dificuldades do processo de sucessÃo...
TRANSCRIPT
1
FACULDADE DOIS DE JULHO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO
DANÚBIA OLIVEIRA GONÇALVES
DIFICULDADES DO PROCESSO DE SUCESSÃO FAMILIAR: UM
ESTUDO SOBRE O ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES EM UMA
DESTILARIA BAIANA
SALVADOR - BA 2009
2
DANÚBIA OLIVEIRA GONÇALVES
DIFICULDADES DO PROCESSO DE SUCESSÃO FAMILIAR: UM
ESTUDO SOBRE O ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES EM UMA
DESTILARIA BAIANA
Monografia apresentada ao Curso de graduação em Administração, Faculdade Dois de Julho, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Administração. Orientadora: Prof. Claudiani Waiandt.
SALVADOR - BA
2009
3
DANÚBIA OLIVEIRA GONÇALVES
DIFICULDADE NO PROCESSO DE SUCESSÃO FAMILIAR: Um estudo o encerramento das atividades em uma empresa baiana.
Monografia apresentada ao curso de Administração Geral da Faculdade 2 de Julho, como pré-requisito para obtenção do grau de (bacharel) pela Banca Examinadora composta pelos membros:
( ) Aprovado
Data / /
Profª. Claudiani Waiandt Doutora em Administração de Empresas pela UFBA Profº. Paulo Morais Mestre em Administração de Empresas pela UFBA OBS.:
4
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor Jesus, pelo amor de pai.
A minha mãe, pela ousadia de me fazer uma fazer uma pessoa melhor.
Ao meu pai, pelo cuidado.
A minha irmã por ter me acolhido e feito do meu sonho, uma causa própria.
Ao meu irmão, apesar da distância, sempre estendeu a mão quando precisei.
Ao meu marido Allan, obrigada pelo amor e companheirismo.
A Maria Carolina, pela inspiração.
A minha amiga Silvinha, minha irmã, obrigada pelo apoio.
A minha professora orientadora Claudiane, pelo apoio e compreensão.
5
RESUMO
OLIVEIRA, Danúbia Gonçalves. Dificuldades Do Processo De Sucessão Familiar: Um Estudo Sobre O Encerramento Das Atividades Em Uma Destilaria Baiana. 2009. 42p. Monografia (Graduação em Administração) - Faculdade Dois de Julho, Salvador-Bahia.
A pesquisa tem como temática central a empresa familiar em um estudo que integra questões relativas ao processo sucessório, assim como a cultura organizacional. A pesquisa foi realizada pela abordagem qualitativa, usando um estudo de caso realizado em uma empresa familiar de pequeno porte que teve, depois de 41 anos de existência, suas atividades encerradas após a sucessão. Foram realizadas três entrevistas com o sucessor, familiares e ex-funcionários, para obtenção dos resultados. A pesquisa mostrou os principais momentos vivenciados pela empresa, qual a relação do processo sucessório com o fim da empresa.
Palavras- chaves: empresa familiar, cultura organizacional, sucessão familiar.
6
ABSTRACT
The research has as central thematic the familiar business in a study that integrates questions about succession process, as well organizational culture. The search was conducted by qualitative methods, using a case study carried out in a familiar-owned business that had, after 41 years of existence, its activities stopped after the succession. Three interviews were conducted with the successor, relatives and former employees to obtain information. The research showed the key moments experienced by the familiar business, and what is the relationship of the succession process with its end. Key Words: familiar business, organizational culture, familiar succession.
7
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 – MODELO CONCEITUAL DOS TRÊS CIRCULOS .....................................15
FIGURA 02 – NOVE TIPOS DE SUCESSÃO ......................................................................21
8
SUMÁRIO
1.Introdução...............................................................................................................................9
2. Empresa Familiar ..........................................................................................................12
2.1. Conceito de Empresa Familiar ...........................................................................12
2.2. O Modelo Conceitual de Três Círculos..............................................................14
2.3. Cultura Organizacional na Empresa Familiar .................................................16
2.4. O Processo Sucessório em Empresas Familiares.............................................. 18
2.5. Profissionalização de Empresas Familiares.......................................................22
3. A Trajetória da Destilaria Baraúnas.................................................................................25
3.1. A História da Família.......................................................................................25
3.2 . A Primeira Tentativa de Sucessão....................................................................30
3.3. A Segunda Tentativa de Sucessão.......................................................................32
4. Considerações Finais..........................................................................................................35
Referências Bibliográficas.....................................................................................................38
Anexos......................................................................................................................................39
9
1. INTRODUÇÃO
A empresa familiar ao longo do desenvolvimento do estudo foi qualificada, pejorativamente,
por pragmática, centralizadora, informal, entre outros. No entanto, a empresa contemporânea
que tem grande importância para a economia, nasceu como negócio familiar. Esse tipo de
empresa apresenta as mais variadas formas, da loja da esquina, com um número pequeno de
funcionários, até a multinacional, com vários deles.
Referente à empresa familiar é relevante a realização de estudos que procurem aprofundar o
conhecimento de sua dinâmica. Desta forma, a partir da década de 1990, incentivou-se uma
abordagem diferente daquela que já havia sendo estudada, a abordagem simbólica. Para
Waiandt (2005), essa abordagem vem se consolidando a partir da publicação de diversos
trabalhos acadêmicos e da formação da rede informal de pesquisa “Family Organization
Network” que é constituída por membros (professores e estudantes) de várias partes do
mundo, que buscam um enfoque que prioriza as dimensões subjetivas no estudo sobre as
organizações familiares.
As questões subjetivas envolvem comportamentos diferentes por parte dos membros
familiares que fazem parte da empresa familiar. No entanto, elas são mais percebidas em
determinadas fases nas quais a empresa é obrigada a passar, como a sucessão, em que os
familiares envolvidos no processo estão com sentimentos aflorados.
Nesse período, estão presentes às tomadas de decisões, divergências, conflitos familiares que
podem repercutir em resultados negativos para a empresa. A falência é fruto desse momento
delicado, que precisa, dentro da dinâmica empresarial familiar, ser mais estudada e analisada.
De acordo com o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), das
6 a 8 milhões de empresas em funcionamento, 90% delas são empresas familiares, mas
mesmo diante desses números positivos, a preocupação em manter uma empresa familiar é
grande.
O objetivo do trabalho foi analisar as principais dificuldades de sucessão em uma empresa
familiar, tendo como estudo de caso a história da Destilaria Baraúnas, que funcionou quase 50
10
anos e teve uma trajetória marcada pela fundação, evolução, sucesso e falência. Para tal,
foram realizados os seguintes objetivos específicos:
• Verificar a sucessão da empresa pesquisada.
• Descrever a história da empresa, do seu nascimento até a falência.
• Analisar o desenvolvimento da empresa, verificando sua gestão, a liderança dos
proprietários e situação financeira.
A pergunta que delineou a pesquisa foi: quais os fatores que determinaram o encerramento
das atividades da Destilaria Baraúnas? Pressupõe-se que o fundador, por não ter formalizado a
sucessão, ocasionou interferências por demais membros da família, gerando conflitos.
A pesquisa contribui para academia, pois ressalta a falência em uma organização após a
sucessão, a qual é pouco planejada por parte dos empresários desse tipo organização, por não
terem consciência da complexidade que envolve a fase sucessória de uma empresa familiar.
A pesquisa foi realizada através de uma abordagem qualitativa, que permite “o exame de um
conjunto básico de áreas problemáticas relacionadas à interação social, processos históricos e
estruturas organizacionais”. (ROESCH, 1999, p.198). Tem como estratégia permitir o estudo
de fenômenos em profundidade dentro de seu contexto; “é basicamente adequado ao estudo
de processos e explora fenômenos com base em vários ângulos” (ROESCH, 1999, p. 198).
Através das características, observa-se que a pesquisa qualitativa é um método que permitiu,
entre outros, uma análise processual, contextual e longitudinal das várias ações e significados
que se manifestam e são construídos dentro das organizações (ROESCH,1999).
A partir desse ponto foi possível analisar as dificuldades que a empresa familiar encontrou no
processo de sucessão sob diferentes vertentes, que são interpretadas através de
comportamentos descritos e analisados durante a pesquisa.
O estudo de caso foi adequado para a realização da pesquisa, pois explorou a organização
familiar, levantando e definindo os problemas relacionados com a sucessão. Além disso, o
estudo de caso é adequado especialmente quando os limites entre fenômeno e contexto não
são claramente evidentes (ROESCH, 1999).
11
O estudo de caso [...] é uma estratégia de pesquisa que busca examinar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto. Difere, pois, delineamentos experimentais no sentido de que estes deliberadamente divorciam o fenômeno em estudo de seu contexto. Igualmente, estudos de caso diferem de método histórico, por se referirem ao presente e não ao passado. (YIN, 1981 apud ROESCH, 1999, p. 155).
Por se tratar de uma pesquisa que explora a história de uma empresa familiar falida, o estudo
foi realizado através de entrevistas, com questões objetivas aplicadas aos membros da família.
Além disso, foram entrevistados 03 empregados da Destilaria, que participaram do processo
de fechamento da empresa.
A análise de dados deu-se pela análise de conteúdo que, segundo Roesch (1999), possibilita a
partir da freqüência de um fenômeno, a identificação das relações. Na oportunidade, se
confrontou as abordagens teóricas com a prática percebida através da análise das entrevistas.
Desta forma, foi possível compreender e interpretar a dinâmica organizacional da temática em
questão.
Para fins de apresentação da estrutura do trabalho, este capítulo ofereceu uma introdução a
respeito do trabalho apresentado. O segundo faz referência ao conceito de empresa familiar,
cultura organizacional no âmbito do comportamento dos membros da empresa diante do
processo sucessório, além de citar suas principais dificuldades. O terceiro capítulo relata um
estudo de caso da Destilaria Baraúnas, sua formação, desenvolvimento e o que provocou sua
morte. O quarto capítulo finaliza com as considerações finais, que mostra a relevância da
pesquisa para todos os gestores de empresas familiares assim como à sociedade que tem
interesse sobre esse objeto de estudo.
12
2. EMPRESA FAMILIAR
Este capítulo propõe uma discussão sobre o conceito de empresa familiar, cultura
organizacional, correlacionando-a com os membros que fazem parte desse tipo de estrutura
empresarial assim como verificar e compreender as principais dificuldades encontradas no
processo sucessório.
2.1 CONCEITO DE EMPRESA FAMILIAR
As empresas familiares ocupam um espaço bastante significativo na paisagem econômica e
social em todo o mundo. De acordo com Waiandt (2005), elas, no Brasil, são responsáveis por
90% dos negócios e empregam mais de 60% da força de trabalho, já no mundo, àquelas que
são controladas por familiares são responsáveis por mais da metade dos empregos e,
dependendo do país, geram de metade a dois terços do Produto Interno Bruto. Além disso,
estima-se que 40% das quinhentas maiores empresas listadas pela revista Fortune sejam de
propriedade de família ou por ela controlada (GERSICK,1997). Além disso, possuem uma
característica central: estão ligadas a uma família e isso as torna um tipo especial de empresa
(GERSCIK e outros, 1997). Sendo assim, a empresa familiar é um fator fundamental para o
desenvolvimento da economia e sociedade.
As empresas familiares iniciam-se com idéias, empenho e investimento de indivíduos
empreendedores. Segundo Gersick e outros (1997), sua formação retrata os casais quando
juntam suas economias e dirigem seus negócios em conjunto, geralmente uma loja de ponta
de esquina que vai crescendo aos poucos, os que irmãos aprendem com os pais desde
crianças, ficando atrás dos balcões depois da escola.
De acordo aos conceitos referentes à empresa familiar, Waiandt (2005) a define como:
[...] A empresa familiar é provavelmente uma das mais antigas formas de negócio surgidas ao longo da evolução da humanidade. Essa tendência não é algo recente ou um modismo. Na Antigüidade as relações econômicas eram informais e não havia separação entre o âmbito privado e o âmbito público, uma vez que trabalho e
13
moradia se confundia. No início do século XX, quando da modernização da sociedade, as primeiras empresas constituíam-se dentro de unidades familiares, os artesãos/mestres de ofício trabalhavam no meio familiar e à medida que seu negócio prosperava contratavam novos aprendizes, que deviam obediência total ao mestre, em troca de habitação e de um pequeno salário (WAIANDT, 2005, p.28).
A sociedade passou por profundas transformações, contudo, em muitos casos, as
organizações familiares ainda formam a base de um começo empresarial, na qual o fundador
ou empreendedor exerce um papel decisivo até que os outros membros da família comecem a
fazer parte do negócio (PEREIRA, 1974 apud WAIANDT, 2005).
Desta forma, o que caracteriza a empresa como familiar é sua ligação familiar. Porém, sua
definição completa não se limita a isso, para Silva Junior e Muniz (2003), a empresa é
definida como familiar quando se identifica, pelo menos, duas gerações e quando essa ligação
influencia a política da empresa nos interesses e nos objetivos da família. Tal ligação é
realizada por meio de algumas condições: os membros da família determinam a sucessão, ou
seja, esposas e filhos participam no conselho de administração e valores da empresa,
identificando com os valores da família, dentre outros.
Para Bernhoeft (apud BERNHOEFT, 1999), é muito simples definir a empresa familiar como
aquela que tem origem e história vinculadas a uma família ou que mantém seus membros na
administração dos negócios, porém destaca a empresa familiar como um ideal (do fundador)
que deu certo.
Donnelley (1967), assim como Silva Junior e Muniz (2003), classifica a empresa familiar
como toda aquela que tenha estado ligada a uma família pelo menos durante duas gerações e
essa ligação resultar numa influência recíproca. Lodi (1986 apud MARTINS, MENEZES,
BENHOEFT, 1999) reforça o conceito de Donnelley enfatizando que o nascimento da
empresa familiar ocorre, geralmente, com a segunda geração de dirigentes, porque o fundador
pretende abrir uma ideologia que justifique a sua ascensão ao poder e que na geração do
fundador a empresa é pessoal e não familiar. Contudo, isso parece inadequado, pois 70% das
empresas familiares não chegam à segunda geração.
A empresa familiar tradicional é aquela em que um ou mais membros de uma família exercem
considerável controle administrativo sobre a empresa, por possuir parcela expressiva da
propriedade do capital, sendo que o controle é exercido com base na propriedade
(BENHOEFT e outros, 1999).
14
Em síntese, o capital e a propriedade são fatores contundentes para o entendimento da
empresa familiar. Contudo, o estudo em questão se limitará a algo mais subjetivo, baseado no
comportamento, que terá também como base o modelo conceitual de três círculos citado por
Gersick (1997), que será descrito em seguida.
2.2 O MODELO CONCEITUAL DE TRÊS CÍRCULOS
O estudo das empresas familiares é recente. Porém, nas últimas décadas, aumentaram aqueles
que fazem referência ao gerenciamento e ao comportamento. Os primeiros artigos feitos nas
décadas de 60 e 70 focavam problemas típicos como nepotismo, rivalidade entre gerações e
irmãos e a falta de profissionalismo.
Os problemas citados são comportamentos presentes na empresa familiar e que serviram
como fonte de estudo para aperfeiçoar o gerenciamento organizacional. Foi o que aconteceu
em 1982, quando Tagiuri e Davis (apud Gersick e outros, 1997) elaboraram o modelo de dois
sistemas: propriedade e gestão, ou seja, alguns indivíduos são proprietários, porém não estão
envolvidos na operação da empresa, outros são gerentes e não são donos.
Com base nisso, Gersick e outros (1997, p. 6) criaram o “Modelo de Três Círculos”, que
reforça o argumento dos dois sistema proposto por Tagiuri e Davis (1982) de que muitos dos
mais importantes dilemas enfrentados pelas empresas familiares têm mais relação com a
distinção entre proprietários e gerentes do que entre família e gestão como um todo. Sendo
assim, esse modelo diz respeito aos três subsistemas existentes na empresa familiar: família,
propriedade e gestão.
15
Figura 1- Modelo de três círculos Fonte: GERSICK e outros,1997
Conforme a figura 1, o eixo familiar faz referência à jovem família que tem o desejo de se
tornar independente. A entrada de novas gerações na empresa caracteriza a segunda etapa do
desenvolvimento desse eixo, a qual provoca o terceiro estágio, em que duas ou mais gerações
se envolvem ao mesmo tempo na empresa familiar. No entanto, a preocupação é a transição
do poder, isto é, o desligamento da geração mais velha da empresa e a conseqüente
transferência da liderança para outra geração familiar.
Em uma empresa familiar, qualquer pessoa pode ser enquadrada em um dos sete setores
formados pela superposição de círculos dos subsistemas Isso faz compreender a empresa
familiar, bem como verificar a complexidade existente na relação entre os subsistemas,
(GERSICK e outros,1997).
Os subsistemas são formados por sete setores: como se vê na figura 1: 1) familiares sem
participação nos outros subsistemas; 2) sócios-proprietários não-gestores e não- familiares; 3)
gestores não-proprietários e não-familiares; 4) familiares proprietários sem participação na
gestão; 5) proprietários gestores não-familiares; 6) gestores familiares não-proprietários e 7)
familiares gestores e proprietários (GERSICK e outros, 1997).
Observa-se que, em cada subsistema, os personagens possuem interesses específicos, podendo
convergir ou divergir ao longo de suas existências, sendo que, quando são convergentes,
haverá relação de estabilidade e cooperação, porém, quando os interesses são divergentes e
1 Família 3 Gestão
2 Propriedade
4
7
5
6
16
contraditórios, haverá um relacionamento de conflitos na empresa familiar, considerada como
o sistema maior (GERSICK e outros, 1997).
Os três sistemas são influenciados pela passagem do tempo e pelas alterações organizacionais
associadas a mudanças na própria empresa, na família e na distribuição da propriedade
(GERSICK e outros, 1997). Entre essas alterações, merece destaque a cultura da empresa, na
medida em que envolve mudanças na estrutura e funcionamento da organização que afetam os
elementos culturais (valores, práticas, rituais, etc.) que a define. Assim como o processo
sucessório, isto é, a mudança de gerações no comando da organização (ESTOL; FERREIRA,
2006).
2.3 CULTURA ORGANIZACINAL NA EMPRESA FAMILIAR
O termo cultura é originário da antropologia e incluída na discussão acadêmica sobre empresa
familiar no fim da década de 70. Sob o rótulo de cultura organizacional ou coorporativa,
empresários da época passaram a ter interesse pelo assunto a fim de compreender sua real
importância para a organização (ESTOL;FERREIRA,2006).
Por sua vez, a cultura organizacional é composta por símbolos, linguagem, ideologia, crença,
ritos e mitos. No entanto, por possuírem um papel de destaque entre os elementos culturais,
focou-se a discussão dos símbolos que nada mais são que “atos, relacionamentos ou formas
lingüísticas que apresentam multiplicidade de significados e que evocam emoções e
estimulam o indivíduo para ação” (PETTIGREW, 1979 apud ESTOL; FERREIRA, 2006, p.
98).
Assim, a cultura organizacional:
[...] Compreende uma forma de pensar a realidade social que não tem correspondência direta com nenhum objeto empírico determinado. De modo específico, a cultura organizacional envolve, então, “as experiências, significados, valores e compreensões associados ao meio ambiente, que são aprendidos e compartilhados, e que se expressam, se reproduzem e são comunicados, pelo menos parcialmente, de forma simbólica, (ALVESSON, 1993, p.3 apud ESTOL;FERREIRA, 2006, p. 98).
Conforme Schein (1992), o termo cultura deve ser reservado às crenças e aos pressupostos
que são compartilhados pelos membros inconscientemente na organização, além de definirem
17
a visão que a organização tem de seu ambiente si própria. Diante disso, Schein (1992, p.9)
afirma que:
[...] A cultura organizacional consiste em um padrão de pressupostos básicos que o grupo criou, descobriu ou desenvolveu, aprendendo a lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna, os quais funcionam suficientemente bem, podendo, assim, ser ensinados aos novos membros como o modo correto de perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas.
Ainda segundo Schein (1992), a cultura manifesta-se através de três diferentes níveis:
artefatos visíveis, valores e pressupostos básicos. O primeiro nível, artefatos visíveis é
constituído por tudo aquilo que é visível da organização, tais como arquitetura, linguagem,
tecnologia, maneira de vestir e documentos públicos. Trata-se de um nível em que os
elementos culturais são de fácil observação, mas de difícil interpretação, uma vez que a lógica
subjacente a esses artefatos não é explicitada, dificultando assim sua compreensão.
No segundo nível, encontram-se os valores, ou seja, as justificativas ou racionalizações
utilizadas para explicar e predizer os atos dos membros da organização. Essas manifestações
da cultura são difíceis de serem observadas diretamente, o que torna necessária a realização de
entrevistas em profundidade que permitam a inferência de tais elementos, a partir dos valores
manifestos (SCHEIN, 1992).
Os pressupostos básicos situam-se no último nível e constituem manifestações culturais
invisíveis, inconscientes e difíceis de serem desvendadas, muito embora sejam os principais
responsáveis pelo modo através dos quais os membros sentem, percebem e pensam a
organização. O surgimento desses pressupostos na organização é proveniente de um processo
longo e advém do enfrentamento de problemas e de sua solução adequada (SCHEIN, 1992).
No processo de formação dos padrões culturais, o fundador assume papel de importância, na
medida em que imprime à condução do negócio sua visão de mundo, seus valores e suas
crenças, definindo os papéis que a organização deve desempenhar, criando modelos e
definindo cursos de ação com o objetivo de envolver os demais membros (TAVARES, 1991
apud ESTOL; FERREIRA, 2006). Em outras palavras, os fundadores constituem peça
fundamental no desenvolvimento cultural de uma organização porque a maioria dos
mecanismos de socialização se encontra em suas mãos, materializando-se através das
recompensas, das formas de distribuição dos investimentos e das estratégias de modelagem de
papéis por meio dos quais eles transmitem, tanto explícita como implicitamente, as suas
concepções e pressupostos da organização (SCHEIN, 1992).
18
O processo de maturação de uma organização, quando se refere à cultura organizacional, pode
ser dividido em três etapas: nascimento e crescimento, meia idade e idade madura e declínio
(SCHEIN, 1985 apud ESTOL; FERREIRA, 2006).
A primeira etapa, que caracteriza o nascimento e o crescimento, envolve um período em que
os negócios se encontram sob o domínio do fundador, que demarca competências e funciona
como fonte de identidade, mantendo a organização firme com seus ideais. No segundo
momento desta etapa ocorre a sucessão, momento em que os sucessores são observados,
principalmente, quando o fundador continua presente na empresa com a finalidade de
verificar se eles preservarão os valores culturais, já que o objetivo é manter a cultura
identificada com os pressupostos do fundador.
Na segunda etapa, na meia idade da organização, ocorre o desenvolvimento e a expansão da
empresa, o que acarreta a criação de novas sub-culturas e o surgimento da oportunidade de se
gerenciar a mudança cultural.
A última etapa caracteriza a idade madura e o declínio em que a organização é marcada pela
estabilização interna dos relacionamentos e pela falta de motivação de seus membros para a
mudança, o que gera um impasse entre a necessidade de transformação e a própria destruição.
Caso opte pela transformação, a mudança cultural torna-se necessária e inevitável, muito
embora os elementos essenciais possam ser identificados e preservados. No entanto, quando o
caminho é a destruição, ocorre a falência e a substituição de todas as pessoas-chave, o que irá
implicar uma reorganização e mudança cultural.
2.4 O PROCESSO SUCESSÓRIO EM EMPRESAS FAMILIARES
A grande participação da família na direção e no gerenciamento das empresas familiares
costuma desencadear conflitos relacionados às dificuldades de separação das relações
familiares das decisões profissionais (PEISER; WOOTEN, 1983 apud ESTOL; FERREIRA
2006). Esses conflitos costumam vir à tona principalmente durante o processo sucessório,
especialmente quando o fundador abre mão do poder para o seu sucessor, que geralmente é
um membro da família. (ESTOL; FERREIRA, 2006).
19
Desse modo, a maioria dos estudos dedicados à empresa familiar preocupa-se com a sucessão,
que é definida como um momento crítico e decisivo. Segundo Gersick e outros (1997), a
sucessão é um desafio para qualquer empresa familiar, por mais que o novo líder seja
preparado para assumir a empresa, as mudanças, comportamentais, em especial, são
inevitáveis.
[...] A sucessão não é um evento único que ocorre quando um velho se aposenta passa a tocha a um novo líder, mas um processo movido por um “relógio” de desenvolvimento, começando muito cedo nas vidas de algumas famílias e continuando através do amadurecimento e envelhecimento natural das gerações (GERSICK e outros, 1997, p.201).
As empresas, assim como os indivíduos, vivem momentos de transição ou fases de
transformação, que exigem preparação para superar os riscos decisivos para o futuro,
(GONÇALVES, 2000). Segundo Gersick e outros (1997), mesmo nos casos de doença súbitas
ou um evento dramático, o tempo é fundamental para o êxito da sucessão.
A sucessão era entendida por diferentes formas a depender da época e povos. Na Europa
feudal, o patrimônio era a única maneira de sustentar a linhagem e o chefe de família escolhia
o filho primogênito como seu sucessor. Os outros filhos, para não fragmentar o patrimônio,
eram excluídos (GONÇALVES, 2000).
No entanto, o Direito romano estabelecia que o pai só pudesse, em testamento, dispor dos dois
terços, na condição de deixar quatro filhos. Caso deixasse mais que isso, tal liberdade era
limitada à metade dos bens. No mesmo século XVII, os holandeses de Amsterdã eram
organizados em famílias nucleares e a herança deveria ser dividida igualmente entre todos os
filhos (GONÇALVES, 2000).
A sucessão na empresa familiar, em especial a sucessão do fundador, é realizada como um
notável rito de passagem, que é caracterizada como um momento trágico. No entanto, não
existe uma forma única de sucessão; existem possibilidades de configuração que se
caracterizam pelo momento da geração, assim como a cultura familiar e pessoas envolvidas
(GONÇALVES, 2000).
Diante disso, Estol e Ferreira (2006) afirmam que o processo sucessório acarreta o surgimento
de novas lideranças que apresentam padrões simbólicos, crenças e valores distintos daqueles
que até então vigoravam na organização, o que pode acarretar mudanças no estilo de
condução dos negócios, na estrutura da empresa e em sua cultura. Em outras palavras, as
20
mudanças decorrentes do processo sucessório em empresas familiares provavelmente
implicam transformações em sua cultura.
Existem três categorias de propriedade da empresa familiar descritas por Gersick e outros
(1997), proprietário controlador, sociedade entre irmãos e consorcio de primos. As sucessões
em empresas familiares não precisam seguir sempre a mesma seqüência, da simples para a
mais complexa, a empresa pode ser fundada por único empreendedor, assim como também
por uma equipe de irmãos. Na segunda geração, pode-se escolher a forma do proprietário
controlador, caso um membro familiar compre as partes dos outros sócios, o mesmo ocorre
quando um consócio de primos, um deles resolvem vender suas partes a um único deles,
voltando a ser propriedade controladora.
Gersick e outros (1997) ainda afirmam que uma empresa de proprietário controlador pode
pular o estágio de sociedade entre irmãos e passar diretamente para o consórcio de primos.
Isso acontece, quando os sócios da segunda geração não estão interessados a assumir a
liderança da empresa e o gerente proprietário faz planos para transferir a propriedade a seus
netos, (nesses casos, normalmente p proprietário contrata profissionais não pertencentes à
família para dirigir a empresa no seu ínterim).
A sucessão é focada num único tipo de transição, no qual o pai passa a empresa para um filho,
modelo que tem origem na antiga tradição da primogenitura. Porém, Gersick e outros (1997)
identificam nove tipos diferentes de sucessão: três envolvem uma mudança, mas mantendo a
mesma forma de propriedade, três são sucessões que envolvem uma mudança na liderança e
aumentam a complexidade na forma de propriedade, a terceira e última são sucessões que
envolvem uma mudança na liderança e ao mesmo tempo simplificam a forma de propriedade.
21
A tipologia demonstra a diversidade e a complexidade das transições de liderança. Desse
modo, Gersick e outros (1997) afirmam:
[...] Quando a sucessão envolve a substituição de liderança sem alterar a forma básica da empresa, grande parte daquilo que o proprietário aprendeu no passado é aplicável no futuro. Contudo, quando a sucessão não apenas uma mudança da guarda, mas também uma reestruturação da forma fundamental da empresa, a adaptação exigida do sistema é muito maior. Neste caso, pouco daquilo que funcionou no passado poderá funcionar bem no futuro. (GERSICK E OUTROS, 1997, p. 211).
Diante das muitas possibilidades propostas por Gersick e outros (1997), Gonçalves (2000)
ressalta que a sucessão do fundador tem uma importância especial, podendo ser a mais
desafiadora de todas, tanto para o sucedido como para os sucessores, ela pode acontecer em
qualquer geração seguinte. A sucessão do fundador, assim como as outras, não é definida
exclusivamente pela vontade do sucedido, pois existem procedimentos determinados pela lei,
além dos valores culturais da família que poderão aceitar ou não certas decisões.
Figura 2 Fonte: GERSICK e outros, 1997
Consórcio de Primos
Proprietário Controlador
Sociedade entre Irmãos
22
A segunda geração, a dos filhos, tenderá a assumir comportamentos inspirados por
sentimentos que nasceram do convívio do mesmo lar, com os pais. Porém, caso os filhos
pensem diferente e de forma racional, pode haver sentimentos diferentes aos dos pais. No
entanto, a terceira geração, a dos primos, provavelmente estará ligada por sentimentos menos
fortes (GONÇALVES, 2000).
No momento de uma sucessão, a situação econômica da empresa será sempre decisiva,
determinando assim, o comportamento dos herdeiros, ou seja, uma empresa familiar pode ser
ambicionada ou representar um legado indesejável.
Diante disso, os comportamentos que envolvem a sucessão podem ser os mais variados
possíveis, de acordo com os valores culturais de cada família e ao mesmo tempo pela situação
que a empresa esteja passando no momento. Assim, cada sucessão terá sua própria história,
que se desdobra de forma aleatória (GONÇALVES, 2000).
O comportamento humano é comparado com a música por Gonçalves (2000), a qual é
registrada por formas gráficas, enquanto os seres humanos não aceitam tal redução, mantêm
suas atitudes totalmente imprevisíveis. Além disso, Gersick e outros (1997) elaboraram
múltiplas possibilidades referentes aos comportamentos humanos envolvidos numa sucessão,
que só se tornarão realidade através da ação aleatória humana. Sendo assim, a continuidade de
uma empresa se dá por meio de sucessões bem feitas. A possibilidade de a empresa tornar-se
“um sonho da família”, um ideal comum a todos, não se concretiza com freqüência, porém
pode acontecer, como afirma Gonçalves (2000).
2.5 PROFISSIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS FAMILIARES
A empresa familiar ao iniciar suas atividades possui estrutura simples, é caracterizada pela
concentração de poder e tomada de decisões na mão do fundador, que por sua vez, assume
todos os papéis administrativos da organização. Com o crescimento, torna-se necessário uma
reestruturação, fazendo surgir uma administração profissional.
[...] A profissionalização em seus vários aspectos é considerada como: o processo pelo qual uma organização, familiar ou não, assume práticas administrativas mais racionais, modernas e menos personalizadas, o processo de integração de gerentes contratados e assalariados no meio de administradores familiares, a adoção de determinado código de formação ou de conduta num grupo de trabalhadores, a
23
substituição de métodos intuitivos por métodos impessoais e racionais e a substituição de formas de contratação de trabalho arcaicas ou patriarcais por formas assalariadas. (LODI, 1993 apud SILVA JUNIOR, 1993, p.64).
Além disso, o fundador pode perceber o empreendimento como se fosse uma extensão de si
mesmo, além de não aceitar a velhice, criando empecilhos à passagem do poder para a
segunda geração da família que, em contrapartida, se julga com competência para assumir o
empreendimento. A segunda geração é responsável por introduzir a profissionalização
administrativa e gerencial na empresa, o que o aumenta mais as resistências do fundador no
momento de passar a liderança. (DE VRIES, 1993 apud ESTOL E FERREIRA, 2006).
Desse modo, na empresa familiar, “a história mais comum a respeito da sucessão é o choque
de duas forças opostas: a dificuldade da geração mais velha para sair e a dificuldade da
geração mais nova para esperar” (GERSICK E OUTROS, 1997, p. 97).
Com o crescimento e a expansão da empresa, fica extremamente difícil a transferência da
intuição gerencial que é própria do fundador para seus sucessores, o que tem levado muitas
empresas familiares a optarem pela profissionalização como forma de garantir sua
continuidade.
Ao analisar o processo sucessório em empresas familiares brasileiras, foram destacados por
Lodi (1987), três tipos de crise que as organizações familiares costumam vivenciar: a primeira
crise da sucessão costuma ocorrer por ocasião da passagem do bastão do fundador para seu
sucessor, em virtude de o primeiro desenvolver extremo culto à personalidade, ser autocrata,
concentrar decisões, sacrificar a família, criar obstáculos à profissionalização e ter
dificuldades em treinar e avaliar os filhos, o que acaba por castrar seus herdeiros e prejudicar
grandemente o processo sucessório.
A passagem da segunda geração para a terceira, o crescimento e a multiplicidade dos negócios
coincide. Dessa maneira, tornam-se comuns as empresas familiares vivenciarem a crise de
liderança entre os diversos sucessores ou entre o sucessor e o sucedido, motivada pelo fato
dos sucessores não apresentarem condições de liderar ou assumir desafios, o que gera crise
política na definição de poderes (conflito de lideranças), sinalizando para a necessidade de
profissionalização.
A perda da identidade da empresa, que não mais sabe a que veio e quais os seus objetivos,
coincidindo com o acúmulo de dinheiro e gigantismo da organização, decorrente do
24
fracionamento do poder acionário entre vários herdeiros de interesses divergentes e distantes
dos valores logo do início da empresa.
Sendo assim, Lody (1994 apud ESTOL; FERREIRA, 2006), descreve que a
profissionalização implica a substituição de administradores familiares por gerentes
contratados e assalariados que costumam levar a empresa a adotar práticas administrativas
mais racionais e menos personalizadas. Em outras palavras, a empresa familiar se
profissionaliza, quando sua administração passa para as mãos de executivos profissionais,
recrutados no mercado, muito embora este executivo possa ser também, alguém da própria
família, que tenha recebido formação adequada para assumir o comando gerencial da
empresa.
25
3. A TRAJETÓRIA DA DESTILARIA BARAÚNAS
Este capítulo descreve a trajetória da família Lemos, proprietária da empresa investigada, bem
como a criação, o desenvolvimento e a falência da organização. Com o objetivo de verificar
como se deu o processo sucessório na empresa e os fatores que contribuíram para o
encerramento de suas atividades.
A Destilaria Baraunas, localizava-se na cidade de Nazaré das Farinhas no recôncavo baiano,
foi gerenciada por 40 anos pela família Lemos. A empresa forneceu seu principal produto, a
cachaça Alfa, para toda a região do recôncavo, capital baiana e alguns colecionadores fora do
Brasil. Porém, teve suas atividades encerradas no ano de 2000, depois de passar por duas
sucessões familiares.
3.1 A HISTÓRIA DA FAMÍLIA LEMOS
O Senhor Francisco, fundador da destilaria Baraúnas, nasceu em Nazaré das Farinhas em
1915 e era filho de fazendeiros, ele teve uma infância tranqüila com apenas uma irmã. Sua
educação foi bastante rígida, começou a trabalhar desde criança. Eram fundamentais para seus
pais, que os filhos fossem educados e estudados, tanto que o primogênito chegou a concluir o
segundo grau completo, graduação almejada por muitas famílias do interior naquela época.
Quando ele tinha 20 anos, seu pai perdeu a fazenda com dívidas de jogos e ele acabou sendo
empregado da própria fazenda. A perda foi um momento significativo para Sr. Francisco, pela
primeira vez conheceu a necessidade de trabalhar para ganhar seu próprio dinheiro. Os filhos
e neto lembram que ele dizia que foi uma época de aprendizagem.
O Sr. Francisco foi ensinado por sua mãe a não lamentar da vida e correr atrás dos seus
“próprios frutos” como dizia. Sendo assim, quando perdeu a fazenda foi convidado pelo novo
dono a gerenciá-la, em troca, teria 20% do faturamento, aceitou. Além disso, sua relação com
o novo dono era muito boa, era como se fossem irmãos, assim, ficava muito a vontade para
trabalhar e definir as regras como achasse melhor.
26
Alguns anos depois, conheceu uma moça, mais nova que ele nove anos, chamada Maria, em
que os pais eram donos de engenho. Sr. Francisco viu nela, por possuir todas as qualidades
almejadas naquela época por um homem, a mulher para se casar e ser a mãe de seus filhos.
Dessa forma, pagou a Ananias, um empregado da fazenda, para levar uma carta aos pais da
moça pedido-a em casamento.
Nesse mesmo período de compromisso com Maria, algo de errado começou acontecer na
relação que tinha com o proprietário da fazenda. Os empregados eram os mesmos da época de
seu pai, assim, o respeito dado a Sr. Francisco continuou o mesmo, só que o proprietário da
fazenda começou a perceber aquilo e começou a destratar o Sr. Francisco, aquelo não o
agradou. Juntando a isso, ele já estava com mais ou menos trinta anos de idade, estava na hora
de se casar, somando as economias com o que tinha a receber da fazenda por tempo de
serviço, poderia casar e trabalhar para se próprio.
Com a demissão da fazenda, ganhou como parte do pagamento por tempo de serviço, um
pedaço de terra que foi vendido para comprar sua casa própria. Desse modo, o casamento
sucedeu como havia planejado e logo teve sua primeira filha, Adelaide. Com moradia própria,
em Nazaré das Farinhas e com uma reserva de dinheiro, resolveu colocar uma venda, como
era chamado naquela época, de vender carne de sertão. Porém, foi saqueada antes mesmo de
completar um ano, sua segunda tentativa foi colocar uma fábrica artesanal de enchimento de
lingüiça, mas também não deu certo, pois não tinha experiência em armazenamento.
Como a segunda tentativa de colocar um negócio também não deu bons resultados, houve a
terceira oportunidade. Numa cidade vizinha, em Santo Antonio de Jesus, lá havia uma
destilaria que estava sendo arrendada. Na fazenda que trabalhava, Sr. Francisco teve a
oportunidade de movimentar uma destilaria de aguardente, por ter tido experiência naquele
ramo, pensou em fechar o negócio, até que um conhecido lhe aconselhou a não fazer aquilo,
pois depois que a destilaria estivesse indo de vento e polpa, o negócio poderia ser desfeito
pelo dono.
[...] Francisco, não faça isso não, você vai ter o trabalho de levantar essa destilaria para depois que estiver indo de vento e polpa, o dono vai querer desfazer o negocio. Porque você não montar um alambique no fundo de sua casa aos poucos e de seu jeito? (NETO, 2009).
Sr. Francisco escutou o conselho dado pelo conhecido e começou a arquitetar o negócio no
fundo de sua casa, na Rua Antonio de Brito, em Nazaré das Farinhas. A destilaria, em 1950
27
começou a funcionar, mas foi construída por partes, levando em torno de dez anos para ficar
pronta totalmente. Nesse meio tempo, tiveram filhos em uma seqüência de tempo pequena,
depois de Adelaide, tiveram Nair, Débora, Cléa, Suzi e a vontade que o próximo fosse um
filho homem.
Sr. Francisco como ensinou o seu pai, era bem disciplinado, acordava todos os dias às 5:00 h
da manhã para começar a produção, adiantava o que tinha para fazer referente ao
aquecimento da caldeira e a fermentação do vinho, retornava às 7:00 h para sua residência,
tomava café com a família, pois fazia questão de sentar-se a mesa juntos em todas as
refeições.
Dona Maria, sua companheira, por ter sido filha de dona de engenho, era uma mulher
autoritária e mandona, dizem que algumas pessoas da cidade tinham medo dela, não tinha
problema em dizer a verdade e não disfarçava quando não gostava de alguém. Porém,
enquanto seu Francisco cuidava dos negócios, ela era responsável pela casa e criava os filhos
com muita disciplina.
Em 1961, o casal teve finalmente o filho homem da família, Tarcisio, foi uma alegria
indescritível. Além disso, a destilaria, que aos poucos produzia a cachaça Alfa, foi ganhando
qualidade e clientela para as vendinhas da cidade. Os equipamentos eram simples a princípio,
as dornas eram pequenas, suficiente para uma pequena produção, o fornecimento era através
da compra do melaço da cana de açúcar com produtores da região e possuía oito funcionários
que trabalhavam apenas na produção.
A destilaria, nos dez primeiros anos de produção, possuia apenas duas dornas de fermentação,
um destilador de cobre, com capacidade de produção de 600 litros de cachaça por dia no
horário comercial e duas dornas de armazenamento. O envazamento era artesanal, a cachaça
era colocada dentro de engradados, o meio de transporte era feito por animais (burros).
No início da década de 70, a cachaça alfa produzida pela destilaria ganhou o gosto do povo,
Sr. Francisco se aperfeiçoou na produção de cachaça e ganhou mercado. Construiu um tanque
de 40 mil litros de capacidade para o armazenamento do melado da cana-de-açucar, com
aumento da produtividade, assim, teve a necessidade de construir mais dois tanques com a
mesma capacidade, o número de funcionários que ajudavam na produção, triplicou.
28
Assim como a destilaria, os filhos foram crescendo, o Sr. Francisco fez sempre questão que
todos estudassem e fossem independentes. Em 1975, Adelaide, a filha mais velha, foi para
Salvador estudar, a princípio, morou com uma tia, irmã de Dona Maria. Posteriormente, Sr.
Francisco teve que alugar um apartamento para abrigar o restante dos filhos, que foram
estudar na capital.
Suzi, a filha mais nova tinha vinte anos quando engravidou de um namorado em Salvador, foi
uma decepção para os pais, a filha mais nova grávida. Desse modo, casou-se e em 1981, Sr.
Francisco era avô de um menino, Otávio. Porém, o casamento de sua filha não deu certo e ela
retornou para Nazaré das Farinhas com seu filho, que foi criado pela avó, Dona Maria.
Tarcisio, além de Suzi que passou em um concurso municipal, foi o único que retornou para
Nazaré das Farinhas. Devido a isso, ocupou-se na destilaria ajudando ao pai. As outras filhas,
concluíram o terceiro grau, Adelaide em contabilidade, Nair e Débora em economia e Cléa
em letras vernáculas.
A família Lemos era bastante conhecida na cidade, o Sr. Francisco não gostava muito de sair,
porém adorava casa cheia, que por sinal era muito frequentada por políticos e comerciantes.
Segundo o neto da família, Dona Maria era uma mulher que gostava de farturas
gastronomicas, e todos que chegavam a sua casa, sentia-se aconchegados.
Em 1985, a destilaria operava com uma produção de 1200 litros de cachaça por dia, produzida
por uma nova caldeira de cobre, cinco dornas de fermentação, e quatro dornas de
armazenamentos primários. Nesse período, Tarcísio ajudava na administração de maneira
mais efetiva, isto é, com o aumento de produção convenceu ao pai a modernizar a empresa,
por meio da aquisição do aparelho que lavava os litros com jato de água de alta temperatura,
para esterização.
A destilaria produzia dois tipos de cachaça, uma mais forte, comercializada para donos de
bar, indústrias de misturas e etc, uma mais suave e doce, produto principal que era
comercializada para o público em geral da destilaria. Com a evolução foram comprados dois
automóveis para entrega, ampliando a venda para o mercado regional, Ilha de Itaparica,
Valença, Santo Antonio de Jesus, Itaberaba e etc. Além disso, outro fator importante era a
auto suficiência da produção, pois com o crescimento da demanda, Sr. Francisco, teve a
29
necessidade de fabricar sua própria matéria prima, com isso, a destilaria instalou uma moenda
de grande porte, movida a eletricidade e passou a ser auto-suficiente.
A destilaria por ser indústria, tinha a obrigatoriedade de ter uma cota mínima de funcionários
com carteira assinada, o restante trabalhava prestando serviço. Em Nazaré das Farinhas essa
forma de contratação acabava predomonando, sendo visto nas fábricas de charuto e algodão.
Os funcionários eram constituidos por parentes, porém só trabalhavam na produção. O fato de
se tratar de uma micro empresa, não haviam cargos específicosl. Porém, apenas Sr. Francisco
tomava as decisões.
Em 1992, Dona Maria, que era portadora de diabetes, faleceu, naquela época a medicina não
era tão eficaz como atualmente, assim sua morte foi inevitável. Segundo Otavio, “a família
não foi mais a mesma”.
[...] “Minha era uma mulher integra, de grandes valores, filha de fazendeiros senhores de engenho. Tinha 5 irmaos. Fazia parte da roda social da época, na localidade, respeitada por todos. tinha grande aptidão na cozinha, cuidava dos filhos, marido, e neto, e ainda ajudava na administração do alambique. Autoritaria, adorava vestir-se muito bem, cobria-se de joias. Gostava de sua residencia cheia de parentes e amigos, ajudava quem precisava. Um pouco preconceituosa, como as mulheres da época, mulher de “pulso firme”, controladora, sua palavra era ordem. Além da vaidade do vestuário, tambem tinha um bom gosto em decoração. Sua residência, além de bons moveis, sempre estava decorada de acordo a moda da época. Era catolica, e no final da sua vida começou a frequentar o Centro Espírita. Tinha uma pontualidade britânica, criava os filhos e neto na mesma intensidade da rotina da casa. Gostava de praia, e datas festivas. Não gostava de nada pouco. Tudo tinha que ser com muita fartura. Era realmente a matriarca da familia”, (Neto, 2009).
Logo após a morte de Dona Maria, Sr. Francisco começou a adoecer. Seu filho que já o
ajudava, passou a liderar a empresa sozinho até que seu pai deixou totalmente a destilaria.
[...] Naquela época a casa estava em um entristecimento que não saberíamos dizer em palavras o tamanho de nossa dor, meu avô tinha acabado de perder sua amiga, companheira, uma mulher de fibra, que só sua presença preenchia a casa toda. Meu avô começou a adoecer tendo dois acidentes cárdio vascular, além da artrose e artrite que deixava sua mobilidade muito ruim, mesmo assim, ele ainda tentava ir a destilaria, mas chegou um tempo que não conseguiu mais, ficando só em casa, (Otavio, 2009).
30
3.2 A PRIMEIRA TENTATIVA DE SUCESSÃO
Sr. Francisco fundou a destilaria pensando no bem estar de sua família, gerenciou por anos,
mas determinou quem ficaria em seu lugar. Segundo Tarcísio,” o pai afirmava que ficariam os
filhos que tivessem capacidade, disposição e disponibilidade para administrar a empresa”.
Gersick e outros (1997) afirmam que, a sucessão não é um evento único que ocorre quando
um velho se aposenta e passa a tocha a um novo líder, mas um processo movido por um
“relógio” de desenvolvimento, começando muito cedo nas vidas de algumas famílias e
continuando através do amadurecimento e envelhecimento natural das gerações.
Na destilaria, Sr. Francisco apesar de ter arquitetado e administrado com dedicação, tinha suas
limitações, era um homem de 1915 e tudo que sabia era através do conhecimento nato.
Devido a isso, não formalizou o processo de sucessão e Tarcísio assumiu a direção da
empresa.
[...] Na realidade não havia um processo de sucessão determinado, a empresa existia, era de família e estava à disposição de todos os familiares interessados em dar seguimento a trajetória da empresa. Depois que concluir o curso superior em economia na capital do estado, vi naquela empresa uma grande oportunidade de colocar os meus conhecimentos acadêmicos em prática (TARCÍSIO, 2009).
Em 1993, houve com a segunda geração, diversas mudanças tecnológicas e de gestão para
acelerar o processo produtivo. Tarcísio comprou uma unidade produtora de matéria prima
com a finalidade de expandir o mercado consumidor, uma vez que durante a primeira gestão a
cana de açúcar era exclusivamente adquirida de fornecedores (pequenos produtores rurais).
Sendo assim, foi gerado um gargalo no processo de produção devido à irregularidade no
fornecimento da matéria prima. Além disso, ocorreram investimentos em publicidade do
produto tornando-o mais conhecido o que gerou um crescimento de demanda da ordem de
50% comparada com a gestão anterior.
Tarcísio tinha capacidade para fazer a empresa crescer. Gersick e outros (1997) afirmam que
os filhos aprendem com os pais desde crianças, ficando atrás dos balcões da empresa familiar,
depois da escola. Mas, além desse conhecimento adquirido com a convivência ao longo dos
anos, tinha, também, o conhecimento acadêmico. No entanto, os problemas começaram a
surgir. Depois que assumiu a direção da empresa, algumas irmãs começaram a se interessar
pela empresa.
31
[...] Inicialmente não, depois que eu assumi a empresa despertou interesse dos demais membros do espolio que faziam retiradas financeiras sem nenhum controle contrariando a forma de acumulação de capital da empresa fragilizando-a do ponto de vista de capital próprio (Tarcísio, 2009).
Depois que Dona Maria faleceu, Suzi que era muito consumista, passou a assumir o papel de
dona da casa, cuidava do filho e do pai que estava doente. Devido a isso, se via no direito de
fazer retiradas financeiras em qualquer momento, segundo Tarcísio.
Segundo Otávio, Adelaide que trabalhava no pólo petroquímico de Salvador, pediu demissão
do seu emprego. Não aceitava, por ser a filha mais velha, o descontrole financeiro dos irmãos,
Suzi e Tarcisio. Pois, o pai, que sempre assumiu uma postura correta na empresa.
Por outro lado, Adelaide, começou a trabalhar na fábrica e receber um salário proporcional ao
que recebia no Pólo Petroquímico. Segundo Tarcísio, diverso era o jogo de interesse de alguns
membros da família. Pois, Adelaide e Suzi não queriam trabalhar diretamente na empresa e
faziam retiradas financeiras sem se preocuparem com o momento, caso tivesse contas a pagar.
Além disso, segundo Otávio, Adelaide era metida e não tinha o menor jeito para lidar com as
pessoas que moravam na zona rural.
Segundo Otávio, Tarcísio estava com trinta anos, era jovem, tinha vida boêmia. Com a
empresa sob seu controle, fazia grandes retiradas financeiras para fazer viagens sem se
preocupar com os resultados. Esse foi o motivo para Adelaide abandonar o emprego em
Salvador e trabalhar na destilaria.
Com a entrada de Adelaide na empresa, o conflito aumentou ainda mais entre Tarcísio e ela,
começaram a entrar em conflito. Segundo um ex-funcionário, os filhos não sabiam lidar com
a situação e nem foram preparados para isso, na época do fundador, a empresa era controlada
só por ele, com a interferência de Adelaide, houve um descontrole gerencial financeiro na
empresa e um clima tenso entre a gerência e os funcionários.
Em 1995, Tarcísio entrou num processo de alcoolismo. Sr Francisco pediu as filhas Cléa,
Nair e Débora para tirar o filho de Nazaré das Farinhas e trata-lo em Salvador. A destilaria,
com todo esse conflito, diminuiu demasiadamente a produção, o faturamento não cobria os
gastos e a empresa passou a dever muito. Devido a isso, Sr. Francisco opinou em vender a
destilaria, mas a família não concordou. Sendo assim, Cléa, ainda em 1995, se afastou da
empresa que trabalhava na capital por tempo determinado e ganhou licença prêmio. Nesse
32
período, aproveitou para vender alguns bens que a família possuía para pagar algumas dívidas
deixadas por Tarcísio.
3.3 A SEGUNDA TENTATIVA DE SUCESSÃO
Em dezembro de 1995, a destilaria poderia ter fechado as portas, porém Otavio insistia em
assumir a empresa. Conforme Gersick e outros (1997) existem nove tipos de sucessão, sendo
uma, a transição do consórcio de irmãos para o consórcio de primos, como Otávio não tinha
primos, restava apenas ele para suceder ao tio.
Adelaide para ajudá-lo, emprestou recursos financeiros para a formação de capital, ele
comprou a matéria prima e o necessário para movimentar a destilaria. O engenho havia sido
vendido para pagar dívidas. As produções eram feitas em quantidades menores,
aproximadamente dois mil litros por semana, que comparada ao topo a melhor fase da
empresa, eram 1.200 litros por dia, a nova realidade assumida pelo novo gestor era bastante
diferente.
Otavio diz que não sabia fazer a cachaça direito, mas os quatro funcionários que restaram,
sabiam. Com o tempo foi adquirindo experiência para produzi-la sozinho. Os consumidores,
inicialmente tinham a desconfiança da nova administração, pois, além de Otavio ser uma
pessoa muito jovem, não havia certeza quanto a garantia do fornecimento contínuo.
No primeiro ano não obteve lucros. No segundo, foi melhor, com a mesma produção de 2000
litros por semana. Segundo Otávio, ele faturava em média no mês, um lucro líquido de R$
1000,00. Isso acontecia, porque além da produção de cachaça, teve a idéia de fabricar cachaça
no coco, mandava pintar a marca da cachaça Alfa e depois vendia o produto, quem mais
comprava era a prefeitura, que apresentava em feiras da região, além disso, aprendeu a fazer
licores, que eram vendidos no São João.
Como na época de seu avô, pagava os impostos exigidos para a indústria funcionar, relata
que, uma vez, época de São João a fiscalização chegou à destilaria, sentiu muito medo,
mesmo pagando o que era exigido pela receita. Mas, foi a primeira vez que lidava com aquela
situação, assim foi ao estoque, pegou um engradado de cachaça, deu de presente e pediu que
eles se dirigissem ao contador.
33
O que diferenciou a segunda geração da terceira foi à inexistência de conflitos familiares. As
tias de Otavio, devido aos desgastes familiares não quiseram saber da destilaria, Tarcísio
estava fazendo tratamento para curar-se do alcoolismo. Sua mãe, não fazia retirada financeira,
até porque era o filho quem estava na gestão. As tias falavam apenas, que Otavio poderia
apenas estudar, ao invés de trabalhar.
Otavio, no entanto, apesar de ter almejado a empresa como um dia ela foi, não tinha
experiência em administrá-la, mesmo de pequeno porte, quando a destilaria começou a ter
rendimentos maiores, repetiu os mesmos erros de Tarcísio, fez retiradas financeiras sem
reposições adequadas, gastou em farras, festas, mulheres, viagens etc. Na época, era uma
prática comum para os adolescentes que tinham um mínimo de condições financeiras na
região, ele não fugia a regra. Contudo sua gestão durou três anos corridos.
Ao concluir o terceiro ano do segundo grau, suas tias sugeriram que fosse estudar em
Salvador, fazer uma faculdade, posteriormente. Até adquirir conhecimento teórico e voltar a
administrar o alambique com mais qualificação.
[...] Nasci numa família estruturada, com meus avós eram dedicados ao trabalho e ao lar, ser neto único, ao contrário do que os outros pensam, não é fácil, pois, as cobranças partem por parte de todos. Apesar se ser filho de pais separados, meu avô supria minha necessidade de referência paterna. Lembro que na época do São João, a destilaria trabalhava três turnos, em alguns anos a demanda era tão grande que faltava produto. Depois do falecimento de minha avó, todos nós sofremos mudanças, pois ela era meu alicerce. Já na adolescência era um garoto bem popular, conhecia muitas pessoas na cidade. Quando vi o alambique falindo, não quis deixar nosso sonho morrer, a destilaria era a alma da família, a comunidade também sentiu esse fim. A verdade é que minha tia viu em mim uma esperança para dar continuidade à empresa. A experiência que tive nesse período não tem preço, se tivesse com a maturidade e o conhecimento que tenho hoje, afirmo que não teria deixado fechar nosso orgulho, tenho certeza que estaria além do auge que foi um dia. O meu objetivo é abrir uma nova destilaria com minha nova família, minha esposa e minha filha. Durante o tempo que administrei a empresa, fui premiado pela associação dos comerciantes da cidade como o empreendedor mais jovem da região. Porém, não tive uma pessoa que me orientasse, me ludibriei com pouco e acabei metendo os pés pelas mãos. (NETO, 2009).
Percebe-se que na fala de Otávio a empresa representava a sua história de vida, marcada pelos
avós, a infância brincando dentro da destilaria, presenciando a produção da cachaça Alfa, a
sociedade que comprava o produto, diretamente na fábrica. Era um orgulho, pois a sua família
foi tradição devido a produção da cachaça Alfa, que é lembrada até hoje.
34
Com a decisão de Otávio, Suzi, sua mãe, aposentou os dois funcionários que restou, um deles
foi Ananias, que chegou a trabalhar na fazenda do pai de Sr. Francisco, formalizou o fim da
empresa com o contador. O local que funcionou a destilaria, na Rua Antonio de Brito, ainda
existe, assim como o maquinário, em estado de depreciação.
35
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta principal desta dissertação Dificuldades do Processo de sucessão familiar: Um
estudo sobre o encerramento das atividades em uma destilaria baiana, é levantar,
descrever e analisar as dificuldades do processo sucessório da Destilaria Baraúnas, que teve
suas atividades encerradas, depois da existência de três gerações.
A construção de uma réplica para esta proposta foi uma tarefa muito difícil, no sentido
simbólico para a família. Pois, se tratou de uma empresa familiar que teve suas atividades
encerradas. Os momentos contados para a construção da historia, fizeram os membros
familiares relembrarem os seus antepassados, a trajetória da destilaria desde o período da alta
atividade à falência. Além da frustração retratada por cada um.
A abordagem teórica para levantar a história não foi difícil, existem teorias bem
fundamentadas em empresa familiar. No entanto, a abrangência dificultou encontrar teorias
que falassem, especificamente, sobre falência, contextualizadas com a dinâmica que envolve a
sucessão familiar.
Após a análise do material coletado e o aprofundamento na realidade da empresa,
proporcionado pela metodologia qualitativa, e principalmente, pela técnica da historia de vida,
observar que os atores organizacionais representam três dirigentes das três gerações que
fizeram parte da história. Além disso, cabe salientar que para anônima, todos os nomes foram
fictícios.
O primeiro ator representa o fundador da empresa, que deu vida a destilaria, caracterizando a
empresa familiar, com todas as suas propriedades e personalidade. Dessa forma, a Destilaria
Baraúnas tinha as atribuições que caracterizam as empresas familiares, centralizadora nas
tomadas de decisão e personalizadas e informais.
A destilaria era a alma do fundador. Sua família (esposa e os seis filhos, e neto) foi o
incentivo para toda dedicação aplicada na empresa, que depois da fundação passou pelos
processos iniciais, crescimento e falência.
36
A empresa passou por transformações. Inovações tecnológicas resultaram acertos concretos.
Porém, era uma organização familiar e tinha suas peculiaridades. O fundador não planejou a
sucessão, deixou que ela acontecesse de forma natural. Conforme Gersick e outros (1997), os
fundadores de empresas familiares, não aceitam com tanta facilidade a transição de liderança.
A segunda geração tinha preparo para dar andamento à empresa, porém com ausência do
fundador, ela perdeu sua característica principal, centralização de decisões, em detrimento a
descentralização, representada por alguns filhos.
Gersick e outros (1997) afirmam que a sucessão não é um evento único que ocorre quando um
velho se aposenta e passa a tocha a um novo líder, mas um processo movido por um “relógio”
de desenvolvimento, começando muito cedo nas vidas de algumas famílias e continuando
através do amadurecimento e envelhecimento natural das gerações.
A terceira geração teve como ator o neto, único, do fundador. Conforme Gersick e outros
(1997), a empresa pode regredir do consócio entre irmãos para o consórcio entre primos, ou
seja, a organização familiar passou a ser controlada por apenas uma pessoa, como no início,
controlada apenas pelo fundador.
A terceira geração tinha um ambiente organizacional favorável para a continuação da empresa
familiar que a segunda geração não tinha, por ter havido conflito familiar. Porém, a terceira
geração, não tinha a experiência profissional do gestor da segunda geração.
A falência foi inevitável pelo principal motivo: se o fundador tivesse preparado uma estrutura
organizacional para receber o gestor da segunda geração, os conflitos familiares não teriam
acontecido. Além disso, com o tempo, fundamental para a continuação de qualquer
organização, a terceira geração teria sido preparada para assumir sozinha a empresa, pois, esse
último ator era neto único de toda família. A empresa passaria a ter como no início um
proprietário controlador.
Sendo assim, a pesquisa contribuiu para fundamentar a importância de haver novos estudos,
específicos, na esfera que envolve a empresa familiar. A sucessão familiar é uma pauta de
grande importância, pois os gestores desse segmento não Têm consciência da tamanha
importância é o processo sucessório da empresa familiar.
37
O processo sucessório por não ter sido formalizado pelo proprietário fundador contribuiu
para o encerramento das atividades da Destilaria Baraúnas. A empresa parecia ser sólida,
contudo por não haver provas contábeis, fica a suposição de tal afirmação.
38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNHOEFT, R.; MARTINS, I. G. S.; MENESES, P. L. Empresas Familiares Brasileiras.
São Paulo: Negócio Editora,1999.
DONNELLEY, R. G. A. Emprêsa Familiar. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 7, n. 22. Tradutor: Carlos Osmar Bertero. Rio de Janeiro: FGV, 1967. p. 161-198.
FERREIRA, M.C.; ESTOL, K.M.F. O Processo Sucessório e a Cultura Organizacional em
uma Empresa Familiar Brasileira. RAC, v.10, n.4, outubro/dezembro, 2006, p. 93-110.
GERSICK, K. E.; DAVIS, J. A.; HAMPTON, M. M.; LANSBERG, I. De Geração para
Geração: ciclos de vida da empresa familiar. 3ed. Trad: Nivaldo Montingelli Jr. São Paulo:
Negócio Editora, 1997.
GONÇALVES, S. C. Patrimônio, família, empresa – um estudo sobre a transformação no mundo da economia empresarial. São Paulo: Negócio Editora, 2000.
ROESCH, Sylvia Maria Azevedo. Projetos de Estágios e de Pesquisa em Administração.
2ed. São Paulo: Atlas, 1999.
SCHEIN, E. H. Cultura Organizacional de Liderança.2ed. San Francisco: Jossey Bass, 1992.
SILVA JUNIOR, A.; MUNIZ, R. M. Poder e sucessão: ascensão, declínio e falência de uma
gestão familiar em uma empresa capixaba. Revista O & S – Organização e Sociedade. V.
10, n. 26, Janeiro/Abril, 2003.
WAIANDT, Claudiani. Do pai ao irmão – representações familiares em transição: a
experiência de uma empresa capixaba. 2005. 210p. Dissertação (Mestrado em
Administração) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.
39
ANEXO – PLANO DE ENTREVISTA
1.Quando a empresa foi fundada? 2. Quem foi o fundador? 3. Como foi o processo da fundação? 4. Como surgiu a oportunidade de fundar a empresa? 5. Há parentes trabalhando na empresa? Em quais cargos? 6. Quantas gerações administrou a empresa? 7. Quando se começou a pensar na sucessão? 8. Como se deu o processo de sucessão? 9. Houve conflitos familiares devido a sucessão? 10. Houve conflitos na empresa devido a sucessão? 11. Quais os criterios utilizados para determinar o sucessor? 12. De que maneira foi preparada a futura liderança? 13. Comparando a gestão inicial com a segunda geração que gerenciou a empresa, o que mudou? ENTREVISTA FEITA COM FUNCIONÁRIOS 1. Como a sucessão foi encarada pelos funcionários?
40
2. Houve conflito na empresa devido a sucessão? 3. Quais foram os principais problemas que você enfrentou no início? 4. Há diferenças nas condições de trabalho antes e depoois da sucessão? 5. Comparando a gestão anterior com a atual, quais são os pontos que você observa que mudaram? 6. Na sua opinião o que tornou a empresa falida? ENTREVISTA FEITA COM O NETO
1.Como se deu o processo de sucessão? 2. Houve conflitos familiares devido a sucessão? 3. Houve conflitos na empresa devido a sucessão? 4. Quais os critérios utilizados para determinar o sucessor? 5. De que maneira foi preparada a futura liderança? 6. Comparando a gestão inicial com a segunda geração que gerenciou a empresa, o que mudou?
7. Quais foram suas principais dificuldades para gerenciar a empresa? 8. O que contribuiu para o encerramento das atividades da empresa?
41
Ficha Catalográfica (Elaborada pela Biblioteca Basílio Catalá Castro)
G635d Gonçalves, Danúbia Oliveira Dificuldades do processo de sucessão familiar: um estudo sobre o encerramento das atividades em uma Destilaria Baiana./ Danúbia Oliveira Gonçalves. _Salvador, 2009. 42f. Orientador: Profª. Drª. Claudiani Waiandt Monografia (Graduação) Faculdade 2 de Julho, 2009.
1. Administração 2. Empresa familiar 3. Cultura organizacional 4. Sucessão familiar I. Faculdade 2 de Julho II. Waiandt, Claudiani III. Título.
CDU: 658