies within a contextualised teaching practice. As a result, we present three descriptors hypertext which should be included in the new version of Matrix Reference to contemplate changes in social and communicative practices of students submitted to assessments.
Key-words: Matrix Reference of INEP/MEC, descriptors hypertext, language, technologie.
1 Professor Titular em Linguística do Departamento de Letras da UFPE. Atua na Graduação e Pós-Graduação do PPGL. É
pesquisador-chefe do Nehte, Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação (ufpe.br/nehte), que também é Grupo de Pesquisa interinstitucional cadastrado na Plataforma do CNPq. É membro do GT Linguagem e Tecnologia da Anpoll. Este texto recebeu sugestões de membros deste GT, tais como os professores: Vera Menezes, Luiz Fernando Gomes e Kátia Tavares.
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Introdução
A linguagem é um fenômeno comportamental que revela a natureza
cognitiva, social e tecnológica do homem.
Os estudos científicos sobre as línguas enquanto dispositivos naturais de
comunicação têm constatado que elas se caracterizam necessariamente por serem
heterogêneas, variadas, variáveis, indeterminadas, sociais, históricas, situadas e,
principalmente, interativas. As línguas, ou seja, as linguagens naturais, são
technés, tecnologias que resultaram de esforços engenhosos da inteligência
humana para alcançar um objetivo claro: estabelecer relações intra e
interpessoais. A criação da linguagem possibilitou ao homem desenvolver, ao longo
da história, outros sistemas artificiais de comunicação capazes de ampliar sua
capacidade de expressão a longo alcance.
As linguagens artificiais (códigos de trânsito, musical, matemática, lógica,
computacional) são sistemas de comunicação que, nos últimos tempos, têm
recebido uma atenção especial dos cientistas por se apresentarem como
instrumentos facilitadores de práticas sociais. A linguagem digital têm se mostrado
aplicável não apenas como novos modos de comunicar informações, mas,
sobretudo, como ferramentas tecnológicas que viabilizam a convergência de outras
linguagens permitindo o acesso a uma miríade de dados com aquisição de saberes a
partir de lugares reais ou virtuais.
Não há dúvida de que os processos tecnológicos de digitalização e a
convergência de linguagens já apresentam reflexos significativos em vários setores
da sociedade inclusive nas instituições de educação. Por isso, os órgãos
responsáveis pela criação e avaliação das políticas educacionais no Brasil têm como
grande desafio induzir insistentemente, através da elaboração de diretrizes e
parâmetros, docentes e gestores a repensar suas teorias de aprendizagem, seus
conteúdos programáticos e suas abordagens metodológicas, a fim de adequá-las às
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novas demandas intelectuais, socioculturais e profissionais que hoje se nos
apresentam.
1. Concepções de aprendizagem de língua, de linguagem e de tecnologia
No atual estágio dos estudos científicos da linguagem, não podemos mais
continuar concebendo o fenômeno língua como uma faculdade da razão humana
totalmente desvinculada de outras tecnologias inventadas para potencializar o ato
de tornar comum a outrem ideias, desejos e valores. Caiu sua blindagem; ela se
imiscuiu a modos tecnológicos de enunciar; a língua somou-se às linguagens
artificiais fato que as transformou em uma só, forte e poderosa ferramenta
tecnológica de informação, comunicação e aprendizagem. Por essa razão,
precisamos conceber o processo pedagógico e suas formas de avaliação como
fenômenos com dupla face: linguística e tecnológica.
Por linguagem entendemos ser uma disposição natural do ser humano para
expressar seus sentimentos, intenções e expectativas. A linguagem atualiza a
tendência do homem a compartilhar seus pensamentos e revela sua inclinação para
interagir por meio de múltiplos signos formatados em diferentes elementos
semióticos (fonemas, grafemas, gestos, imagens) que tenham por propósito
executar a necessidade de expressão humana.
A língua é uma das manifestações da linguagem; a mais comum entre os
seres humanos. Por meio de signos verbais, a língua põe em funcionamento o
processo de interação entre sujeitos. Provavelmente, por ser a primeira forma de
linguagem a que temos acesso quando da nossa chegada ao mundo, somos
conduzidos irresistivelmente a aprendê-la desde a mais tenra idade a fim de nos
constituirmos como sujeitos sociais. Normalmente, ela é a última forma de
linguagem a que recorremos antes de morrer. A língua é responsável pela
coordenação do processamento dos dados acessados pela percepção ativada e
transmitida pela rede neural (audição, visão, tato, gustação e olfato) e orienta o
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tratamento cognitivo que tais dados receberão do raciocínio, da memória e da
imaginação.
Portanto, postulamos a língua como uma tecnologia cognitiva que permite o
processamento de informações verbais ultimamente bastante clivadas por objetos
semióticos não-verbais. Por essa razão, o saber a ser ensinado/aprendido, as
formas de fazê-lo e os critérios de sua avaliação precisam ser estrategicamente
formulados e constantemente reformulados a fim de manterem-se sempre
atualizados.
Salvo prova em contrário, o ensino/aprendizagem de Língua Materna e
Estrangeira Moderna deve ser visto sob este prisma, o da língua (materna ou
estrangeira) mesclada por linguagens outras, que não apenas complementam o
processamento do sentido, mas que corroboram para produzi-lo.
Para os propósitos desta reflexão teórica, cujos rebatimentos práticos visam
o aperfeiçoamento das Matrizes de Referência, adotamos a concepção de
tecnologia como um conhecimento criado, desenvolvido e aplicado para resolver
eventuais problemas de limitação física ou intelectiva do homem. A tecnologia
materializa-se por meio de produtos, equipamentos e instrumentos complexos que
por vezes promovem aumento na velocidade de nossas ações e oferecem-nos
ganhos de produtividade e qualidade na realização de certas atividades e/ou
confecção de produtos.
Partindo da perspectiva de que, contemporaneamente, as línguas naturais
estão entrelaçadas às linguagens artificiais pelas tecnologias digitais, teceremos
considerações sobre as Matrizes de Referência, assim como apresentaremos
sugestões de acréscimos de descritores aos Tópicos, objetos de conhecimento. A
nosso ver, tais acréscimos serão necessários a fim de complementar a grade de
descritores das Matrizes de Referência constitutivos dos sistemas de avaliação de
aprendizagem e assim induzir a prática de ensino/aprendizagem de Língua
Portuguesa de modo mais adequado à realidade dos estudantes contemporâneos.
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Sem dúvida, grande parte das crianças, adolescentes e jovens de hoje já
lidam intensamente com a língua mesclada a outras linguagens quando acessam
computadores e celulares, equipamentos digitais que viabilizam a convergência de
diferentes sistemas de linguagem e de comunicação. Sendo assim, as práticas de
interação dos estudantes contemporâneos dentro e principalmente fora dos muros
da escola devem ser previstas, incorporadas e fomentadas pelos sistemas de
avaliação, posto que são reais, embora ocorram em ambientes digitais.
Em face à intensificação do uso das novas tecnologias que tem adentrado às
escolas atualmente, apresentamos sugestões de descritores que visam a
contemplar esta nova realidade. Antes, porém, abordaremos a relação
interdisciplinar como característica constitutiva do papel da linguagem, e
defenderemos a necessidade de sua contextualização articulada a temas
transversais urgentes que precisam ser trazidos à discussão na sala de aula.
2. Linguagem, tecnologia e contexto interdisciplinar
A vida real funciona integrada e interdisciplinarmente. Todavia, alguns
professores ainda não perceberam esse fato e continuam a propor atividades
descontextualizadas e distantes da vida concreta dos aprendizes.
A existência humana tem inúmeras dimensões que se interpõem,
interpenetram-se e interagem. Para facilitar a análise dos diferentes aspectos
constitutivos da vida e descobrir seus segredos, os homens costumam segmentá-la,
dividi-la, entrecortá-la em pedaços menores. Didaticamente, este é o modus
operandi mais indicado pela lógica científica e vem há séculos sendo seguido por
aqueles cujo ofício é explicitar a outros um determinado estado de coisas,
apresentando-lhes motivos que justifiquem o modo de ser daquilo que é ou está no
foco da explicação. Este procedimento metodológico de análise é próprio do fazer
docente. Porém, ele possui um movimento oposto, a síntese, muitas vezes ignorada
pelo professor no momento de sua exposição. A prática de muitos deles tem sido a
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de expor e analisar um objeto de conhecimento sem, no entanto, sintetizá-lo e
muito menos contextualizá-lo. Muitas vezes este processo é delegado ao estudante
que, de acordo com seu nível escolar, pode ainda não ter condições cognitivas
suficientes para fazê-lo satisfatoriamente.
Parece-nos de fundamental importância que o docente, no instante em que
puser o programa escolar em ação, planeje detalhadamente sua exposição e
elabore atividades que permitam o estudante entender o saber a ser ensinado
lançando mão da contextualização. Ele precisa perceber cognitivamente e praticar
efetivamente o conteúdo que lhe é apresentado como saber necessário ao seu
processo de formação intelectual e constituição cidadã. Saberes outros como os
adquiridos fora do ambiente escolar através de experiências socioculturais,
vivências político-econômicas e o legado de saber do senso comum são também de
grande importância para o desenvolvimento de habilidades e competências
relativas à aprendizagem de língua. Nesta perspectiva, todos os conhecimentos
devem também ser valorizados e conjuntamente trabalhados durante o processo de
pedagógico.
Entendendo contexto como um evento acontecido ou acontecendo em um
lugar no tempo e na história, com sujeitos atravessados por suas ideologias,
crenças e valores, e concebendo a interdisciplinaridade como característica
constitutiva da própria vida, é possível aplicar em sala de aula um fazer-saber mais
eficaz no que concerne ao ensino/aprendizagem de língua. Portanto, se o professor
passar a praticar a contextualização dos saberes a serem ensinados e descobrir o
potencial pedagógico da utilização do contexto não apenas no ambiente real, mas
também no ambiente virtual, ele encontrará nas TIC um apoio pedagógico bastante
atrativo aos estudantes e altamente flexível e reutilizável posteriormente.
A chegada dos novos aparatos tecnológicos à sociedade e,
consequentemente, ao ambiente escolar tem favorecido enormemente a prática
docente. Anunciam-se bastante promissores os resultados advindos da equação
entre contextualização dos objetos de conhecimento + interdisciplinaridade + uso
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de tecnologias na educação. Os computadores, celulares e tablets conectados à
internet, dotados de programas que processam, armazenam e veiculam dados
multissemioticamente são considerados pelos estudantes, professores e diretores
importantes instrumentos para o auxílio à aprendizagem. Se o aprendizado de
línguas for contextualizado de modo interdisciplinar sobre um suporte das
Tecnologias de Informação e Comunicação, será possível aplicar as Matrizes de
Referência e seus tópicos de modo eficaz na prática pedagógica e colher os frutos
visíveis pelo aumento nos escores revelados pelos sistemas de avaliação.
A nosso ver, o ensino/aprendizagem de línguas é o lugar mais oportuno para
se trabalhar interdisciplinarmente. Das línguas emanam, estabelecem-se e
espraiam-se os saberes a serem ensinados nas demais disciplinas. A língua por si é
um saber a ser ensinado, que simultaneamente encapsula saberes e os expõe,
consolidando-se como peça essencial para o funcionamento cognitivo, social e
tecnológico dos sujeitos.
Defendemos, portanto, a ideia de que as TIC podem se tornar importantes
aliadas às práticas pedagógicas contemporâneas. Um parte ainda que pequena dos
educadores brasileiros já descobriu o potencial educativo delas como indicou outra
pesquisa sobre uso de tecnologias na educação.
Em suma, ainda que pareça redundante e óbvio, reafirmamos que, no
trabalho pedagógico com a língua, o docente deve considerar o contexto de sua
utilização, a relação que ela mantém com as demais disciplinas, bem como os
temas que naturalmente ela articula para, considerando tudo isso, planejar aulas
que contenham os mais avançados e eficientes aparatos tecnológicos disponíveis no
espaço escolar. Ao mesmo tempo em que as TIC podem atrair o interesse do
aprendiz por seus inerentes fatores de inovação e de modernidade, fato contatado
pelos resultados apresentados pela primeira pesquisa aqui citada, elas podem
acelerar o processo de apropriação de competências e de habilidades fundamentais
à vida dele, enquanto cidadão do século XXI, idealizado para ser intelectualmente
emancipado e humanamente sensível.
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3. Contribuições para o aprimoramento das Matrizes de Referência do eixo
Linguagens e Tecnologias de Informação e de Comunicação.
Em termos gerais, as pesquisas OI Futuro e TIC Educação 2010, brevemente
aqui comentadas, revelam-nos que os professores estão efetuando os primeiros
passos para a apropriação relevante do potencial pedagógico a ser extraído dos
sistemas de hipermídia/TIC. Entretanto, é preciso fazê-los descobrir com mais
celeridade este potencial, estimulá-los a planejar atividades cognitivamente
desafiadoras, capitaneadas por situações-problemas e que envolvam as TIC de
modo direto como ferramentas de facilitação das etapas do laborioso processo de
aprendizagem. É importante convencer os docentes a inserir naturalmente os
sistemas de hipermídia no seu quotidiano profissional, pois seu emprego é
inevitável na educação contemporânea.
As informações postadas em TIC oriundas dos diversos sistemas de
hipermídias como slides em datashow, quadros digitais e hipertexto em páginas
web off e on-line são semioticamente mais complexas do que as que povoam a
bidimensionalidade dos textos impressos. Elas exigem do leitor uma abordagem de
apreensão de sentido diferente, conforme afirma Xavier (2009b). Como a leitura de
dados ancorados em TIC tem sido cada vez mais comum na vida dos estudantes em
todos os níveis de ensino, parece-nos necessário ampliar e inserir alguns descritores
ausentes nos Tópicos II, III e VI da Matriz de Referência que abrangem o SAEB, o
Encceja e o ENEM, a fim de avaliar os estudantes submetidos a tais avaliações.
3.2. Contribuição ao Tópico II da Matriz de Referência
Passamos a apresentar as nossas contribuições para Tópico II que trata das
“Implicações do Suporte, do Gênero e/ou do Enunciador na Compreensão do
Texto”.
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Figura 6
Fonte: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/prova%20brasil_matriz2.pdf Acesso em: 02 set.
2011.
Partimos do princípio de que o hipertexto acolhe diferentes semioses (texto,
imagem e som), que dividem a relevância das informações nelas contidas de modo
igualmente importante para a construção geral do sentido. Parece-nos
cientificamente coerente não tratarmos como mero “material gráfico diverso
(propagandas, quadrinhos, foto)” o que efetivamente são gêneros textuais outros.
Exceto a fotografia que pode está inserida em gêneros diversos, as propagandas e
os quadrinhos são gêneros textuais independentes e guardam suas idiossincrasias
genéricas. Não são apenas elementos paratextuais de auxílio à construção de
sentido do texto verbal. Antes são gêneros constituídos hibridamente e assim
funcionam como gêneros textuais particulares. A foto, tratada no Tópico II também
como material gráfico auxiliar é uma formas de semiose, ou seja, uma
representação de uma ideia a ser comunicada de modo completo; pode ser
classificada como um “texto” por muitas vezes constituir uma unidade plena de
significado, cuja funcionalidade deve obediência a uma “gramática” particular que
a caracteriza enquanto tal. A foto sozinha constrói sentido, não apenas reforça
sentidos sugeridos pelas palavras. Esta é uma semiose que discursa de modo
completo e autônomo sempre que aparece só ou acompanhada de texto verbal ou
outra semiose como a sonoridade.
Nesta perspectiva, diante da complexidade semiótica do hipertexto, ou até
mesmo das apresentações de informações em slides sobre datashow por programas
do tipo Power-Point ou Prezzi, por exemplo, que suportam simultaneamente as três
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semioses (texto, imagem e som), parece-nos necessário acrescentar um novo
Descritor à Matriz de Referência. Ele surge para dar conta deste desafio cognitivo
recém-chegado com o qual nos defrontamos em nossos acessos às TIC/Sistemas de
hipermídia cada vez mais frequentemente. Denominaremos este novo Descritor de
D22, que tratará de:
Distinguir as diferentes semioses que compõem as páginas web
(hipertextos) identificando e manuseando suas especificidades
operacionais, bem como reconhecendo a função de cada uma das
semioses para a construção total do sentido do hipertexto acessado.
Por hipertexto2, cumpre-nos esclarecer, estamos entendendo serem as
informações apresentadas simultaneamente em palavras, imagens e vídeos
ancoradas em TIC/Sistema de hipermídia (tela de computador, display de celular,
visor de tablet etc.) como suporte de mensagens no qual seus usuários acessam,
produzem e veiculam dados.
Que habilidade pretendemos avaliar?
A habilidade que se pretende avaliar neste descritor é a capacidade do
estudante para, não só identificar a presença de outras semioses juntamente com a
verbal na tela da TIC/Sistema de hipermídia, mas também saber lidar com suas
especificidades de operação e perceber a relevância semântica delas na apreensão
geral do sentido produzido e disponibilizado sobre o suporte digital. O estudante
em avaliação deverá ser capaz de enxergar como as linguagens integradas e
estrategicamente organizadas podem ampliar, fortalecer e ratificar uma
determinada significação que o usuário-produtor da informação desejou comunicar.
2 Theodore Nelson, cunhador do termo hipertexto, define-o como um sistema de organização de dados tanto quanto pode
constituir um modo de pensar por associação como é próprio da cognição humana. É nesta perspectiva que trabalhamos com este conceito aqui.
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Certamente só será possível avaliar a habilidade proposta neste descritor se
os testes dos sistemas de avaliação forem aplicados em TIC/Sistemas de hipermídia
on-line. Estamos caminhando nesta direção, posto que as escolas brasileiras têm
sido equipadas e seus docentes estimulados a utilizá-las em seu quotidiano, como
as pesquisas citadas revelaram. Acreditamos que em breve as TIC/sistemas de
hipermídia serão recursos tão comuns na escola quanto são hoje o giz, o lápis e o
livro-texto.
Esta possibilidade de teste de avaliação em sistemas de hipermídia deverá
ser adotada pelo INEP/MEC bem antes do que podemos imaginar, uma vez que a
ampliação do acesso dos brasileiros, sobretudo os mais jovens, aos computadores e
à internet em banda larga tem sido uma realidade notória. Se o Plano Geral de
Metas de Universalização (PGMU), uma espécie de planejamento estratégico para a
expansão da oferta de internet com velocidade rápida, elaborado pelo Ministério
das Comunicações for implementado3 de fato, haverá uma ampliação do acesso às
TIC/sistemas de hipermídia com banda larga nos mais distantes rincões do Brasil.
As Matrizes de Referência, seus tópicos e descritores precisam se preparar
para este futuro, nem tão distantes assim. Elas devem prever desde já a logística
de aplicação de seus testes para além do papel impresso como suporte material, e
vislumbrar suportes outros nos quais as avaliações dos sistemas deverão se ancorar.
A habilidade proposta no descritor D22 pode ser avaliada por meio da análise
das informações disponibilizadas em hipertextos. Para demonstrar essa habilidade,
o estudante deverá ler as informações apresentadas multissemioticamente em
texto verbal, imagético e sonoro e saber navegar sobre os links que acionam essas
diferentes semioses sem se dispersar do fulcro da discussão que subjaz àquele
hipertexto em exploração. Além de perceber a convergência de linguagens, ele
deverá integrá-las de modo coerente a fim de responder à questão solicitada no
item do tópico.
3 O Plano Geral de Metas de Universalização prevê o acesso de internet em alta velocidade a 100% dos órgãos do governo
incluindo todas as unidades da federação, dos estados e dos municípios, assim como as 70 mil escolas rurais que ainda não estão atendidas. A meta inclui atingir as 177 unidades de saúde existentes Brasil, e chegar as cerca de 10 mil bibliotecas públicas. O plano visa também implantar 100 mil novos telecentros comunitários até 2014.
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Tomemos como exemplo de item um hipertexto do jornal Folha.com, um
diário publicado on-line e atualizado em tempo real. Ele faz parte de uma das
versões do Jornal Folha de São Paulo. Além da versão tradicional impressa, a
maioria dos grandes jornais brasileiros mantém uma versão on-line e a chamada
versão Flip4.
O item para ser respondido pelo estudante seria o seguinte:
Diante da página web do jornal on-line Folha.com com informações sobre um
mesmo fato em dois lugares visíveis na página a seguir pergunta-se:
Figura 7
Fonte: www.folha.uol.com.br Acesso em: 18 set. 2011.
Que notícia poderia ser lida pelo internauta a partir de dois lugares (links)
diferentes disponíveis para acesso pela página web apresentada?
4 Versão Flip de jornal é um formato no qual as notícias e as reportagens são transferidas diretamente do impresso para o site
sem que os textos sofram adaptação no tamanho nem as imagens, gráficos e fotografias sejam modificados. Na versão Flip, a passagem de uma página a outra se assemelha com a que é feita durante a leitura da versão impressa do jornal, incrementada até com um efeito sonoro que lembra a mudança de página em papel.
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(A) Uso de recursos do BNDES em obras fora do país.
(B) Aumento de IPI para proteger carros nacionais.
(C) Partida de futebol inglesa pode ser acompanhada pelo site em tempo
real.
(D) Há 100 dias chuvas não caem no DF.
Embora todas as respostas das alternativas estejam parafraseadas, elas são
verdadeiras do ponto de vista da veracidade da informação. Todavia, apenas a
alternativa A (Uso de recursos do BNDES em obras fora do país) apresenta duas
formas de acesso à mesma notícia (clicando sobre a fotografia da capa do jornal
Folha de São Paulo que está com link no lado esquerdo da página web, ou
acionando o link situado no centro da página web). O estudante, que navega com
desenvoltura na internet, identificará com facilidade as duas possibilidades de
acesso à mesma informação e provavelmente saberá aprofundar e complementar a
leitura acessando ambas. O estudante menos habilidoso neste aspecto poderá,
além de ter dificuldade em interpretar as notícias por causa da paráfrase, talvez
não consiga perceber que o mesmo fato noticiado poderia ser acessado a partir de
mais de um lugar (link) oferecido no tal hipertexto.
Um jornal on-line oferece sempre mais alternativas de exploração da
informação do que o impresso, pois a tecnologia digital suporta vídeos sonorizados
e outros links com outras fontes de notícia que conduzem o leitor a uma
abordagem mais completa da informação. A maioria dos sites, blogs e redes sociais
de relacionamento agrega uma série de possibilidade de semioses e permite uma
grande quantidade de compartilhamento de informação que os estudantes e
docentes devem dominar, já que o acesso aos dados está cada vez mais digitalizado
em sistemas de hipermídia.
A avaliação do descritor D22 aqui sugerido recairá exatamente sobre a
habilidade do estudante para, diante de tantas semioses disponíveis a sua frente
sobre a mesma informação digitalizada, conseguir realizar a ação indicada no item
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da questão. Ele deverá demonstrar que sabe usufruir das vantagens cognitivas de
ler, ver e ouvir uma mesma informação veiculada em sistemas de hipermídia.
Que sugestões podem ser oferecidas para desenvolver melhor esta habilidade?
Para trabalhar essa habilidade, o professor poderá levar os estudantes ao
laboratório de informática e lá fazê-los explorar sites, blogs de jornalistas e até
sites de relacionamento incrementados por multimodalidade constitutiva dos
sistemas de hipermídia. Dessa forma, será mais fácil criar nos estudantes o hábito
de ler jornais on-line, blogs e compartilhar conhecimentos de modo mais
sensorialmente abrangente. Além disso, a prática de atividades com sites
jornalísticos, blogs diversos e sites de relacionamento pode despertar nos
estudantes o desejo de acessar mais de uma fonte de informação que teria
divulgado o mesmo acontecimento e seus respectivos diferentes pontos de vista.
Aumentar os ângulos de abordagem de um fato pelo acesso às fotografias e aos
vídeos, além dos textos verbais, pode trazer como consequência maior clareza e
mais segurança sobre a veracidade da notícia a cujas conclusões o leitor deve
chegar por si mesmo, fato que difícil de acontecer quando se tem acesso a apenas
uma fonte ou recurso linguístico.
3.2. Contribuição ao Tópico III da Matriz de Referência
Outra sugestão de descritor que gostaríamos de apresentar à Matriz de
Referência atual relaciona-se ao Tópico III. Ele é composto pelos descritores D15,
D20 e D21, como constam da Figura 8 a seguir.
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Figura 8
Fonte: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/prova%20brasil_matriz2.pdf Acesso em: 02 set.
2011.
Propomos, então, que seja acrescentado o descritor que denominamos de
D23:
Reconhecer os links em formato de palavras, fotografias, infográficos e
vídeos como recursos cuja função é ampliar informações, entrecruzar
ideias e aprofundar perspectivas sobre um determinado conceito, fato ou
evento focalizado em hipertextos.
Que habilidade pretendemos avaliar?
Sabendo que os links são mecanismos de referenciação digital, isto é,
apontam virtualmente para um determinado lugar dentro ou fora do hipertexto on-
line (XAVIER, 2009a), a habilidade a ser avaliada neste descritor é a capacidade de
o estudante gerenciar adequadamente a abordagem leitora de uma página web
diante da grande oferta de links relacionados a um tema principal. Em outras
palavras, busca-se observar a destreza do estudante para acionar os links, sem ter
que fugir ao tema que é o saber a ser ensinado pelo professor.
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A dispersão é um dos principais obstáculos para o processamento da leitura
em qualquer suporte e para qualquer leitor, principalmente para crianças e
adolescentes. Muitos professores relutam em utilizar algumas TIC, em especial, as
do laboratório de informática com acesso à internet como espaço de aprendizagem
exatamente por causa da possibilidade de dispersão que o acesso à grande rede
pode provocar durante a aula. Normalmente atividades com a mediação de
TIC/Sistemas de hipermídia exigem muito planejamento e uma grande atenção
durante a execução, posto que, o computador permite a exploração de várias
alternativas de entretenimento, sobretudo quando está on-line. Sem dúvida, para
os estudantes, a navegação em rede é bem mais sedutora do que muitas das
atividades escolares lineares e bidimensionais propostas por alguns professores
pouco hábeis no uso das TIC.
O objetivo deste descritor é testar a habilidade do estudante para
“consultar” os links disponíveis sem, todavia, perder de vista o foco do tema,
assunto ou questão apresentado pelo professor como conteúdo da aula a ser
lecionada. É grande a tentação exercida pelos movimentos, cores e formatos dos
links que convidam o leitor à exploração. Para resistir a este jogo de sedução
digital, só mesmo desenvolvendo no aprendiz o senso de gerenciamento da leitura
proficiente no hipertexto, a fim de que a abordagem do site e de seus links gere
conhecimentos úteis.
Os links levam o leitor a outros sítios virtuais de igual modo rico
informativamente que podem facilmente desviar a atenção discente do viés
apresentado pelo docente. Saber administrar adequadamente a exploração dos
links disponíveis em um hipertexto é uma habilidade que pode e deve ser
desenvolvida na escola, pois é preciso ensinar ao aprendiz a extrair o máximo dos
dados indexados à rede sem perda de tempo. Remetemo-nos aqui à leitura em
hipertextos com fins de aprendizagem acadêmico-escolar, pois a navegação livre,
flâner, não tem compromisso com um tema ou conteúdo específico. O navegador
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simplesmente flaina aleatoriamente, passeia sem destino na internet. Isto precisa
ser evitado na aula com TIC on-line.
Por sua natureza essencialmente relacional, os links ratificam o princípio das
vinculações necessárias entre textos/discursos, conceito conhecido como
intertextualidade na Literatura e na Linguística. Dentro dos sistemas de
hipermídia, a concepção de intertextualidade ganha uma dimensão bem maior,
pois uma vez indexados em rede os discursos materializados em hipertextos se
interconectam com todos os demais que também estiverem on-line. Encadeados no
mesmo sistema digital, todos potencialmente conversam e dialogam entre si, ainda
que assumam pontos de vista notadamente opostos.
Esta habilidade pode ser avaliada quando o estudante acessa os links
ancorados em hipertextos. Para demonstrar tal habilidade, o estudante deverá
navegar clicando sobre os links relacionados a um dos temas indicados pelo item da
questão como no exemplo que apresentamos a seguir.
Figura 9
Fonte: http://portal.mec.gov.br Acesso em: 22 set. 2011.
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Figura 10
Fonte: http://portal.mec.gov.br Acesso em: 22 set. 2011.
O item para ser respondido pelo estudante teria como ponto de partida as
informações sobre ações, projetos e programas desenvolvidos pelo MEC, conforme
as Figuras 9 e 10. O estudante seria, então, desafiado, por exemplo, a descobrir
uma informação específica relevante que o ajudasse a se preparar melhor para as
provas do Enem explorando o site do próprio MEC. Poderia ser perguntado o
seguinte:
O site do Ministério da Educação disponibiliza links com informações que
podem ajudar o candidato ao Enem a se preparar melhor para as avaliações. A
partir da navegação pelo portal digital do MEC, indique qual dos links nas
alternativas abaixo contém documentos ricos em informação que contribuam direta
e especificamente para ampliar os conhecimentos do estudante para efetuar a
prova de linguagens, códigos e suas tecnologias?
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(A)
Inclusão
(B)
Relatório
Avaliação do Plano Plurianual 2008-2011 (Base 2010)
(C)
Ensino Superior
(D)
Biblioteca Virtual em Software Livre
Somente a exploração adequada pelos links permite que o estudante chegue
à alternativa (D) que é a resposta esperada. Neste link, o avaliado poderá acessar e
copiar gratuitamente para si as obras completas de Machado de Assis; as poesias do
poeta português Fernando Pessoa; alguns livros infantis; artigos de intelectuais
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brasileiros que se posicionaram contra o preconceito linguístico no link “Dossiê”
sobre o livro didático Viver e Aprender, em torno do qual a mídia gerou uma
grande polêmica referente ao ensino da modalidade não-padrão da Língua
Portuguesa na escola, entre maio e julho de 2011, entre outros documentos
literários e científicos importantes.
Os links funcionam como vetores que encapsulam e articulam dados endo e
exoforicamente ao hipertexto. São organizados estrategicamente na página web
para dinamizá-la, exemplificando e detalhando aspectos mencionados. Sugerem
rotas alternativas para informações complementares que transcendem o limite da
página web acessada. No caso do site em questão, a ação solicitada pelo item
exigiria apenas a exploração dentro do próprio portal do MEC. Testar-se-ia com
este descritor a capacidade de focalização do estudante para se ater à busca de
informações relevantes que estariam encapsuladas em links, que também
entrecruzam ideias e aprofundam perspectivas de um dado fenômeno a ser
trabalhado pelo professor na sala de aula.
Que sugestões podem ser oferecidas para desenvolver melhor esta habilidade?
Para desenvolver tal habilidade, o professor poderá conduzir os aprendizes
ao laboratório de informática a fim de, com o computador on-line, explorar links
de portais, de blogs e de sites de relacionamento, solicitando aos estudantes uma
informação específica que mantenha relação com o conteúdo a ser ensinado.
Salientamos que o sucesso de aulas com TIC dependem da colaboração de
uma série de fatores técnicos, pedagógicos e emocionais. Para questionar,
complementar e comparar informações conectadas por links, são necessários ao
professor: o domínio do funcionamento dos equipamentos tecnológicos, uma
elaboração detalhada de cada momento da ação pedagógica e uma grande
capacidade de sensibilização para convencer os estudantes da pertinência da
execução correta da atividade sugerida. Fazer o estudante aprender a selecionar, a
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contextualizar e a sintetizar informações interconectadas em um hipertexto por
afinidades temáticas exige do docente um esforço acadêmico que envolve
planejamento, sagacidade e perseverança para o alcance desta meta pedagógica.
3.3. Contribuição ao Tópico VI da Matriz de Referência
A última, mas não menos importante contribuição ao aprimoramento da
Matriz de Referência que temos a fazer é uma sugestão de descritor ao Tópico VI
relativo à variação linguística. Ele é composto pelos descritores D10 e D13, como
constam da Figura 11 a seguir.
Figura 11
Fonte: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/prova%20brasil_matriz2.pdf Acesso em: 02 set.
2011.
O acréscimo deste descritor, que denominamos de D24, busca ensejar um
fenômeno linguístico que tem gerado controvérsias entre professores no que
concerne à aprendizagem da forma padrão da Língua Portuguesa. O descritor
sugerido contempla o “internetês”, uma espécie de dialeto escrito na tela do
computador que, desde a invenção da internet, tem sido bastante frequente nas
práticas linguageiras de crianças, adolescentes, jovens e até adultos que fazem uso
dos equipamentos digitais (XAVIER 2011b) e não só em Língua Portuguesa, mas em
diversas outras língua, como o inglês, que David Crystal (2004, chamou de
netspeak.
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Reconhecer o “internetês”, utilizado em determinados gêneros digitais
(Chat, Programa de conversação síncrona, Torpedo (SMS), E-Fórum,
Twitter etc.), como uma variação linguística expressiva da Língua
Portuguesa, cujo emprego deve-se adequar a contextos específicos de
comunicação mediada por computador (CMC).
Tomamos aqui o internetês como uma variação dialetal na modalidade
escrita da língua, cujos usuários organizam de modo peculiar os recursos
linguísticos e não-linguísticos na tela de equipamentos digitais (2011a).
O internetês surgiu da necessidade dos usuários interagirem pelo
computador com a mesma velocidade e espontaneidade que o fazem na oralidade,
como afirmou Crystal (2004). Ao longo do tempo, eles foram sugerindo
modificações na escrita das palavras e reconfigurando símbolos e sinais diacríticos
disponíveis no teclado. Este dialeto escrito na tela ou no display de celular e
tablets tenta reproduzir a sonoridade da pronúncia coloquial, suprimindo
consoantes e vogais, bem como abreviando as palavras mais constantes em
situações de informalidade linguística. No entanto, as modificações promovidas na
forma das palavras não impossibilitam a recuperação do vocábulo modificado, já
que geralmente se preservam as consoantes principais que permitem o leitor
reconhecer, com a ajuda do contexto linguístico, qual palavra teria sido abreviada
como, por exemplo, ocorre com as abreviações de: td (tudo), blz (beleza), kd
(cadê), flw (falou) etc..
Consideramos Gêneros Digitais os formatos de produção de textos escritos
que foram criados depois do surgimento da internet. Eles só se realizam a partir de
algum suporte de base digital e por isso são chamados de Gêneros Digitais, segundo
Marcuschi (2009). São eles:
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Chat - é uma conversa a distância em tempo real, que geralmente acontece dentro
de portais virtuais e servidores de conexão à internet e são também chamados de
bate-papos;
Programas para Conversação Instantânea – permitem o envio e a recepção de
mensagens por membros de comunidades virtuais a sites de relacionamento como
Orkut, Facebook etc. ou por meio de um programa de computação específico a
exemplo do MSN, da empresa Mycrosoft e do Gtalk, da empresa Google;
SMS (Serviço de Mensagem Curta) – é também denominado de Torpedo, e acomoda
mensagens curtas com até 160 toques em formato de texto, de imagem e de som,
podendo ser enviado tanto de celulares quanto de computadores;
Twitter - é um modo objetivo e conciso de enviar mensagens de texto, fotos,
vídeos, suportando o máximo de 140 caracteres;
E-Fórum – trata-se de um gênero de texto aberto à discussão de questões polêmicas
de modo síncrono ou assíncrono, permitindo a leitura e a postagem de opiniões
geralmente ancorados em blogs, sites de relacionamento e portais virtuais de
grandes servidores de conexão à internet.
Que habilidade pretendemos avaliar?
Constatando seu uso na prática de escrita dos aprendizes, fora do ambiente
escolar, seria bem salutar ao docente de Língua Portuguesa trazê-lo para dentro
deste ambiente. Para isso, será necessário evitar combater esta forma de
utilização da escrita como um obstáculo à aquisição da língua padrão. Antes o
professor poderia aproveitar o domínio que os estudantes possuem sobre tal dialeto
escrito em suas interações pela internet para, comparativamente, ajudá-los a se
apropriar da forma de escrita padrão do Português. O estudante poderá, então,
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aumentar sua consciência sobre os mecanismos linguísticos disponíveis e mais
eficientes para ele optar escrever seu propósito comunicativo em um gênero
textual ou digital mais adequado. Em outras palavras, o docente, ao invés de
ignorar ou repudiar acintosamente o internetês, como ainda acontece em muitas
escolas, deveria transformá-lo em aliado à aprendizagem da variante formal da
língua. Trabalharia, assim, a questão da variação na linguagem, mostrando ao
aprendiz o real valor e o lugar ideal de cada um dos dialetos nas diferentes
comunidades de fala, sendo o internetês mais um entre eles.
Nesta perspectiva, a habilidade a avaliar por este descritor seria a
competência do estudante para reconhecer a expressividade e a comunicabilidade
das diversas variantes linguísticas, inclusive o “internetês”. Caberia a ele
demonstrar a consciência de utilizá-las dentro de contextos e situações que lhes
sejam mais adequados, a fim de não arriscar a eficácia da interação, que, em
última análise, é o objetivo primordial de todo uso que fazemos da linguagem.
O item a ser respondido pelo estudante estaria vinculado à percepção da
distinção das características linguísticas e não-linguísticas do internetês tal como
aparece na Figura 12.
Figura 12
Fonte: BBC Acesso: 02 de set. 2011
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O estudante seria instigado a reconhecer as marcas do internetês, bem como
a mostrar sua capacidade de distingui-lo como um dialeto escrito que pode ser
“traduzido”, se necessário, para o português escrito padrão sem perder a essência
do propósito comunicativo do sujeito que a produziu, ainda que no display ou na
tela de computadores, tablets e de celulares. Formular-se-iam questões como a
que segue.
O texto da Figura 12 apresenta uma mensagem em internetês tendo como
suporte a tela do telefone celular. Sobre esta linguagem hoje bastante comum
entre usuários de computadores, tablets e celulares, é correto afirmar que:
I. Trata-se de um ‘torpedo’ no qual seu produtor busca economizar tempo e
adequar-se ao limite de palavras que este tipo de serviço oferece; caracteriza-se
por ser uma forma de escrita inadequada a qualquer situação de comunicação,
devendo, portanto, ser evitada sempre;
II. As abreviações das palavras como “td”, “ctg”, “k” e “hj” comprometem
totalmente a compreensão da mensagem na tela do celular;
III. As duas primeiras frases da mensagem poderiam ser traduzidas para o português
escrito padrão como: “Olá! Tudo bem? Como você está?” que são expressões
linguísticas comumente utilizadas por pessoas que se conhecem.
IV. As frases abreviadas “Fikei preocpado ctg. Tipo, spero k fike td bem!”
manifestam o cuidado e a atenção do locutor para com o interlocutor da
mensagem. E as frases finais do ‘torpedo’: “almuxamos hj? Ccc? Beijux” realizam
um convite daquele para com este.
V. O locutor que produz o torpedo é do sexo masculino e usa a palavra “Tipo” por
ser um termo bastante frequente entre pessoas da terceira idade.
(A) Apenas os itens I, III e V são verdadeiros;
(B) Somente o item IV é verdadeiro;
(C) São verdadeiros os itens II e III;
(D) Os únicos verdadeiros são os itens III e IV;
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A resposta esperada é a da letra (D), alternativa que contém todas as
afirmações verdadeiras. As afirmações incorretas estão nos itens I, II e V.
Considerar o ‘torpedo’ como uma forma de texto inadequada em toda situação de
comunicação é ignorar as variantes linguísticas. As palavras que aparecem
abreviadas podem ter os sentidos recuperados a partir do contexto linguístico em
que estão inseridas, pois notamos facilmente que ‘td’ é a abreviação da palavra
‘tudo’, “ctg” é o enxugamento do vocábulo ‘contigo’, “k” é a forma reduzida da
conjunção integrante ‘que’ e “hj” representa o encurtamento do advérbio
temporal ‘hoje’. Com um pouco de espírito cooperativo, é possível decifrar o que
estaria criptografado pelo internetês. Quanto à afirmação do item V, embora o
locutor manifeste seu gênero masculino pela marca morfológica ‘o’ em
“preocupado”, os jovens e não as pessoas da terceira idade têm utilizado
excessivamente a palavra “Tipo” em suas conversações espontâneas, configurando
um modo particular de identificação linguística da juventude atual.
Que sugestões podem ser oferecidas para desenvolver melhor esta habilidade?
A fim de trabalhar esta habilidade, o professor poderá propor um
mapeamento da diversidade de variantes do português padrão no Brasil e focalizar
atenção no internetês, tratando-o como mais um dialeto. Ele deve ser abordado
sem preconceito, como um produto da necessidade do homem contemporâneo de
inovar linguisticamente para se adaptar à velocidade exigida pela era das máquinas
digitais. Ao tratar o internetês de modo científico, será possível propor atividades
que levem os estudantes a utilizá-lo no momento, no lugar e com o interlocutor
adequado a fim de concretizar o objetivo para o qual foi coletivamente inventado,
isto é, ampliar a rede de relações pelo incremento da interação com pessoas ainda
que a distância sem nunca ter estado com elas fisicamente.
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A aplicação de processos de retextualização5 que visa verter o internetês
para a escrita padrão, bem como o contrário, é um tipo de exercício que poderá
ajudar o estudante a aumentar sua percepção sobre os diferentes usos da escrita.
Brincar com as formas linguísticas é um modo de ensinar e de aprender a lidar
eficientemente com os ricos mecanismos e estratégias presentes à linguagem que
deveriam ser bem mais explorados pelos professores de língua materna e
estrangeira. Trata-se de uma brincadeira séria, que exige um alto grau de reflexão
sobre a língua, alternativas de organização sintática e de escolhas lexicais que
provocam efeitos de sentido interessantes. Para auxiliar este trabalho de
“tradução”, o docente poderia estimular o estudante a consultar dicionários
tradicionais, de sinônimos e de gírias que também estão disponíveis on-line. Será
bem instigante para o professor conduzir seus estudantes à descoberta da intenção
do interlocutor que subjaz a sua mensagem ainda que aparentemente criptografada
em internetês.
Trabalhá-lo nas aulas de língua, além de contribuir para a diminuição do
preconceito linguístico, atrairá os olhares do aprendiz para as diferenças em
relação à variante padrão e poderá fazer com que, sentindo-se contemplado,
internalize as características da escrita padrão de modo natural, ou seja, pela
prática de exercícios de cotejamento e comparação. Não há dúvida de que há uma
fortuna expressiva inscrita no internetês à espera de uma boa exploração
educacional.
Considerações finais
Intencionamos neste trabalho ratificar o papel das Matrizes de Referência de
Linguagens do Encceja Ensino Médio e Enem na subárea de Tecnologias de
Informação e de Comunicação, bem como propor novos Descritores aos Tópicos já
5 De acordo com Marcuschi (2001), retextualização é um processo que consiste em transformar um texto falado originalmente
em texto escrito. Com as devidas adaptações, será possível retextualizar o “internetês” em escrita padrão da Língua Portuguesa e vice-versa, se necessário.
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existentes, no Plano de Desenvolvimento da Educação, mas não previstos à época
inicial de sua construção. Hoje a tecnologização da sociedade se faz notória e
imperativa. Uma boa parte dos estudantes contemporâneos brasileiros a domina e
as demandas diversas conduzem os rumos da prática pedagógica à inserção
inevitável das TIC na Educação. Inclusive já há escolas brasileiras que estão
substituindo os livros-textos impressos pelo tablete, no qual estão inserindo todo o
conteúdo programático das disciplinas neste equipamento multimídia, tal como foi
publicado pelo Portal G1 em fevereiro de 2011.
Nossa contribuição, além da reflexão sobre uma concepção de
ensino/aprendizagem de Linguagem vinculada necessariamente às TIC/Sistemas de
hipermídia, da abordagem sobre a natureza interdisciplinar da linguagem, da
defesa da transversalidade de temáticas que a linguagem integra e da
argumentação em favor da contextualização do saber a ser ensinado, propomos
três novos descritores (D22, D23 e D24). Esperamos que essas propostas ajudem a
impulsionar as Matrizes de Referência a alcançar patamares de excelência no que
concerne à sua função indutora de ações pedagógicas e avaliadora de práticas de
ensino/aprendizagem alinhadas aos avanços tecnológicos notórios em nosso
cotidiano.
Todavia, este texto não esgota as contribuições necessárias ao
aperfeiçoamento das Matrizes de Referência. Antes temos a real consciência de
que ele é um pequeno elo na grade de tópicos e descritores que orientam o
trabalho pedagógico dos professores. Este texto se constitui uma construção
inacabada e continua aberto a complementações que permitam levá-lo ao
amadurecimento, para assim cumprir bem seu papel de servir de fonte de reflexão
ao aperfeiçoamento das Matrizes de Referência de um modo geral.
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