dialogos e perspectivas

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Gabinete deputada Stela Farias Maio de 2015. DIÁLOGOS E Perspectivas

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Palestra promovida pelo gabinete da deputada Stela Farias em 25 de abril de 2015 na AFOCEF, Porto Alegre, no evento Diálogos e Perspectivas, além de textos de Tarso Genro e Stela Farias.

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Gabinete deputada Stela FariasMaio de 2015.

DIÁLOGOS EPerspectivas

Page 2: Dialogos e Perspectivas

Emir SaderPalestra promovida pelo gabinete da deputada

Stela Farias em 25 de abril de 2015 na AFOCEF,Porto Alegre, no evento Diálogos e Perspectivas.

Tarso GenroCarta do ex-governador Tarso Genro postadopor Juremir Machado em 20 de maio de 2015

em seu blog do jornal Correio do Povo.

Stela FariasArtigo “O ritmo do governador cobra seu preço.”

deputada Stela Farias.

Gabinete deputada Stela FariasMaio de 2015.

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EMIR SADER

DIÁLOGOS & PERSPECTIVAS – 25 DE ABRIL DE 2015

I.

Uma análise de conjuntura não é um artigo, não é uma tese, é uma

tentativa de entender o que está em jogo, quem está enfrentando quem, qual é a

força de um lado, qual é a força de outro, qual é a projeção? Porque nós queremos

intervir. Não queremos apenas compreender. Nós temos que entender duas

coisas paradoxais. Primeiro, como é que num mundo tão desigual, tão neoliberal

ainda, tão expropriador de direitos, multiplicador de desigualdades, alguns

governos da América Latina conseguem andar na contramão? Segundo lugar, por

que tendo feito um governo tão a favor da grande massa da população, quase

perdemos a eleição? Não vamos conseguir responder tudo, mas pelo menos são

duas interrogações que nós temos que entender.

Primeiro, o mundo mudou muito e mudou para pior nas últimas décadas.

Não mudaram coisas menores. Não foi a conjuntura que mudou. Foi o período

histórico que mudou. As estruturas fundamentais do mundo se alteraram. Nós

tínhamos um período histórico que vinha do fim da Segunda Guerra Mundial, até

os anos 70 e 80 marcados pela bipolaridade mundial. Dois campos que se

equilibravam relativamente. Foi o desembocar daquela luta, depois que a

Inglaterra entrou em decadência, as duas guerras mundiais, que Lênin chamou

de “guerras inter-imperialistas”, que no fundo era a luta entre Estados Unidos e

Alemanha para ver quem sucederia a Inglaterra na hegemonia mundial. Como se

sabe deu Estados Unidos, com duas guerras e duas bombas atômicas, ganharam.

Só que aí surgiu o campo socialista com a vitória de 1917 e a vitória da China em

1949 e os acordos do pós-guerra que geraram o campo socialista. Então, nós

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1) Um dos mais famosos historiadores do Século 20. De orientação marxista, integrou grupo inglês que buscava entender a

história da organização das classes populares, suas lutas e ideologias, através da chamada História Social. Entre suas obras

mais célebres estão Era das Revoluções (1789-1848), A Era do Capital (1848-1875) e A Era dos Impérios (1875-1914).

Hobsbawm foi também responsável por análises aprofundadas sobre o que chama de "o breve século XX". Seu livro Era dos

Extremos, de 1994, tornou-se uma das obras mais lidas e indicadas sobre a história recente da humanidade.

vivemos uma situação de bipolaridade mundial. Não havia equilíbrio, havia

equilíbrio nuclear. Os dois poderia se destruir mutuamente, de maneira

praticamente simultânea. Economicamente, havia desigualdades. Esse período

acabou, não com a derrota de um dos campos, mas com o desaparecimento de

um dos campos e a vitória massacradora do campo imperialista. Então nós

passamos de um mundo bipolar para um mundo unipolar sob a hegemonia

imperial norte-americana, o que não é pouco dizer. Nós temos que tirar todas as

consequências disso, não é apenas um vitória 2 a 1, é uma vitória arrasadora,

porque o que foi derrotado ali, não foi apenas o modelo soviético, foi o

socialismo, tal qual existiu historicamente na sua primeira aparição. Se

desmoralizou o socialismo, o Estado, a política, os partidos, as soluções coletivas,

a economia planificada, quer dizer, um conjunto de categorias que marcavam a

esquerda no passado. Tudo isso se enfraqueceu, se desmoralizou. Então não foi a

derrota não apenas de um modelo determinado.

Mas a polarização no período passado era entre o capitalismo e o

socialismo. O socialismo desapareceu historicamente. Hoje nós não podemos

situar ninguém que diga, bom esse é o polo socialista no mundo. Tem objetivos,

intenções, mas não é o que hoje define a situação política mundial. Então a

primeira mudança é essa. Uma mudança enorme e regressiva.

A segunda nós tivemos do fim da Segunda Guerra Mundial até os anos

70, 80, um ciclo longo, expansivo do capitalismo. O capitalismo nunca cresce

linearmente, mas se formos passar uma régua, ele foi para cima como nunca

tinha ido. O Eric Hobsbawn¹ diz que foi a Era de Ouro do Capitalismo. Cresciam as

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2)Presidiu os Estados Unidos de 1981 a 1989, implementou uma série de iniciativas na economia que incluiu medidas de

desregulamentação, redução dos gastos governamentais e cortes de impostos. Até o final do governo, a inflação reduziu

significativamente, dezesseis milhões de empregos foram criados e o país cresceu a uma taxa média anual de 7,93%, mas o

déficit nacional quase triplicou. Seu mandato contribuiu para o renascimento ideológico da direita estadunidense. Faleceu

em 2004.

locomotivas Estados Unidos, Japão, Alemanha, crescia a América Latina, crescia o

campo socialista, então tudo era meio virtuoso, tudo jogava pra cima.

Agora nós estamos na época de um ciclo longo recessivo do capitalismo.

Porque, naquela fase, o setor hegemônico era grandes corporações industriais,

multinacionais, o modelo era a indústria automobilística, que empurrava pra

cima e que bem ou mal tinha alguns acordos com setores do movimento sindical,

o movimento operário, se interessava por modelos de distribuição de renda,

certo nível de reconhecimento de direitos e assim por diante. Quando acabou

aquela fase, veio essa discussão de por que deixou de crescer o capitalismo e o

argumento triunfante foi o argumento neoliberal, localizado pelo Ronald Reagan²

que dizia, tem muita regulamentação, a economia não cresce, tem muita norma,

tem muito obstáculo. Vamos desregulamentar, vai haver de novo investimento, a

economia vai crescer, todo mundo vai ganhar. Então, tudo que o neoliberalismo

fez é desregulamentação. Tirar freios para que o capital circule livremente.

Agora o que aconteceu não foi um novo ciclo de expansão. Como diz o

Marx, o capital não está afeito para produzir, está afeito para acumular. Se ele

pode ganhar em outro lugar, ele vai para outro lugar. Desregulamentado, ele foi

para a especulação financeira, aonde ele ganha muito mais. Ganha mais, paga

menos imposto, tem mais liquidez. Então, em escala mundial, há uma

transferência brutal de capitais do setor produtivo para o setor especulativo.

Então, o setor hegemônico hoje é o capital financeiro. Não o capital financeiro

que financia a produção, o consumo ou a pesquisa. É aquele que sobrevive da

compra e venda de papéis, modalidade especulativa que não produz nada. Chega

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3) Teoria econômica do início da década de 1930, quando o capitalismo vivia uma de suas mais graves crises. As nações

capitalistas geriam o campo econômico com base nas teorias estabelecidas por liberalismo clássico, doutrina econômica

onde se defendia que o desenvolvimento econômico de uma nação estaria atrelado a um princípio de não-intervenção do

Estado na economia. Os keynesianos buscam revisar as teorias liberais de Adam Smith, principalmente, no que se refere às

novas configurações assumidas pela economia capitalista. O nome vem do economista britânico John Maynard Keynes, que

em sua obra “Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro” estabeleceu seus pontos fundamentais.

no fim do dia, fala que a Bolsa de Valores produziu não sei quanto...ela não gerou

nenhum emprego, nenhum bem. Então, em escala mundial ela produziu isso.

Não quer dizer que tem os capitalistas bons que produzem e os capitalistas maus

que especulam. Todo o grande grupo capitalista tem o capitalismo financeiro na

cabeça. O Grupo Votorantim ganha mais na especulação do que produzindo

cimento. Então, essa é a razão porque é um ciclo longo e recessivo. Por que o

capital financeiro não está impulsionando nenhum tipo de retomada do

desenvolvimento, nem produção, nem emprego, nem nada.

Terceiro lugar, nós passamos de um modelo keynesiano³, regulador, de

bem-estar social, que bem ou mal, reconhecia o direito das pessoas, os Estados

mais ou menos atendiam às demandas da população, nós passamos para o

modelo liberal de mercado, que é todo mundo competindo contra todo mundo,

de maneira selvagem. Em detrimento dos direitos se afirma a mercantilização. O

direito a Educação passa a ser a Educação como mercadoria, a saúde também. É

isso que prolifera, um modelo que é o modo de vida norte-americano. Isso é o

que hoje domina o mundo. O elemento mais forte da dominação capitalista

norte-americana neoliberal, não é o econômico – olha a recessão – não é o militar

– a intervenção americana não consegue sair do Afeganistão e do Iraque, depois

de destruir esses países. Então, não é superioridade militar, nem política. É

superioridade ideológica. Os valores norte-americanos predominam no mundo

amplamente. Mesmo pessoas pobres de periferia tem expectativa de consumo

de shopping center, de marcas, de McDonalds. Não estou generalizando, mas é

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4)Historiador marxista inglês, editor da New Left Review, com influências do pensamento de Sartre, Gramsci, Lukács e

Althusser. Dedicou-ser a introduzir, comparar e criticar as principais correntes da tradição marxista ocidental.

predominante. A China que faz um esforço extraordinário, que acho que

precisamos valorizar muito, conseguiu tirar 300 milhões de pessoas da miséria

em pouco tempo, mas o estilo de consumo é o de shopping center. Nós vamos lá,

e os shopping centers são os mesmos daqui. A utopia neoliberal é o shopping

center. Lugar onde só entra consumidor, só entra quem tem poder aquisitivo.

Então tem um poder seletivo de só entrar quem tem poder aquisitivo. Tudo é feito

para ser vendido, é o modelo neoliberal. Tudo é mercadoria. Tudo se vende, tudo

se compra, tudo tem preço. Lá é grátis, só o berçário, para cuidar das crianças para

a madame poder comprar tranquilamente. Ao contrário da praça pública,

não é? Então, esse é o modelo que domina pelo mundo afora, não há outra

sociabilidade, outros valores, que se contraponham a isso. Os que se contrapõem

também são reacionários, não é? Islâmicos, evangélicos. Então, os Estados 4Unidos deitam e rolam no plano ideológico. O Perry Anderson , na análise que ele

fez da França, falava uma frase dura para a gente, mas que é verdade: “E quando

finalmente a esquerda chegou ao governo, tinha perdido a batalha das ideias.” O

neoliberalismo fracassou e por isso a gente triunfou em vários países, como

modelo econômico. Mas deixou uma herança ideológica brutal: essa ideia da

exaltação absoluta do consumo. O que interessa é o consumo, o acesso a bens, ao

shopping center, ao McDonald’s. O menino fala: eu vou no Mac! O que você vai

fazer no Mac? Vou comer sanduíche! Então porque você não fala que vai comer

sanduíche. Não, ele vai no Mac! É uma coisa ontológica. Estar num lugar

determinado. Para a antropologia, o shopping center é o não-lugar, porque não

tem espaço e não tem tempo, não tem janela e não tem relógio. A pessoa entra ali

e se desvincula de seu mundo. Se desvincula da sua culinária, do seu artesanato,

para se articular através das marcas com um circuito global de consumo. Então, é

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homogeneizador do consumo e é o modelo de consumo com todas das vantagens

que a gente sabe que tem: estacionamento para o mau tempo, só falta

maternidade e cemitério para a pessoa nascer e morrer ali. Nasceu, tem o que

fazer lá. Depois, quando tiver para morrer, tem que ser transferido. São vitórias

ideológicas fundamentais. A América Latina foi uma vítima privilegiada dessas

mudanças.

Primeiro houve a crise da dívida. Nós tínhamos tido um crescimento

extraordinário nos anos 30 – na reação à crise de 29 – até a crise da dívida. Daí os

nossos governos –muito responsáveis – tomavam emprestado com uma taxa de

juros flutuante. Quem vai no banco e toma dinheiro emprestado sem saber

quanto vai pagar de juros? Eles faziam isso! De repente os Estados Unidos

elevaram a taxa de juros brutalmente no fim dos anos 70 e todo mundo ficou

endividado localmente e acabou o ciclos de desenvolvimento. Até a palavra

desenvolvimento desapareceu. Então, foi a primeira bordoada para toda a

América Latina. Era Fundo Monetário Internacional, era buscar dinheiro para

pagar as dívidas.

Em segundo lugar, tivemos as ditaduras militares em alguns do países

mais importantes da América Latina: Brasil, Uruguai, Chile e Argentina; que

quebrou a capacidade de resistência do movimento popular pela repressão e

facilitou o terceiro elemento negativo:

A América Latina é a região do mundo que teve mais governos

neoliberais e os mais radicais. O Chile era um dos países socialmente mais

avançados do continente. Costa Rica, Uruguai e Chile eram a Suíça da América

Latina. O Chile teve retrocessos sociais, o ensino universitário é pago até hoje. A

Bachelet está fazendo enormes esforços depois da mobilização estudantil para

que a universidade pública deixe de ser paga. A previdência social foi toda

privatizada. São retrocessos estúpidos, não é? A Argentina era autossuficiente

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Page 9: Dialogos e Perspectivas

5) Foi presidente da Argentina de 1989 a 1999 pelo Partido Justicialista (Peronista), introduziu uma série de reformas

colocou o valor do peso argentino em paridade com o dólar americano(Plano Cavallo), privatizou os serviços de utilidade

pública (incluindo as companhias petrolíferas, os correios, telefone, gás, eletricidade e água) e permitiu a entrada de

investimentos direto de fundos estrangeiros que ajudaram a domar a hiperinflação e melhorar a economia, mas ao custo de

desemprego considerável. Alguns anos após o termo de prazo de Menem, a combinação de convertibilidade, taxa de câmbio

fixa, o enorme déficit orçamentário revelou-se insustentável e mesmo com empréstimos do FMI, abandonado em 2002,

colheu com efeitos desastrosos sobre a economia argentina.

em Petróleo numa semana o Menem privatizou e entregou a Repsol e está a

Argentina hoje com um dos problemas graves da economia é a importação de

energia, subsídio ao consumo. Então, como conjunto dessas coisas a América

Latina desapareceu, não existia mais, não incomodava mais. O querido

comandante Hugo Chávez, conta que em 2001 – não faz tanto tempo assim – em

Quebec, o Bush ia apresentar a Área de Livre Comércio das Américas. Todo

mundo lá, na hora de votar, o Bush falou: para facilitar quem estiver contra

levanta a mão. Quem estiver a favor fica sentado. Daí, o pobre do mulatão 5levantou, olhou para atrás, Fujimori, Menem , todo mundo quietinho. Em 2001,

tinha um consenso neoliberal estúpido na América Latina. A América Latina

desapareceu. Só existia nos jornais quando tinha privatizações: oba vamos lá; ou

crise financeira: opa, vamos sair de lá! Nós desaparecemos como continente com

aquela subserviência que a gente conhece bem.

Foi por isso que começaram a surgir os governos anti-neoliberais aqui

mesmo. Foi onde mais sofremos a exploração, a dominação neoliberal. Vocês

conhecem a sequência impressionante de governos: Venezuela, Brasil,

Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, na contramão da História. Governos que

tem algumas característica em comum: primeiro lugar a prioridade não é o ajuste

fiscal. A prioridade são as políticas sociais. A América Latina é o continente mais

desigual do mundo e o Brasil é o país mais desigual do continente mais desigual.

Então, qualquer governo com sensibilidade popular privilegia as políticas sociais.

O neoliberalismo do Fernando Henrique Cardoso achava que a estabilidade

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monetária – no começo houve uma recuperação do poder aquisitivo – e ele tinha

razão em dizer que a inflação é um imposto aos pobres, para que não se defenda a

inflação. Então houve uma certa euforia, ele conseguiu se reeleger mal e mal e em

seguida veio a crise brutal de janeiro de 1999, ele subiu a taxa de juros para 48%.

Mas não era um governo que promoveu políticas sociais.

Então, a primeira prioridade é essa: as políticas sociais. Isso é o que dá

prestígio, apoio, estabilidade a esses governos todos apesar de todas as

dificuldades que têm. É sobretudo um voto popular em qualquer dos nossos

países, é o voto popular, do beneficiário dessas políticas é que tem eleito e

reeleito esses governos todos.

Segundo lugar, a prioridade não é mais tratar do livre comércio com os

Estados Unidos, é processo de integração regional, intercâmbio sul-sul. Isso é o

que fez com que a gente se defendesse da crise, por exemplo! Fazem falta as

demandas da Europa, dos Estados Unidos e do Japão, por isso nós baixamos o

ritmo de crescimento, mas, nós temos alternativas. Inclusive temos um mercado

interno de consumo popular. Como diz o Lula: “Pobre não é problema. Pobre é

solução!” Se botar dinheiro na mão do pobre, ele não vai botar no HSBC na Suíça,

ele vai consumir, vai intensificar a dinâmica econômica, reativar a economia, vai

ser possível cobrar mais impostos, gerar mais empregos, então por isso, nós o

defendemos.

A alternativa era a Área de Livre Comércio das Américas, que era o que o

México fez. Eles foram os primeiros a chegar lá e tratar de comércio com os

Estados Unidos e com o Canadá. Ele achou que tinha casado com uma viúva rica,

casou com uma viúva quebrada. Os Estados Unidos, na verdade, é um dos

epicentros da recessão mundial. A idéia era essa. O Chile era o próximo. Mas daí

veio a crise mexicana, depois a crise brasileira, a crise argentina, então desenhou-

se um fracasso desse modelo.

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A nossa alternativa, o nosso lugar no mundo mudou. Nossas prioridades

são as integrações regionais, é o intercambio Sul-Sul, em que as relações com a

China são fundamentais. Em qualquer outra crise internacional, muito menos

grave do que essa, nós todos teríamos ido para a recessão, de maneira muito pior

do que a Grécia ou Portugal. Agora nos defendemos heroicamente até. Então, é o

segundo elemento que nos diferencia do neoliberalismo.

O terceiro elemento é o resgate do Estado. A centralidade para o

neoliberalismo é o mercado. Resgatamos o Estado como elemento de

dinamização da economia e elemento de garantia dos direitos sociais.

Então, são três elementos fundamentais que explicam porque podemos falar que

estamos numa dinâmica de saída do modelo. E a razão pela qual a Argentina dos

anos 90 não é a Argentina de agora, o Brasil da década de 90 não é o Brasil de

agora e assim por diante... Qualquer outra visão redutiva, que é a mesma coisa –

tem gente por aí falando coisa, voltando a levantar umas ideias que levantavam

em 2003: - ah, o Lula traiu! O PT acabou! Não sei o que lá..., não entenderam

exatamente o que estava acontecendo e nem agora parecem entender.

Toda a ideia de que um governo do PT ia ser uma continuidade do

neoliberalismo não funcionou. Por isso o Enigma-Lula. Quem não decifra o

Enigma-Lula incorre nisso! A direita e a ultraesquerda. Os dois ele papou. Essa

característica de exercer esse governo, alguns são mais radicais. Os nossos são e

nos queremos que sejam muito mais antineoliberais. O da Venezuela, da Bolívia e

do Equador, são antineoliberais e se dizem anticapitalistas. Deram um passo

nessa direção, com movimentos mais profundos do que a gente fez até agora.

Esse é o quadro geral que explica porque a gente conseguiu dar essa

virada. Agora esses governos todos não retomaram as nossas economias como

elas estavam antes da crise da dívida. Passou muita coisa, muito retrocesso,

receberam uma herança muito pesada. Primeiro um Estado desfeito,

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desarticulado, sem nenhuma capacidade. Numa entrevista que fizemos com a

presidente Dilma, ela disse que o Ministério das Minas e Energias, que tinha a

Petrobrás, tinha dois engenheiros e oito chauffeures. O mercado resolvia tudo,

não tinha o que fazer. O Estado mínimo é isso aí, quantificando, dá oito

chaufferes.Então, o Estado estava desfeito, a economia escancarada,

desindustrializada. Portanto, passou a haver um processo de fortalecimento da

primarização da economia. Voltou a ter papel importante a exportação de

produtos primários, energéticos, soja, etc. Esse foi outro elemento regressivo do

ponto de vista econômico como herança: Recebemos um endividamento. O

governo Lula recebeu uma profunda e prolongada crise do governo Fernando

Henrique, que dizia que o Estado gasta muito e gasta mal e ele entregou para o

Lula um Estado com uma dívida pública com mais de 10 vezes o que ela era

anteriormente. Ele fez uma mágica com a inflação e foi lá e a converteu em dívida

pública. Então, a herança foi pesada. No começo ela foi amainada, mitigada,

porque justamente esses produtos primários estavam valorizados no mercado

internacional, ao contrário da tendência histórica normal, que agora volta a se

impor. Eram os produtos que acabaram alavancando nossa economia. Havia uma

certa expansão pequena da economia internacional, mas sobretudo tem a

demanda da China. É muito chato depender da soja, mas quem vai deixar de

exportar para a China? Um das poucas coisas seguras no mundo é que a China

vai continuar a comer cada vez mais e comprar soja e nós não vamos deixar de

exportar! O problema é que é uma soja produzida por agronegócio, transgênica e

todos os problemas que tem, mas foi um elemento que continua a favorecer uma

certa retomada do crescimento econômico. Um combinação de preços externos

favoráveis e uma política fortíssima de distribuição de renda. O PT pode ter

mudado muito e certamente mudou, mas manteve uma fidelidade histórica:

prioridade do social, luta contra a desigualdade. Não foi pelos caminhos que a

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gente pensava, mas isso é o que faz com que a gente defenda antes de tudo, esse

governo! O fato de grande massa da população melhorar significativamente e

continuar a melhorar.

Então, este foi um fator que permitiu que a gente remasse contra a

corrente durante um tempo razoável. Continuamos a remar, mas agora com

dificuldades, porque a crise internacional começou em 2008 e não se sabe

quando vai acabar. Não é só isso. O neoliberalismo permanece dominante no

mundo. A Europa tem uma crise neoliberal e aplica soluções neoliberais:

austeridade, austeridade, austeridade. Isso significa para nós diminuição da

demanda, além do que, continuidade da hegemonia do capital financeiro, do

capital especulativo, volátil. Eu diria que o primeiro dos problemas que nós temos

pela frente, que nós continuamos a alimentar de maneira dramática é a

hegemonia do capital financeiro, em escala mundial e no Brasil. Esse é um dos

problemas graves que a gente tem. Se não quebrar a espinha dorsal do capital

financeiro, não vai ter de novo ciclo de desenvolvimento econômico.

A Dilma, consciente disso, prometeu em 2010 que ia baixar a taxa de

juros a 6%, que é o nível do mercado internacional, não atrairíamos o capital de

fora, predatório, fundos-abutres como chamam os argentinos, ao mesmo tempo

não incentivaríamos a especulação no plano interno. Ela começou a fazer e não

segurou pelo terrorismo econômico da mídia desde o começo do governo dela.

Ela pagou o preço de não ter democratizado minimamente os meios de

comunicação. Então ela foi vítima do terrorismo econômico e começou a subir (os

juros). Desde a nosso gloriosa vitória do fim de outubro, voltamos a subir quatro

vezes a taxa de juros. Uma coisa é fazer ajustes de contas públicas que estava

desajustadas, outra coisa é incentivar a especulação financeira. Com que

argumentos você vai convencer um empresário, que não é exatamente um

patriota (o capital não tem pátria, busca lucro) estando alimentando com uma

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Page 14: Dialogos e Perspectivas

taxa de juros mais alta do mundo, ele vai pra lá. Onde ele ganha mais, paga menos

imposto e tem liquidez total. Se amanhã não gostar da economia, aperta o botão e

vai para a Bolsa de Tóquio. É um capital sem nenhum compromisso. Isso é um dos

problemas que a gente tem. Quebrar a hegemonia do capital financeiro, porque há

um modelo econômico e social que o povo gostou, que elegeu e se reelegeu

durante quatro eleições, que pode voltar a se eleger. Só que nós estamos no

capitalismo e o capital está na mão deles, os capitalistas. Se houver uma dinâmica

que desincentive o investimento, menos ainda eu vou investir. Então, é um dos

principais problemas que a gente tem, porque se dá em escala internacional, por

isso a Europa não se recupera. Bom, fracassou o modelo neoliberal, só que não é

um problema de ir bem ou ir mal, são interesses econômicos por trás disso. O

capital financeiro é hegemônico em escala mundial. Quando veio a crise, o Obama

falou, é preciso salvar os bancos - senão o teto vai cair na cabeça de todo mundo,

todo mundo depende dos bancos. Daí salvaram os bancos que vão muito bem,

obrigado - porque eles se salvaram e quem começou a quebrar foram os países,

como a Grécia, Espanha, Portugal... mas, o sistema financeiro está mais

hegemônico do que nunca. Não só pelos seus interesses, mas pelo que são

interesses defendidos pela União Européia, pelo Banco Central Europeu, pelo

Fundo Monetário, etc.

Essa é uma luta difícil, mas nós temos que encontrar uma maneira de

quebrar essa hegemonia em nível nacional, ou regional, que é a única maneira

provavel de quebrar. Aprofundar a integração regional, encontrar formas de

regulamentação da circulação do capital financeiro.

O segundo problema é o peso do agronegócio no campo. Tudo bem, tem

que continuar a produzir, mas uma vez que entra o transgênico é difícil. Aqui no RS,

pequena e média empresa também produz com transgênico. Porque a Monsanto

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faz chantagem, não vende um adubo se não compra outro. Então, tem que

acelarar o processo de acesso à terra. Reforma Agrária. Acelerar o crescimento da

agricultura familiar, da pequena e média empresa que é quem produz alimentos

para o mercado interno e quem gera empregos. Então, esse é um tema pendente.

Nos melhoramos um pouco neste governo com um Ministério do

Desenvolvimento Agrário um pouco mais forte, mas é uma luta difícil e desigual,

porque o ritmo da expansão do agronegócio vem da demanda chinesa, que

continua. É bobagem de a China diminuiu o crescimento econômico. Desde que a

China começou a crescer, se fala que ela tá diminuindo. Só que crescer 7,5% no

patamar que ela está hoje, é muito mais do que crescer 12% lá atrás. Então ela vai

continuar comprando, felizmente eles vão continuar comendo. É uma luta

desigual porque o ritmo de crescimento é da demanda chinesa da soja.

Terceiro lugar, a democratização dos meios de comunicação. Porque o

neoliberalismo é a ditadura do dinheiro. O capital financeiro de maneira mais

pura, o agronegócio, os meios de comunicação penetrados pelo poderio

econômico, algumas famílias que tentam falar em nome do país. Perderam todas

as eleições em escala nacional. Quantos votos teve Otávio Frias Filho para falar

em nome do país ou para dirigir a Folha de São Paulo? Só teve um voto, o voto do

pai dele, é uma empresa familiar, não tem nada que ver com legitimidade. Nem

essa mentira de que o leitor é que manda o leitor não conta nada. Conta é a

publicidade da agencias. Tanto assim que está essa decadência espetacular, a

importância que eles tem, é porque o jornal dá a pauta para as cadeias

monopolistas de rádio e televisão. O cara senta na redação, abre o jornal e

multiplica o que está dito ali, é um poderio enorme, que dá a pauta nacional. A

gente faz guerrilha na internet, mas o exército regular é deles, que ocupa os

grandes espaços, a gente fica tentando desmentir o que eles dizem, mas a

iniciativa é deles.

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Na campanha eleitoral, o terrorismo deles foi neutralizado pelos horários

eleitorais. Quando chegou na última pesquisa sobre opinião, a massa da

população, inclusive os eleitores do Aécio, estavam a favor da situação

econômica. O modelo estava certo, a expectativa era positiva, emprego, tudo,

porque isso é uma questão de argumento. A questão da corrupção é difícil,

porque fica 10 anos falando: você é corrupto, seu cachorro é corrupto, etc. Pega

uma pecha daquele tamanho. Essa não se reverteu. A primeira dá, porque os

próprios dados econômicos não são o desastre que eles dizem que foram.

É um terrorismo econômico. Ideologia espontânea. Coloca o microfone

na frente de uma senhora que foi fazer compra no supermercado e pergunta: os

preços aumentaram ou diminuíram? É claro que aumentaram. Baixar de preço

não é notícia. Há um terrorismo econômico reiterado que se transforma em força

material porque desincentiva o crescimento.

A falta de democratização dos meios de comunicação permitiu um clima

de pessimismo nacional, na contramão do que o Lula tinha conseguido. Tudo

bem, o Lula tinha condições mais favoráveis, mas nunca a autoestima do

brasileiro foi tão forte, quanto na época do Lula. Pelo crescimento, pela

valorização do país.

Há outras questões pendentes, por exemplo, o financiamento público de

campanha eleitorais. O Congresso deveria ser um retrato da pluralidade da

sociedade e não tem nada a ver. Os lobbys dominam, o lobby do agronegócio é

enorme, dos trabalhadores rurais é mínima. Então, entre a sociedade e o

Congresso, tem a intermediação do dinheiro e aí deforma absolutamente, não é?

São elementos que são obstáculos para a gente retomar um crescimento

econômico e político. Não são só fatores de democratização política.

E há concepções equivocadas do governo para entramos diretamente na

conjuntura. Nós ganhamos por pouco. Ganhamos na política social. Onde a

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política social foi predominante, nós ganhamos. Onde os meios de comunicação

tiveram uma influência maior – mesmo nos setores populares – eles estiveram na

frente. Aquela apuração eleitoral na qual o fuso horário nos salvou o coração, não

tivemos que acompanhar aquilo, olhando retroativamente, começava com as

grandes cidades do Centro-Sul com dois terços a um terço. Levando na prática

uma política social que inquestionavelmente favoreceu a massa da população,

nós perdermos a opinião pública, perdemos os argumentos, inclusive para o

setores pobres. Tem pesquisas que mostram que quem é beneficiário do Prouni,

por exemplo, gente pobre mesmo, a maioria está contra o Bolsa Família. O

mesmo princípio, no segundo argumento a gente consegue convencer, mas não

tem segundo argumento. Tem só imprensa e confusão também. Então as

condições estariam dadas, com uma vitória muito mais significativa. Não houve

democratização dos meios de comunicação. Ganhamos por pouco e o governo

não sabe como encarar as dificuldade. A arquitetura que o Lula montou

genialmente lá atrás, foi desfeita. Um acordo com o PMDB que permitia ter

maioria política. Muita gente falava: a governabilidade é um pretexto para fazer

aliança com qualquer um. Éramos minoria e somos minoria. Foi a aliança com o

PMDB que possibilitou esses aspectos positivos, inclusive. Só pensam no aspecto

negativo. Toda essa política de prioriorização das políticas sociais, política externa

soberana, papel do Estado, tudo isso foi feito com a maioria conquistada com a

aliança com eles, Então tem um fator, uma aliança que tem idas e voltas. Não é só

um lado dela. Isso foi desfeito. Nós podemos até analisar por quê? Segundo, uma

aliança com setores do empresariado, que possibilitava um certo nível de

investimento e um certo nível de crescimento econômico. Essas duas alianças

foram desfeitas. Para quem achava que governabilidade era bobagem, olha

aí...agora tem ingovernabilidade, ou tinha, até ontem.

Ingovernabilidade significa isso, um governo cercado por uma maioria

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Page 18: Dialogos e Perspectivas

hostil e que toma iniciativas e vota coisas, não só a nível de valores gerais, mas a

nível de políticas que freiam, amarram as mãos do governo. Então, tem que ser

reestabelecida (a aliança), mas tem problemas de fundo, mais graves. O primeiro

deles, é que nós não fomos capazes de eleger um Congresso melhor. Nós

perdemos o debate político-ideológico, nós fomos hostilizados como partido,

isso funcionou, tanto assim que nós perdemos 20 parlamentares. Alguns dos

melhores, nós perdemos, inclusive. Um retrocesso no conjunto do Congresso, na

esquerda e dentro dos setores tradicionais do PMDB, uma correlação de forças

que mudou desfavoravelmente. Então, nós vamos ter que arcar esse mandato

todo com um congresso conservador. Isso tem um preço. Muita gente que

reclama da Dilma tem razão em fazê-lo, mas o que quer que ela faça com um

Congresso que nós deixamos na mão dela, completamente hostil, negativo,

reacionário, conservador? Nós cometemos erros. O governo passado acabou

antes das eleições e só começou recentemente. Enquanto isso, eles fizeram uma

campanha eleitoral para ganhar a Câmara, sozinhos. Depois na hora de eleição

eles fizeram o que o PT queria, que era lançar um candidato do PT. Precisavam de

alguém para poder falar, esse é o governista contra o qual vamos levantar. Foi uma

derrota arrasadora, vergonhosa, falta de traquejo político. 6Não estou pedindo que o governo leia Gramsci , mas que leia Maquiavel!

Notícias ruins, o governo dá durante cinco meses e a notícia boa sai uma vez. Tudo

que é ruim, fica dando pauta o tempo todo, quando tem um notícia boa, aparece

naquele dia e a imprensa esconde depois. Tem a falta de iniciativa política, de

capacidade. Agora, eles criaram um sentimento de hostilidade em relação ao PT

que é muito grave. Com algumas razões de fundo, que a gente sabe, o PT cometeu

6) Antonio Gramsci (1891-1937) foi um filósofo, político, cientista político, comunista e antifascista italiano, famoso

principalmente pela elaboração do conceito de hegemonia e bloco hegemônico, e também por focar o estudo dos aspectos

culturais da sociedade (a chamada superestrutura no marxismo clássico) como elemento a partir do qual poder-se-ia

realizar uma ação política e como uma das formas de criar e reproduzir a hegemonia.

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Page 19: Dialogos e Perspectivas

erros. O mais grave de todos, nós termos deixado por 12 anos acontecer tudo isso

que as empreiteiras faziam com a Petrobrás. Nossa menina dos olhos de ouro, nós

dirigimos durante 12 anos e nenhum dos nossos presidentes enriqueceu, mas

não fomos competentes, não soubemos proteger aquilo, a empresa mais

importante no presente,no passado e no futuro do Brasil. Por isso que o Lula anda

furioso com essas coisas.

Parece que nós tomamos um Estado como uma máquina, um aparato

para fazer funcionar. Funciona bem, funciona mal, troca peça aqui ou ali...o

Estado é um ente político, é uma instituição que constitui cidadania, tem que ter

transparência absoluta, interesses públicos, recursos públicos, tem que ser uma

coisa acima de qualquer suspeita. Nós não fizemos isso, fizemos políticas de

alianças e deixamos que setores manejassem as coisas do jeito que bem

entendessem. Um espécie de troca-troca. Houve dificuldades, nós não tínhamos

condições de fazer alianças com melhores possibilidades, mas não é possível que

a gente dirija o Estado brasileiro durante 12 anos e deixe acontecer coisas com a

conivência expressa de petistas ou não. É um erro grave de concepção. N ã o

consider o Estado como instituição cristalina, transparente, que defende os

interesses públicos. Tanto assim, que a Dilma não fala! A Dilma tem que falar o

tempo todo, ela tem obrigação de prestar contas. Agora, até no 1° de maio parece

que ela vai renunciar de falar. Na verdade foi se criando essa coisa. Agora se fala,

tem que ser em circunstancias muito especiais, em rede nacional, não usa outros

instrumentos para falar à massa da população. O Estado é um ente político, tem

que falar, tem que apelar à consciência, tem que explicar, tem que discutir, tem

que ouvir. Esse é um elemento grave na conjuntura e nós temos que corrigir isso

para poder retomar um diálogo com a massa da população.

Várias coisas estão sendo feitas e a gente pode perfeitamente recuperar

essa massa pobre da população, que não teve consciência até agora que é

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Page 20: Dialogos e Perspectivas

beneficiária das políticas sociais. As pesquisas mostram que tem esses

argumentos do tipo: “melhorei porque me esforcei”. Você não se esforçava nos

anos 90? Você era preguiçoso e agora se esforçou? Ou oportunidade: “aproveitei

a oportunidade”. Não é assim. Você sabe, nos Estados Unidos não tem pobre, tem

fracassado. O cara tem um monte de oportunidades. Deu errado, fracassou!

Na verdade, todo mundo tem que ter direito, não importa a

circunstância, isso que é determinante. A consciência dos direitos, que não foi

difundida porque não temos meios para fazer, onde tem meios não se utiliza. Isso

é um contraofensiva ideológica fundamental que a gente tem que tocar para

frente. Temos que utilizar todos os instrumentos que nós temos. Estamos

vivendo um momento importante, perigoso falar que o pior já passou, mas acho

que há sintomas de enfraquecimento do inimigo, há divisão no campo deles. Eles

tinham conseguido uma unidade impressionante. A derrota que nós tivemos com

a terceirização na Câmara foi vergonhosa. Ficamos nós, o PSOL, PCdoB e algum

que outro gato pingado. Um projeto tão escandaloso que até o Renan e o Senado

ressentem isso, até o PSDB ressente, foi aprovado. Isso é uma derrota política,

ideológica daquele tamanho. O mundo do trabalho não tinha quem o

defendesse. Está recompondo isso, relativamente.

Eu estava na Argentina e os companheiros perguntavam qual é a

situação? Eu respondi: vocês sabem o que tem que fazer, mas não sabem se vão

continuar a governar. Nós sabemos que vamos governar, mas não sabemos o que

fazer. O governo Dilma não disse a que veio no segundo mandato. Até agora está

administrando a crise, achando que com esse pacote unilateral, incompetente,

insuficiente vai acalmar o mercado e retomar o crescimento econômico. Não é

verdade. Nenhum pacote de ajuste leva a crescimento econômico. Depois, o

governo não diz o pacote que tem. A ideia da Pátria Educadora foi uma grande

sacada. Mas ficou ali. Primeira reunião do Ministério, tem pouquíssimas reuniões

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Page 21: Dialogos e Perspectivas

ao longo do mandato, não se tocou no tema, que era aparentemente, o slogan

fundamental do segundo mandato, segundo o discurso dela. Não tocou.

Poderia ser exatamente a ideia de que nós vamos fortalecer a consciência social

que é o que faltou para a gente ganhar. Nós fizemos políticas populares e a massa

não identificou. Tem quadros supercompetentes para fazer a articulação política,

não tem sido feitas. Agora tem até pessoas importantes dirigindo os meios

de comunicação, Berzoini, Edinho, etc. que tem condições de avançar. Não dá

para avançar no Congresso, mas dá democratizar as verbas, dá para fortalecer

rádio e televisão públicas, dá para fortalecer redes de internet, dá para fazer

muita coisa, mas é preciso tomar iniciativa. O governo está absolutamente

paralisado. Como disse o Lula para a Dilma: “Dilma, quantas notícias você deu ao

povo brasileiro, desde que você ganhou a eleição? Nenhuma. E olhas as ruins

aqui.” Que é a verdade mais elementar, não se faz política dessa maneira. Por

mais sacrifício que ela tivesse pedido à nação, tem que ter contrapeso. Já houve

vários. Várias medidas de compensação, relativamente, mas é uma situação de

disputa, de enfraquecimento, de perda de iniciativa na política e disputa

hegemônica em condições muito desfavoráveis para nós, sobretudo, nos meios

de comunicação.

Meios de comunicação e democratização, caráter público do

financiamento. Se houver isso, melhoram as condições de disputa. Senão vai ser

um governo muito na defensiva, muito de minoria, como que fazendo cera até

terminar o mandato. Vai ser uma derrota grande.

O primeiro mandato foi um mandato em que a economia não cresceu,

houve estagnação econômica, crescimento em nível vegetativo, no ritmo de

crescimento da população. Mas, muito coerente, a Dilma expandiu as políticas

sociais só que deu um desarranjo nas contas públicas. Os recursos não cresceram

para isso nem tributação, nem crescimento econômico. Ela pode fazer o arranjo

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Page 22: Dialogos e Perspectivas

de cozinha que ela achar que tem que fazer, mas, em primeiro lugar, não pode

aumentar a taxa de juros sempre. Em segundo lugar, não pode achar que é um

ajuste fiscal que vai fazer retomar o crescimento econômico.

Nós temos um congresso em junho e acho que nós estamos perdendo a

oportunidade de começar a dar uma virada no PT. Falar em crise do PT é uma

obviedade. O que o PT está fazendo diante disso? Qual é a grande virada que ele

tá tentando fazer? A primeira grande medida foi essa, a de acabar com o

financiamento privado de campanha. É importante pelo lado de deixar essa

promiscuidade terrível que em vários estados o PT passou a ter com o

empresariado. Em segundo lugar, por obrigar que a militância consiga

financiamento. É um ponto de partida para a gente começar a dar uma virada no

PT. Talvez não precise ter esse negócio de refundação, que não tem muita

consistência – o quê que seria, sem especificar – mas passar a limpo a filiação de

todo mundo, fazer um código de ética e fazer todo mundo assinar para se

comprometer. Não basta isso, mas é um ato, um gesto político. Não adianta ter

700 mil membros que só participam na prévia. É botar outra maneira de

mobilização política.

É claro que a nossa grande referência é o Lula. Porque o PT acaba ficando

sem atividades, o governo não tem iniciativas políticas e acaba se transferindo

para o Lula grande parte disso. Mas o Lula não pode fazer mais coisas ainda, ele

está ajudando a costurar essas alianças políticas - aliança econômica não pode

porque depende da política econômica. Que argumento ele vai ter para as

pessoas investirem se a taxa de juros é a mais alta do mundo? Tem que haver uma

virada aí, também nas orientações gerais do governo.

II.

Uma síntese do que eu falei: nós estamos numa etapa histórica em

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Page 23: Dialogos e Perspectivas

defensiva, pela mudança geral da correlação de forças. O tema central hoje no

mundo é neoliberalismo versus antineoliberalismo. Conforme a maneira da

gente lutar contra o neoliberalismo podemos encaminhar alternativas para

desembocar no socialismo, mas é uma coisa em perspectiva. Os avanços mais

importantes que a direita teve no Brasil foram a reversão da imagem do PT e a

reversão da imagem da Petrobrás. São duas coisas graves que nós temos que ver

como enfrentar.

Eu acho que o primeiro mandato da Dilma não se deu conta de que as

coisas estavam mudando. Ele sobreviveu surfando no sucesso do Governo Lula. A

situação internacional começava a mudar, relação com o empresariado

começava a mudar, que o PMDB começava a mudar. Eu fiz um livro junto com o

Marco Aurélio de balanço de 2010. O Brasil passado a limpo, chamando atenção

para essas coisas, mas não teve sucesso.

Tem uma visão tecnocrática do governo, que o Estado é uma máquina e

não um instrumento político, o que é grave. Há exageros quando se fala do pacote

econômico da Dilma, dizendo que ela está fazendo a política econômica da

direita. Não é verdade. Não é nenhum consolo dizer que não é da direita, ele é

ruim. Mas o Aécio é o diagnóstico de que o salário mínimo é a razão do baixo

crescimento econômico, imagina o que vinha aí.

Infelizmente, pelo Congresso nós estamos disputando com o PMDB, sim.

Tem gente que fala, então o poder pertence ao PMDB. Pertence a quem tem o

voto de Minerva. Ou o PSDB ganha o PMDB ou nós ganhamos. Vamos ver em que

condições a gente consegue negociar. Não tem governabilidade e acho que é o

que a direita quer. O impeachment nunca foi possível, nem golpe nada. Foi um

boi de piranha enquanto Eduardo Cunha avançava para ganhar posições graves.

Não temos que entrar nesse jogo. Isso não está colocado, é uma maneira de

questionar a legitimidade da Dilma e dificultar a governabilidade.

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Page 24: Dialogos e Perspectivas

A alavanca da terceirização pode virar a situação. Está virando em nível

de massa. Eles tiveram aquela vitória avassaladora, agora a reação, muita gente

quem não se pensava trabalhador, começa a olhar para o contracheque e percebe

como ele pode ser afetado hoje, amanhã, depois de amanhã. A identidade do

trabalho mesmo, pode se fortalecer a partir disso. O Lula colocou que é uma

questão de honra, a gente pode virar eventualmente, no Senado, pode ficar

encalacrada a situação, conforme a atitude do Renan e eventualmente a Dilma

vetar. É uma questão que pode ser um instrumento de virar, até pelo significado

social que ela tem.

De fato, no conjunto da América Latina, a direita está jogando na

Argentina. Infelizmente, apesar do extraordinário governo dos Kirchner, o que se

pode fazer é não perder, o que é um candidato moderado lá, mas já bastaria para

evitar que eles tivessem uma vitória nos seis países. Uma coisa é golpe branco em

Honduras ou no Paraguai que não tinha nem se consolidado. Outra é vitória aí.

Devemos fazer tudo que pudermos para apoiá-los nisso.

Quem é militante nunca é pessimista. Se fosse pessimista, teria deixado

de ser militante. O militante está procurando os lugares de intervir, em condições

desfavoráveis. Temos que ter realismo disso. Tem que mobilizar, levar esperança,

levar expectativa.

Neste aspecto, eu quero falar uma última coisa. Elaborei um projeto e propus

para o Lula e ele topou, se chama o ”Brasil que queremos”, que é uma visão

estratégica de país. Sair um pouco da conjuntura e pensar que país a gente quer.

Não tem nada que ver com plataforma do Lula para 2018. Pode vir a ter, mas não

tem nada que ver. É discussão com movimentos sociais, intelectuais,

profissionais...tem um documento inicial que eu estou preparando para

interpelar, sair e discutir com todo mundo. O Lula gostou muito. Ele é empírico, é

pragmático. Mas o Lula, ao contrário de nós, pensa enquanto fala. E como pensa.

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Você está conversando com ele e vem as ideias.

Vai ter um primeiro documento para colocar para todo mundo os

problemas, as questões de futuro e daí fazer um calendário de debates pelo Brasil

todo, com os movimentos sociais, com o PT e eu queria que um momento

especial desses fosse o Fórum Social Brasileiro, mas as ONGs, não aceitaram que

o FSM fosse em Porto Alegre.

Então a proposta é preparar para fazer em janeiro um momento

específico. Não vamos falar no Outro Brasil Possível, que nós estamos começando

a construir, mas com a ideia do Brasil que queremos construir, esse é um

momento especial desse debate.

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Page 26: Dialogos e Perspectivas

O ritmo do governador cobra seu preço

Há uma imobilidade planejada em curso no Rio Grande do Sul que faz

parte da estratégia política do atual governo gaúcho para uma série de medidas

que a médio prazo inclui a privatização de serviços, a venda de estatais e a

redução das funções públicas do Estado. O dilema no entanto, está no fato de que

a estratégia ultrapassou os limites da política e tem afetado de maneira dramática

o cotidiano da população. O grau de insegurança provocado pelas medidas de

redução do custeio da Brigada Militar e Policia Civil somada a impunidade

resultado do vácuo provocado pela ausência do poder público, abriu as portas

para a criminalidade atuar em qualquer hora e lugar. Os casos são cada vez mais

frequentes e alarmantes, multiplicando a sensação de insegurança. Não se trata

de uma crítica da Oposição ao Governo Sartori, porque inúmeras autoridades

tem registrado e chamado atenção para o aumento vertiginoso não só de casos,

como da audácia da guerra do tráfico que deixou os guetos e ganhou as ruas.

Bom, talvez possamos deixar a hipocrisia de lado e reconhecer que o fato da

criminalidade sair das regiões de baixo estrato econômico para se universalizar

em toda a cidade, é o que de fato tem chamado a atenção.

Mas há ainda outro elemento mais grave na autogestão da criminalidade

e seus nefastos efeitos colaterais. Quando os criminosos entram em guerra, custo

a acreditar que um cálculo irresponsável pode estar em curso, o de deixar que se

eliminem mutuamente, poupando assim o trabalho da polícia. Seria como se

retrocedêssemos à barbárie pré-civilização e no meio desse caos provocado pela

ausência intencional, estão trabalhadoras e trabalhadores gaúchos que perdem a

vida.

O Governo Sartori tem a responsabilidade de dar respostas aos gaúchos,

especialmente, porque foi eleito com um intenso apoio da população, ainda que

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Page 27: Dialogos e Perspectivas

não tenha apresentado nenhum projeto ou programa para administrar o Estado.

O tempo de esconder-se atrás de esquivas retóricas, gracejos ou

responsabilizando a gestão anterior, já acabou. Assim como a retórica de que

precisamos respeitar o ritmo do governador. Não há mais tempo para esperar. A

cada dia amplia-se a violência e o número de inocentes mortos. Estratégias

políticas são do jogo, exceto quando a vida das pessoas está por um fio.

Stela Farias

Vice-líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa

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Page 28: Dialogos e Perspectivas

Carta do ex-governador Tarso Genro

Postado por Juremir em 20 de maio de 2015.

Publiquei aqui, ontem, texto sobre a crise do Rio Grande do Sul. O ex-governador

Tarso Genro me enviou a carta que segue.

“Caro Juremir: não tenho feito análises do Governo Estadual, por duas

razões: primeiro, porque todo o Governador que assume precisa um tempo para

organizar sua equipe e suas primeiras ações; segundo, porque uma crítica séria só

pode ser feita sobre propostas concretas. Por isso devo aguardar mais um pouco

para opinar sobre as estratégias do Governo atual. Manifesto-me somente

quando alguma questão em debate diz respeito ao meu Governo e às propostas

que implementamos e apresentamos na sequência da campanha. É o caso do teu

excelente texto, que leio hoje no Correio do Povo.

Lembro que durante todo o meu Governo e durante a campanha adverti

da grave situação financeira do Estado. O próprio Correio chegou a publicar que o

Governador admitia que o Estado estava “quebrado” (metáfora adequada se o

Estado fosse uma empresa privada e destinada a dar lucros). Mas, ao longo do

Governo, sempre repeti algumas coisas: vamos usar o Caixa único, vamos usar os

depósitos judiciais, vamos obter recursos para investir com financiamentos

nacionais e internacionais, vamos aumentar a arrecadação melhorando a

fiscalização e a base tecnológica da Fazenda, vamos aumentar a cobrança da

dívida ativa, vamos atrair empresas nacionais e internacionais, vamos pagar

contrapartidas à União para receber recursos conveniados. E fizemos tudo isso.

Só assim foi possível financiar o Estado, com uma visão transparentemente

defendida, certa ou errada: só se sai da crise, crescendo! –– repeti como um

mantra.

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Page 29: Dialogos e Perspectivas

Mas porque falo tanto em financiamentos? Porque, enquanto eles não

são usados e estão no Caixa Único, esses e outros recursos ajudam a manter o

funcionamento da máquina! Há décadas isso é assim. Quando foi sancionado o

projeto de reestruturação da dívida, obtivemos novo espaço fiscal para novo

financiamento de mais dois bilhões, no mínimo. E este novo financiamento não

aumenta a dívida do Estado, que ficaria, no mínimo, no mesmo nível. Sabes por

quê? Porque a reestruturação feita pela Lei Federal diminuiu o passivo, nos

permitindo, portanto, buscar novos recursos das agências locais e internacionais

sem aumentar o montante final da dívida. Temo que o Governo atual não saiba

que, no caso do Rio Grande, não é necessário regulamentar a Lei Federal, que

reestrutura a dívida dos Estados, para apresentarmos e obtermos novos

financiamentos.

Deixei, aliás, pronto um Termo de Referência, que entreguei ao

Governador Sartori, antes da sua posse, para um novo financiamento em

infraestrutura, que iríamos apresentar já em novembro do ano passado se o povo

gaúcho nos reconduzisse para governar. Tenho respeito pelo novo Governador,

que foi eleito por decisão soberana do povo gaúcho e desejo apenas salientar que

as nossas diferenças, na verdade, estão sendo testadas na prática. Sei que aquilo

que o Governo atual pretende fazer, fará na melhor das intenções. Como, aliás,

ficou claro nos debates eleitorais. Agradeço, Juremir, tua atenção a esta carta.

Tarso Genro.” Para reflexão dos nossos leitores.

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