diques clásticos da formação corumbatai, bacia do paraná, no contexto da tectônica...

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    DIQUES CLSTICOS DA FORMAO CORUMBATA, BACIA DO

    PARAN, NO CONTEXTO DA TECTNICA PERMOTRISSICA DO

    GONDWANA OCIDENTAL

    Bruno Boito Turra

    Orientador: Prof. Dr. Claudio Riccomini

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Programa de Ps-Graduao em Geoqumica e Geotectnica

    SO PAULO

    2009

  • Universidade de So Paulo___________________________________________________________

    RESUMO

    A presente dissertao estuda os enxames de diques clsticos presentes na poro superiorda Formao Corumbata, Permotrissico da Bacia do Paran, no interior do Estado de SoPaulo. Foram analisadas trs sees estratigrficas, levantadas em cortes de rodovias eferrovia nos municpios de Limeira, Batovi e Santa Luzia. No total foram obtidas 273medidas de atitudes de diques, distribudos em quatro nveis estratigrficos em Santa Luziae Limeira, e trs em Batovi. Os diques esto intrudidos em siltitos, so compostos porarenito muito fino a siltoso, em sua maioria so subverticais, e possuem geometriastabulares e ptigmticas, essas devido a efeitos de compactao posterior. O processo deformao dos diques foi injeo forada ascendente de sedimento fluidificado. As feiesobservadas que sustentam essa concluso so: ramificaes rumo ao topo, deformao nalaminao da camada encaixante, diques alimentadores de extruso de sedimento,intraclastos da encaixante, e orientao vertical da petrotrama paralela parede dos diques.A fluidificao foi induzida provavelmente por atividade ssmica, os diques clsticosestudados podem ser intepretados como sismitos. As caractersticas em favor dessa hipteseso: a associao com outras estruturas de liquefao cronocorrelatas da FormaoCorumbata e Pirambia, ampla distribuio geogrfica das ocorrncias (dezenas a centenasde quilmetros), confinamento em determinados nveis estratigrficos, e relao comestruturas tectnicas do embasamento. As atitudes dos diques apresentam significativadisperso nas orientaes, porm foi possvel identificar orientao preferencial, comatitudes variando principalmente entre NNW a NE, e predomnio da direo NNE.Admitindo o fraturamento hidrulico como o principal mecanismo de ruptura das camadaspelticas para a colocao dos diques, a direo preferencial NNE marca o esforohorizontal mximo atuante durante a intruso, associado a distenso no plano vertical nadireo WNW-ESSE. A considervel disperso das atitudes atribuda a existncia debaixos valores de stress diferencial durante o fraturamento e injeo do sedimentofluidificado, situao esperada em casos de intruso em baixas profundidades. Os sismosindutores dos diques clsticos foram resultado de reativaes de falhas pr-cambrianas doembasamento da Bacia do Paran. Essa relao observada pelo alinhamento geogrficodos sismitos permotrissicos que corresponde de maneira geral ao traado ENE da Zona deCisalhamento Jacutinga. Dentre os afloramentos estudados, os diques de Limeira, os maisprximos a esse traado, so mais abundantes e possuem maiores espessuras, produtos demaiores volumes de sedimento remobilizados pela fluidificao, provavelmente em funoda maior proximidade com a regio epicentral dos antigos abalos ssmicos. O campo deesforos sugerido pelas orientaes dos diques implicaria numa reativao transcorrentesinistral da Zona de Cisalhemento Jacutinga durante os eventos de sismicidadepenecontemporneos sedimentao permotrissica da Bacia do Paran. Essa tectnica,numa quadro mais amplo, possivelmente est relacionada propagao continente adentroda compresso de direo geral N-S, que ocorreu ao longo da borda sul do Gondwana aofinal do Paleozico, como bem documentado na deformao das rochas sedimentares esedimentao sin-tectnica do Cinturo do Cabo, na frica do Sul, e Serra La Ventana naArgentina.

  • Universidade de So Paulo___________________________________________________________

    ABSTRACT

    The current dissertation presents the study of clastic dike swarms of the upper part of theCorumbata Formation, Permian-Triassic of the Paran Basin, So Paulo State, Brazil.Three columnar sections were analyzed in road and railroad cuts in the municipalities ofLimeira, Batovi and Santa Luzia. A total of 273 measurements of structural attributes ofdikes were obtained, grouped by stratigraphic level. Four different stratigraphic levels withclastic dikes were recognized in both the Santa Luzia and Limeira exposures, and three inBatovi. The clastic dikes intrude siltstones and are composed of very fine to silty sandstone,being mostly subvertical and with tabular forms, sometimes with ptigmatic folds caused bylatter compaction. The origin of the dikes is related to upward forced injection of fluidizedsediment. Observed features supporting this conclusion are upward ramification, drag foldsin the host rock, sediment extrusion structures over the upper termination of feeding dikes,host rock intraclasts in the dikes and vertical fabric of the dikes grains oriented parallely tothe dike walls. Fluidization of the sand was most likely caused by seismic activity, andtherefore the studied dikes are considered as seismites. Other evidence support thisinterpretation, such as their association with other types of liquefaction features found inthe coeval Corumbata and Pirambia formations, the broad area of occurrence of the dikes(tens to hundreds of kilometers), the confinement of the dikes to specific stratigraphiclevels, and their spatial relationship with tectonic structures of the basement. Despite thegreat dispersion of dike directions, there are preferential orientations, with strikes varyingfrom NNW to NE and the NNE direction being the most common.Admiting that hydraulicfracturing was the main mechanism of dike generation, the prevailing NNE direction wouldindicate the maximum horizontal stress during the intrusion, related to a WNW-ESEextensional. The great dispersion of attitudes can be interpreted as the consequence of lowdiferential stresses during the fracturing and injection of fluidized sediment, which iscommon in shallow intrusions. The interpreted earthquakes were the result of reactivationof Precambrian basement faults, as indicated by the geographic alignment of the Permian-Triassic seismites following the ENE direction of the Jacutinga Shear Zone. The Limeiradikes, which are the closest to the shear zone, are the most closely spaced and the thickestof all occurrences, indicating the fluidazitin of larger volumes of sediment, probably due toproximity to the epicentral zone of the earthquakes. The stress field interpreted from thedike orientations implies in a left-slip reactivation of the Jacutinga Shear Zone during thePermian-Triassic seismic events in the Paran Basin. These events are possibly related, in abroader scene, to the far-field propagation of the compressional stresses of N-S directionoriginated in the southern border of Gondwana in the Late Paleozoic, recorded in the CapeBelt of South Africa and Sierra de Las Ventanas in Argentina.

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    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar agradeo ao meu orientador, professor Claudio Riccomini, pela

    pacincia e disposio. Agradeo tambm o gelogo Marlei Chamani, pioneiro no tema,

    pelas idias e conversas.

    CNPQ pela concesso de bolsa de mestrado.

    Comisso de Ps-Graduao do Instituto de Geocincias.

    Aos meus pais, Julio Turra e Misa Boito, pela concepo.

    s minhas avs, vov Neusa e vov Rosa, matriarcas mximas das famlias.

    Seleta Coletiva, meus amigos e amigas de rocha, que de tantos, no cito cada para no

    esquecer ningum. Abro exceo para citar os que me salvaram na correria final do

    acabamento desse trabalho: Samar, Delano, Paula e Ningum.

    Aos funcionrios do Instituto de Geocincias.

    Larissa, pelo amor e apoio.

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    ndicendice de Figuras .................................................................................................................. 21 Introduo ...................................................................................................................... 31.1 Objetivos ................................................................................................................... 4

    1.2 Materiais e mtodos .................................................................................................. 4

    1.3 Localizao e acessos................................................................................................ 5

    2 Origem e significado tectnico de diques clsticos ..................................................... 62.1 Introduo.................................................................................................................. 6

    2.2 Histrico do conhecimento........................................................................................ 7

    2.3 Fluidificao e formao de diques clsticos.......................................................... 15

    2.3.1 Atividade ssmica ............................................................................................. 17

    2.4 Mecanismos de fraturamento .................................................................................. 23

    2.4.1 Fraturamento hidrulico ................................................................................... 25

    3 Tectnica do cinturo Cabo-La Ventana e influncias na evoluo da Bacia doParan.................................................................................................................................. 283.1 Introduo................................................................................................................ 28

    3.2 Cinturo de dobramentos Cabo-La Ventana e bacias Karoo e Sauce Grande ........ 31

    3.2.1 Estratigrafia e sedimentao............................................................................. 31

    3.2.2 Deformao ...................................................................................................... 34

    3.2.3 Ilhas Falkland/Malvinas ................................................................................... 37

    3.2.4 Modelos geotectnicos ..................................................................................... 38

    3.3 Bacia do Paran....................................................................................................... 43

    3.3.1 Sntese geolgica .............................................................................................. 43

    3.4 Sedimentao no Permotrissico............................................................................. 45

    3.5 Atividade tectnica no permotrissico .................................................................... 48

    4 Enxame de diques clsticos da Formao Corumbata............................................ 524.1 Introduo................................................................................................................ 52

    4.2 Ocorrncias descritas............................................................................................... 56

    4.2.1 Limeira, SP (223221S x 472712W)....................................................... 56

    4.2.2 Batovi, SP (222316S x 473835W)......................................................... 66

    5 Discusso....................................................................................................................... 715.1 Concluses .............................................................................................................. 78

    6 Referncias bibliogrficas ........................................................................................... 80

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    ndice de Figuras

    Figura 1: Liquefao e fluidificao induzidas por abalos ssmicos................................... 21

    Figura 2:Diques clsticos resultantes de abalos ssmicos .................................................. 22

    Figura 3:Grficos ilustrando modos de fraturamento hidrulico ....................................... 27

    Figura 4: Paleogeografia e tectnica permotrissica no Gondwana.................................... 30

    Figura 5:Modelos geotectnicos da deformao permotrissica........................................ 42

    Figura 6: Sees estratigrficas dos afloramentos............................................................... 54

    Figura 7:Dados de atitudes e espessuras dos diques clsticos............................................ 55

    Figura 8: Fotos do afloramento de Limeira......................................................................... 60

    Figura 9: Fotos do afloramento de Limeira......................................................................... 61

    Figura 10: Fotos do afloramento de Limeira...................................................................... 62

    Figura 11: Fotos do afloramento de Limeira...................................................................... 63

    Figura 12: Fotos do afloramento de Limeira...................................................................... 64

    Figura 13: Fotos de microscopia petrogrfica.................................................................... 65

    Figura 14: Fotos do afloramento de Batovi........................................................................ 68

    Figura 15: Fotos do afloramento de Batovi........................................................................ 69

    Figura 16: Fotos do afloramento de Batovi........................................................................ 70

    Figura 17: Alinhamento geogrfico dos sismitos permotrissicos com a Zona de

    Cisalhamento Jacutinga ................................................................................................. 76

    Figura 18: Paleotenses dos diques clsticos e reativao da Zona de Cisalhamento

    Jacutinga. ....................................................................................................................... 77

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    1 INTRODUO

    Enxames de diques clsticos na poro superior da Formao Corumbata,

    Permotrissico da Bacia do Paran, ocorrem na regio de Piracicaba e Limeira, no interior

    do Estado de So Paulo. Riccomini (1992, 1995) interpretou os diques como estruturas de

    liquefao sismicamente induzida e por meio da anlise de suas atitudes constatou uma

    orientao preferencial na direo NE. O paralelismo entre os diques indicou um controle

    tectnico da intruso, com esforo horizontal mximo na direo NE.

    Posteriormente em trabalho de cunho regional, Riccomini et al. (2005) agruparam

    os diques clsticos com outras estruturas de deformao sin-sedimentar, das formaes

    Pirambia e Teresina, tambm interpretadas como sismitos. Essas ocorrncias dispem-se

    geograficamente alinhadas segundo o traado de falhas prcambrianas do embasamento da

    Bacia do Paran, de orientao ENE a NE, da Zona de Cisalhamento Jacutinga. Essa

    situao levou a hiptese de que reativaes das falhas do embasamento foram

    responsveis pelos episdios de atividade ssmica penecontemporneos sedimentao

    permotrissica da Bacia do Paran que induziram gnese dos diques clsticos da

    Formao Corumbata e de outros sismitos cronocorrelatos. O esforo horizontal mximo

    NE, sugerido pela orientao preferencial dos diques, implicaria numa reativao

    transcorrente sinistral da Zona de Cisalhamento Jacutinga. Num quadro mais amplo, essa

    atividade tectnica estaria relacionada propagao intracontinental de esforos

    compressivos, norte-sul, que atuaram ao longo da borda sul do Gondwana durante o

    Permotrissico, como bem documentado e datado nos cintures de dobramentos da Serra

    La Ventana, na Argentina, e Cinturo do Cabo, frica do Sul.

    A presente dissertao se props a desenvolver essa hiptese por meio da anlise

    de afloramentos selecionados, estudo terico sobre a formao e significado geolgico de

    diques clsticos, e elaborao de um quadro geral do contexto tectnico permotrissico da

    Bacia do Paran e do Gondwana Ocidental.

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    1.1 Objetivos

    Essa dissertao objetivou o estudo torico sobre diques clsticos, especialmente

    os induzidos por atividade ssmica, visando o entendimento de sua gnese e significado

    tectnico, por meio da discusso sobre os parmetros responsveis pela morfologia,

    orientao, e disposio espacial das estruturas. Com os dados obtidos pelo estudo do

    exemplo geolgico selecionado, e com a reviso bibliogrfica sobre contexto tectnico

    geral do intervalo de tempo em questo, objetivou-se o alcance de um panorama mais

    completo sobre o evento registrado e suas implicaes para a evoluo tectnica

    permotrissica da Bacia do Paran.

    1.2 Materiais e mtodos

    Para o alcance dos objetivos propostos foram realizados levantamentos de campo e

    trabalhos de gabinete.

    Nos levantamentos de campo foram descritas as ocorrncias de diques clsticos

    com relao aos tipos de estruturas presentes, formas, dimenses e posio estratigrfica, e

    realizado o levantamento de sees estratigrficas nos afloramentos selecionados. Foram

    coletadas as atitudes do maior nmero possvel de diques, visando a determinao de

    orientaes preferenciais. As exposies foram documentadas fotograficamente com

    cmera digital.

    O trabalho em gabinete contou com extensa reviso bibliogrfica para o

    embasamento terico da pesquisa, visando o estudo sobre tipos e processos de formao de

    diques clsticos e sobre o contexto paleotectnico relacionado ao tema. Os dados obtidos

    em campo foram tratados por meio de elaborao de figuras, sees, e na redao da

    presente dissertao. Para a anlise estatstica na determinao de orientaes preferenciais

    com as atitudes obtidas foram confeccionadas rosceas e projees esferogrficas no

    programa StereoNet 1.2.

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    1.3 Localizao e acessos

    Trs afloramentos foram selecionados para o presente estudo, localizados em

    cortes de rodovias e ferrovia, nos municpios de Limeira, Batovi e Santa Luzia, interior do

    estado de So Paulo.

    Em Limeira o afloramento localiza-se em corte da rodovia Bandeirantes Km 162

    (coordenadas geogrficas 223221S x 472712W), perto da divisa com o municpio de

    Cordeirpolis. Em Batovi a exposio ocorre ao longo de corte de ferrovia (coordenadas

    geogrficas 222316S x 473835W), com acesso pela ponte da rodovia SP-191. O

    afloramento de Santa Luzia, localiza-se em corte da rodovia Charqueada-Piracicaba SP-

    308.

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    2 ORIGEM E SIGNIFICADO TECTNICO DE DIQUES CLSTICOS

    2.1 Introduo

    Diques clsticos so estruturas comuns e frequentes no registro geolgico,

    possuem ampla distribuio no tempo e no espao, com ocorrncias do Proterico ao

    Recente, espalhadas sobre vrios continentes. Desde as primeiras descries no sculo XIX

    at os dias de hoje tem-se acumulado grande volume de trabalhos. Como exemplo

    ilustrativo dessa abrangncia, cita-se o Pr-Cambriano da Noruega (Williams, 1976) e

    Canad (Aspler & Donaldson, 1985), o Paleozico da Irlanda (Archer, 1984) e Antrtida

    (Curtis & Storey, 2003), o Mesozico da frica do Sul (Truswell, 1972) e Japo (Hayashi,

    1966), o Cenozico do Chile (Wislow, 1983) e Estados Unidos (Peterson, 1966;

    Obermeier, 1996).

    Existem dois tipos principais de diques clsticos: os deposicionais, produtos de

    preenchimento passivo, gradual ou episdico, de fraturas no substrato; e os de injeo,

    resultantes de fluidificao de sedimento e intruso forada em camadas adjacentes, que

    pode se dar em qualquer sentido, para cima, para baixo ou lateralmente. Este captulo ser

    focado nos diques do segundo tipo, que so os mais estudados em trabalhos da literatura, e

    tambm constituem o exemplo analisado na presente dissertao.

    Analogamente aos diques gneos, diques clsticos so corpos intrusivos tabulares

    que truncam a estrutura de sua rocha encaixante. Na literatura tambm so referidos como

    diques de arenito ou diques sedimentares. Geralmente so compostos por sedimentos

    arenosos, entretanto ocorrem granulometrias variadas, de conglomerado a argila em

    composies siliciclsticas e carbonticas. Podem ocorrer associados a outras intruses

    clasticas, como plugs e sills, e tambm como alimentadores de extruses de sedimento na

    superfcie em ambientes subreos ou subaquosos. Os diques podem ter espessuras de

    poucos centmetros at uma dezena de metros, e comumente ocorrem como enxames

    constitudos por dezenas ou centenas de corpos, dispostos com diferentes arranjos:

    parelelos entre si (Peterson, 1966); como pares conjugados (Ghiglione, 2002); poligonais

    (Aspler & Donaldson, 1986); radiais (Marco et al., 2002); ou com distribuio aleatria

    (Williams, 1976).

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    Geralmente os diques ocorrem alojados em sucesses sedimentares, mas tambm

    so conhecidos exemplos intrusivos em rochas vulcnicas (Walton & OSullivan, 1950;

    Schlische & Ackermann, 1995) e, muito raramentte, em rochas granticas (Harms, 1965).

    Este captulo trata dos processos de formao de diques presentes em depsitos

    sedimentares, que por sua vez, ocorrem associados a uma vasta gama de sistemas

    deposicionais, como por exemplo, ambientes glaciais (Johnston, 1993; Le Heron & Ettiene,

    2005), lacustres (Aspler & Donaldson, 1986; Martel & Gibling, 1993), fluviais (Oomkens

    1966; Plint, 1985), costeiros de deltas ou mar (Reimntiz & Marshall, 1965; Dionne, 1976;

    Hardie, 1999), marinho raso (Williams, 1976; Johnson, 1977), leques marinhos profundos e

    turbiditos (Hiscott, 1979; Archer, 1984; Parize, 2003).

    As condies bsicas para a formao de diques de injeo so a ao de um

    mecanismo que induza a liquefao de uma camada sedimentar, e um processo mecnico

    que cause o fraturamento da camada que ser a hospedeira da intruso. Em relao

    primeira, Jolly & Lonergan (2002) distinguem quatro processos geolgicos possveis: (1)

    liquefao induzida por atividade ssmica; (2) esforos tectnicos; (3) processos

    deposicionais rpidos (como escorregamentos, ondas de tempestade, etc.); (4) influxo de

    um fluido sobrepressurizado externo ao sistema. Alm desses, tambm so comuns diques

    gerados por fluidificao associada dinmica das geleiras em contexto glaciotectnico

    (Rijsdijk et al., 1999; Le Heron & Etienne, 2005).

    No que diz respeito aos modos de fraturamento, os autores tm apontado variados

    tipos de processos, como fraturas geradas por esforos tectnicos (Peterson, 1966; Wislow,

    1983; Ghiglione, 2002), fraturamento hidrulico (Cosgrove, 1995, Jolly & Lonergan,

    2002), fissuras abertas por oscilao de ondas ssmicas (Huang, 1988; Obermeier, 1996),

    relacionadas a escorregamentos em taludes (Smith & Rast, 1958; Rowe et al., 2002), entre

    outros.

    2.2 Histrico do conhecimento

    As primeiras menes na literatura cientfica sobre diques clsticos remetem

    primeira metade do sculo XIX. Por se tratar de uma feio muito evidente, geralmente

    destacada nos afloramentos devido eroso diferencial, Maltmann (1994) ressalta que a

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    identificao de diques sedimentares no registro geolgico est entre as mais antigas

    descries de estruturas em sedimentos. Desde ento, acumulou-se grande volume de

    trabalhos, que envolvem estudos de casos especficos, publicaes temticas, revises e

    captulos de livros. Os trabalhos mais antigos e pioneiros no so de fcil acesso, mas

    interessantes revises so encontradas em Fuller (1912), Jenkins (1925), Shrock (1948) e

    Maltman (1994). Frente vasta lista de trabalhos sobre o tema, a presente reviso no

    completa, mas pretende traar um panorama geral da evoluo do conhecimento ao longo

    das dcadas. Para isso so abarcados alguns trabalhos sobre exemplos especficos, para

    ilustrar a grande variedade de modos de ocorrncias, e artigos de reviso que sumarizam e

    sistematizam os conhecimentos acumulados.

    Em sua passagem pela Amrica do Sul no ano de 1834, durante a histrica viagem

    a bordo do Beagle, Charles Darwin reportou a ocorrncia de quatro diques clsticos na

    Patagnia, atribuindo sua origem ao desenvolvimento de fraturas mecnicas, preenchidas

    por um fluxo sobre presso de sedimento e gua (em Maltmann, 1994).

    O trabalho de Diller (1890) tornou-se referncia fundamental sobre o tema, sendo

    citado em diversos estudos posteriores. O autor descreve um enxame de diques de arenito

    intrudidos em pelitos tercirios no Vale do Rio Sacramento, Califrnia, EUA. Considera

    que o mecanismo de colocao dos diques se d por injeo forada, e o sentido do fluxo

    pode ser para cima ou para baixo. A foliao de micas paralelas parede dos diques um

    argumento favorvel a essa interpretao. Baseado em relatos que reportam intruses de

    sedimentos decorrentes de terremotos, estabelecida a associao entre a formao dos

    diques e atividade ssmica (Diller, 1890 apud Martill & Hudson, 1989; Maltmann, 1994).

    Essa ocorrncia no Vale do Rio Sacramento tornou-se um exemplo clssico, sendo objeto

    de estudos posteriores (e.g. Peterson, 1966; Jolly et al., 1998).

    A abundncia dessas estruturas em territrio estadunidense fez com que, j no

    incio do sculo XX, a Geological Society of America publicasse um trabalho temtico

    sobre diques clsticos (Newson, 1903). Nesse trabalho j so tecidas generalizaes que se

    mantiveram ao longo de todo o sculo e continuam vlidas. Para os diques formados por

    injeo dirigida para cima, necessria a presena de um fluido no processo para

    remobilizar o sedimento; esse fluido pode ser gua, petrleo ou resduos de petrleo. A

    intruso forada devida presso hidrosttica, presso litosttica das camadas

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    sobrepostas, presso de gs, ou a uma combinao desses fatores. As condies

    favorveis para a formao de diques desse tipo so produzidas quando uma camada

    sedimentar inconsolidada recoberta por um depsito que se solidifica antes que ela

    (Newson, 1903 apud Walton & OSullivan, 1950).

    Em trabalho extenso, Fuller (1912) detalha os efeitos de terremotos ocorridos no

    incio do sculo XIX na regio de New Madrid, no Vale do Rio Mississipi, EUA, baseado

    na anlise dos registros geolgicos e em relatos histricos. O autor destaca que fissuras

    paralelas no solo e na cobertura sedimentar so uma das feies mais comuns e abrangentes

    na regio afetada pelos tremores. A formao dessas fraturas seria consequncia do efeito

    da oscilao das ondas ssmicas sobre o terreno. Em muitos casos as fraturas abertas foram

    preenchidas por areia e gua, injetada de baixo para cima, formando assim diques clsticos.

    Quando o desenvolvimento das fissuras atinge a superfcie, comum ocorrer extruso da

    mistura de sedimento e gua.

    O trabalho de Jenkins (1925) analisa diversas ocorrncias em terraos aluviais no

    Estado de Washington, Estados Unidos. Alm da descrio de diferentes tipos de diques

    clsticos, atribuindo a alguns deles origem ssmica, o autor elabora uma sntese interessante

    sobre o tema, citando diversos trabalhos anteriores. Jenkins (1925) sistematiza suas

    principais concluses obtidas nos exemplos estudados, e sugere uma ordenao do processo

    de formao. Parece que em todos os casos analisados primeiro se forma uma fissura que

    posteriormente preenchida pelo material clstico. De acordo com cada situao

    especfica, esse preenchimento pode se dar por injeo sob presso de quicksand, em

    qualquer direo (para baixo, para cima ou para os lados), ou por deposio gradual,

    passiva, do sedimento nas fissuras abertas. Quando associada terremotos, a abertura de

    fraturas atribuda ao efeito dos tremores ssmicos no solo, e pode ocorrer tanto na

    superfcie, subarea ou subaquosa, como em camadas em profundidade. No caso de diques

    formados por injeo forada, o autor atribui um papel importante presso hidrosttica na

    gerao da estrutura. Bandamentos internos paralelos parede do dique, presentes em

    alguns corpos, seriam evidncias de que o material injetado sob significativa presso.

    Outra importante observao destacada que as exposies mais expressivas esto

    localizadas perto de falhas, e existe um certo paralelismo entre estas e os diques, o que

    sugere uma relao causal entre as estruturas.

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    Baseado em estudos petrogrficos de minerais pesados num dique de arenito

    alojado em folhelos miocnicos na Califrnia, Meek (1928) identifica a camada fonte da

    intruso clstica. Atravs dessa anlise o autor conclui que a injeo formadora do dique foi

    dirigida para cima, atravessando uma espessura de sedimentos superior a 300 metros. Esse

    trabalho revela uma dimenso, na escala de centenas de metros, at ento desconhecida do

    fennemo. A abertura da fratura atribuda ao efeito de terremotos ou deformao e

    dobramento das camadas. Outra particularidade interessante dessa ocorrncia a presena

    de betume impregnado nos poros do arcabouo do dique, o que levou o autor a estabelecer

    relaes entre o processo de remobilizao de sedimentos e a migrao de hidrocarbonetos

    na bacia.

    Um exemplo diferente e singular bem conhecido so os diques clsticos intrudidos

    em rochas granticas, no Colorado, EUA (Cross, 1894; Roy, 1946; Vitanage, 1954; Harms,

    1965). Os diques so verticais, compostos por arenito e conglomerado, com espessuras

    decimtricas e geometria tabular. Exibem estruturao interna com laminao paralela

    parede e concentrao de clastos maiores no centro do corpo, evidncias de preenchimento

    sob presso. A fonte dos diques so camadas cretceas que repousam sobre os granitos. As

    fraturas so preenchidas de cima para baixo, so paralelas falhas presentes na regio e

    relacionadas tectnica de soerguimento das montanhas Pike Peaks.

    Shrock (1948) apresenta boa sntese do conhecimento at a metade do sculo XX,

    e apresenta uma classificao gentica composta por dois grupos: diques clsticos formados

    por intruso substratal; e diques clsticos formados por preenchimento de fissuras na

    superfcie. No primeiro tipo engloba diques formados por injeo sob significativa presso,

    dirigida para cima, de mistura de sedimento e fluido (gua ou petrleo e derivados). Feies

    descritas em vrios trabalhos, como bandamento interno nos diques (orientao da

    petrotrama) paralelo s paredes e dobras de arrasto na estratificao da camada encaixante,

    so consideradas evidncias do carter forado da injeo. O segundo tipo corresponde a

    diques formados por preenchimento de fissuras por deposio gradual, de cima para baixo,

    sob ao da gravidade. O autor tambm inclui nesse grupo diques injetados sob presso,

    porm com o sentido para baixo. Esse adendo causa certa confuso na classificao,

    incluindo em mesmo grupo diques formados por intruso forada e por preenchimento

    passivo. A nfase no sentido de injeo e no no processo de colocao no se mostra

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    muito usual para uma classificao geral das estruturas, visto que os diques preenchidos sob

    presso podem ser formados por injees em qualquer direo e sentido. Razo, talvez, pela

    qual a proposta de Shrock (1948) no foi aplicada em nenhum trabalho posterior, embora

    citaes de seu trabalho sejam freqentes.

    Ainda em Shrock (1948), as generalizaes abarcam os momentos considerados

    necessrios ao processo de injeo dos diques. Primeiro, a existncia de uma sobre-presso

    na camada fonte, necessria para a remobilizao do sedimento liquefeito e consequente

    intruso em camadas adjacentes. Esse excesso de presso atribudo trs fatores

    principais: presso litosttica (sobrecarga das camadas sobrepostas), presso de gs, ou

    presso hidrosttica (os mesmos j apontados por Newson, 1903). Em segundo lugar,

    necessrio um mecanismo de fraturamento na camada que ser a encaixante dos diques. O

    autor sistematiza as seguintes distines: gretamento de camadas argilosas; cisalhamento

    durante terremotos; e fraturas associadas a dobras, falhas e escorregamentos.

    A presena de diques em depsitos submarinos, associados a feies de

    escorregamentos (slumps), comum. Em compilao recente, Jolly & Lonergan (2002)

    concluem que o ambiente de sedimentao mais citado em trabalhos sobre o tema o

    marinho profundo. Fairbridge (1948), em trabalho focado na geologia do petrleo,

    considera os diques clsticos como um dos elementos estruturais principais em depsitos

    desse tipo. No trabalho de Smith & Rast (1958), desenvolvido em rochas

    metassedimentares da Esccia, so identificados diques clsticos originados por injees

    dirigidas para baixo, formados durante os escorregamentos, e injees para cima,

    posteriores ao evento de deposio rpida. A fora motriz para a gerao das intruses

    geralmente atribuda sobrecarga rpida gerada pelo escorregamento sobre as camadas

    sotopostas. Porm pode haver uma relao direta entre os escorregamentos e atividade

    ssmica, como aventado no trabalho de Smith & Rast (1958).

    No Japo, Hayashi (1966) realiza uma sistematizao e descrio geral das

    ocorrncias de diques clsticos conhecidas no arquiplago, contabilizando mais de 10.000

    corpos. Os diques distribuem-se do Permiano ao Recente, sendo especialmente abundantes

    no Cretceo. Em todos os casos so considerados como penecontemporneos s rochas

    encaixantes. O autor elabora uma classificao baseada no tipo de assemblia, forma e

    gnese. Em relao ltima distingue quatro grupos:

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    intrusivos (intrusive clastic dikes): constituidos de lama e brechas, associados

    atividade gnea;

    injetados (injection clastic dikes): quicksand injetada sobre presso em fendas

    e juntas;

    preenchimento (infilling clastic dikes): formados por deposio gradual em

    fissuras sob ao da gravidade;

    colocados fora (squeeezed-in clastic dikes): camadas plsticas introduzidas

    em fissuras e fendas de rochas adjacentes, sem destruio de estruturas

    deposicionais internas.

    Nota-se que o autor no discrimina os mecanismos indutores relacionados ao

    processo gentico (por exemplo atividade ssmica e escorregamentos) nem a mecnica de

    fraturamento das camadas hospedeiras. Embora a classificao elaborada seja especfica

    para os exemplos japoneses, ela j contm os dois grupos principais (diques deposicionais e

    de injeo), usados em muitos trabalhos posteriores.

    Com relao ao termo netuniano, faz-se necessrio esclarecer aqui uma questo de

    terminologia que apresenta ambiguidades na literatura.. Tal termo foi pela primeira vez

    utilizado por Pavlow (1896) (apud Marschalko, 1978) em descrio de diques clsticos

    presentes em depsitos sedimentares em So Petersburgo, na Rssia. Os diques netunianos

    seriam ento formados por preenchimento a partir de cima (filled from above), diferentes,

    portanto, dos diques gneos, formados por intruses advindas de baixo. Como se v o termo

    foi criado para designar o sentido de preenchimento. Porm trabalhos posteriores adotaram

    concepes distintas, ora se referindo diques de injeo em qualquer direo (Smith &

    Rast, 1958; Potter & Petitjohn, 1977), ora para diques formados em ambiente submarino

    (Smart et al. 1988), ou ento como sinnimo de diques formados por preenchimento

    passivo de fissuras (Montenat et al., 1991; Levi et al. 2006). Para ns, a classificao mais

    apropriada a que subdivide os diques em dois tipos: de injeo ou de preenchimento. Por

    conseguinte, o uso do termo netuniano no se faz necessrio.

    Um dos primeiros estudos focado na anlise estrutural de Peterson (1966), na

    ocorrncia de Sacramento Valley, Califrnia, mesma regio alvo do trabalho de Diller

    (1890). O levantamento conta com cerca de 200 diques que possuem atitudes bem

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    marcadas e uniformes, sendo que 76% do total dispem-se num ngulo entre 45-65 em

    relao a falhas transcorrentes que ocorrem na regio. Alguns apresentam arranjo en

    echelon. Tal situao embasa a interpretao dos diques serem decorrentes do

    preenchimento de fraturas de distenso em regime tectnico transcorrente. O autor destaca

    a situao geolgica favorvel para a aplicao do modelo de Riedel, fazendo analogia do

    embasamento cristalino com a placa rgida, e dos estratos pelticos marinhos com a camada

    de argila do experimento de Riedel.

    Quando a injeo de sedimento fluidificado aproveita a anisotropia do acamanento

    para se alojar so formados sills clsticos, que ocorrem comumente associados a diques. H

    exemplos naturais em que os sills so muito abundantes, ou mesmo o tipo predominante de

    intruso clstica, como nos casos estudados em Truswell (1972) e Hiscott (1979), ambos

    em depsitos turbidticos, na frica do Sul e Canad repectivamente. Truswell (1972)

    comenta que o fato de diques serem mais citados na literatura pode decorrer de que os sills

    so facilmente confundidos com camadas deposicionais. Entre as caractersticas que podem

    conduzir ao diagnstico de sills esto a variao lateral de largura com a formao de

    geometrias tipo pinch and swell, saltos estratigrficos para cima ou para baixo, conexo

    com diques alimentadores e ausncia de estruturao deposicional interna.

    Na Patagnia chilena, Winslow (1983) estudou um enxame de diques bastante

    expressivo alojado em pelitos cenozicos de um cinturo de dobras e empurres associado

    tectnica andina. Foram mapeados mais de 700 corpos, sendo 288 estudados em detalhe.

    Os diques so verticais a subverticais, de geometria tabular, e contato planar e abrupto com

    a camada encaixante . As espessuras variam de 1cm a 9m, e a maioria fica em torno 25 a

    50cm. A extenso de alguns corpos pode ultrapassar 400m. So compostos de arenito e

    conglomerado, mal selecionados, com presena de matriz, e possuem estruturao interna

    com os clastos maiores concentrados no centro e os mais finos na borda com laminao

    paralela parede. Mais de 85% dos diques tem orientao transversal ao eixo do

    dobramento, o que indica que foram formados por preenchimento de fraturas paralelas ao

    esforo compressivo regional. A fluidificao e sobre-presso necessrias remobilizao

    dos sedimentos, e consequente intruso de areia e cascalho nos pelitos sobrepostos,

    atribuda a atividade ssmica associada ao esforo tectnico.

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    Os trabalhos de Mills (1983), Allen (1984) e Owen (1987), focados nos aspectos

    fsicos e tipos de produtos gerados por fluidificao de sedimentos, contriburam para a

    discusso terica sobre os processos envolvidos na gnese dos diques clsticos de injeo,

    que, principalmente a partir desses trabalhos, passam a ser considerados como produtos

    tpicos de fluidificao.

    Na dcada de 90 duas circunstncias vieram a dar novo flego s pesquisas sobre

    nosso tema, o desenvolvimento da paleossimologia e a descoberta de intruses clsticas de

    grande porte em subsuperfcie no Mar do Norte. Em relao primeira, destacam-se o

    extenso trabalho de Obermeier (1996) focado nas caractersticas diagnsticas de feies de

    liquefao sismicamente induzidas, e o livro de McCalpin (1996) que apresenta o estado da

    arte dos estudos em palessismologia e uma srie de artigos especficos. As descobertas no

    Mar do Norte, mediante o emprego de perfis ssmicos e sondagens, revelou grandes corpos

    sedimentares intrusivos com importantes conseqncias para a geologia do petrleo (Dixon

    et al. 1995). Outro trabalho significativo desse perodo o de Cosgrove (1995). Nesse

    breve artigo o autor considera diques clsticos como exemplos naturais de fraturamento

    hidrulico, discutindo o modo de fraturamento e possibilidades de arranjo espacial das

    estruturas geradas. Tal paradigma constituiu a base de trabalhos posteriores que

    objetivaram estudos de paleotenses com os diques (Boehm & Moore, 2002; Jolly &

    Lonergan, 2002).

    No presente sculo continuaram as publicaes de diversos trabalhos com

    exemplos especficos (e.g. Rowe et al. 2002; Jonk et al., 2003; Ribeiro & Terrinha, 2007)

    ou de contedo geral e terico (e.g. Jolly & Lonergan, 2002; Hurst et al., 2003). A

    publicao especial da Geological Society of London (Van Rensbergen et al., 2003), sobre

    remobilizao de sedimentos em subsuperfcie, explora as diferenas e semelhanas entre

    fluidificao e intruses clsticas geradas em grandes profundidades (centenas de metros) e

    em subsuperfcie rasa, at 10 metros de profundidade. A grande diversidade de formas das

    intruses faz com que os autores utilizem o termo mais genrico injetitos. Ainda nessa

    publicao, est presente o trabalho Parize & Fris (2003) que estudam um exemplo muito

    bem exposto no sudeste da Frana de um conjunto diques e sills clsticos relacionados a

    canais submarinos em depsitos cretceos de gua profunda. Baseados nas intruses do

    Mar do Norte, Jolly & Lonergan (2002) publicaram um valioso trabalho terico discutindo

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    os mecanismos de formao de intruses clsticas. Esses trabalhos mais recentes,

    especialmente os que discutem mecanismos de intruses, sero melhor discutidos nos itens

    a seguir.

    Estudando um enxame de diques hospedados em depsitos lacustres pleistocnicos

    na Bacia do Mar Morto em Israel, Levi et al. (2006) realizaram anlises laboratoriais de

    anisotropia magntica da trama do arcabouo para a identificao do processo de

    preenchimento. Diques formados por preenchimento passivo so caracterizados por

    foliaes magnticas horizontais, enquanto que os diques formados por injeo forada

    tendem a possuir foliaes magnticas verticais paralelas s paredes dos diques.

    2.3 Fluidificao e formao de diques clsticos

    Diques clsticos de injeo so considerados produtos tpicos de fluidificao (e.g.

    Owen, 1987; Jolly & Lonergan, 2002). Os fenmenos de liquefao e fluidificao so

    reconhecidos pelos especialistas como os principais processos de deformao e

    remobilizao de sedimentos.

    A liquefao se manifesta quando ocorre uma mudana, numa dada quantidade de

    sedimento, de um estado tipo slido para um estado tipo lquido (Allen, 1984). Nesse

    fenmeno, gros metaestveis, frouxamente compactados, so separados uns dos outros em

    decorrncia da ao de tenses, estabelecendo-se assim uma matriz sustentada por fludo

    (Mills 1983).

    Por sua vez, a fluidificao desenvolve-se quando a mistura (fluido + sedimento)

    entra em fluxo em resposta presena de gradiente hidrulico, ou incurso de fluido

    ascendente, alctone, introduzido na camada (Owen, 1987). Est associada rpida perda

    dgua, e um processo mais breve e local, enquanto a liquefao ocorre de maneira

    homognea atravs da camada (Mills, 1983). Enquanto que o fluido dos poros na

    liquefao essencialmente passivo, na fluidificao um agente ativo, provendo por seu

    movimento ascensional a fora que sustenta as partculas sedimentares em fluxo (Allen,

    1984). O movimento para cima do fluido dos poros, em resposta ao gradiente de presso

    diferencial, impe uma fora de arraste no gro; quando essa fora excede o peso efetivo

    dos gros eles entram no fluxo (Jolly & Lonergan, 2002).

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    Allen (1984) baseado em extensa discusso terica, apoiado em uma srie de

    equaes, sustenta que a incurso de um fluido externo ao sistema condio indispensvel

    para que ocorra a fluidificao. Outros autores, como por exemplo, Mills (1983), Owen

    (1987) e Jolly & Lonergan (2002) no compactuam com essa assero. De fato, a

    observao direta de fenmenos naturais, notadamente a gerao de diques clsticos e

    extruses de areia decorrentes de terremotos, evidencia que a fluidificao pode ocorrer por

    meio da remobilizao da gua presente nos poros de depsitos sedimentares. No obstante,

    processos de migrao de fluidos intrabacinais, principalmente hidrocarbonetos, podem

    ocasionar a fluidificao de sedimentos.

    A observao de exemplos naturais somado a estudos experimentais em

    laboratrios (e.g. Nichols et al. 1994, Owen 1996) embasam o conhecimento terico e

    emprico sobre o processo de fluidificao e remobilizao de sedimento. Na natureza

    existem exemplos de intruses clsticas compostas por todas as granulometrias, de argila

    (Resenberg et al., 2003) a conglomerado (Bezerra et al. 2004). Porm tem-se concludo

    com base na experincia acumulada que as fraes arenosas, finas a siltosas, so mais

    propcias a ocorrncia de tal fenmeno (Owen, 1987; Obermeier et al., 2002; entre outros).

    A suceptibilidade de um depsito liquefao e fluidificao depende dos parmetros

    texturais e composicionais, como granulometria, empacotamento e cimentao.

    O fenmeno de fluidificao necessita de um mecanismo indutor, uma energia

    extra no sistema, para ocorrer. Os processos gelogicos que cumprem esse papel podem

    ser separados, segundo Jolly & Lonergan (2002), em: (1) atividade ssmica; (2) processos

    sedimentares rpidos (ex. escorregamentos, ao de ondas, etc); (3) influxo de um fludo no

    sistema. Desses, a atividade ssmica dos mais significativos e comuns e ser tratada em

    pormenor adiante. Em ambientes glaciais tambm so reportadas feies de liquefao e

    fluidificao e gerao de diques clsticos, associados ao deslocamento de geleiras,

    mecanismo esse denominado de glaciotctonica (e.g. Von Brunn & Talbot, 1986; Rijsdijk

    et al., 1999; Le Heron & Etienne, 2005).

    Na gnese de diques clsticos, as injees foradas de areia fluidificada podem

    ocorrer em todas as direes e sentidos, mas geralmente ocorrem dirigidas para cima, em

    resposta presso vertical que as camadas sobrepostas exercem no horizonte sedimentar

    liquefeito/fluidificado. O fluxo se desloca segundo o gradiente hidrulico, da rea de maior

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    17

    presso para a de menor (Owen, 1987). Tambm so relativamente comuns injees laterais

    (e.g. Aspler & Donaldson, 1986; Parize & Fris, 2003), e dirigidas para baixo (e.g. Jenkins,

    1925; Demoulins, 1996); essas ltimas so especialmente frequentes em diques clsticos

    associados depsitos glaciognicos (e.g. Von Brunn & Talbot, 1986; Jonk et al. 2004;

    Gozdzik & Van Loon, 2007).

    A descoberta de intruses clsticas de grande porte, de dimenses mtricas a

    decamtricas e volumes que atingem a ordem de quilmetros cbicos, e em grandes

    profundidades, na casa de centenas de metros, revelou uma nova abrangncia do processo

    de remobilizao de sedimentos em subsuperfcie (Jolly & Lonergan, 2002). Essa

    descoberta foi realizada em depsitos submarinos no Mar do Norte, por meio de perfis de

    ssmica de reflexo e sondagens (Dixon et al. 1995; Lawrence et al. 1999), e despertaram

    especial interesse devido a implicaes na geologia do petrleo, com impactos na dinmica

    de migrao e geometria de reservatrios. Molyneaux (1999) apontou a ocorrncia de Santa

    Cruz na Califrnia, estudada por Boehm & Moore (2002), como o melhor anlogo aflorante

    para as intruses do Mar do Norte. Outro exemplo de intruses clsticas de grande porte,

    pode ser os pipes que cortam espessuras de mais de 300 metros de rochas (Huuse et al.,

    2005).

    Hurst et al. (2003) propem um limite, mais ou menos arbitrrio, de at 10 metros

    para fluidificao rasa, e de 10 1000 metros para profunda, e argumentam as diferenas

    entre elas. No caso de grandes profundidades, maiores quantidades de sedimento so

    remobilizadas devido presena de presses mais elevadas. Nessas situaes a incurso de

    um fluido no sistema, geralmente relacionado migrao de hidrocarbonetos, parece

    desempenhar um papel importante na fluidificao das camadas sedimentares. As intruses

    clsticas em subsuperfcie rasa so bem mais comuns e resultam em diques e sills de

    dimenses centimtricas a mtricas, e na maioria das situaes esto associadas

    remobilizao de gua presente nos poros.

    2.3.1 Atividade ssmica

    Reconhece-se atualmente que abalo ssmico o principal mecanismo indutor, com

    expresso regional, de liquefao e fluidificao de sedimentos (e.g. Owen, 1986;

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    Obermeier, 1996; Maltman, 1994; Jolly & Lonergan, 2002). A liquefao decorre das

    tenses cisalhantes geradas pela propagao de ondas ssmicas sobre o sedimento

    encharcado. Em condies propcias como discutido acima, a fluidificao tambm pode

    ocorrer.

    Observaes cientficas sobre efeito de terremotos na cobertura sedimentar

    superficial comeam a ser registradas nas ltimas dcadas do sculo XIX (e.g. Dutton,

    1889). O conhecimento acumula-se ao longo do sculo XX, com novas anlises em

    terremotos histricos, como por exemplo os tremores de alta magnitude ocorridos no

    Alaska no ano de 1964, que renderam alguns trabalhos (Hansen, 1965; Hansen et al., 1966;

    Coulter & Migliaccio, 1966; Barret, 1966; Lemke, 1967).

    Os impactos sociais e econmicos, decorrentes dos efeitos dos abalos ssmicos em

    centros populacionais susceptveis a tal fenmeno, levaram ao desenvolvimento de uma

    nova especializao da geologia e geologia de engenharia. A paleossismologia objetiva a

    estimativa de graus de riscos ssmicos em uma determinada regio, por meio da definio

    da idade, localizao e magnitude de antigos terremotos (McCalpin, 1996). Devido ao vis

    prtico dessa disciplina, os especialistas concentram-se no estudo de registros de

    ocorrncias pr-histricas. Nos clculos sobre risco ssmico, os terremotos pr-quaternrios

    no so considerados, devido pequena probabilidade de recorrncia em tempos atuais

    (Wheeler, 2002).

    McCalpin (1996) elaborou uma classificao para as denominadas evidncias

    paleosssmicas, baseada em sua gnese, locao e tempo de formao. Em relao gnese,

    subdividiu-as em duas classes, primrias e secundrias. As evidncias primrias

    correspondem s deformaes tectnicas relacionadas ao deslocamentos de falhas. As

    secundrias so produto dos tremores do terremoto. Dentro dessa classificao, s as

    evidncias secundrias, que envolvem a deformao de depsitos sedimentares, detm

    potencial de preservao no registro geolgico.

    O termo sismito, para referir-se deformao em sedimentos causadas por abalos

    ssmicos, foi proposto por Seilacher (1969). Vittori et al. (1991) sugerem a aplicao do

    termo sismito para todas as estruturas geolgicas geneticamente ligadas a terremotos.

    McCalpin (1996), argumentando ser essa definio excessivamente abrangente, prope o

    uso do termo apenas para as chamadas evidncias secundrias, que possuem expresso

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    estratigrfica e potencial de preservao, se aproximando mais da acepo original de

    Seilacher (1969). Por conseguinte, sismitos podem ser definidos como registros de

    atividade ssmica penecontempornea sedimentao.

    Estruturas que podem ser sismitos so variadas, como por exemplo, bolas-e-

    almofadas, escorregamentos, laminaes convolutas e falhas sin-sedimentares. Diques

    clsticos esto entre as mais comuns, e so importantes fonte de informao nos estudos de

    paleossismologia. Considera-se a zona de ocorrncias de diques com maior somatria de

    espessuras, que corresponde rea de maior volume de material fluidificado, como a mais

    provvel regio paleoepicentral (Obermeier, 1996). A situao tpica para a gerao de

    intruses de areia, diques e sills, sismicamente induzidos, se d quando um espesso

    depsito arenoso capeado por uma camada de baixa permeabilidade e o nvel dgua est

    muito perto da superfcie do terreno (Obermeier et al., 2002). O sedimento fluidificado

    pode chegar superfcie extrudindo em ambiente subareo ou subaqutico.

    Estudos empricos, baseados em observaes de terremotos recentes, mostram que

    a liquefao associada depende da magnitude do tremor ssmico, que s ocorre em tremores

    de mdia alta magnitude (mb>5.5). Isso faz dos sismitos registros de intensa atividade

    ssmica. Conforme o aumento da magnitude a liquefao e fluidificao so mais intensas

    na regio epicentral e alcanam distncias cada vez maiores em relao ao epicentro (e.g.

    Allen, 1986; Vitori et al., 1991; Obermeier, 1996).

    A possibilidade de observao direta do fenmeno e o carter aplicado da

    paleossismologia fazem com que os estudos nessa rea sejam focados no Recente, e em

    ambientes continentais de sedimentao, fluviais, lacustres e costeiros. Entretanto sismitos

    ocorrem em praticamente todos os sistemas deposicionais, de elico a marinho profundo, e

    so bastante comuns em rochas mais antigas, como por exemplo no Mesoproterzico (Pratt,

    1994) e Ordoviciano (Pope et al., 1997) dos Estados Unidos, no Trissico da Alemanha

    (Knaust, 2002) e no Cretceo do Brasil (Rossetti, 1999).

    Tendo em vista que terremoto no o nico processo geolgico responsvel por

    liquefao e fluidificao de sedimentos, os pesquisadores tm se preocupado em

    estabelecer critrios para a identificao de sismitos (Obermeier, 1996; Jones & Omoto,

    2000; Wheeler, 2002; Moretti & Sabato, 2007). Dentre as caractersticas levantadas, as

    diagnsticas basicamente so: ampla distribuio geogrfica das ocorrncias (dezenas a

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    20

    centenas de quilmetros); alinhamento geogrfico associado falhas; e variao na

    intensidade de liquefao/fluidificao que decresce de acordo com o afastamento do

    epicentro associado ao sismo indutor. Outras caractersticas importantes so o

    confinamento estratigrfico das ocorrncias (camadas perturbadas intercaladas em camadas

    no perturbadas) e a associao entre diferentes tipos de estruturas de

    liquefao/fluidificao no registro.

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    21

    : Mapa ilustrando a variao na intensidade de fluidificao conforme a proximidade com o epicentro, na plancie aluvionar do rio Mississipi, EUA. As extruses de areia so alimentadas por diques clsticos. As feies so associadas aos histricos terremotos de New Madrid. Modificada de Obermeier(1996).

    Figura B

    Aluvio com mais de 25 porcentoda superfcie coberta por depsitosde extruso de areia

    Aluvio com poucas ou nenhumaextruso de areia

    Aluvio com depsitosde extruso de areia(>1 por cento da superfcie coberta)

    Epicentro dos trs maioresterremotos de 1811-1812

    Falha

    Zona de falha

    37

    36

    91 90

    reas altas

    Legenda

    Rio Mississipi

    Figura A: Grfico relacionando magnitude do terremoto com a distncia mxima de liquefao associada. As letras representam observaes em terremotos histricos.Para magnitudes menores que 5,5 - 6, no ocorre liquefao. Modificado de Vittori

    (1991).et al.

    Figura 1: Liquefao e fluidificao induzidas por abalos ssmicos

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    22

    Fissura tabular preenchidapor areia (dique), comumente2 a 15 cm de espessura,pode conter clastos domaterial encaixante

    Regio em que o acamamentoprimrio foi destrudo

    1 a 8 m de camadasiltca-argilosa

    Zona basal de areia contendo clastos do material encaixantel

    Seqncia grano-decrescente deprincipalmente areia e silte

    Laminaes internas do cone

    Rachaduras no substratocausadas por intemperismo

    Pequenas intrusestabulares afinando para cima

    Bifurcao dos diquesna zona intemperizada

    Camada de

    sedimento

    arenoso

    10 a 40 m

    0.3 a 0.6 m

    Figura A: esquema mostrando as caractersticas de diques clsticos sismicamenteinduzidos. O modelo foi baseado em ocorrncias dos EUA, em ambinetes fluviaisde sedimentao. Modificado de Obermeier (1996).

    Venezuela

    Figura B: Estruturas de fluidificao geradas por terremoto recente na Venezuela.Destaque para as Extrado de Audermard (1990).vent-fractures. et al.

    Vent-Fracture

    Figura 2: Diques clsticos resultantes de abalos ssmicos

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    23

    2.4 Mecanismos de fraturamento

    A questo fundamental para a compreenso do significado tectnico de diques

    clsticos a de qual o mecanismo de ruptura que age sobre a camada que ser fraturada e

    hospedar as intruses, e de quais fatores controlam a distribuio espacial e orientao dos

    diques.

    Para Aspler & Donaldson (1986) as principais causas geradoras de fraturas para a

    formao dos diques so: gretamento de argila, congelamento de solo, movimentos de

    geleiras, escorregamentos, fraturamento do embasamento, e processos tectnicos como

    dobras, falhas e abalos ssmicos. Huang (1988) destaca que a hiptese fundamental para o

    entendimento tectnico de diques clsticos a de eles representam fraturas fossilizadas, e

    pontua trs agrupamento principais de sistemas de fraturamento: (1) gerados por atividade

    ssmica; (2) preexistentes na sucesso sedimentar; (3) sistema de falhas relacionados a

    deformao tectnica e outros processos como fraturamento hidrulico. Alm desses

    exemplos citados, podemos incluir fraturamento radial em resposta a diapirismo de sal

    (Marco et al., 2002) e intruses profundas associadas falhas poligonais (Lonergan &

    Cartwright, 1999; Van Resenberg et al., 2003).

    Nos diques relacionados atividade ssmica a distribuio espacial dos corpos

    governada pela locao do epicentro do sismo indutor e pela orientao de falhas ativadas

    durante o terremoto. Segundo Obermeier (1996), os processos de fraturamento da camada

    sobreposta/encaixante, de acordo com os exemplos estudados pelo autor nos EUA, so

    principalmente trs: espalhamento lateral (lateral spreading); oscilao de ondas ssmicas;

    e fraturamento hidrulico.

    O espalhamento lateral ocorre quando h desnvel topogrfico no terreno, como

    por exemplo a presena de um canal. Nesse caso, o fraturamento desenvolve-se de modo

    perpendicular ao declive, gerando diques com espessuras que variam entre 0.5 a 2 m. A

    oscilao de ondas ssmicas gera compresso e distenso na camada sedimentar, e pode

    abrir fissuras que sero injetadas pelo sedimento fluidificado. Diques gerados por esse

    processo so pouco espessos, com menos de 15 cm de largura, e Obermeier (1996) no

    discute a existncia de algum tipo de organizao estrutural das fissuras geradas dessa

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    24

    forma. O fraturamento hidrulico considerado pelo autor como o principal mecanismo de

    ruptura da camada selante/encaixante durante terremotos.

    Trabalhos recentes, como os Boehm & Moore (2002) e Jolly & Lonergan (2002),

    assumem o fraturamento hidrulico como elemento terico para elaborao de modelos

    estruturais com diques clsticos. Por tal razo, esse tema ser tratado em maior detalhe no

    prximo tpico. Investigando as intruses clsticas como exemplos de fraturas hidrulicas

    naturais em sucesses sedimentares, Jolly & Lonergan (2002) consideram que a escala e

    geometria de um complexo intrusivo governada principalmente pelo estado de esforos

    (stress state) na bacia, pela profundidade de intruso, e pela a existncia de fraturas ou

    falhas preexistentes.

    Por outro vis, Gallo (2004) pondera que a razo pela qual a geometria da

    intruses clsticas pode ser to variada deve-se ao comportamento mecnico da camada

    sedimentar que ser injetada pelo sedimento. O autor exemplifica que, se o sedimento j

    sofreu uma litificao parcial, existem fora coesivas que mantm os gros unidos, e altas

    presses de fluido na camada fonte das intruses causaro ruptura na camada sobrejacente

    que fraturar de acordo com o estado de tenses da bacia. Vale ressaltar, como observado

    por Cosgrove (1995), que as propriedades fsicas dos argilominerais resultam em coeso

    interna nas camadas pelticas logo aps sua deposio. Se a camada hospedeira no tiver

    coeso durante a injeo das intruses, tendem-se a formarem corpos cilndricos, pipes, em

    vez de diques (Gallo, 2004).

    A distribuio e orientao das intruses clsticas tambm podem ser

    condicionadas pelo arranjo dos elementos arquiteturais do depsito. Parize & Fris (2003)

    elaboraram um modelo geomtrico para diques e sills que ocorrem em depsitos aptiano-

    albianos de gua profunda do sudeste da Frana. A camada fonte das intruses so arenitos

    macios de canais, que alimentam injees laterais e para baixo em pelitos calcreos, de tal

    forma que os diques localizam-se nas camadas sotopostas base e adjacentes s margens

    dos canais.

    Muitos trabalhos reportam diques formados por preenhimento de fraturas geradas

    por esforos tectnicos, em todas as situaes possveis, em casos de distenso (Stollhofen

    1998; Ribeiro & Terrinha, 2007), compresso (Winslow, 1983) e transcorrncia (Peterson,

    1966; Ghiglione, 2002).

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    25

    2.4.1 Fraturamento hidrulico

    Diques clsticos podem ser considerados exemplos naturais de fraturamento

    hidrulico (Cosgrove, 1995; Jolly & Lonergan, 2002). Esse processo tem lugar quando uma

    rocha ou sedimento coesivo submetido a uma presso de fluido que causa sua ruptura, que

    ocorre quando a presso de fluido ultrapassa o esforo horizontal mnimo e a resistncia

    trao (tensile strenght) da camada.

    O tipo, disposio espacial e geometria das fraturas geradas por esse mecanismo,

    alm de influenciadas pelas caractersticas fsicas do material fraturado, dependem

    principalmente da magnitude do stress diferencial relacionado ao esforo operante na rocha

    ou sedimento (Cosgrove, 1995; Cosgrove; 2001; Hillis, 2003).

    As fraturas geradas por incremento de presso de fluido, segundo Cosgrove (1995,

    2001), podem ser trativas ou cisalhantes. Outros autores definem um fraturamento em

    situao intermediria chamado de hbrido (Sibson, 1996; Hillis, 2003). Em condies de

    stress diferencial muito grande, o crculo de Mohr tende a atingir a envoltria de ruptura no

    campo compressivo, gerando pares conjugados de cisalhamento com a bissetriz do ngulo

    agudo correspondendo orientao do esforo compressivo mximo (1). Em situao de

    stress diferencial de pouca magnitude, o crculo de Mohr tende a atingir a envoltria de

    ruptura dentro do campo trativo, gerando fraturas trativas (figura 3A).

    O arranjo espacial das fraturas trativas tambm determinada pelo stress

    diferencial, sendo que quanto maior este, mais as fraturas tendem a ser paralelas entre si e

    perpendiculares ao vetor do esforo horizontal mnimo (3). Com ausncia ou stress

    diferencial muito pequeno, as fraturas tendem a ser randmicas. A figura 3B ilustra

    teoricamente as situaes extremas e intermedirias.

    A presena de presso de fluido, tambm referida como presso de poros, modifica

    o estado de esforos operante na rocha ou sedimento (Cosgrove, 1995; Hillis, 2003). O

    incremento da presso de fluido reduz o esforo normal efetivo (esforo total menos a

    presso de fluido), resultando teoricamente no deslocamento do crculo de Mohr em

    direo a envoltria de ruptura at atingi-la, gerando fraturas trativas (em caso de baixo

    stress diferencial) ou cisalhantes (em caso de alto stress diferencial). Baseados em dados

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    26

    empricos adquiridos em poos nas bacias marinhas do mundo, Hillis (2003) concluiu que o

    efeito da presso de fluido alm de modificar o esforo normal efetivo, tambm diminui o

    stress diferencial operante. Por decorrncia desse fenmeno as rupturas geradas pelo

    fraturamento hidrulico tendem a ser predominantemente trativas.

    Boehm & Moore (2002) realizaram anlise de paleotenses em diques de areia

    alojados em folhelhos micenicos em Santa Cruz, California, considerados como produtos

    de frauramento hidrulico. Os autores analizaram 328 intruses, dividas em trs grupos:

    diques de orientao NE, sills, e diques oblquos. As espessuras variam de poucos

    centmetros at 13 metros, e a anlise estatstica mostra que as intruses finas so mais

    numerosas, relacionadas ao grupo dos diques oblquos que possuem diversas orientaes.

    Porm a espessura cumulativa, obtida pela somatria da espessura indivudual em cada

    grupo definido, mostra que os diques NE e os sills so muito mais significativos que os

    diques oblquos em termos de espessura e dilatao totais. Concluiram que a direo

    preferencial de dilatao NE representa o plano perpendicular ao vetor de esforo

    horizontal mnimo (3) de direo NW.

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    27

    n

    1

    2

    3

    4

    1

    1

    33

    1

    33

    1 2

    1

    1

    33

    4

    1

    3

    1

    33

    1

    1

    1

    33

    1

    1

    33

    2

    T

    2

    13

    3

    n1

    ( 1 - 3) > 6T( 1 - 3) < 4T

    Figura A: Diagrama de crculo de Mohr, ilustrando os dois tipos de fraturas geradaspor fraturamento hidrulico. esquerda fraturas trativas geradas em situaes debaixo diferencial, direita fraturas de cisalhamento, geradas em situaesde altos valores de diferencial. Modificado de Cosgrove (1995).

    stressstress

    : Possibilidades de ordenao de fraturas trativas de acordo com diferentes magnitudes do diferencial. Na esquerda expresso grfica de quatro hiptesesnumeradas com as respectivas fraturas associadas na direita. Quanto maior ostress diferencial, maior o paralelismo entre as fraturas. Modificado de Cosgrove(1995).

    Figura Bstress

    Figura 3: Grficos ilustrando modos de fraturamento hidrulico

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    28

    3 TECTNICA DO CINTURO CABO-LA VENTANA E INFLUNCIAS NA

    EVOLUO DA BACIA DO PARAN

    3.1 Introduo

    A correlao geolgica entre as rochas sedimentares da Amrica do Sul que

    afloram nas Sierra Australes ou Sierra de La Ventana na Argentina, e nas Ilhas

    Falkland/Malvinas, com as rochas do Cinturo do Cabo na frica do Sul, foi estabelecida

    nas primeiras dcadas do sculo XX. No clssico trabalho de du Toit (1937), essa

    correlao sustenta a definio do Geossinclneo SAMFRAU, unidade contnua e contgua

    ao longo da borda sul do paleocontinente Gondwana, com histria geolgica compatvel

    desde a sedimentao no Paleozico Inferior seguida, aps importante discordncia, por

    deformao e sedimentao sin-tectnica no Paleozico Superior. Esse ltimo evento

    tectnico nomeado ento de Orogenia Gondwanides.

    Numa poca em que grande parte, seno a maioria, da comunidade geolgica

    duvidava da mobilidade horizontal dos continentes, essa correlao transformou-se em

    forte argumento em prol da teoria da deriva continental de Wegener. Dessa forma, a

    correlao de tais registros assumiu um papel importante na histria do desenvolvimento

    cientfico da Geologia.

    Trabalhos recentes reafirmam, apuram e estendem essa correlao (e.g. Veevers et

    al. 1994; Rossello & Lopz-Gamund, 1998). Atualmente so identificados registros da

    Orogenia Gondwanides na Amrica do Sul, frica, Austrlia e Antrtica. O enfoque do

    presente captulo se d sobre os dois primeiros continentes citados, notadamente sobre as

    rochas da Sierra Australes ou La Ventana, na Argentina, e do Cinturo do Cabo, na frica

    do Sul, agrupadas aqui como cinturo Cabo-La Ventana. Essas rochas representam ento o

    segmento oeste de um extenso cinturo de deformao que desenvolveu-se ao longo da

    borda sul do paleocontinente Gondwana.

    Um importante marco na evoluo tectnica desse perodo foi a mudana de uma

    bacia intracratnica (sedimentao eopaleozica), para uma bacia de antepas

    (sedimentao neopaleozica) associada a gerao do cinturo de dobramentos por

    compresso e deformao dos depsitos do Paleozico Inferior. Essa mudana processou-

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    29

    se de maneira diacrnica ao longo do Permiano na borda sul do Gondwana (Veevers et al.,

    1994).

    Os modelos geotectnicos publicados na literatura para o cinturo Cabo-La

    Ventana so divergentes. A principal controvrsia envolve a evoluo tectnica da

    Patagnia. A questo discutida se a Patagnia representa um continente alctone colidido

    no fim do Paleozico, gerando a compresso deformadora e o magmatismo presente em

    seus macios, ou se era parte integrante do Gondwana, e a tectnica do cinturo Cabo-La

    Ventana e magmatismo contemporneo seriam relacionados uma margem tipo andina.

    Contempornea tectnica formadora do cinturo Cabo-La Ventana, a

    sedimentao na Bacia do Paran encontrava-se nos estgios finais da fase de maior

    subsidncia de sua evoluo (Milani, 1997), correspondente a deposio das unidades

    superiores do Grupo Passa Dois. A evoluo paleogeogrfica desse perodo caracterizada

    pela progressiva continentalizao da bacia, com a transio de depsitos de um amplo mar

    epicontinetal para depsitos lacustres e delticos, seguidos de sedimentao fluvial e elica

    (e.g. Lavina, 1991; Milani, 1997).

    A transio entre o Paleozico e Mesozico (Permotrissico) um intervalo de

    tempo de importantes mudanas na histria da Terra. Nele ocorre a constituio do

    supercontinente Pangea, e tambm, provavelmente no por coincidncia, a maior extino

    em massa da evoluo biolgica terrestre, registrada no contedo fossilfero em diversos

    continentes do planeta. Na Bacia do Paran foi um perodo de significativa atividade

    tectnica, principalmente por meio de reativaes de estruturas do embasamento, que

    transferiram os esforos compressivos operantes na margem do paleocontinente para

    regies intracratnicas (e.g. Soares, 1991; Rostirolla et al., 2000).

    O objetivo do presente captulo sintetizar a evoluo tectnica do Cinturo Cabo-

    La Ventana e suas conseqncias na evoluo da Bacia do Paran. Porm registros

    gondwnicos dessa idade no so restritos a essas unidades geotectnicas. Na Amrica do

    Sul esse evento tectnico tambm conhecido como Orogenia Sanrafalica, que resultou

    na gerao de uma srie de bacias principalmente no oeste Argentino (Limarino & Spaletti

    2006), e em magmatismo com vulcanismo associado (Lpez-Gamundi, 2006). Na frica

    um quadro geral da sedimentao neopaleozica pode ser obtido em Bumby & Guirard

    (2005) e Catuneanu et al. (2005).

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    30

    FRICA

    INDIA

    AUSTRLIA

    ANTRTIDA

    AMRICA DOSUL

    Figura B

    Limite de placa do Gondwana

    Fronte da deformao permotrissica

    Cinturodo Cabo

    CinturoLa Ventana

    BaciaSauce Grande

    Bac ia Karoo

    Bacia Tarija

    Bacia Chaco-Paran

    Bacia do Paran

    Bacia Pangazo

    Bacia San Rafael

    Fronte de deformao

    600km

    Complexo de subduco

    Terrenos acrescidosno Permiano eps-Permiano

    Arco Magmtico

    reasemersas

    Figura A: Mapa do Gondwana ilustrando abrangncia da deformaopermotrissica (Orogenia Gondwanides). Modificado de Veevers .(1994).

    et al

    Figura B: Mapa da paleogeografia e contexto tectnico no permotrissicono Gondwana Ocidental (Amrica do Sul e frica).Modificado de Lpez-Gamundi & Rossello (1998).

    Figura 4: Paleogeografia e tectnica permotrissica no Gondwana.

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    31

    3.2 Cinturo de dobramentos Cabo-La Ventana e bacias Karoo e Sauce

    Grande

    3.2.1 Estratigrafia e sedimentao

    O primeiro trabalho que faz a correlao gelogica entre as rochas aflorantes nas

    Sierras Australes ou La Ventana da Argentina, com as rochas do Cinturo do Cabo na

    frica do Sul o de Keidel (1917, apud du Toit, 1937). A correlao entre Argentina e

    frica do Sul baseada na semelhana paleoclimtica, paleogeogrfica e paleotectnica

    entre a Bacia Sauce Grande e Cinturo La Ventana com a Bacia Karoo e Cinturo do Cabo

    (Rossello & Lopz-Gamund, 1998).

    Esses depsitos gondwnicos geralmente so divididos em dois episdios de

    sedimentao principais: (1) deposio no Paleozico Inferior a Mdio numa plataforma

    continental em bacia intracratnica distensional tipo sag; (2) deposio no Paleozico

    Superior em bacia de antepas associada gerao do cinturo de dobramentos composto

    pelas camadas eopaleozicas (de Wit & Ransome, 1992; Veevers et al. 1994; Lopz-

    Gamund & Rossello, 1998).

    Na frica do Sul a unidade eo-mesopaleozica representada pelo Supergrupo

    Cabo, composto pelos grupos Table Mountain, Bokkeveld e Witteberg (Broquet, 1992). Na

    Argentina pelos grupos Curamalal e Ventana (Harrington, 1972). Esses depsitos

    consistem de rochas siliciclsticas, principalmente arenitos com pelitos subordinados

    (metamorfisados em baixo grau, quartzitos e filitos). O Supergrupo Cabo (Ordoviciano-

    Carbonfero) apresenta uma sucesso de ambientes fluvial, costeiro e marinho raso de

    plataforma continental (Shone & Booth, 2005). O Grupo Curamalal (Ordoviciano-

    Siluriano) uma seqncia trangressiva com conglomerados basais, arenitos e pelitos

    marinhos rasos no topo; o Grupo Ventana (Devoniano), sobreposto em discordncia,

    tambm apresenta empilhamento transgressivo com sedimentao similar a unidade

    anterior (Harrington, 1972).

    Aps a sedimentao eo-mesopaleozica ocorre uma significativa discordncia

    regional, sobre a qual assenta-se o ciclo sedimentar do Neopermiano-Eotrissico. Essa

    discordncia tambm marca o momento da converso de uma bacia intracratnica,

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    32

    dominada por sedimentao com rea fonte cratnica ao norte (Turner, 1999), para uma

    bacia de antepas com preenchimento molssico vindo do sul, notadamente no fim do

    Permiano, o que registra o soerguimento do cinturo de dobramentos (Lock, 1980; Cole,

    1992; Lopz-Gamund & Rossello, 1998).

    As unidades neopalezicas a eotrissicas compem o preenchimento das bacias

    Sauce Grande e Karoo. Na estratigrafia da frica do Sul compreendem a Formao Dwyka

    e grupos Ecca e Beaufort e na Argentina o Grupo Pillahuinc, formaes Sauce Grande,

    Piedra Azul, Bonete e Tunas (Harington, 1972). O registro na frica do Sul mais espesso

    e a sedimentao adentra o Trissico (Turner, 1999), enquanto que na Argentina a

    deposio no ultrapassa o Permiano (Lpez-Gamund et al. 1995); porm o quadro da

    evoluo tectono-sedimentar similar em ambas bacias (Lopz-Gamund & Rossello,

    1998).

    A base da sedimentao constituda por diamictitos glaciais permocarbonferos,

    repousados em importante discordncia sobre as unidades mais antigas (Fm. Dwyka na

    frica do Sul, Fm. Sauce Grande na Argentina). Esse episdio de glaciao no

    Permocarbonfero bem marcado na evoluo paleogeogrfica do Gondwana, com registro

    abrangente, presente por exemplo na Bacia do Paran (Subgrupo Itarar) e nas ilhas

    Falkland/Malvinas (Fm. Lafonian) (Visser, 1987; Lopz-Gamund & Rossello, 1998).

    A evoluo ps-glacial da sedimentao apresenta dois estgios bem marcados,

    presentes nas duas bacias, governados pela interao entre soerguimento do cinturo

    orognico e subsidncia na rea adjacente, com tendncia de granocrescncia para o topo

    na sucesso estratigrfica (Lpez-Gamundi & Rossello, 1998). Na Argentina

    correspondem s formaes Piedra Azul, Bonete e Tunas do Grupo Pillanhuic e na frica

    do Sul aos grupos Ecca e Beaufort.

    Os dois estgios so denominados de underfilled e overfilled, e so caractersticos

    de bacias de antepas (Allen et al. 1986; Jordan, 1995). O primeiro constitudo por

    sedimentao essencialmente peltica em ambiente marinho profundo (abaixo do nvel de

    onda), tido como produto da transgresso marinha global ocorrida aps o final da glaciao

    permocarbonfera (Visser, 1993). Representa situao de bacia faminta, com altas taxas de

    subsidncia e baixo aporte sedimentar (Allen et al. 1986, Jordan, 1995), e deposio

    siliciclstica restrita s reas proximais da bacia (Lpez-Gamundi & Rossello, 1998). Os

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    33

    registros desse estgio so mais espessos na frica do Sul, representados pelas formaes

    Prince Albert e Whitehill. A Formao Piedra Azul a correspondente na Argentina

    No estgio sucedneo, overfilled, o aporte sedimentar ultrapassa a taxa de gerao

    de espao resultando em progradao, representada no empilhamento estratigrfico por

    granocrescncia ascendente (coarsening upward). bem definido em ambas as bacias,

    Karoo e Sauce Grande, com a progadao em direo ao crton, alcanando partes distais

    da bacia de antepas (Lpez-Gamundi & Rossello, 1998).

    O Permiano Superior marcado por importante mudana de rea fonte na

    sedimentao, que passa a localizar-se ao sul, no cinturo de dobramentos (a partir da

    formao Bonete na Argentina e na poro mdia do Grupo Ecca na frica), distintamente

    das unidades mais antigas que tinham rea fonte ao norte, no crton (Veevers et al. 1994;

    Lpez-Gamundi & Rossello, 1998). O transporte sedimentar se d no mesmo sentido do

    transporte tectnico, situao comum em muitos depsitos associados a cintures de

    empurres e dobramentos (Steidtmann & Schimitt, 1988). Na Argentina a Formao

    Tunas, topo do Grupo Pillanhinc, registra claramente essa mudana. Os sedimentos

    principalmente arenosos representam um sistema deltaco que prograda para nordeste

    (Lopez-Gamundi et al. 1995). A presena de dobras sin-sedimentares e estratos de

    crescimento evidncia direta de deposio sin-tectnica sobre esforos compressivos

    (Cobbold, 1991; Lopez-Gamundi et al. 1995). A sedimentao diretamente sotoposta aos

    sistemas delticos possui diferenas entre os registros da frica do Sul e Argentina. Na

    frica do Sul ocorrem depsitos turbidticos anteriores a progradao deltaca, que esto

    ausentes na coluna estratigrfica da Bacia Sauce Grande.

    A inverso nas paleocorrentes acompanhada por mudana na composio dos

    arenitos que se tornam mais arcoseanos e lticos, como observado na Formao Tunas da

    Argentina (Lopez-Gamundi et al. 1995) e no Grupo Ecca e Beaufort da frica do Sul

    (Johnson, 1991). Na Argentina Lopez-Gamundi et al. (1995) atribuem essas mudanas ao

    vulcanismo e deformao com subsequente soerguimento dos terrenos do Cinturo La

    Ventana.

    Importantes registros de atividade magmtica so documentados ao longo da

    margem sul-ocidental do Gondwana no Paleozico Superior, que incluem o vulcanismo

    cido Choiyoi no oeste Argentino e intruses granticas no norte da Patagnia (Pankhurst et

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    34

    al., 2003). Tufos intercalados aos depsitos neopalezicos so encontrados nas bacias

    Sauce Grande, Karoo e Paran, relacionados ao vulcanismo Choiyoi com idade entre 280-

    260Ma (Lpez-Gamundi, 2006).

    A sucesso sedimentar continental trissica-jurssica presente no topo da Bacia

    Karoo, sem contraparte na Bacia Sauce Grande, apresenta granodecrescncia ascendente

    (fining-upward), evidncias de soerguimento na rea fonte, mudana de paleogeografia e

    vulcanismo compatvel com o Basalto Karoo (Turner, 1999). Essas evidncias marcam uma

    nova etapa de sedimentao por subsidncia mecnica relacionada distenso precursora

    fragmentao do Gondwana-Pangea, diferindo da deposio anterior regida por subsidncia

    flexural em bacia de foreland (Turner, 1999).

    Na Amrica do Sul ocorrem bacias trissicas associadas a tectnica distensional

    (Zerfass et al. 2004): no sul do Brasil a Formao Santa Maria, no oeste argentino bacias

    Ischigualasto e Cuyo, El Tranquilo no sul da Patagnia e bacias menores no norte da

    Patagnia e norte do Chile.

    3.2.2 Deformao

    Na frica do Sul a deformao permotrissica est registrada no Cinturo do

    Cabo, e envolve a deformao do embasamento pr-cambriano, de granitos do Paleozico

    Inferior e rochas sedimentares de margem continental do Ordoviciano e Carbonfero do

    Supergrupo Cabo, alm de deformar e definir a margem sul da Bacia Karoo, Carbonfero-

    Trissico (Johnston, 2000).

    O cinturo de dobramentos pode ser dividido em dois domnios tectnicos: oeste e

    sul (de Beer, 1995; Johnston, 2000). Esses domnios so separados pela Sintaxe do Cabo,

    na qual ocorrem mudanas na direo estrutural, no estilo e intensidade de deformao. No

    domnio oeste as rochas so deformadas de maneira mais suave, com orientao estrutural

    de falhas e dobras de noroeste para norte (de Beer, 1992). Componente de deslocamento

    paralelo direo do acamamento evidenciado pela presena de lineaes de estiramento

    e slickensides (Ransome and de Wit, 1992). O padro de dobramentos, falhas e lineaes

    compatvel com deformao por transcorrncia dextral (Cobbold et al., 1992).

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    O domnio sul configura a maior parte do cinturo se extendendo por mais de

    600km a partir da Sintaxe do Cabo at a costa leste da frica do Sul. Caracteriza-se por

    estruturas de direo leste-oeste com vergncias para norte, incluindo empurres, dobras

    recumbentes e nappes (Johnston, 2000). A deformao essencialmente compressiva, com

    encurtamento estimado em cerca de 120km (Hlbich, 1992).

    A Sintaxe do Cabo possui estruturao nordeste e separa os domnios oeste e sul.

    De Beer (1995) considera essa regio como de interseco entre os dois domnios

    estruturais, o que resulta em padres de interferncia complexos, e a interpreta, baseado em

    modelos de caixa de areia, como produto de encurtamento simultneo, com magnitudes

    diferentes, em duas direes (oeste e sul). Johnston (2000) defende outra origem para a

    sintaxe, relacionando-a gerao de oroclnio sob ao de tectnica transcorrente.

    Outra compartimentao estrutural proposta por Paton et al. (2006). O autor

    divide o cinturo em dois domnios com deformaes diferentes: Norte e Sul. A tectnica

    de cada domnio associada respectivamente aos tipos thin-skinned e thick-skinned. Nesse

    trabalho tambm discute-se o importante papel desempenhado pelas estruturas

    preexistentes (estruturas do embasamento e falhas geradoras da bacia do Supergrupo Cabo)

    na deformao compressiva do Permotrissico e na posterior distenso mesozica

    relacionada fragmentao do Gondwana-Pangea.

    Seguindo a compartimentao de Paton et al. (2006), o domnio norte constitudo

    pelo baixo relevo associado Bacia Karoo com os depsitos permo-carbonferos de tilitos e

    turbidtos deformados. Possui diferentes estilos de dobras, algumas com vergncia para

    norte, sendo que a intensidade da deformao decresce tambm para norte. Empurres

    subordinados, para norte, de baixo ngulo, tambm ocorrem, sendo que o embasamento no

    est envolvido nos deslocamentos produzidos pelas falhas.

    A regio de topografia acidentada, com elevaes acima de 1500m, formada pelas

    camadas do Supergrupo Cabo deformadas, constitui o denominado domnio sul. As dobras

    possuem padres mais complexos, apresentam vergncia marcante para norte e as falhas de

    empurro so mais freqentes, apresentando ngulos com maiores mergulhos em relao ao

    domnio norte, e o embasamento est envolvido no deslocamento gerado por essas

    estruturas, aflorando em ncleos de charneira de grandes anticlinais.

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    O metamorfismo regional no Cinturo do Cabo muda gradualmente das unidades

    no metamorfisadas da bacia de antepas ao norte, e rumando para sul passa por

    anquimetamorfismo at fcies xisto verde na linha de costa atual da frica do Sul (Hlbich,

    1992). A datao de minerais metamrficos desenvolvidos nas clivagens tectnicas do

    cinturo permitiu a identificao de quatro episdios principais de deformao em 278,

    258, 247 e 230 Ma (Hlbich, 1983, apud Hlbich, 1992).

    Na Argentina os registros a deformao permotrissica compe um cinturo

    dobrado que forma as Serra La Ventana, de pequena expresso geogrfica, com 150 km de

    comprimento e 50 km de largura, alinhado na direo NW-SE.

    Anlise de indicadores cinemticos em estruturas tectnicas permitiu a Cobbold et

    al. (1986) reconhecerem dois elementos estruturais principais: empurres com topo para

    NE e zonas de cisalhamento dextral de direo N-S. Posteriormente Cobbold et al. (1991)

    definem trs domnios estruturais com diferentes estilos tectnicos, interpretados como

    produtos de partio de deformao num mesmo regime transpressivo com deslocamento

    dextral. Esses domnios foram nomeados Arco Noroeste, Cinturo Central e Bacia Sudeste.

    No Arco Noroeste a maioria das formaes mostram espessura mxima aflorante

    em sua parte central. estruturado por dobras em chevron, impressas principalmente em

    quartzitos bem estratificados, com vergncia para NE. A ocorrncia de flancos inversos

    aumenta para NE e a amplitude das dobras e a intensidade da deformao decrescem

    progressivamente para NW. Clivagens paralelas estruturao do arco e lineaes de

    estiramento perpendiculares ocorrem associadas. No h evidncias de movimentao

    transcorrente significativa ao longo da direo do arco.

    O Cinturo Central possui direo aproximada N-S. a nica rea em que aflora o

    contato do embasamento grantico com a cobertura paleozica. A deformao definida

    por uma combinao de empurro de baixo ngulo com com transporte tectnico para

    norte, e transcorrncia de alto ngulo dextral. O e