dez perguntas para ulisses souza print

1
27 Fevereiro 2013 Dez perguntas para Ulisses Souza Nome completo: Ulisses José de Souza Data de nascimento: 20 de junho de 1948 Cidade onde nasceu: Rancharia - SP Escola(s) em que estudou: Grupo Escolar, Instituto de Educação, Científico e Escola de Comércio, em Rancharia Faculdade: Unimar e Casper Líbero Curso superior: Economia e Jornalismo Pós-graduação: não Primeiro emprego: Brasimac S/A Ano do Primeiro emprego: 1962 Função no primeiro emprego: Boy Ano de ingresso na principal função em que atua: 1975 Religião: Católica Partido político de filiação e/ou simpatia: PT (filiação) Casado? Sim Filhos? 3 FICHA TÉCNICA Equipe do jornal Oeste Notícias, diário que Ulisses Souza, como editor executivo, publicou as edições de lançamento e encerramento de circulação, em Presidente Prudente/SP. -------------------------------------------------------------------------------------------------- 1 2 4 3 5 6 7 8 9 10 Um jornal como o Oeste Notícias, que nasce político, tem chance no mercado na realidade atual? O que difere a realidade de hoje da de 18 anos atrás? Você aposentou jornalista e teve parte de sua vida profissional relacionada à Folha de São Paulo. A mesma Folha, hoje, tenta sobreviver ao mercado adotando o formato que você criou no Oeste Notícias. A Folha, na sua opinião, assim como os outros grandes jornais de circulação nacional, corre riscos ao adotar formatos semelhantes aos norte-americanos e britânicos, de controle de acesso aos conteúdos online? Há quem tenha uma visão romântica sobre os tempos em que se fazia redação na máquina de escrever, rádio com gravadores de k-7 e TV com betacam. Você concorda que a comodidade implicada da tecnologia tornou os jornalistas contemporâneos mais preguiçosos e que os jornalistas de 30 anos atrás teriam o mesmo perfil dos atuais, ou entende a mudança no perfil do profissional de comunicação está atrelada a outros fatores? Ou, então, tem outra opinião que divirja dessa duas? «Quando usávamos a máquina de escrever não havia a internet e nem o Google. O repórter tinha que ir atrás da notícia, das pessoas, dos locais, enfim, nada vinha pronto. Daí a grande diferença dos bons textos que eram feitos no teclado da velha companheira máquina de escrever. A imprensa de hoje é a da cola. Chupa e cola. Por isso, concordo que os jornalistas contemporâneos ficaram mais preguiçosos». Sim. Já estão fazendo isso. O Portal UOL é um bazar de comunicação mantido pela grife Folha. « O dono pode ser político, mas isso preferencialmente não deveria ser demonstrado, pois o veículo de comunicação já nasce sem 40% ou 50% do mercado de publicidade. Quem não gosta do lado político do dono não anuncia, pois sabe que mais cedo ou mais tarde o jornal sempre será usado em mão única». Qual é o seu projeto prioritário, a partir de agora, além das assessorias de imprensa que dá? «Vou tentar algo novo e inusitado. Uma Cooperativa de Trabalho com os demitidos do Oeste Notícias, nos moldes do projeto aprovado pela Dilma em junho do ano passado. Não sei se vai dar certo, mas se der podemos apostar em um novo relacionamento entre capital e trabalho no mercado da comunicação». «A evolução da comunicação pode ser comparada à substituição do lampião a gás pela eletricidade. O modo de ver, enxergar, fazer, mudou drasticamente e como na eletricidade surgem a todo o momento possibilidades de novas utilidades». Em duas décadas o Jornalismo saiu da modernidade, ou seja, das fitas magnéticas, no audiovisual, e do pastup, no impresso, e entrou na digitalização total. Que análise você faz dessa transição tão brusca? «Não. Tentaria Medicina». Se tivesse 17 anos de idade, hoje, você decidiria por fazer uma faculdade de Jornalismo? «Quando o presidente Lula nos chamou de “covardes” ele o fez com toda razão. Estava no congresso o projeto de lei enviado por ele para criar a Ordem dos Jornalistas Profissionais. Não fomos capazes de lutar ao lado do governo a fim de derrotar o lobby das grandes empresas de comunicação. Fui diretor do Sindicato na época que ele cumpriu o seu papel na principal trincheira de combate à ditadura militar e da redemocratização do país. Hoje não serve para nada. Não temos nem profissão. O mercado de trabalho ficou a mercê do arbítrio, inclusive salarial, dos grandes grupos». Você militou no Sindicato dos Jornalistas Profissionais e assistiu à queda da obrigatoriedade do diploma de jornalista para atuar na profissão. Hoje, passados dez anos desde a primeira medida judicial liminar em torno do assunto, como você vê o mercado da comunicação em duas realidades: no Estado de São Paulo e nas demais regiões do país? Um jornalista que se forma exatamente agora deveria, na sua opinião, apostar em qual área do Jornalismo? Você entende, portanto, que ainda prevalece a dualidade ‘atuar por paixão/não se realizar financeiramente' e 'atuar conforme o mercado/ganhar dinheiro'? Em Assis, por exemplo, nenhum jornal impresso paga o piso, nem de 5 nem de 7 horas. «Com o piso salarial de R$ 1.900 em jornal e R$ 1.200 em TV e Rádio, ninguém vive bem, nem mesmo no Interior. Hoje, o melhor é não entrar na faculdade para não ter que sair dela sem perspectiva de futuro». Há mais de meio século fala-se no fim do jornal impresso. Mas esse risco nunca esteve tão eminente quanto de dez anos para cá. Você prevê qual tempo de sobrevida aos impressos? «O impresso não vai acabar nunca. Mas vai sofrer uma grande mudança, principalmente na área de logística (distribuição- assinantes). O ideal é mesclar as edições impressa e digital, esta sim na plataforma com leitura em tablets e celulares». Você surpreendeu o mercado da comunicação ao, como editor executivo do jornal Oeste Notícias, de Presidente Prudente, lançar a versão on- line em substituição aos exemplares impressos distribuídos aos assinantes, processo esse que mantinha somente exemplares vendidos em banca. De onde você tirou aquela inspiração e por que, na sua opinião, o Oeste Notícias fechou exatamente na véspera de completar 18 anos? «No Oeste Notícias ficamos menos de um ano na plataforma digital e tínhamos em janeiro de 2013 um público médio leitor de 50 mil pessoas. Médio porque chegamos a ter 65 mil à época das eleições municipais de Presidente Prudente, em setembro e outubro de 2012. Era um número firme e o tempo médio de leitura era de 5 minutos e 30 segundos. Ou seja, essas pessoas liam o jornal e não davam aquela passada em suas manchetes internas e externas. Tínhamos leitores no mundo e no país todo. Tudo isso foi jogado na lata do lixo. O fechamento se deu por um capricho dos proprietários, talvez magoados com Presidente Prudente».

Upload: claudio-messias

Post on 29-Jan-2018

601 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

27 F

evere

iro

2013

Dez perguntas para Ulisses Souza

Nome completo: Ulisses José de Souza Data de nascimento: 20 de junho de 1948Cidade onde nasceu: Rancharia - SPEscola(s) em que estudou: Grupo Escolar, Instituto de Educação, Científico e Escola de Comércio, em Rancharia Faculdade: Unimar e Casper LíberoCurso superior: Economia e JornalismoPós-graduação: não Primeiro emprego: Brasimac S/A Ano do Primeiro emprego: 1962Função no primeiro emprego: Boy Ano de ingresso na principal função em que atua: 1975Religião: Católica Partido político de filiação e/ou simpatia: PT (filiação) Casado? Sim Filhos? 3

FICHA TÉCNICAEquipe do jornal Oeste Notícias, diário que Ulisses Souza, como editor executivo, publicou as edições de lançamento e encerramento de circulação, em Presidente Prudente/SP.

--------------------------------------------------------------------------------------------------

1 2

43

5 67

8 910

Um jornal como o Oeste Notícias, que nasce político, tem

chance no mercado na realidade atual? O que difere a realidade de hoje da de 18 anos

atrás?

Você aposentou jornalista e teve parte

de sua vida profissional

relacionada à Folha de São Paulo. A

mesma Folha, hoje, tenta sobreviver ao

mercado adotando o formato que você

criou no Oeste Notícias. A Folha, na

sua opinião, assim como os outros

grandes jornais de circulação nacional,

corre riscos ao adotar formatos

semelhantes aos norte-americanos e

britânicos, de controle de acesso

aos conteúdos online?

Há quem tenha uma visão romântica sobre os tempos em

que se fazia redação namáquina de escrever, rádio com gravadores de k-7 e TV

com betacam. Você concorda que a comodidade implicada da

tecnologia tornou os jornalistas contemporâneos mais preguiçosos e que os jornalistas de 30 anos atrás teriam o mesmo perfil dos

atuais, ou entende a mudança no perfil do profissional de

comunicação está atrelada a outros fatores? Ou, então, tem outra opinião que divirja dessa

duas?«Quando usávamos a máquina

de escrever não havia a internet e nem o Google. O repórter tinha

que ir atrás da notícia, das pessoas, dos locais, enfim, nada

vinha pronto. Daí a grande diferença dos bons textos que eram feitos no teclado da velha

companheira máquina de escrever. A imprensa de hoje é a da cola. Chupa e cola. Por isso,

concordo que os jornalistas contemporâneos ficaram mais

preguiçosos».

Sim. Já estão fazendo isso. O Portal UOL é um bazar de comunicação mantido pela grife Folha.

«O dono pode se r po l í t i co , mas i sso preferencialmente não deveria ser demonstrado, pois o veículo de comunicação já nasce sem 40% ou 50% do mercado de publicidade. Quem não gosta do lado político do dono não anuncia, pois sabe que mais cedo ou mais tarde o jornal sempre será usado em mão única».

Qual é o seu projeto prioritário, a partir de agora, além das assessorias de imprensa que dá?

«Vou tentar algo novo e inusitado. Uma Cooperativa de Trabalho com os demitidos do Oeste Notícias, nos moldes do projeto aprovado pela Dilma em junho do ano

passado. Não sei se vai dar certo, mas se der podemos apostar em um novo relacionamento entre capital e trabalho no mercado da comunicação».

«A evolução da comunicação pode ser comparada à substituição do lampião a gás pela eletricidade. O modo de ver, enxergar, fazer, mudou drasticamente e como na eletricidade surgem a todo o momento possibilidades de novas utilidades».

Em duas décadas o Jornalismo saiu da modernidade, ou seja, das fitas

magnéticas, no audiovisual, e do

pastup, no impresso, e entrou

na digitalização total. Que análise

você faz dessa transição tão

brusca?

«Não. Tentaria Medicina».

Se tivesse 17 anos de

idade, hoje, você

decidiria por fazer uma

faculdade de Jornalismo?

«Quando o presidente Lula nos chamou de “covardes” ele o fez com toda razão. Estava no congresso o projeto de lei enviado por ele para

criar a Ordem dos Jornalistas Profissionais. Não fomos capazes de lutar ao lado do governo a fim de derrotar o lobby das grandes empresas de comunicação. Fui diretor do Sindicato na época que ele cumpriu o seu

papel na principal trincheira de combate à ditadura militar e da redemocratização do país. Hoje não serve para nada. Não temos nem

profissão. O mercado de trabalho ficou a mercê do arbítrio, inclusive salarial, dos grandes grupos».

Você militou no Sindicato dos Jornalistas Profissionais e assistiu à queda daobrigatoriedade do diploma de jornalista para atuar na profissão. Hoje, passados dez anos desde a primeira medida judicial liminar em torno do assunto, como você vê o mercado da comunicação em duas realidades: no Estado de São Paulo e nas demais regiões do país?

Um jornalista que se forma exatamente agora deveria, na sua opinião, apostar em qual área do Jornalismo? Você entende, portanto, que ainda prevalece a dualidade ‘atuar por paixão/não se realizar financeiramente' e 'atuar conforme o mercado/ganhar dinheiro'? Em Assis, por exemplo, nenhum jornal impresso paga o piso, nem de 5 nem de 7 horas.

«Com o piso salarial de R$ 1.900 em jornal e R$ 1.200 em TV e Rádio, ninguém vive bem, nem mesmo no Interior. Hoje, o melhor é não entrar na faculdade para não ter que sair dela sem perspectiva de futuro».

Há mais de meio século fala-se no fim do jornal

impresso. Mas esse risco nunca esteve tão

eminente quanto de dez anos para cá. Você prevê qual tempo de sobrevida

aos impressos?

«O impresso não vai acabar nunca. Mas vai sofrer uma

grande mudança, principalmente na área de

logística (distribuição-assinantes). O ideal é

mesclar as edições impressa e digital, esta sim na plataforma com leitura em tablets e celulares».

Você surpreendeu o mercado da comunicação ao, como editor executivo do jornal

Oeste Notícias, de Presidente Prudente, lançar a versão on-

line em substituição aos exemplares impressos

distribuídos aos assinantes, processo esse que mantinha

somente exemplares vendidos em banca. De onde você tirou

aquela inspiração e por que, na sua opinião, o Oeste Notícias

fechou exatamente na véspera de completar 18 anos?

«No Oeste Notícias ficamos menos de um ano na plataforma digital e tínhamos em janeiro de 2013 um público médio leitor de

50 mil pessoas. Médio porque chegamos a ter 65 mil à época

das eleições municipais de Presidente Prudente, em

setembro e outubro de 2012. Era um número firme e o tempo

médio de leitura era de 5 minutos e 30 segundos. Ou seja, essas

pessoas liam o jornal e não davam aquela passada em suas manchetes internas e externas.

Tínhamos leitores no mundo e no país todo. Tudo isso foi jogado na lata do lixo. O fechamento se deu

por um capricho dos proprietários, talvez magoados

com Presidente Prudente».