descobertas na selva

100
SUPLEMENTO ESPECIAL CLONAGEM FAPESP

Upload: pesquisa-fapesp

Post on 21-Jul-2016

285 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Pesquisa FAPESP - Ed. 73

TRANSCRIPT

Page 1: Descobertas na selva

SUPLEMENTO ESPECIAL

CLONAGEM

FAPESP

Page 2: Descobertas na selva
Page 3: Descobertas na selva

30Em Rondônia,pesquisadores

avançam no estudoda malária e dos

mecanismosde transmissão de

doenças emergentes

CARTAS .......•.•.....••..•..... 4EDITORIAL 5MEMÓRIA ••..................... 6

• POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA .•.•..•.•..•.•.... 8ESTRATÉGIA ...........•......... 8VOTORANTIM INVESTEEM INOVAÇÃO 16UM PERFIL DAS EMPRESASBRASILEIRAS DEBIOTECNOLOGIA 19UM REFORÇO PARA A CTNBIO 22O IMPACTO DO SCIELO 24

• CIÊNCIA ••..................• 26LABORATÓRIO 26NOVOS GENES DE EUCALIPTO 44PARA EVITAR A AFTOSA 46A MORTE DE BERNHARD GROSS 47RAIO DO SOL É DEZVEZES MENOR 48ILHA DA ANTÁRTICA PERDE GELO 52ENTREVISTA: BOA NOTÍCIA PARAO BRASIL EM MEIO AMBIENTE ..... 56

• TECNOLOGIA 60LINHA DE PRODUÇÃO 60TRÊS SOFTWARES INOVADORES 64LÍNGUA ELETRÔNICA DIFERENCIATIPOS DE VINHO E DE ÁGUA 74MULTIPLICAÇÃO DE FLORES 78

• HUMANIDADES 82DOCUMENTOS DO DEOPS 86OLIVEIRA LIMA RESGATADO 90CULTURA EMPRESARIAL 92LIVROS ...•.................... 96LANÇAMENTOS ........•......... 97ARTE FINAL ..•................. 98

Capa: Hélio de AlmeidaFotos: Eduardo Cesar

12Parceria entre FAPESPe Terremark vai ampliarserviços oferecidos pelaRede ANSP á comunidade

,---------------------------,~"'

40Incor está desenvolvendouma vacina contraa febre reumática,que começa com umaamigdalite e ataca o coração

70Dois tanques deprovas, um virtual, daPoli-US~ e outro físico,da Coppe, vão trazernovos avanços paraa exploração de petróleoem águas profundase ultraprofundas

82Coleção completade esculturas deDegas no Museude Arte de São Pauloé objeto de estudo

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 3

Page 4: Descobertas na selva

Laranja transgênica

É com profundo pesar e até umcerto choque que venho comunicarminha insatisfação com a reporta-gem Engenharia genética contra aXyllela na revista Pesquisa FAPESP.Com relação ao desenvolvimento delaranjas transgênicas, a reportagemdiz: "A primeira variedade de laran-ja doce geneticamente modificada,que abre caminho ..." A primeira va-riedade de laranja doce transgênicafoi desenvolvida há mais de dez anos(Hidaka et al., 1990 - Ipn Breed. 40:199-207) com a variedade Washing-ton Navel. No mesmo texto, Pesqui-sa FAPESP afirma: "Beatriz Mendes...(Cena), e Francisco Alves MourãoFilho..(Esalq) ... apresentaram a pri-meira variedade de laranja doce gene-ticamente modificada, obtida a partirde tecido adulto': A primeira laranjadoce transgênica a partir de tecidomaduro foi obtida por um grupo depesquisa da Espanha (IVIA) com avariedade Pineapple (Cervera et al.,1998 - Transgenic Res. 7: 51-59). NoBrasil, os primeiros resultados complantas transgênicas foram obtidospelo grupo de biotecnologia vegetaldo Instituto Agronômico do Paraná(Iapar), do qual eu fazia parte até no-vembro do ano anterior. Esta pesqui-sa produziu não apenas uma laranjatransgênica de tecido maduro, masplantas contendo um peptídeo deação antibacteriana. Uma matériaque foi amplamente coberta por di-ferentes veículos de comunicação,inclusive pela revista Pesquisa FA-PESP. Os resultados foram apresen-tados no IV Encontro Latino Ame-ricano de Biotecnologia Vegetal(Kobayashi et al., 2001 - REDBIOprogramas e resumos p. 125). Infor-mações adicionais também podemser encontradas no último númeroda revista de divulgação Biotecnolo-gia - Ciência & Desenvolvimento.

ADILSON KENJI KOBAYASHI

Embrapa Mandioca e FruticulturaCruz das Almas, BA

4 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Na reportagem Engenharia ge-nética contra a Xylella (revista Pes-quisa FAPESP 71), foi apresentada ainformação de que os pesquisadoresBeatriz Mendes e Francisco Mou-rão (Esalq) obtiveram ''A primeiravariedade de laranja geneticamentemodificada ..." e «... apresentaram aprimeira variedade de laranja docemodificada, obtida a partir de teci-do adulto". A primeira planta de la-ranja doce transgênica foi obtida noJapão com a variedade WashingtonNavel a partir de células em suspen-são (Hidaka et al., Iapanese Bree-ding 40:199-207,1990). Já as primei-ras plantas transformadas usandotecido maduro foram obtidas pelogrupo do pesquisador Leandro Pena,do IVIA, da Espanha, com a varieda-de Pineapple (Cervera et al., Trans-genic Research 7:51-59, 1998), queinclusive patenteou o processo detransformação (US0061 03955A).No Brasil, nosso grupo de pesquisa(Adilson K. Kobayashi, João CarlosBespalhok e Luiz Filipe P. Pereira)foi o primeiro a obter plantas trans-'gênicas de laranja utilizando umametodologia inovadora e com maior

, eficiência do que a descrita porPena. Esta metodologia utiliza seg-mentos finos de tecido maduro devariedades adaptadas às condiçõesbrasileiras e foi utilizada para obterplantas transgênicas com maior re-sistência ao cancro cítrico. Já foi en-viada para publicação na revistaPlant CeU,Tissue and Organ Culture.

LUIZ GONZAGA ESTEVES VIElRA

Instituto Agronômico do ParanáLondrina, PR

Resposta da pesquisadora Bea-triz M.I. Mendes: Em nenhum mo-mento nos apresentamos no congressode Serra Negra como responsáveispelo desenvolvimento da primeira va-riedade de laranja doce transgênicano mundo ou no Brasil, utilizando te-cido jovem ou maduro como explan-teso Temos conhecimento dos traba-lhos apresentados na literatura, em

revistas científicas de corpo editorial,pelos grupos de pesquisa em biotecno-logia de citros do Japão e da Espanha,e a utilização dos termos ''primeiravariedade'; no texto da revista Pes-quisa FAPESP, provavelmente se re-fere à primeira planta transgênica decitros dentro do Projeto GenomaFuncional da FAPESP No congressode Serra Negra foram apresentadosdados de transformação genética delaranja doce, utilizando tecido jovem,os quais foram submetidos e aceitospara publicação na revista PesquisaAgropecuária Brasileira, e até ondetemos conhecimento é o primeiro ar-tigo científico, publicado no Brasil,tratando de transformação genética,com variedades brasileiras de citros.Com relação ao trabalho com tecidoadulto, ele foi desenvolvido por reco-mendação do Steering Committee,do Projeto Genoma Funcional, pelofato de os pesquisadores estarem en-contrando dificuldades em reproduziro protocolo apresentado na literaturapelo grupo de pesquisa liderado pelodr. Pena, da Espanha. Assim, os dadosapresentados no congresso foram ob-tidos seguindo um protocolo diferentedo descrito pelo grupo da Espanha,com relação ao meio de cultura utili-zado para o cultivo dos explantes e atemperatura de incubação dos ex-plantes no período de co-cultivo. Nãopodemos comparar oprotocolo descri-to em nosso projeto de pesquisa com odescrito pelo grupo do lapar, já que te-mos conhecimento deste trabalho ape-nas por artigo de divulgação em jor-nal (Folha de São Paulo, 23/3,2001),na revista Pesquisa FAPESP (vol. 63,2001) e do resumo do congresso RED-BlO, os quais não fornecem detalhesda metodologia utilizada.

BEATRIZ M.]. MENDES

Coordenadora do ProjetoPiracicaba,SP

Nota da Redação: De fato, podenão ter ficado claro que o texto sereferia exclusivamente aos resulta-dos do Projeto Genoma Funcional.

Page 5: Descobertas na selva

PESQUISA FAPESPÉ UMA.pUBLICAÇÃO M,ENSAL

DA FUNDAÇAO DE AMPARO A PESQUISADO ESTADO DE SAO PAULO

PROF, DR, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZPRESIDENTE

PROF, DR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADOVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORAD!LSON AVANSI DE ABREUALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZCARLOS VOGT

FERNANDO VASCO L~A DO NASCIMENTO

JOSÉ JOB~Õ~MD~NAN~m~ ARRUDAMARCOS MACARI

NILSON DIAS VIEIRA JUNIORPAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

RICARDO RENZO BRENTANIVAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVOPROF, DR FRANCISCO ROMEU LAND!

DIRETOR PRESIDENTEPROF, DR, JOAQUIM J, DE CAMARGO ENGLER

DIRETOR ADMINISTRATIVOPROF, DR, JOSÉ FERNANDO PEREZ

DIRETOR CIENTíFICO

EQUIPE RESPONSÁVELCONSELHO EDITORIAL

PROF, DR, FRANCISCO ROM EU LANDIPROF, DR, JOAQUIM J, DE CAMARGO ENGLER

PROF, DR, JOSÉ FERNANDO PEREZEDITORA CHEFE

MARILUCE MOURAEDITORES ADJUNTOS

MARIA DA GRAÇA MASCARENHASNELDSON MARCOLIN

EDITOR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

CARLOS FIJ2~S~~\I (CIÊNCIA)CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICAC&Tl

MARCOS DE OLIVEIRA mCNOLOGIA)EDITORES-ASSISTENTES

ADILSON AUGUSTO, DINORAH ERENOREPÓRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

, DIAGRAMAÇÃOJOSE ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORESALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ, CARLOS HAAG

MAR(i~~f~~I~~C~~~~~'R~~~~~I~I~OI~I{~~~SSIF

TÂN~;~AJ:Qt~~!;::G~~~E~ET~~~iIRAWANDA JORGE, YURI VASCONCELOS

PRÉ-IMPRESSÃOGRAPHBOX-CARAN

IMPRESSÃOPROL EDITORA GRÁFICA

TIRAGEM: 30,000 EXEMPLARESFAPESP

RUA PIO XI, N° 1500, CEP 05468-901ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL, (Q -lll 3838-4000 - FAX: (Q - 11) 3838-4181SITE DA REVISTA PESQUISA FAPESP:

http://[email protected]

Os artigos assinados não refletemnecessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIALDE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

IfJAPESPSECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA

E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

•GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITORIAL

Um passo próprio da maturidade

Esta edição de Pesquisa FAPESPmarca o começo de uma novaetapa na vida desta revista de

divulgação científica. De uma publica-ção de circulação dirigida aos pesqui-sadores do Estado de São Paulo - en-contrem-se eles nas universidades,instituições de pesquisa ou empresas -,aos editores de ciência e tecnologia damídia nacional e aos formuladores egestores das políticas de ciência e tecno-logia de todo o país, passamos agoraà condição de uma revista de circula-ção ampla e aberta a todo leitor quese interesse por ciência e tecnologia,e especialmente pelo que se passa emseus domínios no Brasil. Uma revistaacessível a todos que queiram acom-panhar de forma sistemática os resul-tados, muitas vezesfascinantes,dos maisimportantes projetos de pesquisa emcurso em São Paulo e no país, em qual-quer área do conhecimento, incluin-do as ciências humanas; que desejemcompreender seus impactos científicos,sociais e econômicos; que queiram co-nhecer os programas e as políticas es-taduais e nacionais voltados para o de-senvolvimento científico e tecnológicono país, e perceber tudo isso dentrode marcos referenciais internacionais,que aparecem nas notícias do exteriorque também publicamos. Em síntese,Pesquisa FAPESP abre-se a todo leitorque queira saber a quantas anda real-mente, neste país, o par Ciência & Tec-nologia, componente estrutural dassociedades contemporâneas. Porque éisso que esta revista conta, a cada mês.

Para viabilizar a abertura da circu-lação, aliás, reclamada por candidatosa leitores de todo o país, passamos dadistribuição exclusivamente gratuitapara um modelo misto, que inclui avenda de exemplares e de assinaturasda revista - que de resto é praxe emrevistas de divulgação científica edita-das por instituições.Os pesquisadores deSão Paulo continuarão a receber gra-tuitamente' como sempre, seus exem-

plares de Pesquisa FAPESP, porque aFundação entende que oferecer, semônus para esses profissionais, infor-mações relevantes sobre a produção deciência e tecnologia faz parte de suamissão institucional de amparo à pes-quisa neste Estado. Da mesma forma,os editores de C&T e os formuladores egestores das políticas de ciência e tec-nologia permanecerão na mala diretagratuita da revista. Porque a FAPESPentende, em relação aos primeiros, quepor meio deles é que pode prestar con-tas, em larga escala, à opinião públicanacional, sobre o uso que faz da par-cela de recursos dos contribuintes doEstado de São Paulo, que por preceitoconstitucional lhe cabe - em que pro-jetos a aplica e com que resultados. E,em relação aos demais, entende quefazparte da função política da Fundaçãolhes oferecer sistematicamente infor-mações que contribuam para o traçadode estratégias conjuntas de desenvolvi-mento científico e tecnológico nacionale para uma visão mais aberta, arrojadae integrada sobre as possibilidades dopaís nesse campo.

Complementará o modelo de sus-tentação econômica de Pesquisa FA-PESp, na nova etapa, a veiculação deanúncios publicitários, prática tambémusual nas revistas de divulgação cien-tífica editadas por instituições em todoo mundo. Para concluir: esta revista,que tem em sua origem um modestoboletim de quatro páginas, o NotíciasFAPESP, cujo primeiro número foi pu-blicado em agosto de 1995, e que qua-tro anos mais tarde, em outubro de 1999,transformou-se na Pesquisa FAPESP,alcançou o estágio de um projeto sóli-do, maduro, pronto para ser lançado anovos desafios. E maturidade com vi-gor criativo é traço de caráter espe-cialmente caro à FAPESP neste anoem que ela completará 40 anos de ati-vidades, sempre "realizando o futuro",como resume o slogan que quer mar-car a data. No mais, boa leitura.

PESQUISA FAPESp· MARÇO DE 2002·5

Page 6: Descobertas na selva
Page 7: Descobertas na selva
Page 8: Descobertas na selva

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

• Ações mais eficazescontra a pobreza

Dois milhões de pessoasmorrem a cada ano vítimasde febre tifóide, cólera ou shi-gelose em sete países da Ásia- China, Índia, Indonésia,Bangladesh, Paquistão, Viet-nã e Tailândia. Mas, agora, es-ses países não querem com-partilhar apenas estatísticastrágicas. Eles estão se unindona busca de soluções para ocrônico problema de saúdepública, com o apoio de umprograma chamado de Doen-ças dos Mais Empobrecidos(Domi). Com um financia-mento de US$ 40 milhões daFundação Bill e Melinda Ga-tes, o Domi é o mais ambi-cioso projeto do Instituto In-ternacional de Vacinas (IVI),criado em 1997 pelo Progra-ma de Desenvolvimento dasNações Unidas. O objetivo éestimular a pesquisa, o trei-namento e a assistência tec-nológica para a produção devacinas nos países em de-senvolvimento. "Vacinas parafebre tifóide e cólera estãodisponíveis há 15 anos", disseo diretor do IVI Iohn Cle-mens, à revista Science (25 dejaneiro). "Mas elas não têmsido usadas na maioria dospaíses em desenvolvimento",afirmou. Além da escassez derecursos, os cientistas preci-sam lutar contra a desinfor-mação da população e dasautoridades. Os frutos do tra-balho já estão aparecendo. OVietnã fornece à Indonésiatecnologia para produzir umavacina oral de baixo custocontra cólera, e a China com-partilha com a Índia e o Viet-nã o conhecimento na fabri-cação de imunizante contrafebre tifóide. •

8 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

ESTRATÉGIAS

Investimento no futuro

Nave vai ao espaço: foguete econômico só em 2025

A Nasa, a agência espacialamericana, descobriu que,para economizar amanhã,às vezes é preciso gastarum pouco mais hoje.Mesmo depois de estou-rar os orçamentos da Es-tação Espacial Internacio-nal, a agência quer desen-volver tecnologia para umfoguete espacial de tercei-ra geração - embora ain-da não tenha um de se-gunda. Segundo a revistaNew Scientist (12 de janei-ro), no futuro, a Nasa es-pera contar com uma má-quina que reduza muitoos custos da entrada emórbita, graças à capacida-

de de consumir oxigênioda atmosfera. Como quei-mará ar atmosférico emgrande parte do vôo, anova nave não necessitarácarregar os pesados tan-ques de oxigênio líquidoque reduzem a eficiênciado lançamento. A Nasa jáconcedeu contratos de atéUS$ 16 milhões para quecompanhias desenvolvamo projeto. Neste ano, estáinvestindo US$ 900 mi-lhões em um foguete desegunda geração, que de-verá pôr em órbita porvolta de 2012. O novo mo-delo supereconômico sódeverá voar lá por 2025. •

• Agência francesana linha de tiro

Rigidez, morosidade e até dis-plicência no estabelecimentode estratégias de trabalho. Ascríticas pesadas são para oCentro Nacional de PesquisaCientífica da França (CNRS),e quem as faz é o Tribunal deContas daquele país. ComUS$ 2,2 bilhões de orçamen-to anual e 11.400 pesquisado-res, o CNRS é alvo freqüentedas avaliações do Tribunal deContas. Mas o relatório doano fiscal de 2001 é particu-larmente duro. Os auditorescriticaram a agência por fa-lhar no controle das ativida-des de seus vários laborató-rios e por dar pouco valor ainiciativas de pesquisa que po-deriam levar a aplicações co-merciais. A diretora-geral doCNRS, Genevieve Berger, re-futa as acusações. "Ter umavisão estratégica não significasufocar os pesquisadores",diz. Anne-Marie Duprat, doCentro de DesenvolvimentoBiológico de Toulouse, con-corda: "Os laboratórios pre-cisam ter uma certa liberda-de. E o Tribunal de Contasprecisa entender que o CNRSnão pode funcionar comoum posto dos correios': ParaGenevieve, a melhor prova daeficácia do CNRS está naspublicações científicas: maisde 70% dos papers publica-dos na França têm como au-tores ou co-autores pesquisa-dores da casa. •

• Combate aoterrorismo

A ameaça do bioterrorismochegou ao Congresso norte-americano e está pesando nascontas para o orçamento de

Page 9: Descobertas na selva

Dinheiro contra o bioterrorismoQuantia

Categoria <US$ milhões) Proposta

Quatro a sete novos centrosPesquisa básica de pesquisa, genômica de

patógenos e proteômica

Novas vacinas Testes com drogas,e drogas diagnósticos, modelos animais

Estudos clínicosTestes com a vacina

licontra variola

Instalações Centros de biosegurança niveis I3 e 4 em três câmpus do NIH epara pesquisa novos centros independentes

Total 1.473

2003, de acordo com a revistaScience (10 de fevereiro). Porenquanto, a balança pende afavor do Instituto Nacionalde Saúde (NIH). O presiden-te George W. Bush vai proporum adicional de US$ 3,7 bi-lhões para os cofres do insti-tuto, o que representa um au-mento recorde de 16%. Verbapara a saúde era mesmo umapromessa de campanha dopresidente, mas nem todos ospesquisadores do NIH podemcomemorar: mais da metadedos recursos iria para o com-bate ao bioterrorismo (US$1,473 bilhão) e para as pes-quisas sobre câncer, às quaisBush também havia prometi-do uma atenção especial. Ogrande beneficiário mesmoseria o Instituto Nacional deAlergia e Doenças Infecciosas(NWD), que receberia 95%de todos os dólares destina-dos a combater o bioterroris-mo, segundo seu diretor An-thony Fauci. Os projetosincluiriam pesquisa básica,como o seqüenciamento dogenoma de agentes do bioter-rorismo, assim como a produ-ção de vacinas e a construçãode laboratórios especiais parapesquisa de patógenos de altorisco. Resta saber se o Con-gresso será tão generoso - oupreocupado - quanto Bush .•

• Segredos guardadosa sete chaves

O conhecimento científico éconstruí do por meio de expe-rimentos, cujos resultadospossam ser reproduzidos porvários cientistas, até que seelabore uma teoria. É issomesmo? Parece que esse prin-cípio não se aplica a um sig-nificativo grupo de geneticis-tas norte-americanos. Umestudo publicado no [ournalof the American Association(vo1287, número 4, 23/30 ja-neiro de 2002) revela que 47%

dos geneticistas que solicita-ram informações adicionaissobre estudos já publicados re-ceberam pelo menos uma ne-gativa nos últimos três anos.Curiosamente, apenas 12%dos geneticistas entrevistadosadmitiram ter negado algumainformação. Entre as justifica-tivas apresentadas, a mais cita-da - por 80% dos sonegadores- foi a dificuldade para reuniras informações solicitadas pe-lo colega. Como resultado dafalta de colaboração, 28% dosgeneticistas foram incapazesde confirmar estudos publica-dos, 24% tiveram que atrasara publicação de seus própriostrabalhos e 21% acabarampor abandonar a linha inicialde pesquisa. O estudo foi co-ordenado por Eric Campbell,do Hospital Geral de Massa-chusetts e Faculdade de Me-dicina de Harvard, que fez otrabalho em julho de 2000com 1.240 geneticistas. •

• Falta médico nosEstados Unidos

Sempre se acreditou que osEstados Unidos formavammédicos em demasia. Agora,

Porque eles dizem "não"

porém, mudanças econômi-cas e demográficas apontampara uma iminente escassezdesses profissionais. A infor-mação surpreendente vemde um estudo realizado poruma equipe de pesquisado-res do Instituto de PolíticaMédica da Faculdade deMedicina de Wisconsin e daUniversidade Temple. Se-gundo o trabalho, publicadona edição de janeiro-feverei-ro de 2002 da revista HealthAftairs, os Estados Unidostêm menos médicos, propor-cionalmente, do que a maio-

ria dos países da Organiza-ção para a Cooperação e oDesenvolvimento Econômi-co. E essa carência tende aaumentar nas próximas dé-cadas. Levando em conta onúmero de faculdades demedicina, a quantidade demédicos estrangeiros e aprogressiva substituição deenfermeiros, auxiliares deenfermagem e parteiras pormédicos, os autores do estu-do publicado estimam queos Estados Unidos terão faltade 50 mil profissionais em2010. Se essa tendência con-tinuar, a escassez de médicosaumentará para 200 mil em2020, mais do que 20% dademanda total. •

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 9

[DifiCUldade para reunirmaterial ou informação

I Necessidade de protegerestudantes bolsistas e

,LP.Ós-doutorandos

li Necessidade de protegerjlo direito de publicação

Custo do fornecimento deI material ou transferênciaII de informa ões

rrRisco de não haver(illciprocidade no futuro

Necessidade de honrarcompromissos com o

:1 atrocinador do trabalho

Necessidade de proteger a patente

~ Necessidade de proteger oI valor comercial de resultados

Fonte: Journal of the American Medical Association OI

20 40 60 80 100

Page 10: Descobertas na selva

Como eliminar a dengueA atual epidemia de den-gue, que cresce descontrola-damente, poderia ser com-batida com muito menosdinheiro. Apenas uma cam-panha educativa constante,sem as interrupções tão co-muns no setor, seria maiseficiente. As campanhas te-riam de ser feitas por equi-pes especializadas em con-tato direto com a populaçãopara orientar sobre a formade evitar a propagação dadoença. O estudo, publi-cado na revista OptimalControl Applications andMethods (vol. 22, edição 2,2001), foi realizado pelomatemático Marco AntônioLeonel Caetano, do Institu-to de Geociências e CiênciasExatas da Universidade Es-tadual Paulista (Rio Claro),e por Takashi Yoneyama, daDivisão de Engenharia Ele-trônica do Instituto de Tec-nológico da Aeronáutica(ITA). Eles utilizaram mo-delos dinâmicos matemáti-cos e simulações no com-putador para chegar a essaconclusão. •

• A volta da vacinacontra varíola

Os atentados terroristas con-tra os Estados Unidos conti-nuam trazendo conseqüên-cias para o Brasil. O governobrasileiro vai retomar a pro-dução da vacina contra va-ríola este ano. A razão é omedo de que o bioterroris-mo venha a provocar umaepidemia mundial da doen-ça, erradicada desde 1980 emtodo o mundo. A produçãobrasileira deverá ocorrer já

10 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

neste começo de ano - Brasile Estados Unidos serão osúnicos países a fabricar o

imunizante. O objetivo é terem estoque cerca de 3 mi-lhões de doses prontas para

Vacinação contra varíola em 1966: epidemia poderá voltar

uso até meados do segundosemestre deste ano e 30 mi-lhões de doses do concentra-do viral, que pode ser trans-formado em vacina rapida-mente. De eficácia compro-vada, o imunizante será omesmo usado até a décadade 1970. A Fundação Oswal-do Cruz (Fiocruz) foi encar-regada da produção. A varío-la é uma doença infecto-contagiosa de fácil disse-minação causada pelo Or-thopoxvírus variolae, um vírusaltamente resistente a varia-ções de temperatura. •

• Rede paradecifrar proteínas

As proteínas são, definitiva-mente, a bola da vez. O La-boratório Nacional de LuzSíncrotron (LNSL), ligadoao Ministério da Ciência eTecnologia, quer ampliar acompetência do país em es-truturas de proteínas e rece-be até o dia 31 de março pro-jeto de grupos interessadosem integrar a Rede Nacionalde Biologia Molecular Estru-tural. Inicialmente, serão es-colhidos até dez grupos deinstituições acadêmicas oude institutos de pesquisa. Porquatro anos, eles receberãofinanciamento para aquisi-ção de insumos necessáriosà pesquisa, ao treinamento eacesso à infra-estrutura doLNLS e do Centro Nacionalde Ressonância MagnéticaNuclear de Macromoléculasda Universidade Federal doRio de Janeiro, que atuaráem cooperação com o labo-ratório. Elucidar a estruturade uma proteína é impor-tante para entender a funçãoque ela tem no organismo.Os interessados podem aces-sar o site www.lnls.brv rioqual há mais informações. •

••••••••• "i

Page 11: Descobertas na selva

www.cetacea.org

Ciência na webEnvie sua sugestão de site científico para cienwebêtrfestê.tapesp.br

RADAR DA ClL"'ClA Q

Uma pequena enciclopédia cominformações e fotos com a maioriados tipos de baleia e golfinhos

www.ifi.unicamp.br/-knobel/radar/newspro/

Seção Radar, da revista eletrônicaComCiência, com artigos comentandoos vários aspectos da ciência

flyenhancer.orgl

Um sistema de busca feito parapesquisas específicas sobre o genomada mosca Drosophila melanogaster

• Projetos emcompasso de espera

ingo

o Congresso Nacional tem264 projetos de lei com temasrelacionados ao desenvolvi-mento científico e tecnológi-co em tramitação. De acordocom a assessoria parlamentardo Ministério da Ciência eTecnologia (MCT), desses, 56são considerados importan-tes sob a ótica do governo fe-deral. E oito deles foram in-cluídos como prioritáriosdentro da agenda legislativado Palácio do Planalto paraeste ano. O texto do acordoentre Brasil e Estados Unidossobre salvaguardas tecnológi-cas para utilização do Centrode Lançamento de Alcântaraé um deles. A partir destemês, também o texto da Leide Inovação Tecnológica de-verá ser considerado prioritá-rio pelo Planalto. No ano pas-sado, foram aprovadas etransformadas em lei 26 ma-térias de interesse do MCT. •

• O acordoBrasil e Rússia

Matemática, nanotecnologia,energia nuclear e novos ma-teriais são algumas das áreas

em que pesquisadores brasi-leiros e russos trabalharão emconjunto já a partir deste ano.O acordo foi selado durante avisita do presidente FernandoHenrique Cardoso à Rússiaem janeiro deste ano. O presi-dente da Agência Espacial,Yuri Koptev, demonstrouinteresse em lançar fogue-tes russos do Centro deLançamento de Alcântara, noBrasil. Também o ConselhoNacional de Desenvolvimen-to Cie~tífico e Tecnológico(CNPq) deverá definir com a

Academia Russa de Ciênciasas áreas prioritárias para de-senvolvimento de projetostecnológicos e intercâmbiode pesquisadores. •

• Presidente destacasetor de C&T

O crescimento do setor deciência é tecnologia foi umdos destaques do discursoque o presidente FernandoHenrique Cardoso fez no dia6 de fevereiro ao comentaros sete anos de seu governo.Ao falar sobre o desenvolvi-mento industrial, o presi-dente lembrou também odesenvolvimento humano ea importância das bolsas edos 14 fundos setoriais cria-dos recentemente, que pro-porcionarão R$ 1 bilhão li-vres para a pesquisa, porano. Fernando Henrique dis-se acreditar em tempos maisfartos para a ciência brasilei-ra. "Assim como existe, emSão Paulo, a FAPESP, quetem recursos, até hoje, so-brantes, espero que, noCNPq, venhamos a ter tam-bém recursos sobrando por-que eles têm que ser bemusados", afirmou. Outros fa-tos que demonstram a força

~::''=.:~,..~:.~'':.'::''::;:'.:'a~;;r'''--)'''''~--·;oo,_._,,, ,,~_,_."' ••••,,,_"o' ••,,,~-

da pesquisa é o número dedoutores formados por anono Brasil, 6.300, e a quanti-dade de artigos publicadosem revistas especializadas."No tempo em que algunsmais velhos, como eu, faziamdoutoramento, isso saía nojornal, com fotografia e tu-do." Para o presidente, o paísestá formando "uma basetécnica-científica, que é acondição necessária para asociedade de informação". •

• Publicações estataisestão no Publishop

O Publishop, lugar para con-sulta e venda das publicaçõesmais importantes e recentes dosórgãos públicos estaduais deSão Paulo, conta agora com 90parceiros. Ele pode ser acessa-do no endereço www.sea-de.gov.br/publishop, que per-mite pesquisa por título,tema, autor, órgão editor, co-leção e secretaria, além depossibilitar a compra onlinedas publicações. Hoje há 3.500títulos entre livros, vídeos,CDs-ROM, mapas, disquetese cartões-postais distribuídospor 40 temas. Mais informa-ções podem ser obtidas pelotel. (lI) 3313-5777. •

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 11

Page 12: Descobertas na selva

I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA

COOPERAÇÃO

Parceriasestratég icasAcordo entre FAPESP e Terremark vai melhorarponto de troca de tráfego na Internet, serviço atéagora prestado pela Rede ANSP à comunidade

A:APESPassinou termo de coope-

ração técnica com a TerremarkLatin America (Brazil) Ltda.,transferindo à empresa a tarefade operar, manter e comercia-

lizar o Ponto de Troca de Tráfego (PTT),serviço até então operado pela Rede :ANSP(Academic Network at São Paulo). O PTT éum ponto neutro de interconexão na Inter-net onde provedores de acesso e concessio-nárias de telecomunicações - entre elesDO L, IG, Terra, :AT&T L:A,Telefônica, Diveo- trocam diretamente tráfego de clientes co-muns, sem a intermediação da Embratel.

:Aparceria com a Terremark permitirá àF:APESP beneficiar-se de todos os investi-mentos em tecnologia da informação que aempresa fará na expansão do PTT e aindagarantirá o acesso da comunidade acadêmi-ca paulista a redes norte-americanas, inclu-sive à Internet 2. Também criará condições

12 . MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

para a expansão do programa especial Tec-nologia da Informação no Desenvolvimen-to da Internet Avançada (Tidia). '':A Rede:ANSP está madura e pronta para se tornaruma base de apoio infra-estrutural para asuniversidades e os institutos de pesquisas,trazendo ainda mais benefícios à comuni-dade acadêmica", diz José Fernando Perez,diretor científico da F:APESP.

Troca de tráfego " :A Rede :ANSP foi criadacomo um programa especial da F:APESP em1989. Atualmente, é um dos principais pon-tos de conexão na Internet do Brasil com oexterior e responsável pela interligação dasredes acadêmicas universitárias, dos institu-tos e centros de pesquisa paulistas. :A partirde 1998, a :ANSP passou a apostar em novastecnologias para melhorar a qualidade deacesso da comunidade à Internet, até entãomuito lenta e pouco eficiente. Implementou

Page 13: Descobertas na selva

um PTT conectando provedores e con-cessionárias de telecomunicações, como objetivo de acelerar a troca de tráfe-go, criando uma espécie de atalho en-tre backbones (conexão de várias redeslocais). "Foi o primeiro PTT do Brasil':lembra Hartmut Richard Glaser, dire-tor da Rede ANSP. Com um roteadordoado pela 3Com, a Rede ANSP mon-tou, naquela época, um ponto neutro deinterconexão na Internet onde a pró-pria ANSP e mais 26 clientes degrande porte passaram a trocar trá-fego diretamente. "Todos os clientesligados a essas empresas e instituições,assim como as universidades paulistas,não precisam mais da Embratel paratrocar tráfego': explica Glaser. Alémde acelerar a troca de informações na

rede, o PTT também reduziu os cus-tos de conexão, já que os valores co-brados pela Embratel incluem o preçode uma porta de Internet. "Hoje, aANSPe seus clientes pagam apenas pelo enla-ceque asinterligaao PTT,em lugarde pa-gar uma porta de Internet. E uma por-ta de 2 megabits por segundo (Mbps)custa mais ou menos R$ 15 mil. Aousar o ponto de troca de tráfego, doisprovedores passam a dividir entre si amanutenção do nó e pagariam por umenlace comum de 2 Mbps algo em tor-no de R$ 5 mil': exemplifica Glaser.

O PTT da Rede ANSP funciona noterceiro andar do prédio da FAPESP,dividindo espaço com o Centro de Pro-cessamento de Dados (CPD) da Fun-dação e o Registro de Domínio na In-ternet. Ali, cada cliente mantém seuspróprios equipamentos - cabo de fibras

•...-- ,.

ópticas, servidores, roteadores, mo-dens, etc. -, compartilhando o mesmoespaço, serviços e custos (energia elé-trica, ar-condicionado, serviços técni-cos, entre outros). São clientes daRede ANSP, as seguintes empresas:Agência Estado, Brasil Telecom, .com-Dominio, COMSAT, Diveo, GlobalOne (Equant), Hexxa, IG, Impsat,KDD, Netstream (AT&T LA), ORNP,UOL, Unisys, Via-Networks (Dialda-ta), Intelig, NTT do Brasil, Metrored,Telefônica, CTBC, Terra, IFX, Genu-ity, Compugraf, Telemar, Pegasus.

A falta de espaço, no entanto, limi-ta a expansão do PTT que hoje, apesardo aumento da demanda, opera nolimite de sua capacidade. E a FAPESPnão tinha plano de expandi-lo. "Esse é

um investimento de iniciativa priva-da, que a FAPESP não poderia fazer':explica Perez.

Melhor conexão - O crescimento dotráfego da Internet no Brasil, a quali-dade do acesso do PTT da ANSP e,sobretudo, a sua condição de neutra-lidade - já que, por estar ligado à FA-PESP, o serviço não tem vínculos ourepresenta interesse de nenhum pro-vedor ou empresa de comunicação -atraíram a atenção da Terremark La-

tin America Ltda., subsidiária da Ter-remark Worldwide Inc., empresa res-ponsável pela operação do NetworkAccess Point (NAP) das Américas,instalado em Miami, na Flórida. UmNAP é um grande terminal de presta-ção de serviços para provedores, con-cessionárias de telecomunicações egrandes clientes que, entre suas fun-cionalidades, inclui um PTT seme-lhante ao da Rede ANSP.

O interesse da Terremark peloPTT da ANSP se justifica: a empresase prepara para implantar um NAP noBrasil e vai investir US$ 40 milhões,de acordo com o seu presidente eChief Executive Officer (CEO), [airoKlepacz, na instalação desse serviço.No Brasil, o NAP da Terremark con-

tará, numa primeira fase, com inves-timentos de US$ 15 milhões, que in-cluem desde a infra-estrutura de ca-bos de fibras ópticas até a construçãode um prédio com 15 mil metros depiso, no prazo de um ano, que abriga-rá comutadores, roteadores, data cen-ters, entre outros serviços oferecidosaos futuros clientes. A expectativa daempresa é que os clientes do PTT daRede ANSP migrem para o NAP, be-neficiando-se dos demais serviçosprestados pela empresa.

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 13

Page 14: Descobertas na selva

Neutralidade - Para a Terremark, aparceria com a FAPESP é estratégica,já que garante a neutralidade exigidanesse tipo de serviço. "A Fundação seráavalista permanente da imparcialida-de': diz Klepacz. Para a FAPESP, atransferência da operação do PTTpara a Terremark vai ampliar a capa-cidade de operação da Rede ANSP etrazer benefícios à comunidade cien-tífica, inclusive com redução de cus-tos da ordem de US$ 120 mil men-sais, gastos na manutenção desseserviço. "Será uma ótima oportuni-dade para melhorar a qualidade deum serviço prestado à comunidadecientífica, sem onerar a Fundação eainda trazendo para São Paulo investi-

I.Y_.t••••••. '•• _•• te I

~ '. .mentos internacionais ri.úma· area tãoestratégica como a de Tecnologia daInformação", diz Carlos Henrique deBrito Cruz, presidente da FAPESP.

A parceria com a Terremark repre-sentará, ainda, um reforço no orça-mento, já que a Fundação terá partici-pação na receita do NAP do Brasil. Otermo de cooperação técnico-científi-ca, assinado entre as partes no dia 28de fevereiro, com validade de 20 anos,prevê que a FAPESP terá participaçãode 6% nas receitas decorrentes dosserviços prestados pelo NAP do Brasilpor um período de cinco anos, 5% du-

14 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

rante os cinco anos seguintes e 1% du-rante os últimos dez anos. O prazo departicipação poderá ser prorrogado porum período adicional de mais dez anos,durante o qual a Fundação contará,trimestralmente, com 1% da receita dosserviços prestados pela empresa.

A Terremark iniciará, em breve, aconstrução do prédio que vai abrigaro NAP do Brasil. De acordo com Kle-pacz, o prédio estará pronto dentro demais ou menos 12 meses. Até lá, oPTT continuará a ser operado nasinstalações da FAPESP, co-gerenciadopela Terremark e a ANSP. A Terremarkserá responsável por todos os custosque excederem os gastos atuais da FA-PESP. Está previsto também que, nos

primeiros seis meses de operação donovo PTT nas instalações da FAPESP,toda a renda auferida será da Funda-ção. Após esse período, a Terremarkassumirá o pagamento de salários, en-cargos sociais e previdenciários daequipe da rede. A FAPESP está autori-zada, quando julgar necessário, a fazera análise contábil dos livros e documen-tos da Terremark, a fim de verificar aprocedência dos valores para efeitodos cálculos. Quando as instalações doNAP do Brasil estiverem prontas, a em-presa se compromete a fornecer gra-tuitamente à FAPESP espaço para dez

estações que abrigarão técnicos e fun-cionários da Rede ANSP.

A parceria, já aprovada pelo Con-selho Superior da FAPESP, foi avalia-da por especialistas que analisaram osdados da empresa e os termos do acor-do e obteve parecer favorável da Fun-dação Getúlio Vargas (FGV). "Temosde fazer um bom negócio para a comu-nidade científica. Não podemos arris-car': afirma Perez.

Internet 2 - Uma das exigências doacordo de cooperação técnica é que aTerremark adote novas tecnologias detelecomunicações e Internet, elevan-do o PTT da Rede ANSP à condiçãode Primeira Linha (Tier 1) - categoria

atribuída a NAPs que reúnem grandesclientes e com grande capacidade detroca de tráfego. Essas inovações tra-rão, evidentemente, enormes benefí-cios para os clientes da ANSP e para acomunidade acadêmica. Mas, alémdisso, já está acertado que a Terre-mark vai oferecer à FAPESP pontosde conexão e eletricidade no NAP dasAméricas, em Miami, o que terá gran-de repercussão no desenvolvimento daspesquisas em São Paulo. Isso porque oNAP das Américas abriga a AmericanPath (Ampath), uma rede virtual man-tida pela Florida University em cola-boração com a Global Crossing, queconecta pesquisadores de dez univer-sidades da América do Sul, AméricaCentral, México e Caribe. A Ampath éuma porta de acesso para a Internet 2,mantida por um consórcio que reúne

Page 15: Descobertas na selva

180 universidades e 45 empresas nor-te-americanas, o University Consor-cio for Advanced Internet Develop-ment (Ucaid). O acesso à Internet 2 éestratégico para o desenvolvimentodas pesquisas no país, já que essa redede alta velocidade tem por objetivoampliar a capacidade de troca de da-dos e informações na comunidade depesquisadores e buscar novas aplica-ções para a Internet.

OBrasil já tem um linkcom a Ampath no Riode Janeiro, por meio daRede Nacional de Pes-quisa (RNP), mantida

pelo Ministério da Ciência e Tecnolo-gia (MCT). A Rede ANSP tambémsolicitou e já obteve autorização paralink com a Ampath, fato ainda não

da Internet Avançada (Tidia), da FA-PESP - que tem como objetivo trans-formar a Internet em objeto de pes-quisa -, também será beneficiado peloacordo de cooperação fechado entreFAPESPe Terremark. "Os pesquisado-res terão acesso ao PTT e a uma tecno-logia mais avançada do que temoshoje", comemora Hugo Luis Fragnito,do Instituto de Física Gleb Wataghin,da Universidade Estadual de Campi-nas, e um dos coordenadores do Tidia.O acordo, ele prevê, vai permitir queboa parte dos projetos que integramo programa seja testada em campo. Eexemplifica: "Um dos gargalos para odesenvolvimento da Internet está emdesenvolver uma tecnologia capaz dechavear, de forma eficiente e barata, otráfego de uma fibra de uma rede ló-gica para outra. E a solução para isso

York, Washington, D.e., Chicago eSão Francisco - durante o período detransição da rede financiada pelo go-verno para as redes de operação co-mercial. Os quatro pontos de cone-xão, no entanto, passaram a seroperados por empresas com interes-ses em provedores que controlavampreços. "Surgiu então a idéia de criarum consórcio neutro no sul da Flóri-da, formado por cem membros, en-tre eles AT&T, Global Crossing eSprint, para atender clientes com amesma grandeza operacional", contaKlepacz.

O NAP das Américas, implemen-tado em parceria com a Telcordia, estáinstalado no Technology Center ofthe Americas (Tecota), um prédioblindado e à prova de desastres, com85 mil metros quadrados de área, ao

consumado. As universidades e osinstitutos paulistas estão igualmentecredenciados, desde o início do anopassado, para acessar a Internet 2.Nesse caso, o passaporte para o in-gresso foram os projetos Biota/FA-PESP e o Genoma. O acesso a essas re-des, no entanto, depende de acordospara utilização de conexões físicas, oque inclui cabos submarinos. A FA-PESP já iniciou negociação com aGlobal Crossing Ltda - fornecedorade serviços em banda larga e proprie-tária dos cabo submarino -, para usarsua rede de fibra óptica. A parceriaagora formalizada com a Terremark,garantindo o acesso ao NAP das Amé-ricas, vai levar a ANSP mais perto daInternet 2.

O programa especial Tecnologiada Informação no Desenvolvimento

tem de ser testada na rede." O link coma Ampath, continua, também deveráalavancar o programa, já que a Flori-da University mantém linhas de pes-quisa semelhantes.

Rede comercial - Existem pelo menos200 NAPs em operação nos EstadosUnidos. Um NAP pode ser definidocomo um ambiente neutro, de altatecnologia, onde provedores de aces-so à Internet e empresas de teleco-municações, ainda que na condiçãode concorrentes, trocam tráfego, ar-mazenam dados de clientes e guar-dam informações, entre outras fun-cionalidades, com segurança e deforma compartilhada. Os primeirosquatro NAPs foram criados pela Na-tional Science Foundation (NSF) nacosta leste dos Estados Unidos - Nova

qual estão conectados, por meio decabos de fibras ópticas, 56 grandes cli-entes que trocam um tráfego de algoem torno de 120 milhões de pacotespor segundo. Esse volume de opera-ções e a capacidade de troca de tráfe-go colocam o NAP das Américas en-tre os cinco classificados na categoriaTier-l. O serviço tem, ainda, 100% degarantia de energia elétrica e, segundoKlepacz, é o único "falha zero" emtoda a América.

A Terremark aposta que o Brasilserá um excelente mercado para a ex-pansão dessa conectividade em mas-sa, já que ela é pré-condição para a ex-pansão do sistema bancário e redes detelecomunicações, por exemplo, alémde criar condições para a implemen-tação da telemedicina, teleducação,TV digital, entre outras. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 15

Page 16: Descobertas na selva

Votorantim Venturesinveste em empresasde biotecnologia

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CAPITAL DE RISCO

Garim ando

Page 17: Descobertas na selva

OGrupo Votorantim, omaior conglomerado in-dustrial brasileiro, comfaturamento anual deUS$ 4 bilhões, está in-

vestindo US$ 300 milhões em negóciosde alta tecnologia. Há dois anos, o gru-po criou um fundo de capital de risco,o Votorantim Ventures, por meio doqual já participa de empresas nas áre-as de telecomunicações e comércioeletrônico, como Optiglobe, .comDo-minio, Telefutura, Quadrem e Estru-tura.net. As atenções se voltam agorapara projetos emergentes no setor debiotecnologia que, em sua grande maio-ria, estão sendo gestados nos labora-tórios das universidades. Nos próxi-mos dias, o Grupo vai divulgar uma

bonsD

lista de propostas - selecionadas entre50 - em cujo futuro quer apostar va-lores que variam entre US$ 50 mil eUS$ 50 milhões.

Trata-se, sem sombra de dúvidas,'de uma aposta arriscada. Nos EstadosUnidos, por exemplo, as estatísticasdão conta de que nove entre dez em-presas emergentes investidas de capi-tal de risco não vingam. A identifica-ção e seleção dos bons projetos, aindaque por si só não garantam o sucessodo investimento, são um passo fun-damental. A palavra de ordem, por-tanto, é prospectar, cuidadosa e crite-riosamente, os projetos desenvolvidosna academia para descobrir aquelesque têm potencial de mercado. Paraessa tarefa, a Votorantim contratouFernando Reinach. Professor e pes-quisador do Instituto de Química daUniversidade de São Paulo (USP),Reinach foi assessor da FAPESP,coor-denou os projetos de seqüenciamento

genético das bactérias Xylella fastidio-sa e Xanthomonas citri e viveu, elepróprio, a experiência de empreende-dor quando criou, em 2000, comrecursos de investidores privados, a.comDominio, hoje o terceiro datacenter do país, depois da Diveo e daOptiglobe, maior que o da Embratel.

Reinach percorre, desde dezem-bro, universidades e institutos de pes-quisa para, primeiro, explicar o que écapital de risco e, depois, garimpar ne-gócios. "O meu mandato é o de olharna universidade, o que é uma tarefasimples porque falamos a mesma lín-gua", resume. Ele não tem dúvidas deque ali existe um celeiro de boas idéi-as. "Há 25 anos, agências como a FA-PESP e o Conselho Nacional de De-

senvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq) investem, com sucesso, nodesenvolvimento da pesquisa. Mas dápara contar nos dedos o número deempresas geradas nas universidades."E por que razão os bons projetos nãose traduzem em negócios? Ele res-ponde: "É porque falta no Brasil o ca-pital de risco".

Empreendedorismo . Mas, além de re-cursos, também faltam aos pesquisa-dores informações sobre o que é, defato, essa modalidade de investimen-to. O capital de risco, ou venture capi-tal; é uma espécie de financiamento alongo prazo - sustentado por uma par-ticipação societária do investidor -,recuperado após o desenvolvimento daempresa por meio de oferta de açõesno mercado ou venda total ou parcialdo empreendimento. Nos EstadosUnidos, ele opera desde a década de40. Foi o capital de risco que permi-

tiu, por exemplo, a criação de empre-sas como Microsoft, Intel, HP, apenaspara citar casos mais recentes. "O ca-pital de risco opera muito perto dauniversidade. Alavanca a criação deempresas pequenas, com não mais dedez pessoas, onde o pesquisador entracom a idéia e o capital de risco com odinheiro': explica.

No Brasil, o capital de risco é uminvestimento relativamente recente.Foram esses recursos que alavanca-ram o desenvolvimento de empresasde Internet, a partir de 1999."Quandoa bolha da Internet explodiu, sobra-ram a idéia do empreendedorismo eos fundos de capital de risco, que, des-ta vez, estão à cata de investimentosde longo prazo': afirma Reinach. Háfortes sinais de que esses fundos queapostaram nas pontocom se voltamagora para apoiar empresas emergen-tes no setor de biotecnologia. Essamudança de direção, aliás, fecha o queReinach chama de "círculo virtuosotecnológico": o Governo investe a fun-do perdido em pesquisa - como nocaso do Projeto de Inovação Tecnoló-gica em Pequenas Empresas (PIPE)da FAPESP,por exemplo -, alavancaum invento e o capital de risco finan-cia o estabelecimento de uma empre-sa que, bem-sucedida, vai pagar im-postos ao governo.

Participação no capital· É na condi-ção de fundo de risco que o Votoran-tim Ventures vai injetar dinheiro emboas idéias, por meio da compra desociedade. "Podemos participar com5% ou até 90% do capital da futuraempresa': adianta o pesquisador. Eleacredita que o fundo possa realizaruma média de dez investimentos porano. De acordo com Paulo Henriquede Oliveira Santos, chief executive offi-cer (CEO) da Votorantim Ventures, aestratégia é apostar num maior nú-mero de projetos menores.

Mas existem alguns pressupostospara consumar essa associação. O pri-meiro é que à boa idéia correspondaum bom mercado. Um saca-rolhaseletrônico, produzido a um custo uni-tário de US$ 5 mil, pode ser uma "su-perdescoberta", mas, certamente, o ta-

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 17

Page 18: Descobertas na selva

manho do mercado não justificanenhum investimento, exemplificaReinach."Contamos com um grupode analistas que vai avaliar o pro-jeto e, junto com o pesquisador,elaborar um plano de negócio",diz. O segundo pressuposto é che-gar a um acordo quanto ao percen-tual de participação do investidorna composição da futura empresa.Nesse ponto, como diz Reinach, asnegociações são "completamentesubjetivas". Um pesquisador quesupõe ter descoberto a solução parao tratamento de uma doença calcu-la que a empresa, no futuro, valeráUS$ 150 milhões. Acredita neces-sitar de US$ 15 milhões para im-plantar o negócio e propõe a vendade uma parte do valor estimadoda futura empresa, no caso 10%,para parceiros de risco. Os investido-res, por seu lado, contabilizam o riscode fracasso, potencial de mercado epreço, projetando um valor inferiorpara a empresa, o que amplia a parti-cipação na composição do capital."Como é ele que corre o risco, esperauma remuneração a mais alta possí-ver: justifica.

Reinach: universidade é celeiro de boas idéias

Ele viveu essa experiência quandocriou a .comDomínio. "Tivemos aidéia de fazer um data center, um ser-viço que ainda não existia no Brasil.Reunimos um time competente, re-crutado na universidade, licenciei-medo tempo integral na USP, fizemosum plano de negócio e fomos para osEstados Unidos atrás de capital de ris-

co para bancar um investimentode US$ 50 milhões': lembra. Amaior parte dos recursos veio dobanco norte-americano JP Mor-gan, desde o início o maior acio-nista da empresa. O VotorantimVenture também participou doempreendimento. "Sempre tivemosmenos da metade da participação",ele relata. "Se não desse certo, elesperdiam dinheiro e nós teríamoscolocado a carreira em risco, inutil-mente." O negócio deu certo e a.comDominio é um empresa pro-fissionalizada. "Continuamos acio-nistas. Somos donos, mas não so-mos mais funcionários:'

A condição de empreendedornão exigeque o pesquisador se afas-te da universidade. "É de interesseda empresa que o vínculo continue.

Estamos montando projetos de formaque eles não precisem se afastar total-mente", afirma. Reinach ressalta, noentanto, que tudo depende da estru-tura e da legislação de cada universi-dade. Ele próprio tem planos de, nopróximo semestre, retomar suas aulasno Instituto de Química. "Eu nãoquero deixar a universidade': •

Os investimentos de capital derisco crescem lentamente no país.Em 2000, somaram US$ 747 mi-lhões e,no ano passado, algo em tor-no de US$ 800 milhões, de acordocom dados divulgados pela Asso-ciação Brasileira de Capital de Risco(ABCR) com base em pesquisa daFundação Getúlio Vargas (FGV),patrocinada pela Financiadora deEstudos e Projetos (Finep). A boanotícia é que, apesar da queda dabolsa eletrônica Nasdaq, o volumede investimentos não caiu, ressalvaRobert Binder, diretor executivo daABCR. Nos Estados Unidos, o fimda bolha da internet custou caro: omercado de investimento de risco,de US$ 100 bilhões, em 2000, caiupara US$ 40 bilhões, em 2001.

Um mercado de futuroDe acordo com a pesquisa, até

o ano passado, os setores de tele-,comunicações e as novas mídiasatraíam mais da metade dos re-cursos de risco. As start-ups fica-ram com apenas 15% das aplica-ções, e as empresas maduras, emfase de expansão, com 78%. Comexceção da Extracta, do Rio de Ja-neiro, nenhuma empresa de bio-tecnologia foi alvo de investimen-to de risco, ele diz. "O grandeproblema é o tempo de matura-ção dessas empresas", observaBinder.

Esse quadro, na sua avaliação,começa a mudar. ''A atuação dogoverno, por meio do programaInovar, da Finep, foi decisiva." Aprivatização de setores, como o de

telecomunicações, por exemplo,já está gerando novos negócios. Osinvestimentos em biotecnologia po-dem crescer, já que o Brasil, alémda biodiversidade, tem vantagenscompetitivas para apostar no de-senvolvimento desse mercado. Apropósito, nos Estados Unidos, seteempresas de biotecnologia já fa-zem parte do índice Nasdaq 100,que classifica as maiores empresasnão financeiras, segundo seu va-lor de mercado.

A ABCR tem 64 associados en-tre fundos de investimentos, consul-torias, bolsas de valores, empresase incubadoras. A entidade estimaque o potencial de investimento decapital de risco no país, desde 2000,some US$ 3,8 bilhões.

18 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 19: Descobertas na selva

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BIOTECNOLOGIA

Um mercado em expansãoBiominas constataque 51 % das empresastêm até sete anos

AFundação B.io~i,n~s,por ~?lic~-tação do Ministério da Ciência

e Tecnologia (MCT), realizou amplapesquisa para identificar e qualificar asempresas de biotecnologia em opera-ção em todo o país.Constatou que o Bra-sil abriga 354 empresas, em sua maio-ria com menos de sete anos, com umfaturamento estimado entre R$ 5,4 bi-lhões e R$ 9 bilhões. Juntas, essas em-presas geram um total de 27.825 pos-tos de trabalho. Esta radiografia dosetor vai subsidiar o planejamento depolíticas e investimentos públicos nosetor. Até então, o único levantamen-to disponível tinha sido realizado pelaAssociação Brasileira de Biotecnolo-gia (Abrapi) e pelo Instituto Interna-cional de Empreendimentos em Bio-tecnologia (I1CA), em 1993.

O parque biotecnológico brasileirotomou impulso a partir de 1994. MeLtade das empresas que hoje operam noBrasil, contabilizadas pela pesquisa, foicriada depois desse período. A Biomi-nas levantou dados de 304 das empre-sas do setor e classificou-as por região,segmento de mercado, grau de matu-ridade, tamanho, faturamento, investi-mentos em P&D, pedidos de patentes,entre outras informações. Numa segun-da fase da pesquisa, a fundação ouviu50 empresas selecionadas, trançandoum perfil mais detalhado do setor.

Constatou-se que São Paulo, Mi-nas Gerais e Rio de Janeiro concen-

A Biominas constatou que 28% dasempresas de biotecnologia são start up,

com até três anos de operação

lroplna hu a (tusivo e, niode crescimento nu

'So exclusivo em en"99' 0601 - Prazo de 'lar

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 19

Page 20: Descobertas na selva

tram 81% das empresas de bio-tecnologia do país. Pelo menos57% dos empreendimentospaulistas são de grande porte ese enquadram na categoria for-necedores e empresas multina-cionais. Em Minas, predomi-nam as empresas nacionais, amaioria voltada para as áreasde saúde humana, animal e ve-getal. No Rio, o setor está equi-librado entre multinacionais eempresas nacionais da área desaúde humana.

Tempo de maturação - A pes-quisa observou que o parquebiotecnológico brasileiro é for-mado por empresas extrema-mente jovens: 28% são startup, com até três anos de opera-ção, e 23% foram classificadascomo novas, com idade entrequatro e sete anos. Pelo menos78% delas foram classificadascomo micro e pequenas empresas. Asempresas maduras, com mais de seteanos de mercado, representam 49%do setor. Outro dado significativo re-velado pela pesquisa é que um quintodas empresas do setor ainda está incu-bado. Vale ressaltar que Minas Geraisé o Estado que mais tem investido emincubadoras de biotecnologia, ou deincubadoras que atendam a estas em-presas: pelo menos 45% das empresasincubadas estão instaladas naqueleEstado. Em São Paulo e no Rio de Ja-neiro, esse percentual é de 8%.

A Biominas estima que o conjuntodas empresas de biotecnologia no paísgere um total 27.825 postos de traba-lho. Desse, 74% estão nas microem-presas, 10% nas pequenas, 6% nas mé-dias e 10% nas grandes empresas.

Resultados financeiros - A Fundaçãocalcula que o setor fature entre R$ 5,4bilhões e R$ 9 bilhões, valor que cor-responde de 0,9% a 1,5% do ProdutoInterno Bruto (PIE) do país. Ressalta,no entanto, que esses números sãoaproximados e que a metodologia decálculo pode ser revista. As grandescorporações - multinacionais e públi-cas, entre elas - são responsáveis por

20 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Critérios de classificação

8%

91% do valor projetado. Algumas de-las chegam a faturar até R$ 300 mi-lhões/ano. Em contrapartida, 56%das empresas foram classificadas nafaixa de faturamento de até R$ 2 mi-lhões e, dentre essas, 8% ainda não fa-turavam efetivamente.

O tempo de maturação da empre-sa está diretamente relacionado' comos resultados financeiros, observa apesquisa. No caso do setor de biotec-riologia, a maturação das empresas élenta. Mesmo as empresas com até se-te anos de existência ainda se encon-travam, no período em que foi reali-

As 354 empresas brasileiras debiotecnologia mapeadas pela Fun-dação Biominas foram analisadas,avaliadas e classificadas em nove ca-tegorias: saúde humana (diagnósti-cos, fármacos, fitofármacos, vacinas,etc.); multinacionais, empresas pú-blicas, fármacos, genéricos e agro;fornecedores (equipamentos, insu-mos e suprimentos); agronegócios

zada a pesquisa, em fase de desenvol-vimento e não tinham colocado pro-dutos no mercado. Essa característi-ca das empresas exige financiamentopara investimentos e capitalização. ABiominas registrou necessidade ge-neralizada de recursos, tanto nasgrandes como nas microempresas,de forma a permitir um necessárioequilíbrio durante o seu longo ciclode maturação marcado por elevadoscustos de desenvolvimento e produ-ção. Das 50 empresas estudadas, 23contam ou já contaram com recursosexternos. Mas apenas três delas utili-

(melhoramento de plantas, transgê-nicos, produtos florestais, plantasornamentais e medicinais, bioinseti-cidas, biofertilizantes inoculantes);industriais (química fina e enzi-mas); biomateriais, biomedicina,consultoria em biotecnologia (saúdehumana, animal e vegetal) - identi-ficação genética e análise de transgê-nicos -; saúde animal (veterinária,

Page 21: Descobertas na selva

zam recursos de capital de risco, con-tando com o apoio de oito investido-res privados. A baixa capitalizaçãocompromete o aproveitamento dascapacidades e potencialidades tecno-lógicas e de inovação.

Na avaliação dos empresários ou-vidos pela Biorninas, o financiamentoe a capitalização são um dos pontosmais sensíveis do setor. Aqueles liga-dos a empresas fora de São Paulo lem-braram o bom exemplo a empresas detecnologia pelos programas InovaçãoTecnológica em Pequenas Empresas(PIPE) e Parceria para Inovação Tec-nológica (PITE), sugerindo que essesmodelos fossem adotados por agênci-as de fomento nacionais.

Outro gargalo para o desenvolvi-mento apontado pelos empresáriosconsultados foi o alto nível de taxas eimpostos incidentes sobre as micro,pequenas, médias ou grandes empre-sas que trabalham com equipamen-

Empresaspor segmento

de mercadoInstrumentos

Complementares

Meio Ambiente

Saúde Animal

Saúde Humana, Animal, Vegetal

tos e insurnos importados. Tambémforam apontados problemas como anecessidade de regulamentação doacesso à biodiversidade brasileira, le-gislação de transgênicos, integraçãodas atividades coordenadas pelos di-versos ministérios envolvidos, entreoutros.

Inovação - A pesquisa avaliou tambémo grau de absorção de tecnologia dasempresas tomando como medida ainternalização de P&D e a cooperaçãocom universidades e institutos de pes-quisa. Constatou-se que 90% das em-presas pesquisadas têm realizado de-senvolvimento tecnológico próprio e93% possuem relações formais ou in-formais com os setores acadêmicos ede pesquisa. As empresas pequenas,com até dez postos de trabalho, ten-dem a ter entre 50% e 100% do timeem atividades de P&D. No outro ex-tremo, empresas grandes possuem

6

6

8

Em Sinergia ' •......•.•.•.." 10

oQuímica Fina, Enzimas --.,...-, 6

Fornecedores

Multinacionais e PúblicasL Amostra

L PopulaçãoSaúde Humana

reprodução animal, pet, vacinas,probióticos); meio ambiente (bior-reme diação, tratamento de resíduos,análises); instrumentais complemen-tares a biotecnologia (software, bio-informática e e-commerce) e em si-

_""11II"_ •• 30

nergia (biomateriais, biomedicina,consultoria em biotecnologia).

No segmento saúde humana fo-ram identificadas 24% das empresas.No segmento fornecedores de equi-pamentos, insumos e suprimentos

entre 5% e 6% da equipe voltada paraessas atividades.

As empresas do setor investem pe-sado na inovação. As organizaçõespesquisadas apresentaram 47 patentes,sendo 21 concedidas e 26 solicitadas.A média é de urna patente por empresa.Mas apenas urna, com apenas três anosde existência, foi responsável pela soli-citação e obtenção de 13patentes. Essa,aliás, é uma empresa capitalizada, in-vestida por capital de risco.

Pelo menos 34 das instituições pes-quisadas têm planos de exportação,sendo o Mercosul, a América Latina ea União Européia os principais mer-cados alvos. De fato, 28% delas já ini-ciaram negócios com o exterior.

Gargalos - A partir desses resultados,a Fundação Biominas faz uma sériede sugestões ao MCT. A primeira de-las aponta a necessidade de expandire diversificar instrumentos de finan-

ciamento a empresas de bio-tecnologia no país. A segundasugere um contínuo ordena-mento e aperfeiçoamento dasatividades de regulamentaçãopor parte das esferas públicascompetentes. A ausência deregulamentação ou a morosi-dade de sua implementaçãocontribuem para a retraçãodos investimentos e compro-metem as exportações. Porfim, a fundação identifica oexcesso de tributação comoum problema crítico para asempresas. •

foram encontradas 17%.Os agronegócios conta-vam com 12% e as empre-sas do setor química fina eenzimas, 6%. Outras 5%foram classificadas comoem sinergia, setor que in-

clui a área de biomateriais, biomedi-cina e consultoria em biotecnologia,entre outros menos representativos.As multinacionais e empresas públi-cas de fármacos, genéricos e agro re-presentaram 22%.

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 21

Page 22: Descobertas na selva

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BIOSSEGURANÇA

Reforço na CTN BioEspecial istas vãointegrar equipe queavalia transgênicos

grupo de especialistas para agilizaros pareceres dos processos avaliadospelos 36 cientistas que formam aCTNBio. ''A biossegurança é um te-ma permanente, e o fortalecimentoda CTNBio fará com que ele progri-da", afirmou Sardenberg. Também es-tão previstos o credenciamento e acriação de novos laboratórios para oexame de produtos relacionados à uti-lização da engenharia genética. A co-missão deverá, ainda, estreitar relaçõescom a comunidade científica interna-cional e aumentar o intercâmbio cominstituições estrangeiras. "Precisamosampliar os contatos para que possa-mos avaliar como caminha a questãoda biossegurança nos países maisavançados': acrescentou Sardenberg.

Ogoverno federal vai reforçar otrabalho da Comissão Técnica

Nacional de Biossegurança (CTNBio),responsável pela avaliação de risco eestabelecimento de normas e regula-mentos sobre a utilização de organis-mos geneticamente modificados,utilização de técnicas de engenhariagenética, entre outros. O ministro Ro-naldo Sardenberg anunciou em reu-nião realizada no dia 15 de feverei-ro, no Instituto Ludwig de Pesquisasobre o Câncer, em São Paulo, que oMinistério da Ciência e Tecnologia(MCT), órgão responsável pela co-missão, vai criar um programa parafortalecer a política nacional de bios-segurança com projetos de pesquisaespecíficos. Participaram do encon-tro, além do ministro, o secretárioexecutivo do MCT, Carlos AméricoPacheco; o diretor científicoda FAPESP, José FernandoPerez; o diretor do InstitutoLudwig, Ricardo Brentani;o coordenador do Labora-tório de Genética do Cân-cer do Instituto, AndrewSimpson; Carlos AlbertoMoreira Filho, do Institutode Ciências Biomédicas daUniversidade de São Paulo;o representante da indús-tria de biotecnologia naCTNBio, Joaquim Macha-do; e o representante doCentro de Biotecnologia daUniversidade Federal doRio Grande do Sul, JorgeGuimarães.

A intenção é contratar,ainda neste semestre, um

Política nacional - A CTNBio foi cria-da em 1995. Tem, entre suas atribui-ções, a tarefa de propor a política na-cional de biossegurança, o Código deÉtica de Manipulações Genéticas, clas-sificar os organismos geneticamentemodificados segundo o grau de rísco,emitir pareceres técnicos sobre os

projetos relacionados a transgênicos efiscalizar o desenvolvimento dessesprojetos. Desde a sua criação, a comis-são já avaliou mais de mil processosde experimentos com transgênicos. "ACTNBio tem uma concepção origi-nal: toma decisões genéricas, mas ava-lia processo por processo", explica oministro. Nos últimos anos, no en-tanto, o avanço da polêmica em tornode organismos geneticamente modi-ficados exige que os trabalhos da co-missão - formada por 18 titulares e 18suplentes indicados pelos diversosministérios - ganhem, como diz oministro, um caráter de rotina. "Épreciso lhes garantir melhores condi-ções de trabalho para que esses temassejam tratados em regime normal",justifica Sardenberg.

Desde a sua criação, a CTNBio au-torizou o plantio e o cultivode um únicoorganismo geneticamente modificado,a soja Roundup Ready, da Monsanto.Mas uma ação judicial movida peloInstituto Brasileiro de Defesa do Con-sumidor (Idec) e pelo Greenpeace im-pediu o início do plantio. Os dois ór-gãos querem condicionar a liberaçãodo cultivo de qualquer transgênico aestudo de impacto ambiental (EIA-Rima) e à elaboração de normas paraavaliação de riscos à saúde. O proces-so está sob julgamento do TribunalRegional Federal, em Brasília. •

Justiça analisa ação contra o plantio de organismos geneticamente modificados, como o milho

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 22

Page 23: Descobertas na selva

www.scielo.br

As publicações científicas brasileiras ganharamvisibilidade internacional. Graças ao SciELO,

seus artigos são cada vez mais citados.SciELO - Scientific Electronic Library Online é uma biblioteca de revistas científicas disponí-vel na Internet. Uma biblioteca virtual que reúne 67 publicações científicas brasileiras. Suainterface permite o acesso fácil aos textos completos de artigos científicos, por meio das ta-belas de conteúdos dos números individuais das revistas ou da recuperação de textos pornome de autor, palavras-chaves, palavras do título ou do resumo.

A SciELO publica também relatórios atualizados do uso e do impacto da coleção e dos tí-tulos individuais das revistas. Os artigos são enriquecidos com enlaces dinâmicos a bases dedados bibliográficas nacionais e internacionais e à Plataforma l.attes no CNPq.

SciELO é produto do projeto cooperativo entre a FAPESp,a BIREME/OPAS/OMS e editorescientíficos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais aces-sível e incentivar a consulta das mais conceituadas revistas científicas brasileiras. Em 1998,a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamentecomo modelo de publicaçãp eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimen-to, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chi-le e em 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistascientíficas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorpo-rar-se à rede de coleções SciELO.

O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira. Ao mesmo tempo,proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas cien-tíficas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.

Adote a SciELO como sua biblioteca científica.

~~ ~GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria daCiência, Tecnologiae DesenvolvimentoEconômico BIREME I OPAS IOMS www.fapesp.br

Page 24: Descobertas na selva

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS

SciELO, um modelo reconhecidoBiblioteca virtualamplia visibilidade daciência brasileira

Oprograma Scientific EletronicLibrary On-line (SciELO), bi-

blioteca virtual que reúne 93 jornaise revistas científicas produzidas noBrasil e na América Latina, começa adar visibilidade para grande parte daspesquisas divulgadas em publi-cações nacionais, até recente-mente inacessíveis à comuni-dade internacional. Provadisso é que a edição 415 darevista Nature, de 31 dejaneiro deste ano, trazcarta assinada por doispesquisadores do De-partamento de Zoolo-gia da Universidade deOxford - Wladimir J.Alonso e Esteban Fer-nández- Juricic -, em quedefendem a implementaçãode redes regionais de acessorápido, como o SciELO,para ampliar a comunica-ção dos pesquisadores depaíses em desenvolvi-mento. O argumento dospesquisadores se apóia naavaliação do desempenhode cinco jornais e revistasbrasileiras indexados, há cincoanos, no Institute for ScientificInformation (ISI), que, depois deincorporados ao SciELO, há doisanos, tiveram aumento de 132,7%nos seus fatores de impacto. Esseindicador é medido pelo número deartigos publicados num ano, dividi-do pelo número de vezes em que elesforam citados por outra revista.

Maior visibilidade - O SciELO é umprograma especial da FAPESP desen-volvido em parceria com o Centro La-tino-Americano e do Caribe de Infor-mação em Ciência da Saúde (Bireme)e apoio do Conselho Nacional do De-senvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq). Foi implementado em1997, com a intenção de aumentar avisibilidade e acessibilidade de publi-cações científicas brasileiras que, em

,I'

II!iI

':

24 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

r••

sua maioria, não estão indexadas embases de dados internacionais. Apenas22 revista brasileiras estão entre oscerca de 6 mil títulos indexados noISI, por exemplo.

O reconhecimento de que existiaum nicho de pesquisadores que nãotinham possibilidade de se comunicarinternacionalmente foi reforçado pelapublicação do artigo Ciência Perdidano Terceiro Mundo (Lost Science in theThird World), de W. Wayt Gibbs, pu-blicado na revista Scientific American273, em 1995, em que ele constata quepesquisas importantes não incluídasem bases de dados internacionais, pornão serem referenciadas, acabavaminvisíveis. "Foi daí que surgiu a idéiade tornar essa produção mais visívele, ao mesmo tempo, criar uma basede dados para publicações nacionais",

conta Rogério Meneghini, coor-denador do Centro de BiologiaMolecular Estrutural (CBME)do Laboratório Nacional de LuzSíncrotron (LNLS), coordena-dor do SciELO na FAPESP eum dos idealizadores do pro-grama.

O SciELO tomou formanum encontro entre Meneghi-ni, professor do Instituto deQuímica da Universidade de

São Paulo, e Abel Packer, dire-tor da Bireme, atualmente coor-

denador operacional do progra-ma. A Bireme já realizava o

controle institucional de produçãocientífica na área da saúde, mas a

instituição tinha planos de imple-mentar uma publicação eletrônicapara facilitar a localização e indexaçãodos artigos científicos. O SciELO co-meçou em escala piloto, com poucasrevistas, mas, rapidamente, tornou -sereferência obrigatória entre pesquisa-dores de diversas áreas. O número devisitas mensais, por exemplo, saltou

Page 25: Descobertas na selva

Número de visitas mensais ao SciELO, por ano (escala logarítmica)

de menos de dez, em fevereiro de1998, para algo próximo de 10 mil,em 2001, número que deverá ser ul-trapassado em fevereiro deste ano(ver quadro abaixo). "Estamos che-gando a uma massa crítica de resul-tados para avaliar o impacto das pu-blicações aqui no Brasil", adiantaMeneghini. Ele credita o sucesso doSciELO às circunstâncias favoráveisem que vive a ciência brasileira e citacomo exemplo o aumento dos recur-sos destinados à pesquisa e à institucio-nalização da pós-graduação. "Paraavançar é preciso ter boa ciência."

Seleção criteriosa - Atualmente, omodelo de comunicação científicaadotado pelo SciELO já está implan-tado também no Chile e em Cuba,com o apoio da Bireme e de agênciasde fomento locais. Em breve, tambémestará sendo implementado na CostaRica, na Espanha, em Portugal, noMéxico e na Venezuela. Ao todo, já es-tão disponíveis, on-line e gratuita-mente, 98 publicações científicas. "Até

1000000

100000

o final do ano esperamos chegar a300': prevê Packer.

No Brasil, o SciELO conta com 67títulos selecionados entre as cerca demil publicações científicas brasileiras."O programa deverá atingir a sua ma-turidade no final do ano, quando deve-remos chegar a cem publicações': prevêPacker. "Nesse momento, o programapassará a ser utilizado por agências defomento para medir a comunicação,utilizando indicadores específicos porrevista e por instituição': completa.

O critério de seleção dos títulosque integram o acervo do SciELO érígido, já que a grande maioria das re-vistas e jornais científicos publicadosno Brasil não cumpre os requisitos dequalidade de conteúdo, de originali-dade das pesquisas e tampouco temregularidade garantida, comenta Pac-ker. Os títulos candidatos a ingressosão avaliados por um comitê consulti-vo e aprovados por pares. Os indica-dores utilizados para a sua admissãoaplicam-se também para a avaliaçãode sua permanência na SciELO.

Metodologia do programa - O modeloSciELO é formado por três compo-nentes. O primeiro é a metodologiaque permite a publicação eletrônicade edições completas, a organizaçãode dados bibliográficos, a produçãode indicadores. Inclui ainda, critériosde avaliação de revistas, baseado empadrões internacionais de comunica-ção científica. Os textos completospodem ter links de hipertexto combases de dados nacionais e internacio-nais. O segundo componente do mo-delo é a aplicação da metodologia naoperacionalização de sites na web decoleções de revistas eletrônicas, co-mo aqueles que já operam no Brasil,Chile e Cuba. O terceiro é o desen-volvimento de alianças entre autores,editores, instituições científico-tecno-lógicas, agências de financiamento,entre outros, com o objetivo de dis-seminar e atualizar a SciELO. ''A car-ta da Nature é a maior evidência naliteratura internacional de que a SciE-LO está cumprindo seus objetivos':conclui Packer. •

1000 1f--"7::;;tf- +--1+ -t--tf- ---:f-Ic.;;;;:---I+ --,,--,--1-+ ----;:::-tl-_---:f-I- ----;::;1-1-----;,.....f-f- ,.---"I"IH- -=-..••••+

100

1 JAN FEV MAR

~1998

ABR MAl JUN JUL AGO SET DEZ

1999 -O2000 ~2001

OUT NOV

2002

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 25

Page 26: Descobertas na selva

• CIÊNCIA

Contra dorno coraçãoNotícia promissora para car-díacos: wn medicamento em-pregado normalmente emdoenças neurológicas, a piri-dostigmina, provavelmentefunciona também contraproblemas do coração. Antô-nio Cláudio Lucas da Nóbre-ga, da Universidade FederalFluminense (UFF), no Riode Janeiro, verificou que adroga reduz a pressão arte-rial e a freqüência cardíaca eretarda o aparecimento dachamada isquemia (falta deirrigação sangüínea de umaparte do coração). Em con-seqüência, permite esforçosfísicos mais intensos a pes-soas com insuficiência cardía-ca ou com obstrução da arté-ria coronária, que abastece ocoração com sangue oxige-nado. "Se antes um paciente

• Como ouvir umjoelho machucado

Pesquisadores da Universi-dade Ryerson, de Toronto,Canadá, desenvolveram umequipamento que poderáajudar os médicos a diagnos-ticar lesões no joelho - e ostécnicos de futebol a decidirse deixam um jogador con-tundido voltar para o campo.Trata-se de um aparelho dediagnóstico que conta comsensores de vibração iguaisaos existentes nas estaçõessismográficas para registrarterremotos, informa a revistaNew Scientist (12 de janeiro).Sinais sísmicos estão normal-mente abaixo de 20 hertz,inaudíveis ao ouvido huma-

26 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

LABORATÓRIO

Droga foi usada durante a Guerra do Golfo como antídoto contra bombas de gás

sentia dor ao subir escada,tomando o medicamento sósentirá se subir rápido de-mais", exemplifica. Seus estu-

dos demonstram que oremédio, adotado na formade brometo de piridostigmi-na (ou C9li13BrN202), di-

no. O mesmo ocorre com osruídos feitos por joelhos comdanos na cartilagem. Quan-do uma articulação entra emação, a cartilagem fica com-primida e vibra. Estetoscópi-

os ou microfone amplificamo som que ela faz. Mas é difí-cil distinguir os sons de carti-lagens saudáveis e danifica-das. O aparelho desenvolvidofacilita essa leitura. Basta que

Passe articulado: novas possibilidades para diagnóstico

minui em 65% a arritmia docoração de pacientes com in-suficiência cardíaca e doençade Chagas (foram avaliados

o paciente se sente sobre umamesa e balance a perna. Sen-sores amarrados ao joelhotransmitem as informaçõesde baixa freqüência para umcomputador, que codifica ainformação para uma fre-qüência mais alta. Foi encon-trada grande diferença entreos sons da cartilagem degra-dada e da normal. Acredita-se que os médicos poderãoidentificar um joelho anor-mal com 80% de precisão. •

• Onde os maresse encontram

Todos os anos, mais de 800mil pessoas viajam para CapePoint, a uma hora de CapeTown, na África do Sul. O

Page 27: Descobertas na selva

20 pacientes do primeirogrupo e 12 do outro). Nó-brega espera iniciar nos pró-ximos meses ensaios clíni-cos com um número maiorde pacientes no HospitalUniversitário Antonio Pedro,da UFF, de modo a com-provar definitivamente oefeito benéfico do medica-mento, que, como ele estáverificando, age tambémcontra estresse mental. Nó-brega começou em 1995 osestudos com indivíduos sa-dios, nos quais o compostoquímico produziu bradicar-dia (desaceleração dos bati-mentos cardíacos). Indicadadesde 1955 para amenizar afraqueza muscular decor-rente da miastenia grave,um tipo raro de doençaneurológica, a piridostigmi-na inibe a ação de uma en-zima, a acetilcolinesterase,

que aciona o sistema nervo-so parassimpático, conjun-to de nervos responsávelpelo controle involuntáriosdos músculos e órgãos docorpo, cuja falha aumenta orisco de problemas cardio-vasculares. Foi também uti-lizada por cerca de 250 milmilitares dos Estados Uni-dos na Guerra do Golfo(1990-1991), como um an-tídoto contra as bombas degás que atuam sobre o siste-ma nervoso, ainda que soba classificação de "nova dro-ga sob investigação': Nóbre-ga enfatiza que o objetivomais amplo de seu trabal-ho não é avaliar o medica-mento, mas verificar se amelhoria do funcionamen-to do sistema nervoso pa-rassimpático pode protegerpacientes com doenças car-diovasculares. •

que as atrai é algo bem subje-tivo: o encontro de dois gi-gantes, os oceanos Atlântico eÍndico. "Elas estão sendo en-ganadas", acusam os indig-nados moradores de CapeAgulhas, que fica 100 qui-lômetros a leste, à revista TheEconomist (26 de janeiro).Para eles, o verdadeiro pontode encontro das águas friasdo Atlântico e mornas doÍndico é ali mesmo, no localonde eles levantaram ummodesto marco de pedras.Não é fácil julgar onde umoceano termina e começa ou-tro. Uma forma é estudarqual a temperatura da água eo que vive lá. A costa doAtlântico é fria e preferidapor pingüins, focas e tuba-

rões machos. Mergulhadorese fêmeas grávidas de tubarãopreferem as águas mornas doÍndico. Assim, onde a tempe-ratura muda, exatamente a

leste de Cape Point, em FalseBay, poderia ser onde os oce-anos se encontram. Mas ospartidários de Cape Agulhasnão aceitam o argumento.Eles retrucam que False Bay érasa e abrigada e sempre serámais quente que o mar aberto.A prova a seu favor, afirmam,seriam as correntes dos ocea-nos, que se encontrariam maisfreqüentem ente em CapeAgulhas. "Os oceanos trocamde água o tempo todo e nãohá linha divisória entre eles",pondera Howard Waldron,oceanógrafo da Universidadede Cape Town. •

• Conversa de bebêno computador

Todo adulto perde um poucoa compostura quando con-versa com um bebê. Até o jei-to de falar se altera: em geral,a voz fica mais aguda e as vo-

gais são pronunciadas commaior ênfase. Pode parecerapenas corujice, mas faz omaior sentido para os bebês.Um novo software de reco-nhecimento de fala criado naUniversidade de Washington,Estados Unidos, está provan-do que esse jeito infantilizadode falar é mais fácil de com-preender do que a fala nor-mal. Patrícia Kuhl, a criadorado programa, estudou as vo-gais que os adultos usam parafalar com bebês e descobriuque elas não apenas são fala-das mais claramente, mas sãofoneticamente diferentes dassuas equivalentes adultas. Aspessoas parecem falar dessaforma seja qual for o idioma.Assim, os pesquisadores con-jecturaram que, talvez, essafala especial para bebês osajude a aprender a falar. •

• A estréia darevista Neotropica

Os resultados das pesquisasdo BIOTA, programa de ma-peamento da diversidade ani-mal e vegetal em São Paulo,financiado pela FAPESP, ga-nharam mais um meio dedivulgação: a revista eletrô-nica BIOTA Neotropica, quevai publicar resultados origi-nais de pesquisas, vinculadasou não ao programa, sobreconservação e uso sustentá-vel da biodiversidade. O en-dereço é www.biotaneotro-pica.org.br. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 27

Turistas em Cape Point: disputa subjetiva com Cape Agulhas

Page 28: Descobertas na selva

Uma planta aquática damesma família da vitória-ré-gia brasileira (Victoria ama-zonica) pode desvendar umdos maiores mistérios dabiologia: como, há 150 mi-lhões de anos, as angiosper-mas, plantas floríferas, sediferenciaram de suas pa-rentes mais próximas, asgimnospermas, plantas desementes nuas, como os pi-nheiros e outras coníferas.Foi estudando a nenúfar(Nuphar polysepalum) queos pesquisadores IosephWilliams e William Fried-man, da Universidade doColorado, Estados Unidos,encontraram uma pista pa-ra resolver o enigma. Elesexplicam que escolheramuma planta da família dasninfeáceas por causa de re-gistros fósseis e recentes

• Em defesa douso de cobaias

A Royal Society, a academianacional de ciências britâni-ca, publicou em fevereirouma severa defesa do uso deanimais em pesquisa cientí-fica. O gesto fez parte docontra-ataque liderado pelaassociação das bioindústriascontra ativistas que querem aproibição das experiênciascom animais alegando maus-tratos e crueldade. Todos os21 integrantes do conselhoda Royal Society assinaram odocumento - na verdade, aprimeira declaração formalda sociedade sobre o assunto.O documento ressalta que to-dos são beneficiados imensa-mente pelas pesquisas cien-tíficas envolvendo animais.Além disso, virtualmente to-

28 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

o elo perdido das plantassomo: duas da mãe e umado pai. Esse endosperma tri-plóide contrasta dramatica-mente com as sementes dasgimnospermas, nas quais otecido nutritivo é haplóide,contém uma única cópia decada cromossomo. Williams

e Friedman ava-liaram o con-teúdo de DNAdas células doembrião e en-dosperma e des-cobriram: a ne-núfar tem umendosperma di-plóide, com um

conjunto de cromossomosda mãe e outro do pai. Ahipótese é que a nenúfarpode representar um inter-mediário entre gimnos-perma haplóide e angios-perma triplóide. •

análises moleculares que acoloca entre as mais antigasfamílias de plantas com flo-res. Nesse trabalho, publica-do na revista Nature (31 dejaneiro), os pesquisadoreslembram que uma caracte-rística que distingue asplantas com flores é quecada semente se divide emduas partes: um embrião si-milar ao de todas as outras

dos os medicamentos desen-volvidos no século 20 depen-deram de testes com cobaiaspara se ter certeza de que adroga funcionava. "O conse-lho fez esta declaração por-que quer pFeservar e fortale-cer o uso ético de animais empesquisa por meio do deba-te", afirmou Patrick Bateson,secretário de Biologia daRoyal Society. •

plantas e um tecido únicochamado de endosperma,que serve para nutrir o em-brião. Todas as angiosper-mas têm endosperma, que étriplóide, ou seja, contémtrês cópias de cada cromos-

• Perguntas parao século 21

Quais questões vão reger otrabalho científico nos próxi-mos anos? Em busca de res-postas, a Fundação Edge pediupara que 99 cientistas, filóso-fos e artistas expusessem asquestões que mais os afligem(disponíveis em www.edge.org).Há indagações para todos os

Cobaia: nãose conhecemalternativasmais seguraspara testescom drogas

gostos. O físico e escritor PaulDavies tortura-se por querersaber se há apenas um oumais universos, o chamadomultiverso, que tanto podeser uma forma de substituirDeus como explicação para odesign do mundo físico quan-to uma mera hipótese teóricaainda não comprovada. Clif-ford Pickover, do Centro dePesquisas da IBM, vai além epropõe a situação: "Suponhaque existem dois universos.No primeiro, o UniversoÔmega, Deus não existe, masseus habitantes acreditam queEle existe. No outro, o Univer-so Upsilon, Deus existe, masnenhum de seus ocupantesacredita em Sua existência.Qual universo você escolhe-ria para viver?" Deus é bas-tante lembrado - seria Eleuma inteligência extra-terres-

Page 29: Descobertas na selva

tre extremamente avançada?Stuart Kauffman, bioquímicoda Universidade de Pensilvâ-nia, prefere buscar os requisi-tos que um sistema biológicodeve ter para agir sobre seupróprio comportamento, en-quanto a pergunta que perse-gue Daniel Dennett, filósofoda Universidade Tufs, é: "Quetipo de sistema de codificaçãode informações o cérebrousa?" Após examinar o estágioem que as pesquisas nessecampo se encontram, o pró-prio Dennett considera a pos-sibilidade de que outra indaga-ção melhor poderia ser feita.A Edge realiza assim seu ob-jetivo de promover o debate edeixa alertas como o lançadopor Roger Schank, da Univer-sidade Carnegie-Mellon: "Oque significa ter uma menteeducada no século 21?" •

• À espera dofenômeno EI Nino

É provável que o El Nino serepita este ano, mas os me-teorologistas só terão certezaabsoluta no segundo ou ter-ceiro trimestre. De concreto,talvez anunciando a futuraocorrência do fenômeno me-teorológico, que pode alteraro padrão do clima em váriaspartes do globo, inclusive noBrasil, os pesquisadores nor-te-americanos e australianoscolheram indícios de que,precocemente, neste ano, aságuas superficiais do oceanoPacífico já se mostram ligeira-mente mais quentes do que ohabitual. O El Nino, que cos-tuma atingir seu ápice pertodo final do ano, é justamenteisso: um aumento fora do nor-mal, que pode ser superior a4° C, na temperatura do Pací-fico Equatorial, geralmenteperto do litoral do Peru eEquador. A grosso modo, oimpacto do esquentamentodas águas do oceano, depen-

Inundação no interior do Rio, em 1997: culpa do EI Nino

dendo de sua intensidade, éprovocar mais chuvas em al-gumas partes do planeta emenos em outras. No Brasil,o fenômeno costuma causarmais enchentes na Região Sule agravar a seca no Nordeste,as duas partes do país quenormalmente mais sofrem osefeitos do fenômeno. O últi-mo El Nino ocorreu em 97-98 e foi de grande intensida-de, causando prejuízos emvárias partes do mundo. •

• Enfim, um clonede sucesso

A maioria das experiênciascom animais clonados é vistacom reserva pela sociedade,mas com Cc (de CopyCat) foidiferente. Talvez por ser o pri-meiro animal doméstico a pas-sar pela experiência e pelo

seu jeito sedutor, a gata clona-da feita por pesquisadores daUniversidade do Texas, nosEstados Unidos, está sendorecebida com afagos. A técni-ca usada foi a de transferên-cia nuclear, a mesma usadacom a ovelha Dolly e a maio-ria dos outros clones produ-zidos até agora. O nascimen-to de Cc também foi quaseum acidente: dos 188 óvulosresultaram 87 embriões elo-nados, transferidos para oitomães de aluguel. Apenas Ccvingou. A gata é, de fato, umclone, mas a pelugem não éigual à de Rainbow, sua mãegenética. Isso ocorre porque apigmentação de animais é de-terminada também por fato-res de desenvolvimento da pla-centa. O projeto, de US$ 3,5milhões, foi financiado pelaGenetic Savings & Clone, que

A gata que foi clonada (esq.) e Cc com a mãe de aluguel

terá a opção exclusiva de li-cenciar a tecnologia quandoela for viável. Em um futuropróximo, a empresa deveráoferecer serviços para clona-gem de gatos de estimação. •

• Estrelas destroema vida na Terra

A extinção de animais mari-nhos ocorrida na Terra há 2milhões de anos pode ter sidocausada por explosões de es-trelas supernovas, um dosmais energéticos e potencial-mente letais fenômenos doUniverso. Um grupo de físicossob a coordenação de NarcisoBenítez, da Universidade IohnHopkins, Estados Unidos, ve-rificou que, mais ou menosna mesma época da extinção,no período Plioceno- Pleisto-ceno, ocorreram explosões decerca de 20 supernovas dogrupo de estrelas Scorpius-Centaurus, que então se en-contrava a 130 anos-luz daTerra. A hipótese se apóia noexcesso de ferro-60 encontra-do em amostras da crosta ter-restre retiradas do fundo domar, que pode ser antigo obastante para ter se originadoem supernovas. Mas não foi oferro que destruiu os peque-nos organismos que susten-tam a vida no mar. Segundoos pesquisadores, os raioscósmicos resultantes das ex-plosões danificaram a camadade ozônio na Terra e permiti-ram que a radiação ultravi-oleta do Sol atravessasse aatmosfera, provocando o de-saparecimento em massa dosorganismos marinhos. Nocaso da devassa biológica queocorreu há 65 milhões deanos, sobrevive a hipótese daqueda de um asteróide e ca-tástrofes vulcânicas - até omomento, não foi necessáriousar supernovas para explicaro fenômeno que eliminou osdinossauros do planeta. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 29

---------- J

Page 30: Descobertas na selva
Page 31: Descobertas na selva
Page 32: Descobertas na selva

lho repercutiu internacionalmente e rendeu umartigo científico publicado na revista inglesaLancet, uma das mais renomadas publicaçõesmédicas do mundo.

A localização de casos assintomáticos de ma-lária em Rondônia é, talvez, o maior feito cientí-fico dos dois centros de pesquisa instalados nesseEstado, que realizam estudos de forma conjuntae em separado. Mas não o único. O núcleo amazô-nico do ICB levantou fortes evidências da existên-cia de uma ainda desconhecida espécie de proto-zoário do gênero Leishmania que seria um novoagente causador da leishmaniose tegumentar ame-ricana (LTA), doença infecciosa que todo ano atacapele e mucos as de 28 mil brasileiros, de Norte aSul do país. Em Monte Negro, município a 250quilômetros ao sul de Porto Velho onde funcio-na a base do ICB, os pesquisadores tambémconstataram uma altíssima incidência, uma dasmaiores do mundo, de uma doença de pele poucodiagnosticada, a cromoblastomicose, e identi-ficaram um novo tipo de carrapato, do gêneroAmblyomma, encontrado em animais terrestres,sobretudo antas (Tapir terrestris), que pode trans-mitir ao homem alguma doença. "Em Rondônia,quase tudo é novo e há muito o que pesquisar', dizErney Plessmann de Camargo, 66 anos, ex-pro-fessor titular do ICB, recém-nomeado diretor doInstituto Butantan e coordenador de um projetocujo objetivo é levantar a fauna de carrapatos emRondônia e verificar a prevalência de três gêne-ros de bactérias potencialmente patogênicas, Ri-ckettsia, Borrelia e Erlichia, nesses artrópodes.

Plessmann é co-autor do artigo sobre adescoberta de portadores assintomá-ticos do plasmódio da malária emRondônia, ao lado de Fabiana Alves(ICB) e Luiz Hildebrando Pereira da

Silva, diretor científico do Cepem e autoridademundial em doenças tropicais. Ex-diretor dedois departamentos do Instituto Pasteur daFrança, Luiz Hildebrando é, possivelmente, oprincipal responsável por Rondônia ter entradono mapa da pesquisa nacional. "Acreditamos queessas pessoas assintomáticas apresentem imuni-dade à malária e sirvam como reservatórios dadoença", diz o veterano parasitologista, com maisde quatro décadas dedica das à ciência. Na visãodos especialistas do ICB e do Cepem, identificare tratar os portadores não-sintomáticos de P. vi-xax é tão importante para deter o avanço damalária quanto pôr em prática as medidas tradi-cionais de controle dessa endemia: combater oagente transmissor, o chamado vetor (no Brasil,fêmeas de mosquito Anopheles darlingi infecta-

32 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

das com o plasmódio), e medicar o mais rapida-mente possível os casos sintomáticos. Estudar osassintomáticos é também uma forma de enten-der os mecanismos envolvidos na aparente imu-nização natural adquirida por essas pessoas, oque pode ser útil para o desenvolvimento deuma vacina contra a malária por P. vivax, um so-nho distante pelo menos uma década, na opiniãode Luiz Hildebrando. ''A maioria das pesquisasde vacinas contra malária trabalha com os casosde infecção causada pelo P. falciparum", diz ele. Ogenoma do falciparum, por sinal, foi recente-mente seqüenciado por um consórcio internaci-onal de laboratórios (veja quadro na pág. 40).

Numa intervenção piloto em termos de Ama-zônia, pesquisadores do Cepem devem iniciarainda este mês a identificação e o tratamento decasos assintomáticos de malária na Vila Candelá-ria, bairro de Porto Velho, também às margensdo rio Madeira, só que muito mais próximo dacidade que o distrito de Portochuelo. A comuni-dade ribeirinha de Candelária, por onde passa-vam os trilhos da mítica Estrada de Ferro Madei-ra-Mamoré, está a dez minutos de carro da parteasfaltada da capital rondoniense - município

Page 33: Descobertas na selva

com 330 mil habitantes, espalhados por umaárea plana de mais de 34 mil quilômetros qua-drados, 20 vezes maior do que a cidade de SãoPaulo - e é freqüentada nos finais de semana poruma população flutuante de veranistas vindos daPorto Velho mais urbanizada. !

Médicos fazem a diferença - Na vila, onde vivem260 habitantes fixos, estudos do Cepem mos-tram que 30% dos moradores carregam o P. vi-vax no sangue, mas não têm os sintomas de ma-lária (febre de até 40 graus e suor contínuo, deduas a quatro horas), sem contar os 40% quetêm as duas coisas, o plasmódio e as manifesta-ções clínicas. "Tratar os assintomáticos pode mu-dar o destino da malária", diz o paulista MauroShugiro Tada, médico-chefe do Cepem. Tadamudou-se há 17 anos para Rondônia com o in-tuito de pesquisar doenças tropicais num centro,embrião de seu atual local de trabalho, em CostaMarques, na divisa com a Bolívia, onde, diz ele,"dava malária até em pé de mamoeiro".

Falar de malária no Brasil é, na verdade, falarde malária na Amazônia, região que concentramais de 99% dos casos nacionais da enfermida-

de. Em 2001, segundo dados parciais da Funda-ção Nacional de Saiíde (Funasa), houve no país340 mil casos de malária e 85 mortes. Em Ron-dônia, o número de registros ficou na casa dos 50mil. Em 2000, o número de doentes em todo opaís chegara a 610 mil, com 240 mortes. Por piorque seja nosso sistema de saúde - e na Amazôniaé pior ainda que em outras partes do país -, arealidade brasileira ainda é nitidamente melhordo que a africana, o que ameniza o peso das en-demias por aqui.

"Nossa malária grave é diferente da africana':diz Luiz Hildebrando, que já pegou a enfermida-de no Senegal e é portador do Trypanosoma cru-zi, mas não sofre do mal de Chagas. "Lá o aten-dimento médico é muito pior e as crianças são asvítimas preferenciais do falciparum, que com fre-qüência provoca complicações cerebrais e morte.Aqui quem pega malária grave são adultos, geral-mente agricultores, garimpeiros ou gente que mo-ra na beira de rio e os problemas cerebrais sãoraros." Há poucos médicos nas áreas rurais daAmazônia, mas, andando alguns quilômetros, éaté possível que um doente encontre algum aten-dimento minimamente capacitado, diz o cientista.

o pano vermelhoem frente à casaindica que háum caso suspeitode malária: sinalpara o motoqueiroda prefeitura deCandeias parar ecoletar sanguepara o exame

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 33

Page 34: Descobertas na selva

Iscas humanas:estagiários da

USP capturammosquitos

(em destaque,o Anopheles)

em horário,temperatura

e umidademonitorados

Na África, o caminhar ge-ralmente não leva a nada.

Quase todo mês, apesardos compromissos em SãoPaulo, Erney Plessmannvai à Amazônia. "Estamosem Rondônia com o espíri-to de sentinela, para acom-

panhar doenças antigas, emergentes e reemergen-tes', resume. "Nunca se sabe quando pode apareceralgo diferente, como um caso de ebola," Até ago-ra, não há relatos confirmados de VÍtimas domisterioso VÍrus,que provoca uma febre hemor-rágica capaz de matar o paciente em dias. Os pes-quisadores da USP e do Cepem não atuam emRondônia com o intuito específico de procurarcasos de ebola. Mas, como o hábitat natural doVÍrus são as selvas africanas e asiáticas, faz senti-do pensar que sua existência possa se estender aoBrasil, às nossas florestas tropicais. Portanto,como escoteiros, eles têm de estar sempre alertas.

Expondo-se aos mosquitos - Mesmo quando nãopode viajar, Plessmann sabe que o projeto doscarrapatos está em boas mãos, nas de seu filho,Luís Marcelo Aranha Camargo, 40 anos, coorde-nador do Núcleo Avançado de Pesquisa do ICB.Com duas malárias em seu currículo - Monte Ne-gro tem alta incidência tanto de malária quantode leishmaniose tegumentar americana -, Ca-

34 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

margo permanece a maior parte do ano emRondônia. Vem a São Paulo para dar aulas e orien-tar alunos, em média, a cada 45 dias. Na cidadede 12 mil habitantes, onde faltar luz e o telefoneficar mudo não chega a ser uma novidade, umade suas tarefas é coordenar um trabalho sistemá-tico de captura de vetores de doenças, mosquitose carrapatos. Muitas vezes, na busca por ummosquito, usam-se as chamadas iscas humanas:oferece-se ao inseto a suculenta perna descober-ta de um funcionário ou estagiário. O métodoenvolve o risco de uma picada, mas dá certo. OICB já capturou mais de 80 mil mosquitos e,com outras técnicas, 10 mil carrapatos.

Foi em coletas de vetores na floresta que aequipe de Camargo pegou exemplares do candi-dato à nova espécie de carrapato, extremamenteparecida com o Amblyomma incisum. Os pesqui-sadores do ICB buscam evidências de que os car-rapatos, além dos mosquitos, são transmissoresainda pouco estudados de uma série de doenças,velhas ou emergentes, aos animais e aos seres hu-manos. Em muitos casos, essa relação ainda éobscura. Em outros, já conhecida. É o caso da fe-bre maculosa, causada pela bactéria Rickettsiarickettsii, transmitida ao homem pelo carrapato-estrela (Amblyomma cajennense), comum em ca-valos e outros animais silvestres. Engana-sequem pensa que a moléstia está presente apenasna Amazônia. A febre maculosa é uma endemia

Page 35: Descobertas na selva

em áreas até de São Paulo, como na região deCampinas, onde já provocou mortes.

f(ém do candidato a novo carrapato, aequipe permanente de Camargo emMonte Negro e Ieffrey Shaw, pesqui-sador baseado na sede paulista doICB, também identificaram em pa-

cientes de leishmaniose tegumentar americana oque parece ser uma espécie ainda não descrita naliteratura científica do parasita que causa a doen-ça. Até agora, sabe-se que seis espécies de proto-zoários do gênero Leishmania, transmitidos aohomem por mosquitos do gênero Lutzomyia, de-sencadeiam no Brasil a infecção de pele nas pes-soas: Leishmania braziliensis, L. amazonensis, L.guyanensis (as três mais importantes) L. lainsoni,L. naiffi e L. shawi. "Temos fortes evidências deque descobrimos uma sétima espécie do parasitaque também causa a leishmaniose tegumentar",diz Camargo. Em seus estudos sobre a doença, o

Em Monte Negro,à beira do rioJamari, a coletaprossegue:carrapatos comoa provávelnova espécie deAmb/yomma (acima)grudam na flanela

chefe do núcleo ama-zônico do ICB tam-bém conta com o au-xílio do médico SérgioBasano, seu orientan-do de mestrado naUSP e um dos mem-bros da equipe doinstituto em Rondô-

nia, que dispõe de dois laboratórios e uma pe-quena área rural para pesquisas de campo.

Ainda em Monte Negro, os pesquisadoresconstataram uma altíssima incidência de umaquase desconhecida doença de pele causada porfungos encontrados em restos de animais e detri-tos da floresta, a cromoblastomicose, pouco diag-nosticada por ser muitas vezes confundida com aleishmaniose tegumentar americana, que causaferidas na pele. Entre os habitantes da cidade, dezocorrências da doença, que também provoca fe-ridas na pele, foram identificadas entre 1997 e2001. "Isso dá uma taxa de incidência anual de1,6 caso da doença por 10 mil habitantes, a maiordo mundo, e sugere que a cromoblastomicosedeve ser de grande prevalência também nos mu-nicípios vizinhos': diz Camargo. O país que exi-be o maior índice de cromoblastomicose é Ma-dagascar, com 1,2 caso por 10 mil habitantes.

Para estudar doenças tropicais, os cientistas,obviamente, precisam ter acesso direto a casos

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 35

Page 36: Descobertas na selva

José Máximo,pescador na

Vila Candelária:tratamento

de portadoresassintomáticos

do Plasmodiumpode mudar o

rumo da malária

o cientista que trocou o Sena pelo MadeiraQuando deixou para trás uma bri-

lhante carreira de 32 anos em solo fran-cês e seu último cargo no Instituto Pas-teur de Paris, o de chefe da unidade deParasitologia Experimental, Luiz Hil-debrando Pereira da Silva - o profes-sor Hildebrando, como é costumei-ramente chamado - iniciou sua tão I

sonhada volta ao país natal com o intui-to de estudar prioritariamente aspec-tos moleculares, clínicos e epidemio-lógicos de complicações decorrentesde casos graves de malária, aquelescausados pelo P.falciparum.

Em 1997,então beirando 70 anos,acelerou sua aposentaria no Pasteur eprestou concurso para professor titu-lar do ICB/USP. Passou e, em vez detrabalhar num dos campi da universi-dade situados no Estado de São Pau-lo, instalou-se em Porto Velho.Afinal,no início dos anos 90, Rondônia, quetem 1,2 milhão de habitantes (menosde 1% da população brasileira), tinhaum perfil atrativo para trabalhos commalária - concentrava metade dos ca-sos do país, entre 250 e 300 mil ocor-rências por ano. Um quarto dos casosdas três Américas.

36 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Hoje, cinco anos após trocar asmargens do rio Sena pelas do Madeira,já aposentado pela USP,mas ativo noCepem, Luiz Hildebrando, cujos estu-dos de malária são em parte financia-dos pela FAPESP,não conseguiu logrartotalmente seu objetivo. É que os casosde malária por P.falciparum em Ron-dônia, cerca de 20% do total de ocor-rências do Estado, rarearam na áreade atuação do Cepem. Ou melhor, ascomplicações decorrentes de casos gra-ves de malária é que rarearam.

Num universo de 1.500 casos daenfermidade decorrentes da ação do P.falciparum que passaram pelas mãosdos pesquisadores do Cepem numperíodo de dois anos, somente doispacientes acabaram apresentandocomplicações gravesem razão da doen-ça.Moral da história: a simples presen-ça de equipes do Cepem dispostas aentender as particularidades da ma-lária nacional- e bem treinadas paradiagnosticar e tratar a moléstia, in-tervindo rapidamente nos casos maisgraves que podem levar à morte eprovocar seqüelas - fez minguar oobjeto de estudo do parasitologista.

Comunista assumido e cientistaengajado, Luiz Hildebrando, um pau-lista de Santos quase tão francêsquanto brasileiro, está longe de serum cientista comum. A começar pelaidade, 73 anos. Nessa altura da vida,as pessoas pensam mais na aposenta-doria do que em trabalhar, mas oprofessor Hildebrando, que aparentater uns dez anos a menos, quase sempredá expediente nos frns de semana noCepem.

Na verdade, ele já está oficialmen-te aposentado. Três vezes, aliás. Umana França, pelo Instituto Pasteur, em1997, após três décadas de serviçosprestados. E duas no Brasil, ambaspela USP: a primeira em 1980, numato administrativo que foi uma espé-cie de reparação por ter sido afastadoduas vezes da universidade durante aditadura militar, e a segunda em1998, um ano após ter regressado àUSP, via concurso para professor ti-tular, quando atingiu a idade máxi-ma de um servidor público, 70 anos.

Antes que alguém pense que ogrande parasitologista é um marajádo serviço público, convém informar

Page 37: Descobertas na selva

dessas moléstias. Em Porto Velho, muitos doen-tes, quando sentem uma febre mais forte, quepode ser um sintoma de malária, procuram es-pontaneamente os serviços do Cepem, em Por-to Velho. No ano passado, 18 mil pessoas fize-ram ali exame para ver se tinham a moléstia.Sete mil tinham malária. Nas outras onze milpessoas, o diagnóstico foi inconclusivo - os tes-tes laboratoriais não conseguiram estabelecer acausa do problema, um indício de que há umcampo fértil para quem deseja estudar novasdoenças em Rondônia.

Napequena Monte Negro, a popu-

lação também já se acostumoucom a presença permanente depesquisadores do ICB/USP e deoutras universidades, que lhes

prestam regularmente atendimento médico, au-xiliando o poder público local na tarefa de cui-dar de seus habitantes. Mas nem sempre os pa-

cientes conseguem ou podem vir ao encontrodos pesquisadores. Os estudiosos do Cepem eICB têm então de ir regularmente a campo, vi-sitando áreas de acesso mais difícil. Ainda queem muitas viagens, os pesquisadores, em vez deencontrar uma doença rara, nada mais façamdo que uma boa medicina geral junto a popula-ções carentes - algo raro nas regiões mais po-bres da Amazônia. Rondônia, que não mantémnenhum curso superior de medicina, conta, porexemplo, com um médico para cada 2.200 habi-tantes, aproximadamente.

A Organizacão Mundial da Saúde (OMS) re-comenda pelo menos um médico para cada milpessoas. São Paulo tem um médico para cada 500 .habitantes. ''A situação da malária e da saúde emgeral em Rondônia estaria bem melhor apenascom o aumento no número de médicos no Esta-do, para algo como um profissional para cadamil ou 1.500 habitantes': diz Luiz Hildebrando.Por isso, prestar atendimento às comunidades

Luiz Hildebrando: rigor científico admirável, visão social e humor refinado

que a última aposentadoria, a poridade, lhe rende cerca de R$ 30 men-sais. "Mas dá para ter uma boa vida e iruma vez por ano à França", diz LuizHildebrando, que, pelo seu trabalhono Cepem, é remunerado com umabolsa de pesquisador-visitante doConselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico(CNPq). Por que ir para a França sejá ficou tanto tempo ao lado da torreEiffel? Bem, sua mulher e a maioria

dos filhos (e netos) moram lá, e o cien-tista os vê apenas durante três mesesdo ano - os outros nove meses ficaem Porto Velho estudando malária eoutras doenças tropicais. "No futuro,devo aumentar progressivamente osmeses de permanência na França ediminuir o tempo da minha estadano Brasil", diz o pesquisador, que re-centemente lançou seu segundo livrode memórias, Crônicas de Nossa Épo-ca (Editora Paz e Terra).

Se fizer isso, seus colegas de Cepemsentirão sua ausência. Todos o admi-ram. O professor Hildebrando é da-quele tipo de pesquisador que, com suainegável competência técnica e caris-ma para formar e liderar grupos, é di-fícil de ser substituído. Ainda que àsvezes seu rigor científico possa parecerdemasiadamente europeu para os bra-sileiros, povo amante de jeitinhos e ar-timanhas, e dos latinos em geral. "Senão é para fazer do jeito que o profes-sor Hildebrando quer, seguindo ométodo científico,é melhor nem fazer':comenta o médico Iuan Abel Rodri-gues, 26 anos, boliviano de Cochabam-ba, que faz mestrado no Cepem combolsa da Capes."Mas é isso que eu maisgosto nele." Ah, o professor tambémtem, à sua maneira, senso de humor.No fim de janeiro, no dia seguinte à vi-tória de 6 a O da seleção brasileira defutebol sobre a Bolívia, num jogo dis-putado em Goiânia, disse a [uan quea Bolívia era campeã mundial de fu-teboL De futebol jogado a 3 mil me-tros de altitude, bem entendido. Umareferência ao fato de a seleção de Iuansó tratar bem a bola quando o jogo sedesenrola em cidades bolivianas deelevada altitude, o que causa mal-es-tar nas equipes adversárias.

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 37

Page 38: Descobertas na selva

Plessmannà beira do

rio Madeira:"Nunca se sabe

quando podeaparecer algo

diferente,como um caso

de ebola"

rurais, além de ser uma fonte de subsídios paraos estudos científicos, é encarado como um de-ver ético pelos pesquisadores.

Uma jornada ao campo pode ser mais oumenos aSSIm.

Por volta das 8h30, o médico Rui Durlacher,paulistano de 34 anos, e a enfermeira Jussara Bri-to, gaúcha da mesma idade, sobem na picape doCepem, que ocupa uma antiga ala do Centro deMedicina Tropical de Rondônia (Cemetron), umdos hospitais do estado, na periferia de Porto Ve-lho. A essa hora, já há um movimento de pesso-

as febris à procura de um serviço que só ali fun-ciona, noite e dia, todos os dias do ano: espetaro dedo e tirar uma gota de sangue, que indica sehá um caso a mais de malária, dengue ou sabe-se lá o quê. Mas não são esses os pacientes quelevam a dupla a se ajeitar no carro enquanto omotorista dá a partida. Às terças e quintas-fei-ras, Durlacher e [ussara vão ao município deCandeias, especificamente ao distrito rural deTriunfo, com 2.700 moradores, a maioria comincontáveis malárias, sem falar de outros pro-blemas de saúde.

Decifrado genoma do causador da malária graveForam necessários seis anos de

trabalho e US$ 20 milhões para de-cifrar o genoma de uma das quatroespécies de plasmódio que provo-cam malária. Em fevereiro, pesqui-sadores ingleses do Sanger Centree norte-americanos do Institutopara Pesquisa Genômica (Tigr)concluíram o seqüenciamento dogenoma do Plasmodium falcipa-rum, causador da maioria e dosmais graves casos de malária nomundo, 90% dos quais concentra-dos na África (1 a 2 milhões deI

mortes por ano, sobretudo crian-ças). Para um protozoário, de ape-nas uma célula, o P. facilparumexibe um código genético comple-xo, mais parecido com o genomade um animal do que com o de umabactéria. Os 25 milhões de pares debases de seu DNA contêm 5.600genes, um sexto da quantidade en-contrada no homem. O estudo dasfunções dessesgenes e das proteínaspor eles produzidas pode ser vitalpara a pesquisa de novas drogascontra a doença. No Brasil, há três

agentes causadores da doença: o P.vivax (80% dos casos), o P. malari-ae (menos de 1%) e o próprio P.falciparum (em torno de 20%). OP.falciparum é transmitido ao ho-mem na África principalmentepelo mosquito Anopheles gambiae,erradicado do Brasil, cujo genomaestá sendo seqüenciado por umconsórcio internacional de labora-tórios, entre os quais a rede Onsa(Organização para Seqüenciamen-to e Análise de Nucleotídeos),montada pela FAPESP.

38 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

I

r

Page 39: Descobertas na selva

/

A viagem dura cerca de uma hora e meia,com rápidas paradas no modesto posto de saúdede Candeias - não há hospital nem na sede domunicípio, de 13 mil habitantes, aí incluídos osde Triunfo - e num escritório da Funasa à beirada BR 364. Até seu destino final, são percorridos110 quilômetros, 80 na estrada federal, até querazoavelmente bem conservada nesse trecho, e 30numa vicinal de terra, chamada, no linguajar da re-gião,de linha.

Dizo mineiro Antonio Eusébio daSilva, administrador do núcleo ur-bano de Triunfo, 42 anos e quatromalárias: "A saúde de Triunfo cha-ma-se Cepem e doutor Rui. Se eles

saírem daqui, estamos enrolados". Durlacher ex-plica que o distrito, apesar de abrigar menos deum quarto da população de Candeias, chegou aresponder, há alguns anos, por quase metade doscasos de malária do município. Hoje, há mora-dor sem a doença há mais de dois anos.

No núcleo, Durlacher e Iussara passam peloposto de saúde local. Falam com os funcionários,atendem pacientes e reembarcam na picape rumoàs linhas menores de Triunfo, vicinais mais es-treitas e esburacadas que desembocam nas maisafastadas comunidades. Num dia produtivo, visi-tam pelo menos seis casas, para acompanhar aevolução de variados quadros clínicos. Ocupam-se de qualquer problema de saúde que surja pelafrente: hipertensão em idosos, desnutrição e diar-

o médico paulistaRui Durlacherexamina PerpétuaSeveriano, 62anos, hipertensa:atendimentoé dever ético dospesquisadores

réia em crianças, a evolução deuma gravidez, um bebê que to-mou sol em excesso e sofreu quei-madura. E, claro, a ocorrência decasos de malária, o carro-chefedos estudos do Cepem, e outrasdoenças infecciosas."Não escolhe-mos paciente': comenta Jussara, nomelhor estilo clínico geral.

Ao cair da tarde, já à hora de voltar à base,não é raro os pesquisadores depararem com umacena semelhante à da foto que abre esta reporta-gem: crianças e adultos se refrescando inocente-mente num riacho ou lagoa. Justamente na hora,fim do dia, e local, beira de rio, que o mosquitotransmissor da malária na Amazônia, o Anophe-

les darlingi, gosta de picar suas vítimas. É prová-vel que panos vermelhos sejam em breve colo-cados na casa dos outrora alegres banhistas, umsinal usado pelos moradores para informar aosmotoqueiros da prefeitura, que periodicamentepassam por ali, que há gente com febre alta e sus-peita de malária naquela casa, precisando fazeruma lâmina com urgência. •

OS PROJETOS

Levantamento da Faunade Carrapatos de Rondôniae Determinação da Prevalênciade Rickettsia, Erlichia eBorrelia nesses artrópodes

Antígenos Variantes dePlasmodium Falciparum:Participação no Fenômeno deCitoaderência e Repercussõesna Patogenia da Malária grave

MODALIDADEProjeto temático

MODALIDADELinha regular de auxílioà pesquisa

COORDENADORERNEY FELÍCIO PLESSMANNCAMARGO - ICB/USP

COORDENADORLUIZ HILDEBRANDO PEREIRADA SILVA - ICB/USP

INVESTIMENTOR$ 410.079,07 INVESTIMENTO

R$ 392.269,81

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 39

Page 40: Descobertas na selva

• CIÊNCIA

MEDICINA

Começa oambicioso projeto

de combate àfebre reumática,

que ataca otecido cardíaco

ADILSON AUGUSTO

A vacinaque protege

,.."o coraçao

As crianças são o alvoprincipal da pesquisa emdesenvolvimento no Incor

Omaterial está pronto. Se-qüências de proteínas dabactéria responsável poruma reação do organismoque desencadeia a febre reu-

mática começarão a ser testadas em labo-ratório e animais experimentais. Elasservirãode base para uma vacina contra as infecçõesde garganta causadas pelo microrganismoque iniciam essa grave doença.

O isolamento das seqüências de proteí-nas é o combustível para a arrancada de umprojeto recém-aprovado no âmbito do pro-grama Parceria para Inovação Tecnológica(PITE) e coordenado por Luiza GuilhermeGuglielmi e Jorge Kalil, ambos do Institutodo Coração (Incor) da Universidade de SãoPaulo (USP). Com investimentos de US$ 3milhões, em proporções iguais da FAPESP edo Laboratório Teuto-Brasileiro, uma indús-tria farmacêutica nacional com sede emAnápolis (GO) que produz medicamentos

40 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

genéricos, o projeto da vacina aponta para asolução de um mal que em sua forma maisgrave ataca o tecido cardíaco, destrói asválvulas mitral e aórtica, atinge predominan-temente populações pobres e pesa nos gastosdos sistemas públicos de saúde.

A bactéria fatídica, a Streptococus pyoge-nes, também conhecida como estreptococodo Grupo A, que está na mira da futura vaci-na, é objeto de 12 anos de estudos da equipedo Laboratório de Imunologia do Incor, diri-gido por Kalil.Não causa diretamente a doen-ça, mas desencadeia um processo que faz oorganismo voltar-se contra si mesmo - ca-racterística das chamadas doenças auto-imunes, como a febre reumática.

Sem tratamento, o que no início é umasimples amigdalite causada pelo estreptococoevolui para estados febris, dores nas articula-ções e, finalmente, ataque ao tecido do cora-ção. A cada ocorrência da infecção, o quadrose repete. Quando partes do tecido cardíaco

Page 41: Descobertas na selva

Existem três abordagens distintas.''A seqüência 'boa' pode ter combina-ções de peptídios (fragmentos de pro-teínas) que componham a vacina",conta Luiza. "Ou podemos construiruma proteína recombinante, obtidapor meio de uma bactéria inócua, quecontenha essas seqüências." A terceiraalternativa, a menos provável, segun-do Kalil, é a vacina de DNA (ácidodesoxirribonucléico, portador do có-digo genético) por meio de um vetor."Essa possibilidade está conceitual-mente desenvolvida, mas tecnologica-mente não': diz ele. "Ainda não há ne-nhuma vacina de DNA em uso:'

Os pesquisadores estão na fase deescolha das regiões das proteínas. "Te-mos de começar a síntese dos peptí-deos dessas regiões, desenvolver a pro-teína recombinante e implantar ametodologia para uma possível vacinade DNA': comenta Luiza. Tecnologica-mente, o grupo do Incor propõe umavacina ou com fração de proteína oucom o DNA desnudado, sem risco dedesencadear a doença.

já foram destruídas, o paciente podeser salvo somente por meio de uma ci-rurgia - em geral de troca das válvulasmitral ou aórtica, com alto custo epossíveis seqüelas.

Em 1998,90% das cirurgias cardía-cas infantis feitas no Brasil se deveramà febre reumática. Com adultos, esseíndice vai para 30%, ainda considera-do alto. Há um total de cerca de 10 milcirurgias por ano, a um custo de US$8 mil a US$ 10 mil cada. ''A febre reu-mática é uma doença muito cara parao sistema de saúde de qualquer país':diz Luiza. No Brasil, onde se registram18mil novos casos por ano, um pacien-te de febre reumática com problemasno coração custa US$ 10 mil por anoao Sistema Único de Saúde (SUS).

Alvo errado - A reação destruidora doorganismo tem uma lógica. Kalil fazuma analogia bem-humorada com asinvestigações do recente seqüestro dopublicitário Washington Olivetto, noqual estavam envolvidos cidadãoschilenos. Suponha-se que houvesseum sistema de rastreamento telefôni-co capaz de identificar idiomas, masnão sotaques: sem a prisão dos chile-nos, todas as pessoas de fala espanho-la seriam potencialmente suspeitas.No caso da febre reumática, existemno tecido cardíaco proteínas comuma acentuada semelhança com às dabactéria. A semelhança faz as célulasdo sistema imunológico atacarem nãoa bactéria, mas o coração, por umareação chamada mimetismo biológi-co. O organismo estabelece a identifi-cação fatal: passa a atacar não só abactéria, mas também o tecido.

Já que a confusão pode surgir, écrucial barrar o avanço do processo.Isso é normalmente feito com o trata-mento rápido das infecções de gar-ganta com antibiótico - nem semprepossível em regiões carentes de servi-ços de saúde. A solução - radical e de-finitiva - seria evitar o ataque bacte-riano por meio de uma vacina capazde imunizar todas as crianças, as prin-cipais vítimas da doença.

A febre reumática incide em geralsobre a faixa etária dos 5 aos 18 anos,predominantemente em países po-

bres, e atinge universalmente de 3% a4% dos infectados e não tratados. En-tre esses, de 30 a 45%, provavelmentedevido a uma predisposição genética,desenvolvem a forma mais grave dadoença, a que ataca o coração.

O sistema imune ataca o própriotecido de quatro a oito semanas de-pois do início da infecção de gargan-ta, que costuma durar de sete a dezdias, não havendo mais bactérias acombater. Normalmente, o sistemacombate a bactéria ativando célulasdo sangue chamadas glóbulos bran-cos ou leucócitos (sobretudo os linfó-citos T e B), responsáveis pela destrui-ção dos estreptococos.

as cnanças com susce-tibilidade genética,ocorre uma agressão aopróprio tecido, achamada reação auto-

imune. O sistema imunológicoarmazena numa espécie de memória aestrutura da bactéria, que permiteque seja reconhecida caso reapareça.Nessas crianças, ele reconhece estru-turas - pedaços de proteínas - do co-ração, semelhantes às da bactéria.Num mecanismo conhecido comoreação cruzada, essas estruturas pas-sam a ser atacadas. "Essa espécie de'erro biológico' faz com que as doen-ças auto-imunes sejam muito estuda-das': salienta Kalil.

O caminho da equipe para a con-cepção da vacina foi traçado a partirda parede celular do estreptococo.Luiza explica que a bactéria tem umaproteína externa na parede celular,chamada proteína M. É essa proteínaque ocasiona a reação cruzada entreas proteínas do coração e as da bacté-ria, ambas com estruturas semelhan-tes. Mas essa mesma proteína tem re-giões que não desencadeiam essasreações cruzadas e aparentementedão proteção contra a bactéria. "Estu-damos as duas regiões, as que desenca-deiam reações contra o coração e asque não", comenta a pesquisadora. Aequipe do Incor pretende fazer umavacina com as regiões que não desenca-deiem a reação cruzada, mas uma res-posta de proteção.

Os testes - Em qualquer das aborda-gens, a vacina será evidentemente tes-tada em modelos animais antes dechegar aos seres humanos. Serão uti-lizados camundongos de dois tipos:não manipulados geneticamente (iso-gênicos) e manipulados (transgêni-cos). Os do segundo grupo conterãoum gene humano que atua no reco-nhecimento da vacina e é extrema-mente importante para desencadear aresposta do sistema imune.

"Queremos nos aproximar o má-ximo possível do que seria uma res-posta nos seres humanos", explicaLuiza. Essa é a primeira fase. Na etapaseguinte, os pesquisadores passarãopara o ensaio com primatas e, maistarde, com seres humanos. Não con-tam ainda com um modelo primata.O modelo do rato, aliás, o rato Lewis,só foi encontrado no fim de 2001, pordesenvolver a doença cardíaca no casode febre reumática.

A experimentação com animaisdeve durar cerca de cinco anos. De-pois, haverá mais dois a três anos deensaios clínicos com seres humanos.

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 41

Page 42: Descobertas na selva

o raio de ação da vacina nãoabrange apenas a prevenção dafebre reumática. Luiza salientaque esse é o ponto fundamental,mas o medicamento que deveemergir das pesquisas terá umaação bem mais abrangente. Pri-meiramente, impedirá, de modogeral, as infecções por estrepto-cocos tipo A, como o causadorda infecção de garganta, comumem crianças: um estudo recenterealizado em creches de Curitibamostrou que 24,5% das crian-ças tinham o estreptococo nagarganta. "Como não podemossaber quem vai desenvolver adoença", comenta Kalil, "a vaci-na tem de proteger a todos".

Outra vantagem seria reduzir acarga de antibióticos sobre os pacien-tes de febre reumática. A princípio,bastaria a vacina para impedir novasinfecções mais permanentemente emcrianças que já têm a doença e sãoobrigadas a tomar penicilina (benza-tina em geral) a cada 21 dias. Esse pe-ríodo de medicação com antibióticose baseia no ciclo de desenvolvimentoda infecção de garganta pelo estrepto-coco, que, afinal, anda solto por aí."Todos estamos sujeitos a essa infec-ção, que tem picos de ocorrência: ou-tono, inverno e começo da primavera",lembra a pesquisadora.

O problema é que, nas criançasque já desenvolveram a doença, acada nova infecção causada pelo es-treptococo voltam os problemas - fe-bre, dores articulares e os danos car-díacos. Em casos mais brandos, ocoração não chega a ser atingido, masos pacientes podem desenvolver acoréia, um distúrbio neurológico queprovoca movimentos involuntários ecostuma ser confundido com a cha-mada doença de São Vito. Nesses ca-sos, o diagnóstico é prococe, porqueo problema é bem visível, o que nãoocorre na cardiopatia.

Os pesquisadores do Incor acen-tuam a dimensão social do problema.''A maioria das crianças atingidas",observa Luiza, "é de baixa renda e àsvezes vivem em locais onde falta postode saúde ou o acesso a um deles é difí-

42 . MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Streptococus: na membrana, a chave da vacina

cil" Por essas razões, lembra ela, é ele-vado o número de crianças que nãoadere ao tratamento.

Kalil acrescenta: "Há oproblema social, o eco-nômico e o de saúdepública. É uma doençaque atinge mais as po-

pulações pobres provavelmente por-que os ricos tratam mais precocemen-te a infecção de garganta. E há o riscoinerente ao desenvolvimento da vaci-na, o desafio de se conseguir uma va-cina que produza uma resposta boa eeficaz, sem o risco de desenvolvér adoença, já que a mesma proteína liga-da à resposta protetora pode desenca-dear a doença': Enfim, a vacina nãopode causar doença alguma, nemmesmo a infecção de garganta.

O objetivo é fazer a vacina constarentre as obrigatórias, que toda criançadeve tomar em determinada idade.

o PROJETODesenvolvimento de Vacinacontra o Estreptococo BetaHemolítico do Grupo A

MODALIDADEParceria para Inovação Tecnológica

COORDENADORESLUIZA GUILHERME GUGLIELMI EJORGE ELIAS I(ALIL FILHO -INSTITUTO DO CORAÇÃo/U SP

INVESTIMENTOUS$ 1,5 milhão

''Ainda temos de avaliar essaidade, mas seguramente nãoserá antes dos três anos, pois hávacinas às quais crianças muitonovas não respondem bem, so-bretudo as feitas a partir de pro-teínas': diz a pesquisadora.

O grupo começou há 12anos a identificar fatores de sus-cetibilidade à febre reumáticanos pacientes do Hospital dasClínicas da USP.Em seguida, es-tudou o desencadeamento daauto-imunidade - o ataque aopróprio organismo - e em 1995publicou um artigo sobre o as-sunto em Círculation, a publi-cação científica top em cardiolo-

gia. O editorial da revista considerouos achados do grupo um marco nacompreensão dessa doença.

Nesses anos de trabalho, o grupoconquistou outros reconhecimentos.Um deles foi o Prêmio Unibanco deSaúde de 1997. Os pesquisadores atri-buem o resultado à insistência no es-tudo intensivo da descrição da doen-ça. Luiza conta que jamais se esqueceudo encerramento do Congresso Vacinado Futuro, em outubro de 2001, noInstituto Pasteur de Paris, quando secomentou que, apesar dos avanços dedos grupos de estudo em todo omundo, ainda não havia uma fórmulade vacina, mas que à melhor alternati-va chegará quem tiver maior conheci-mento da doença a ser tratada.

Os pesquisadores se apóiam tam-bém em equipamentos de ponta e umlaboratório expandido para uma áreade 750 metros quadrados. Uma parteespecial do projeto envolve o estudodo proteoma: "Quanto mais estudar-mos proteínas, mais poderemos evitara reação cruzada e mais segura será avacina': conclui Luiza. Kalil conta queuma das dez grandes questões não re-solvidas pela ciência, citadas num ba-lanço feito no final do século 20, é sa-ber como ocorre o desencadeamentode uma doença auto-imune.

O acordo do Incor com a empresaprevê que a FAPESP vai receber 3%do faturamento líquido (faturamentobruto menos impostos) gerado pelacomercialização da vacina. •

Page 43: Descobertas na selva

Programa Genoma (60 laboratórios)Projetos com o objetivo de pesquisar genomas,identificar e analisar genes com impacto sobreo conhecimento genômico, a saúde humana ea produção agropecuária.

Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos)Programa que fomenta a formaçãode novos grupos de pesquisa em centrosemergentes do Estado de São Paulo.

Bolsas de f pós-doutoramento da FAPESP.O sistema brasileiro de pesquisa se expande.

A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento, ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitandoestágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercâmbio com centros de pesquisa de outros países produtivo paraa ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. Sãocentenas de projetos, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados agrupos de excelência. Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000.

Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa)Grandes equipes formadas por pesquisadoresde diferentes instituiçâes em buscade resultados científicos, tecnológicose socioeconômicos de grande impacto.

Programa CEPID (10 centros de pesquisa)Centros para desenvolver pesquisas inovadorasna fronteira do conhecimento, transferir seusresultados para os setores público e privadoe contribuir para a criação de novas tecnologiase empresas.

Programa Biota (25 projetos)Projetos que visam ao levantamento enovos conhecimentos sobre abiodiversidade do Estado de São Pauloe outras regiões do país.

Secretaria daCiência, Tecnologiae DesenvolvimentoEconômico

Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa05468-901 - São Paulo - SP

Tel.: (11) 38384000 - www.fapesp.br

Page 44: Descobertas na selva

• CIÊNCIA

GENÔMICA

o mapada árvore

do papelDescoberta de 6.800genes do eucaliptoimpulsiona a buscapor aumentode produtividadeno setor florestal

Baseadano eucalipto,a indústriade papele celuloseresponde por4% do PIB

Emmeados de fevereiro,

o fim da primeira fasedo p~ojeto F~rES!s, queprevia o sequenClamen-to parcial do genoma de

árvores de eucalipto (Eucalyptus spp),bancado pela FAPESP em parceriacom quatro empresas do setor de pa-pel, celulose, aglomerados e lamina-dos (Votorantim, Ripasa, Suzano eDuratex), trouxe duas boas notícias.A primeira foi o término dos trabalhosdessa etapa um mês antes do prazoprevisto, depois de terem sido seqüen-ciadas 110 mil ESTs (etiquetas de se-qüências expressas, fragmentos docódigo genético que ajudam a identi-ficar os genes).

A segunda, mais importante, foi adescoberta, em meio aos prováveis27.500 genes encontrados com o au-xílio das ESTs, de 6.800 genes novos,nunca antes localizados em outros pro-jetos mundial de seqüenciamento degenomas. "A maioria dos novos genesdeve ser específica do eucalipto", co-menta Helaine Carrer, da Escola Su-

Page 45: Descobertas na selva

perior de Agricultura Luiz de Queiroz(Esalq) da Universidade de São Pau-lo (USP), coordenadora do projeto,que se utiliza da rede de 20 laborató-rios do projeto Genomas Agronômi-cos e Ambientais (AEG), da FAPESP."Consultamos os bancos de dados in-ternacionais e não os encontramos nogenoma de outros organismos." Na fa-se inicial do ForESTs, a Fundação des-tinou US$ 530 mil ao projeto e o con-sórcio, R$ 500 mil.

Próxima fase - Justamente por nãohaver informação disponível sobreos novos genes, essas quase 7 mil se-qüências capazes de codificar proteí-nas serão examinadas com atençãoredobrada na segunda fase do ForESTs,que deverá se estender por três anos,com investimento previsto de maisR$ 1 milhão por parte das empresas.Na busca por genes de importânciaeconômica para a indústria florestal,que possam ser úteis para aumentara produtividade e reduzir custos nosprocessos de produção de papel e ce-lulose, os pesquisadores vão, a partirde agora, vasculhar todo o materialgenético já mapeado do eucalipto.

Para isso, vão lançar mão de umasérie de técnicas destinadas a jogarluz sobre a função de genes, entreelas o uso dos chamados microarraysou chips de DNA (ácido desoxirribo-nucléico), diminutas lâminas espe-ciais nas quais se colocam milharesde genes. A metodologia permite es-tudar simultaneamente o padrão ex-pressão de um conjunto de genes nasmais diversas situações. Em outraspalavras, ver quais genes são ou nãousados (e com que intensidade) du-rante o desenvolvimento de um servivo. "Hoje em dia, trabalha-se cadavez mais com a noção de que a ação deum grupo de genes - e não de apenasum gene - determina os traços de umapessoa, de um animal ou de umaplanta", diz Helaine.

No caso do eucalipto, o empregodos chips de DNA deve ser útil naprocura por genes envolvidos, porexemplo, nas sínteses químicas queregulam a produção das fibras de ce-lulose, a matéria-prima do papel, ede lignina, substância que se deposi-

ta nas paredes das células vegetais econfere resistência à madeira. De acor-do com o tipo de lignina, que poderesponder por até 25% da composi-ção da madeira, a extração da celulo-se do eucalipto torna-se fácil ou com-plicada, cara ou barata.

"Já são conhecidos os genes queatuam nesses processos", afirma He-laine. Nessa segunda fase do projeto,também deverão ser estudados ge-nes que possam conferir ao eucaliptomaior resistência a doenças, à escas-sez de água e ao frio. Essas são apenasalgumas das abordagens que deve-rão ser testadas pelos membros doprojeto ForESTs, com o intuito deencontrar formas para melhorar aprodutividade das indústrias de polpa,papel, celulose e painéis laminados,que emprega 150 mil pessoas no país,movimenta algo como 4% do Produ-to Interno Bruto (PIB) e responde porcerca de 8% das exportações anuais.Com o tempo, outras alternativas po-derão se firmar, à medida que as pes-quisas avançam.

ASimque descobrirem os

grupos de genes relaciona-dos a melhorias de pro-dutividade, os pesqui-sadores informarão às

empresas, que vão procurar. esses ge-nes nas plantas já cultivadas em vivei-ros e selecionar as variedades maisadequadas a seus propósitos. Os cien-tistas não descartam a possibilidadede produzirem espécies geneticamen-te modificadas, embora esse não seja oobjetivo primordial. Para averiguar seum gene introduzido na planta foi in-corporado e é expresso, não seria ne-

o PROJETO

FORESTs: Euca/yptus GenomeSequencing Project Consortium

MOOALIDADEPrograma Parceria para InovaçãoTecnológica (PITE)

COORDENADORAHELAINE CARRER - ESALQ/USP

INVESTIMENTOR$ 500.000,00 e US$ 530.000,00

cessário esperar o eucalipto crescer, oque demora em média sete anos. Emlaboratório, poucos meses após a alte-ração no genoma, já se consegue de-terminar, com o auxílio de marcado-res moleculares, se o gene introduzidose manifesta na planta em formação.

Concorrência internacional - Ser rápi-do e eficiente é importante num pro-jeto como o ForESTs. Até por que aconcorrência internacional na área demelhoramento genético do eucaliptoentre as empresa de papel e celulose égrande. De acordo com Mathias Kirst,pesquisador brasileiro do Grupo de Bio-tecnologia em Florestas da Universi-dade da Carolina do Norte, nos EstadosUnidos, que visitou a Esalq no mêspassado, uma iniciativa conduzida poruma empresa da Nova Zelândia já se-qüenciou 500 mil ESTs do genomadessa árvore. É um resultado quasecinco vez maior do que o projeto pau-lista. "Esses dados nunca vão se tornarpúblicos por que o trabalho foi feitopor uma companhia privada': comen-ta Kirst. Até o momento, a equipe depesquisadores sob sua coordenaçãoseqüenciou apenas 12 mil seqüênciasde genoma de eucalipto.

Também em fevereiro, dois diasapós o anúncio do término da primei-ra fase do ForESTs, o governo fede-ral lançou uma iniciativa nacionaldestinada a pesquisar formas de me-lhoramento genético do eucalipto, oProjeto Genolyptus. Um grupo de 12empresas, sete universidades e a Em-presa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa) participa do pro-jeto, previsto para durar cinco anos,em sua primeira fase.

O orçamento inicial do projetofederal é de R$ 12 milhões, dos quais70% deverão ser bancados pelo Mi-nistério da Ciência e Tecnologia, comverba do Fundo Verde-Amarelo, e30% pelas empresas. Os pesquisado-res da rede Gelolyptus pretendem es-tudar em plantações espalhadas portodo o território nacional as melho-res formas de aumentar a produtivi-dade, diminuir a poluição das indús-trias do setor florestal e criar plantasmais resistentes e adequados aos di-ferentes usos •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 45

Page 46: Descobertas na selva

• CIÊNCIA

PECUÁRIA

Um tiro certeiroVacina garante que só osanimais infectados pelaaftosa sejam sacrificados

Um pesquisador mineiro desen-volveu uma vacina alternativa

- do tipo recombinante, feito por en-genharia genética - contra o terrordos pecuaristas: a febre aftosa, doençavirótica que faz os bovinos perderempeso, capacidade de movimento e po-tencial reprodutivo. Num rebanhoonde se constata a infecção, todos de-vem ser sacrificados, imposição legalpara evitar o avanço de uma das doen-ças mais contagiosas que existe: podeinfectar mil animais num dia. A van-tagem da vacina de Mauro Moraes, daUniversidade Federal de Viçosa (MG),é que permite identificar os animaisinfectados e salvar os demais.

Moraes, que desenvolveu a vacinanos dois anos que passou em NovaYork, como professor do centro vete-rinário Plum Island, do governo ame-ricano, não usou o vírus inteiromorto, como é comum. Em vez disso,é um inofensivo adenovírus humanotipo 5 que atua como vetor, levandotão-somente a estrutura protéica dovírus - chamada cápside. Essa partecontém dois trechos da sequência co-dificadora das chamadas proteínas es-truturais: Pl, retirado da cepa (varie-dade) A24 do vírus, e 3C, da cepa A12.São esses os trechos que funcionamcomo antígenos. Eles acionam a pro-dução de anticorpos contra a aftosa.Esse procedimento também descartaa molécula de RNA (ácido ribonucléi-co), que contém o genoma do vírus elhe garante a reprodução.

Testada em 38 porcos Yorkshire, avacina teve 100% de eficiência - amesma do produto comercial, que foi

d

I"

o padrão de comparação. Houve umexperimento com 24 animais e outrocom 14. Eles receberam uma só doseda vacina e em seguida foram desafia-dos com o vírus vivo, em três etapas:7, 14 e 42 dias depois. No final, só osanimais do grupo de controle - não-vacinados - desenvolveram os sinaisda doença. Os resultados fundamen-taram um artigo de Moraes, aceitopara publicação na revista Vaccine.

A nova vacina oferece menos ris-cos. No uso da vacina atual, é difícildistinguir animais infectados ou não.Tanto a proteção gerada pela vacinaquanto a resposta ao ataque do virusreal são medidas pela presença de an-ticorpos no sangue dos animais. Oproblema é que, nesse exame, não dápara distinguir os anticorpos produ-zidos em resposta ao vírus dos que re-sultaram da aplicação da vacina.

Por ser feita só com as proteínasdo envelope viral, que leva a reaçõesmuito restritas, a nova vacina permi-tiria distinguir a presença de anticor-pos provocados por ela dos que resul-

tam da infecção. Assim seria possívelreconhecer e eliminar os infectados."A vacina recombinante poderia serutilizada em casos de emergência, di-minuindo os custos de combate dadoença': diz o pesquisador.

Outra vantagem é a produção des-centralizada. Para Moraes, a vacinapode ser feita sem risco em regiões li-vres de aftosa, o que a lei atual não per-mite, por temer que o vírus se espalheno ar. "Até laboratórios de pouca ex-periência na manipulação de vírus po-deriam multiplicar o adenovírus como antígeno, sem perigo", destaca. Hoje,a inativação do vírus e a produção davacina se concentram em laboratóriosde alta segurança.

Moraes fezum teste com quatro bo-vinos. ''Avacina também protegeu, masainda é preciso muito trabalho até de-finir a melhor dosagem". Para avançar,ele precisa de um laboratório de segu-rança nível 3 em Pedro Leopoldo, pertode Belo Horizonte (MG), que o Minis-tério da Agricultura está construin-do este ano. O laboratório fará contro-le de medicamentos e pesquisas: serãoas únicas instalações públicas aptas a li-dar com o vírus da aftosa. ''A produçãodepende da iniciativa privada, mas em-presas com experiência em vacinas nãoteriam maiores dificuldades, pois setrata de produção de vírus com tecno-logia utilizada em outros sistemas." •

Próxima etapa:mais testescom bovinos paradefinir a dosagem

Page 47: Descobertas na selva

• CIÊNCIA

PERSONALIDADE

Um físico completoque levasse ao bacharelado de Física."Portanto, todos os físicos tinham deser autodidatas': lembrou Gross empalestra dada em 1984, depois publi-cada na Revista Brasileira de Ensino deFísica (junho de 2000). Ele começou atrabalhar em pesquisa no Brasil em1934, no Instituto Nacional de Tecno-logia, no Rio. Lá, voltou-se para o es-tudo dos dielétricos sólidos submeti-dos a campos elétricos, tanto do pontode vista teórico como experimental,assunto em que se tornou um dos maisrespeitados especialistas no mundo.

Depois da Segunda Grande Guer-ra, Gross passou a viajar para o exte-

Morto aos 96 anos,Bernhard Gross unia teoriae prática com raro brilho

Quando se ouve falar sobre asqualidades profissionais do fí-

sico Bernhard Gross é difícil saber emque área ele atuava melhor: na parteteórica, experimental ou no ensino? Adificuldade em classificar esse alemãonaturalizado brasileiro é tão comumentre amigos e discípulos quanto aadmiração que ele causou nos 69 anosvividos no Brasil. Gross, umfísico completo, morreu nodia 10 de fevereiro, em SãoCarlos (SP), aos 96 anos.

Bernhard Gross chegouao Brasil em 1933, aos 28anos, vindo da Escola deEngenharia de Stuttgart,na Alemanha, onde nas-ceu. Mas ele havia visitadoo país uma vez, aos 9 anos,com sua mãe. Ao desem-barcar no Rio de Janeiro, ofísico trazia na bagagempelo menos um trabalhoimportante sobre raioscósmicos (partículas ele-mentares energéticas quechegam à Terra), feito naEuropa. Posteriormente, es-se estudo levou seu nome: a"transformação de Gross"relacionava o fluxo verticaldas partículas com o fluxohemisférico, detectado porcâmaras de ionização.

Ao chegar ao Rio, Grossincorporou-se rapidamen-te ao meio científico, con-centrado na Escola Politéc-nica. Na época, não existiano Brasil a profissão de físi-co, nem curso especializado

rio r para fazer pesquisas e participarde conferências. Entre 1957 e 58, tor-nou-se representante brasileiro naAgência Internacional de EnergiaAtômica, em Viena, e permaneceucomo seu diretor de Departamentode Informação Científica até 1967. Foium dos primeiros a medir a queda deradioatividade no Hemisfério Sul cau-sada por testes de bombas de hidro-gênio no Hemisfério Norte. Tambémdesenvolveu um aparelho, chamadodosímetro de Compton, para detectarraios gama, empregado pelos norte-americanos em testes nucleares.

Gross participou ativamente deorganizações que viriam a ser funda-mentais para o desenvolvimento daciência no país. "Álvaro Alberto, Joa-quim Costa Ribeiro e Gross forma-vam a espinha dorsal nos primeirosanos do Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico

(CNPq)': conta Sérgio Mas-carenhas, diretor do Insti-tuto de Estudos Avançados(IEA/USP), em São Carlos.Mascarenhas o levou paratrabalhar no Instituto deFísica da Universidade deSão Paulo, de São Carlos, nocomeço dos anos 70.

Gross casou-se comGertrude, com quem teveos filhos Antônio e Rober-to. "Até 1996, ele manteve-se ativo, quando orientousua última tese de doutora-do", diz Guilherme LealFerreira, outro físico muitopróximo. Quando morreu,deixou cerca de 200 artigospublicados em revistas doBrasil e do exterior. O atualpró-reitor de Pesquisa daUSP, Luiz Nunes, que foialuno de Gross, conta deuma rara qualidade. "Eleincentivava e dava um va-lor notável para idéiasalheias, mesmo que par-tissem de pesquisadoresmuito jovens e ainda semexpressão", diz. Para umcientista com seu vulto, nãoera pouco. •

Gross dando aula no IF aos 85 anos: atividade extraordinária

Gross C1o à direita) em 1959, na reunião sobre energia atômica

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 47

Page 48: Descobertas na selva
Page 49: Descobertas na selva
Page 50: Descobertas na selva
Page 51: Descobertas na selva
Page 52: Descobertas na selva

vista Em quase 50 anos, desaparecem 22,S km2

da cobertura de gelo da Baía do Almirantado

Campode geloWarzawa

Campo de gelo Krakow

Page 53: Descobertas na selva

• CIÊNCIA

AM BIENTE

o gelo perdidode uma ilha

Mapa de pesquisadoresgaúchos mostra aretração das geleirasda ilha Rei George,onde fica a basedo Brasil na Antártica

...a península ...

...e o continente gelado

Umdos pontos do globo

terrestre que sofre maisclaramente os primeirosefeitos do aquecimentoglobal são as geleiras ou

glaciares da Antártica. Entre essas for-mações, as que reagem mais rapida-mente ao aumento de poucos décimosde grau na temperatura são as situa-das nas bordas do continente branco,coladas ao litoral, normalmente maisfinas e expostas constantemente a tem-peraturas próximas de seu ponto dederretimento (O°C). Num trabalhorecém-concluído, pesquisadores daUniversidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS) e da Universidade deFreiburg, Alemanha, produziram omais completo e atual mapa digital datopografia de um desses sensíveis frag-mentos de terra recoberta de gelo: ailha Rei George, que abriga a base bra-sileira na Antártica e mais oito estaçõesde pesquisa, 120 quilômetros ao nor-te da península Antártica.

Gerado a partir do cruzamentode uma série de fontes de informação- imagens de sensoreamento remotofornecidas pelo satélite europeu SPOT,

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 53

Page 54: Descobertas na selva

dados produzidos em recentes pes-quisas de campo com aparelho GPS(Sistema de Posicionamento Global),consultas a mapas topográficos e aobanco de dados digitais sobre o conti-nente mantido pelo Serviço AntárticoBritânico -, o novo mapa é um instru-mento importante para a realização deestudos glaciológicos, climatológicos ede manejo ambiental.

Confrontando os dados do mapaatual com antigas cartas geográficas,os pesquisadores constataram que umimportante grupo de geleiras da ilhaperdeu 10%da extensão em pouco me-nos de meio século. Entre 1956 e2000, as massas de gelo da baía do Al-mirantado, a zona escolhida para o es-tudo - onde, por sinal, fica a estaçãode pesquisa brasileira - encolheram22,5 quilômetros quadrados.

As informações se referem às ge-leiras de maré, que se situam de fren-te para o mar, sujeitas à ação do ocea-no. Mas não há evidências de que oencolhimento das massas de gelo dabaía se deva a mudanças na dinâmicadas marés. "A magnitude dessa retra-ção indica que o processo não faz par-te da dinâmica natural de avanços eretrocessos de geleiras", diz IeffersonCardia Simões, chefe do Laboratóriode Pesquisas Antárticas e Glaciológicas(Lapag) da UFRGS, um dos autoresdo mapa. "Essas massas de gelo estãoprovavelmente respondendo a umaumento da temperatura da região".

Aquecimento - O grau de definição dacarta virtual produzida pelos brasilei-ros e alemães permite monitorar alte-rações em áreas tão pequenas quanto0,5 quilômetro quadrado, uma reso-lução no mínimo cinco vezes maiordo que a dos mapas antigos.

Com 1.157 quilômetros quadra-dos (80% da área do município deSão Paulo), a Rei George, aquecida ecom geleiras derretendo, não geragrandes icebergs, como os que ficamvagando meses ou anos pelos mares epõem em perigo populações de ani-mais marinhos. Um exemplo é o B-ISA, massa de gelo de 5.400 quilôme-tros quadrados (três municípios deSão Paulo) que se desprendeu daAn-

54 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

tártica em março de 2000 e hoje ator-menta colônias de pingüins adélia(Pygoscelis adeliae) no mar de Ross,oeste do continente.

Ainda assim, o encolhimento dasgeleiras na ilha - quase 93% do 'terri-tório da Rei George são cobertos degelo e neve - pode produzir impactos

! regionais, além de sinalizar que o cli-ma ali está realmente mudando. Lo-calmente, a retração dos glaciares fazsurgir novas áreas de terra firme livresde gelo na ilha, criando ambiente fa-

vorável ao surgimento de colônias deanimais. Afinal, onde antes havia gelo,há rocha exposta. "A regressão das ge-leiras ainda pode afetar a vida aquáti-ca': diz Jefferson.

O impacto ambiental pode seragravado pela farta presença de pes-quisadores e turistas (4 mil por verão)na ilha, um dos pontos acessíveis daAntártica. Ela faz parte do arquipéla-go das Shetlands do Sul, a cerca de900 quilômetros da Terra do Fogo,ponta meridional da América do Sul. -

pelos pesquisadores Ian Ioughin, doInstituto de Tecnologia da Califórnia,e Slawec Tulaczyc, da Universidadeda Califórnia, o novo trabalho mos-tra um aumento na espessura do re-cife de gelo de Ross, também cha-mado de plataforma de Ross, umconjunto de geleiras que recobrem ooeste da Antártica e avançam mar (deRoss) adentro.

Uma hipótese na contramãoUm estudo publicado na revista

norte-americana Science (edição de 18de janeiro) põe em cheque uma ten-dência de interpretação dos fenôme-nos climáticos que se frrmara nos úl-timos anos em termos de Antártica: ade que a camada de gelo e neve querecobre quase integralmente o conti-nente está derretendo em razão doaquecimento do clima da Terra. Feito

Page 55: Descobertas na selva

o padrão do recuo mostrado pe-las geleiras da Rei George na segundametade do século 20 reforça a hipóte-se de que o derretimento se deva aoaquecimento do clima. Em quatro dé-cadas e meia, a velocidade da retraçãoparece aumentar à medida que o aque-cimento se torna mais evidente, sobre-tudo após os anos 70.

Os números ratificam esse raciocí-nio. Entre 1956 e 1979, desapareceramda baía do Almirantado 4,3 quilôme-tros quadrados de massas de gelo. Pra-

De acordo com os cálculos da duplade cientistas, a plataforma de Ross ga-nha entre 14,9e 26,8 bilhões de tonela-das de gelo/neve por ano. O resultadocontradiz os de trabalhos anteriores,que indicavam um encolhimento (der-retimento) anual de até 20,9 bilhõesde toneladas de gelo na plataforma.

Mas, segundo os próprios Ioughine Tulaczyc, as aparentes discrepânciasentre os dados de seu trabalho e os demedições mais antigas podem ser me-nores do que se pensa, por dois mo-

ticamente a mesma área de geleiras(4,9 quilômetros quadrados) esvaiu-sede 1979 a 1988,período que não chegaà metade do anterior. Entre .1988 e1995,apenas oito anos, o ritmo se acen-tuou e sumiram mais 6,2 quilômetrosquadrados de massas de gelo. Por fim,de 1995 a 2000, o último e mais recen-te período analisado, o tamanho dorecuo foi o maior de toda a série his-tórica: 7,1 quilômetros quadrados.

Surpreendente é que o vilão dessahistória pode ser um mísero aumento

tivos. Primeiro: há fartas evidênciasde que no passado a plataforma real-mente encolheu. Segundo: o engrossa-mento da plataforma pode ter poucoa ver com variações na temperatura daTerra e ser apenas fruto de um ciclonatural de aumento e encolhimento dasgeleiras. Por esse raciocínio, num gol-pe de sorte, os pesquisadores norte-americanos teriam feito as mediçõesno momento em que a tendência àdiminuição das geleiras teria dado lu-gar ao aumento de sua massa.

Efeitos do calor crescente:surgem áreas de terra firme livresde gelo e ambientes favoráveisàs skuas, aves típicas da Antártica

de 1,08°C na temperatura média daRei George, registrado entre 1947 e1995, de acordo com dados de pesqui-sadores do Lapag.

Pode parecer pouco, mas é muito:quase o dobro do aumento médio natemperatura da Terra verificada aolongo dos últimos 100 anos, que foide 0,6oC. Na península Antártica, en-tre as latitudes 65° e 70° sul, região umpouco mais ao sul da Rei George, oaquecimento foi ainda maior: cercade 2°C nos últimos 50 anos.

Há um consenso de que essa re-gião, na margem do continente, passapor um processo de aquecimento.Quanto à Antártica como um todo,há dados conflitantes: estudo publi-cado na revista inglesa Nature (ediçãode 31/1/2002) afirma que, em vez deter aumentado, a temperatura médiado continente, sobretudo nos mesesde verão e outono, diminuiu ligeira-mente entre 1966 e 2000.

Efeito estufa - Acredita-se em geralque o aquecimento global é conse-qüência do aumento no efeito estufa,que elevaria a temperatura da atmos-fera. O efeito estufa é natural, neces-sário à vida: sem a cortina de gasesatmosféricos, especialmente dióxidode carbono (C02) e metano, que re-tém parte da energia emitida pelo Sol,o globo seria frio e inóspito.

O problema é que a elevação brutalnas concentrações atmosféricas de CO2desde o início da Revolução Industrial- de 280 ppm (partes por milhão), em1850, para 370 ppm hoje - tende a in-tensificar o efeito estufa. Algumas pro-jeções apontam para a possibilidade dea temperatura da Terra aumentar maisde 3°C até o final do século. O derreti-mento de geleirasna Antártica, no ocea-no Árticoena Groenlândia deve se inten-sificaro que significariaum aumento deaté 90 centímetros no nível do mar em2100, capaz de provocar a inundação decidades costeiras, no mundo todo. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 55

Page 56: Descobertas na selva

Nocomeço de fevereiro, o

Brasil recebeu uma boanotícia: ocupa, em 2002,a 20a posição, entre 142países, no Índice de Sus-tentabilidade Ambiental(ESI, na sigla em inglês),elaborado, pelo segundoano consecutivo, por es-pecialistas das universi-dades norte-americanas

Yale e Columbia. A lista, com a Fin-lândia como primeira colocada, segui-da pela Noruega e Suécia, foi divulgadaem Nova York, no Fórum EconômicoMundial, responsável pela encomendado trabalho. E possui alguns dadosreconfortantes para a auto-estimanacional. Por exemplo: o Brasil, comuma pontuação geral de 59,6, numaescala de zero a cem, situou-se 31 posi-ções à frente dos Estados Unidos, queobtiveram 52,8. E registre-se que a po-

ENTREVISTACarlos Alfredo Joly

eVanderlei Perez Canhos

Entre 142 países,o Brasil obteve umaposição de destaque norecém-anunciado Índicede SustentabilidadeAmbiental. Masos coordenadoresdo programa BiotaFAPESP alertam:ainda há muito espaçoa se conquistar nocenário internacional

MARILUCE MOURA

56 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

te do Centro de Referência em Infor-mação Ambiental (Cria) e professoraposentado de Microbiologia de Ali-mentos da Unicamp. A longa conver-sa não se restringiu ao ESI - envere-dou pelo Biota, por questões dapesquisa em biodiversidade no Brasile no exterior. A seguir, estão os prin-cipais trechos da entrevista com ospesquisadores:

• Vou começar pela questão do índicede sustentabilidade. Tem importânciapara o Brasil a posição alcançada?Carlos Alfredo Joly - É um pouco di-fícil dizer. Eles apresentaram esse ín-dice pela primeira vez em 2001. Ago-ra apresentaram essaversão de 2002. Ecomeçam a nova versão dizendo as-sim: esqueçam a de 2001, porque ametodologia foi completamente mo-dificada. Então esses dados de 2002não podem ser comparados com os

Em favor do meioderosa nação ocupava, em 2001, o Ll=lugar na lista, enquanto estávamos nomodesto 510 lugar hoje tomado pelosEUA. No composição do ESI versão2002 entraram 20 indicadores, obti-.dos a partir de 68 variáveis. Elas in-cluem informações ambientais, pro-priamente, sociais e institucionais.

Buscamos, para comentar o ESI,seus critérios e real importância, umreconhecido especialista brasileiro embiodiversidade. Mas como o premiadoprograma Biota FAPESP,que comple-ta três anos neste mês de março, é umceleiro deles, terminamos conversan-do não com um, mas com dois pes-quisadores, compondo, assim, umaentrevista um tanto incomum, comCarlos Alfredo Ioly e Vanderlei PerezCanhos. O primeiro é coordenador doBiota, professor titular de ecologia ve-getal do Departamento de Botânica doInstituto de Biologia da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp); osegundo é membro do núcleo de co-ordenação do Biota, diretor-presiden-

de 2001. É um início, eles vão ter quemelhorar os parâmetros, ampliar onúmero de coisas consideradas e co-nhecer um pouco melhor a realidadede cada país, saber o quanto se inves-te aqui no Brasil, por exemplo, dentroda área de pesquisa, ete. Mas é umaboa notícia.

• Iniciativas como o programa BiotaFAPESP têm influência na posição al-cançada pelo Brasil?J - Têm um impacto positivo, semdúvida, uma vez que um dos parâme-tros considerados para a atribuição doíndice é o investimento em pesquisasvoltadas para a conservação ou para asolução de problemas ambientais.Mas da maneira como foi feita a com-posição do índice, agora em 2002,pesa muito para a posição do Brasil ofato de termos a maior área florestaltropical do mundo, com algo em tor-no de 80% de seu total intactos. Nãotemos informações efetivas para váriosdos parâmetros, mas teve também

Page 57: Descobertas na selva

ambienteoeo1-

les-oa

a

e-osas.

Joly: apesar de mais impactada, aregião Sudeste é a mais equilibrada

uma influência forte a qualidade daágua. No estado de São Paulo discuti-mos essa questão como um problema,dentro de uma visão do esforço queestá sendo feito para recuperação dasbacias e manutenção do potencial hí-drico. Mas a disponibilidade hídrica daAmazônia, considerada intacta, primá-ria, com um volume de água gigantes-co,certamente jogou lá para cima a pon-tuação do Brasil nesse aspecto (66pontos em sistemas ambientais). Osresponsáveis pelo índice também fize-ram um certo agrupamento de crité-rios em que levaram em conta rendaper capita, o produto bruto nacional.Acho que o Brasil poderia ganhar maisna área, por exemplo, de cooperaçõesinternacionais, que é outra coisa queeles levaram em consideração, e emque os Estados Unidos, por exemplo,perderam muito ponto.

• Os Estados Unidos ficaram com 28pontos e o Brasil com 50.J - Porque nós participamos da Con-venção da Biodiversidade, de Mudan-ças Climáticas, somos um país atuan-te em relação ao protocolo de Kyoto,apesar de ele não obrigatoriamente seaplicar ao Brasil, porque prevê metaspara países já desenvolvidos. Temosuma boa inserção, mas poderia sermaior. Em algumas iniciativas novas,como a Global Biodiversity Informa-tion Facilities, o GBIF, por exemplo, oBrasil poderia estar tomando partemais ativa e, até o momento, sua par-ticipação é de ouvinte, porque aindanão houve uma manifestação do go-verno brasileiro.

• Mas olhando os números, um pesqui-sador brasileiro preocupado com a bio-diversidade agora sente uma certatranqüilidade?J - A ansiedade aumenta, no sentidode que o país pode ter a falsa impressão

Canhos: pontuação favorecida pelaparticipação internacional do Brasil

de que as coisas estão melhores do queefetivamente estão. E que portanto nãonecessitamos de um esforço ou de uminvestimento tão significativo, porqueos ambientalistas teriam pintado oquadro muito mais negro do que é.

• Tomando conjuntamente o que temosde reserva, de biodiversidade não mui-to ameaçada, e mais as iniciativas depolítica de governo, de qualidade devida, produto interno, enfim, tudo oque o índice considera, que região doBrasil estaria mais equilibrada?J - A região Sudeste. Ela é a que sofreumais as influências dos ciclos econô-micos que levaram à destruição dacobertura vegetal, mas é aquela ondeé mais fácil mobilizar a opinião públi-ca em relação a assuntos relativos àconservação ou poluição ou melhorada qualidade de vida. É também a re-gião que tem a mais complexa legisla-ção para a área ambiental. Então, ape-sar de ser a área mais impactada emtermos ambientais, pela contrapartidado investimento em ciência e tecnolo-gia e pelo arcabouço legal de que dis-põe para conservação, a região sudes-te é ainda a mais equilibrada.

• Aproveito a chegada do professor Ca-nhos para perguntar por que só somosouvintes no GBIF?Vanderlei Canhos - Primeiro, gostariade fazer um comentário: nossa pon-tuação relativamente alta no índice sedeu em função dos recursos naturaisque temos e, também, da participaçãopró-ativa do Brasil na política e nostratados internacionais da biodiversi-dade .Acho, no entanto, que a partici-pação brasileira na esfera de ciência etecnologia ainda não está acontecendoplenamente. É o exemplo aí do GBIF,que é uma iniciativa internacional pa-ra se trabalhar na questão tecnológicade compartilhamento de informaçãosobre biodiversidade.

• E por que o Brasil, tendo um progra-ma da envergadura do Biota FAPESP,bem estruturado inclusive no que se re-fere a base de dados, não participa ati-vamente do GBIF?C - É que biodiversidade é um tema

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 57

Page 58: Descobertas na selva

estratégico para o go-verno brasileiro, então osrepresentantes do gover-no são muito cautelo-sos em aderir a qualqueriniciativa sem fazer an-tes muita consulta in-terna.

• O GBIF é uma iniciativa de governos,de Estados ou de ONGs?C - É uma iniciativa de estados, masestá fora da Convenção sobre Diversi-dade Biológica. O que aconteceu é quevários países mais pró-ativos na ques-tão de ciênciae tecnologia para biodiver-sidade, como os países escandinavos,a Holanda, a Austrália, perceberamque, embora a Convenção seja extre-mamente importante, porque traba-lha na questão política, na questão damudança de paradigma, em assuntospolêmicos, como os alimentos trans-gênicos e a questão de espécies inva-soras, a agenda de ciência e tecnologiaainda não chegou lá. Então, o GBIFsurgiu no âmbito da discussão do Me-ga Science Forum, dos países da OCDE(Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico), com oobjetivo principal de tratar da questãocientífica da informação da biodiver-sidade. Quando ficou bastante clara anecessidade de se ter uma infra-estru-tura global que servisse de apoio parao desenvolvimento científico e tecno-lógico nessa área, depois de uma sériede workshops, estudos e documentosque ocorreram num período de cincoanos, eles resolveram implementaressa iniciativa.

• As facilities dizem respeito sobretudoà rede de internet?C - Isso, troca de informação. E é umacoisa extremamente indispensávelporque um dos principais produtosdessa infra-estrutura é a basicamentea organização do Catálogo da Vida,um projeto imenso. Isso não é umacoisa muito simples, porque ao longodos últimos 300 anos acumulamos umconhecimento sobre quase 2 milhõesde espécies já descritas pela ciência. Éextremamente difícil organizar esseconhecimento que está distribuído

58 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

"Começamos a teruma distribuiçãoespacial de ocorrênciade espéciesem São Paulo"

em diferentes instituições internacio-nais, em gavetas de herbários, de mu-seus, em coleções de microorganismos,ete. Isso só pode ser feito com colabo-ração internacional.

• Um programa como o Biota, até ondeentendo, seria uma iniciativa funda-mental para essa colaboração.J - Temos que ter a seguinte percep-ção: o Biota nasceu de um processo dematuração da comunidade que assi-milou documentos como a Conven-ção da Diversidade Biológica, traba-lhou em cima disso e se organizou naforma de um programa. Ele não se re-petirá assim em outros estados brasi-leiros. Podemos ampliar o Biota emoutros estados, em território nacio-nal, usar essas ferramentas que foramdesenvolvidas. Mas o processo de cria-ção do programa foi único, porqueestávamos num estágio de maturida-de que em nível nacional ainda nãoaconteceu. Em São Paulo se conse-guiu ter uma Secretaria de Estado doMeio Ambiente implementando a

! convenção da biodiversidade, um go-vernador que colocava a Agenda 21como um parâmetro das suas metasde governo, e isso não aconteceu aomesmo tempo no país como um to-do. Portanto, há uma certa dificulda-de para órgãos como o Ministério daCiência e Tecnologia ou o Ministériodo Meio Ambiente entrarem numadiscussão, porque eles não se sentemsuficientemente respaldados por umacomunidade científica do país inteiro,que possa dizer "olha, nós podemosentrar no GBIF, vamos fazer porqueisso realmente é bom': O que eles ou-vem é "o pessoal que está envolvidocom o Biota acha o GBIF uma exce-lente idéia", mas é uma visão localiza-da. Então acho que esse é que é o pro-blema, como é que você consegue dar

esse salto político e dizer "realmenteisso é uma coisa que interessa para opaís, e não só a determinada parcelada comunidade científica"?

• Que resultados efetivos vocês apresen-tam para os diferentes grupos de pes-quisa espalhados pelo país, capazes demobilizá-los na mesma direção?J - O Biota tem cerca de 35 projetosem andamento, envolve de 300 a 350doutores no estado de São Paulo e umelevado número de mestrandos ealunos de iniciação científica. Só nesteestado, engloba no total quase 600pesquisadores. Nos outros estados,são cerca de 70 pesquisadores que co-laboram com o programa, e no exte-rior, quase 60. Desenvolvemos umaferramenta que padroniza a maneiracomo é feito o registro da coleta, tor-nando obrigatório o uso do GPS (sis-tema de posicionamento global), queindica a coordenada geográfica pre-cisa da coleta, e a possibilidade de ca-sar essas informações com uma basecartográfica. Assim, se começa a teruma distribuição espacial de ocorrên-cia de espécies. Poder visualizar isso éo maior atrativo do Biota.

• Nessa base cartográfica quanto porcento das espécies estão levantadas?J - Essa base é um mapeamento da ve-getação remanescente nativa no esta-do. Também aparecem nela áreas dereflorestamento com pinus e eucalip-tos, que achamos importante colocarporque permitem a existência de umaindústria de papel e celulose do porteque temos em São Paulo, sem que ha-ja maior pressão em cima da vegeta-ção nativa. A base cartográfica está ca-sada com o banco de dados. Então, nomomento em que o pesquisador ob-serva uma espécie, registra sua ocor-rência, ele entra com essa informaçãono banco de dados. Eu peço, porexemplo, a distribuição de tal espéciede peixe no estado de São Paulo, e obanco vai fazer pontos no mapa mos-trando a ocorrência. Esse é o estágioatual. Na etapa seguinte, que é o pro-jeto que o Vanderlei começou a de-senvolver agora e está coordenando,vai se trabalhar em cima desse sistema

Page 59: Descobertas na selva

para desenvolver ferramentas de mo-delagem. Aí vamos ter uma capacida-de de previsão que não temos hoje.

• Previsão de quê?J - De onde a espécie ocorre.

• Dá para fazer um cálculo de quantasespécies são dentro vegetação remanes-cente?J - Da flora, dá, porque existe um pro-jeto financiado pela FAPESP, FloraFanerogâmica do Estado de São Pau-lo, que estima que no estado se tenhaalgo em torno de 8 mil espécies deplantas. De animais é mais complicado.Temos estimativas de vertebrados, sãoperto de 2 mil espécies, considerandoa soma de 773 peixes, 250 anfíbios,mais ou menos 750 aves, 186 répteis.De inverte brados, ninguém sabe.C - De microorganismos menos ain-da. Como a gente estima que conheçaapenas 1% de tudo que existe e fala-mos em 2 milhões de espécies conhe-cidas no mundo, então se estima queesse número total de todas as espéciespossa variar de 20 a 100 milhões. Maseu gostaria de fazer alguns comentáriosmais do Biota em nível internacional.Acho que o programa tem algumaspeculiaridades muitos interessantes eque não são só fruto desses três últi-mos anos, mas de todo o investimentoque a FAPESP fez em biologia ao lon-go dos últimos 40 anos. Então, agora,estamos chegando num momento, nabiologia no Estado de São Paulo, ondeestamos fazendo síntese das coisas. Eda maneira como o Biota está sendoconstruído, podendo-se fazer análisede espécies em cima de informaçõesgeográficas, e ligar tudo isso a infor-mações taxonômicas da flora, a ma-pas digitais de dados dos inventáriosjá realizados da flora e outros que es-tão sendo realizados dentro do escopodo Biota, temos uma convergência dainformação que fazdo Biota um progra-ma único em nível internacional e eutenho sentido isso em várias reuniões.

• Em síntese, qual é a singularidade doBiota em relação a outros projetos?J - Olha, o que o marca é que é umprograma muito bem amarrado, por-

"O Biota é umprotótipo funcional que

pode ser extrapoladopara outros programas

e regiões do país"

que ao mesmo tempo em que a FA-PESP está financiando o sistema deinformação financia também os pro-jetos de levantamento.C - Uma outra coisa que também mar-ca o Biota é que sendo um programagrande, é pequeno em termos de país,então dá para administrar. Nos Esta-dos Unidos há um grande projeto emque basicamente o que estão tentandofazer é integrar todos os dados sobreecossistemas americanos e biodiversi-dade americana dentro de um sistemacomum chamado National BiologicalInformation Infrastructure. Aí, eles fa-zem reuniões mensais com represen-tantes de 11 agências do governo, maisorganizações não-governamentais etorna-se um problema de uma dimen-são muito grande estabelecer e har-monizar padrões.

• O Biota, menor, consegue ser maiságil e articulado nos seus métodos epro-cedimentos.C- Isso. Porque o Biota não é apenasum plano, ele é um protótipo funcio-nal que pode ser extrapolado para ou-tros programas, outras regiões do país.E aí é muito interessante essa questãoda GBIF porque agora é que se estádiscutindo a questão de padrões, demetadados para integrar informaçãode diferentes fontes, para integrar da-dos biológicos com dados ambientais.Isso ainda não existe. Agora é que vai-se estar trabalhando em ferramentasde maior escala, essa é a grande ques-tão que ainda não está resolvida, e nes-se sentido o Biota é um programa úni-co, exemplar.J - Acho que tem pelo menos maisduas características do Biota que re-forçam sua singularidade. Houve todoum trabalho com a comunidade, quelevou muito em consideração aquiloque o pesquisador fazia e isso o levou

a participar. Nós nãoquisemos mudar as ca-racterísticas de trabalhode ninguém, pelo con-trário, se aquela pessoafoi treinada, capacitada,ele é a mais indicadapara definir o que é re-levante para o grupo

que ele trabalha. Quero que continuetrabalhando naquilo, só que vai geraruma informação que não é mais sópara seus trabalhos científicos, masvai estar entrando num esqueletomaior e pode ter um uso maior. Aúnica coisa centralizada no Biota sãoos mapas e as listas de espécies, todo oresto o pesquisador disponibiliza atra-vés de sua home page. É o pesquisadorque tem a decisão sobre o quê e comodisponibilizar. Isso cria uma relaçãode confiança muito grande. As pes-soas confiam no sistema e vêem van-tagens em poderem cruzar suas in-formações com as de outras pessoas.E a outra coisa que é fundamentalpara o programa é o fato de ele terum financiamento garantido, de lon-go prazo, baseado exclusivamente nomérito científico, uma coisa que osmembros do Steering Comittee (co-mitê de avaliação externa do progra-ma) sempre ressaltam.

• Insisto em que o professor Canhos, dêsua opinião sobre o índice. É bom parao Brasil ter ficado na 20a posição?C - É bom se fazer esse esforço com-parativo, e que esse esforço seja anual.No ano passado os Estados Unidos es-tavam na 11a posição, em 2002 caírampara a 51a. Isso pode ser uma coisa ab-solutamente questionável, mas, tentan-do fazer uma análise do que pode terfeito os Estados Unidos caírem, pensoque é o efeito Bush. Quando vemos aquestão ambiental interna, a liberaçãodas áreas de reserva no Alasca paraextração de petróleo, a não ratificaçãodo Tratado de Kyoto e da Convençãode Biodiversidade ... E no entanto umadas conclusões do ESI é que nenhumpaís atingiu ainda a condição de sus-tentabilidade ambiental. Nem a Fin-lândia. É uma coisa que temos deperseguir e está muito longe. •

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 59

Page 60: Descobertas na selva

• TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

A construção da tela do futuroUm novo tipo de tela paraequipamentos eletrônicosestá nascendo em Campinas.Uma equipe do Centro dePesquisas Renato Archer(Cenpra) - antiga FundaçãoCentro Tecnológico para aInformática (CTI) -, do Mi-nistério de Ciência e Tecno-logia (MCT), já patenteou econtinua a desenvolver umtipo de membrana para onovo display - palavra usa-da para designar tanto as te-las de aparelhos de televi-são, como de computador ede telefone celular. A tec-nologia, chamada de FieldEmission Display (FED), é agrande promessa para subs-tituir parcialmente - aindanesta década - os tubos deraios catódicos usados naTV, principalmente quandofor adotado o sistema de al-ta definição, em gestação noJapão e nos Estados Unidos.Os FEDs também deverãoser usados em ambientesexternos, como em outdoors,e na fabricação de lâmpa-das porque possuem boaeficiência luminosa, além deserem produzidos com ma-téria-prima que não agridea natureza com os indese-jáveis resíduos que seguempara o lixo no momento dodescarte. "Os FEDs abremnovas perspectivas tecnoló-gicas. Eles possuem condi-ções de ocupar um impor-tante espaço no mercado dedisplays planos em futuropróximo, porque aliam bai-xo consumo de energia elé-trica - ao contrário dos dis-plays de plasma que são

Na câmara de vácuo no Cenpra, o novo display é testado

Membrana que forma a nova tela ganhou prêmio no Japão

grandes consumidores - eexcelente qualidade de ima-gem em grandes áreas': expli-ca o pesquisador do CenpraVictor Pellegrini Mamma-na. A membrana desenvol-vida pela equipe do centroganhou no final do anopassado o único prêmio dacategoria FED concedidodurante o Congresso Inter-nacional de Displays (AsiaDisplay 2001) realizado emNagóia, no Japão. As outrascategorias, já disseminadas,são as tecnologias de cristallíquido (LCD), usada emlaptops, de plasma, em TVs,e de Leds, em painéis de car-

ro, por exemplo. O prêmiocolocou o Brasil no grupode países que possuem tec-nologia em displays. A pes-quisa tem a colaboração doprofessor Francisco TadeuDegasperi, do Laboratóriode Vácuo da Faculdade deTecnologia de São Paulo(Fatec), e também contacom a participação da Mo-torola por meio de publica-ções conjuntas. A expectati-va é que os FEDs estejamdentro de dois anos no mer-cado, ocupando 1% do totalda comercialização de dis-plays no mundo, estimadoem US$ 30 bilhões. •

60 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

• Janela controlaa luminosidade

Uma "janela inteligente", ca-paz de controlar automatica-mente a luminosidade de am-bientes fechados, está sendotestada por pesquisadores doLaboratório de PolímerosCondutores e Reciclagem doInstituto de Química da Uni-campo Construída com dife-rentes polímeros "inteligen-tes': a janela é, na verdade, umdispositivo eletrocrômico, oque significa que pode mudarde cor ao receber impulsoselétricos. Uma superfície, for-mada por duas folhas de plás-tico transparente e flexível, érecoberta por uma fina cama-da de óxido de estanho, pro-duto capaz de conduzir ener-gia elétrica, e dois diferentestipos de polímeros (o-meto-xianlina e tiofeno). O recheiose completa com uma cama-da de borracha impregnadacom perclorato de lítio, quetem por função transportaríons e permitir o equilíbriode cargas elétricas. Ao recebero impulso elétrico, os subs-tratos químicos reagem emudam de tonalidade, datransparência total ao opaco,segundo a intensidade dacorrente. "Assim a janela dei-xa passar mais ou menos luz':explica Marco Aurélio DePaoli, coordenador do projetoe professor do Departamentode Química Inorgânica daUnicamp. Ainda em fase labo-ratorial, o produto, que temmenos de meio milímetro deespessura, deverá estar pron-to para industrialização emtrês anos. As pesquisas estãosendo apoiadas pela FAPESPe pelo Conselho Nacional deDesenvolvimento Científicoe Tecnológico (CNPq). •

Page 61: Descobertas na selva

• Eletricidade apartir do açaí

o açaí e a azeitona pretasão as novas matérias-primas utilizadas paraproduzir eletricidade.Pesquisas feitas no Par-que de Desenvolvimento 'Iec-nológico (Padetec) da Uni-versidade Federal do Ceará(UFC) mostraram a viabili-dade de se empregar corantesdessas plantas para a fabrica-ção de células fotovoltaicas, u-sadas para geração de energiaelétrica a partir da luz solar.Normalmente, essas célulassão feitas de silício, materialsemicondutor que absorve aluz e separa as cargas elétricas.Mas sua fabricação é muitocara, e esse é um dos motivosque inviabilizam o uso de e-nergia solar em larga escala.As células solares com coran-tes fotoexcitáveis (CSCFs), de-senvolvidas no Padetec, sãobem mais baratas e substituemas de silício. Elas são formadaspor uma placa de vidro con-dutora onde foi depositadauma fina camada de óxido detitânio (Ti02) impregnado comcorante orgânico, um eletró-lito constituído de iodo/triio-do e placa de vidro condutora.O princípio de funciona-mento das CSCFs se baseiana excitação do corante pelaincidência de fótons de luz.O corante excitado fica ener-geticamente apto a transferirum elétron para a superfíciecondutora formada peloóxido de titânio, o que daráorigem à corrente elétrica."Além do fator econômico,as CSCFs utilizam em sua fa-bricação materiais simples eprocessos não poluentes", dizo superintendente do Padetece coordenador da pesquisa,Afrânio Aragão Craveiro. Aexpectativa do pesquisador éque essas células estejam nomercado em um ano. •

• Radioatividade emestações de esgoto

Duas estações de tratamentode esgotos da Sabesp, em Su-zano e Barueri, terão à dispo-sição, durante este ano, maisuma alternativa para rnoni-torar o nível de toxicidade deseus efluentes industriais. OCentro de Tecnologia das Ra-diações do Instituto de Pes-quisas Energéticas e Nucleares(Ipen) vai aplicar nessas esta-ções a técnica de traçadorespara a determinação do tempomédio de residência ou DTR.Os traçadores, material radioa-tivo bromo-82 ou iodo-Iô lem solução aquosa, permitemconhecer a partir da DTRdados importantes sobre ofuncionamento do sistemade tratamento, como a exis-tência de zonas de estagnaçãoou as trajetórias preferenciaisnuma lagoa de tratamento deefluentes - fenômenos inde-sejáveis ao sistema. No casodas estações de esgoto de Su-zano e Barueri, eles serão apli-cados em digestores, tanquesfechados das duas estações on-de o lodo é transformado emmatéria orgânica mineraliza-da. Esse lodo é enviado pos-

teriormente paraaterros sanitários e

tem potencial para serusado como fertilizan-

.te para plantações.O uso dos traça-dores auxiliará no

controle de eficiên-cia dos processos de

tratamento nos digesto-res. Segundo Pedro Eiti Ao-

ki, do Ipen, "a quantidade dematerial radioativo aplicado ébem menor do que a concen-tração máxima permitida, deacordo com as normas vigen-

tes de proteção radiológica,e só pode ser detectadapor equipamentos". •

.A favor daestabilidade

Um dispositivo capaz de pro-teger os processos industriaisdas reduções momentâneas natensão da rede elétrica pode re-presentar a solução para pro-blemas como falta de estabi-lidade de tensão e queda deenergia. Trata-se de um com-pensador dinâmico de variaçõesde tensão - CDvT, desenvol-vido graças a uma parceria en-

tre a Escola de Engenharia daUniversidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG) e a Com-panhia Energética de MinasGerais (Cemig). Dois protóti-pos já foram construídos e es-tão em fase de testes. "O res-taurador de tensão é similar aum estabilizador de tensão ouno break, mas difere deste por-que trabalha com a diferençaentre as energias oferecidas an-tes e depois da queda, enquan-to o no break desliga a rede efornece toda a energia da car-ga'; explica Braz Cardoso Filho,professor do Departamento deEnergia Elétrica da UFMG ecoordenador das pesquisas.O projeto conta com investi-mentos da Cemig no valor deR$ 560 mil e com o apoio doConselho Nacional de Desen-volvimento Científico de Tec-nológico (CNPq) e da Coor-denação de Aperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior(Capes) e tem duração pre-vista de quatro anos. Por en-quanto, devido ao alto custode produção do equipamen-to, os protótipos foram di-rnensionados para aplicaçãono setor industrial. •

Aparelho em teste na UFMG compensa variações de tensão

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 61

Page 62: Descobertas na selva

Apontada como importantefonte de produção de ener-gia elétrica para o futuro, acélula a combustível ganhanovo impulso no Brasil. Emdezembro, o Fundo Setorialdo Petróleo e Gás Natural(CTPetro) aprovou R$ 1milhão para um projeto deconstrução de um protóti-po de bancada de célula acombustível que será coor-denado pelo professor Mar-celo Linardi, do Instituto dePesquisas Energéticas e Nu-cleares (Ipen). A célula éuma espécie de sanduíchede eletrodos e catalisadoresque gera energia elétrica apartir do hidrogênio retira-do do gás natural, gasolina,álcool ou metanol. Linardi,que trabalha desde 1998com os componentes da cé-lula, pretende construir umprotótipo de 1 quilowatt(kW) de potência. "Quere-mos também patentear o

processo de fabricação doscomponentes da nossa célu-la': diz Linardi. A tecnologiadesenvolvida será repassadapara a Electrocell, empresaincubada no Centro Incu-bador de Empresas Tecno-lógicas (Cietec) que possuium projeto de construçãode célula no Programa de

meio do atrito do materialcom um disco de cerâmica."Prever a' durabilidade dasresinas compostas é essencialpara saber quando elas de-vem ser trocadas", diz o pro-fessor Bianchi. Os resultadosajudarão os fabricantes a me-lhorar seus produtos e os den-tistas a escolher a resina maisadequada para cada tipo detratamento. Os pesquisado-res receberam apoio finan-ceiro da FAPESP para desen-volver o banco de ensaios.Agora que já está comprova-da a viabilidade do invento,ele está sendo patenteado noInstituto Nacional da Pro-priedade Industrial (INPI)com financiamento da pró-pria Unesp. •

• Resina dentáriasob análise

Um banco de ensaios inova-dor deve melhorar a qualida-de das resinas compostas fa-bricadas no país e usadas pordentistas para fazer restaura-ções. O principal problemadesse material é o seu desgas-te, provocado tanto pela mas-tigação quanto pela escova-ção. Usando equipamentossimples, desenvolvidos na pró-pria universidade ou compra-dos no mercado, os pesquisa-dores Eduardo Carlos Bianchie César Antunes de Freitas,da Universidade EstadualPaulista (Unesp) de Bauru, tes-tam, em poucos segundos, adurabilidade da resina por

62 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Inovação Tecnológica emPequenas Empresas (PIPE)da FAPESP. Além de umacordo já existente de asses-soria técnica entre o institutoe a incubadora, o edital doCTPetro exigia a participa-ção de uma empresa. O fi-nanciamento, ainda não re-passado, está assim dividido:

• Arma contrao melanoma

Entre os vários tipos de ra-diação ultravioleta, a UVC é amenos comum, porque é blo-queada pelo ozônio presentena atmosfera. No entanto,com o aumento do buraco dacamada de ozônio, a radiaçãoUVC começa a preocupar acomunidade médica, já quepode causar câncer de pele.Pensando numa forma de a-tenuar esse perigo, uma equi-pe de pesquisadores da Univer-sidade Estadual de Campinas(Unicamp) realizou estudospara encontrar uma substân-cia que ampliasse a proteçãoaos raios UVC, uma vez queos bloqueadores solares exis-

Linardi: desenvolvimentode tecnologia, patentee repasse para empresa

R$ 200 mil para bolsistas doIpen, R$ 200 mil para a em-presa, que serão gastos compesquisa de mercado e bol-sistas, e R$ 600 mil para acompra de equipamentospara a pesquisa. •

CTPetro financia célula a combustível do Ipen

tentes no mercado atuam nasfaixas UVA e UVB. As pes-quisas apontaram que os de-rivados de dibenzoilmetanocumprem essa função, além deatuarem contra a prolifera-ção de células de melanoma etumores de mama e pulmão,conforme experiências feitasin vuro. O estudo, conduzidopelas equipes de cientistas doCentro Pluridisciplinar dePesquisas Químicas, Biológi-cas e Agrícolas (CPQBA) e doInstituto de Química, recebeumenção honrosa no XXVIIConcurso Prêmio Governadordo Estado de 2001. SegundoAnita Iocelyne Marsaioli, doCPQBA, esses resultados fo-ram fruto dos esforços de suapós-doutoranda e bolsista da

Page 63: Descobertas na selva

FAPESP Marisa Alves No-gueira, que sempre acreditouna potencialidade dos deriva-dos de dibenzoilmetano e foià procura de testes e colabora-ções que culminaram na des-coberta da estabilidade des-ses compostos à irradiaçãodo tipo UVc. O próximo pas-so da pesquisa será o teste dasubstância em células tumo-rais de animais e pessoas. •

• Interferênciasinvestigadas

Um sofisticado aparelho ins-talado no Centro Espacial deCachoeira Paulista do Insti-tuto Nacional de Pesquisas Es-paciais (Inpe), no interior deSão Paulo, permitirá apro-fundar os estudos a respeitodo clima espacial sobre o ter-ritório brasileiro, especialmen-te das "bolhas de plasma". Essefenômeno, descoberto por pes-quisadores do instituto em1978e ainda pouco conhecido,causa interferências em sinaisde satélites e na navegação deaeronaves que empregam osistema GPS (Global Positio-ning System). Batizado de in-terferômetro, o instrumentoda marca Fabry-Perot foi im-portado da Inglaterra e fi-nanciado pela FAPESP emUS$ 220 mil. Dotado de umdetecto r supersensível à luzvermelha, com comprimentode onda de 630 nanômetros(o nanômetro é a milionési-

Embalagem interage com alimentos

ma parte do milímetro), elefará medidas de velocidadedo vento e temperatura de re-giões de alta atmosfera, parâ-metros indispensáveis ao es-tudo do clima espacial. Osdados serão colhidos em noi-tes de céu limpo, numa faixada termosfera que abrange aionosfera, região da atmos-

A última novidade na pes-quisa de tecnologia de ali-mentos são as embalagensativas, projetadas para con-servar e melhorar a quali-dade dos alimentos. NoBrasil, um estudo está emdesenvolvimento na equi-pe' da professora NildaFerreira Soares, do Depar-tamento de Tecnologia deAlimentos da UniversidadeFederal de Viçosa (UFV),em Minas Gerais. "Nossoobjetivo é conservar alimen-tos - como pães, leite, car-nes, queijos e vegetaispormais tempo usando dosesmenores de aditivos quí-micos", explica Nilda, queé apoiada pela Fundaçãode Amparo à Pesquisa doEstado de Minas Gerais(Fapemig). No caso dospães de fôrma, o filme anti-microbiano criado na UFVlibera gradativamente umasubstância química chama-

fera onde as bolhas de plasmase formam. O interferômetrotambém permitirá estudar,pela primeira vez no país, asondas de gravidade que seoriginam na Antártica, naocorrência de tempestadesmagnéticas, e que se deslo-cam para a região tropical doplaneta. •

Doses menoresde conservantes

para alimentosembaladoscom filmes

anti microbianos

da propionato, que inibe ocrescimento de microrga-nismos. Com isso, menospropionato é adicionado aopão. A equipe também ava-lia sachês absorvedores deoxigênio e retardadores doamadurecimento de vege-

• Microusina maiságil e econômica

As microusinas elétricas po-derão, em um futuro próxi-mo, realizar várias operaçõessem a presença de um ope-rador, como acionar e desligaro gerador, regular a velocida-de da turbina e controlar onível de tensão que o geradorproduz. A automatização depequenas centrais hidrelé-tricas (PCHs) com potênciainstalada de até 1.000 quilo-watts (kW), que está sendoestudada por pesquisadoresdo Departamento de Enge-nharia Elétrica da Universi-dade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS), propiciaráredução de custos, maiorprodutividade e agilidadeoperacional. •

tais. No primeiro caso, o ob-jetivo é retirar das embala-gens o oxigênio,que propiciao aparecimento de fungos ebactérias. O outro tipo desachê tem por finalidadeprolongar a vida útil dosvegetais na embalagem. •

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 63

Page 64: Descobertas na selva

TECNOLOGIA

INFORMÁTICA

Programasde bomtamanhoTrês empresas do PIPEdesenvolvem projetosde software que vãocontribuir para queo Brasil se torne maiscompetitivo nesse setor

TÂNIA MARQUES

grama que simula a formulação demateriais para a indústria cerâmica.

E, melhor, as três empresas, que, investem em nichos importantes den-

tro do país, contribuem para que osoftware brasileiro se torne mais com-petitivo nos mercados interno e exter-no. Enquanto a participação do soft-ware desenvolvido aqui é de 76% nasvendas domésticas, a balança comercialdo setor ainda apresenta números ne-gativos (veja quadro na pág. 56). Em-bora as exportações do país tenhamalcançado o patamar dos US$ 120 mi-lhões em 2001, com um crescimentoperto dos l.200% desde 1995, as im-portações chegam a US$ 1 bilhão porano. Falar em geração de software, por-tanto, é uma questão estratégica porqueo conhecimento e o desenvolvimentotecnológico nessa área são imprescin-díveis para o suporte do crescimentode todos os setores da economia.

Com projetos diferentes

entre si, três empresasapoiadas pelo Programade Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas

(PIPE), da FAPESP,têm como pontocom um a busca de soluções aindapouco contempladas pelas companhiasde todos os portes que desenvolvemsoftwares no Brasil. A InfoDinâmica,de São Paulo, investe em um sistemade controle predial que, combinandohardware e software, possibilitará umnovo passo no monitoramento locale remoto de quase todos os equipa-mentos eletroeletrônicos de residên-cias e escritórios. A também paulista-na Invenire desenvolve um softwarepara as mesas de câmbio dos bancos eos departamentos de comércio exte-rior das grandes corporações. A Spall,de São Carlos, está muito próxima delançar a primeira versão de um pro-

64 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Controle remoto - O software paracontrole de sistemas residenciais eprediais, da InfoDinâmica, é um obje-tivo antigo das gigantes mundiais daindústria eletroeletrônica. "Pesquiseipara verificar se havia algo similar edescobri que, apesar de já existir tec-nologia disponível para tanto, não hásistema semelhante", conta o enge-nheiro mecânico Eduardo Vettori,proprietário da empresa. Ele trabalhadesde 1972 na área de tecnologia deinformação e teve passagens pelaNEC e pela sede inglesa da Shell In-ternational Petroleum Company.

O sistema que Vettori está finali-zando, chamado de Suit, é a concreti-zação de um antigo sonho dos escri-tores de ficção científica. O softwarepode monitorar e controlar, de formaremota ou não, qualquer aparelhoque integre um circuito, desde um te-levisor a um mecanismo de alarme de

Page 65: Descobertas na selva

segurança, de uma geladeira a umjogo de persianas. O software permiteo comando desses artefatos por meioda interface com os controles digitaisdos equipamentos e com uma inter-conexão em rede.

O usuário define e altera as confi-gurações, adequando os controles asuas rotinas, a partir de um computa-dor padrão PC, palmtops ou um tele-fone. Além das utilizações em siste-mas de segurança e controle deresidências, prédios e empresas, outrouso que Vettori indica para o Suit é osegmento hoteleiro. "A partir de umPersonal Digital Assistant (PDA) comboa memória, como um palmtop, osupervisor de um hotel pode contro-lar todos os aparelhos de cada aparta-mento." Nas casas de espetáculos, osoftware pode, entre as utilizaçõespossíveis, ligar e controlar a tempera-tura dos condicionadores de ar.

"O processo do Suit fundamenta-se em apenas três variáveis: qual é oaparelho, o que se quer controlar e emque nível ou estado, como, por exem-plo, as funções de liga-desliga, volu-me, etc., além de quem quer fazê-lo",observa Vettori. "Trata-se de uma so-lução simples': diz ele, que deu inícioao processo de registro de patente doproduto em 1996.

O programa básico inicial, desen-volvido nas linguagens C e Visual Ba-sic, das mais comuns e disseminadas,roda nos sistemas operacionais Win-dows, Windows CE, Mac, Palm eUnix. Outras linguagens também po-dem ser usadas. Sua instalação podeutilizar a infra-estrutura da rede elé-trica, sem nenhuma modificação, ou acomunicação em radiofreqüência,sem fio. Os sistemas atualmente dis-poníveis, além de controlar apenas al-guns dispositivos, por falta de uma in-

terface universal, demandam variadasreformas na infra-estrutura.

O controle a longa distância apro-veita a infra-estrutura de serviços pú-blicos - pode ser feito de qualquer li-nha telefônica, fixa ou móvel, ou pelaInternet. O sistema terá sete acessó-rios de hardware, que estão sendo pro-jetados no Centro de Pesquisas Re-nato Archer (Cenpra), unidade doMinistério da Ciência e Tecnologiaque sucedeu a Fundação Centro Tec-nológico para a Informática (CTI).Esses acessórios permitem o controlede aparelhos sem nenhuma modifica-ção. Cinco deles já estão prontos: umatendedor telefônico, um equipamen-to emissor de raios infravermelhos,um transceptor de radiofreqüência,tomadas e interruptores. "Falta aindaum multissensor, para identificar, en-tre inúmeras coisas, a presença huma-na': diz Vettori, que prevê a conclusãodo projeto no segundo trimestre. Eleacredita que o produto esteja disponí-vel no mercado ainda este ano.

Hoje, a InfoDinâmica pratica-mente não tem faturamento. Foraalguns trabalhos de consultoria, Vet-tori está totalmente voltada para o de-senvolvimento do Suit. Ele estima,em seu plano de negócios, que o mer-cado brasileiro de controles prediaispoderá, em breve, movimentar US$ 1bilhão por ano. No cálculo, ele nãoinclui possibilidades na área de auto-mação industrial, um segmento aindanão contemplado na estratégia devendas inicial.

Protótipo Me3 - A Invenire tambémacredita no grande potencial merca-dológico do seu produto. Segundoprojeções de José Carlos Arruda Al-ves, sócio da empresa, o software, bati-zado provisoriamente de MC3, podeconquistar dezenas dos cerca de 150bancos do país, entre os que utilizamsoluções próprias e aplicações menosavançadas de software houses concor-rentes. "Também vamos oferecer aaplicação a empresas multinacionaisde grande porte, que operam mesasde câmbio em função do alto índice detransações internacionais': diz. O MC3é uma multiplataforma que opera nos

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 65

Page 66: Descobertas na selva

ambientes Windows, Unix e Linux,pode rodar até em grandes computa-dores (mainframes) e deverá estar àvenda entre este ano e o próximo.

Fundada em 1999, a empresa en-trou no mercado com a oferta de ser-viços de implementação e manuten-ção de soluções para a integração àrede Swift (Society for Worldwide In-terbank Financial Telecommunication),atendendo, principalmente, bancosde pequeno e médio porte. A Invenireé uma iniciativa dos irmãos José Car-los Arruda Alves, engenheiro que fezcarreira na área de negócios da IBM,e Valter Francisco Arruda Alves, pro-fessor da Escola Politécnica da Uni-versidade de São Paulo (USP). "Nossoobjetivo sempre foi desenvolver pro-dutos de software inovadores", contaJosé Carlos.

O desafio da Invenire no sistemade câmbio é, talvez, menos importanteque o exercício de programar em lava- linguagem da Sun Microsystemscom grande participação de mercadona área de desenvolvimento para a In-ternet - de acordo com o conceito decomponentização. Ele se fundamenta

na premissa de que umasoftware house não precisadesenvolver sozinha todas aspartes que compõem seuproduto. Parte de suas neces-sidades técnicas é compradade outras empresas. Isso per-mite integrar componentes .de qualidade já comprova- .da, fornecidos por empresasespecializadas em determi-nado tipo de software. Entreos utilitários, um bom exem-plo é o dos instaladores deprogramas - produtos comfunções complexas cujo de-senvolvimento interno de-mandaria grande investi-mento de tempo e dinheiro.A componentização é uma das fortestendências em todo o mundo e é fun-damental para o progresso da indús-tria do software na Índia, país comalto desempenho nesse setor (vejaquadro na pág. 58).

Na definição da estratégia a adotar,os irmãos Alves levaram em conta nãosó as grandes tendências do consumode software no ambiente empresarial,

mas a capacidade da empresa de apro-veitá-Ias a partir de estrutura e de dis-ponibilidade de investimento reduzi-das. ''A opção pelo desenvolvimento decomponentes emergiu como um cami-nho natural': diz Valter. Na prática, issosignifica que a Invenire não pretendeconceber uma plataforma completapara a auto mação de empresas - quer,sim, desenvolver aplicações que pos-

Certificação garante futuro do setorprodução local está mais voltada aomercado interno, onde responde por76% das vendas domésticas, que em2000 totalizaram US$ 3,2 milhões,segundo a Secretaria de Política deInformática, do Ministério da Ciên-cia e Tecnologia.

Mesmo os números do mercadointerno não trazem ao país tranqüili-dade quanto à possibilidade de cres-cimento e de aproveitamento do pro-duto brasileiro. Em 2000, de acordocom projeções do Banco Central, asimportações de software atingiramUS$ 1,02 bilhão, resultando em umdéficit de US$ 920 milhões na balan-ça comercial do setor. De 1995 a2000, as compras de softwares produ-zidos fora do Brasil registraram in-cremento de 500%, enquanto o mer-cado brasileiro cresceu 74%. Uma

As exportações brasileiras de soft- ,ware tiveram um crescimento espan-toso entre 1995 e 2000: saltaram deUS$ 10 milhões para US$ 100 mi-lhões. "Os resultados de 2001, queainda não estão fechados, devem si-tuar-se entre US$ 120 e US$ 130 mi-lhões", prevê Fábio Pagani, coordena-dor executivo de desenvolvimento denegócios da Sociedade para Promo-ção da Excelência do Software Bra-sileiro (Softex), que foi criada peloConselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico(CNPq) em 1993 e em 1997 se trans-formou em entidade privada semfins lucrativos. O crescente aumentodas exportações de softwares desen-volvidos no Brasil, no entanto, aindaestá longe de garantir ao país umaboa fatia no mercado mundial. A

simulação apresentada por Kival We-ber, vice-presidente da Softex, no Fó-rum Minas Gerabytes, realizado naFederação das Indústrias do Estadode Minas Gerais, em Belo Horizonte,no final do ano passado, prevê que, sea situação não mudar, a participaçãodo software importado, hoje em 24%,atingirá 94% em 2010.

Capacidade comprovada - O fato éque a produção de software no Brasil,que tem na criatividade e na flexibili-dade seus pontos altos, não se orien-ta por padrões de qualidade univer-salmente aceitos. ''A certificação é,hoje, uma das nossas principais ban-deiras': diz Vanda Scarterzini, titularda Secretaria de Política de Informá-tica (Sepin), do Ministério da Ciên-cia e Tecnologia. O país precisa se

66 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 67: Descobertas na selva

sam ser integradas a grandes guar-da-chuvas, como, por exemplo, ossistemas de gestão empresarial, ouenterprise resource planning (ERP),segmento em que atuam a alemã SAP,a norte-americana People Soft e asbrasileiras Microsiga e Datasul, entrediversas outras companhias.

A tendência de componentizaçãotende a se fortalecer com a dissemina-

adequar aos padrões internacionaisda indústria do software e alardearisso pelos quatro cantos do planeta,não só para exportar mais, mas paranão perder posições no mercado do-méstico. Para isso, a Softex buscaacordos com consultorias especiali-zadas na preparação de empresaspara a obtenção do Capability Matu-rity Model (CMM), ou Modelo deMaturidade da Capacidade, que defi-ne conceitos e práticas de desenvolvi-mento de software. Segundo dados daSepin, apenas 10% das 3.500 softwarehouses estabelecidas no Brasil já ha-viam conquistado essa certificaçãoem 1999, índice que deveria chegar a20% em 2001.

O CMM, que se propõe a apri-morar o processo e os resultados dodesenvolvimento de software tantodo ponto de vista de engenhariaquanto de gerenciamento, promovea definição de uma estrutura para a

Alvo da Invenire: 150 bancose centenas de empresas queoperam com mesas de câmbio

ção do modelo dos applica-tion service providers (ASP),servidores que abrigam ser-viços de Internet, hospe-dando bancos de dados deforma remota. A compo-nentização também ganhaforça com o aparecimentodos serviços de web services,que possibilitam às empre-sas usuárias "procurar" naInternet determinadas solu-ções em sistemas. Por exem-plo, um banco pode anali-

sar o crédito de seus clientes, viaInternet, por meio de empresas espe-cializadas nessa atividade.

Os web services permitem aos usuá-rios formar pacotes de software comos produtos que considerarem maisadequados às suas necessidades semse preocupar com a integração dasaplicações - um dos maiores desafiospara os departamentos de informáti-

promoção de melhorias contínuas.Ele é dividido em cinco níveis - ini-

. cial, repetitivo, definido, gerenciadoe otimizado. ''As companhias brasi-leiras que já exportam têm, no míni-mo, a certificação até o nível 3': co-menta Pagani.

"Investir na qualidade do nossosoftware também é uma maneira decombater o déficit social do país': re-flete Vanda. Segundo estatísticas daSoftex, as software houses brasileirasgeram mais de 180 mil empregos di-retos. Delas, indicam levantamentosde 1998, 40% são microempresas,com menos de dez empregados, e33% têm de 11 a 50 funcionários. Dototal, 8% têm médio porte e 19% sãograndes companhias, com quadrofuncional superior a 100 pessoas.

A Lei de Informática, aprovadaem 2001, não contempla diretamen-te a indústria do software, mas podeestimular fortemente o setor, observa

ca e prestadores de serviços - ba-seando-se em padrões de comunica-ção entre programas, como o Extensi-ble Markup Language (XML). Opadrão XML permite que vários soft-wares conversem entre si, pela trocade documentos e dados em formatopadronizado. "Trabalhamos com oSimple Object Access Protocol; ou Soap,com base em XML': observa MauricioNacib Pontuschka, coordenador doNúcleo de Computação Científica daPontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP) e instrutor daSun na área de lava, que presta con-sultoria para a Invenire.

Sob a orientação de Pontuschka ede Carlos Eduardo de Barros Paes,também professor da PUC-SP e con-sultor da Invenire, o time de desen-volvimento é formado por nove esta-giários do curso de Ciências daComputação da PUC-SP. Com receitaanual de R$ 60 mil, a Invenire utilizaos recursos do PIPE para pagar essesestagiários e os dois consultores en-volvidos no desenvolvimento doMC3. Além de Pontuschka e de Car-los Paes, a empresa conta também

a secretária Vanda. Seu artigo 1°, emvias de regulamentação, incentiva autilização de software produzido noBrasil e cria arcabouço legal para queo governo use seu poder de compracomo instrumento de incentivo àpesquisa e ao desenvolvimento.

Fundo setorial - Outro avanço doprocesso de regulamentação danova lei foi a criação do Comitê daÁrea de Tecnologia da Informação(Cati), para gerir os recursos desti-nados pelas empresas de informáti-ca e telecomunicações que recebembenefícios fiscais. As verbas formamo Fundo Setorial para a Tecnologiada Informação (CTInfo) e devemser aplicadas em pesquisa e desen-volvimento. "Em 2002, o valor deveatingir R$ 50 milhões, correspon-dendo a 0,5% do faturamento dasempresas beneficiadas pela legisla-ção", prevê Vanda.

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 67

Page 68: Descobertas na selva

Promessa de mais qualidadepara a indústria cerâmica com

o software Ceramix, da Spall

com os conhecimentos de umespecialista no setor bancário,Rui Cabral de Mello, que orien-ta a concepção do software emseus aspectos funcionais, paragarantir sua adequação às ne-cessidades do público-alvo.

Outro passo importante,na visão que os dirigentes daInvenire têm do futuro, é a cer-tificação de seus produtos."Nosso objetivo é começar aexportar dentro de poucosanos e para isso precisamos decertificações que atestem aqualidade dos nossos softwa-res', explica José Carlos. Umcertificado essencial é o CapabilityMaturity Model (CMM), ou Modelode Maturidade da Capacidade, umaval de qualidade de produtos e pro-cessos de software reconhecido inter-nacionalmente. A obtenção desse avalnão é barata, porque envolve serviços

I .

de consultorias autorizadas pelo ór-gão certificado r, papel exercido hojepela Universidade de Carnegie Mel-lon, na cidade de Pittsburgh, licencia-da, por concorrência, do Software En-gineering Institute, centro de pesquisapatrocinado pelo Departamento deDefesa dos Estados Unidos.

,A India como paradigma

A Índia é o primeiro país cita-do quando o assunto é a produ-ção de softwares nos países do ter-ceiro mundo. Entre 1996 e 2001,as vendas externas daquele país,das quais 62% destinam-se aosEstados Unidos, aumentaram deUS$ 1 bilhão para US$ 8,5 bi-lhões. A exportação está promo-vendo o crescimento do mercadointerno da Índia, que, de apenasUS$ 670 milhões no ano fiscal1996/1997, chegou a mais de US$2 bilhões em 2000/2001.

A ex-colônia britânica tempor vantagem competitiva o fatode usar o inglês como segundalíngua - que todas as criançasaprendem ao ingressar na escola.Além disso, a Índia voltou-se paraa programação ainda no final da

, década de 70, quando a IBM dei-xou o país - um daqueles casosem que, de fato, a necessidade fazo gato pular.

Por tudo isso, a transformaçãodo país em um celeiro de cérebrosfoi um caminho natural, porqueos salários oferecidos pelas em-presas norte-americanas mostra-ram-se muito atraentes para ospadrões dos indianos. Depois, asgrandes companhias globais sederam conta de que se estabelecerna Índia, ou lá formar parceriasde negócios, seria mais vantajosopara aproveitar os baixos custos demão-de-obra do mercado local.O comércio explodiu, e as cha-madas fábricas de software, quedesenvolvem produtos sob enco-menda, proliferaram.

68 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Mistura fina - A Spall, terceira empre-sa do PIPE, concentra seus investi-mentos tecnológicos e comerciais emsoluções para o setor industrial. Maisprecisamente para a indústria de re-vestimento cerâmico, responsável pe-la produção de pisos, pias, vasos sani-tários e azulejos. A empresa planejalançar, ainda neste semestre, a pri-meira versão de um programa que si-mula a substituição de materiais paraesse setor. Sem concorrente conheci-do no país e no exterior, o Ceramixpoderá economizar milhões de reaispara as empresas do segmento de ce-râmica industrializada e, de quebra,viabilizar procedimentos de controlede qualidade capazes de torná-Iasmais competitivas no mercado inter-nacional. O produto será lançado emversão para o sistema Windows. "Aoperação em rede pode ser feita facil-mente, se houver solicitação de algumcliente': diz Fábio Leme de Almeida,gerente de Pesquisa e Desenvolvi-mento da empresa.

O potencial mercadológico tam-bém é grande para o Ceramix. Quar-to maior produtor do mundo - perdeapenas para a Itália, a China e a Espa-nha -, o país tem dificuldade de uni-formizar seus azulejos, louças e porce-lanas, em função da falta deferramentas da tecnologia da infor-mação capazes de simular resultados

Page 69: Descobertas na selva

na inevitável substituiçãode matérias-primas, quedemanda reformulação detoda a massa.

"Mesmo a argila proce-dente de uma mesma jazi-da pode apresentar varia-ções físico-químicas, e équase impossível garantir amanutenção de caracterís-ticas como capacidade deretenção de água, rigidez eresistência no produto ce-râmico", observa EdélcioLeme de Almeida, diretoradministrativo da Spall ecoordenador do projeto. Oproblema em torno dasubstituição de matérias-primas não se limita àquestão da uniformidade."As empresas evitam ao máximo asubstituição, armazenando quantida-des enormes de material, e ficam atre-ladas aos fornecedores", comenta Al-meida. Ou seja: o problema afeta oaproveitamento de espaço e o giro fi-nanceiro das companhias e transfor-ma-as em presas fáceis de eventuaisaumentos abusivos de preços. Alémdisso, os testes com novas matérias-primas, baseados em tentativa e erro,causam perdas enormes. "Dado oporte dos equipamentos utilizados, a,quantidade mínima para testes é de 1·tonelada e, normalmente, a substitui-ção demanda vários deles, com eleva-do consumo de matéria-prima, recur-sos humanos e energético,"

O Ceramix simula a utilização devárias matérias-primas para a refor-

91

Fonte: SEPIN/MCP(*)

92 93 94 95 96 97 98 99

com Edgar Dutra Zanotto,professor do Departamentode Engenharia de Materiaisda Universidade Federalde São Carlos (UFSCar). Aregião é um importantepólo cerâmico, e a UFSCarmantém laboratórios vol-tados para o setor. Zanottocolabora no projeto dosoftware da Spall, que con-ta ainda com a consultoriade um matemático e está acargo de três estudantes doDepartamento de Compu-tação da UFSCar.

A Spall, que tem receitalíquida anual em torno deR$ 40 mil, nasceu em 1994já com uma encomendapara atender. O negócio

que motivou a fundação da empresaresultou no lançamento do SIM - Sis-tema de Informações Maçônicas, que,depois, atrairia 5 mil clientes no Bra-sil. A Spall também presta serviços deconsultoria nas áreas de redes e Inter-net, além de desenvolver projetos deWeb sites. "Com o Ceramix, pretende-mos pelo menos dobrar nosso fatura-mento ainda este ano", afirma Edélcio.

O Ceramix, o MC3 e o Suit sãoexemplos de que criatividade e em-preendedorismo, aliados ao desenvol-vimento de produtos inovadores naspequenas empresas, podem lançar opaís para um patamar mais alto naprodução de softwares, um produtoque está na cesta de necessidades bá-sicas de qualquer setor neste iníciode século 21. •

2000

mulação de massas e esmaltes cerâmi-cosoA partir de uma base de dados, osoftware auxilia os usuários a identifi-car equívocos na formulação de produ-tos. "Trata-se de um software baseadoem modelos científicos, com um mó-dulo totalmente voltado para cálculos':explica Fábio. O novo sistema está emtestes numa companhia paulista queprefere não ter seu nome revelado,por questões estratégicas. ''A colabo-ração dessa empresa tem sido muitoimportante para a verificação da efi-ciência do software", comenta Fábio.Segundo suas previsões, o lançamen-to do produto deve ocorrer até o finaldeste semestre.

A viabilidade em desenvolver oCeramix, conta Edélcio, surgiu em1998, a partir de conversas técnicas

OS PROJETOS

Sistema Universal deInterface de Telecontrole

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPEl

COORDENADOREDUARDOVETTORI - InfoDinâmica

INVESTIMENTOR$ 166.200,00

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 69

Sistema de Câmbioe Comércio Exterior

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPEl

COORDENADORVALTER FRANCISCOARRUDA ALVES -Invenire

INVESTIMENTOR$ 232.370,00 e US$ 30.000,00

Sistema para Formulaçãoe Reformulação deMassas Cerâmicas

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPEl

COORDENADOREDÉLCIO LEME DE ALMEIDA - Spall

INVESTIMENTOR$ 97.360,00

Page 70: Descobertas na selva

• TECNOLOGIA

ENGENHARIA NAVAL

Simulações na telae nas águas da baía

YURI VASCONCELOS

E WAGNER DE OLIVEIRA

Doistanques de provas,

um virtual e um físico,vão reforçar a posiçãodo Brasil de líder tec-nológico na exploração

de petróleo em alto-mar. A Escola Po-litécnica (Poli) da Universidade de SãoPaulo (USP) inaugurou, no fim defevereiro, um sofisticado laboratório,batizado de Tanque de Provas Nu-mérico (TPN), que viabilizará a ex-ploração em poços submarinos posi-cionados a mais de 2.000 metros deprofundidade - atualmente, o campode Roncador, na bacia de Campos, noRio de Janeiro, a 1.800 metros da lâ-mina d'água, é o mais profundo ope-rado pela Petrobras. E, na Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),pesquisadores da Coordenação dosProgramas de Pós-Graduação e Pes-quisa em Engenharia (Coppe) estãodando os retoques finais em um tan-que oceânico que mais se parece comum mar artificial, com 22 milhões delitros de água, previsto para ficarpronto em junho.

Instalado às margens da baía deGuanabara, no campus da UFRJ, otanque oceânico tem cerca de 1,5 milmetros quadrados, 40 metros de com-primento por 30 de largura e profun-didade média de 15 metros e máximade 25 metros. Supera tanques do mes-mo tipo existentes nos Estados Unidos,com 5,8 metros, na Holanda, com 10,5metros, e na Noruega, com 10 metrosde profundidade. Os dois projetos fo-

70 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

ram financiados com recursos do Fun-do Setorial do Petróleo e Gás Natural(CT-Petro), do Ministério da Ciênciae Tecnologia (MCT).

Adquirir know-how para explora-ção de petróleo e gás em grandes pro-fundidades é de importância decisivapara o Brasil porque 75% das reservasda Petrobras, estimadas em 9,8 bilhõesde barris, encontram-se em águas pro-fundas (400 a 1.000 metros) ou ultra-profundas (a mais de 1.000 metros).

Ensaios virtuais - «O TPN fará a si-mulação do comportamento de pla-taformas marítimas de petróleo emalto-mar, permitindo que a Petrobrasavance com mais segurança na explo-ração em águas ultraprofundas", con-ta Kazuo Nishimoto, professor de En-

!genharia Naval e Oceânica da Poli ecoordenador do recém-inaugurado la-boratório. O engenheiro André PaivaLeite, consultor técnico do Departa-mento de Exploração e Produção daPetrobras, confirma a importância doTPN: ''A confiabilidade nos sistemasflutuantes ficará muito maior com osensaios a serem realizados no novotanque virtual de provas':

O TPN é, na verdade, um sistemacomputacional composto por umgrupo de 60 computadores operandoem paralelo. Até o fim do ano, outros60 micros serão incorporados à rede,que tem capacidade para receber até300 aparelhos. «Iremos ampliar a ca-pacidade na medida em que a deman-da justificar tal investimento", dizNishimoto. A vantagem do grupo emrelação a computadores isolados é a

Tanques da USPe da Coppe- U F RJvão ajudar a Petrobrasa explorar petróleo emáguas ultraprofundas

produção de cálculos muito maiscomplexos em pouco tempo. «Simu-lações que levariam dias para seremexecutadas numa estação isolada sãofinalizadas em poucos minutos narede", explica o pesquisador.

Imagem tridimensional - Além doscomputadores, o laboratório terátambém uma sala de realidade virtual,que empregará tecnologia de anima-ção Silicon Graphics. Essa sala seráutilizada para projeção da imagemtridimensional da simulação numéri-ca processada pelos computadores.«Decidimos incorporar ao projeto doTPN uma sala estereográfica com re-cursos de computação gráfica 3-Dpara visualizarmos, da maneira maisreal possível, todos os fenômenos es-tudados", conta Nishimoto. Esse re-curso permitirá que a análise numéri-ca de cada ensaio seja acompanhada,simultaneamente, da análise visual, fa-cilitando sua compreensão e auxilian-do na aferição dos resultados.

As simulações de modelos hidro-dinâmicos e estruturais feitas no TPNresultarão em informações sobre ocomportamento das plataformas se-

Page 71: Descobertas na selva

mi-submersíveis e dos navios-tanquesfundeados, conhecidos por FPSOs -sigla de Floating, Production, Storageand Offloading, ou sistema flutuantede produção, armazenamento e des-carga -, estruturas responsáveis pelaexploração de petróleo em alto-mar.Os ensaios também mostrarão comose comportam os cabos de ancora-gem, que fazem a amarração da plata-forma ou do navio ao fundo do mar,e os risers, as tubulações que levam opetróleo do poço até a plataforma nasuperfície. Todos esses elementos es-tão continuamente sujeitos a fatoresambientais, como ação de ventos, on-das e correntezas, que podem provocaravarias e desestabilizar a plataformaou o navio, prejudicando a produção.Saber como mantê-los com a maiorestabilidade possível é fator decisivopara o sucesso da exploração.

O projeto do Tanque de ProvasNumérico contou com a participaçãode quatro instituições de pesquisa, alémda USP: Instituto de Pesquisas Tecno-lógicas do Estado de São Paulo (IPT),Coppe, Grupo de Tecnologia em Com-putação Gráfica (Tecgraf), da Pontifí-cia Universidade Católica (PUC) do

Rio de Janeiro, e Centro de Pesquisasda Petrobras (Cenpes). O investimen-to total no projeto, que integrou a pri-meira concorrência do CT-Petro, rea-lizada no final de 2000, foi de quaseR$ 3 milhões. Desse total, R$ 2,56 mi-lhões foram repassados pela Financia-dora de Estudos e Projetos (Finep),órgão que exerce a Secretaria Executi-va dos Fundos Setoriais do MCT, e osR$ 400 mil restantes ficaram por con-ta da Petrobras. Os recursos começa-ram a ser injetados em janeiro do anopassado, e o laboratório foi montadoem apenas um ano.

Segundo Nishimoto, o TPN mu-niciará projetistas e engenheiros en-volvidos nos projetos de construçãode estruturas flutuantes com dadospreciosos. "Iremos simular, principal-mente, parâmetros básicos como osmovimentos e as acelerações da plata-forma e as tensões nas linhas de amar-ração e nos tubos:'

Escala reduzida - O TPN comple-menta e estende as aplicações dos tan-ques de provas físicos, que realizamensaios com modelos reduzidos. Porsua vez, o TPN depende de resultados

Imagem tridimensional naPoli-USP: óculos especiais paraver os fenômenos estudados

obtidos nos tanques de prova físicospara validar e calibrar os modelos nu-méricos utilizados no modo virtual.Os tanques físicos são eficientes massofrem restrições nas simulações emáguas ultraprofundas por causa do efei-to escala. Restrições que podem seratenuadas na integração com estudosrealizados no TPN. Hoje, a profundi-dade máxima possível para a realiza-ção de simulações é de 1.000 metros.Quando o tanque da Coppe estiverpronto, poderão ser simuladas opera-ções em até 2.500 metros de profun-didade. Para extra polar esses limites,estudos complementares baseados emensaios nos tanques virtuais represen-tam uma efetiva contribuição.

Uma vantagem do TPN é o custode seus ensaios, muito inferior ao dosrealizados no tanque de provas físico.A economia de custos vale tambémno âmbito do tanque físico- seus testessão imprescindíveis em projetos pio-neiros e concepções originais e inova-doras - citada pelos pesquisadores da

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 71

Page 72: Descobertas na selva

P-40 no campo MarlimSul a mais de 150 km da

costa: ambiente hostil

Coppe. A taxa diária de uti-lização do tanque oceâniconão chegará a US$ 15 mil,enquanto nos tanques loca-lizados no exterior cobram-se valores superiores a US$20 mil. A Petrobras, segundoa Coppe, chega a desembol-sar até US$ 400 mil por 15dias de ensaios fora do Brasil.

Equipado para produzirondas, ventos e correntezas,o tanque oceânico, de 25 me-tros de profundidade máxi-ma, irá possibilitar ensaiosde modelos de estruturas eequipamentos para ativida-des de produção de petróleoe gás offshore (em alto-mar), em gran-des profundidades, pesquisas na áreade engenharia naval, além de estudosassociados a novas estruturas oceâni-cas e a operações submarinas. "Os en-saios de modelos nas condições queteremos no tanque oceânico são fun-damentais para prever o que se vai en-contrar no mar na extração de petróleo.E, quanto mais profundo o tanque,melhores os resultados", diz o enge-nheiro civil Ricardo Franciss, da Ge-rência de Tecnologia Submarina doCenpes da Petrobras.

"No tanque, poderemos observarcom maior eficiência, confiabilidade emenores riscos fatores como fadiga,

Profundidadeestratégica

Uma expressiva fatia das reservasbrasileiras de petróleo, que chega a23%, está localizada na faixa de lâmi-na d'água entre 1.000 e 2.000 metrosde profundidade. A Petrobras estimaque 50% das reservas a serem desco-bertas estarão situadas em águasprofundas e ultraprofundas. "Hoje as

72 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

colapso, vibração, variação de tensãoe vórtice (redemoinho) das linhas deriser,por exemplo, além de testar equi-pamentos envolvidos em operaçõesmarítimas. Teremos o comportamen-to de tudo que está flutuando ou sub-merso quase nas mesmas condiçõesque encontramos, por exemplo, nabacia de Campos': completa ele.

Segundo os pesquisadores, váriostipos de equipamentos e estruturas li-gados à exploração de petróleo pode-rão passar pelos ensaios no tanque:plataformas, navios de exploração earmazenagem de petróleo, cabos defixação de plataformas no fundo domar, linhas de transmissão, entre ou-

tecnologias e inovações estão espe-cialmente voltadas para a produçãoem águas profundas pela importân-cia estratégica que essa área adqui-riu': diz Ricardo Franciss, do Cenpesda Petrobras.

A empresa lidera a corrida pelaexploração de petróleo e gás emáguas profundas. No campo de Ron-cador, descoberto em 1996 e localiza-do na bacia de Campos, litoral nortedo Rio de Janeiro, é extraído petróleoa uma profundidade de mais de

tros itens. O tanque possui mecanis-mos para provocar a formação de on-das de até meio metro, a intervalosque podem variar de 0,3 a cinco se-gundos. As ondas são produzidas por75 painéis batedores posicionados nu-ma das bordas do tanque. Cada paineltem um motor independente e podecriar ondulações com diferentes mo-vimentos e direções de propagação.

Correntes submarinas - Já os ventosque açoitarão esse "mar artificial" se-rão programados por ventiladoresque podem ser posicionados em qual-quer ponto próximo ao espelho daágua. Os aparelhos podem gerar ven-

1.800 metros, recorde mundial deexploração no mar. Nas bacias deSantos e do Espírito Santo tambémjá foram descobertos poços em gran-des profundidades. No exterior, o rit-mo das descobertas é menor. "Comexceção de um poço no golfo do Mé-xico, explorado pela Shell e localiza-do a 1.800 metros, os poços no exte-rior não passam de 1.200 metros deprofundidade': revela Franciss.

A produção da empresa em águasprofundas vem aumentando signifi-

Page 73: Descobertas na selva

tos com velocidade de até 12metros porsegundo e direção e variação no tem-po pré-programadas. O tanque terá umfundo móvel, que pode subir e descer,graduando a profundidade entre 1,4metro e 15 metros, dependendo dotipo de ensaio realizado. A construçãoque custou R$ 13,6 milhões, foi ban-cada com recursos do CT-Petro.

Na segunda etapa, prevista para serconcluída em um ano, será montado osistema de correntes submarinas. Bom-bas despejarão água no tanque a partirde galerias submersas instaladas numdos lados da obra, formando as corren- 'tesoA água, em seguida, sairá do reser-vatório por aberturas posicionadas na

extremidade oposta do tanque, seguin-do por tubulações até voltar a ser injeta-da novamente no tanque. Será possívelgerar correntezas em diferentes inten-sidades eprofundidades. Para instalares-se sistema o grupo está captando recur-sos suplementares de R$ 8,2 milhões.A Fundação Carlos Chagas Filho deAmparo à Pesquisa do Estado do Rio deJaneiro (Faperj) já alocou R$ 1milhão.

Cerca de 15 profissionais, entrepesquisadores, técnicos, mergulhado-res e pessoal de apoio, trabalharão notanque. Sensores ligados aos modelosreduzidos de plataformas, navios, ca-bos ou robôs submarinos registrarãoas respostas dos equipamentos testa-

cativamente. Em 1987, petróleo egás extraídos de poços localizadosem grandes profundidades repre-sentavam apenas 1,7% da produçãototal da companhia. Em 2000, essepercentual avançou para 55%. APetrobras tem como meta atingir,em 2005, a faixa de produção de 1milhão e 850 mil barris de petróleopor dia. Cerca de 75% dessa produ-ção será retirada de poços localiza-dos em lâminas de água profundase ultraprofundas.

Desde meados da década de 80 aPetrobras realiza pesquisas para via-bilizar a extração de petróleo emprofundidades maiores. O Progra-ma de Capacitação Tecnológica emÁguas Profundas (Procap) foi criadoem 1986 para impulsionar essa ativi-dade. O programa está em sua ter-ceira edição, o Procap-3000, que,entre outras metas, pretende viabili-zar novas descobertas em lâminasd'água de até 3.000 metros de pro-fundidade.

Sistemas de produção,armazenagem e transporteligados ao fundo do mar

dos. Um sistema de vídeo gravará ima-gens fora e dentro da água. Através deescotilhas localizadas abaixo da linhada água também será possível acom-panhar visualmente os ensaios.

Mas as aplicações do empreendi-mento vão além dos ensaios com mo-delos de equipamentos ligados princi-palmente à exploração de petróleo egás. Para o professor de EngenhariaOceânica Segen Estefen, um dos coor-denadores do projeto do tanque oceâ-nico, a robótica submarina será outraárea a ser beneficiada com o novotanque. "Um mergulhador hoje nãopode ultrapassar os 400 metros deprofundidade. Por isso, equipamentosrobotizados serão cada vez mais ne-cessários à medida que a exploraçãodos recursos do mar desce a profun-didades cada vez maiores", diz.

A área ambiental também terá suacota de vantagem. Simulando ondas,correntes e ventos, é possível estudaro comportamento de uma manchade óleo na água. "Ao analisar um der-ramamento de óleo no mar, podemosdisponibilizar dados para uso na açãode combate ao problema", diz o pro-fessor de Engenharia Oceânica CarlosLevi, outro coordenador do projetodo tanque.

Parcerias importantes - O grupo daCoppe gerou quatro teses de douto-rado, oito dissertações de mestrado e15 trabalhos de iniciação científicacom temas referentes ao tanque. To-das as etapas do projeto foram acom-panhadas por um comitê técnico for-mado por pesquisadores do 1PT, daUSP, da Coppe e da Petrobras. Asparcerias, por sinal, são muito valori-zadas pelos dois grupos. "Nós vamostrocar muitas informações a partirdos dados gerados nos novos camposde provas': completa Levi. "Trata-sede ferramentas de grande importân-cia para a área de ensaios ligados aosetor de exploração de petróleo': dizFranciss, da Petrobras. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 73

Page 74: Descobertas na selva

ITECNOLOGIA

ENGENHARIA QUÍMICA

DegustaçãovirtualEmbrapa desenvolve línguaeletrônica para monitorar a qualidadena produção de bebidas e detectarcontaminação na água por herbicidas

Pesquisadores da Embrapa

Instrumentação Agrope-cuária criaram um dispo-sitivo mais sensível que alíngua humana para degus-

tação e análise de bebidas. Batizado delíngua eletrônica, o equipamento édotado de seis sensores que desempe-nham função semelhante à das papi-Ias gustativas, mas são mais eficientes.A língua eletrônica não só é capaz deidentificar um legítimo vinho tintoCabernet Sauvignon como tambémconsegue detectar diferenças quaseimperceptíveis ao paladar humano, co-mo as existentes entre as várias mar-cas de água mineral. O invento, já pa-tenteado pela Embrapa e FAPESP,estáem fase de finalização para uso indus-trial e deverá estar disponível no mer-cado em três anos.

O potencial de aplicação é enor-me. O equipamento pode ajudar nocontrole ambiental, monitorando osníveis de contaminação por metais pe-sados e pesticidas em rios e mananciais,e no saneamento básico, controlandoa qualidade da água nas estações detratamento. Na indústria alimentícia,a língua eletrônica pode aumentar origor do controle de qualidade na fa-bricação de bebidas, por meio do mo-

nitoramento contínuo. Por enquanto,o equipamento está apto para operarcom vinhos, café e água mineral, masos pesquisadores já estão desenvolven-do sensores para analisar leite, suco deuva e de laranja. Na indústria farma-cêutica, a língua eletrônica pode serusada para testar medicamentos e me-lhorar o sabor dos remédios amargos.

De acordo com a literatura sobreo assunto, esta é a primeira língua ele-trônica à base de polímeros condutores

! do mundo. Resultado de seis anos deum trabalho multidisciplinar que en-volveu o apoio de físicos e engenheirosde materiais, mecânicos, eletrônicos eelétricos da Embrapa, em São Carlos,o projeto, coordenado pelo pesquisa-dor Luiz Henrique Capparelli Matto-so, também contou com parcerias im-portantes - o Instituto de Física e oInstituto de Ciências Matemáticas ede Computação da Universidade deSão Paulo (USP), em São Carlos, a Es-cola Politécnica da USP, a EmbrapaUva e Vinho, em Bento Gonçalves(RS), e o Instituto de Tecnologia deAlimentos (Ital), de Campinas. Alémdisso, foi acompanhado de perto porum ilustre colaborador, o neozelandêsnaturalizado norte-americano AlanMacDiarmid, professor da Universi-

dade da Pensilvânia, ganhador doPrêmio Nobel de Química em 2000ao lado do japonês Hideki Shirakawae do americano Alan Heeger.

Em novembro do ano passado, alíngua eletrônica recebeu uma dasmais importantes premi ações do paísna área de desenvolvimento científicoe tecnológico - o Prêmio Governadordo Estado, concedido pelo Serviço Es-tadual de Assistência aos Inventores(Sedai), da Secretaria de Ciência, eTecnologia e Desenvolvimento Eco-nômico de São Paulo, na categoria In-vento Brasileiro.

Alta sensibilidade - A língua eletrônicafunciona de forma muito semelhanteà humana. É capaz de reconhecer sabo-res: o doce, o salgado, o azedo e o amar-go. A diferença é que consegue medirconcentrações bem abaixo do limitede detecção biológico. Para o paladarhumano, só é possível identificar umabebida doce se a concentração de açú-car for superior a 685 miligramas(rng) para um copo (200 mililitros)de água. Já a língua eletrônica conse-gue detectar até 342 mg de açúcar namesma quantidade de água. Para osalgado, a língua eletrônica detecta até58 mg de sal em um copo de água, en-

74 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 75: Descobertas na selva

quanto a humana precisade, no mínimo, 117 mg.

O segredo está nos seissensores que compõem o dis-positivo. Eles são formadospor microeletrodos revesti-dos com uma camada ultra-fina de polímeros conduto-res (plásticos que conduzemeletricidade), que levam emsua composição substânciaspresentes na saliva humana,como os lipídios. Quandomergulhado numa bebida, ocomposto polimérico inte-rage com as substâncias pre-sentes no líquido e provocauma resposta elétrica espe-cífica para cada substância,que é captada pelo eletrodoe enviada para um compu-tador. Os sinais recebidosdos eletrodos são então in-terpretados e convertidosem gráfico, uma espécie deassinatura digital da bebida.

A língua eletrônica é re-sultado de várias pesquisasque permitiram sintetizarpolímeros condutores acres-cidos de substâncias capazesde torná-los sensíveis a sa-bores específicos. As polia-nilinas, por exemplo, são po-límeros que interagem comsubstâncias ácidas presentesna bebida e permitem detec-tar o sabor azedo. Essa tecno-logia, desenvolvida pelo quí-mico Alan MacDiarmid, foitrazida para a Embrapa porMattoso como parte de seudoutorado nos Estados Uni-dos sob supervisão direta dopai da matéria. Na Embrapajá foram estudados cerca de40 compostos poliméricos,específicos para detectar vá-rios padrões de paladar.

Os sensores à base de po-límeros condutores também

Língua eletrônica detectasabores quase imperceptíveispara o paladar humano

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 75

Page 76: Descobertas na selva

Equipamento analisa água contaminada por herbicidas usados em lavouras

são capazes de medir a concentraçãode minerais presentes na água. Comisso, a língua eletrônica consegue dife-renciar perfeitamente a água de tor-neira de água mineral ou ultrapura(deionizada e destilada), além de de-tectar contaminação por metais pesa-dos, como chumbo, cromo e outrosmetais tóxicos.

I II

Filmes ultrafinos - O desafio agora édesenvolver sensores para detectarcontaminação por pesticidas em riose mananciais. As bases para encararesse novo desafio foram construídasnum projeto anterior à língua digital.Coordenado pelo pesquisador CarlosVaz, também da Embrapa, ele permi-tiu o desenvolvimento de um equipa-mento para detecção de dois herbici-das amplamente utilizados no cultivode cana-de-açúcar e soja para comba-ter o crescimento de ervas invasorasde folhas largas: o Imazaquin (tam-bém conhecido como Scepter) e oAtrazina, produtos que podem causarcâncer. Parte da água pulverizada comos herbicidas sobre as plantações es-corre para os cursos de água ou pene-tra no solo, contaminando os lençóisfreáticos. "O próximo passo é desen-volver uma língua eletrônica comsensores específicos para detectar es-sas substâncias e comparar resulta-dos", explica Mattoso.

76 . MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Além da composição dos políme-ros, outro fator determinante para aalta sensibilidade da língua eletrônicaé a maneira como são revestidos os ele-trodos. "Quanto mais fina a camadapolimérica, mais facilmente a bebidaé absorvida, o que torna a respostaelétrica quase que instantânea': diz opesquisador. Para isso, os eletrodos sãorevestidos com filmes ultrafinos, ounanofilmes, que têm a espessura deapenas uma camada de moléculas po-liméricas (milionésimos de milíme-tro). Duas técnicas são utilizadas. A au-tomontagem é feita na Embrapa, pelopós-doutorando Antonio Riul Iúnior,e a deposição, pela técnica LangmuirBlodgett, que consiste na deposiçãode filme para revestimento dos eletro-dos de ouro, em colaboração com o

o PROJETO

professor Osvaldo Oliveira, do Insti-tuto de Física de São Carlos, da USP.

Todos os componentes do disposi-tivo foram desenvolvidos no projeto.Os microeletrodos são confecciona-dos em ouro no Laboratório de Mi-croeletrônica do Departamento deEngenharia de Sistemas Eletrônicosda Escola Politécnica de São Paulo,também da USP, sob coordenação doprofessor Fernando J. Fonseca. O soft-ware que analisa os sinais elétricoscaptados pelos sensores está sendoelaborado em parceria com o profes-sor André Carvalho, do Instituto deCiências Matemáticas e Computaçãoda USP,em São Carlos. O programa ébaseado em redes neurais, um sistemaque opera à semelhança do cérebrohumano e permite ser "treinado" paraanálise de diferentes tipos de bebida.

Nos últimos seis anos, as pesquisascom a língua eletrônica na Embraparesultaram na formação de quatro alu-nos de mestrado e cinco de doutora-do e, atualmente, há 11 pesquisas emandamento. O texto científico foi pu-blicado na revista Langmuir, da Socie-dade Americana de Química, em ja-neiro, e o assunto já marcou presençainclusive no site da revista Nature,também em janeiro.

Sabores diferenciados - "Por partedas indústrias de bebidas, o interesseé grande", afirma Mattoso. Nas viní-colas, por exemplo, o equipamento écapaz de determinar, entre vinhos damesma marca, qual a safra de pro-cedência. As vantagens são muitas. "Alíngua não se cansa, o que permitemonitorar a produção continuamen-te. E também pode testar produtosque poderiam causar riscos para asaúde do degustador, como remédios:'

Mesmo com essas vantagens, ele fazuma ressalva: "Alíngua eletrônica nãofoi projetada para substituir o traba-lho do especialista em degustação,mas deverá, sim, auxiliá-Io" Isso por-que, embora seja capaz de diferenciarvinhos, ela não consegue saber qualdeles vai agradar mais ao ser humano.Em se tratando de paladar, a línguahumana, pelo menos por enquanto, éque dá a palavra final. •

Utilização de Medidas Elétricasde Corrente Alternadapara Caracterização de SensoresPoliméricos de Interessena Agroindústria

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORLUIl HENRIQUE CAPPARELLI MATTOSO- Embrapa

INVESTIMENTOR$ 32.470J2 e US$ 31.7%55

Page 77: Descobertas na selva

:a':: =~GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria daCiência, Tecnologiae DesenvolvimentoEconômico

Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa05468-901 - São Paulo - SPTel.: (11) 3838-4000www.fapesp.br

Page 78: Descobertas na selva

ITECNOLOGIA

BIOTECNOLOGIA

Cópias daperfeiçãoA ProClone trabalha para adicionarqual idade e competitividade à produçãode plantas ornamentais no Brasil

Reproduzir a beleza de algumas flores, repe-

tir aquele tom que só uma orquídea consegueter no auge de sua floração são os desafiosque a donagem de plantas ornamentais temexercitado há alguns anos. A técnica utiliza

um pedacinho minúsculo de um broto - mais precisa-mente o meristema, um aglomerado de células de O,1mm- para multiplicar flores exemplares sem diferenciação ge-nética. Embora empregada comercialmente há mais de 20anos, a técnica passa constantemente por aperfeiçoamentos.Quem consegue utilizá-Ia com maior precisão e baixos cus-tos, produzindo cópias perfeitas em grandes quantidades,livres de doenças e com combinações inesperadas, ganhamercado e nome. Um objetivo que está na trajetória da em-presa ProClone Biotecnologia, instalada na cidade de Ho-lambra, na região de Campinas.

A empresa busca qualidade e cornpetitividade ao incre-mentar a produção de dones de diversas espécies de plan-tas, como orquídeas, gérberas e copos-de-leite. Com oapoio da FAPESP dentro do Programa de Inovação Tecno-lógica em Pequenas Empresas (PIPE) desde 1997, a Pro-Clone, que produz 40 mil mudas por mês, está se prepa-rando tecnicamente para ganhar o mercado externo. Suaestrutura de exportação está pronta, mas "dormente': diz aproprietária da empresa, a bióloga Monique Inês Segeren,que se associou a uma empresa holandesa, a Ceres Vitro,para poder conquistar o consumidor externo. Com isso,Monique atingirá um dos objetivos que a levaram a abriras portas de seu laboratório em 1989: participar do mer-cado mundial de flores e plantas, que movimenta, em todasua cadeia produtiva, cerca de US$ 100 bilhões ao ano.Desse total, os produtores são responsáveis por valorespróximos a US$ 16 bilhões.

A Holanda é o principal exportador e importadormundial de flores e plantas ornamentais e serve de basepara as maiores multinacionais do setor. No Brasil, o seg-

78 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Orquídea (Phalaenopsis)

Page 79: Descobertas na selva

mento da produção responde por 30% do faturamento,que alcança R$ 1,3 bilhão anualmente, cabendo ao Estadode São Paulo a responsabilidade por 70% desse valor.

Só em Holambra, são comercializados mais de R$ 273milhões em flores por ano. Esse pequeno município de 10mil habitantes, distante 155quilômetros da capital paulista,teve origem em uma fazenda, onde foi formada uma coo-perativa de agricultores holandeses que deixaram a Eu-ropa depois da Segunda Guerra Mundial. Nas últimasdécadas, esses agricultores se dedicaram ao cultivo de flo-res, tornando-se referência nacional no setor.

o atraente mercado da produção de flores,a especialidade da ProClone é clonar mudascriadas por especialistas em melhoramen-to, propiciando uma multiplicação acelera-da com todas as características originais da

planta preservadas. Esse processo, além de ser designadode clonagem ou clonação, é chamado de micropropagaçãoin vitro. O aperfeiçoamento dessa técnica está em desen-volvimento pela empresa desde que ela participa do PIPEhá quatro anos. As inovações tecnológicas resultaram emum equipamento próprio de autoclavagem que faz a este-rilização e prepara o meio de cultura usado em recipientespara a multiplicação das mudas. Depois de pronto, o meiode cultura é distribuído, de forma controlada, para 650 re-cipientes num período de três horas. "No processo ma-nual, seria possível encher apenas 20 no mesmo tempo."Além da demora e margem de erro, o método manual im-plica maior gasto de energia e custo de mão-de-obra.

Por enquanto, o equipamento de auto clave está insta-lado na ProVitro, joint venture formada entre a empresáriae a Ceres Vitro, que está incubada na Companhia de Desen-volvimento do Pólo de Alta Tecnologia (Ciatec) de Campi-nas. Segundo a empresária, a esterilização do meio de cul-tura com a auto clave será feita no laboratório da ProClone,em Holambra, assim que as obras de expansão estiveremconcluídas e forem instaladas outras duas máquinas deautoclavagem.

Melhor esterilização - A autoclave foi projetada pelo en-genheiro Sérgio Koseki com equipamentos totalmente na-cionais. Foi patenteada pela ProClone com o nome deEquipamento de Esterilização de Meio de Cultura e Dis-tribuição Automática e, segundo Monique, não tem simi-lar nacional. A máquina existente com funções semelhan-tes é alemã, mas a desenvolvida pelo técnico brasileiro temcomo diferencial uma hélice, que torna os líquidos maishomogêneos e melhora a esterilização.

Para Monique, o fato de a ProVitro estar localizadadentro de uma incubadora é fundamental para o desdo-bramento da segunda fase do projeto, o desenvolvimentode uma máquina complementar para o processo de dona-gem de plantas que já está em fase de testes. Trata-se do es-terilizador a plasma da Valitech - outra empresa partici-pante do PIPE e incubada no Ciatec -, que usa peróxido

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 79

Page 80: Descobertas na selva

I

, I

de hidrogênio na esterilização de po-tes plásticos, um processo revolucio-nário e com reduzido gasto energéti-co. Segundo o pesquisador daempresa, Tadashi Shiosawa, a máqui-na esteriliza até 2 mil potes plásticosem uma hora. As outras formas de es-terilização causam danos à saúde e aomeio ambiente, além de consumirmuita energia, afirma o pesquisador."O óxido de etileno é cancerígeno ecausa danos ambientais e a radiaçãopor raio gama tem restrições por suapericulosidade." A máquina tambémvai permitir a reutilizaçãodos potes plásticos após alavagem, o que não é feitonem na Holanda, acres-centa Monique.

Com os novos equi-pamentos, a ProClone te-rá condições de prestarum serviço mais elabora-do e rápido para o pri-meiro elo da cadeia pro-dutiva de plantas e flores,o chamado melhorista.Esse profissional tem es-pécimes guardados emestufas, que funcionamcomo ferramentas para pesquisas devariação genética e mutação. Comelas, é possível criar mudas com carac-terísticaspróprias, como, por exemplo,um copo-de-leite com cor diferenteou uma banana resistente a determi-nada praga. Segundo Monique, essesexperimentos visam, fundamental-mente, ao aproveitamento comercialdo resultado. No caso de flores, o me-lhorista mostra sua criação em expo-sições que funcionam como vitrinepara reprodutores de plantas e floresem busca de novidades.

Ganho de escala - Como o melhoristatem apenas algumas mudas do novoproduto, é necessária uma multiplica-ção para que o produtor possa levar aplanta para o mercado com rapidez eganho de escala. Assim, o melhoristapassa a matriz para um laboratório co-mo o da ProClone, onde é realizada amultiplicação de mudas por micropro-pagação. Após testes com o grupo deplantas para verificação da qualidade,

80 . MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Canteiros decalanchoe na

estufa: últimaetapa da

clonagem

Acima, detalhe daautoclave que esteriliza

o meio de culturausado em potes,

ao lado, paramultiplicar as mudas

é escolhido o lote a ser multiplicado emlarga escala. A próxima etapa aindaestá no mesmo laboratório, ou na cha-mada biofábrica. A muda é transforma-da em milhões de mudas, sob condi-ções controladas, em meio de cultura ecom reduzido espaço de tempo. Apósessa multiplicação, as mudas são entre-gues ao produtor, e só então sairão deseus potes para serem plantadas emcanteiros de terra da estufa, para cresci-mento, floração e conseqüente entre-ga aos distribuidores e floriculturas.

Para garantir que a muda a sermultiplicada por esse sistema está li-vre de doenças conhecidas, é feito umteste de qualidade baseado no métodoElisa (Enzyme Linked ImmunosorbentAssay). A aceitação no exterior de mu-

das donadas no Brasil passa pelo tes-te Elisa. Trata-se de um método de pa-drão internacional usado para testaras reações ocorridas com as mudas di-ante da ação de vírus conhecidos e es-pecíficos para cada planta.

Certificado de origem - O consultorcontratado pela ProClone, o pesqui-sador José Alberto Caram Souza Dias,do Instituto Agronômico de Campi-nas (IAC), acrescenta que esse teste édeterminante para obter certificadofitossanitário de origem, que compro-va a qualidade e a inexistência de ví-rus e funciona como garantia de en-trada da muda lá fora. Em seutrabalho na ProClone, Caram desen-volve máquinas para realizar o teste:

Page 81: Descobertas na selva

trata-se de uma injetora-lavadora e deum aspirador para secagem das mi-croplacas com 96 cavidades onde sãodepositadas amostras e reagentes, umaoperação que se repete por três vezescom cada amostra. O preço do conjun-to importado varia de US$ 2 mil a US$8 mil. Caram estima que as duas má-quinas adaptadas por ele custem me-nos de R$ 1 mil.

Evasão de matrizes - A maior capaci-tação técnica na produção de plantasornamentais no Brasil pode reverteruma situação no mínimo preocupan-te: a evasão de matrizes brasileiras, emque o caso mais flagrante é o de váriasespécies de orquídeas nativas que es-tão sendo reproduzi das no exterior ereexportadas para o Brasil. SegundoMonique, uma muda importada deorquídea custa R$ 4, enquanto é pos-sível reproduzi-Ia aqui a R$ 10 o lotede 50 mudas. A empresária acrescentaque existem hoje quatro grupos (gê-neros) de orquídeas com excelenteaceitação comercial - Phalaenopsis,Dendrobium, Oncidium, a chamadachuva-de-ouro, e Paphiopedilum, co-nhecida como sapatinho - e dois ou-tros também com muita procura para

reprodução: Catleya e Laelia, gênerosapreciados pelos orquidófilos, profis-sionais que reproduzem e vendem es-sas plantas em exposições e feiras. "Acoleção brasileira está bastante espa-lhada, mas a orquídea é uma plantaaltamente dependente de laborató-rio", diz Monique.

A ProClone também acelera amultiplicação do copo-de-leite (Zan-tedeschia), gênero com 40 espécies devariadas cores, que tem demandacrescente no mercado nacional. Essaplanta é importada da Holanda, massua origem é a África do Sul. Outrasplantas que compõem a prateleira da

o PROJETO

Desenvolvimento de Controlede Qualidade de Mudasem Laboratórios Coligadosde Biotecnologia

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORMONIQUE INÊS SEGEREN - ProClone

INVESTIMENTOR$ 263.000,00

ProClone são a gérbera (Gerbem), a ca-lanchoe (Kalanchoe), além de folhagenscomo samambaias (Dicksonia e Poly-podium) e filodendros (Philodendron).A ProClone também faz reproduçãoin vitro de variedades de antúrio (An-thurium) desenvolvidas e produzidaspelo IAC.

A estratégia de Monique é bastantedara: dona e desenvolve mudas que omercado deseja e se antecipa à con-corrência e ao desejo dos consumidores.Para isso inova na produção de equi-pamentos, procura brechas de merca-do e se associa a parceiros tecnológi-cos e de investimento. A empresa temseis funcionários e cinco bolsistas. Oapoio financeiro de instituições de fo-mento à pesquisa faz parte de sua ro-tina desde o início das atividades daempresa, com o Programa de Capaci-tação de Recursos Humanos para Ati-vidades Estratégicas (Rhae) do Minis-tério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Investimento na produção - Enquan-to esperava o projeto da FAPESP seraprovado, Monique cumpriu um pro-grama de trabalho de oito meses noQuênia, onde gerenciou um laborató-rio com mais de cem funcionários daCeres Vitro. Essa experiência foi im-portante para solidificar os laços em-presariais com o sócio Hendrikus Pe-trus Schouten, para a formação daProVitro. Ele,além da CeresVitro, tam-bém é proprietário da Ceres Interna-tional, com sede na Holanda.

O olhar do sócio holandês pousapelo menos quatro vezes ao ano na no-va e embrionária empresa, para a qualjá adquiriu uma área de sete hectaresna região de Holambra. Ali, tão logo oempresário identifique o momentocerto de investir, vai iniciar a constru-ção de uma biofábrica que irá produ-zir mudas donadas de várias espécies- em larga escala - com grandes pers-pectivas de exportação. O custo avalia-do para esse empreendimento é de R$1,5 milhão. Por enquanto, Moniquediz que seu sócio, em suas vindas aoBrasil, prospecta o terreno e conheceos produtores parceiros, que em suasestufas reproduzem as mudas melho-radas da ProClone. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 81

Page 82: Descobertas na selva

IIIr

II,,

HUMANIDADES

ARTES PLÁSTICAS

Pesquisa analisa a coleçãode esculturas de Edgar Degasno Museu de Arte de São Paulo

Napintura, ele esprei-

tava as bailarinas portrás das coxias. Mu-lheres nuas prestes atomar banho, cavalos

sendo preparados para a corrida, re-tratos de personalidades importantes.O francês Edgar Degas (1834-1917)foi um artista do mundo privado.Mas suas cenas intimistas não servemobrigatoriamente para retratar o coti-diano de um parisiense culto, assíduofreqüentado r da Ópera de Paris.

Considerado o menos impressio-nista dos impressionistas, Degas culti-vou o fascínio pelo movimento. Em suatrajetória artística, bailarinas clássicase cavalos de corrida adquirem impor-tância por possuírem corpos treinadospara o movimento e a repetição. A ex-pressão maior de seu estudo sobre es-ses temas está em sua obra escultóricaque, jamais exposta ao público en-quanto ele viveu, foi descoberta tardi-amente em seu ateliê, um ano após asua morte.

Ela é muito querida pelo públicobrasileiro. É difícil dissociar o nomedo Museu de Arte de São Paulo(Masp) da imagem da Bailarina deQuatorze Anos, de Degas, espécie deícone do museu, o qual possui amaior coleção de arte da América La-tina. À jovem feita em bronze, com os

82 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

braços estendidos para trás e o pé àfrente, como se ela se aquecesse parao espetáculo, juntam-se dezenas deoutras bailarinas, jóqueis, cavalos emoças em toalete. As 73 peças for-mam uma das quatro únicas coleçõ-es completas de esculturas de Degasdo mundo - outras três estão no TheMetropolitan Museum of Art, emNova York, no Musée d'Orsay, em Pa-ris, e no Ny Carlsberg Glyptotek Mu-seum, em Copenhague.

As esculturas de Degas do Maspmereceram a atenção da historiadoraAna Gonçalves Magalhães que, em no-vembro de 2000, defendeu a tese dedoutoramento Degas Escultor: Do Pro-cesso de Fundição à Coleção de Bronzesdo Museu de Arte de São Paulo (Masp),no Departamento de Artes Plásticasda Escola de Comunicação e Artes daUniversidade de São Paulo (ECAJUSP).Orientada pelo importante historia-dor da arte e professor Walter Zanini,Ana desenvolveu suas pesquisas porquatro anos com auxílio da bolsa dedoutorado da FAPESP e ainda rece-beu auxílio-viagem da instituição, oque lhe permitiu ir à Inglaterra e àFrança. Naqueles países, entrou em

Bailarina de Quatorze Anos: quando chegouao Brasil, a peça virou ícone representativoda arte de Degas no bronze

Page 83: Descobertas na selva

contato com grandes especialistas naobra de Edgar Degas, como o inglêsRichard Kendall e a francesa AnnePingeot, conservadora-chefe de escul-tura do Orsay.

"A idéia de desenvolver essa tesenasceu em 1995, quando eu realizavauma visita guiada no Masp e me de-parei com a coleção completa expos-ta", narra Ana. "Fiquei fascinada pelaspeças e percebi que com elas poderiarealizar um trabalho semelhante aodo meu mestrado", explica. Este, de-senvolvido na Universidade Estadualde Campinas (Unicamp) sob orienta-ção do professor Jorge Coli, analisavaos dois quadros do também impressi-onista Claude Monet (1840-1926)pertencentes ao acervo do Masp.

Naquele trabalho, Ana estudou acomposição da obra de Monet, preo-cupando-se com a maneira como opintor lidava com o movimento e comoestabeleceu relações entre a sua arte eas artes da fotografia e do cinema, in-cipientes naquela virada do século 19para o 20. O trabalho resultou no li-vro Claude Monet - A Canoa e a Pon-te, editado pela Editora Pontes, comapoio da FAPESP.

Como parte de sua investigaçãosobre o movimento nas esculturas deDegas, Ana fotografou cada uma daspeças da coleção do Masp. O proce-dimento teve início em janeiro de1999, após um período de levanta-Omento bibliográfico. "Isso me permi-tiu obter informações sobre o per-curso dessas obras antes de chegaremao Brasil", explica ela. Alguns indí-cios desse caminho foram rastreadosa partir de carimbos das galerias pe-las quais as esculturas passaram -pelo menos uma alemã, a GalerieFleichtheim, e uma inglesa, a Marl-borough Gallery, que as venderam aoMasp. Outros, a partir do cachê deassinatura de Degas criado pelo fun-didor das esculturas.

Nesse ponto reside a maior curio-sidade sobre a coleção de esculturasde Degas. Nenhuma das peças foi fei-ta em bronze por seu criador. "Toda afundição foi póstuma. Os materiaisoriginais eram cera, estopa, pedaçode arame, rolha, argila e plastilina,

tradas em seu ateliê. O trabalho ficoua cargo da casa de fundição de AdrienA. Hébrard.

Estando muitas delas em péssimoestado de conservação, apenas 72 pu-deram ser aproveitadas. Conformecontrato firmado entre o fundidor eos herdeiros de Degas, de cada umadelas foram feitos 22 exemplares, for-mando, assim, 22 séries, das quais 20foram colocadas no mercado. Essas20 séries foram batiza das de ''1\' a "T"e a maior parte das peças pertencentesao Masp são da série 'S',ou seja, da 19a

série comercial. "Somente uma meiadúzia não faz parte dela", diz Ana. Apeça de número 73 é justamente ABailarina de Quatorze Anos, única exi-bida por Degas em vida, na exposiçãoimpressionista de 1881. Ela foi fundi-

da separadamente das 22 séries de72 peças e dela foram feitos25 exemplares, três a mais doprevisto no contrato. Os ori-

ginais de cera das esculturas deDegas encontram-se atualmente na

National Gallery de Washington."Não se sabe muito bem como foi

o processo de fundição, mas sabe-seque ele durou pelo menos uma déca-da, a partir de 1919", diz a historiado-ra. A coleção do Masp foi adquiridaem 1951, cerca de dois anos após Gil-berto Chateaubriand e Pietro MariaBardi terem recebido uma carta de Lon-dres. O remetente era o dono da Marl-borough Gallery, que se dizia interes-sado em vender a coleção completa deDegas a um grande museu, desde queesse se comprometesse a mantê-Ia naíntegra. "Não conheço os valores, masacredito que a coleção não tenha sidomuito cara, pois havia muitos espóliosde famílias e o comércio da arte esta-va falido", observa Ana.

"O impacto da chegada das peçasao Brasil foi muito grande", afirmaLuiz Hossaka, curado r do Masp. Ele játrabalhava no museu em 1954, quandoa coleção Degas chegou ao país. "Alémdisso, Chateaubriand sabia mobilizarartistas, políticos, empresários, todomundo", diz ele.Assim que desembar-caram, as esculturas foram expostasno Palácio do Itamaraty, no Rio de Ja-neiro, e, depois, no Museu de Arte Mo-

uma espécie de material sintético",explica a pesquisadora. Após a mortedo artista, seu marchand, Ioseph Du-rand-Ruel, deixou a Albert Bartholo-mé, escultor e amigo íntimo de De-gas, a incumbência de mandar fundir150 estátuas que tinham sido encon-

Dança Espanhola:obras do artista semlimites de realismo

PESQUISA FAPESP . MARÇO DE 2002 • 83

Page 84: Descobertas na selva

derna de São Paulo (MAM-SP). Issoaconteceu mais ou menos simultanea-mente a uma exposição itinerante dacoleção do Masp por várias capitaiseuropéias, que culminou em umagrande mostra no The MetropolitanMuseum, em Nova York."Asescul-turas de Degas não foram porquese tratava de uma mostra apenasde pintura", destaca Ana. Curiosa-mente, diz a pesquisadora, quandoaquela mostra chegou a Nova York,as peças de Degas arrematadas porBardi e Chateaubriand já valiam dezvezes mais do que em 1951, quan-do foram adquiridas.

Das 6.800 obras que for-mam o acervo do Masp, os73 bronzes de Degas re-presentam a principal co-leção no que diz respeito àarte da escultura. "Sempre temos re-ceio quando elas são pedidas por mu-seus de outros países. Mas, devido àsua importância, é difícil negar o em-préstimo", diz Eunice Morais Sophia,coordenadora do acervo do museu."Entre os cuidados, exigimos que elassejam transportadas em pelo menostrês aviões diferentes, pois, caso hajaum acidente, evita-se danificar a cole-ção inteira", explica.

O meio ambiente em que as peçassão expostas também deve receber cui-dados. "Ao mudarem de um ambientepara outro, as esculturas podem se da-nificar. O ideal é que elas permaneçamem um local de umidade baixa", dizKaren Cristine Barbosa, coordenadorado Departamento de Conservação eRestauração do Masp. As esculturas deDegas do museu foram expostas emdiversas instituições americanas e eu-ropéias, como por exemplo o MuseuVan Gogh, em Amsterdã.

"É muito interessante notar que acoleção permite a realização de expo-sições completamente diferentes en-tre si", observa Eunice. "Pode-se fazeruma exposição só sobre as técnicas dobalé clássico, ou só com as cenas ínti-mas das moças no banho, ou, então,apenas de corridas de cavalos. Quan-do os curadores internacionaispedem as peças emprestadas,em geral, já têm uma idéia de

Cavaloa Galope:paixão pordança e porequitação

que forma podem aproveitá-Ias pararealizar o que desejam em suas mos-tras", diz. Luiz Hossaka relembra que,nos anos 50, era comum ver estudan-tes de desenho e de dança visitando acoleção.

A obra escultórica de Degasé rodeada por alguns mis-térios, ainda não deci-frados pela história daarte. Uma pergunta ase fazer é por que mo-tivo o mestre dapintura, herdei-ro da tradiçãodo desenho

desenvolvida por Raphael (1483-1520) e Ingres (1780-1867), teriadeixado suas esculturas escondidasno ateliê, tendo levado a público so-mente A Bailarina de Quatorze Anos."Uma hipótese defendida pelos estu-diosos até a década de 80 é que a ex-posição da Bailarina, em 1881, foraum fracasso tão grande, que Degasteria desistido de exibir suas escultu-ras", explica Ana. "Pessoalmente, pelo

que li sobre sua personalidade,acho difícil que Degas fosseum homem que se intimi-dasse com esse tipo de coi-sa",pondera.

O fato é que, em 1881, ABailarina de Quatorze Anos

não foi compreendida comouma peça escultórica. "Degas esco-lheu materiais muito alternativospara realizá-Ia. Originalmente, era decera, vestida com um tutu de balé eum corpete de pano de verdade. Nacabeça, um laço de fita e uma peruca",relata Ana. "Para o século XIX, aque-les eram materiais facilmente utiliza-dos em um esboço e não em umapeça acabada", continua. Havia, tam-bém uma contradição, pois a cera eraum material muito utilizado nos

museus de ciência e de cera, parafazer peças ultra-realistas. E abailarina de Degas brincava comeste aspecto realista, a começar

Bailarinafazendo areverência

84 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 85: Descobertas na selva

Mulher Lavando:artista começou

a fazer esculturasainda jovem, antes

da pintura

pelo tamanho, equiva-lente a dois terços do natural.Porém, depois que a coleção escultó-rica de Degas veio a público, a jovembailarina virou um sucesso. "Quandochegou ao Brasil, a bailarina já eraum ícone representativo da obra deDegas", diz ela.

Linguagens - Muitos teóricos acredi-tam que Degas costumava deixar asesculturas longe do público pois servi-riam de esboço para seus desenhos epinturas. Outros acham que sua rela-ção com a escultura só tenha se in-tensificado nos últimos anos de vida, !

quando, paulatinamente, foi per-dendo a visão, em função de um aci-dente que sofrera durante a guerrafranco-prussiana. "Sem dúvida, a pin-tura sempre foi o cartão de visitas daobra de Degas, mas durante toda avida ele trabalhou em diversas lin-guagens com a mesma intensidade",explica Ana.

"Ele desenvolveu a escultura desdecedo, na década de 1860. Um dos pri-meiros cursos em que se inscreveuna Escola de BelasArtes foi o de escul-tura. Então, o que talvez tenha aconte-cido é que ele acreditava que sua es-cultura ainda não chegara a umamaturidade a ponto de ser exposta",conclui a pesquisadora. Algo com-preensível para um artista contem-

porâneo a Auguste Rodin (1840-1917), segundo hipóteses levantadasna tese da pesquisadora.

Por outro lado, conforme ela diz,de fato, a cegueira contribuiu para aaproximação do artista do trabalhotridimensional. "Mas, a certa altura,em 1912, Degas foi obrigado a aban-donar o prédio onde mantivera seuateliê. Ele ficou muito mal e começoua perambular pelas ruas de Paris. Aca-bou abandonando a pintura'Lrelata ahistoriadora.

Entre as informações históricasdescobertas por Ana a partir do manu-seio e das fotografias feitas das peças,está a de que elas devem ter pertencidoa uma importante galeria alemã nadécada de 20, a Galerie Fleichtheim. Omarchand, que também foi editor de

o PROJETO

A Coleção de Esculturasde Edgar Oegas no Masp

MOOALIOAOEBolsa de doutorado

ORIENTADORWALTER ZANINI - Departamentode Artes Plásticas da Escolade Comunicação e Artesda Universidade de São Paulo(ECA/USP)

INVESTIMENTOR$85.824A2

uma expressiva revista alemã de artemoderna, migrou para a Inglaterra coma ascensão do nazismo, o que dá umapista sobre como as esculturas foramparar em Londres. As peças tambémpossuem carimbos da alfândega fran-cesa, os quais eram muito utilizados,até a década de 40, cada vez que umaobra de arte saía do país.

Para compreender o processo detransformação de esculturas feitas emdiversos materiais em trabalhos feitosde bronze, Ana teve de visitar o ateliêde artesãos especializados na técnicada cera perdida. Nessa técnica, umapeça original é envolvida por gesso, oqual dá origem a uma fôrma. Essafôrma é recheada de cera. O conjuntoé levado a um forno em alta tempera-tura, com o qual a cera derretida dei-xa a fôrma por um orifício. A partirdaí, a cavidade do recipiente serve dereceptáculo para o bronze e a peçaoriginária é reproduzida tal e qual oseu original.

"É curioso notar que o fundidorpreocupou-se em reproduzir as peçasexatamente da forma como Degas asdeixou': diz Ana. Marcas de ferramen-tas, ausência de braços ou detalhes fo-ram mantidos, o que mostra que nãohouve preocupação, por parte do fun-didor, em tentar imaginar que resulta-do final diferente o artista desejava.

Segundo Ana, seria necessárioimplementar técnicas mais sofistica-das para identificar outros detalhessobre o processo de fundição dos bron-zes de Degas. O uso dos raios X, porexemplo, permitiria identificar comoforam moldadas as peças: se foramfundidas por partes ou soldadas domesmo modo.

"Essa coleção de esculturas é umadas prediletas do público. Por isso tam-bém temos pena quando ela é em-prestada a outras instituições", diz Eu-nice. É bom notar que o cuidado comas moças e cavalos de Degas é tanto,que os laços nos cabelos das bailarinasda exposição não são os originais. Es-tes estão preservados na reserva técni-ca. Hoje, duas dúzias de esculturaspodem ser vistas no segundo andardo Masp, ao lado de duas telas doartista francês. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 85

Page 86: Descobertas na selva

• HUMANIDADES

HISTÓRIA

A repressão arquivada emnome dos ideais do golpe

de 1964: mapeando oterror de forma temática

Uma história feita de papel

A·agem de mi-

lhares de pastascontendo umainfinidade derelatórios,

memorandos, ofícios, tele-gramas, termos de decla-ração, informes e notas,amarelados e ordenados de acordocom critérios inicialmente desconhe-cidos fornece uma idéia precisa do in-tenso trabalho realizado por pesqui-sadores financiados pela FAPESPsobre os arquivos do Deops/SP (Dele-gacia Estadual de Ordem Política eSocial), um dos mais importantes ór-gãos do aparato repressivo da HistóriaRepublicana Brasileira.

Durante 59 anos, entre 1924e 1983,uma polícia política, preocupada ex-clusivamente em perseguir idéias, teveforte atuação no Brasil, mesmo nosmomentos em que o país vivia distan-te dos estados de exceção registradosentre 1930-1945 (governo de Getúlio

Dois projetos trazem à luz os muitosdocumentos guardados nos porõesdo Deops/S P de 1940 a 1983

Vargas) e entre 1964-1985 (Regime Mi-litar). Exercendo simultaneamente aprevenção e a repressão de crimes, essapolícia se notabilizou pelo emprego demétodos ilegais e violentos.

Pessoas "perigosas" - A enorme quanti-dade de documentos inéditos do ar-quivo do Deops/SP vem sendo siste-matizada, decodificada, analisada einterpretada desde 1994,quando final-mente o acervo foi aberto à consultade pesquisadores e transferido para oArquivo do Estado de São Paulo. São150 mil prontuários de pessoasou ins-tituições consideradas "perigosas" à se-gurança do Estado, além de 6,5 mil

86 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

dossiês - esses com ainda maior vari-edade documental, somando 2 mi-lhões de diferentes tipos de registros,1,1 milhão de fichas remissivas e9.636 pastas codificadas alfa-numeri-camente.

Dois projetos financiados pela FA-PESP, envolvendo numerosos pesqui-sadores, desde estudantes de graduaçãoque têm bolsas de iniciação científicaaté mestrandos e doutorandos sob acoordenação de professores doutores,acrescentam conhecimentos e estimu-lam a construir uma nova versão paraa história contemporânea do Brasil. OProjeto Integrado (Proin) Arquivo/Universidade e o Projeto Mapeamentoe Sistematização do Acervo Deops/SP:Série Dossiês (1940-1983) envolvemduas instituições: a Universidade deSão Paulo (USP) e o Arquivo do Esta-do de São Paulo.

O ambicioso Proin mapeia osprontuários e já publicou sete volu-mes da Coleção Inventário Deops, de

Page 87: Descobertas na selva

diferentes módulos temáticos, comoresultado. Até o final de 2004, en-quanto será custeado pela FAPESP,lançará outros 20 livros. O projetotambém abrange a Coleção Teses &Monografias, com um volume publi-cado e outros dois no prelo. As ediçõ-es são fruto de parceria entre o Arqui-vo e a Imprensa Oficial do Estado deSão Paulo.

A Série Dossiês acaba de lançar oprimeiro volume: No Coração das Tre-vas: O Deops/SP Visto por Dentro. Em31 de março, dia de aniversário dogolpe de 1964, o Projeto Mapeamento eSistematização do Acervo Deops/SP daráà sociedade um banco de dados pormeio do qual será possível estabelecerdiversos cruzamentos entre as informa-ções desejadas pelos pesquisadores. Emsetembro, no Encontro Regional deSão Paulo da Associação Nacional deHistória (Anpuh), realizado em Fran-ca, serão lançados outros quatrolivros, com todo o temário cons-tituído no banco de dados econclusões do projeto.

Coordenação" O Proin Arqui-vo/Universidade ou ColeçãoInventário Deops/SP e Teses &Monografias foi coordenadopor Maria Luiza Tucci Carnei-ro, do Departamento de Histó-ria da Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras da Universida-de de São Paulo (FFLCH-USP),responsável pelos inventários;por Boris Kossoy, do Departa-mento de Jornalismo e Edito-ração da Escola de Comunica-ções e Artes (ECA/USP), queresponde pela parte iconográfi-ca do projeto; e pelo responsávelpelo acervo do Deops/SP, Faus-to Couto Sobrinho, diretor doArquivo do Estado, o ambiciosoProin lançará ainda este anomais seis volumes. Até 2004, se-rão 20 volumes da Coleção In-ventário Deops divididos emmódulos temáticos que abor-dam comunistas, japoneses,anarquistas, polícia política,geopolítica do controle, meiosde informação e propaganda

política, iconografia, religião, gruposétnicos e de gênero e operariado. Es-tão envolvidos 16 bolsistas de inicia-ção científica, seis mestrandos e qua-tro doutorandos.

"O início da coleção, em 1997, par-tiu de um convite do Instituto Goethepara participar de uma exposição queseria organizada no Centro CulturalSão Paulo e cuja temática eram osalemães refugiados no Brasil", contaa professora Maria Luiza. ''A partir danecessidade de localizar documen-tos sobre a Alemanha, diante daquelaenormidade de prontuários, senti-mos falta de um banco de dados quenos facilitasse a localização de docu-mentos por temáticas. Daí surgiu aidéia do projeto."

O volume inaugural da série In-ventário Deops, intitulado Alemanha,foi publicado em 1997. Ana Maria Die-trich, Elaine Bisan Alves e Priscila Fer-

Foto de Prestes discursando, tirada em 1946

reira Perazzo foram as autoras da pes-quisa, que teve grande repercussão,merecendo algumas páginas de repor-tagem na revista alemã Der Spiegel.Priscila continuou pesquisando osdesdobramentos do tema em seu mes-trado (O Perigo Alemão e a Repressão,publicado na coleção Teses & Monogra-fias) e em seu doutorado, a ser defen-dido em abril, que se chama Prisionei-ros de Guerra - Os Cidadãos do Eixonos Campos de Concentração Brasilei-ros (1942-1946). Essa tese será igual-mente publicada pela Teses & Mono-grafias, coleção idealizada para ostrabalhos de pós-graduação strictosensu, enquanto os trabalhos origina-dos de alunos de iniciação científicaintegram a Inventário Deops.

Espionagem" "Nós fomos o primeirogrupo a trabalhar com os alemães, des-conhecíamos a organização interna do

Deops/ SP, mas conseguimos le-vantar dados sobre as organiza-ções de espionagem e ideário na-zista, que começam em 1940 eem 1942 foram desbaratadas':explica a pesquisadora Priscila."Estima-se que havia cerca de200 dessas organizações espa-lhadas por São Paulo, pelo Riode Janeiro, Recife e por toda aRegião Sul do Brasil."

A professora Maria Luizafala sobre o êxito da série inau-gurada pelo volume Alemanhae os resultados a que chegou atéagora: "Hoje temos um modelode projeto de pesquisa que setornou oficial, sugerido pelaFAPESP. Chegamos a uma pro-posta de banco de imagens e debanco de dados de documentosescritos, que já foi colocado àdisposição do público há doisanos", conta a pesquisadora."No Arquivo do Estado temosuma sala de informática equipa-da. Os consulentes podem teracesso ao banco de dados com aparte iconográfica, ou seja, épossível chamar o item deseja-do por uma palavra-chave. Sequeremos fotografias sobre na-zismo, aparecerão na tela não só

o

!

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 87

Page 88: Descobertas na selva

as fotos, mas a identificação eoutras referências a ela ligadas."Essebanco de dados é alimenta-do concomitantemente comtextos escritos e material icono-gráfico, diz Maria Luiza.

Para o professor Boris Kossoy,a inovação da metodologia doprojeto, que leva os alunos a au-las no Arquivo do Estado, é quepela primeira vez os estudantestrabalham com documentos. Sãohistoriadores que têm em mãosdocumentos inéditos para se-rem descritos e interpretados."O documento deixa, então, deser mera abstração, passando aser algo real. Isso tem desper-tado um interesse muito gran-de e essas turmas vêm se reno-vando desde 1996. Este é osétimo ano do trabalho e acada dia o entusiasmo demons-trado pelos alunos é maior", dizKossoy.

Ainda neste ano serão lan-çados outras obras. Cultura A-mordaçada. Artistas, intelectu-ais e músicos sob a vigilânciado Deops, 1930-1945), de Ál-varo G. Antunes Andreucci eValéria Garcia de Oliveira, den-tro do módulo dos comunistas,O "perigo amarelo" segundo alógica da desconfiança (1938-1945), que integra o módulodos japoneses, e também Naboca do sertão: o perigo no inte-rior do Estado, de Beatriz deM. Brusantin, que inaugura oMódulo geopolítica do controle.

Decodificação - O Projeto Mape-amento e Sistematização do Acer-vo Deops/ SP: Série Dossiês(1940-1983) foi organizadopelos pesquisadores MariaAparecida de Aquino, MarcoAurélio Vannuchi Leme de Ma-tos e Walter Cruz Swensson Jr., todosdo Departamento de História daFaculdade de Filosofia Ciências eLetras da USP. Além de analisar empormenores os bastidores de criaçãoe estabelecimento do órgão repressivoque "não buscava o criminoso a par-

88 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

r----------------------------------,~,.S·,•. 1B.QUIVE-st:\. D.O.P.".I ~~

eoor e e or.na a . :

• ••• • •• •com dez pessoas cada, com-posta por alunos graduandos ejá graduados em história tra-balhando com afinco e dedica-ção. Ao final, pudemos dizeralgo como 'Abre-te Sésamo!'diante da decifração dos códi-gos", afirma Maria Aparecida."Mesmo porque a série Dossiêsfoi produzida pelo serviço se-creto do Deops/SP, que ocupa-va posição estratégica dentro daestrutura administrativa da de-legacia."

Segundo Maria Aparecida,os prontuários têm mais forçana década de 30 e os dossiês noperíodo militar. Entre 4S e 64,período de democracia e esta-do de direito, o Deops/SP nãodeixou de atuar. O aparato re-pressivo não se calou. "Todoesse nosso trabalho significaque não basta acabar com a di-tadura, mas que os limites dademocracia se conhecem me-lhor estudando esses arquivose as histórias que nos trazem",afirma a pesquisadora. "Hojese pode conhecer mais o senti-do do autoritarismo no Estadobrasileiro, o que é o pensamen-to de um Estado repressivo eautoritário. Se conhece mais ocoração das trevas, com essa do-cumentação mapeada e siste-matizada."

A GRANDE1~!!!!J CRISE

DO CAPITALISMOMODERNO

porG~yBanadOugh

Banco de dados - Os quatro vo-lumes da série Dossiês Deops/SPque serão lançados em setem-bro, além das explicações sobreo banco de dados que foi consti-tuído, mostrarão "pesquisasverticalizadas e profundas" so-bre algumas das possibilidadesde pesquisa inauguradas peloarquivo. Um dos volumes falarásobre o ex-governador paulista

Ademar de Barros, outro a respeito doII Exército e o aparato do DOI/ Codi,um terceiro dos arquivos secretos doServiço Nacional de Inteligência(SNI) e um último sobre os relatóriosdos agentes infiltrados em organiza-ções clandestinas. •

, - I "

Exemplar do jornal Opinião, arquivada em 75

~Poemasd F\.

Ia Gnerraeu Espana

-<I

Volante de Distribución Gratuita Editadopor el Comité Ejecutivo Nacional dei Partido

Socialista

-. 1937Panfleto apreendido pela polícia brasileira

tir do crime, mas sim o crime atravésde seu (suposto) criminoso': os pes-quisadores envolvidos trabalharamquatro anos na decodificação dosdossiês, que receberam códigos alfa-numéricos cujo significado precisouser decifrado. "Foram duas equipes

Page 89: Descobertas na selva

Aviso importanteSe você já recebe mensalmentea revista Pesquisa FAPESP e desejacontinuar a recebê-Ia, acesse

www.revistapesquisa.fapesp.bre preencha o formuláriocom seus dados. O objetivodo recadastramento é melhorar nossosistema de distribuição

Pesql!!~a

Page 90: Descobertas na selva

• HUMANIDADES

DIPLOMACIA

o quixote liberal da repúblicaLivro recupera as idéiasde Oliveira Lima, opioneiro da nacionalidade

Manoel de Oliveira Lima (1867-1928) - historiador e diplo-

mata recifense - foi um destacado in-telectual de um período decisivo dahistória do Brasil, a passagem do Im-pério para a República. Além da mu-dança de regime de gover-no, essa fase tem particularrelevância, pois marcou ofim do alinhamento doBrasil com a Inglaterra e oinício da tutela dos Esta-dos Unidos. Membro doserviço diplomático entre1890 e 1913, Oliveira Limaconsagrou boa parte dosseus escritos à reflexão sobretemas importantes para acompreensão dessemomen-to histórico, que mostram oprocesso de construção doEstado Nacional e os deba-tes em tomo da noção de na-cionalidade.

Esquecido durante déca-das, Oliveira Lima está sain-do do ostracismo graças àhistoriadora Teresa Mala-tian, professora da Univer-sidade Estadual Paulista(Unesp), que dedicou-lheuma tese de livre-docência,apresentada em 1999e ago-ra publicada: Oliveira Lima ea Construção da Nacionali-dade (Edusc/FAPESP, 2001,460 págs.). A pesquisa con-tou com o apoio financeiroda FAPESP, que concedeuuma bolsa de pós-douto-rado no exterior à autora.

90 . MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

hoje o papel de Rio Branco. OliveiraLima ficou com fama de bom histo-riador e de diplomata rebelde", comen-ta a pesquisadora. Um dos raros in-telectuais a assumir a influência deOliveira Lima foi Gilberto Freyre, queadmirava sua capacidade de obser-vação e a densidade de suas descri-ções. Freyre chegou a elaborar um es-tudo sobre o conterrâneo, Oliveira Lima:D. Quixote Gordo (1970).

"A qualidade das descrições é omelhor da produção de Oliveira Lima':

avalia o historiador Joséo Iobson de Andrade Arruda,'! que explica o esquecimentoª da obra do diplomata por

sua identificação com a his-toriografia positivista, domi-nante entre o fim do século19 e o início do 20. "Com aemergência da historiogra-fia marcada pelo marxis-mo, baseada na análise, nareflexão e na conceituação,os textos de Oliveira Limacaíram no limbo, pois erammuito empíricos", afirma.Outra grande virtude dodiplomata pemambucanoera a sua enorme capacida-de para coletar documentos,como livros e manuscritos -muitos deles raríssimos -,desenhos e pinturas. Sua bi-blioteca, que tem um acervode 16 mil itens, está em Wa-shington, na Catholic Uni-versity of America, onde ohistoriador lecionou depoisde sua aposentadoria comodiplomata. A coleção acabouindo para os Estados Uni-dos, pois o Itamaraty se re-cusou a pagar o transportepara o Brasil. Além de co-lecionador voraz, OliveiraLima manteve uma corres-

A pesquisadora começou a se inte-ressar por Oliveira Lima há algunsanos, quando estudava o pensamentomonárquico no Brasile se deparou coma penetração das idéias liberais do di-plomata. "Por ser autor de uma obrahistórica e ter entrado em vários con-flitos com o Barão de Rio Branco -ministro das Relações Exteriores - aolongo da gestão deste à frente do Ita-maraty (1902-1912), Oliveira Limafoi marginalizado pela historiografiadominante, que exaltou e exalta até

Oliveira Lima: história o colocou à sombra de Rio Branco

Page 91: Descobertas na selva

ing

pondência regular com mais de umacentena de personalidades de seu tem-po, como Euclides da Cunha e Macha-do de Assis, o que permite recomporgrande parte do ambiente cultural edo pensamento brasileiro na época.

Hoje, as descrições de Oliveira Limapodem ser vistas com novos olhos, se-gundo Arruda. "Em D. João VI no Bra-sil (1908), o diplomata mostra umanotável capacidade para descrever oseventos da corte. Ele é de certo modoum precursor da história do cotidiano':diz. Baseado em documentos inéditos,o livro mostra um D. João VI muitodiferente do descrito pela historiogra-fia portuguesa, que o considerava comouma figura burlesca e indolente. ParaOliveira Lima, trata-se de um "rei hu-manizado e popular, dotado de argú-cia camponesa, ardiloso, perspicaz",escreve Malatian. O diplomata concebeo monarca como o fundador da nacio-nalidade brasileira, que foi desenvolvi-da pelo Império. As concepções do na-cional formuladas por Oliveira Lima sebaseiam nas três raças que se misturam,no Estado-nação e no cristianismo. Ateoria das três raças integra os câno-nes historiográficos do século 19, com apreponderância do homem branco,legitimando a dominação das elites. OEstado - que organiza a nação e lhe dáidentidade - demonstraria a supe-rioridade do branco. O cristianismo é'valorizado apenas enquanto instru-mento civilizatório, paralelo e disso-ciado do Estado.

Os relatos sobre as impressõesprovocadas por alguns dos paísesonde viveu são outro ponto alto desua obra. Teresa Malatian consideraque o mais interessante deles No Ja-pão: impressões da terra e da gente(1903), reeditado em 1905 e 1997. Nolivro, o diplomata observa o Japão e asociedade japonesa combinando des-crição, sensações pessoais, história,sociologia, etnografia e especulaçõespsicológicas. Oliveira Lima foi umdos primeiros brasileiros a viajar aopaís, que na época se abria ao Oci-dente e iniciava uma política expan-sionista na Ásia, e mostra lucidez aoperceber o país como uma potênciaemergente.

Pensador de peso: diplomata rebelde

O fato de ter exercido a atividadediplomática está intimamente ligadoà evolução do pensamento do histo-riador. Serviu sucessivamente em Lis-boa (1890-1896), Washington (1896-1900), Londres (1900-1901), Tóquio(1901-1903), Caracas (1905-1906) eBruxelas (1908-1912). Com exceção deTóquio e Caracas, sempre esteve empostos de observação privilegiados daconjuntura internacional, linhas defrente na execução da política externabrasileira. Além disso, dispunha de ex-cepcionais condições de pesquisa,pois tinha acesso a documentos di-

o PROJETO

Oliveira lima e a construçãoda nacionalidade

MODALIDADEBolsa de pós-doutorado

COORDENADORATERESA MALATIAN - Faculdade deHistória, Direito e Serviço SocialUnesp/F ranca

INVESTIMENTOUS$ 5.141

plomáticos. As andanças determina-ram mudanças em seus pontos de vis-ta, de modo que não se pode entendersua obra sem conhecer sua vida. A pes-quisadora leva isso em conta, pois suaanálise repassa ambas cronológica esimultaneamente.

"Ele viveu no Portugal monárqui-co, foi discípulo de Oliveira Martins -historiador português monarquista -e conviveu com os monarquistas bra-sileiros exilados em Lisboa. Por outrolado, Oliveira Lima era um diplomatanomeado pela República, num mo-mento de renovação de quadros emque a diplomacia devia fazer uma pro-fissão de fé republicana", diz. Por de-ver de ofício, escreveu textos republi-canos, destinados a criar uma imagempositiva do Brasil no exterior que con-tribuísse para dar credibilidade aopaís junto aos investidores europeus.

Sua convicção monárquica come-çou a aparecer entre 1903 e 1904, pe-ríodo que passou no Brasil e se forta-leceu a partir de 1908. Apesar de nuncater aderido ao movimento monarquis-ta organizado, Oliveira Lima insistiana idéia da unidade nacional brasilei-ra como obra do Império, período deestabilidade política e institucional.Durante o ano vivido na Venezuela,tomou contato com a instabilidade dosregimes republicanos da América La-tina, dominados por caudilhos. O te-mor que o caudilhismo pudesse se ins-talar no Brasil a partir das constantescrises que envolveram os vários go-vernos republicanos, desagregando aunidade nacional, reforçou sua defesade um governo centralizador.

Os pendores monarquistas deOliveira Lima devem ser entendidostambém como conseqüência de suascontrovérsias com Rio Branco, dodesencanto com a diplomacia repu-blicana, que, a seu ver, privilegiava aquestão das fronteiras em detrimen-to das relações comerciais com o ex-terior. A ponto de defender uma po-lítica de aproximação do Brasil coma América Latina como contrapontoao expansionismo econômico e polí-tico dos Estados Unidos, alinhadocom a velha proposta de Simón Bolí-var em 1825. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 91

Page 92: Descobertas na selva

• HUMANIDADES

ANTROPOLOGIA

Capitalismo comcara brasileira

Estudo revela asparticularidades da gestãonacional de empresas

MARIA I ÊS NASSIF

AlObaliZaçãOdo capital

e das comunicaçõesincorporou anglicis-mos à língua por-tuguesa, interna-

cionalizou a tecnologia e o fast-food,pasteurizou a moda e trouxe àsemissoras de rádio e televisão músi-cas, assuntos e sentimentos de cultu-ras alienígenas. Não ocorreu, no en-tanto, a devastação da brasilidade.Ela persiste inclusive no ambiente detrabalho das grandes multinacionaisinstaladas no país. Os brasileiros quelá trabalham estão vestidos de umacarga cultural própria, diferente dacultura do capital que os submete, edesconhecer isso pode comprometero sucesso econômico de qualquerempreendimento.

Após 15 anos de pesquisa emempresas nacionais, multiaácionaise estatais, seis deles com financia-mento da FAPESP, o antropólogoGuillermo R. Ruben consta ou queas empresas não são caixas de ferro,impermeáveis à brasilidade. Ruben éo coordenador do projeto Culturas

92 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 93: Descobertas na selva

Empresariais Brasileiras: Estudo Com-parativo de Empresas Públicas, Priva-das e Multinacionais, que hoje envolvequase cem pesquisadores da Univer-sidade Estadual de Campinas (Uni-camp), com ramificações pela Uni-versidade Federal do Espírito Santo(UFES), Universidade Federal Flumi-nense (UFF) e Escolade Administraçãodo Estado de São Paulo (EAESP), daFundação Getúlio Vargas (FGV).

O projeto temático foi inspiradonas pesquisas feitas por Ruben em1987, em urna empresa binacional, decapital brasileiro e argentino. "A em-presa tinha tudo: capital, tecnologia epessoas instruídas e despidas dos pre-conceitos que existem entre brasilei-ros e argentinos': conta o antropólo-go, ele próprio nascido argentino enaturalizado brasileiro. No entanto,discordava-se em um detalhe: os bra-sileiros queriam instalar a fábrica emAlphaville, em Barueri, e o escritóriona avenida Paulista - um endereçoavaliado pelos "nacionais" como umícone do sucesso, como um showroomda empresa. Os argentinos desejavammanter escritório e fábrica juntos.

"Parece uma discussão tola, mas amotivação dela era inconsciente, cultu-ral", explica o antropólogo. No Brasil,a herança escravista isolou o trabalhomanual, o chão de fábrica, do capital."Anossa matriz de trabalho separa mui- ,to claramente, até hoje, a casa gran-de e a senzala': afirma. Na Ar-

gentina, onde a escravidão foi abolida70 anos antes da brasileira e teve pou-ca expressão econômica, a referência éoutra. "Ariqueza do país vizinho era ogado, que não precisava de muitamão-de-obra - ao contrário, depen-dia mais dos olhos do dono", observa.

Foi o primeiro trabalho feito porRuben utilizando os instrumentos teó-ricos tradicionais da antropologia -aqueles usados para analisar socieda-des primitivas - na sociedade moder-na. De lá para cá, já como coordena-dor de uma equipe multidisciplinarda Unicamp, o antropólogo viu oprojeto se expandir para as relaçõesde trabalho em empresas grandes, pe-quenas, estatais e privadas.

Aspectos brasileiros - Em 1996, a FA-PESP passou a financiar o projeto te-mático dos pesquisadores da Uni-camp, da EAESP e UFF. O projetopropunha-se a "caracterizar os aspec-tos tipicamente brasileiros capazes deinfluenciar na gestão e no desenvolvi-mento do processo pro-dutivo de qualquertipo de empresa

neste país e mapear identidades e dife-renças entre empresas públicas, priva-das e multinacionais que atuam aqui':

A antropologia é avessa a generali-zações. Os componentes culturais "lo-cais" observados nas empresas estu-dadas são considerados apenasnaquele universo. Como os instru-mentos utilizados pela equipe paraanalisar as empresas são os da etnolo-gia, os pesquisadores insistem quecada caso é único. Mas o coordenadordo projeto consegue apontar "proces-sos sociais à brasileira': comuns aoscasos pesquisados. Um deles é a formade lidar com o poder e a hierarquia: osbrasileiros constroem e reconstroemconstantemente as regras, em oposi-ção a culturas empresariais mais rígi-das, como a alemã, a nipônica oumesmo a norte-americana. "Este fatomuitas vezes desorienta os estrangei-ros e é fonte permanente de conflitos':afirma Ruben. Da mesma forma, exis-te uma tendência dos brasileiros, noambiente de trabalho, de evitar o con-flito, em vez de resolvê-lo. Os pesqui-sadores também observaram, em em-presas brasileiras, uma abertura maiorpara "ouvir" o de fora, mas uma ten-dência igualmente grande de minimi-zar a contribuição do outro.

"A empresa é movida à cultura,não apenas por lucros", afirma o an-tropólogo. O núcleo de pesquisas doprojeto, certamente, aferiu essa afir-mação. Após penoso trabalho deaproximação com as empresas, aspesquisas hoje envolvem um univer-so razoável de empresas, dos mais di-ferentes perfis.

Brasil e Japão - Uma das pesquisas,por exemplo, foi feita no Banco Amé-rica do Sul, fundado pela colônia ni-pônica brasileira na década de 1940.Ainstituição financeira, comandadapor japoneses nascidos no Brasil, ten-tava sobrepor as culturas brasileira enipônica. Era uma forma de manterintocado o universo ritual da culturaempresarial nipônica, que envolvia eorientava apenas os descendentes dejaponeses (40%) e excluía os brasilei-ros (60%). "O problema do banco nãofoi financeiro, mas de duas culturas

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 93

Page 94: Descobertas na selva

em choque", afirma o an-tropólogo. Os conflitosculturais foram os respon-sáveis por uma imensa cri-se na sua administração. Adivisão entre nipônicos ebrasileiros, no mínimo, di-ficultou as decisões deconsenso, que para os Ja-poneses é fundamental. Obanco enfrentou dificul-dades por causa disso. An-tes de quebrar em definiti-vo, Viveu uma pequenafase de crescimento, quan-do reconheceu o erro etentou incluir os 60% nosseus rituais empresariais."Mas aí já era tarde", acres-centa Ruben.

Os resultados dos estu-dos de campo mostramque é um equívoco geren-cial importar modelos de administra-ção. "Eles não têm a ver com o nossoestilo de vida", diz o pesquisador. Oconflito cultural acaba sendo o gran-de responsável pelo fracasso de asso-ciações de capital nacional com em-presas estrangeiras. "Não temosestatísticas muito precisas, mas calcu-la-se que 90% das joint ventures cons-tituídas no Brasil não deram certo",afirma. Foi o caso, por exemplo, daGevisa (associação entre a GeneralEletric, a Villares e o Banco Safra nosanos 80/90) e da experiência fracassa-da da Autolatina.

As diferenças - mostram as pesqui-sas derivadas do projeto temático -também são regionais. A antropólogaKátia Muniz, da Unicamp, pesquisouduas fábricas de uma mesma empresaholandesa, uma sediada em Vinhedo(SP) e outra no Recife (PE). A inten-ção era a de comparar, nas duas, as re-lações de poder e hierarquia e, princi-palmente, a relação entre o homem ea mulher no ambiente de trabalho.

Assédio sexual - Ao contrário do quepoderia supor o senso comum, a an-tropóloga constatou que o relaciona-mento entre homens e mulheres nafábrica no Recife era de cooperação;em Vinhedo, de completa hostilidade.

94 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

"Em Pernambuco, estado considera-do machista, o homem era mais pres-tativo, cooperava com a mulher", con-ta Ruben. "Em Vinhedo, ao contrário,havia uma relação de dominação dohomem sobre a mulher muito forte,que beirava o assédio sexual", relata.

O antropólogo Alcides Guczi, aopesquisar duas empresas espanholas,a Telefônica e o banco Banespa/San-tander Viscaya, com a proposta deentender "a reconquista da América

, Latina pelos espanhóis", deparou-secom uma outra variável cultural:existia uma arraigada cultura dosfuncionários das ex-estatais, quemantinham antes uma relação quasefamiliar com os seus empregos antesda privatização. A gerência espanholagerou, além de um conflito interno, a de-sestruturação pessoal dos funcionári-os remanescentes. A "cultura banes-piana", já ameaçada quando daintervenção federal no banco, foisimplesmente "destroça da" com aprivatização para o Santander.

Ser funcionário do Banco do Bra-sil, também, era quase um projeto devida. As investidas do governo federalsobre o quadro funcional do bancoproduziram um somatório de dramaspessoais, segundo pesquisa feita porLia Caravaglio Rodrigues, da Uni-

campo ''As políticas em relação às em-presas públicas mudam de acordocom o governo - e este foi um dosmais sangrentos do mundo em rela-ção às estatais", afirma Ruben. Segun-do Lia, no Plano de Demissão Volun-tária (PDV) de 1995 saíram cerca de13.500 funcionários, de um total de107.000. Nos dois anos seguintes de-mitiram-se mais 29.611. "No final de1997, ocorreu uma redução de 42.980funcionários, ou cerca de 37% do to-tal existente em dezembro de 1994",constata a antropóloga.

A mudança da política do Estadoem relação à empresa produziu suicí-dio, alcoolismo e segregação. "Todas asmetáforas usadas pelos funcionáriosdo banco eram metáforas familia-res", relata Ruben. "Dediquei minhavida ao banco e fui traído por ele" -essa era a representação mais comumdas frustrações pessoais decorrentesda quebra do padrão de relaciona-mento entre o governo e a instituiçãofinanceira estatal. Segundo Lia, noano posterior ao Plano de DemissãoVoluntária - um processo que tevemuito pouco de voluntário - regis-traram-se 20 casos de suicídios (oitorelacionados com o endividamento daspessoas com o banco, quatro no de-correr do PDV e oito após o PDV).

Linha de montagem de Fusca na Autolatina, em 1993: fracasso da join venture no Brasil

Page 95: Descobertas na selva

SaquesExtril!DS

Pag.lmt'nfOSTlansfer~n'ldS

Iorganizações complexaspodem ser objeto de estudoda antropologia - superouas expectativas. E decorredo enfrentamento de trêsgrandes dificuldades. A pri-meira delas foi a de adaptaros conceitos clássicos da an-tropologia ao mundo mo-derno. "Nós nunca abrimosmão dos conceitos clássicosde cultura, mito, relação fa-miliar, parentesco, repre-sentações e gênero", afirma.A segunda foi enfrentar areação dos colegas antropó-logos. "Eles não chegaram aser hostis, mas foram céticos';conta Ruben. A última, foi ade convencer as empresas deque antropólogos podiamcumprir um papel estu-dando as relações interpes-

soais entre os seus funcionários.Vencidas as dificuldades, já com o

reconhecimento da Associação Brasi-leira de Antropologia, o grupo que as-sumiu o desafio de pesquisar relaçõ-es de trabalho como quem investigauma comunidade indígena - com aconvicção de que, qualquer que sejao agrupamento humano, as relaçõessão dadas por matrizes culturais -passou a denominar a especialidadecomo Etnografia do Capitalismo.

O ramo do conhecimento, naconcepção de Ruben, pode ter muitautilidade para as empresas entende-rem suas dificuldades internas. "Esta-mos preocupados com isso porque oenfraquecimento das empresas levaao empobrecimento do Brasil", diz oantropólogo. O conceito de que a em-presa é uma criação cultural, que vivee é organizada nos padrões locais,está sendo assimilado, à custa de fra-cassos gerenciais, por algumas empre-sas multinacionais. O executivo-pa-drão de tempos atrás era o estrangeiroque não tinha compromisso com opaís, ficava aqui por alguns anos, viviaem guetos, fazia um pé-de-meia e vol-tava para o lugar de origem. Hoje, háum número cada vez maior de brasi-leiros comandando, no Brasil, empre-sas de capital estrangeiro. •

Banco do Brasil: implantação de novas tecnologias também provocam problemas na empresa

Não quantificados, mas incluídos napesquisa - que se propunha a umaanálise qualitativa - estão os casosde alcoolismo, enfartos, ameaças desuicídio, depressão e afastamentopor Lesões por Esforço Repetitivo(LER).

A inovação tecnológica tambémé a imposição de um padrão cultural- e, de certa forma, há problemas naincorporação de novas tecnologiastanto por parte da empresa comodos funcionários. É o que constata-ram os antropólogos em uma outrapesquisa do projeto temático, ao qualforam também incorporados ]acquesWainer (Ciências da Computação) eo cientista político Tom Dywer, am-bos da Unicamp. As empresas, embusca de produtividade, adquiriramuma tecnologia excessiva e inadequa-da. Os funcionários, por sua vez, re-sistiram à substituição de uma rela-ção interpessoal no trabalho pelaimpessoal, feita pela máquina.

No Brasil, o estudo de organiza-ções complexas (empresas e organiza-ções não-governamentais) pela antro-pologia feita pela equipe coordenadapor Guillermo Ruben é pioneiro. Aequipe manteve contatos com o mun-do inteiro, segundo o antropólogo, eexistem estudos similares, embora

o

ee

I~O

o[-

ainda em número pequeno, na Ingla-terra, nos Estados Unidos e na França.Hoje, a antropologia das organizaçõesé reconhecida como uma área de co-nhecimento. A Unicamp adotou, apartir de 1996, uma disciplina optati-va no curso de Ciências Sociais deno-minada Antropologia das Organiza-ções. A UFES passou a oferecê-Ia apartir de 1998.

Adaptações - Para Guillermo Ruben, oresultado do trabalho do Grupo dePesquisas em Culturas Empresariais daUnicamp - estudos em empresas, dis-sertações e teses de doutorado sobre oassunto e o reconhecimento de que as

o PROJETO

Culturas EmpresariaisBrasileiras: Estudo Comparativode Empresas Públicas,Privadas e Multinacionais

MOOALIOADEProjeto temático

COORDENADORGUILHERMO R. RUBEN - Institutode Filosofia e Ciências Humanasda Unicamp

INVESTIMENTOR$ 161.592,50

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 95

Page 96: Descobertas na selva

RESENHA

Da antropofagia ao fim do pecado originalo encontro dos universos espirituais de padres e índios

RENA1l\ SARANA

Os vivos e~~.................-

eram devorados, mas o queacontecia antes do ritual an-tropofágico variava de acor-do com suas idades. Os maisjovens passavam bom tem-po fazendo o papel de mari-dos das mulheres cujos ho-mens tinham sido mortospor seus antepassados. Rece-biam as armas e pertencesdo morto. Curioso é que elesnunca fugiam dessa situa-ção, a qual jamais deixaria

de preceder a morte, pois seriam considerados co-vardes por seus pares.

As mortes naturais ou por doença eram rejeita-das. Os tupis-guaranis tinham dúvidas sobre o des-tino do espírito após o sepultamento. Quando umíndio adoecia, o pajé extirpava a parte de seu cor-po que estava enferma. Se o doente não melhoras-se, era abandonado pela comunidade.

Entre os hábitos que os jesuítas fizeram forçapara impçr aos tupis, alguns encontraram fácilaceitação. Por exemplo, o batismo. Era hábito, en-tre as tribos, que o homem responsável pela morteda vítima a ser devorada tocasse o cadáver e rece-besse o nome do morto, para despistar o espíritodeste, caso ele decidisse se vingar. Assim, foi fácilaos tupis compreender que receberiam um novonome após o batismo cristão.

Já os ritos de sepultamento cristãos foram carosaos nativos, visto que já em sua cultura o enterroera motivo de muita dor. Mas os jesuítas foram es-tratégicos. Ao perceber que os índios temiam asdoenças, trataram de dar os melhores préstimosem termos de medicamentos, de forma a enfraque-cer o papel do pajé junto às comunidades. Enquan-to isso, a imagem dos padres era valorizada e, con-seqüentemente, a religião trazida por eles.

Os Vivos e os Mortos na América Portuguesa éenriquecido com xilogravuras de Hans Staden, ascom cenas de antropofagia do século XVI. Umlivro que ajuda a redescobrir o Brasil.

E""fácil imaginar o cho-que cultural ~ntre umpovo guerreiro e an-

tropofágico e homens mo-noteístas, dispostos a tudopara impor sua fé. Mas omelhor de Os Vivos e osMor-tos na América Portuguesa -da Antropofagia à Água deBatismo, de Glória Kok, é aapresentação que a historia-dora faz do universo espiritural indígena antes doencontro entre tupis-guaranis e jesuítas.

O livro é resultado da dissertação de mestra dodesenvolvida pela autora entre 1988 a 1993. Foi rea-lizado pela Editora da Unicamp (183 págs., R$19,00), com apoio da FAPESP. Sua análise é basea-da em documentos quinhentistas e na leitura deautores da História e da Antropologia.

Glória trata das disputas simbólicas em tornodo sobrenatural ocorridas no Brasil após a chega-da dos jesuítas (1549). Para isso, descreve os uni-versos simbólicos de cada parte envolvida, apon-tando que características permitiram o surgimentoda noção de sobrenatural que vingou nos séculosposteriores.

Ao leitor dessa obra são familiares termos comobatismo e paraíso. O triunfo da pedagogia cristã éabordada no terceiro e último capítulo do livro. Mascabe à primeira parte o saboroso relato sobre o quesignificava a morte para os tupis-guaranis e sobreas práticas e rituais que impulsionavam suas vidas.

Vivendo em grupo, esses índios tinham umanoção coletiva da morte. O propósito de suas exis-tências era vingar o assassinato de seus antepassados.A vendeta era o motor da sociedade, o que foi logonotado pelos viajantes e cronistas, ao se surpreen-deram com a ausência de prosperidade econômicaentre aqueles grupos. Perceberam, também, que aslutas entre os nativos não eram incitadas pelo espí-rito conquistador, como caberia a um bom europeu.

Quando um grupo atacava o povo responsávelpela morte de seus pais e avós, trazia para sua al-deia os sobreviventes da batalha. Os prisioneiros

Os Vivose os Mortosna AméricaPortuguesa

Glória Kok

Educ/FAPESP

183 páginasR$ 19,00

RENATA SARAIVA é jornalista e historiadora.

96 • MARÇO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 97: Descobertas na selva

LIVROS

o Que Sabemos Sobre oUniversoJorge Zahar EditorRichard Morris224 páginas I R$ 26,50

Com uma dose inusitada de bomhumor, Richard Morris faz umamplo panorama das revoluções daciência, desde as primeiras perguntasfeitas pelo homem sobre o universoaté as dúvidas atuais dos

pesquisadores sobre o cosmo em que vivemos, deixandoclaro a necessidade de se separar o que é realidade científicae o que não passa de palpites inspirados. Morris discute aorigem e a evolução do universo, o mundo microscópico e,por fim, revela como funciona a imaginação científica, o"como sabemos o que sabemos" hoje. Leitura deliciosa.

Diálogos na SombraCompanhia das LetrasI<enneth P. Serbin566 páginas I R$ 46,00

O brasilianista americano mostraaqui o diálogo secreto estabelecidoentre a Igreja e as Forças Armadasem 1970, durante a ditadura militar.Pouco antes, ambos os setores doBrasil haviam se separado por causade diferenças que rompiam uma

união secular das duas instituições. Em novembro de1970, bispos e militares se reuniram secretamente nachamada Comissão Bipartite, instância criada para tentarresolver as diferenças entre os dois poderes.

Diálogos "iraSomtira:::=

Cientistas, Jornalistase a Divulgação CientíficaEditora Autores Associados I FAPESPLilian Márcia Simões Zamboni167 páginas I R$ 22,00

A fronteira entre o texto científicoe o de divulgação científica éestudado por Lilian Zamboni,da Universidade Estadualde Campinas. Um é essencial para

a comunidade científica, outro é fundamental para opúblico leigo entender o que se passa nas universidadese nos institutos de pesquisa. A autora analisa os doisgêneros, que apresentam construções e estilos delinguagem diversos e tenta responder a questões como: adivulgação científica é mera prática de reformulação depapers? Ou: de onde se originam tantos mal-entendidosentre cientistas e jornalistas? É uma boa leitura para osprofissionais envolvidos nessas práticas.

REVISTAS

Cadernos Espinosanos2002 - Edição Especial

VIII

O feminismo junta-se com acompetência filosófica num dossiêfeito pelo Departamento deFilosofia da FFLCH-USP e peloGrupo de Estudos Espinosanos.Nestaedição: Espinosa e a EssênciaSingular, de Marilena Chauí;Hobbes e o Véu do Cortesão, de

Maria Isabel Limongi; Substância e Realidade, de Mariadas Graças de Souza; William Harvey: ExplicaçõesMecânicas e Finalismo, de Regina André RebolIo; AsCartas a Elizabeth: Uma Terapêutica Epistolar, deMarisa de Oliveira Franco Donatelli; Bibliografia sobreLeibniz, de Tessa Moura Andrade, entre outros.

Psicologia USP2001 - número 50

PsicologiaUSP-~- A publicação traz) como de praxe,

aproximações entre a psicologia eoutras ciências do conhecimento.Neste número, artigos que trazema relação entre a matériae a filosofia. Entre os ensaios:Comentários Críticos dasReferências Textuais de Freud a

Kant, deLeopoldo Fulgêncio; A Noção de Consciência n'AEstrutura do Comportamento (Merleau-Ponty), escrito porReinaldo Furlan; Considerações sobre o Conto "Terror'; deVladimir Nabokov, por uma perspectiva heideggeriana, deJoão Rodrigo Oliveira e Silva; O papel do Coordenador deGrupos, de Carmen de Arruda Andaló, entre outros.

Brazilian Journal of Biology2001 - número 3

BRAZILIANJOURNAL OFBIOLOGY

Nesta edição da revista, os seguintesartigos: Heavy Metais in Tributariesof Pampulha Reservoir, Minas Gerais,de Fonseca e Lopes; The Effect ofAbiotic Factors on the Hatching ofMoina micrura Kurz,de Rojas, Marins e Rocha; EcologicalAspects of Black -Pincelled Marmoset

and Dense Cerrado of the Brazilian Central Plateau, deMiranda; A New Species ofTerrestrial Planaria, deCarbayo e Leal-Zanchet; Ultrastructure andMorphometry of Ovarian Follicles in the Armadillo, deCodón, Estecondo e Casanave; Differentiation andNumerical Analysis of Oral Yeasts,de Pereira e Rosa;Vegetation Structure in Cerrado, de Mantovani.

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2002 • 97

Page 98: Descobertas na selva

irE FINAL

LIBERATI

oO

oo

o

Dolly 1, Dolly 2, Dolly 3 000

98 o MARÇO DE 2002 o PESQUISA FAPESP

Page 99: Descobertas na selva
Page 100: Descobertas na selva