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Paulo Armada da Silva
editor
FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Cláudia Febra
Cristina Monteiro
Duarte Araújo
Fátima Rodrigues
Filipe Melo
Francisco Alves
Margarida Espanha
Mário Godinho
Paulo Armada da Silva
Pedro Esteves
Pedro Pezarat Correia
Romain Meeusen
Vitor Hugo Teixeira
Um corpo de Conhecimentos
Desenvolvimento MotorFadiga e Desempenho
Fadiga e Desempenho
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Um Corpo de Conhecimentos
Paulo Armada da Silva
Cláudia Febra, Cr ist ina Monteiro, Duarte Araújo, Fát ima Rodrigues,
F i l ipe Melo , Franc isco A lves, Margar ida Espanha, Már io Godinho,
Pau lo A rmada da S i l va , Pedro Es teves , Pedro Pezara t Cor re ia ,
Romain Meeusen, Vítor Hugo Teixeira
Título: Fadiga e Desempenho
Editor: Paulo Armada da Silva
Edição: © Faculdade de Motricidade Humana
Edições FMH - 1495-688 Cruz Quebrada
Tel.: 21 414 92 14 - Fax: 21 414 92 69
[email protected] - www.fmh.utl.pt/Cart
Impressão e acabamento: Grafilinha
Tiragem: 400 exemplares
Data: Agosto 2008 - 2ª edição
Janeiro 2002 - 1ª edição
ISBN: 978-972-735-154-1
Depósito legal nº
5FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
ÍndiceÍndice
Prefácio
A FADIGA NO EXERCÍCIO E NO DESPORTOFadiga: um século de investigação
Paulo Armada da Silva
Fadiga NeuromuscularPedro Pezarat
Neurobiology of FatigueRomain Meeusen
A síndrome do sobretreinoFrancisco Alves
As espécies reactivas de oxigénio e o desenvolvimento de fadigamuscular
Cristina Paula Monteiro Bento
Nutrição e performance desportivaVitor Hugo da Costa Gomes Moreira Teixeira
Os efeitos da fadiga no processo de tomada de decisão em tarefas desportivasDuarte Araújo e Pedro Esteves
FADIGA E CONTROLO MOTORAprender a controlar a fadiga: em busca de sinais em condução automóvel
Mário Godinho
Fadiga e PosturaFilipe Melo
DOENÇA CRÓNICA E FADIGAA fadiga na Síndrome da fadiga crónica e na fibromialgia
Cláudia Febra
O doente respiratório e o exercício físicoFátima Rodrigues
Dor crónica e fadiga na osteoartroseMargarida Espanha
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43
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65
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95
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155
7FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
PrefácioPrefácio
Este livro reúne artigos que abordam a fadiga e o desempenho numa ampla
gama de perspectivas. Uma tal abordagem pode suscitar em algumas pessoas uma
menor satisfação pela ausência de um tratamento mais específico e eventualmente
mais aprofundado do tema. Foi, no entanto, uma escolha propositada tomada com o
intuito de salientar o carácter complexo e multidisciplinar que caracteriza o fenómeno
da fadiga no contexto da actividade humana. A importância da fadiga como
condicionante do desempenho humano numa variedade de contextos parece ser in-
discutível. Os treinadores e os atletas vêem-na como uma razão vulgar para o insucesso
desportivo. Na análise do rendimento do trabalho, a fadiga talvez seja mais insidiosa e
difícil de identificar mas permanece como uma característica importante do chamado
factor humano. Em certas doenças, a fadiga apresenta-se como a principal queixa e
razão para incapacidade e sofrimento.
As características e explicações da fadiga são múltiplas, porventura tão nume-
rosas quanto os diferentes tipos de actividades físicas, gestos motores e ambientes
físicos e sociais que enquadram a actividade humana, daí a dificuldade em acentar
numa única definição de fadiga. Diga-se, desde já, que não foi esta a intenção deste
livro, assim como também não foi a do simpósio Fadiga e Desempenho: uma perspec-
tiva multidisciplinar, realizado na Faculdade de Motricidade Humana, que motivou a
sua publicação. O interesse pela fadiga enquanto objecto de estudo científico tem
variado ao longo dos tempos. O início do estudo da fadiga acontece motivado pelas
mudanças tecnológicas e científicas ocorridas nos finais do século XIX, inícios do
século XX, e em grande parte devido à acelerada industrialização. Neste período, o
estudo sobre o fenómeno da fadiga ganha uma importância única, no âmbito do estu-
do fisiológico sobre as limitações ao rendimento do trabalho humano. Na Europa e
Estados Unidos da América são criados laboratórios dedicados especificamente ao
estudo da fadiga, e um elevado número de investigações são levadas a cabo para
caracterizar e explicar este fenómeno, tanto em ambiente industrial, como durante a
realização de actividade desportivas. Neste período, o estudo da fadiga lidera o conjunto
de preocupações científicas que se associam à análise do desempenho físico e é tema
central de disciplinas emergentes como a Fisiologia Aplicada e a Fisiologia do Exercício.
Presentemente podemos estar num ponto de viragem na concepção de fadiga.
Sinal desta mudança, o crescente interesse pela fadiga enquanto factor de qualidade
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Universidade Técnica de Lisboa8
de vida e da capacidade de realização das tarefas necessárias ao bem-estar indivi-
dual e para a saúde em geral. Trata-se, efectivamente, de um novo paradigma, a
mudança de uma visão de fadiga como fenómeno pertinente em desempenhos físicos
exigentes, para uma fadiga como um fenómeno singular, como um sintoma ou uma
alteração patológica, potencialmente incapacitante e indissociada do esforço físico.
Motores desta mudança sobre o modo como é encarada a fadiga o reconhecimento
de situações de doença como a síndrome da fadiga crónica ou a fibromialgia, e o
reconhecimento do papel do cérebro como órgão essencial na regulação do exercício
físico e no desencadear da fadiga.
Este livro está organizado em três partes. Na primeira parte reúnem-se os ca-
pítulos sobre os mecanismos da fadiga neuromuscular e fadiga relacionada com o
exercício e actividade desportiva, incluindo a importância da nutrição como factor pre-
ventivo de fadiga. A segunda parte inclui dois capítulos: o primeiro aborda a fadiga
numa tarefa complexa como a condução automóvel; o segundo analisa a relação en-
tre fadiga e a actividade postural. A terceira parte é dedicada à fadiga em situações de
doença, com destaque para as doenças crónicas. A fadiga não tem sido uma priorida-
de no âmbito da investigação médica e clínica, mas isto promete alterar-se no futuro
próximo.
A edição deste livro recebeu o contributo de várias pessoas às quais é devido
um especial agradecimento. Ao Professor Kelo da Silva, Presidente da Comissão Exe-
cutiva do CIPER, que desde o primeiro minuto acolheu com entusiasmo a organiza-
ção do simpósio já referido, tendo sempre garantido o apoio deste Centro de Investi-
gação a este projecto. Ao Professor Mário Godinho, para além de ser autor de uma
parte do livro, foi prestimoso no aconselhamento sobre os aspectos gráficos deste
livro e na elaboração da capa. Às doutoras Sofia Carvalheiro e Flávia Yásigi, um agra-
decimento pela colaboração na organização do referido Simpósio e na edição deste
livro. A sua dedicação foi sempre para além da que seria legítimo solicitar. Ao Serviço
de Edições da Faculdade de Motricidade Humana pela colaboração na edição final do
livro e pelo esforço feito em não atrasar a sua publicação. A falha no cumprimento dos
compromissos temporais deve ser inteiramente atribuída ao editor. Ao Conselho
Directivo da Faculdade de Motricidade Humana, ao Instituto de Desporto de Portugal
e à Fundação para a Ciência e Tecnologia e à Caixa Geral de Depósitos, agradece-se
todo o apoio institucional, financeiro e material. Por fim, uma palavra de apreço aos
autores e o agradecimento pela forma generosa e pela elevada competência científi-
ca com que desde início aderiram a esta iniciativa.
Paulo Armada da Silva
Cruz-Quebrada, 31 de Outubro de 2006
9Controlo Motor e Aprendizagem
PREFÁCIO
1.ª PARTE
FADIGA, EXERCÍCIO E DESPORTO
11FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Fadiga: um século de investigação
Paulo Armada da Silva
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa
Fadiga: um século de investigação
ResumoO presente capítulo faz uma breve retrospectiva histórica dos modelosexplicativos da fadiga muscular. Ao longo de mais de um século a explicaçãodeste fenómeno tem oscilado entre o modelo periférico, o qual considera asalterações contrácteis e metabólicas do músculo esquelético como as prin-cipais causas de fadiga, e o modelo central, que defende que a incapacidadeem manter o nível de desempenho numa tarefa motora (task failure) deve-seà incapacidade do sistema nervoso central (SNC) em manter o nível neces-sário de excitação muscular. Estudos iniciais sobre a fadiga em actividadesvoluntárias indicam a importância de variáveis físicas e psicológicas e quefactores centrais são os principais limitadores do desempenho físico. Emmeados do século XX, porém, surgem novos dados científicos que refutam aideia de que o SNC é incapaz de exercer uma excitação máxima sobre osmúsculos esqueléticos e que comprovam que a fadiga decorre semabrandamento do recrutamento muscular. Entretanto, novos dados sobre osaspectos moleculares e celulares envolvidos na contracção muscular vie-ram alargar o conjunto de mecanismos periféricos de diminuição da capaci-dade contráctil. Independentemente do papel dos factores musculares nodeclínio da produção de força e potência pelo músculo, a fadiga é tambémuma sensação/percepção e modelos mais recentes defendem que esta re-sulta de processos neurais subconscientes reguladores do recrutamentomuscular, actuando para garantir o sucesso na tarefa e prevenir alteraçõesorgânicas catastróficas. Após mais de um século de investigação sobre fadi-ga, não existe uma explicação que satisfatoriamente abranja a totalidade dofenómeno. Mais que um mecanismo fisiológico isolado, a fadiga muscularrepresenta uma manifestação complexa e multicausal, que incorpora com-ponentes neurais, musculares e metabólicos em interacção dinâmica.
Introdução
A delimitação conceptual de fadiga é, por si só, um problema difícil. Para a maioria
das pessoas, a fadiga confunde-se com a sensação de cansaço, de letargia ou de
menor tolerância ao esforço físico, sendo para alguns uma experiência quotidiana.
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Entendida a fadiga deste modo, o seu estudo objectivo torna-se difícil, já que tratar-se-
-ia de um fenómeno eminentemente subjectivo. O estudo dos mecanismos fisiológicos
da fadiga requer então uma delimitação conceptual operacional, mas apesar desta
necessidade ser relativamente consensual, a verdade é que tem sido difícil concordar
numa definição de fadiga que satisfaça o conjunto vasto de manifestações deste
fenómeno. Edwards, em 1981, definiu fadiga como: “a incapacidade de gerar a força
necessária ou esperada”. Esta definição aparenta simplicidade e clareza mas a sua
interpretação leva a identificar a fadiga como a incapacidade de prosseguir com a
tarefa (task failure) e assim entendê-la como um fenómeno que ocorre abruptamente,
tornando-o sinónimo de exaustão (Gandevia, 2001). No caso de contracções
musculares de intensidade máxima observa-se, porém, que o decréscimo da força
produzida é imediato, o mesmo ocorrendo durante esforços musculares submáximos,
os quais conduzem quase desde o início da contracção à diminuição da capacidade
de força máxima (Bigland-Ritchie et al., 1986). Assim, de acordo com Bigland-Ritchie
(1986) entende-se por fadiga muscular: “qualquer redução da capacidade de gerar
força máxima, independentemente do tipo de trabalho que está a ser realizado”. Esta
definição de fadiga muscular é mais abrangente porque admite o seu carácter
progressivo mantendo contudo a objectividade. No entanto, esta definição persiste no
conceito de fadiga muscular como uma redução da força máxima, pelo que torna
necessário medir este parâmetro para aferir a sua presença e severidade. Outros
autores salientam que, para além da força, o músculo desenvolve também trabalho e
potência, de onde estas dimensões físicas devem integrar o conceito de fadiga (Fitts,
1994).
Esta circunscrição da fadiga ao modelo força/potência, tal como é designado por
Weir e colaboradores (2006), pretende garantir a objectividade do seu estudo e distinguir
este fenómeno de outros que lhe são próximos, como o desempenho físico, motivação,
percepção de esforço, entre outros. No entanto, a investigação sobre o fenómeno da
fadiga e dos factores limitadores do desempenho humano nunca abandonou a noção
de que aspectos relacionado com a percepção do esforço e a motivação eram
importantes reguladores daquele fenómeno (Noakes et al., 2004). Nos últimos anos,
modelos que salientam o carácter da fadiga como uma sensação resultante dos
processos metabólicos e de outra natureza associados ao exercício, têm vindo a ser
propostos e podem ajudar a uma visão mais unificada do fenómeno (St Clair Gibson et
al., 2003; 2006). Seguindo esta linha, este capítulo fará uma análise sucinta ao percurso
histórico da investigação sobre os mecanismos e causas de fadiga, tendo-se procurado
dar conta das evidências científicas que ao longo de mais de cem anos têm
fundamentado a explicação deste fenómeno fisiológico.
31FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Fadiga neuromuscular
Pedro Pezarat Correia
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa
Fadiga neuromuscular
ResumoA fadiga muscular é um fenómeno complexo que se traduz na incapa-cidade para manter durante o exercício o nível de determinadosparâmetros de produção muscular. As principais manifestações de fa-diga muscular são a diminuição da força máxima, das taxas de produ-ção de força e de relaxamento, da velocidade máxima de encurtamen-to e de potência muscular. O objectivo geral do presente artigo consis-te em identificar e caracterizar os principais processos musculares enervosos que acompanham a fadiga muscular. Para isso, serão abor-dadas sucessivamente as alterações nos processos que têm sido iden-tificados como possíveis fontes de redução de capacidade musculardurante o aparecimento de fadiga: (a) alterações na placa motora, querao nível pré-sináptico quer ao nível pós-sináptico, (b) alterações noprocesso acoplamento excitação/contracção com as consequências quedaí advêm para a capacidade de libertação e recuperação do Ca2+pelo retículo sarcoplasmático, (c) alterações no metabolismo, nomea-damente em três aspectos, alteração do pH intracelular, acumulaçãode fosfato inorgânico e redução de glicógenio muscular e da glicémia e(d) no âmbito dos factores nervosos, as alterações no SNC que setraduzem em alterações das características de disparo dos moto-neurónios, nomeadamente aumento de recrutamento de unidadesmotoras e diminuição da sua frequência de descarga.
Introdução
A fadiga muscular é um fenómeno que se traduz na incapacidade para manter
durante o exercício o nível de determinados parâmetros de produção muscular. A
principal manifestação de fadiga muscular é a diminuição da força máxima, mais
evidente nas contracções isométricas. No entanto, outras manifestações podem ocorrer
como a redução nas taxas de produção de força e de relaxamento, que são traduzidas
no aumento do tempo de contracção e do tempo de relaxamento e, no caso de
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contracções dinâmicas, as reduções da velocidade máxima de encurtamento do
músculo e da potência muscular.
A fadiga muscular é um processo complexo em que não é fácil identificar as causas,
não sendo claro se a sua origem ocorre numa determinada estrutura em particular, ou se
é o resultado de um processo de integração envolvendo diferentes regiões cerebrais
(Gibson et al., 2003). Por outro lado, o seu aparecimento é influenciado por factores
diversos. Logo à partida é necessário considerar o estado e especificidade de
condicionamento físico dos sujeitos. O tipo de músculo, nomeadamente no que concerne
à sua composição é outro dos factores que mais influenciam a rapidez e o grau de
instalação de fadiga. Existem no organismo humano músculos com capacidades diferentes
de resistência à fadiga, dado possuírem percentagens variáveis dos diferentes tipos de
fibras. São também determinantes os factores característicos da natureza da tarefa como
a relação entre intensidade e duração das cargas aplicadas, ou a modalidade de
contracção solicitada (estática, concêntrica ou excêntrica). Por exemplo, enquanto as
alterações metabólicas como o esgotamento das reservas de glicogénio, o abaixamento
da glicémia, ou o estado de desidratação, podem estar na base da fadiga que se instala
ao longo de um esforço prolongado de intensidade não muito elevada, como uma prova
de maratona, os mesmos factores dificilmente serão causa da falha contráctil observada
durante a realização de esforços intensos e breves. Refira-se ainda que a maior parte do
conhecimento sobre fadiga decorre de estudos laboratoriais com contracções isométricas
prolongadas, produzidas voluntariamente ou por estimulação artificial, e não propriamente
de estudos no terreno com contracções desenvolvidas em ambientes ecológicos.
Podemos identificar a vários níveis as potenciais origens da fadiga muscular:
redução no comando excitatório enviado para os motoneurónios, alterações na
excitabilidade dos motoneurónios, falha na transmissão neuromuscular, alterações na
excitabilidade do sarcolema, falhas no processo de acoplamento excitação/contracção,
falhas no mecanismo contráctil, alterações no metabolismo energético e acumulação
de metabolitos ou alteração do pH por aumento da concentração de H+. Em função da
localização dessas potenciais causas, as teorias propostas para explicar a fadiga têm
distinguido, nos factores susceptíveis de desencadear fadiga, os factores inerentes
ao próprio músculo e os factores musculares, dos factores localizados no Sistema
Nervoso Central (SNC), e factores nervosos ou centrais.
É objectivo do presente artigo identificar e caracterizar os principais processos
musculares e nervosos que acompanham a fadiga muscular. Para isso, serão
abordadas sucessivamente as alterações nos processos que têm sido identificados
como fonte de fadiga muscular: alterações na placa motora, no processo acoplamento
excitação/contracção, e no metabolismo, no âmbito dos factores musculares e
alterações no SNC no âmbito dos factores nervosos.
43FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Neurobiology of Fatigue*
Romain Meeusen
Dept. Human Physiology & Sportsmedicine - Faculty of Physical Education and Physiotherapy,Vrije Universiteit Brussel, Brussels , Belgium
AbstractFatigue has traditionally been attributed to the occurrence of a ‘metabolic endpoint’, where muscle glycogen concentrations are depleted, plasma glucoseconcentrations are reduced, and plasma free fatty acid levels are elevated.However, the causes of fatigue are believed to be of both peripheral andcentral origin, therefore, fatigue should be acknowledged as a complexphenomenon influenced by both peripheral and central factors. Recent studiesindicate that there is more involved than only serotonin to account for ‘centralfatigue’. Several neurotransmitter systems seem to be involved, while exercisein high ambient temperature is limited through ‘central mechanisms’ in thehypothalamus that is under control of catecholaminergic drive. While it iscurrently unclear how an elevated body temperature contributes to thedevelopment of fatigue, it seems possible that a critical core temperaturemay serve as a protective mechanism preventing potential damage to thebody by limiting further heat production.
Neurobiology of Fatigue*
Introduction
The limits of performance during prolonged exercise have been the subject of
numerous physiological and psychological studies. Fatigue has traditionally been
attributed to the occurrence of a ‘metabolic end point’, where muscle glycogen
concentrations are depleted, plasma glucose concentrations are reduced, and plasma
free fatty acid levels are elevated. However, the causes of fatigue are believed to be of
both peripheral and central origin, therefore, fatigue should be acknowledged as a
complex phenomenon influenced by both peripheral and central factors (Meeusen &
Piacentini, 2003; Meeusen et al., 2006; Nybo & Secher, 2004).
* Based on : Meeusen R, Watson P, Hasegawa H, Roelands B, Piacentini MF. (2006). Central Fatigue– the serotonin hypothesis and beyond. Sports Med, 36(10), 881-909.
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While there have been a number of neurobiological mechanisms proposed to
explain the apparent loss of neural drive referred to as central fatigue, the
neurotransmitter hypothesis first put forward by Acworth et al (1986), then later developed
by Newsholme and colleagues (Newsholme et al., 1987), has received the greatest
recognition to date.
The central fatigue hypothesis
The central fatigue hypothesis is based on the assumption that during prolonged
exercise the synthesis and metabolism of central monoamines, in particular serotonin
(5-HT), dopamine (DA) and noradrenaline (NA) are influenced. It was first suggested
by Newsholme and colleagues (1987) that during prolonged exercise increased brain
serotonergic activity may augment lethargy and loss of drive, resulting in a reduction in
motor unit recruitment. This, in turn, may influence the physical and mental efficiency
of the exercising individual, factors which could be regarded as central fatigue.
The serotonergic system has been suggested as an important modulator of mood,
emotion, sleep and appetite, and thus has been implicated in the control of numerous
behavioural and physiological functions (1). Serotonin is unable to cross the blood-
brain barrier (BBB), therefore cerebral neurons are required to synthesize it for
themselves. The initial step in this process is the uptake of the amino acid tryptophan
(TRP), across the BBB. TRP is the precursor for the synthesis of 5-HT, and increased
TRP availability to the serotonergic neurons results in an increase in cerebral 5-HT
levels, because the enzyme that converts TRP to 5-HT (tryptophan hydroxylase) is not
saturated under normal physiological conditions. Consequently the transport of TRP
into the brain is considered to be the rate-limiting step in the synthesis of 5-HT, with an
increase or decrease in brain TRP availability producing a corresponding change in
the rate of 5-HT synthesis within the CNS (Fernstrom, 1983; Meeusen et al., 2006).
It would be naïve to believe that the only regulator of 5-HT release and synthesis
is the delivery of TRP to a serotonergic neuron. Serotonin release is thought to be
influenced by the activity of other neurotransmitter systems, including DA and gamma-
aminobutyric acid (GABA) as well as cerebral glucose availability (Bequet et al., 2002).
Furthermore, it is possible that the interaction between brain serotonin and dopamine
during prolonged exercise could play a regulative role in the onset of fatigue.
The association between exercise performance and dopaminergic activity
becomes clear when we consider that dopamine plays an important role in motivation,
memory, reward and attention. In a similar manner to the dopaminergic system,
noradrenergic mechanisms are involved in feelings of reward. NA has also been
51FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
A síndrome do sobretreinoA síndrome do sobretreino
Francisco Alves
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa
ResumoO desempenho é o critério por excelência para a caracterização de umestado que se considera ser de falha de adaptação, produto dedesequilíbrios vários, de raiz psicossomática, neuro-endócrina, meta-bólica e imunitária. Factores de stress alheios ao processo de treinopodem ter uma influência considerável no desenvolvimento dosobretreino. Apesar da vasta literatura científica que nas últimas déca-das tem sido dedicada ao sobretreino, a descrição pormenorizada desinais e sintomas até agora realizada não é ainda suficiente para adefinição de um quadro diagnóstico padrão para a sua detecção preco-ce. Existe uma continuidade entre a sobressolicitação, correspondentea um nível de fadiga facilmente reversível e de dominante local, e asíndrome do sobretreino, onde se reconhecem distúrbios profundos naregulação neuroendócrina e no sistema imunitário, afectando os eixoshipotalâmico-hipofisário-suprarrenal e hipotalâmico-hipofisário-gonadal.As fases de sobressolicitação são habituais no processo de treino deatletas de alto rendimento e, se adequadamente geridas, podem pro-porcionar níveis máximos de optimização das aquisições e adaptaçõesde treino. Uma perspectiva actual pretende colocar o papel integradordo hipotálamo no centro de um processo que pode ter a sua origem nomicrotrauma adaptativo muscular que pode dar origem a processosinflamatórios locais devido a sobre-utilização e recuperação insuficien-te. A actividade acrescida das citocinas, em especial da interleucina-6actua directamente na rede neuronal hipotalâmica desencadeando res-postas de stress que conduzirão a uma subregulação das hormonasdo hipotálamo e simpático-adrenal. A intervenção preventiva no âmbitoda condução e orientação do processo de treino deve privilegiar umaabordagem multi-disciplinar, levando em linha de conta o comporta-mento do atleta, a sua resposta às tarefas do treino e a capacidade dedesempenho competitivo. A auscultação constante das apreciaçõessubjectivas feitas pelo atleta em relação à vivência do treino e do traba-lho em equipa são indicadores a encadear com a avaliação da respos-ta fisiológica ao exercício, sendo a estruturação de um “diário de treino”um passo fundamental nesse sentido.
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Importância e incidência do sobretreino em atletas de alto rendimento
Koutedakis & Sharp (1998), num estudo epidemiológico de espectro assinalável,
detectaram 38 casos declarados de síndrome de sobretreino num total de 163 atletas
masculinos e 94 femininos. Os atletas masculinos, em particular, surgiram com um
número muito superior de casos de sobretreino no Período Competitivo do que em
fases anteriores da época. O espectro das modalidades desportivas com casos docu-
mentados de sobretreino é vasto e não se limita aos atletas das modalidades “de
resistência” – (Meehan et al, 2004). Algumas revisões excelentes dão conta dos con-
tornos teóricos do seu enquadramento e o vasto conjunto de estudos experimentais
conduzidos até ao momento (Kreider et al, 1998, Polman & Houlahan, 2004; Steinacker
et al, 2004; Costa & Samulski, 2005; Meeusen et al, 2006).
Fadiga aguda, sobressolicitação e sobretreino: uma questão de grau?
O sobretreino (overtraining) é o resultado de uma discrepância reincidente
entre stress e recuperação ao longo do processo de treino. O termo stress englo-
ba aqui não só os factores de pressão sobre o atleta decorrentes do treino e das
competições, mas também os aspectos psicológicos e sociais extradesportivos
(Lehmann et al, 1993).
Tem-se designado por sobressolicitação (overreaching) uma situação de fadiga
permanente mas de duração limitada, de alguns dias a duas semanas, associada
provavelmente com níveis insuficientes de recuperação muscular, depleção local de
glicogénio; implica uma redução da capacidade de desempenho do atleta, mesmo em
treino e alterações visíveis no comportamento do atleta (Kentta & Hassmen, 1998). É
reversível após um curto período de recuperação activa de 1 a 2 semanas – redução
da carga de treino e aumento dos procedimentos especiais de regeneração
neuromuscular e metabólica – podendo emergir desta alternância um estado de
supercompensação, ou seja, um “pico de forma” tendente a proporcionar melhoria
significativa no desempenho competitivo.
Pode-se considerar que a aplicação de doses importantes de sobrecarga, impli-
cando a entrada num estado de sobressolicitação é um procedimento normal e neces-
sário no processo de treino. A acumulação de stress resultante do treino e de outros
factores exteriores ao treino, que resulta num decréscimo, a curto prazo, da capacida-
de de desempenho, pode surgir associada a sintomas fisiológicos ou psicológicos de
sobretreino, sem perder o seu carácter de facilmente reversível (Budgett et al, 2000).
O problema surge quando este estado de fadiga de curta duração se transforma um
65FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
As espécies reactivas de oxigénioe o desenvolvimento de fadiga muscular
As espécies reactivas de oxigénioe o desenvolvimento de fadiga muscular
Cristina Paula Monteiro Bento
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa
ResumoAs espécies reactivas de oxigénio têm vindo a ser reconhecidas comoefectores ubíquos de funções fisiológicas entre as quais a contracçãomuscular. Apesar da controvérsia dos resultados, são cada vez maisconsistentes as evidências de que o exercício físico intenso pode indu-zir um aumento da geração destas espécies. Os baixos níveis de espé-cies reactivas de oxigénio presentes nas condições basais são essen-ciais para a produção normal de força pelos músculos não fatigados. Oefeito positivo destas espécies é revertido para concentrações eleva-das, observando-se assim um efeito bifásico sobre a função contráctildo músculo esquelético não fatigado. É pois possível prever um estadoredox intracelular óptimo para o funcionamento contráctil, para o qual ageração de força submáxima é mais elevada. O afastamento do estadoredox deste valor óptimo conduz a uma diminuição da capacidade parao músculo gerar força. Esta capacidade pode ser regulada pelo estadoredox de proteínas como o canal de libertação do cálcio sensível àrianodina, a ATPase dependente do cálcio do retículo sarcoplasmáticoou os miofilamentos musculares. As duas primeiras são essenciais nocontrolo do nível de cálcio no citosol ao qual os últimos são sensíveis.À medida que as espécies reactivas de oxigénio se acumulam no mús-culo em actividade, o aumento da sua concentração inibe a produçãode força, contribuindo desta forma para o desenvolvimento de fadigamuscular. É provável que a regulação da sensibilidade das miofibrilhasao cálcio seja o mecanismo pelo qual as espécies reactivas de oxigénioparticipem no controlo da força produzida e em situações de stressoxidante contribuam para a instalação da fadiga. O desenvolvimentode estratégias preventivas e interventivas ao nível da actividade físicae da ingestão de nutrientes antioxidantes, pode contribuir para a dimi-nuição da ocorrência de situações de lesão ou de fadiga crónica.
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Espécies reactivas de oxigénio nos músculos esqueléticos
A presença de espécies reactivas de oxigénio nos músculos esqueléticos foi
inicialmente descrita na década de 1950 (Commoner et al., 1954 referido em; Smith &
Reid, 2006), mas só na década de 1980 se estabeleceu a primeira associação entre
estas substâncias e a função muscular. Os trabalhos de Davies e col. (1982) e de
Jackson e col. (1985), recorrendo a espectroscopia de ressonância de spin electrónico,
mostraram quantidades aumentadas destas substâncias em músculos de ratos que
tinham corrido até à exaustão. Associado aos aumentos do sinal emitido pelos radi-
cais livres, Davies e col. (1982) observaram a diminuição do controlo respiratório
mitocondrial, a perda de integridade do retículo sarcoplasmático e níveis aumentados
de substâncias reactivas como o ácido tiobarbitúrico. Jackson e col. (1985) observa-
ram ainda um aumento da libertação de creatina cinase para o plasma. Foi então
sugerida uma relação entre o aumento da geração de espécies reactivas de oxigénio
e as lesões oxidantes celulares observadas após a realização de exercício físico. Em
seres humanos, a espectroscopia de ressonância de spin electrónico associada a
sondas tem sido utilizada para a detecção de espécies radicalares no sangue (Ashton
et al., 1998; Groussard et al., 2003), tendo sido observado o aumento do sinal após o
exercício.
Devido ao curto tempo médio de vida das espécies reactivas de oxigénio, a
avaliação da sua produção durante a realização de exercício físico é frequentemente
efectuada de forma indirecta, recorrendo à quantificação dos produtos de lesão
oxidante. Estes resultam da reacção das espécies reactivas de oxigénio com os com-
ponentes celulares. Entre os marcadores bioquímicos de lesão oxidante encontramos
os produtos de lipoperoxidação, que incluem o pentano expirado, as substâncias
reactivas com o ácido tiobarbitúrico, o malonildialdeído, a susceptibilidade das LDL à
peroxidação in vitro ou os isoprostanos F2. Frequentemente são observados aumen-
tos destes marcadores de oxidação após a execução de vários tipos de exercício,
quer no terreno, quer em laboratório (ergómetros), de baixa ou alta intensidade e de
curta ou longa duração. No entanto, alguns investigadores não observaram altera-
ções dos seus níveis ou observaram inclusive a sua diminuição (revisto em Bento,
2005; Vollaard et al., 2005). Sendo a lipoperoxidação um processo complexo que pode
ser interrompido pelos sistemas antioxidantes, o facto de não se observarem aumen-
tos dos indicadores de lipoperoxidação não é indicador de que não tenha ocorrido
aumento da geração de espécies reactivas de oxigénio mas apenas de que estas
ficaram dentro dos níveis controláveis pelos sistemas antioxidantes. Groussard e col.
(2003), face ao aumento do sinal de spin electrónico e concomitante diminuição dos
níveis de substâncias reactivas com o ácido tiobarbitúrico no plasma após um teste de
79FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Nutrição e performance desportiva
Vitor Hugo da Costa Gomes Moreira Teixeira
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação – Universidade do Porto
Nutrição e performance desportiva
Resumo
Os elevados níveis de actividade física dos atletas, como resultado dotreino e competição, afectam as suas necessidades nutricionais. Ine-quivocamente, a alimentação influencia a sua saúde e desempenhodesportivo. Uma ingestão nutricional adequada contribui para optimizara composição corporal e a disponibilidade de substratos energéticos,possibilitando usufruir ao máximo do estímulo do treino. Os atletas têmum gasto energético acrescido, mas não há um imperativo biológicoforte para que a ingestão lhe corresponda em absoluto. Esta deverádepender dos seus objectivos quanto à modificação da composiçãocorporal e das reservas energéticas em função do desporto. Os glícidossão um nutrimento chave para os atletas, pelo que devem estar pre-sentes em quantidades significativas (5-12g/kg por dia) na sua alimen-tação. Ainda que não seja consensual, as necessidades proteicas dosatletas parecem ser superiores, particularmente nas fases iniciais deadaptação ao treino. Contudo, não é necessário promover um aumen-to do seu consumo, pois este habitualmente já supera as recomenda-ções (1,2 a 1,4 g/kg por dia para atletas de endurance e de 1,2 a 1,7g/kg por dia para os de resistência). Os lípidos, por sua vez, devemcontribuir com 20 a 25% da energia ingerida. Apesar de, provavelmen-te, ter maiores necessidades de vitaminas e minerais, a população deatletas ingere as quantidades necessárias ao assegurar as exigênciasenergéticas com base numa alimentação saudável. A suplementaçãonão tem efeitos ergogénicos e só se justifica nas raras situações dedeficiência. A alimentação no dia da competição tem especificidadesnutricionais, nomeadamente no que diz respeito a glícidos e fluidos,que devem ser satisfeitas para beneficiar a preparação, o desempenhoe a recuperação. O objectivo deste capítulo é descrever as caracterís-ticas nutricionais da alimentação do desportista em treino e em compe-tição.
FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Universidade Técnica de Lisboa80
Milos de Crotona comia diariamente cerca de 10kg de carne! Os seus adversá-
rios, alegando ser esta a razão da força deste lutador grego, exigiram tratamento se-
melhante aos juízes dos V Jogos Olímpicos (Maughan & Brurke, 2000). Mesmo que
se trate de um registo apócrifo, demonstra o reconhecimento da influência da alimen-
tação no desempenho desportivo em pleno séc. VI a.C..
Além dos limites impostos pela herança genética e das melhorias obtidas pelo
treino, nenhum outro factor desempenha um papel tão importante na performance
atlética como a alimentação (Maughan & Brurke, 2000). Uma boa nutrição não garan-
tirá, por si só, o sucesso atlético, mas na sua ausência o atleta não expressará o seu
potencial máximo. Uma selecção apropriada dos alimentos, quanto à quantidade, com-
posição e momento de ingestão, influencia a saúde e performance do atleta (ADA et
al., 2000; Maughan & Brurke, 2000). Uma nutrição optimizada promove melhores adap-
tações ao estímulo do treino, diminui o risco de lesão ou de doença, ao manter a
função imunológica, ajuda a obter e manter um peso e composição corporais adequa-
dos, preservando as massas muscular e óssea, modula a disponibilidade de substratos
energéticos e contribui para uma melhor recuperação após o exercício (ADA et al.,
2000). Apesar da crescente consciencialização da importância da alimentação, os
conhecimentos dos agentes desportivos nesta área ainda são escassos, prevalecen-
do a valorização de alguns mitos alimentares. É, portanto, importante complementar
os seus conhecimentos teóricos, com correspondência prática para atletas.
Nutricionalmente, o que mais diferencia sedentários de atletas é a maior neces-
sidade energética destes. O gasto energético com o exercício depende da natureza,
duração, intensidade e frequência deste, e das características do atleta (altura, peso e
composição corporal, idade e sexo) (ADA et al., 2000). A prática regular de exercício
eleva, também, o metabolismo basal, ao aumentar a massa muscular, a reparação de
tecidos e, transitoriamente, o consumo de oxigénio pós-exercício (Manore & Thompson,
2000). Os atletas devem ingerir energia suficiente para assegurar as necessidades
impostas pela actividade física, construção e reparação de tecido muscular e, se for
caso disso, crescimento e menstruação (Manore & Thompson, 2000). O aumento da
ingestão energética deve ser nutricionalmente equilibrado, o que pode ser difícil devi-
do ao stress físico e emocional, ao desgaste das viagens, ao prejuízo da digestão e
absorção durante o exercício, à dependência das merendas energeticamente densas,
à reduzida disponibilidade alimentar, ao escasso conhecimento sobre nutrição ou à
falta de habilidades culinárias (Saris, 2000).
O gasto energético de atletas pode ser extraordinariamente elevado, como no
caso singular dos ciclistas do Tour de France, com uma média de 6460 kcal por dia e
um máximo de 9570 kcal por dia nas etapas de montanha (Saris et al., 1989). No outro
extremo, observa-se uma ingestão energética muito baixa em desportos com compo-
95FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Os efeitos da fadiga no processo de tomadade decisão em tarefas desportivas
Duarte Araújo
Pedro Esteves
Laboratório de Psicologia do Desporto – Faculdade de Motricidade Humana,Universidade Técnica de Lisboa
Os efeitos da fadiga no processo de tomadade decisão em tarefas desportivas
Resumo
De acordo com a perspectiva ecológica, a tomada de decisão está in-corporada na acção orientada para objectivos estabelecidos para o atletae para a equipa, num determinado contexto. À medida que a competi-ção se desenvolve, o inevitável aparecimento da fadiga influencia oestado de relação funcional do atleta com o jogo. Este artigo explora oefeito da fadiga em tarefas decisionais, à luz da abordagem ecológica.Neste sentido a acção não é mecânica, específica de certas estruturasanatómicas, mas sim funcional, na relação que os sistemas de acçãoestabelecem com o ambiente, visando um objectivo. Esta perspectivapermite explicar porque vários estudos têm demonstrado uma facilita-ção da tomada de decisão à medida que os atletas vão acumulandofadiga. Todavia, a maioria das tarefas experimentais comprometem areplicação das condições específicas da competição, o que coloca al-gumas reservas na generalização das suas conclusões do contexto daexperiência para o contexto da competição. Uma das principais causasde enviesamento é o facto da tarefa cognitiva ser independente da ta-refa motora de indução de fadiga. Num estudo realizado por Esteves eAraújo (em preparação) foi analisada a influência do tempo de práticasobre a tomada de decisão, em situações de 3x3, realizadas em dife-rentes momentos de sessões de treino de uma equipa de basquetebol.Os resultados revelaram uma melhoria do desempenho decisional emparalelo com o aumento do tempo de exercício (fadiga). A melhoria doíndice de qualidade decisional é explicada como uma modificação dosprocessos de auto-organização dos sistemas de acção de forma amanter a eficácia na tarefa. Conclui-se que, apesar da influência dafadiga, um atleta assegura a concretização de um objectivo numa tare-fa, mediante a auto-regulação permanente dos seus sistemas de acção.
FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Universidade Técnica de Lisboa96
Introdução
Os desportos colectivos com bola apresentam um contexto rico para a análise
do comportamento decisional, dada a variedade de situações e de solicitações ofere-
cidas pelo jogo e criadas pelos jogadores. Tipicamente, os jogadores exploram
activamente o contexto, actualizando as informações sobre a posição da bola, dos
seus colegas e dos adversários. O jogador age para percepcionar novas informações
sobre as variações do jogo, percepção esta que proporciona novas acções. Esta rela-
ção entre percepção e acção decorre atendendo ao que se passa em cada momento
do jogo. A recolha permanente de todas estas informações permite um ajuste contí-
nuo da acção táctica do jogador (Araújo, 2005). Portanto, a decisão dos jogadores é
parte integrante da sua acção em busca dos objectivos estabelecidos para si relativa-
mente à equipa. Nesta perspectiva, tomar decisões é orientar mudanças ao longo de
um curso de interacção com o contexto, visando um objectivo. Estas mudanças no
curso de acção podem ter origem predominantemente no indivíduo (e.g., força mus-
cular, intenção) ou no contexto (e.g., as linhas de jogo), mas resultam sempre da
interacção entre jogador e contexto (Araújo, 2005).
Daqui pode-se depreender que o comportamento decisional ao longo do jogo,
não só incorpora a actualização do estado do contexto do jogo, como também do
estado em que se encontra o indivíduo. Um dos aspectos do jogador que se altera
com o decorrer do jogo é o nível de fadiga. A fadiga pode ser definida como o decrés-
cimo do desempenho devido à necessidade do indivíduo continuar esse desempenho
(Reilly, 2003).
Nos desportos colectivos com bola (DCB) assume-se a influência da fadiga quan-
do se constata uma deterioração na produção de trabalho à medida que se aproxima
o final do jogo. Esta inferência provém de estudos que compararam a distância per-
corrida entre a primeira e a segunda parte de jogos de futebol. Por exemplo Bangsbo
et al. (1991) relatam que a distância percorrida na 1ª parte de um jogo de futebol é 5%
maior que na 2ª parte.
Todavia, o facto de se percorrer uma menor distância não implica necessaria-
mente uma menor eficácia do desempenho. Por exemplo, apesar dos golos poderem
ser marcados em qualquer momento do jogo, a maior parte é marcada nos últimos 10
minutos (Reilly, 2003). Este dado pode também ter outra leitura pois, se os defesas
estão mais fatigados a marcação de golos no final do jogo poderá ser facilitada. De
qualquer modo será estranho que a correlação inversa entre fadiga e desempenho só
aconteça com os defesas, que são os mesmos que no instante seguinte participam no
ataque da sua equipa, o qual tem maior probabilidade de terminar em golo. Comple-
mentarmente, Reilly e Thomas (1979) apuraram que a menor distância percorrida na
111FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
2.ª PARTE
FADIGA E CONTROLO MOTOR
113FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Aprender a controlar a fadiga:Em busca de sinais em condução automóvel
Aprender a controlar a fadiga:Em busca de sinais em condução automóvel
Mário Godinho
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa
Resumo
No início deste trabalho situa-se o conceito de fadiga do ponto de vistaoperacional, de forma a permitir a sua utilização num contexto de inves-tigação. De seguida, distingue-se este conceito de outros, como o deaborrecimento e de exaustão. No contexto da condução automóvel aquestão da fadiga é analisada desde bastante tempo atrás, após evidên-cias de que seria um dos factores que inflacionava o número de aciden-tes rodoviários. Segue-se uma classificação de factores de fadiga e umasistematização dos efeitos desta variável nas tarefas de condução auto-móvel. É estabelecida a relação causal com o índice de acidentes, par-tindo de níveis de fadiga diferenciados em função do tempo de condu-ção e de outras variáveis relevantes. Enumeramos depois um conjuntode medidas remediadoras do estado de fadiga, entre as quais é de real-çar a redução do tempo de condução, o aumento do número e tempo deparagem, a utilização de rádio, o aumento da ventilação e vibração, arelação com problemas de sono e a ingestão de drogas inibidoras efacilitadoras. Terminamos com uma breve abordagem de processos deintervenção possíveis, com vista à redução da fadiga nas tarefas de con-dução automóvel. A tomada de consciência dos condutores dos seusníveis de fadiga é determinante para a redução da ocorrência de aciden-tes rodoviários. A realização de acções educativas neste contexto é situa-da no âmbito do processo de aprendizagem e das condições que permi-tem o seu maior sucesso.
Definição de fadiga
Correndo o risco de redundância numa publicação que assoma o tema da fadiga
como cerne, sentimos necessidade de situar o conceito de fadiga como ponto de
partida para o que se segue. Buscando uma definição ao dicionário encontramos a
relação de fadiga com o cansaço resultante de trabalho excessivo. No entanto o termo
FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Universidade Técnica de Lisboa114
assim definido é vago demais para ter qualquer utilidade em termos de investigação.
Neste âmbito há que procurar uma definição operacional que equacione as causas,
os mecanismos e os efeitos da fadiga em termos comportamentais.
Uma das primeiras definições de fadiga conhecidas data de 1914: “Fadiga é um
termo que, na sua aplicação mais ampla, abarca modificações imediatas e temporá-
rias, quer de carácter funcional ou orgânicas, que tem lugar num organismo ou em
qualquer dos seus constituintes como resultado directo da sua própria actividade, e
que tende a interferir ou inibir as actividades futuras do organismo. O seu efeito princi-
pal é a perda de eficiência, a redução da capacidade de trabalho ou de manter a
actividade; os seus sinais mais evidentes são prostração, redução de sensibilidade ao
ponto de um determinado estímulo provocar uma resposta de menor magnitude e
intensidade do que o conseguido previamente.” (Ash, 1914). Esta definição, apesar
de abrangente, peca por alguma inoperacionalidade.
Muscio (1921) foi um dos investigadores pioneiros a abordar o conceito de fadi-
ga e a sentir a necessidade de uma definição operacional de que resultassem formas
de avaliação concretas e mensuráveis. Bills (1934) define 3 dimensões no conceito de
fadiga: Fadiga subjectiva (a sensação de estar cansado); Fadiga fisiológica (determi-
nada por transformações corporais) e Fadiga objectiva (objectivada pelas deteriora-
ções evidentes na prestação). Mais tarde Bartley e Chute (1947) classificam a fadiga
em 3 categorias lato sensu: Medida do trabalho produzido – que se observa pelo
declínio evidente na sua capacidade de produção; Incapacitação – que se objectiva
por alterações fisiológicas ao nível dos vários sistemas (nervoso, cardio-respiratório,
motor, etc.) e Fadiga propriamente dita, entendida como a sensação subjectiva de
desconforto e aversão ao esforço. O caminho está assim aberto para a mensuração
da fadiga nas suas várias dimensões.
Até aqui equacionaram-se os diferentes tipos de fadiga numa perspectiva de
curto prazo em que basta o repouso ou a modificação da actividade para o indivíduo
conseguir retornar ao estado inicial. Exclui-se aqui uma das manifestações de fadiga
designada de crónica. Esta é sem dúvida uma realidade, no entanto está para além da
análise que pretendemos realizar neste trabalho.
Brown (1995) define fadiga como “uma experiência subjectiva em que o indiví-
duo tende a não continuar a prática da tarefa devido à percepção da redução de
eficiência na sua prestação”. Está aberta a mensuração das consequências da fadiga
e portanto encetado o caminho para processos de remediação.
123FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Fadiga e posturaFadiga e postura
Filipe Melo
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa
Resumo
A capacidade para mantermos uma determinada configuração postural(postura) numa gama variada de situações implica que o sistema de con-trolo postural se adapte aos diferentes constrangimentos associados àsituação (Newell, 1986). Estes constrangimentos, de origem interna (rela-cionados com o próprio indivíduo) ou externa (relacionados com a tarefaou o envolvimento), podem implicar o ajustamento das respostas posturaisatravés de uma alteração dos pesos relativos dos inputs sensoriais, ouseja, redefinindo a contribuição respectiva das diferentes fontes de infor-mação sensitiva. Os constrangimentos externos estão relacionados, porexemplo, com a ausência ou não de informação visual, a necessidade delocomoção ou de apoio numa superfície esponjosa ou elástica (colchão),etc., enquanto os constrangimentos internos estão relacionados com pro-cessos fisiológicos como, por exemplo, a adaptação dos limiares deexcitabilidade dos receptores sensitivos, ou a fadiga muscular. A influênciada fadiga no controlo postural tem sido analisada em diferentes vertentesque vão desde uma perspectiva ergonómica, associada a posturas profis-sionais e efeitos secundários associados (dor, patologia, etc.) até umaperspectiva mais fisiológica, procurando analisar a influência da fadiga emgrupos musculares, ou segmentos corporais específicos, ou ainda res-ponder a questões relacionadas com a eficácia e a performance huma-nas.
Controlo postural
O controlo postural pode ser considerado como o conjunto de processos sensó-
rio-motores que visa a manutenção do equilíbrio estático (implicando a manutenção
de uma base de suporte com o mínimo movimento) ou dinâmico (implicando a manu-
tenção de uma base de suporte estável enquanto se executa uma determinada
acção). A manutenção do equilíbrio depende na sua vertente da informação proveniente
da visão, sistema vestibular, mecanoreceptores plantares, e sistema proprioceptivo,
FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Universidade Técnica de Lisboa124
podendo ser influenciada através da modificação deste tipo de informação, e nomea-
damente através da estimulação por vibração dos proprioceptores do pescoço, da
região lombar ou da região posterior da perna. Na sua vertente motora, o equilíbrio, é
mantido à custa de um conjunto de reacções associadas a padrões de contracção
muscular específicos que permitem manter a estabilidade desse mesmo sistema or-
ganismo / envolvimento durante a acção a realizar (Panzer et al. 1995).
A manutenção da estabilidade postural, no Homem, é conseguida através de um
controlo sobre as articulações da anca, do joelho e do tornozelo. As diferentes formas
de controlo assumidas por cada indivíduo, chamadas de estratégias de controlo, po-
dem variar em função de diferentes factores, como a idade, o peso, etc. As estratégias
da anca e do tornozelo são consideradas formas de controlo postural em duplo
centradas na acção específica de uma destas articulações (Nashner, 1979, Winter et
al. 2003, Winter et al. 1996, Woollacott et al, 1986). Estes tipos de estratégia de con-
trolo estão normalmente associadas a populações de característucas etárias diferen-
tes. A estratégia do tornozelo, mais associada a uma população jovem, implica o blo-
queio do joelho e da anca ficando o controlo da estabilidade total do corpo na depen-
dência dos músculos posteriores da perna, enquanto que a estratégia da anca, as-
sociada a uma população mais idosa, implica a flexão do joelho e a libertação do
tronco relativamente aos membros inferiores, ficando o controlo da estabilidade do
corpo na dependência dos grupos musculares em torno da cintura pélvica (músculos
mais potentes).
Os aspectos do controlo neuromuscular podem ser quantificados através da
análise de diversos parâmetros associados ao controlo postural, como por exemplo, a
amplitude, a frequência, a área de oscilação ou o comprimento da trajectória do centro
de pressão corporal, entre outros. O valor apresentado por estes parâmetros traduz
assim as características comportamentais evidenciadas por cada indivíduo, numa
determinada situação1.
Winter e colaboradores (1996) descreveram a utilização do tornozelo e da anca
como estratégias de controlo do centro de pressão (CP) nos planos antero-posterior
(A/P) e médio-lateral (M/L) em que os músculos flexores plantares e dorsi-flexores
assumem um papel importante no minimizar dos movimentos A/P enquanto os mús-
culos adutores e abdutores dos membros inferiores parecem controlar as oscilações
do CP no plano médio-lateral.
1 Por exemplo, um elevado grau de alcoolémia está normalmente associado a níveis de vigilânciamais baixos e a uma maior oscilação corporal, implicando maior amplitude e menor frequência deoscilação do centro de pressão corporal.
133FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
3.ª PARTE
DOENÇA CRÓNICA E FADIGA
135FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
A fadiga na síndrome de fadiga crónicae na fibromialgia
A fadiga na síndrome de fadiga crónicae na fibromialgia
Cláudia Febra
Assistente Hospitalar de Medicina Interna – Centro Hospitalar de Lisboa
ResumoNo universo das doenças, a fadiga é um sintoma transversal que tra-
duz, na maioria dos doentes, uma resposta fisiológica adequada a uma
doença física ou psíquica subjacente. A fadiga crónica associa-se a
doenças crónicas e/ou graves, como são disso exemplo as doenças
oncológicas, auto-imunes, infecções virais, ou doenças psiquiátricas.
A fadiga como sintoma principal, tem sido estudada ao longo dos anos,
e conduziu ao estabelecimento de duas entidades nosológicas distin-
tas, a síndrome de fadiga crónica (SFC) e a fibromialgia (FM), que tra-
taremos separadamente.
Síndrome de Fadiga Crónica
A Síndrome de Fadiga Crónica (SFC) representa um problema grave na sociedade
ocidental, pela sua elevada prevalência (142-560/100.000 adultos nos Estados Unidos
da América,Weir et al., 2006)) e incapacidade resultante, sendo que 25% dos doentes
com SFC se encontram em situação de desemprego ou com algum subsídio por
invalidez. A SFC associa-se a uma diminuição de 37% na produtividade doméstica e
54% na produtividade laboral, o que representa uma perda de produtividade geral de
9,1 biliões de dólares anualmente nos Estados Unidos da América (Reynolds et al.,
2004).
A SFC foi definida em 1994 (Fukuda et al., 1994) como a fadiga persistente ou
recorrente durante pelo menos seis meses consecutivos, não aliviada pelo repouso e
condicionando uma redução substancial nas actividades ordinárias, acompanhada
por quatro ou mais de entre outros sintomas (fadiga pós-esforço, alterações de memória
ou concentração, sono não repousante, cefaleias, mialgias, artralgias, odinofagia e
adenopatias). Em 2003, um painel de consenso canadiano (Carruthers et al., 2003)
FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Universidade Técnica de Lisboa136
propôs uma definição alternativa, com maior aplicabilidade na prática clínica, incluindo
nos critérios, além da fadiga (recente e persistente, inexplicada ou com redução da
actividade diária) e fadiga pós-esforço (perda de capacidade física e mental exagerada
para o esforço desenvolvido), a disfunção do sono (sono não repousante ou perturbado
na quantidade ou ritmo), a dor (mialgia), algumas manifestações neurológicas
(confusão, desconcentração, desorientação, alteração da memória ou da percepção),
sintomas autonómicos (intolerância ortostática, síndrome de taquicardia postural,
palidez, náuseas ou síndrome de cólon irritável), sintomas neuroendócrinos (perda de
estabilidade termostática, sudorese, alteração de peso, agravamento com o stress) e
sintomas imunes (adenopatias, odinofagia recorrente, sintomas gripais e
hipersensibilidade a alimentos, fármacos ou químicos) (Carruthers et al., 2003).
O padrão epidemiológico da SFC caracteriza-se por um predomínio de mulheres
(10:1), pertencentes a minorias étnicas e de baixa condição sócio-económica. Num
estudo observacional realizado em Wichita- Kansas (Solomon et al., 2003), 93% dos
doentes com critérios de SFC eram mulheres, cujo início dos sintomas era gradual em
75%, a maioria com remissão sintomática independente de intervenção farmacológica
ou outra.
A etiologia e patogénese da SFC permanecem por esclarecer. A doença não
decorre de um factor desencadeante individual, mas da interacção de vários factores
ambientais com as características individuais dos doentes.
Vários autores publicaram resultados que demonstram a associação entre alguns
sintomas da SFC e disfunção do sistema nervoso autónomo, especialmente no controlo
da pressão arterial. Os doentes com SFC têm elevada prevalência de hipotensão
ortostática (Bou-Holaigah et al., 1995) e a prevalência de disautonomia atinge os 90%
(Schondorf & Freeman, 1999), o que não se verifica em outras entidades caracterizadas
por fadiga. Estudos recentes sugerem que co-existe um grau de insuficiência cardíaca
sub-clínica nos doentes com SFC grave (Naschitz et al., 2003), o que poderá justificar
a semelhança de sintomas entre estas duas entidades, nomeadamente a fadiga de
esforço, a intolerância ao frio e as alterações cognitivas.
A disfunção neuroendócrina tem sido apontada como interveniente na
etiopatogénese da SFC. A hipofunção do eixo hipotalâmico-pituitário-suprarrenal,
demonstrada pela resposta diminuída à estimulação com ACTH, estará na base de
um estado crónico de hipocortisolismo (Peckerman et al., 2003). Este hipocortisolismo
crónico poderá originar sintomas como a fadiga, artralgias, mialgias, cefaleias,
alterações do sono ou tonturas.
A etiologia infecciosa da SFC tem sido discutida na literatura, não se tendo
chegado a nenhum agente específico. Contudo, têm sido encontradas alterações
imunitárias cujo papel está por esclarecer: diminuição de células de defesa (“natural
141FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
O doente respiratório e o exercício físico
Fátima Rodrigues
Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia do Hospital Pulido Valente, EPEAssistente Convidada de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas
Universidade Nova de LisboaInvestigadora do Centro de Estudos de Patologia Respiratória da
Fundação para a Ciência e Tecnologia
O doente respiratório e o exercício físico
ResumoDe entre as doenças respiratórias crónicas, a doença pulmonar
obstrutiva crónica (DPOC) representa um enorme impacto em termos
de prevalência, morbilidade e mortalidade em todo o mundo, constituindo
actualmente um grave problema de saúde pública. Embora o pulmão
seja o primeiro órgão alvo desta doença, ela apresenta uma repercus-
são importante a nível de outros órgãos e sistemas, nomeadamente o
sistema músculo-esquelético, o sistema cardiovascular e alterações
nutricionais. Em face dos sintomas da doença, em particular, da dificul-
dade respiratória, os doentes com DPOC reduzem gradualmente o seu
nível de actividade física, levando a descondicionamento e a uma re-
dução progressiva da capacidade funcional para actividades da vida
diária, com resultante isolamento social e maior dependência. São
múltiplos os factores que limitam o exercício no doente com DPOC: a
obstrução brônquica, a dispneia, a hipoxémia e/ou a hipercapnia, a
fraqueza muscular, a desnutrição, as alterações electrolíticas, a medi-
cação, etc. Na avaliação clínica dos doentes, salienta-se a realização
da prova de exercício cardio-pulmonar em cicloergómetro ou em tape-
te rolante, a qual vai permitir avaliar as respostas fisiológicas e fisio-
patológicas ao exercício, evidenciando muitas vezes os factores que
limitam o esforço em cada caso. Esta prova permite ainda detectar os
riscos do exercício físico, nomeadamente a ocorrência de arritmias, de
isquémia do miocárdio e de dessaturação arterial de oxigénio. A reabi-
litação pulmonar e, em particular o treino de exercício é a intervenção
terapêutica mais potente na recuperação funcional destes doentes, com
vários benefícios documentados: redução da dispneia, aumento da to-
lerância ao esforço, melhoria da qualidade de vida, redução do número
de internamentos e redução da ansiedade e depressão associadas à
doença. Nesta apresentação abordam-se os aspectos clínicos da DPOC
e os principais factores que limitam o exercício nesta doença. Salienta-se
a importância da prova de exercício cardio-pulmonar na detecção desses
factores e o papel do treino de exercício na reabilitação funcional dos
doentes.
FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA
Universidade Técnica de Lisboa142
Introdução
Os doentes portadores de doença respiratória crónica reduzem a sua actividade
física como forma de evitar a sensação de dispneia ou dificuldade respiratória. O
progressivo descondicionamento físico associado à inactividade e ao sedentarismo
dá lugar a um ciclo vicioso em que a dispneia surge para esforços cada vez menos
intensos (Celli, 2002). Com a progressão da doença, a incapacidade para a realização
das actividades da vida diária é cada vez maior, o que leva ao isolamento social, à
ansiedade e depressão e a uma progressiva dependência de familiares para actividades
tão elementares como a higiene pessoal ou a alimentação.
Em todas as doenças respiratórias crónicas, a actividade física pode provocar
ou agravar a sensação de dificuldade respiratória, mas o paradigma da doença
respiratória crónica de carácter progressivo é a doença pulmonar obstrutiva crónica
(DPOC). Esta designação inclui a bronquite crónica obstrutiva e o enfisema pulmonar.
Trata-se de uma doença inflamatória com ponto de partida no pulmão, mas com
repercussão extra-pulmonar, dando origem, entre outras, à disfunção dos músculos
esqueléticos, a alterações nutricionais que podem levar à caquexia, e a um risco
aumentado de doença cardiovascular (Agusti, 2005). A DPOC constitui actualmente
um grave problema de saúde pública, sendo uma das principais causas de morbilidade
e mortalidade em todo o mundo e impondo elevados custos para o doente, família e
sociedade (Rodrigues & Reis-Ferreira, 2003).
A reabilitação pulmonar e, em particular, o treino de exercício, constituem a
abordagem terapêutica mais eficaz no recondicionamento físico destes doentes, com
redução dos sintomas, recuperação da sua funcionalidade, maior participação nas
actividades da vida diária e consequente melhoria da qualidade de vida (Nici et al.,
2006).
Esta apresentação pretende abordar os aspectos clínicos da DPOC, com
particular ênfase na repercussão desta doença na limitação da actividade física.
Abordam-se os principais factores que limitam o exercício nesta doença, salienta-se a
importância da prova de exercício cardio-pulmonar na detecção desses factores e o
papel do treino de exercício na reabilitação destes doentes.
Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica
A DPOC é uma doença caracterizada por uma obstrução das vias aéreas
pulmonares que não é completamente reversível. Esta obstrução é habitualmente
progressiva e associa-se a uma resposta inflamatória anormal a partículas ou gases
155FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Dor crónica e fadiga na osteoartrose
Margarida Espanha
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa
Dor crónica e fadiga na osteoartrose
ResumoA dor e a fadiga têm sido identificadas como responsáveis pelo maior
impacto na qualidade de vida dos indivíduos com Osteoartrose. Este
artigo pretende contribuir para um melhor entendimento desta patolo-
gia, a mais prevalente entre as doenças reumáticas. Os objectivos con-
sistem em perceber as causas e consequências da dor na Osteoartrose
e explorar as inter-relações entre a dor e a fadiga.
“Não pode existir dever humanitário mais premente que o alívio da dor”
(Coniam & Diamond, 1994)
Introdução
A dor é um sintoma presente em diversas patologias que leva à procura de
cuidados de saúde. Na população idosa a causa mais comum de dor crónica é de
origem músculo-esquelética, sendo a artrite (degenerativa ou inflamatória) responsável
isoladamente por mais de 80% da dor crónica nesta população (Ferrell & Ferrell, 1991).
A presença de dor persistente reduz significativamente a qualidade de vida, sendo a
principal responsável pela incapacidade física. A dor articular crónica (coxo-femoral e/
ou joelho) a qual se encontra associada a Osteoartrose (OA), doença reumática
prevalente, resulta numa incapacidade física cinco vezes superior à dos indivíduos
sem dor (Hopman-Rock et al., 1997).
De acordo com dados de um inquérito efectuado a 25.916 doentes de cuidados
primários de saúde pela OMS (Organização Mundial de Saúde), 22% dos doentes
tinham experimentado uma dor intensa durante seis meses, sendo a dor articular a
mais comum (Gureje et al., 1998).
169FADIGA E DESEMPENHO: Uma Perspectiva Multidisciplinar
Índice remissivo por autorÍndice remissivo por autor
Cláudia Febra, Dra.
Unidade de Cuidados Intensivos,
Hospital do Desterro, Lisboa.
Cristina Monteiro, Prof. Doutora
Departamento de Ciências da Motricidade,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Duarte Araújo, Prof. Doutor
Laboratório de Psicologia do Desporto,
Departamento de Ciências do Desporto,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Fátima Rodrigues, Mestre
Departamento de Pneumologia,
Hospital de Pulido Valente, Lisboa.
Investigadora do Centro de Estudos de
Patologia Respiratória da
Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Filipe Melo, Prof. Doutor
Departamento de Ciências da Motricidade,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Francisco Alves, Prof. Doutor
Departamento de Ciências do Desporto,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Margarida Espanha, Profa. Doutora
Departamento de Ciências da Motricidade,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Mário Godinho, Prof. Doutor
Departamento de Ciências da Motricidade,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Paulo Armada da Silva, Prof. Doutor
Departamento de Ciências da Motricidade,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Pedro Esteves, Dr.
Laboratório de Psicologia do Desporto,
Departamento de Ciências do Desporto,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Pedro Pezarat, Prof. Doutor
Departamento de Ciências da Motricidade,
Faculdade de Motricidade Humana,
Universidade Técnica de Lisboa.
Romain Meeusen, Prof. Doutor
Departamento de Fisiologia Humana e
Medicina no Desporto, Faculdade de
Educação Física e de Fisioterapia,
Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica.
Vítor Hugo Teixeira, Mestre
Faculdade de Ciências da Nutrição e
Alimentação, Universidade do Porto, Porto.
ISBN 978-972-735-154-1
www.fmh.utl.pt/Cart
Universidade Técnica de Lisboa
A FADIGA NO EXERCÍCIO E NO DESPORTO: Fadiga: um século de investigação n Fadiga neuromuscular
n Neurobiology of fatigue n A síndrome do sobretreino n As espécies reactivas de oxigénio
e o desenvolvimento de fadiga muscular n Nutrição e performance desportiva n Os efeitos da
fadiga no proceso de tomada de decisão em tarefas desportivas.
FADIGA E CONTROLO MOTOR: Aprender a controlar a fadiga: em busca de sinais em condução
automóvel n Fadiga e postura.
DOENÇA CRÓNICA E FADIGA: A fadiga na síndrome da fadiga crónica e na fibromialgia n O
doente respiratório e o exercício físico n Dor crónica e fadiga na osteoporose.
2ª edição