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1 Material do professor Flávio Tartuce CARREIRAS JURÍDICAS - INTENSIVO II Material de Apoio - Direito Civil – Flávio Tartuce – Direito Agrário MATERIAL DO PROFESSOR REDE DE ENSINO LFG. DIREITO AGRÁRIO. AULA 1. PROFESSOR FLÁVIO TARTUCE. MATERIAL DE APOIO. 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO AGRÁRIO. - CONCEITO. São numerosos os conceitos atribuídos ao Direito Agrário. Todos eles acabam por convergir para um ou mais pontos fundamentais (objeto, princípios ou natureza) desta disciplina jurídica. - Para Fernando Pereira Sodero: “Direito Agrário é o conjunto de princípios e de normas, de Direito Público e de Direito Privado, que visa a disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra”. - Alcir Gursen De Miranda: “Direito Agrário é o ramo jurídico que regula as relações agrárias, observando- se a inter-relação homem/terra/produção/sociedade”. - Wellington Pacheco Barros: “Ramo do Direito positivo que regula as relações jurídicas do homem com a terra”. - Raymundo Laranjeira: “Direito Agrário é o conjunto de princípios e normas que, visando imprimir função social à terra, regulam relações afeitas à sua pertença e uso, e disciplinam a prática das explorações agrárias e da conservação dos recursos naturais”. - Assim sendo, resta nítido o destaque atribuído à atividade agrária, à função social da propriedade e ao caráter social do Direito Agrário nas conceituações analisadas. Em suma, o Direito Agrário pode ser tido como o conjunto de princípios e normas que regula a relação jurídica emergente das atividades agrárias com base na função social da propriedade. A função social da propriedade é o núcleo do direito agrário. - SURGIMENTO DO DIREITO AGRÁRIO NO BRASIL. O Direito Agrário é ramo jurídico recente em nosso País, pois surgiu com a Emenda Constitucional n. 10 de 1964 (Constituição Federal de 1946). A lei

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Material do professor Flávio Tartuce

CARREIRAS JURÍDICAS - INTENSIVO II Material de Apoio - Direito Civil – Flávio Tartuce – Direito Agrário

MATERIAL DO PROFESSOR

REDE DE ENSINO LFG.

DIREITO AGRÁRIO. AULA 1.

PROFESSOR FLÁVIO TARTUCE.

MATERIAL DE APOIO.

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO AGRÁRIO.

- CONCEITO. São numerosos os conceitos atribuídos ao Direito Agrário. Todos eles acabam por convergir

para um ou mais pontos fundamentais (objeto, princípios ou natureza) desta disciplina jurídica.

- Para Fernando Pereira Sodero: “Direito Agrário é o conjunto de princípios e de normas, de Direito

Público e de Direito Privado, que visa a disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na

função social da terra”.

- Alcir Gursen De Miranda: “Direito Agrário é o ramo jurídico que regula as relações agrárias, observando-

se a inter-relação homem/terra/produção/sociedade”.

- Wellington Pacheco Barros: “Ramo do Direito positivo que regula as relações jurídicas do homem com a

terra”.

- Raymundo Laranjeira: “Direito Agrário é o conjunto de princípios e normas que, visando imprimir função

social à terra, regulam relações afeitas à sua pertença e uso, e disciplinam a prática das explorações

agrárias e da conservação dos recursos naturais”.

- Assim sendo, resta nítido o destaque atribuído à atividade agrária, à função social da propriedade e ao

caráter social do Direito Agrário nas conceituações analisadas. Em suma, o Direito Agrário pode ser

tido como o conjunto de princípios e normas que regula a relação jurídica emergente das

atividades agrárias com base na função social da propriedade. A função social da propriedade é

o núcleo do direito agrário.

- SURGIMENTO DO DIREITO AGRÁRIO NO BRASIL. O Direito Agrário é ramo jurídico recente em

nosso País, pois surgiu com a Emenda Constitucional n. 10 de 1964 (Constituição Federal de 1946). A lei

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que regulamentou a emenda constitucional foi a Lei 4.504/1964, conhecida como “Estatuto da Terra”

(ET), sendo o estatuto básico regulamentador do Direito Agrário.

- OBJETO DO DIREITO AGRÁRIO. O objeto do Direito Agrário é a atividade agrária ou agrariedade. O

fundamento é a atividade e não a localização do bem, o que é relevante para fins de usucapião. Para fins

de locação, a atividade desenvolvida no imóvel também foi o sentido adotado pela Lei 8.245/1991.

- Como bem aponta Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka: “[...] o elemento constitutivo essencial do

direito agrário é a atividade agrária [...]”.

- Atividade agrária – definição de Emílio Alberto Maya Gischkow: “[...] o resultado da atuação humana

sobre a natureza, em participação funcional, condicionante do processo produtivo”. Na ATIVIDADE há

uma soma de atos coordenados com finalidade específica (Túlio Ascarelli).

ATENÇÃO: Cuidado com a questão terminológica deste ramo jurídico. Lembre-se que rural vem do latim

rus, ruris, que significa campo, rusticidade, casa de campo e, finalmente, território em oposição ao termo

urbis, que significa cidade. Percebe-se que o termo rural refere-se a uma localização e não à atividade

desenvolvida. Já o termo agrário vem do latim ager ou agr, significando respectivamente agrário e terra

cultivada. Os agraristas, em razão da sua origem etimológica, preferem o termo agrário, pois, o que

define se o imóvel é urbano ou agrário é a sua destinação e não sua localização. Assim, há harmonia

entre a Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991) e o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964), pois ambas

definem sua incidência com base na destinação do imóvel, valorizando a ATIVIDADE.

- A partir da obra de Raymundo Laranjeira, citada por Benedito Marques, é possível elencar as seguintes

atividades como componentes da atividade agrária:

a) Explorações rurais típicas (lavoura, pecuária, extrativismo e hortigranjearia).

b) Exploração rural atípica (agroindústria).

c) Atividade complementar da exploração rural (transporte e comercialização dos produtos). São

atividades agrárias conexas. Há polêmica se tais atividades fazem parte ou não da agrariedade,

como bem aponta Benedito Marques.

- FUNDAMENTO LEGAL DO DIREITO AGRÁRIO. PONTOS FUNDAMENTAIS RELATIVOS À

INCIDÊNCIA DAS NORMAS.

- A insuficiência do Código Civil de 1916. O CC/1916 era um diploma de cunho liberal e individualista

baseado no modelo de código oitocentista. Segundo este modelo, o indivíduo é o centro do ordenamento,

funcionando o direito como instrumento de tutela das liberdades. A premissa fundamental da codificação

anterior era a de que todos são iguais perante a lei. Tanto isso é verdade, que o princípio da autonomia

da vontade era levado às últimas consequências, com concretização da dignidade humana

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(visão kantiana). Atualmente, a doutrina fala em autonomia privada, demonstrando que não é a vontade

que é autônoma ou plena (Enzo Roppo, Francisco Amaral). Ademais, outros fatores entram em cena na

contemporaneidade para a determinação da liberdade, fortemente fragmentada. O Código Civil de 1916

era insuficiente porque partia da premissa de que proprietário rural e trabalhador rural (chamado pelo

Código de parceiro rural) estavam em condição de igualdade, permitindo que as partes fixassem

livremente a estrutura contratual. Como é notório, o proprietário rural tem sobre o trabalhador rural

inegável superioridade fática e em razão disso fazia valer sua vontade. Com o Estatuto da Terra há claras

e fortes limitações à autonomia privada, com vistas a proteger a parte vulnerável da relação, bem como a

atividade agrária propriamente dita. Nesse contexto, o Estatuto da Terra é um microsistema, pois possui

estrutura própria e princípios que lhe conferem coerência sistemática. Além disso, trata-se de típica

norma protetiva daquele que desenvolve a atividade agrária, característica essa que deve ser levada em

conta quando de sua aplicação.

- A relação entre Código Civil de 1916 e Estatuto da Terra. A relação entre esses dois diplomas era

de exclusão, ou seja, onde um se aplicava não se aplicava o outro.

- A relação entre Estatuto da Terra e Código Civil de 2002. O Professor Miguel Reale incluiu como

um dos princípios da nova codificação a socialidade, segundo a qual as relações privadas devem guardar

harmonia com o todo social, sem que isso signifique perda da individualidade. Como dizia o Mestre,

valoriza-se o nós, em detrimento do eu. Houve então uma aproximação principiológica entre o Código

Civil de 2002 e o Estatuto da Terra, o que permite que haja entre eles uma relação de complementação

(segundo a teoria do diálogo das fontes, de Erik Jayme e Cláudia Lima Marques). Trata-se do mesmo

fenômeno que ocorreu com o CDC. Pode ser reconhecida também uma interpretação sistemática entre

CC/2002 e Estatuto da Terra, segundo a qual, diante do caso concreto, cabe ao intérprete aplicar as

normas de um microssistema levando em consideração as demais normas deste microssistema e dos

demais que com ele guardem compatibilidade principiológica. Como exemplo, podem ser citados os

julgados do STJ relativos ao contrato vaca papel, que aplicam o conceito de simulação (hoje, no art. 167

do CC).

“Civil. Recurso Especial. Contrato simulado de parceria pecuária. ‘Vaca-papel’. Mútuo com cobrança de

juros usurários. Anulação do negócio jurídico. Pedido de um dos contratantes. Possibilidade. - É possível

que um dos contratantes, com base na existência de simulação, requeira, em face do outro, a anulação

judicial do contrato simulado de parceria pecuária, que encobre mútuo com juros usurários. Recurso

Especial parcialmente provido” (STJ, REsp 441.903/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA

TURMA, julgado em 10/02/2004, DJ 15/03/2004, p. 265).

- AUTONOMIA DO DIREITO AGRÁRIO. O Direito Agrário, a partir da Emenda Constitucional 10/1964,

passou a ter autonomia legislativa, competindo à União legislar sobre direito agrário. Com a

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inclusão da disciplina de Direito Agrário nas universidades e com o trabalho da doutrina, o direito agrário

passou a ter autonomia científica. Com a criação das varas especializadas em direito agrário, passou a ter

autonomia judicial. Em complemento, lembre-se que sempre que for necessário o juiz deve ir

pessoalmente ao local do conflito, o que tem direta incidência para os conflitos agrários

(constitucionalização da inspeção judicial). Vejamos o art. 126 da Constituição Federal, devidamente

reformado:

“Art. 126. Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas,

com competência exclusiva para questões agrárias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de

2004). Parágrafo único. Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente

no local do litígio”.

- PRINCÍPIOS DO DIREITO AGRÁRIO. Conforme as lições de Benedito Ferreira Marques, são princípios

fundamentais do Direito Agrário, a título ilustrativo:

a) O monopólio legislativo da União, a respeito da matéria (art. 22, I, CF/1988).

b) A utilização da terra sobrepondo-se à titulação dominial. O material prevalece sobre o

formal.

c) A garantia da propriedade, condicionada ao cumprimento de sua função social (art. 5º, XXII

e XXIII, e art. 170, II e III, ambos da CF/1988).

d) A dicotomia do Direito Agrário em: política de reforma (reforma agrária – arts. 184 a 186

da CF/1988; art. 1º, § 1º, do ET) e; política agrícola (política de desenvolvimento rural –

arts. 187 a 191 da CF/1988; art. 1º, § 2º, ET).

e) A prevalência do interesse público sobre o individual, consubstanciado nas normas jurídicas

de caráter cogente ou de ordem pública.

f) A necessidade constante de reformulação da estrutura fundiária.

g) O fortalecimento do espírito comunitário, através de cooperativas e associações.

h) O combate ao latifúndio, ao minifúndio, ao êxodo rural, à exploração predatória e aos

especuladores da terra.

i) A privatização dos imóveis rurais públicos.

j) A proteção à propriedade familiar, à pequena e à média propriedade. Protege-se

indiretamente a família, como base da sociedade (art. 226 da CF/1988).

k) O fortalecimento da empresa agrária.

l) A proteção da propriedade consorcial indígena (indigenato).

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m) O dimensionamento eficaz das áreas exploráveis.

n) A proteção do trabalhador rural.

o) A conservação e preservação dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente.

2. BREVE HISTÓRICO DO DIREITO AGRÁRIO E DA PROPRIEDADE NO BRASIL.

- O Tratado de Tordesilhas firmado em 07 de junho de 1.494 por Portugal e Espanha estabelecia limites

dos territórios descobertos, chamados de Novo Mundo. O referido tratado dividia o Novo Mundo em duas

partes a partir de um meridiano de 370 léguas a partir do oeste do arquipélago de Cabo Verde. As terras

a leste pertencem a Portugal e as a oeste à Espanha.

- Em 22 de abril de 1.500, Portugal “descobre” o Brasil e surge a necessidade de colonizá-lo. Martim

Afonso de Souza foi nomeado por Dom João II como governador geral do Brasil a fim de promover sua

colonização. O governador geral adota como forma de colonização o regime das sesmarias que é um

instituto jurídico português presente na legislação portuguesa desde 1375 e que lá surgiu para sanar uma

crise agrícola do século XIV.

- Pelas sesmarias os capitães donatários, titulares das capitanias hereditárias, passam a distribuir terras

aos sesmeiros que devem produzir no sistema da plantation açucareira (monocultura, no caso do Brasil,

cana de açúcar; grandes extensões de terra e mão de obra escrava). Nas sesmarias, quem recebe a terra

tem o domínio útil, ficando a propriedade das terras para a Coroa (regime próximo à enfiteuse). Cabia ao

titular do domínio útil pagar tributos e se não pagassem caía em pena de comisso, isto é, as terras lhe

eram tomadas e redistribuídas a outras pessoas. As sesmarias trouxeram vantagens e desvantagens,

como bem aponta Benedito Ferreira Marques. A vantagem principal foi a colonização do interior,

possibilitando que o Brasil tivesse um tamanho continental. A desvantagem foi a geração do clientelismo

na distribuição de terras no País

- O regime de sesmarias perdurou no Brasil até 17 de julho de 1.822. A Resolução de 76, de José

Bonifácio de Andrade e Silva extinguiu as sesmarias e introduziu o regime de posses, o qual foi extinto

pela Lei de Terras (Lei 601/1850).

- O regime de posses é apontado como nefasto ao Brasil, pois não havia regulamentação específica a

respeito da posse e da propriedade. Imperou, portanto, o caos dominial. Como aponta Benedito Ferreira

Marques, esse foi um período extralegal em que “a ocupação desenfreada do vasto território brasileiro foi

absolutamente desordenada. Imperou o apossamento indiscriminado de áreas, menores ou maiores,

dependendo das condições de cada um, sem que houvesse quaisquer óbices”. Como aponta o jurista,

existiam nesse período: a) proprietários legítimos por títulos das sesmarias; b) possuidores das áreas de

sesmarias; c) possuidores sem qualquer título; d) terras devolutas, sem dono, diante da devolução das

sesmarias.

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- A Lei de Terras veio a regulamentar o tratamento das terras devolutas e a aquisição da propriedade no

País, dando certa ordem à anarquia. A norma proibia a aquisição de terras devolutas pelos súditos, exceto

nos casos de compra e venda; outorgava títulos de domínio para possuidores de sesmarias; outorgava

títulos de domínio para outros possuidores, com concessões na forma da lei; assegurava a aquisição das

terras devolutas somente por meio da legitimação da posse (tema a ser estudado). Para alguns

historiadores, a norma trouxe sérias dificuldades para o acesso da terra no Brasil, confirmando em parte o

sistema de sesmarias. Como aponta Benedito Ferreira Marques, a Lei de Terras não gerou o efeito

desejado, mas muito ao contrário.

- Evolução legislativa até o surgimento do Direito Agrário. Como a Lei de Terras era insuficiente e

duramente criticada, surgiu a necessidade de criação de outras normas sobre a matéria. O Brasil vivia a

realidade de uma grande quantidade de latifúndios e minifúndios. Em 1912 foi elaborado o primeiro

projeto sobre um Código Rural, para regulamentar o tema. Em 1917 entrou em vigor o Código Civil de

1916 que, embora individualista, trouxe alguns parâmetros satisfatórios sobre a posse e a propriedade.

Foi esse Código que regulamentou as matérias relativas ao Direito Agrário por muito tempo. A

Constituição Federal de 1934 trouxe regras importantes, englobando preceitos que estavam no projeto de

Código Rural, caso da usucapião rural ou agrária. Consagrou também a função social da propriedade

expressamente. Ato contínuo, a CF/1946 trouxe avanços significativos, mantendo as regras da CF anterior

e criando o instituto da desapropriação. Em 1954 foi criado o Instituto Nacional de Imigração e

Colonização (INIC) que é o embrião do atual INCRA. Todavia, o marco teórico fundamental para o

surgimento do Direito Agrário é a Emenda Constitucional n. 10, de 9 de novembro de 1964, que conferiu

a citada autonomia legislativa ao Direito Agrário. Como afirma Benedito Ferreira Marques, esta é a

“certidão de batismo do Direito Agrário”.

3. DIREITO AGRÁRIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

- Na Constituição Federal de 1988, o tema é tratado entre os artigos 184 a 191. Toda a matéria tem por

núcleo a função social da propriedade. Vejamos o panorama geral a respeito do tratamento da matéria no

Texto Maior:

- Art. 184. Trata, em termos gerais, da desapropriação agrária, por descumprimento da função social da

propriedade.

- Art. 185. Enuncia os imóveis que não podem ser objeto de desapropriação agrária (“I - a pequena e

média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a

propriedade produtiva”).

- Art. 186. Estabelece parâmetros para o atendimento da função social da propriedade agrária. O tema

será aprofundado.

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- Art. 187. Trata da política agrícola. (“A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com

a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos

setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I - os

instrumentos creditícios e fiscais; II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de

comercialização; III - o incentivo à pesquisa e à tecnologia; IV - a assistência técnica e extensão rural; V

- o seguro agrícola; VI - o cooperativismo; VII - a eletrificação rural e irrigação; VIII - a habitação para o

trabalhador rural. § 1º - Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agro-industriais,

agropecuárias, pesqueiras e florestais. § 2º - Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de

reforma agrária”). A ideia consta do art. 1º, § 2º, do Estatuto da Terra (“Entende-se por Política Agrícola

o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da

economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de

harmonizá-las com o processo de industrialização do país”).

- Art. 188. Disciplina a destinação de terras públicas e devolutas (“A destinação de terras públicas e

devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. § 1º - A

alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos

hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do

Congresso Nacional. § 2º - Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões

de terras públicas para fins de reforma agrária”).

- Art. 189. Regulamenta a distribuição de imóveis rurais para fins de reforma agrária (“Os beneficiários da

distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso,

inegociáveis pelo prazo de dez anos. Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão

conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e

condições previstos em lei”).

- Art. 190. Trata, em termos gerais, da regulamentação da aquisição e arrendamento da propriedade rural

(“A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica

estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”).

- Art. 191. Disciplina a usucapião agrária ou constitucional/especial rural. O tema ainda será aprofundado

no nosso curso.

- Além desses dispositivos, é fundamental a previsão da propriedade e de sua função social como direitos

fundamentais, tendo aplicação imediata nas relações privadas (art. 5º, incs. XXII e XXIII).

- Cite-se, ainda, a proteção da família, o que é primaz para o conceito de propriedade rural e para a

usucapião agrária (art. 226).

4. CONCEITOS FUNDAMENTAIS AGRARISTAS (INSTITUTOS JURÍDICOS AGRÁRIOS).

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- O Direito Agrário trabalha com alguns conceitos fundamentais para a compreensão da matéria. Tais

conceitos estão no art. 4º do Estatuto da Terra. Benedito Ferreira Marques os denomina como institutos

jurídicos agrários. Vejamos.

4. 1. IMÓVEL RURAL VERSUS IMÓVEL AGRÁRIO. PRECISÃO TERMINOLÓGICA.

- A CF/1988 e o Estatuto da Terra mencionam expressamente o termo imóvel rural. Entretanto, muitos

agraristas dizem que há claro equívoco, pois o termo correto é imóvel agrário (Benedito Ferreira Marques

e Lucas Abreu Barroso).

- Como já exposto, o cerne da disciplina que se estuda é a utilização do termo agrário, pela

preponderância da atividade desenvolvida. Assim, para os concursos em que a matéria é solicitada,

preferir a última expressão. Lembre-se que o termo rural refere-se a uma localização geográfica e não à

atividade desenvolvida.

- O artigo 4º do Estatuto da Terra define o que é imóvel rural (ou agrário), nos seguintes termos:

Imóvel Rural é o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à

exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização,

quer através de iniciativa privada.

- A Constituição Federal não utiliza o termo agrário, mas sim o termo rural. Porém, a norma contida no

artigo 4º do Estatuto da Terra foi recepcionada pela Constituição de 1988, na medida em que de suas

normas é possível perceber que a noção de imóvel rural também é dada pela utilização do imóvel, por

exemplo, quando exige que a propriedade seja produtiva.

- CUIDADO: “Sítios de recreio” não são imóveis rurais (arts. 13 e 14 do Decreto n. 59.900/1966).

Vejamos o primeiro dispositivo:

“Art. 13. Para efeito do disposto no Art. 14, do Decreto-lei nº 57, de 18.11.1966, o imóvel situado na

zona rural pertencente a pessoa física ou jurídica será considerado como ‘sítio de recreio’, quando:

I - Sua produção não seja comercializada;

II - Sua área não seja superior a do módulo para exploração não definida da zona típica em que estiver

localizado;

III - Tenha edificação e seu uso seja reconhecido para a destinação de que trata este artigo”.

4. 2. PROPRIEDADE FAMILIAR.

- Imóvel rural que direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família lhes absorva toda força

de trabalho garantindo-lhes subsistência e progresso social com área máxima fixada para cada região, e,

eventualmente, com a colaboração de terceiros.

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- Como bem apontam os agraristas, a propriedade familiar há de produzir excedente, a fim de atender

não apenas as necessidades diretas, mas também as necessidades indiretas dos que nela trabalham

(educação, lazer, vestuário etc.).

- Com a ordem jurídica inaugurada pela Constituição de 1.988 a propriedade familiar foi alçada ao rol dos

direitos e garantias fundamentais. Prevê o art. 5º, XXVI da CF/1988:

“A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto

de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os

meios de financiar o seu desenvolvimento.”

- Há uma interação entre a ideia de propriedade familiar e pequena propriedade rural. Conforme a Lei n°

8.629/1993, pequena propriedade é aquela compreendida entre 1 e 4 módulos fiscais (conceito varia de

município para município). A sua impenhorabilidade também consta do art. 649, VIII, do CPC. Vejamos

julgado que adota essa ideia:

“RECURSO ESPECIAL - ARTIGO 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - PREQUESTIONAMENTO -

AUSÊNCIA - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PROPRIEDADE RURAL - CONCEITO - MÓDULO

RURAL - IDENTIFICAÇÃO - NECESSIDADE - PEQUENA PROPRIEDADE RURAL UTILIZADA POR ENTIDADE

FAMILIAR - IMPENHORABILIDADE - RECONHECIMENTO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - A questão

relativa ao artigo 333, I, do Código de Processo Civil, relativo ao ônus da prova, não foi objeto de debate

ou deliberação pelo Tribunal de origem, restando ausente, assim, o requisito do prequestionamento da

matéria, o que atrai a incidência do enunciado 211 da Súmula desta Corte. II - Para se saber se o imóvel

possui as características para enquadramento na legislação protecionista é necessário ponderar as regras

estabelecidas pela Lei n.º 8629/93 que, em seu artigo 4º, estabelece que a pequena propriedade rural é

aquela cuja área tenha entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais. Identificação, na espécie. III - Assim, o

imóvel rural, identificado como pequena propriedade, utilizado para subsistência da família, é

impenhorável. Precedentes desta eg. Terceira Turma. IV - Recurso especial improvido” (STJ, REsp

1284708/PR, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe

09/12/2011).

- Atenção: essa identidade entre propriedade familiar e pequena propriedade rural foi

confirmada pelo Novo Código Floresta (Lei 12.651/2012, estabelecendo o seu art. 3º que:

“Para os efeitos desta Lei, entende-se por: pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela

explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural,

incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º

da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006”. Essa última lei trata das diretrizes para a

formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.

De acordo com o seu art. 3º, “Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e

empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo,

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simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do

que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família

nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual

mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou

empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512,

de 2011); IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família”.

- Segundo Gustavo Rezek, a propriedade familiar tem como requisitos:

• área não inferior à fração mínima de parcelamento e não superior a 4 módulos fiscais, definidos

para o município onde se encontra cadastrado;

• possuir aptidão para a absorção da mão-de-obra da família e para a garantia de sua subsistência e

de seu progresso social e econômico;

• seja, por qualquer título de posse, direta e pessoalmente explorado pela família, que nele, ou em

suas proximidades, deve residir;

• não empregue trabalho de terceiros superior à mão-de-obra familiar;

• não seja obtida pela família empreendedora uma renda máxima acima do limite de proteção

econômica definido pelo Estado.

4. 3. MÓDULO RURAL.

- Conforme as lições de Raymundo Laranjeira, “O módulo é uma medida de área, diretamente afeita à

eficácia desta, no meio rurígena. A sua finalidade precípua está em evitar a existência de glebas, cujo

tamanho, em regra, não se ache suscetível de render o suficiente para o progresso econômico-social do

agricultor brasileiro”.

- Nos termos do art. 4º do Estatuto da Terra, o módulo rural equivale à propriedade familiar, que por sua

vez equivale à pequena propriedade rural, conforme julgado antes transcrito (confusão de conceitos).

- A fixação da área é feita pelo INCRA, dependendo da região. O conceito é variável, dinâmico e não

estático. Por isso, os agraristas falam em “módulo regional” e não em “módulo nacional”. Vejamos o art.

5º do Estatuto da Terra:

“Art. 5° A dimensão da área dos módulos de propriedade rural será fixada para cada zona de

características econômicas e ecológicas homogêneas, distintamente, por tipos de exploração rural que

nela possam ocorrer. Parágrafo único. No caso de exploração mista, o módulo será fixado pela média

ponderada das partes do imóvel destinadas a cada um dos tipos de exploração considerados.”

- De acordo com a doutrina de Fernando Sodero, o módulo rural tem as seguintes características:

• É uma medida de área.

• A área fixada para a propriedade familiar constitui o módulo rural.

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• Varia de acordo com a região.

• Varia de acordo com a exploração.

• Implica um mínimo de renda a ser obtido.

• A renda deve proporcionar não apenas a subsistência, mas também o progresso econômico e

social.

- Não confundir o módulo rural, que leva em conta a produção, com o módulo fiscal, que é fixado para os

fins de incidência de Imposto Territorial Rural (ITR).

- O art. 65 do Estatuto da Terra consagra a indivisibilidade do módulo rural. Ver arts. 87 e 88 do

CC/2002.

“Art. 65. O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.

§ 1° Em caso de sucessão causa mortis e nas partilhas judiciais ou amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da dimensão do módulo de propriedade rural.

§ 2º Os herdeiros ou os legatários, que adquirirem por sucessão o domínio de imóveis rurais, não poderão dividi-los em outros de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural.

§ 3º No caso de um ou mais herdeiros ou legatários desejar explorar as terras assim havidas, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária poderá prover no sentido de o requerente ou requerentes obterem financiamentos que lhes facultem o numerário para indenizar os demais condôminos.

§ 4° O financiamento referido no parágrafo anterior só poderá ser concedido mediante prova de que o requerente não possui recursos para adquirir o respectivo lote.

§ 5o Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos de imóveis rurais em dimensão inferior à do módulo, fixada pelo órgão fundiário federal, quando promovidos pelo Poder Público, em programas oficiais de apoio à atividade agrícola familiar, cujos beneficiários sejam agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano”.

4. 4. MINIFÚNDIO

- É o imóvel rural de áreas e possibilidades inferiores à da propriedade familiar. O minifúndio é realidade

altamente prejudicial à sociedade, pois é fator de miséria no campo, acarretada pelo êxodo rural com

todas as mazelas que disso decorrem.

- O minifúndio cria a falsa sensação de liberdade por gerar direito de propriedade que, no entanto, é

incapaz de cumprir sua função social. Assim, é papel da política agrária acabar com o minifúndio.

4. 5. LATIFÚNDIO.

Pode ser de duas espécies:

→ Latifúndio por dimensão: É o imóvel que excede 600 vezes o módulo médio de área definido pelo

INCRA para aquela região, ou, que excede 600 vezes a área média dos imóveis rurais da sua região,

tendo-se sempre em vista os sistemas produtivos e ecológicos regionais.

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Material do professor Flávio Tartuce

→ Latifúndio por exploração: Trata-se do imóvel rural que não excedendo o limite de área previsto para

concepção do latifúndio por dimensão e tendo área agricultável igual ou superior à definida para o módulo

da respectiva zona seja mantido inexplorado ou subutilizado.

- Assim, como o latifúndio por dimensão, o latifúndio por exploração é uma realidade altamente

prejudicial à política agrícola, pois, ao não realizar suas potencialidades o imóvel frustra sua função social.

A terra agricultável não é qualquer bem, mas sim bem de produção, devendo cumprir de forma mais

acentuada sua função social.

- Estabelece o art. 4º, parágrafo único, do Estatuto da Terra, que não se considera latifúndio o imóvel

rural, qualquer que seja a sua dimensão, cujas características recomendem, sob o ponto de vista técnico

e econômico, a exploração florestal racionalmente realizada, mediante planejamento adequado.

- Também não constitui latifúndio o imóvel rural, ainda que de domínio particular, cujo objeto de

preservação florestal ou de outros recursos naturais haja sido reconhecido para fins de tombamento, pelo

órgão competente da administração pública.

- Os preceitos trazem como conteúdo a proteção do Bem Ambiental, retirada do art. 225 da CF/1988.

OBSERVAÇÃO. Classificação dos imóveis rurais/agrários.

Existem dois critérios classificatórios, retirados da Constituição Federal e da legislação ordinária.

I) Quanto à extensão (matéria regulamentada pela Lei 8.629/1993).

→ Pequena propriedade: compreendida entre 01 e 04 módulos fiscais.

→ Média propriedade: compreendida entre 04 até 15 módulos fiscais.

→ Grande propriedade: superior a 15 módulos fiscais.

Cuidado: O módulo fiscal é uma medida de área que o INCRA, mediante certos requisitos, fixa para cada

Município. Como visto, não se confunde com o módulo rural.

II) Quanto à produtividade (produtiva/improdutiva).

→ Produtiva: aquela que alcança índices de produtividade previamente fixados pelo Poder Executivo.

→ Improdutiva: não alcança os referidos índices.

4. 6. EMPRESA RURAL.

- Empresa rural é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore

econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico da região em que

se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel, segundo padrões fixados, pública e

previamente pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas as pastagens, as

matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias.

- Pode-se dizer que a empresa rural é o objetivo a que aspira todo o sistema de Direito Agrário. Ela é

“um passo a frente” da propriedade familiar, com a estrutura de empresa rural se alcança de maneira

muito mais efetiva e consistente progresso social e econômico, pessoal e regional.

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Material do professor Flávio Tartuce

- O incentivo à empresa rural consta do art. 3º do Estatuto da Terra:

“Art. 3º O Poder Público reconhece às entidades privadas, nacionais ou estrangeiras, o direito à propriedade da terra em condomínio, quer sob a forma de cooperativas quer como sociedades abertas constituídas na forma da legislação em vigor.

Parágrafo único. Os estatutos das cooperativas e demais sociedades, que se organizarem na forma prevista neste artigo, deverão ser aprovados pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (I.B.R.A.) que estabelecerá condições mínimas para a democratização dessas sociedades”.

4. 7. COOPERATIVA INTEGRAL DE REFORMA AGRÁRIA (C.I.R.A.)

- Toda sociedade cooperativa mista, de natureza civil, criada nas áreas prioritárias de Reforma Agrária,

contando temporariamente com a contribuição financeira e técnica do Poder Público, através do Instituto

Brasileiro de Reforma Agrária, com a finalidade de industrializar, beneficiar, preparar e padronizar a

produção agropecuária, bem como realizar os demais objetivos previstos na legislação vigente.

- Trata-se também de algo almejado pelo Direito Agrário, mas que, infelizmente, não teve a sua devida

instituição até o presente momento.

- A respeito da sua natureza jurídica, trata-se de uma pessoa jurídica (atualmente uma sociedade

simples). Ver o Enunciado 69 das Jornadas de Direito Civil do STJ.

4. 8. COLONIZAÇÃO E PARCELEIRO.

- Toda a atividade oficial ou particular, que se destine a promover o aproveitamento econômico da terra,

pela sua divisão em propriedade familiar ou através de cooperativas.

- Também é buscada pelo Direito Agrário, servindo como instrumento de reforma agrária.

- Nesse contexto, surge o conceito de parceleiro, também constante do art. 4º do Estatuto da Terra, que

é aquele que venha a adquirir lotes ou parcelas em área destinada à Reforma Agrária ou à colonização

pública ou privada.

- Não confundir o parceleiro com o parceiro, sendo o último parte do contrato de parceria rural ou agrária

(tema da última aula).

FONTES DE PESQUISA.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Lucas Abreu Barroso.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Maurício Bunazar.

BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. Volume 1. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª

Edição, 2009.

BARROSO, Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão. O Direito Agrário na

Constituição. São Paulo: Forense, 2ª Edição, 2006.

Page 14: Direito Agrario 1

14

Material do professor Flávio Tartuce

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. Rio de Janeiro: Lúmen Juris.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Atlas, 9ª Edição, 2011.

OPITZ, Silvio C. B; OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. São Paulo: Saraiva, 5ª Edição,

2011.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Volume 4. Direito das Coisas. São Paulo: Método.

REDE DE ENSINO LFG.

DIREITO AGRÁRIO. AULA 2.

PROFESSOR FLÁVIO TARTUCE.

MATERIAL DE APOIO.

5. DIREITOS REAIS AGRÁRIOS. PROPRIEDADE AGRÁRIA E CONCEITOS AFINS.

5. 1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE AGRÁRIA.

- A função social da propriedade é o núcleo do Direito Agrário (Lucas Abreu Barroso). A função social é

atendida quando se dá uma destinação positiva à coisa. Entre os agraristas, vale a ideia de posse-

trabalho, que consta de alguns dispositivos do Código Civil de 2002 (Benedito Ferreira Marques e

Raymundo Laranjeira).

- A função social é componente da propriedade, como apontam alguns doutrinadores (José Afonso da

Silva e Recaséns Siches). Assim, deve ser tida como sua causa, o que é muito bem desenvolvido entre os

agraristas. (Lucas Abreu Barroso). O último doutrinador afirma que a função social da propriedade é

atendida pela cidadania material, ou seja, pela tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da

CF/1988).

- A ideia de que a função social é causa da propriedade pode ser retirada do art. 12 do Estatuto da Terra:

“Art. 12. À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado

ao bem-estar coletivo previsto na Constituição Federal e caracterizado nesta Lei”.

- Na medida em que a função social passa a ser elemento constitutivo do próprio direito de propriedade,

o poder público fica autorizado a privá-la de proteção caso não haja cumprimento à função social

(desapropriação agrária, que ainda será estudada). Estabelece o art. 13 do Estatuto da Terra que: “O

Poder Público promoverá a gradativa extinção das formas de ocupação e de exploração da terra que

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Material do professor Flávio Tartuce

contrariem sua função social”.

- Em relação à propriedade rural ou agrária, a CF/1988 descreve no seu art. 186 quais são os parâmetros

para o seu atendimento, que merecem análise aprofundada. A função social da propriedade agrária é

cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios de grau de exigência

estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I) Aproveitamento racional e adequado: Aproveitar de forma racional e adequada é tornar o

imóvel produtivo sem esgotar sua força geratriz. É a consagração constitucional do chamado

desenvolvimento sustentável.

II) Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente:

Significa que aquele que está explorando o imóvel agrário há de ter consciência de que tem em

mãos um bem de natureza transgeracional, isto é, que deve ser preservado para as presentes e

futuras gerações, nos termos do art. 225 da CF/1988.

III) Observância das disposições que regulam as relações de trabalho: A Constituição Federal

em seu artigo 7º estabelece piso de direitos trabalhistas. Em matéria de direito do trabalho

prevalece a norma mais favorável ao trabalhador, assim, as normas infraconstitucionais podem ir

além do piso normativo constitucional, e isso se dá por expressa autorização constitucional.

IV) Exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores: Essa norma

traz regra de pura abstração da realidade. Para dar um sentido à norma, a doutrina ensina que

segundo esse inciso deve haver uma distribuição equitativa dos ônus e bônus da atividade agrária

entre proprietário e trabalhador (Giselda Hironaka).

- Em sentido muito próximo, o art. 2º do Estatuto da Terra estabelece que “é assegurada a todos a

oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista

nesta Lei. § 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando,

simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim

como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos

recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os

que a possuem e a cultivem”. A diferença está na menção à produtividade. Os agraristas entendem que o

texto não foi recepcionado, uma vez que é possível que uma propriedade produtiva não atenda à função

social.

- Nessa linha, há certo conflito entre os arts. 186 e 185 da CF/1988, pois o último comando prevê que

não pode ser objeto de desapropriação agrária o imóvel produtivo. O último dispositivo é criticado pelos

doutrinadores agraristas de forma contundente, pela menção à propriedade produtiva, conceito que

sempre suscita debates. Explica Elisabete Maniglia:

“Percebe-se que o texto constitucional traz em seu bojo, aspectos de avanços quando

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Material do professor Flávio Tartuce

trata da função social em diversas passagens constitucionais com ênfase, inclusive nos direitos e

garantias fundamentais. O art. 5.º, incisos XXII e XXIII, é exemplo já que deixa claro: que a

propriedade é protegida, mas terá que cumprir a função social. Todavia, no texto agrário

embarca a questão e cria uma antinomia ao inicialmente discorrer que toda a propriedade que

não cumprir a sua função social será desapropriada (art. 184) para, em seguida, vetar a

desapropriação nas terras produtivas, pequenas e médias. Retroagiu-se, dessa forma, no que o

legislador avançou criando uma expectativa em cumprimento da função social e, em seguida,

arrependido, preocupado em desagradar grupos aliados, vetou, de uma forma bem parcial, o

que seria o interesse da maioria”.

- Diz a doutrinadoras que o legislador criou a esperança de que a função social fosse cumprida, ao mesmo

tempo em que a retirou, ao mencionar a propriedade produtiva.

- Entre os civilistas, para solucionar essa suposta antinomia, Cristiano Chaves de Farias e Nelson

Rosenvald propõem que o termo produtividade seja analisado no sentido de uma “propriedade solidária,

que simultaneamente satisfaça os parâmetros econômicos de seu titular, sem com isto frustrar os

interesses metaindividuais”.

- Em reforço, compartilhando do mesmo entendimento, explica Gustavo Tepedino que “A produtividade,

para impedir a desapropriação, deve ser associada à realização de sua função social. O conceito de

produtividade vem definido pela Constituição de maneira essencialmente solidarista, vinculado ao

pressuposto da tutela da propriedade. Dito diversamente, a propriedade, para ser imune à

desapropriação, não basta ser produtiva no sentido econômico do termo, mas deve também realizar a sua

função social. Utilizada para fins especulativos, mesmo se produtora de alguma riqueza, não atenderá a

sua função social se não respeitar as situações jurídicas existenciais e sociais nas quais se insere”.

5. 2. AS TERRAS DEVOLUTAS.

a) Concepção de terras devolutas.

- No Império: eram terras desocupadas, sem aproveitamento ou devolvidas à Coroa Portuguesa (por

incorrerem os beneficiários das sesmarias em comisso, que era a pena pela não utilização).

Vale lembrar: as sesmarias eram concessões realizadas pelo Poder Português, quando do Brasil

Colônia. Havia uma concessão semelhante à enfiteuse, com a transmissão do domínio útil. Como

aponta Benedito Ferreira Marques, as sesmarias trouxeram vantagens e desvantagens. A vantagem

principal foi a colonização do interior, possibilitando que o Brasil tivesse um tamanho continental. A

desvantagem foi a geração do clientelismo na distribuição de terras no País.

- Na República: terras que mesmo ocupadas podiam ser consideradas devolutas, desde que não

pertencessem ao particular.

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Material do professor Flávio Tartuce

- A Lei de Terras (Lei 601/1850) define as terras devolutas no seu art. 3º:

“Art. 3º. São terras devolutas:

§ 1º - As que não se acharem aplicadas a algum uso público, nacional, provincial ou municipal.

§ 2º - As que não se acharem em domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por

sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta do

cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de

incursas em comisso, forem revalidadas por esta Lei.

§ 4º As que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal, forem

legitimadas por esta Lei”.

- Como aponta Lucas Abreu Barroso, o mais importante objetivo da Lei de Terras foi conferir titulação a

todos aqueles que não a tinham, embora ocupassem terras consideradas devolutas, evitando perpetuar o

regime de posses instaurado com a extinção das sesmarias, o que ocorreu em 1.822 pela Resolução 76,

de José Bonifácio de Andrada e Silva.

- Vejamos conceito doutrinário de terras devolutas de Altir de Souza Maia: “Terras devolutas são aquelas

que não estão aplicadas a qualquer uso público federal, estadual ou municipal, ou que não estejam

incorporadas ao domínio privado”.

- Como bem aponta Benedito Ferreira Marques, a palavra devoluto quer dizer vazio, desocupado, sem

dono. Em suma, terra devoluta é terra sem dono, conforme o conceito antigo e sintético de Clóvis

Beviláqua, que ainda pode ser utilizado.

- Quanto à sua natureza jurídica, os civilistas enquadram as terras devolutas entre os bens públicos

dominicais (art. 99, III, do CC) – MHD. Assim, são, em regra, bens pertencentes ao patrimônio disponível

dos entes públicos (art. 101 do CC).

- Atenção: existem terras devolutas de outra natureza, destinadas para a proteção de

ecossistemas naturais. (art. 225, § 5º, da CF/1988). Prevê esse comando que “São

indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,

necessárias à proteção dos ecossistemas naturais”. Portanto, tais terras devolutas são bens

públicos de uso especial (terras públicas do domínio público do Estado), que são indisponíveis

(art. 100 do CC).

- Conforme a Súmula 340 do STF, os bens públicos dominicais, caso das terras devolutas, não podem ser

objeto de usucapião (desde o Código Civil de 1916). Há uma tese antiga, que não vingou, no sentido de

que tais bens podem ser objeto de usucapião, por serem alienáveis. (Sílvio Rodrigues).

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Material do professor Flávio Tartuce

b) Titularidade e destinação.

- Terras devolutas da União. Estão tratadas pelo art. 20, II, da CF/1988. São bens da União as terras

devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias

federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei.

- Terras devolutas do Estado. Constam do art. 26, IV, da CF/1988. São bens do Estado as terras

devolutas não compreendidas entre as da União. Sobre as terras devolutas dos estados, prevê a Súmula

477 do STF: “As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos estados,

autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a união, ainda que se mantenha inerte ou

tolerante, em relação aos possuidores”.

- A respeito da destinação, o art. 188, caput, da CF/1988 enuncia que essa deva estar compatibilizada

com a Política Agrícola e com o Plano Nacional de Reforma Agrária. A alienação ou a concessão, a

qualquer título, de terras devolutas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou

jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional (§ 1º).

Excetuam-se do disposto anterior as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma

agrária (§ 2º).

IMPORTANTE: RECENTE E POLÊMICA DECISÃO DO STF, PUBLICADA NO SEU INFORMATIVO N. 658

(MARÇO DE 2012), MITIGOU A REGRA ACIMA, QUE JÁ CONSTAVA EM CONSTITUIÇÕES ANTERIORES, EM

PROL DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA CONFIANÇA, DA BOA-FÉ E DA ESTABILIDADE DAS RELAÇÕES.

NO CASO, HOUVE A CESSÃO DE TERRAS NO ESTADO DO MATO GROSSO NA DÉCADA DE 50, EM

DESRESPEITO A TAL FORMALIDADE.

Vejamos a publicação na íntegra:

Concessão de terras públicas e segurança jurídica – 1. Ante a peculiaridade do caso, o Plenário, por

maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação cível originária, proposta pela União, em 1959,

na qual se pretendia a declaração de nulidade de contratos em que o antigo Estado do Mato Grosso

outorgara a diversas empresas colonizadoras a concessão de terras públicas com área superior ao limite

previsto na Constituição de 1946 (“Art 156 ... § 2º - Sem prévia autorização do Senado Federal, não se

fará qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dez mil hectares”).

Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, relator, que, ao sopesar os valores envolvidos no feito, declarou a

subsistência e a validade dos contratos em comento perante a norma constitucional invocada. Consignou

que não se estaria a manifestar essa validez perante outros vícios, como o eventual alcance de terras

indígenas, latifúndios improdutivos. Nesse particular, expressou que, para ambas as hipóteses, a União

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Material do professor Flávio Tartuce

possuiria instrumentos adequados sequer aventados neste processo. Ao apontar a existência de pelo

menos três ações cíveis, nesta Corte, que diriam com o tema, sublinhou que o presente desfecho em

nada interferiria na apreciação daquelas. Fixou, ainda, que cada parte arcasse com os honorários dos

respectivos patronos. ACO 79/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 15.3.2012.

“Concessão de terras públicas e segurança jurídica – 2. Inicialmente, discorreu que a regra da limitação

de áreas, para efeito de alienação e concessão de terras públicas, vigoraria desde a Constituição de 1934

(“Art 130 - Nenhuma concessão de terras de superfície, superior a dez mil hectares poderá ser feita sem

que, para cada caso, preceda autorização do Senado Federal”). A de 1937, no art. 155, conservara esse

limite, bem assim a de 1946, no § 2º do art. 156. A limitação em si fora mantida nos estatutos ulteriores,

porém a área de terra que poderia ser alienada ou concedida, sem prévia autorização do Senado, fora

reduzida para até três mil hectares na Constituição de 1967 (art. 164, parágrafo único) e, na CF/88, para

dois mil e quinhentos (art. 49, XVII), quando o controle político passara do Senado para o Congresso

Nacional. Em seguida, assentou que as provas documentais bastariam para firmar a convicção de que se

teria vulnerado o disposto no art. 156, § 2º. Extraiu dos autos que, sem autorização do Senado: a) terras

com áreas superiores ao limite imposto pela Constituição foram concedidas a alguns particulares; e b)

contratos de colonização de áreas de duzentos mil hectares foram celebrados com o ente federativo e por

intermédio destes cada empresa ficava “autorizada pelo Estado a promover a colonização, mediante

povoamento das terras e venda de lotes a colonos”, e, ao menos em um deles, até ceder “os lotes aos

seus colonos”. Em contrapartida, as colonizadoras deveriam prover infraestrutura básica nas terras.

Também havia a previsão de o Estado do Mato Grosso receber certa parcela do preço, segundo tabela da

data da celebração do contrato de venda ou de promessa de compra e venda para colonos, a título de

compensação pela concessão dominial de suas terras devolutas. Advertiu que essas obrigações assumidas

pelas empresas não se confundiriam com a contraprestação específica e própria do negócio jurídico de

compra e venda. Evidenciou que, sob a denominação de contratos de colonização, o Estado-membro

avençara com as empresas contratos administrativos de concessão de domínio, os quais reclamariam

observância do preceito constitucional. Salientou que, diversamente de outras espécies da mesma classe

das chamadas concessões administrativas — a exemplo das concessões de uso e de direito real de uso —

a de domínio seria forma de alienação de terras públicas com origem nas concessões de sesmarias da

Coroa, hoje somente utilizada nas concessões de terras devolutas da União, dos Estados e dos Municípios

(CF/88, art. 188, § 1º). Mencionou que, da leitura das cláusulas contratuais, patentearam-se duas coisas:

a) as terras objeto das concessões caracterizar-se-iam como devolutas, porque todos os contratos de

colonização teriam sido precedidos de decretos estaduais de reserva de terras devolutas, os quais lhes

serviriam de fundamento; e b) as companhias obrigar-se-iam, como contraprestação, a realizar, nas

áreas concedidas, diversos serviços de utilidade pública que à unidade federativa, sozinha, não seria

possível empreender. Enfatizou que a Constituição compreenderia as terras devolutas nas

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Material do professor Flávio Tartuce

terras públicas aludidas. Observou que, embora louvável a iniciativa de povoar suas terras, o erro teria

sido conceder a particulares, sem prévio consentimento do Senado, o domínio de áreas superiores a dez

mil hectares. Certificou que não constaria dos autos alegação nem prova de autorização do Senado para

as concessões, donde configurada manifesta e incontroversa violação ao mandamento contido na norma

especificada. ACO 79/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 15.3.2012. (ACO-79)

Concessão de terras públicas e segurança jurídica – 3. Ato contínuo, ressaltou serem extremamente

consideráveis os seguintes aspectos fáticos: a) os contratos em questão foram pactuados há 59 anos; b)

a cadeia dominial a partir daí perder-se-ia no tempo, abrangendo extensa área que equivaleria,

aproximadamente, a 40.000 km² (corresponderia ao dobro da área do Estado de Sergipe); c) as

concessões de domínio foram realizadas por ente federativo, o que, presumir-se-ia, haver despertado nos

adquirentes fundada convicção da legalidade dos negócios. Aduziu que, assim como no direito

estrangeiro, o ordenamento brasileiro reverenciaria os princípios ou subprincípios conexos da segurança

jurídica e da proteção da confiança, sob a compreensão de que nem sempre se assentariam,

exclusivamente, na legalidade. Isto significaria que situações de fato, ao perdurar significativamente no

tempo — sobretudo se oriundas de atos administrativos, que guardariam presunção e aparência de

legitimidade —, deveriam ser estimadas com cautela quanto à regularidade jurídica, até porque, enquanto

a segurança seria fundamento quase axiomático, perceptível do ângulo geral e abstrato, a confiança, que

diz com a subjetividade, apenas seria passível de avaliação perante a concretude das circunstâncias.

Certificou que a fonte do princípio da proteção da confiança estaria na boa-fé do particular, como norma

de conduta e, em consequência, na ratio da coibição do venire contra factum proprium, o que acarretaria

a vinculação jurídica da Administração Pública às suas próprias práticas e ações. O Estado de Direito seria

sobremodo Estado de confiança. Explicou que a boa-fé e a confiança dariam novo alcance e significado ao

princípio tradicional da segurança jurídica — em contexto que, faz muito, abrangeria, em especial, as

posturas e os atos administrativos, como advertiria a doutrina — destacando a importância decisiva da

ponderação dos valores da legalidade e da segurança, como critério epistemológico e hermenêutico

destinado a realizar, historicamente, a ideia suprema da justiça. Versou sobre o princípio da segurança

jurídica e, inclusive, reportou-se a normas textuais de leis que disporiam vários aspectos de convalidação

de atos praticados pela Administração Pública.

Concessão de terras públicas e segurança jurídica – 4. Ao tecer comentários sobre a convalidação de atos

administrativos, acenou que esta, consoante a doutrina, não conflitaria com o princípio da legalidade.

Ressurtiu que, na hipótese de a decretação de nulidade ser feita tardiamente — quando da inércia da

administração teriam sido constituídas situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a

ponto de fazer gerar a convicção de sua legitimidade — seria deveras absurdo que, a pretexto da

eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de autotutela.

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Material do professor Flávio Tartuce

Além disso, citou precedentes em que o STF reafirmaria a supremacia jurídico-constitucional dos

princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima sobre a legalidade estrita, diante de

prolongadas situações factuais geradas pelo comportamento da Administração Pública. Noticiou que

alguns juristas distinguiriam, na matéria, entre convalidação e estabilização de atos administrativos, por

entenderem que só poderiam ser convalidados os atos que admitissem repetição sem vício. Dessa feita,

os atos inválidos, insuscetíveis de aperfeiçoamento no presente, seriam, para efeito de regularização, tão-

só estabilizados ou consolidados. Elucidou que, a despeito de uma ou outra nomenclatura, esta Corte viria

decidindo que, por vezes, o princípio da possibilidade ou da necessidade de anulamento seria substituído

pelo da impossibilidade, em homenagem à segurança jurídica, à boa-fé e à confiança legítima. Avaliou ser

esta a resposta jurídica que conviria à espécie. Expressou não ver como nem onde pronunciar — meio

século depois, a nulidade das concessões de domínio feitas pela indicada unidade da Federação a pessoas

jurídicas, empresas de colonização, e físicas, colonos — sem grave ofensa aos princípios constitucionais e

transtornos a relações de vida extremamente importantes. Expôs que cidades formaram-se nessas áreas

concedidas, com milhares de famílias; comércio e lavoura expandiram-se significativamente; acessões e

benfeitorias públicas e privadas foram erguidas; o Estado dera origem a outro, em 1979, seccionando sua

área; múltiplas transmissões de domínio sucederam-se, sob convicção de regularidade.

Concessão de terras públicas e segurança jurídica – 5. Além disso, estimou ser inegável que as

concessões teriam cumprido seus propósitos político-sociais, sem que se pudesse pensar em desvio de

finalidade, porquanto a colonização fora implantada no âmbito do programa governamental de Vargas, a

denominada “Marcha para o Oeste”. O Brasil central era, ao tempo, composto de grandes vazios por

ocupar e desbravar, e União e Estados-membros não detinham condições materiais de, sozinhos, realizar

essa tarefa. Inferiu que os colonos, destinatários últimos dos lotes, confiaram no Poder Público,

duplamente: no Governo Federal, que empreendia a política de ocupação territorial sob o modelo das

concessões de domínio, intermediadas e, em boa parte, financiadas por empresas colonizadoras; e no

então Estado do Mato Grosso, que era o concedente. Acentuou que, nas décadas de 60 e 70, ações

governamentais, sob igual ânimo e propósito, foram aviadas no centro-oeste e no norte do Brasil. Por fim,

nada fazia supor, objetivamente, que os títulos de propriedade concedidos não valessem. Atentou que

efeitos indesejáveis de colonizações ocorreriam não apenas naquele ente político.

Concessão de terras públicas e segurança jurídica – 6. Com o registro de que esta decisão não refletiria

em ação sob sua relatoria, a Min. Rosa Weber acompanhou o Presidente. O Min. Luiz Fux lembrou que

haveria norma in procedendo do art. 462 do CPC a determinar que o juiz, ao decidir, levasse em conta o

estado de fato da lide. Destacou ser a situação absolutamente irreversível e frisou ser esta uma ação de

cognição submetida ao STF. Explicitou que o exame do relator, em prol da estabilidade social, influiria,

também, na dignidade humana daqueles povoados que já estariam ali há mais de sessenta

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Material do professor Flávio Tartuce

anos. Pela circunstância excepcionalíssima da causa, o Min. Dias Toffoli seguiu o relator, considerando ser

o objeto da proposição inicial única e exclusivamente o descumprimento do § 2º do art. 156 da CF/46.

Adotou, ainda, as razões apresentadas pela União, que aduzia: a) não haver discussão a respeito de seu

domínio sobre parcela das terras objeto dos contratos combatidos; b) não constituir fundamento desta

ação grave esbulho ocorrido em terra indígena; c) diferir o pedido veiculado nestes autos daqueles das

demais ações cíveis; d) inexistir relação de prejudicialidade entre os feitos; e) não resultar — eventual

julgamento de improcedência, baseado exclusivamente na regularidade dos contratos como causa de

pedir — na certificação de titularidade da unidade federativa sobre a vasta área do Xingu; f) não afetar o

desfecho da demanda o julgamento de ações em curso nesta Corte, bem como qualquer outra

concernente a terras indígenas, ou área ambiental, no Estado do Mato Grosso. Agregou a isso

manifestação de não servir a situação de paradigma ou de precedente para nenhum evento, atestando

que as concessões realizar-se-iam em afronta ao preceito indicado. Discorreu a respeito do princípio da

segurança jurídica, do longo decurso e das razões de equidade, estas em virtude de resultado havido em

outra ação cível originária em que a União e o Estado do Mato Grosso discutiam a titularidade de terras.

Aventou possibilidade de se suspender a tramitação dos autos para que o Congresso Nacional viesse a

placitar a não autorização ocorrida e a ratificar os atos praticados. A Min. Cármen Lúcia, ao salientar a

restrição das áreas indígenas e da consequência para o julgamento da ação relatada pela Min. Rosa

Weber, subscreveu às inteiras o voto condutor.

Concessão de terras públicas e segurança jurídica – 7. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski,

Ayres Britto e Marco Aurélio, que acolhiam o pedido. O primeiro reputava haver vício de origem

absolutamente insanável. Considerava a extensão da área e a ausência de dados fáticos, para melhor

avaliar a espécie. Ponderava que a União e os Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul saberiam

definir os casos concretos. O segundo aduzia que a causa estaria envolta em ambiência de nebulosidade

quanto: a) aos reais beneficiários das terras públicas, se verdadeiros colonos, se empresas, se ONGs; e b)

à natureza jurídica dos atos formalmente celebrados. O último abordava a possibilidade de se repetir

hodiernamente a situação jurídica, visto que essa regra da Constituição de 1946 teria sido reproduzida em

textos constitucionais subsequentes. Inferia que decidir pela improcedência do pleito, ante a passagem do

tempo, seria dar ao fato consumado envergadura a sobrepor-se, inclusive, à Constituição. Salientava que

a ilegalidade originara, à época, a instauração de comissão parlamentar de inquérito. Consignava que fato

consumado, para merecer agasalho, haveria de estar em harmonia com a Lei Maior. Rememorava que,

em vista da importância da matéria, na Carta de 1988 ter-se-ia passado a exigir a autorização do

Congresso Nacional e diminuído o número de hectares. Observava tratar-se de concessão inicial que seria

serviço público. Discernia que o ente político transferira domínio de áreas de forma muito extravagante,

haja vista que abarcarcaria terras indígenas. Vislumbrava que negar a procedência do vício estimularia o

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Material do professor Flávio Tartuce

desrespeito à ordem jurídica constitucional. Sublinhou que desdobramentos no campo social ficariam na

esfera de uma política a ser implementada pelo Estado.

- Repise-se que o art. 225, § 5º, da CF/1988 prevê a indisponibilidade das terras devolutas necessárias à

proteção dos ecossistemas naturais.

c) Discriminação das terras devolutas.

- Foi um instituto criado pela Lei de Terras (art. 10), tratando-se de um procedimento administrativo para

separar as terras devolutas das particulares.

- A discriminação cabe ao INCRA, confirme o art. 11 do Estatuto da Terra. Atualmente, os procedimentos

administrativo e judicial estão tratados pela Lei n. 6.383, de 07.12.1976. Vejamos os principais aspectos.

→ Procedimento administrativo. Os detalhes constam do art. 2º ao art. 17, da Lei n. 6.383/1976. Em

suma, o processo discriminatório administrativo é instaurado por Comissões Especiais constituídas por

três membros: um bacharel em direito do serviço jurídico do INCRA (presidente); um engenheiro

agrônomo e um outro funcionário.

→ Procedimento judicial. Tratado entre os arts. 18 a art. 23 da Lei n. 6.383/1976.

O art. 18 prevê a legitimidade ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

O art. 19 preconiza as hipóteses em que cabe a ação discriminatória de terras devolutas. A principal

situação é a frustração do procedimento administrativo.

A competência é da Justiça Federal, em regra (art. 19, parágrafo único).

Nos casos de terras devolutas estaduais, a competência é da Justiça Estadual Comum (art. 27).

O rito da ação é o sumário (art. 20).

A apelação da ação somente se dá no efeito devolutivo, facultada a execução provisória (art. 21).

A ação discriminatória tem caráter preferencial e prejudicial em relação a outras ações (art. 23).

Benedito Marques faz críticas contundentes a respeito da morosidade dessas ações, especialmente por

correrem na Justiça Federal. Os agraristas pleiteiam a criação de uma Justiça Especializada Agrária.

Vejamos exemplos recentes de julgados sobre ação demarcatória de terras devolutas:

“PROCESSUAL CIVIL. PONTAL DO PARANAPANEMA. TERRAS DEVOLUTAS. DOMÍNIO PRIVADO.

OMISSÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. PONTOS RELEVANTES PARA O DESLINDE DA DEMANDA.

ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. 1. Hipótese em que se discute discriminação de

aproximadamente 4 mil ha. de terra localizados no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, e

derivados da Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, em cujo Registro Paroquial originário

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Material do professor Flávio Tartuce

aferiu-se, noutros processos, a falsidade da assinatura do Frei Pacífico de Monte Falco. 2. O TJ-

SP reconheceu o vício no Registro Paroquial originário. Entretanto, afastou o pleito da Fazenda,

pois entendeu que o Estado reconhecera o domínio privado sobre as terras, de modo que não

poderia propor a presente Ação Discriminatória. 3. Apesar de o TJ-SP afirmar que o Estado

reconheceu o domínio privado sobre as áreas públicas, não analisou, especificamente, a

ocorrência de usucapião. 4. A Fazenda apresentou aclaratórios na origem, pedindo

manifestação expressa quanto à impossibilidade de posse presumida para fins de usucapião e

da inviabilidade de domínio privado sobre terras públicas por prescrição aquisitiva na vigência

do CC/1916, mesmo que com base em lei estadual (Súmula 340/STF). 5. Os pontos suscitados

são essenciais para o deslinde da demanda e a omissão do Tribunal de origem implica ofensa

ao art. 535 do CPC. Os autos devem retornar, para solução do vício, ficando prejudicados os

demais pontos recursais e a multa do art. 538, parágrafo único, do CPC. 6. Recurso Especial

provido” (STJ, REsp 1193379/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado

em 05/10/2010, DJe 02/02/2011).

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. PONTAL DO

PARANAPANEMA. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO-

CONHECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA

ESTADUAL. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REGULARIDADE DA CITAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.

LEGISLAÇÃO ESTADUAL. NÃO-CONHECIMENTO. REGISTROS PÚBLICOS. PRESUNÇÃO

RELATIVA. PROVA EMPRESTADA. CABIMENTO. DOCUMENTO FALSO. COMPROVAÇÃO DE

POSSE. IMPOSSIBILIDADE. USUCAPIÃO COM BASE EM LEGISLAÇÃO ESTADUAL.

INVIABILIDADE. SÚMULA 340/STF. (...). 2. A competência para a Ação Discriminatória é da

Justiça estadual, pois a União não tem interesse na demanda, inexistindo terra devoluta de seu

domínio na região. 3. A Ação Discriminatória é o procedimento judicial adequado para que o

Estado comprove que as terras são devolutas, distinguindo-as das particulares. As provas a

serem produzidas referem-se a eventual domínio privado na área, nos termos do art. 4º da Lei

6.383/76. 4. A discussão quanto à regularidade da citação, relativamente à correta indicação

dos possuidores dos imóveis, requer exame dos documentos juntados aos autos (Súmula

7/STJ). Além disso, os recorrentes não demonstram qual teria sido o prejuízo; pelo contrário,

consta, nas decisões de origem, que se procedeu à sua regular citação e apresentação de

defesa. 5. Rever o entendimento do Tribunal a quo, de que a natureza da decisão anterior (de

1927) é administrativa (o que afastaria, in casu, a coisa julgada), exigiria a análise da norma

estadual que regulou aquele primeiro processo, o que, por falta de contestação em face de lei

federal, extrapolaria a competência do STJ. 6. O valor probante do registro público não é

absoluto, podendo ser ilidido no curso de ação judicial. Precedentes do STJ. (...). 8. O

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Material do professor Flávio Tartuce

acórdão recorrido consignou que a natureza das terras (devolutas) foi comprovada a contento,

em razão dos vícios na cadeia dominial e da inexistência de usucapião. 9. Ainda que se admita

a possibilidade de usucapião de terras públicas no período anterior ao Código Civil de 1916,

inafastáveis os requisitos específicos dessa modalidade aquisitiva. A posse não se presume,

vedação essa que vale tanto para a prova da sua existência no mundo dos fatos como para o

dies a quo da afirmação possessória. 10. A certidão (de 1856) cuja letra e assinatura não

pertencem a quem se faz supor (Frei Pacífico) é, para todos os fins, documento inexistente e,

portanto, incapaz de convalidação. Tampouco o decurso do prazo transforma o inexistente em

existente, ou mesmo em documento putativo. 11. Se o registro inicial da cadeia dominial

apresentado pelo particular (a certidão firmada por Frei Pacífico) é realmente falso (e esse

juízo fático cabe às instâncias ordinárias), dele não pode defluir nenhum efeito jurídico válido,

seja quanto aos seus aspectos substantivos diretos, seja quanto a presumir o dies a quo da

posse, isto é, 14 de maio de 1856, data de sua lavratura. 12. O debate sobre a boa ou má-fé,

nesse contexto jurídico, é irrelevante. O que importa é que o imóvel, por ser terra pública, não

podia ser objeto de usucapião, qualquer que fosse o estado de espírito do pretendente. A boa-

fé (fato jurídico de conotação individual) não tem o condão de invalidar proibição legal

expressa, de ordem pública, lavrada em favor da coletividade. 13. Não comprovada a posse,

inviável o reconhecimento de usucapião, qualquer que seja o fundamento jurídico alegado

(legislação federal ou estadual). De qualquer forma, o STF, nos processos que sustentam a

Súmula 340 daquela Corte (‘Desde a vigência do código civil, os bens dominicais, como os

demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião’), entendeu que inexiste

usucapião de imóveis públicos decorrente de legislação estadual, ainda que se trate

de terras devolutas pertencentes ao Estado (RE 4.369/SP, j. 21.9.1943). Incabível,

assim, a pretensão de usucapião extraordinário (e de desnecessidade de comprovação de justo

título) com base no Decreto-Lei de SP 14.916/1945. 14. Recurso Especial de Wilson Rondó

Júnior e outros não conhecido. Recurso Especial de Ponte Branca S/A e outro parcialmente

conhecido e, nessa parte, não provido. Recursos Especiais de Antônio dos Santos Vardasca,

Willian Branco Peres e outros conhecidos e não providos” (STJ, REsp 617.428/SP, Rel. Ministro

HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/08/2010, DJe 27/04/2011).

5. 3. POSSE AGRÁRIA.

5. 3. 1. CONCEITO E EFEITOS JURÍDICOS.

- Conforme Antônio José de Mattos Neto: “Posse agrária é o exercício direto, contínuo, racional e pacífico

de atividades agrárias desempenhadas em gleba de terra rural capaz de dar condições suficientes e

necessárias ao seu uso econômico, gerando ao possuidor um poder jurídico de natureza real definitiva

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Material do professor Flávio Tartuce

com amplas repercussões no Direito, tendo em vista o seu progresso e bem-estar econômico e social”.

- Para Getúlio Targino: “Posse agrária é o exercício direto, contínuo, racional e pacífico, pelo possuidor, de

atividade agrária desempenhada sobre um imóvel rural, apto a desfrute econômico, gerando a seu favor

um direito de natureza real especial, de variadas consequências jurídicas e visando ao atendimento de

suas necessidades socioeconômicas, bem como da sociedade”.

- Desse modo, a posse agrária teria os seguintes elementos fundamentais:

POSSE AGRÁRIA = SUJEITO + ATIVIDADES AGRÁRIAS + BENS AGRÁRIOS.

- Como se nota, os agraristas defendem a existência de um direito real especial, que supera o rol do art.

1.225 do CC. Assim, reafirma-se a tese de que o rol dos direitos reais é meramente exemplificativo

(numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus).

- A posse agrária não se confunde com a posse civil comum (art. 1.196 do CC), pois é uma posse

qualificada pela função social (teoria da função social da posse, de Perozzi, Saleilles e Hernandez Gil).

Entre os agraristas, Benedito Ferreira Marques e Lucas Abreu Barros associam a posse agrária à posse-

trabalho, posse qualificada que consta do Código Civil de 2002 em vários dispositivos.

- Como CARACTERÍSTICA PRINCIPAL, na posse agrária há o exercício de atividades agrárias sobre o

imóvel rural. Dessa forma, a posse agrária é sempre direta, pessoal e imediata, não admitindo a posse

indireta. Assim, a classificação da posse quanto ao desdobramento não se aplica à posse agrária

(art. 1.197 do CC).

- São os principais efeitos da posse agrária: a) aquisição do imóvel rural público ou particular, pelos

institutos a seguir estudados; b) direito à indenização por benfeitorias; c) direito de retenção da coisa; d)

defesa possessória. Os efeitos são, em parte, similares à posse comum, com a diferença da aquisição

restritiva do imóvel público.

- São institutos diretos relacionados à posse agrária a legitimação de posse (sobre terras devolutas,

públicas) e a regularização de posse (sobre terras devolutas, públicas). A usucapião agrária (terras

particulares), estudada a seguir, também tem relação com o instituto, pois nasce da posse agrária.

5. 3. 2. DA LEGITIMAÇÃO DE POSSE.

- A legitimação de posse foi instituída pela Lei de Terras (art. 5º), atribuindo contornos jurídico-legais à

situação de fato constatada na época (problema social gerado com ocupações de pequenas áreas de

terras por pequenos lavradores).

- RECAI SOBRE TERRAS DEVOLUTAS, TERRAS PÚBLICAS.

- Criou a figura jurídica do posseiro: aquele que tem posse em terras devolutas, acrescida de outros

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requisitos legais à titulação (Pontes de Miranda).

- CONCEITO: trata-se de um ato administrativo, através do qual o Poder Público reconhece ao particular

sua condição de legitimidade, outorgando o formal domínio pleno (Lima Stefanini).

- Constitui uma forma de alienação de terras devolutas. Representam o atendimento ao princípio da

despublicização dos imóveis rurais públicos.

- A regulamentação da legitimação de posse consta dos arts. 29 a 31 da Lei n. 6.383/1976. Vejamos as

regras fundamentais:

“Art. 29. O ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua

família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100 (cem) hectares, desde que preencha os

seguintes requisitos:

I - não seja proprietário de imóvel rural;

II - comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano.

§ 1o A regularização da ocupação de que trata este artigo consistirá no fornecimento de uma Licença de

Ocupação, pelo prazo mínimo de mais quatro anos, findo o qual o ocupante terá a preferência para

aquisição do lote pelo valor mínimo estabelecido em planilha referencial de preços, a ser periodicamente

atualizada pelo INCRA, utilizando-se dos critérios relativos à ancianidade da ocupação, às diversificações

das regiões em que se situar a respectiva ocupação e à dimensão de área. (Redação dada pela Medida

Provisória nº 458, de 2009)

§ 2º - Aos portadores de Licenças de Ocupação, concedidas na forma da legislação anterior, será

assegurada a preferência para aquisição de área até 100 (cem) hectares, nas condições do parágrafo

anterior, e, o que exceder esse limite, pelo valor atual da terra nua“.

- Benedito Marques aponta que a Licença de Ocupação (L. O) não atribui a propriedade, sendo um

documento provisório inócuo do ponto de vista prático. E pergunta: como oferecer o bem em hipoteca

para a obtenção de financiamentos bancários para a produção? O jurista faz críticas contundentes em

relação à categoria, diante de dificuldades de sua efetivação.

- ATENÇÃO: O instituto tem natureza administrativa, conforme o art. 99 do Estatuto da Terra (Lei n.

4.504/1964). Estabelece esse dispositivo que “A transferência do domínio ao posseiro de terras devolutas

federais efetivar-se-á no competente processo administrativo de legitimação de posse, cujos atos e

termos obedecerão às normas do Regulamento da presente Lei”

- A legitimação de posse é obrigatória e gratuita, constituindo forma de concretização da função social da

posse e da propriedade (art. 5º, inc. XXIII, da CF/1988).

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- A legitimação da posse consta, mais recentemente, da Lei do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei n.

11.977/2009, art. 59). Existem, portanto, tentativas concretas de sua ampliação.

Conceito histórico importante. Registro Paroquial. Consta do Regulamento da Lei de Terras (Decreto nº

1.138, de 1854). Os possuidores de terras, para atenderem ao disposto no artigo 5º da Lei de Terras,

possibilitando a legitimação da posse, ficaram obrigados a proceder ao registro das mesmas junto às

respectivas paróquias, oportunidade em que deveriam provar a posse mansa e pacifica, via dos

respectivos títulos ou provas de estarem as mesmas já cultivadas ou em princípio de cultura. O art. 97 do

regulamento previa que o registro caberia aos vigários das respectivas freguesias do Império.

5. 3. 3. DA REGULARIZAÇÃO DA POSSE.

- Foi instituída pela Constituição Federal de 1946 (art. 156, § 1º).

- A regularização da posse institui um direito de preferência para A AQUISIÇÃO DE TERRAS DEVOLUTAS,

em função da posse agrária (direito de preempção ou prelação legal).

- CONCEITO: segundo Lima Stefanini, trata-se de um modo derivado, oneroso e preferencial de aquisição

de terras públicas, mediante procedimento típico do órgão executivo, em benefício daqueles que, estando

na posse dessas terras na forma da lei, provocam a liberalidade do Poder Público de alienar-lhes as terras

apossadas, independentemente de concorrência pública.

- O instituto está regulamentado pelo art. 97 do Estatuto da Terra e pela Lei n. 9.636, de 15.05.1998.

“Art. 97. Quanto aos legítimos possuidores de terras devolutas federais, observar-se-á o seguinte:

I - o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá a discriminação das áreas ocupadas por posseiros,

para a progressiva regularização de suas condições de uso e posse da terra, providenciando, nos casos e

condições previstos nesta Lei, a emissão dos títulos de domínio;

II - todo o trabalhador agrícola que, à data da presente Lei, tiver ocupado, por um ano, terras devolutas,

terá preferência para adquirir um lote da dimensão do módulo de propriedade rural, que for estabelecido

para a região, obedecidas as prescrições da lei”.

- Quanto à natureza jurídica do instituto, trata-se de categoria administrativa, com caracteres peculiares à

compra e venda. É facultativa e onerosa.

- Questão interessante: o que ocorre se o posseiro for preterido no seu direito de preferência? Para

Benedito Ferreira Marques cabe a ação de adjudicação compulsória, regulamentada pelo Decreto-lei n.

58/1937. O direito à adjudicação da coisa em benefício daquele que tem a posse agrária também pode ser

retirado do art. 504 do CC, que trata do direito de preferência legal do condômino.

5. 4. DA USUCAPIÃO AGRÁRIA.

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- Qual o termo correto? A usucapião ou o usucapião. Preferir o termo mais atual, que consta do CC/2002:

a usucapião (a prescrição aquisitiva). Benedito Marques utiliza o termo no masculino, bem como a maioria

dos agraristas.

- Os civilistas chamam a modalidade de usucapião especial rural ou de usucapião constitucional rural.

Para os agraristas, não seria uma usucapião especial, pois a usucapião especial é a indígena (art. 33 do

Estatuto do Índio) – Benedito Marques e Raymundo Laranjeira.

- Em relação aos termos rural e agrário, já foi explicada a preferência pelo último entre os juristas da

área, pela questão da destinação do imóvel e pela valorização da ATIVIDADE.

- Trata-se de usucapião de imóveis rurais em favor do posseiro da área agrária. É denominado usucapião

pro labore diante da valorização da posse-trabalho, caracterizada pela utilização econômica do bem

possuído, através do trabalho.

- Regulamentação: Lei n. 6.969, de 10.12.1981, que consagrou seus aspectos materiais e processuais;

Constituição Federal, art. 191; Código Civil, art. 1.239.

- Dispõe o caput do art. 191 do Texto Maior que “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou

urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não

superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua

moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”. A regra foi reproduzida, na literalidade, pelo art. 1.239 do

CC/2002.

- No que concerne aos requisitos dessa usucapião agrária, podem ser apontados os seguintes:

a) Imóvel localizado em zona rural, com até 50 ha.

b) Posse mansa, pacífica (sem oposição) e ininterrupta, por cinco anos.

b) O adquirente não pode ser proprietário de outro imóvel seja urbano ou rural.

c) Desenvolvimento de uma atividade produtiva pelo possuidor ou por sua família, tendo ainda a

constituição da moradia (posse-trabalho ou posse agrária). Diante desse requisito há a utilização do

termo pro labore.

- Não há qualquer previsão quanto ao justo título e à boa-fé, pois tais elementos se presumem de forma

absoluta (presunção iure et de iure) pela destinação que foi dada ao imóvel, atendendo à sua função

social.

- Além desses requisitos gerais, cumpre destacar que o art. 3.º da Lei 6.969/1981 proíbe que a

usucapião agrária ocorra nas seguintes áreas:

– Áreas indispensáveis à segurança nacional.

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– Terras habitadas por silvícolas. Em casos tais, há a usucapião indígena.

– Áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e

os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada

aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente.

- Na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado 312 do CJF/STJ: “Observado o teto

constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o

módulo rural e a atividade agrária regionalizada”. De acordo com as justificativas do enunciado

doutrinário, apresentado por Paulo Henrique Cunha da Silva, não assiste razão para que a modalidade

especial de aquisição seja para áreas superiores ou inferiores a um módulo. O inciso II, do art. 4.º, do

Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), define como propriedade familiar o imóvel rural que, direta e

pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-

lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de

exploração, e eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros, sendo o módulo rural uma unidade de

medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação

geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico.

- Também da IV Jornada de Direito Civil, o Enunciado 313 do CJF/STJ, de Aldemiro Dantas, estabelece

que “Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da

usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir”. O enunciado não

conta com o nosso apoio, pois apegado a um excessivo rigor formal. Entre os agraristas, Benedito Ferreira

Marques prega uma relativização da regra em casos excepcionais, pois o que interessa é a posse-trabalho

(função social da posse e da propriedade).

- QUESTÃO POLÊMICA INTERESSANTE. Dispõe o art. 1.243 do CC que o possuidor pode, para o fim de

contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores

(art. 1.207); contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título

e de boa-fé. A primeira parte do dispositivo trata da accessio possessionis, que vem a ser a soma dos

lapsos temporais entre os sucessores, sejam eles sucessores inter vivos ou mortis causa (soma de

posses). Na IV Jornada de Direito foi aprovado um enunciado doutrinário sobre o instituto da soma de

posses com os fins de usucapião, o de número 317, prevendo que “A accessio possessionis, de que trata o

art. 1.243, primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e

1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural,

arts. 183 e 191, respectivamente”. O enunciado é de autoria de Lucas Abreu Barroso, contando com o

apoio de Benedito Silvério Ribeiro e Benedito Ferreira Marques. Anote-se que Venosa entende pela

aplicação do instituto para qualquer modalidade de usucapião. O entendimento majoritário indica que a

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Material do professor Flávio Tartuce

posse agrária para os fins de usucapião deve ser direta e pessoal, não cabendo a soma das posses para

os devidos fins.

- A usucapião agrária é restrita a terras particulares (art. 191, parágrafo único, da CF/1988). O art. 2.º da

Lei n. 6.969/1981 é expresso ao admitir a usucapião agrária de terras devolutas. Porém, o dispositivo

vem sendo encarado, por maioria, como incompatível ao art. 191, parágrafo único, da Constituição

Federal de 1988. Em suma, tem-se concluído que o art. 2.º da Lei 6.969/1981 não foi recepcionado pelo

Texto Maior.

- Vale ressaltar a crítica doutrinária de que os bens públicos deveriam ser usucapíveis, quando não há

atendimento da função social pelo Estado, o que inclui as terras devolutas (Celso Bastos, Lucas Barrosos,

Benedito Ferreira Marques, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald).

- A ação de usucapião agrária corre na Comarca de situação do imóvel (art. 4º da Lei n. 6.969/1981).

- O art. 5º da Lei 6.969/1981 prevê o rito sumaríssimo, que corresponderia ao atual rito sumário (art. 275

do CPC). Não obstante o rito ser sumário, admite-se a audiência de justificação prévia de justificação da

posse (art. 5º, § 1º). Tal realidade é criticada por Benedito Ferreira Marques, pois gera demora

processual, uma vez que o prazo para contestação pelo réu é contado da data da intimação da decisão

que declarar justificada a posse (art. 5º, § 4º). Assim, o rito não seria tão sumário assim. Benedito

Marques cita doutrina e jurisprudência pela aplicação do rito processual previsto no CPC (arts. 942 a 945).

No mesmo sentido Theotônio Negrão entende pela aplicação do rito especial, entendimento esse que vem

sendo considerado como majoritário. Por essa corrente, seria dispensável a audiência de justificação

prevista na lei específica.

- Cabem os benefícios da justiça gratuita, nos termos do art. 6º da Lei 6.969/1981.

- A usucapião agrária pode se invocada como matéria de defesa, como qualquer modalidade de usucapião

(Súmula 237 do STF). Atenção para a redação do art. 7.º da Lei n. 6.969/1981 “A usucapião especial

poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para

transcrição no Registro de Imóveis”.

TEMA PARA ESTUDO COMPLEMENTAR. PROPRIEDADE E POSSE DOS INDÍGENAS. INDIGENATO.

- O termo indigenato é de José Afonso da Silva, exprimindo a proteção dominial e possessória dos

indígenas. A matéria está tratada pelo art. 231 da Constituição Federal.

- Prevê o caput do dispositivo constitucional que são reconhecidos aos índios sua organização social,

costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente

ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Trata-se de um direito congênito dos indígenas (questão já solicitada em AGU).

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Material do professor Flávio Tartuce

- São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as

utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais

necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,

costumes e tradições (§1º).

- As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o

usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (§2º).

- O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das

riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional,

ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma

da lei (§3º).

- As terras do indigenato são bens da União e, portanto, inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre

elas, imprescritíveis (§4º).

- É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional,

em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do

País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo

que cesse o risco (§5º).

- São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos e negócios que tenham por objeto a

ocupação e transmissão das terras objeto de indigenato (§6º).

- Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de

seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo (art. 232 da

CF/1988).

FONTES DE PESQUISA.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Lucas Abreu Barroso.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Maurício Bunazar.

BARROSO, Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão. O Direito Agrário na

Constituição. São Paulo: Forense, 2ª Edição, 2006.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. Rio de Janeiro: Lúmen Juris.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Atlas, 9ª Edição, 2011.

OPITZ, Silvio C. B; OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. São Paulo: Saraiva, 5ª Edição,

2011.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar.

Page 33: Direito Agrario 1

33

Material do professor Flávio Tartuce

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Volume 4. Direito das Coisas. São Paulo: Método.

REDE DE ENSINO LFG.

DIREITO AGRÁRIO. AULA 3.

PROFESSOR FLÁVIO TARTUCE.

MATERIAL DE APOIO.

5. 5. REFORMA AGRÁRIA E DESAPROPRIAÇÃO AGRÁRIA.

- REFORMA AGRÁRIA. CONCEITUAÇÃO FUNDAMENTAL. Como aponta Benedito Ferreira Marques,

reformare quer dizer dar nova forma, refazer, reformar, corrigir, transformar. ESSE SERIA O

COMPROMISSO DO DIREITO AGRÁRIO.

- O Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964) define a reforma agrária no seu art. 1º, § 1º: “Considera-se

Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante

modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento

de produtividade”.

- Para Raymundo Laranjeira, pela Reforma Agrária o Estado altera a situação atual da posse e da

propriedade agrária. São suas características:

• É uma forma de intervenção do Estado na propriedade privada.

• É peculiar a cada país.

• É transitória (fenômeno episódico).

• Tem previsão de áreas mínimas e máximas.

• Depende de uma Política Agrária eficiente (art. 187, §2º, da CF/1988).

- Conforme o art. 16 do Estatuto da Terra, a Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações

entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o

bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do

minifúndio e do latifúndio. O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária é o órgão competente para promover

e coordenar a execução dessa reforma.

- Um dos principais meios de sua efetivação privatista é a desapropriação agrária por interesse social, que

foi instituída pela Constituição de 1946 (art. 147 e art. 141, § 16). Quanto à sua natureza jurídica,

Benedito Ferreira Marques segue Pontes de Miranda, afirmando que se trata de um ato jurídico

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Material do professor Flávio Tartuce

stricto sensu e não um negócio jurídico (compra e venda). Afirma o agrarista que “A melhor orientação,

portanto, parecer ser a que considera a desapropriação um instituto misto, pois tanto abrange o conteúdo

constitucional como Direito Administrativo, de Processo Civil e de Direito Civil”.

- A desapropriação é o procedimento pelo qual o Poder Público (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder

Judiciário) retira certo bem da esfera jurídica alheia mediante indenização. A desapropriação não se

confunde com a usucapião, pois a última não é ato de autoridade como o é a desapropriação. Isso não

significa que o Poder Público não possa usucapir, apenas significa que quando adquire por usucapião age

como qualquer pessoa jurídica particular. Ademais, não se admite no Brasil a usucapião onerosa.

- Desapropriação x Expropriação. Os dicionários tratam as expressões como sinônimas fazendo com que

alguns juristas cheguem à conclusão de que são institutos idênticos. No entanto, a Constituição Federal

faz distinção na medida em que a expropriação consiste na retirada de bem da esfera jurídica alheia por

ato de Autoridade sem qualquer indenização. A modalidade consta do Título IX das Disposições

Constitucionais Gerais em seu artigo 243: “As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas

culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas

ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer

indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. O último instituto é

regulamentado pela Lei n. 8.257/1991.

- A desapropriação agrária, por interesse social, para fins de reforma agrária é prevista no artigo 184 da

CF/1988:

“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural

que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida

agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do

segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a

União a propor a ação de desapropriação.

§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o

processo judicial de desapropriação.

§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante

de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.

§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis

desapropriados para fins de reforma agrária”.

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Material do professor Flávio Tartuce

“Art. 189. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de

domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.

Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a

ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei”.

- Nota-se que o regime da desapropriação agrária é diferente do previsto no artigo 5º inciso XXIV da

Constituição Federal “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade

pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos

previstos nesta Constituição”.

- Isso porque a desapropriação agrária tem caráter de sanção, pelo descumprimento da função social da

propriedade. Evidencia-se esse caráter pela forma de pagamento da indenização (Títulos da Dívida

Agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até 20 anos a partir do 2º ano

de sua emissão).

- Atente-se que o parágrafo 1º do artigo 184 da CF/1988 determina que as benfeitorias necessárias e

úteis sejam indenizadas em dinheiro.

- Nos termos do art. 18 do Estatuto da Terra são finalidades da desapropriação agrária:

• Condicionar o uso da terra à sua função social.

• Promover a justa e adequada distribuição da propriedade.

• Obrigar a exploração racional da terra.

• Permitir a recuperação social e econômica de regiões.

• Estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica.

• Efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais.

• Incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural.

• Facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de

preservá-los de atividades predatórias.

- Quanto à competência para a desapropriação agrária, compete à União que exerce a atribuição por meio

do INCRA – Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária.

CUIDADO: Os Poderes Executivos Federal, Estadual e Municipal, podem desapropriar, porém, para fins de

reforma agrária apenas a União pode fazê-lo (art. 20 do Estatuto da Terra).

- Há duas normas que regulam a desapropriação para fins de reforma agrária: a Lei complementar n.

76/1993, que ficou conhecida como lei processual da reforma agrária, e a Lei n. 8.629/1993, lei material

da reforma agrária.

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Material do professor Flávio Tartuce

- A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 185 estabelece certa proteção contra desapropriação para

fins de reforma agrária. Vejamos.

a) São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade

rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra.

A Lei n. 8.629/1993 (art. 4º) prevê os conceitos de pequena e média propriedade, a partir do parâmetro

do módulo fiscal, que é uma unidade referencial que varia de município para município:

- PEQUENA PROPRIEDADE – 1 A 4 MÓDULOS FISCAIS.

- MÉDIA PROPRIEDADE – 4 A 15 MÓDULOS FISCAIS.

- GRANDE PROPRIEDADE – ACIMA DE 15 MÓDULOS FISCAIS.

O MÓDULO FISCAL FOI CRIADO PELA LEI 6.746/1976, VARIANDO DE 5 A 110 HECTARES, DE MUNICÍPIO

PARA MUNICÍPIO.

- Há de se notar que essa vedação à desapropriação é unicamente para fins de reforma agrária. Desse

modo, é perfeitamente possível a desapropriação prevista no artigo 5º, inciso XXIV da CF/1988.

- O STF pacificou o entendimento de que as pequenas e médias propriedades rurais, em tema de reforma

agrária, são constitucionalmente insuscetíveis de desapropriação sanção a que se refere o artigo 184 da

CF/1988, sejam elas produtivas ou não, desde que o proprietário de tais prédios não possua outra

propriedade rural. Vejamos:

“CONSTITUCIONAL. AGRÁRIO. REFORMA AGRÁRIA. PEQUENA E MÉDIA PROPRIEDADE. C.F., art. 185, I.

MATÉRIA CONTROVERTIDA. I. - A pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não

possua outra, são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: C.F., art. 185, I. A

classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande subordina-se à extensão da área, vale

dizer, da área medida. II. - No caso, não houve a demonstração de que o expropriado não possui outra

propriedade. III. - Alegação no sentido de que o imóvel encontra-se enquadrado no Programa de

Recuperação da Lavoura Cacaueira e hipotecado ao Banco do Brasil (Lei 8.629/93, art. 7º). Inexistência

de prova de satisfação dos requisitos do art. 7º da Lei 8.629/93. IV. - Fatos que autorizam a impetração

devem ser incontroversos, por isso que no processo do mandado de segurança não há dilação probatória.

V. - M.S. indeferido” (STF, MS 24719/DF, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 22/04/2004,

Tribunal Pleno).

Ou ainda:

“A pequena e a média propriedades rurais, cujas dimensões físicas ajustem-se aos parâmetros fixados em

sede legal (Lei nº 8.629/93, art. 4º, II e III), não estão sujeitas, em tema de reforma agrária (CF, art.

184), ao poder expropriatório da União Federal, em face da cláusula de inexpropriabilidade

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Material do professor Flávio Tartuce

fundada no art. 185, I, da Constituição da República, desde que o proprietário de tais prédios rústicos -

sejam eles produtivos ou não - não possua outra propriedade rural. A prova negativa do domínio, para os

fins do art. 185, I, da Constituição, não incumbe ao proprietário que sofre a ação expropriatória da União

Federal, pois o ‘onus probandi’, em tal situação, compete ao poder expropriante, que dispõe, para esse

efeito, de amplo acervo informativo resultante dos dados constantes do Sistema Nacional de Cadastro

Rural. Precedente” (STF, MS 23006 / PB – PARAÍBA, MANDADO DE SEGURANÇA, Relator(a): Min. CELSO

DE MELLO, Julgamento: 11/06/2003, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

- A redação do inciso I do artigo 185 cumulada com as interpretações do STF permite defender que a

existência de imóvel urbano não será capaz de afastar a proteção constitucional.

b) São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: II - a propriedade produtiva.

- Quanto a este inciso existem duas correntes doutrinárias:

1ª corrente: Liderada por José Afonso da Silva. Para os adeptos dessa corrente não é possível a

desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade produtiva, pois foi opção do constituinte

originário protegê-la. Qualquer interpretação tendente a permitir essa desapropriação será uma

interpretação apaixonada e, por isso, não científica. Nesse sentido: “TERRA PRODUTIVA. COMPROVAÇÃO

MEDIANTE LAUDO DO PRÓPRIO INCRA OFERECIDO EM PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO ANTERIOR E

POSTERIORMENTE NÃO CONSUMADO. VERIFICADO QUE O IMÓVEL RURAL É PRODUTIVO TORNA-SE ELE

INSUSCETÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO PARA OS FINS DE REFORMA AGRÁRIA. MANDADO DE

SEGURANÇA DEFERIDO” (STF, MS 22193/SP, Mandado de Segurança, Relator Ministro Ilmar Galvão,

Relator para o acórdão Min. Maurício Corrêa, Julgamento em 21.03.1996, Tribunal Pleno).

2ª corrente: Entendimento dos agraristas (Lucas Abreu Barroso, Benedito Marques, Elisabete Maniglia). A

propriedade produtiva pode ser desapropriada para fins de reforma agrária caso não cumpra os demais

requisitos caracterizadores de sua função social. Assim, o art. 185 da CF/1988 deve ser interpretado em

conjunto com os arts. 184 e 186 do mesmo Texto. Podem ser utilizadas as palavras de Eros Grau: “a

Constituição não pode ser interpretada em fatias”. O STF também já adotou esse entendimento,

segundo o qual o imóvel produtivo que não atende à função social da propriedade pode ser desapropriado

para fins de reforma agrária (STF, MS 22164/SP, Mando de Segurança, Relator Ministro Celso de Mello,

Julgamento em 30.10.1995, Tribunal Pleno). Foi aplicado o art. 9º da Lei 8.629/1993, que repete os

mesmos parâmetros para o atendimento da função social da propriedade do art. 186 da CF/1988.

- O art. 6º da Lei n. 8.629/1993 estabelece parâmetros para o conceito de atividade produtiva:

• Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge,

simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices

fixados pelo órgão federal competente.

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Material do professor Flávio Tartuce

• O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80%

(oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área

aproveitável total do imóv.l..

• O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento),

e será obtido de acordo com a seguinte sistemática: I - para os produtos vegetais, divide-se a

quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo

órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea; II - para a exploração

pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação

estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea.

• Considera-se efetivamente utilizadas: I - as áreas plantadas com produtos vegetais; II - as áreas

de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo

Poder Executivo; III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices

de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião

Homogênea, e a legislação ambiental; IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo

com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente; V - as

áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas

permanentes, tecnicamente conduzidas e devidamente comprovadas, mediante documentação e

Anotação de Responsabilidade Técnica.

- Debate-se a possibilidade de desapropriação de imóvel onde situada empresa rural (tema apontado por

Opitz). Pelo que consta do art. 19 do Estatuto da Terra não seria possível a desapropriação agrária.

Todavia, discute-se se o texto foi recepcionado ou não pela CF/1988.

- O art. 20 do Estatuto da Terra estabelece que são áreas prioritárias para fins de desapropriação agrária:

I - os minifúndios e latifúndios;

II - as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto;

III - as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades predatórias, recusando-se a pôr em prática

normas de conservação dos recursos naturais;

IV - as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir

seus objetivos;

V - as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros;

VI - as terras cujo uso atual, estudos levados a efeito pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

comprovem não ser o adequado à sua vocação de uso econômico.

- Nos termos do art. 7º da Lei 8.629/1993 não será passível de desapropriação, para fins de reforma

agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de projeto técnico que

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Material do professor Flávio Tartuce

atenda aos seguintes requisitos: a) seja elaborado por profissional legalmente habilitado e identificado; b)

esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente previsto, não admitidas prorrogações dos

prazos; c) preveja que, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total aproveitável do imóvel seja

efetivamente utilizada em, no máximo, 3 (três) anos para as culturas anuais e 5 (cinco) anos para as

culturas permanentes; d) haja sido aprovado pelo órgão federal competente, na forma estabelecida em

regulamento, no mínimo seis meses antes da comunicação prévia para os fins de desapropriação.

- Conforme o art. 8º da Lei 8.629/1993, ter-se-á como racional e adequado o aproveitamento de imóvel

rural, quando esteja oficialmente destinado à execução de atividades de pesquisa e experimentação que

objetivem o avanço tecnológico da agricultura. Para os fins deste artigo só serão consideradas as

propriedades que tenham destinados às atividades de pesquisa, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da

área total aproveitável do imóvel, sendo consubstanciadas tais atividades em projeto: I - adotado pelo

Poder Público, se pertencente a entidade de administração direta ou indireta, ou a empresa sob seu

controle; II - aprovado pelo Poder Público, se particular o imóvel.

- Além disso, são consideradas como não aproveitáveis para os fins de desapropriação agrária (art. 10 da

Lei 8.629/1993): I - as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a

fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de peixes e outros

semelhantes; II - as áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de exploração agrícola,

pecuária, florestal ou extrativa vegetal; II - as áreas sob efetiva exploração mineral; IV - as áreas de

efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à conservação dos

recursos naturais e à preservação do meio ambiente.

- O art. 12 da Lei n. 8.629/1993 prevê os parâmetros para a fixação da justa indenização. “Considera-se

justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as

terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes

aspectos”:

• I - localização do imóvel.

• II - aptidão agrícola.

• III - dimensão do imóvel.

• IV - área ocupada e ancianidade das posses.

• V - funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias.

FASES DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE

REFORMA AGRÁRIA (Lei complementar n. 76/1993 E Lei n. 8.629/93).

1º FASE. VISTORIA PRÉVIA.

→ É o procedimento administrativo pelo qual o INCRA analisa o imóvel a fim de verificar se os requisitos

que compõem a noção de função social estão sendo cumpridos.

→ A vistoria prévia pode ser realizada:

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Material do professor Flávio Tartuce

• Por agentes do INCRA que ingressam pessoalmente no imóvel;

• Fotografias por satélite – são tiradas fotografias dentro de certos espaços de tempo a fim de

avaliar a evolução produtiva daquela propriedade;

• Por GPS – o sistema de posicionamento global permite analisar as condições geográficas do

imóvel, o que era realizado por meio de agrimensor.

→ Em razão de sucessivos mandados de segurança concedidos pelo STF a fim de permitir o contraditório

no procedimento de vistoria prévia foi editada a medida provisória n° 2.183 que alterou a lei n° 8.629/93

a fim de incluir o contraditório.

2ª FASE. DECRETO EXPROPRIATÓRIO.

→ Todas as modalidades de desapropriação promovidas pelo Poder Executivo têm como fase necessária o

decreto expropriatório que deve ser emitido pelo Chefe do Poder Executivo.

→ No caso da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, cabe ao Presidente da

República a autoria do decreto.

→ Eventual impugnação judicial do decreto deve ser realizada por via de mandado de segurança, cuja

competência originária é do STF.

ATENÇÃO: A natureza jurídica do decreto expropriatório é a de ato administrativo concreto (visa pessoa

certa). O decreto caduca em dois anos do decreto presidencial, dentro dos quais a desapropriação deve

ser feita amigavelmente (caso em que será realizada por escritura pública) ou judicialmente.

3ª FASE. FASE JUDICIAL.

→ Pressupõe que não houve acordo entre os envolvidos (União e proprietário).

→ Pontos da petição inicial e da ação de desapropriação:

• A legitimidade ativa é do INCRA.

• A legitimidade passiva é do proprietário do imóvel, devendo ser extinta sem julgamento do mérito

ação proposta contra quem tem apenas a posse da coisa (ilegitimidade passiva).

Jurisprudência recente reconheceu a legitimidade ativa do compromissário comprador, em ação

própria, para afastar a desapropriação, sob o argumento de ser a terra produtiva:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 105, III, A, DA CF/1988 ADMINISTRATIVO. IMÓVEL

EM PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA.

AÇÃO ORDINÁRIA QUE OBJETIVA DECLARAÇÃO DE PRODUTIVIDADE DA GLEBA. ARRENDATÁRIOS E

PROMITENTES COMPRADORES DE IMÓVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADA.

LEGITIMIDADE ATIVA. ARTS. 3.º E 7.º, DO CPC. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 84/STJ. 1. O promitente

comprador ostenta legitimidade ativa para propor ação que tenha por objeto a tutela de

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Material do professor Flávio Tartuce

direitos reais sobre o imóvel, ainda que o respectivo contrato de promessa de compra e venda não

tenha sido registrado no Cartório de Registro Imobiliário. Inteligência do Enunciado n.º 84, da Súmula

do Superior Tribunal de Justiça, verbis: ‘É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em

alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do

registro’. 2. Precedentes em situações análogas: AgRg no Ag 952.361/DF, Rel. Ministro José Delgado,

Primeira Turma, julgado em 01/04/2008, DJe 17/04/2008; REsp 132.486/RJ, Rel. Ministro João Otávio

de Noronha, Segunda Turma, julgado em 08/03/2005, DJ 02/05/2005, p. 255. 3. Na hipótese sub

judice, cuida-se de ação em que os arrendatários e promitentes compradores pleiteiam a declaração

de produtividade do imóvel e a sua consequente insuscetibilidade de ser desapropriado para fins de

reforma agrária, sendo certo que o Tribunal a quo afastou a legitimidade dos promitentes sob o

fundamento de ausência de registro imobiliário do contrato de promessa de compra e venda, e que o

contrato de arrendamento registrado não atribui direitos reais, mas tão-somente direitos pessoais. 4.

Por outro lado, à míngua de pronunciamento nos autos acerca do contrato de promessa de compra e

venda ou mesmo dos termos da avença, impõe-se a reforma do aresto regional tão-somente para

conjurar a necessidade do registro imobiliário como requisito de aferição da legitimidade ativa dos

promitentes compradores. 5. Recurso especial conhecido e provido (STJ, REsp 1181797/RS, Rel.

Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 14/04/2011).

• O rito é o sumário, previsto na Lei Complementar 76/1993.

• A competência é da Justiça Federal (art. 2º, §1º, da Lei Complementar 76/1993),

• A ação de desapropriação deverá ser proposta dentro do prazo de dois anos, contado da

publicação do decreto declaratório (art. 3º da LC 76/1993).

• Conforme o art. 6º da Lei Complementar 76/1993, O juiz, ao despachar a petição inicial, de plano

ou no prazo máximo de quarenta e oito horas: I - mandará imitir o autor na posse do imóvel; II -

determinará a citação do expropriando para contestar o pedido e indicar assistente técnico, se

quiser; III - expedirá mandado ordenando a averbação do ajuizamento da ação no registro do

imóvel expropriando, para conhecimento de terceiros.

• A ação de desapropriação agrária é preferencial e prejudicial em relação a outras, caso da ação

possessória (art. 18 da LC 76/1993).

• É obrigatória a intervenção do MPF (art. 18 da LC 76/1993).

• Como toda petição inicial, devem ser observados os requisitos do art. 282 do CPC com as

seguintes peculiaridades: a) deve haver pedido específico de desapropriação e registro do imóvel

em nome do INCRA.; b) devem ser anexados à petição inicial o laudo de vistoria prévia,

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Material do professor Flávio Tartuce

documentos comprobatórios da propriedade, mapa da área com detalhamento das benfeitorias e

descrição das culturas vegetais e animais.

• O valor da indenização é composto da seguinte maneira: a) para terra nua e benfeitorias

voluptuárias – títulos da dívida agrária (TDA); b) para as benfeitorias úteis e necessárias –

dinheiro.

OBSERVAÇÕES FINAIS IMPORTANTES A RESPEITO DA DESAPROPRIAÇÃO AGRÁRIA.

OBSERVAÇÃO 1: Mesmo sendo a terra improdutiva, cabem juros compensatórios na desapropriação

agrária desde a imissão na posse: “Os juros compensatórios destinam-se a compensar o que o

desapropriado deixou de ganhar com a perda antecipada do imóvel, ressarcir o impedimento do uso e

gozo econômico do bem, ou o que deixou de lucrar, motivo pelo qual incidem a partir da imissão na posse

do imóvel expropriado, consoante o disposto no verbete sumular n.º 69 desta Corte: ‘Na desapropriação

direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação

indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel’. 2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento

de que os juros compensatórios são devidos mesmo quando o imóvel desapropriado for improdutivo,

justificando-se a imposição pela frustração da ‘expectativa de renda’, considerando a possibilidade do

imóvel "ser aproveitado a qualquer momento de forma racional e adequada, ou até ser vendido com o

recebimento do seu valor à vista’ (AEREsp 453.823/MA, relator para o acórdão Ministro Castro Meira, DJ

17.5.2004) 3. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.111.829/SP, DJe

25/5/2009, sob o regime do art. 543-C do CPC, considerou que os juros compensatórios, em

desapropriação, são devidos no percentual de 12% ao ano, nos termos da Súmula 618/STF, exceto no

período compreendido entre 11.06.1997 (início da vigência da Medida Provisória 1.577, que reduziu essa

taxa para 6% ao ano), até 13.09.2001 (data em que foi publicada decisão liminar do STF na ADIn

2.332/DF, suspendendo a eficácia da expressão ‘de até seis por cento ao ano’, do caput do art. 15-A do

Decreto-lei 3.365/41, introduzido pela mesma MP)” (STJ, (AgRg no Ag 1303046/RJ, Rel. Ministro

BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 27/05/2011). Existem

numerosos julgados no mesmo sentido. Foi reproduzida uma das últimas decisões, para os fins de

esclarecimento.

OBSERVAÇÃO 2: A ação será extinta sem julgamento do mérito se não contiver o texto do decreto

expropriatório, o comprovante do lançamento dos títulos da dívida ativa e o comprovante do depósito

judicial da parte a ser paga em dinheiro.

OBSERVAÇÃO 3: Para o STF não cabe mandado de segurança para dizer se imóvel é produtivo, porque

isso demandaria dilação probatória incompatível com a via do MS (STF, MS 24547/DF, Relatora: Min.

ELLEN GRACIE

Julgamento: 14/08/2003, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

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Material do professor Flávio Tartuce

OBSERVAÇÃO 4: A ausência de notificação prévia à vistoria administrativa enseja nulidade absoluta do

ato, conservando-se apenas e eventualmente os atos que não dependerem da vistoria prévia (STF, MS

24178/DF, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 01/10/2009, Órgão Julgador: Tribunal

Pleno).

OBSERVAÇÃO 5. Enuncia o art. 2º, § 6º, da Lei n. 8.629/1993: “O imóvel rural de domínio público ou

particular, objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter

coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no

dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e

administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento

dessas vedações”. Este parágrafo foi inserido pela Medida Provisória 2.183/56, de 2001. Tal dispositivo foi

objeto da Adin n. 2.213/DF. Cautelarmente, o STF declarou a norma constitucional. No entanto, o STF

decidiu que o esbulho deve ser significativo e anterior à vistoria do imóvel a ponto de alterar os graus de

utilização da terra e de eficiência em sua exploração comprometendo os índices fixados em lei (STF, MS

23.759, Relator Min. Celso Mello e STF, MS 25.360, Relator Min. Eros Grau).

OBSERVAÇÃO 6. É perfeitamente possível aplicar o instituto da desapropriação judicial privada por posse

trabalho à propriedade agrária (art. 1.228, §§ 4º e 5º do CC). A respeito do pagamento dessa indenização

entende-se que cabe aos ocupantes do imóvel, a não nos casos de famílias de baixa-renda (Enunciados

84 e 308 CJF/STJ). Na I Jornada de Direito Civil aprovou-se o Enunciado 83 CJF/STJ, estabelecendo que

“Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as disposições constantes dos

§§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil”. Porém, da IV Jornada, o Enunciado 304: “São aplicáveis

as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens

públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne

às demais classificações dos bens públicos”. O último enunciado doutrinário retoma a polêmica a respeito

da usucapião de bens dominicais, incluindo as terras devolutas.

FONTES DE PESQUISA.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Lucas Abreu Barroso.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Maurício Bunazar.

BARROSO, Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão. O Direito Agrário na

Constituição. São Paulo: Forense, 2ª Edição, 2006.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. Rio de Janeiro: Lúmen Juris.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Atlas, 9ª Edição, 2011.

OPITZ, Silvio C. B; OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. São Paulo: Saraiva, 5ª Edição,

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Material do professor Flávio Tartuce

2011.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Volume 4. Direito das Coisas. São Paulo: Método.

REDE DE ENSINO LFG.

DIREITO AGRÁRIO. AULA 4.

PROFESSOR FLÁVIO TARTUCE.

MATERIAL DE APOIO.

6. CONTRATOS AGRÁRIOS.

6. 1. NOÇÕES GERAIS.

- Os contratos agrários estão tratados no Estatuto da Terra, entre os art. 92 a 96, e no Decreto n.

59.566/1966 (arts. 1º a 48).

- O contrato de direito agrário visa disciplinar o uso e posse da terra agrícola. É contrato de direito

privado, submetendo-se a todos os princípios que lhe são correlatos (autonomia privada, função social do

contrato, força obrigatória – com fortes mitigações -, boa-fé objetiva e relatividade dos efeitos). O próprio

Estatuto da Terra em seu artigo 92, § 9º, estabelece a aplicação subsidiária do disposto no Código Civil. O

CC/2002, como um Código Civil urbano, não trata especificamente dos contratos agrários.

- O art. 13 da 4.947/1966 preceitua que “Os contratos agrários regulam-se pelos princípios gerais que

regem os contratos de Direito comum, no que concerne ao acordo de vontade e ao objeto, observados os

seguintes preceitos de Direito Agrário: I - artigos 92, 93 e 94 da Lei n º 4.504, de 30 de novembro de

1964, quanto ao uso ou posse temporária da terra; II - artigos 95 e 96 da mesma Lei, no tocante ao

arrendamento rural e à parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa; III - obrigatoriedade de

cláusulas irrevogáveis, estabelecidas pelo IBRA, que visem à conservação de recursos naturais; IV -

proibição de renúncia, por parte do arrendatário ou do parceiro não-proprietário, de direitos ou vantagens

estabelecidas em leis ou regulamentos; V - proteção social e econômica aos arrendatários cultivadores

diretos e pessoais”.

- A respeito da função social do contrato, Giselda Hironaka foi uma das primeiras autoras a escrever

sobre o tema, aplicando-a ao contrato agrário, como mitigação da força obrigatória. Pelo cultivo da terra,

a função social é implícita a esses negócios jurídicos.

- Lucas Abreu Barroso escreveu recentemente artigo sobre a função socioambiental do contrato, o que

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Material do professor Flávio Tartuce

representa um dos aspectos da eficácia externa do princípio.

- José Fernando Lutz Coelho propõe uma nova visão dos contratos agrários, a partir dos princípios sociais

contratuais constantes do Código Civil de 2002: função social do contrato e boa-fé objetiva (COELHO,

José Fernando Lutz. Contratos Agrários. Uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá, 2008).

- Benedito Marques menciona em seu manual de Direito Agrário a respeito da relatividade do princípio da

força obrigatória, pela possibilidade de revisão contratual imposta em lei, o que representa uma incidência

da função social do contrato.

- Como ensina Lucas Abreu Barroso, nos contratos agrários há um forte dirigismo estatal, pois tais

negócios refletem de forma ainda mais acentuada a presença do poder normativo estatal, visando a

proteção do economicamente mais débil, valendo-se para tanto das cláusulas obrigatórias e das cláusulas

proibidas, que devem conter ou das quais estão adstritos a se abster os contratos agrários.

- O art. 13 do Decreto n. 59.566/1966 trata das cláusulas obrigatórias, que são presumidas nos contratos

agrários verbais (art. 11, caput, do mesmo Regulamento) – condições gerais dos contratos. Em suma, são

cláusulas obrigatórias:

• Cláusulas que assegurem a proteção ambiental, nos termos do art. 225 da CF/1988.

• Cláusulas que assegurem a proteção do arrendatário e do parceiro-outorgado, como parte mais

fraca da relação contratual.

• Cláusulas que assegurem os prazos mínimos previstos em lei; 3 anos para arrendamento que

envolva lavoura temporária ou pecuária de pequeno ou médio porte; 5 anos para arrendamento

que envolva lavoura permanente ou pecuária de grande porte; 7 anos no caso de atividade que

envolva atividade florestal.

• Cláusula de fixação, em quantia cerca do preço do arrendamento (em dinheiro) ou no seu

equivalente em frutos e produtos; e das condições de partilha dos frutos, produtos e lucros

havidos da parceria.

• Cláusula que estabelece as bases de renovação do contrato.

• Cláusula que estabelece os parâmetros para indenização das benfeitorias. .

• Cláusula que prevê a concordância do arrendador ou do parceiro-outorgante para a obtenção de

crédito rural.

• Cláusula de cumprimento das proibições constantes do Estatuto da Terra.

- O estabelecido nesse dispositivo (art. 13 do Decreto) vale tanto para os contratos agrários típicos

quanto atípicos, ocasionando sua inobservância a nulidade dos pactos celebrados pelos

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Material do professor Flávio Tartuce

contratantes, pois a norma é de ordem pública. Exemplo: “Leasing” agrário (tema de mestrado do

Professor Lucas Abreu Barroso, livro publicado pela Editora Del Rey).

- As cláusulas obrigatórias têm caráter irrenunciável, não podendo as partes dispor relativamente a seu

conteúdo – e imperativo – não se admitindo omissão explícita nos contratos agrários. Esse tratamento

objetiva a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica do arrendatário e do

parceiro-outorgado.

- Benedito Ferreira Marques menciona ainda a mitigação da relatividade dos efeitos contratuais, pela

possibilidade do contrato gerar efeitos perante terceiros (eficácia externa da função social do contrato). O

jurista cita o exemplo da regra do art. 26, parágrafo único, do Decreto n. 59.566/1966: “Nos casos em

que o arrendatário é o conjunto familiar, a morte do seu chefe não é causa de extinção do contrato,

havendo naquele conjunto outra pessoa devidamente qualificada que prossiga na execução do mesmo”.

Trata-se da transmissão do contrato intuitu familae. Como outro exemplo, o art. 608 do CC/2002 pode

ser aplicado a um contrato agrário (teoria do terceiro cúmplice).

- Existem debates jurisprudenciais a respeito da boa-fé objetiva e a revisão de contratos agrários. Vide os

julgados no STJ, que acabam concluindo pela impossibilidade de revisão de contratos de safra, diante da

presença de eventos previsíveis:

“DIREITO CIVIL E AGRÁRIO. COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA A PREÇO CERTO.

ALTERAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NO MERCADO. CIRCUNSTÂNCIA PREVISÍVEL.

ONEROSIDADE EXCESSIVA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL

DO CONTRATO, BOA-FÉ OBJETIVA E PROBIDADE. INEXISTÊNCIA. - A compra e venda de safra

futura, a preço certo, obriga as partes se o fato que alterou o valor do produto agrícola não

era imprevisível. - Na hipótese afigura-se impossível admitir onerosidade excessiva, inclusive

porque a alta do dólar em virtude das eleições presidenciais e da iminência de guerra no

Oriente Médio – motivos alegados pelo recorrido para sustentar a ocorrência de acontecimento

extraordinário – porque são circunstâncias previsíveis, que podem ser levadas em

consideração quando se contrata a venda para entrega futura com preço certo.

- O fato de o comprador obter maior margem de lucro na revenda, decorrente da majoração

do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não indica a existência de má-

fé, improbidade ou tentativa de desvio da função social do contrato. - A função social infligida

ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao

assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus

cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do

contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura. - A boa-fé objetiva se apresenta

como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual

impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo

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Material do professor Flávio Tartuce

como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. Não tendo o comprador agido de forma

contrária a tais princípios, não há como inquinar seu comportamento de violador da boa-fé

objetiva. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 803.481/GO, Rel. Ministra NANCY

ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2007, DJ 01/08/2007, p. 462).

- Sobre a incidência do CC/2002, vejamos os julgados do STJ a respeito da simulação e a vaca-papel.

Vejamos uma das decisões:

“CIVIL. CONTRATO. PARCERIA PECUÁRIA. NULIDADE. VACA-PAPEL CARACTERIZAÇÃO.

CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. SUCUMBÊNCIA. I - Descabe, em sede especial, rever a

conclusão do acórdão recorrido, firmada no sentido de que o contrato de parceria pecuária

seria nulo, dado que buscava mascarar a real existência de mútuo usurário, conhecido

comumente como ‘vaca-papel’, por incidência das Súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de

Justiça. II - Declarada a integral nulidade do contrato de parceria pecuária, não é lícito vincular

o débito ao número de reses dele constante, devendo a atualização da dívida obedecer às

regras oficiais de correção monetária. III - Ausente estipulação entre as partes, os juros legais

fluem no percentual de 6% a.a, permitida a capitalização anual. IV - Acolhida integralmente a

pretensão deduzida nos embargos do devedor, os ônus sucumbenciais devem ser suportados

tão-somente pela parte embargada. Primeiro recurso não conhecido; provido o segundo

interposto pelos embargantes originários”. (STJ, REsp 594.488/MS, Rel. Ministro CASTRO

FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2005, DJ 20/03/2006, p. 265)

- Embora sejam os contratos agrários de Direito Privado, o Estatuto da Terra é um microssistema

protetivo, razão pela qual havendo ambiguidade de cláusulas deverá ser dada interpretação que favoreça

o trabalhador rural. Isso já ocorre em outros sistemas protetivos, caso do CDC, pela incidência da teoria

do diálogo das fontes.

- Quanto à forma e à solenidade, o contrato de direito agrário é informal, podendo ser expresso (verbal

ou escrito), ou tácito (atos que demonstram a vontade de firmar contrato) – art. 92 do Estatuto da Terra.

Atenção: Independentemente do valor o contrato agrário pode ser provado por testemunhas (art. 14 do

Decreto e art. 92, § 8º do Estatuto da Terra). Trata-se de exceção à regra do art. 227 do Código Civil.

- Os contratos agrários podem ser nominados e inominados, típicos e atípicos. São nominados os

contratos agrários aos quais o ordenamento jurídico confere um nomen juris, o que não ocorre com os

inominados. E por contratos agrários típicos entendem-se aqueles que possuem disciplinamento jurídico

próprio, o que não se verifica com os atípicos. Enuncia o art. 39 do Decreto n. 59.566/1966 que “Quando

o uso ou posse temporária da terra for exercido por qualquer outra modalidade contratual, diversa dos

contratos de Arrendamento e Parceria, serão observadas pelo proprietário do imóvel as mesmas regras

aplicáveis à arrendatários e parceiros, e, em especial a condição estabelecida no art. 38 supra”. Cite-se,

mais uma vez, o “leasing” agrário (arrendamento + opção de compra).

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Material do professor Flávio Tartuce

- Os dois principais contratos típicos de direito agrário são o arrendamento (locação rural) e parceria (em

que há um direito de participação na produção, reconhecido às partes). São negócios jurídicos que têm

por objeto o exercício da posse ou do uso temporário de imóveis rurais (ver art. 1º, do Decreto n.

59.566/1966).

- Os dois contratos agrários são: bilaterais, porque ambas as partes assumem direitos e deveres

recíprocos; onerosos, porque há sacrifício patrimonial para ambas as partes (prestação +

contraprestação) e consensuais, porque têm aperfeiçoamento com a manifestação de vontade das partes.

→ ATENÇÃO: Conforme o art. 93 do Estatuto da Terra, é vedado ao proprietário exigir do arrendatário ou

parceiro (cláusulas proibidas):

•••• Trabalho gratuito. Trata-se da antiga vedação do contrato escravo, que inspira o comando em

análise.

•••• Exclusividade na venda da colheita. Cláusula nesse sentido deve ser considerada nula, pois a

norma é de ordem pública, havendo fraude à lei imperativa (art. 166, VI, do CC). Isso não significa

que o arrendatário ou parceiro não possa vender toda a sua produção ao proprietário, significa

apenas que tal decisão fica ao seu critério.

•••• Obrigatoriedade do beneficiamento da produção em seu estabelecimento. Beneficiar é ato de

agregar valor à produção, por exemplo, descascar o café, depenar o frango, etc.

•••• Obrigatoriedade da aquisição de gêneros e utilidades em seus armazéns ou barracões. Trata-se da

antiga vedação da lesão, presente no truck system (art. 462, §§2º a 4º da CLT).

•••• Aceitação de pagamento em “ordens”, “vales”, “borós” ou outras formas regionais substitutivas da

moeda.

**** Tais proibições constituem um limite à liberdade contratual das partes, com a finalidade de evitar a

dependência de uma em relação à outra, oportunizando o progresso econômico e social daquele que

realiza a atividade agrária. Trata-se, portanto, de aplicação da eficácia interna da função social do

contrato.

→ ATENÇÃO: O art. 94 do Estatuto da Terra veda que as terras públicas sejam objeto de contratos de

arrendamento rural ou parceria agrícola. Excepcionalmente, poderão ser arrendadas ou dadas em parceria

terras de propriedade púbica, quando: a) razões de segurança nacional o determinarem; b) áreas de

núcleos de colonização pioneira, na sua fase de implantação, forem organizadas para fins de

demonstração; c) forem motivo de posse pacífica e a justo título, reconhecida pelo Poder Público, antes

da vigência

6. 2. ARRENDAMENTO RURAL

- Nos termos do art. 3º do Decreto n. 59.566/1966: “Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual

uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel

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Material do professor Flávio Tartuce

rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o

objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou

mista, mediante, certa retribuição ou aluguel , observados os limites percentuais da Lei”. O OBJETO É O

USO E GOZO DA PROPRIEDADE AGRÁRIA.

- Conforme § 1º do dispositivo, subarrendamento é o contrato pelo qual o arrendatário transfere a

outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento. Equivale à

sublocação.

- Chama-se arrendador o que cede o imóvel rural ou o aluga; e arrendatário a pessoa ou conjunto

familiar, representado pelo seu chefe que o recebe ou toma por aluguel (art. 3º, § 2º). O TERMO CHEFE

FAMILIAR ESTÁ SUPERADO, POIS O CONCEITO DE FAMÍLIA DEMOCRÁTICA SUPEROU A IDEIA DE UM

CHEFE SÓ.

- Conforme o § 3º do art. 3º do Decreto, o arrendatário outorgante de subarrendamento será, para todos

os efeitos, classificado como arrendador. A máxima do mesmo modo tem aplicação para a sublocação.

- O artigo 95 do Estatuto da Terra estabelece que o arrendamento se submete aos seguintes princípios (o

termo “princípio” é usado de forma leiga, pois, na verdade, os itens arrolados fazem parte da categoria

“regra”):

a) Os prazos de arrendamento terminarão sempre depois de finalizada a colheita. Se a

colheita atrasar por força maior os prazos contratuais serão prorrogados nas mesmas

condições até a sua finalização.

b) Presume-se feito por no mínimo três anos o arrendamento por prazo indeterminado,

observada a regra acima mencionada. Lucas Abreu Barroso entende tratar-se de um

equívoco do legislador, que conduz à impossibilidade de se invocar tais dispositivos,

devendo prevalecer os prazos mínimos estipulados pelo art. 13, II, a, do Decreto n.

59.566/1966, ou seja, levando em consideração a natureza do conteúdo da convenção.

Concordo com tal entendimento.

c) Há direito de preferência do arrendatário. Seu direito de preferência é de duas ordens:

c1) Direito de preferência na aquisição do imóvel em caso de alienação por parte do

arrendador. O arrendatário terá direito de preferência para adquirir o imóvel arrendado, em

igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda a fim de que

possa exercitar o direito de preempção dentro de 30 dias, a contar da notificação judicial ou da

notificação comprovadamente efetuada mediante recibo (art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra).

E se houver a alienação sem que haja comunicação ao arrendatário? O arrendatário poderá

depositar o preço para adjudicar o imóvel, desde que o requeira no prazo de 6 meses a contar

do registro do ato de alienação no Cartório de Registro de Imóveis competente. A

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Material do professor Flávio Tartuce

preferência, aqui, subverte a regra geral do sistema, segundo a qual o direito de adjudicação

só poderá ser exercido se o contrato ensejador da preferência estiver registrado, caso em que,

o comprador poderá ter ciência da existência do direito à prelação. Veja o art. 33 da Lei de

Locação. No Estatuto da Terra, permite-se a adjudicação independentemente de qualquer

registro. Há exceção ao efeito erga omnes do registro, no artigo 92, § 5º, do ET (“A alienação

ou imposição de ônus real ao imóvel não interrompe a vigência dos contratos de arrendamento

e de parceria, ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do antigo

proprietário”).

c2) Direito de preferência à renovação do arrendamento, em igualdade de condições (art. 95,

incs. IV e V, do Estatuto da Terra). . O arrendatário terá preferência à renovação do

arrendamento, devendo o proprietário, até 6 meses antes do vencimento do contrato, fazendo

a competente notificação extrajudicial, nas propostas existentes. Não se verificando a

notificação, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos

30 dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante

simples registro de suas declarações no competente registro de títulos e documentos.

d) Sem expresso consentimento do proprietário é vedado o subarrendamento, assim como

ocorre na locação imobiliária (art. 95, VI, do ET). .

e) Poderá ser acertada, entre o proprietário e arrendatário, cláusula que permita a substituição

de área arrendada por outra equivalente no mesmo imóvel rural, desde que respeitadas as

condições de arrendamento e os direitos do arrendatário (art. 95, VII, do ET). .

f) O arrendatário, ao termo do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias

e úteis. Será indenizado das benfeitorias voluptuárias quando autorizadas pelo proprietário do

solo; e, enquanto o arrendatário não for indenizado das benfeitorias necessárias e úteis, poderá

permanecer no imóvel, no uso e gozo das vantagens por ele oferecidas, nos termos do contrato

de arrendamento. No mesmo sentido o art. 25 do Decreto 59.566 estipula que o arrendatário,

no término do contrato, terá direito á indenização das benfeitorias necessárias e úteis. Quanto

às voluptuárias, somente será indenizado se sua construção for expressamente autorizada pelo

arrendador (art. 95, VIII, do ET). .

g) Constando do contrato de arrendamento animais de cria, de corte ou de trabalho, cuja

forma de restituição não tenha sido expressamente regulada, o arrendatário é obrigado, findo

ou rescindido o contrato, a restituí-los em igual número, espécie e valor (art. 95, IX).

h) O arrendatário não responderá por qualquer deterioração ou prejuízo a que não tiver dado

causa. Em outras palavras, não reponde por caso fortuito ou força maior, por ser um possuidor

de boa-fé (art. 95, X).

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Material do professor Flávio Tartuce

i) Na regulamentação desta Lei, serão complementadas as seguintes condições que,

obrigatoriamente, constarão dos contratos de arrendamento (art. 95, XI):

- limites da remuneração e formas de pagamento em dinheiro ou no seu equivalente em

produtos;

- prazos mínimos de arrendamento e limites de vigência para os vários tipos de atividades

agrícolas;

- bases para as renovações convencionadas;

- formas de extinção ou rescisão;

- direito e formas de indenização ajustadas quanto às benfeitorias realizadas.

j) A remuneração do arrendamento, sob qualquer forma de pagamento, não poderá ser

superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que

entrarem na composição do contrato, salvo se o arrendamento for parcial e recair apenas em

glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, caso em que a

remuneração poderá ir até o limite de 30% (trinta por cento) (art. 95, XII).

- As obrigações do arrendador estão descritas no art. 40, do Decreto n. 59.566/1966, ao passo em

que as obrigações do arrendatário encontram-se previstas no dispositivo seguinte (art. 41). Também

os arts. 42 a 44, do mesmo Regulamento, constituem normas que deverão ser respeitadas

peremptoriamente pelo arrendatário.

- A extinção dos contratos agrários ocorrerá de acordo com as situações dispostas no art. 26, do

Decreto n. 59.566/1966:

• Pelo término do prazo do contrato e do de sua renovação.

• Pela retomada.

• Pela aquisição da gleba arrendada, pelo arrendatário.

• Pelo distrato ou rescisão do contrato;

• Pela resolução ou extinção do direito do arrendador.

• Por motivo de força maior, que impossibilite a execução do contrato.

• Por sentença judicial irrecorrível.

• Pela perda do imóvel rural.

• Pela desapropriação, parcial ou total, do imóvel rural.

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• Por qualquer outra causa prevista em lei.

- As hipóteses de concessão do despejo estão enumeradas nos incisos do art. 32, do Decreto n.

59.566/1966, ensejando o cabimento de ação própria:

• I - Término do prazo contratual ou de sua renovação;

• II - Se o arrendatário subarrendar, ceder ou emprestar o imóvel rural, no todo ou em parte, sem o

prévio e expresso consentimento do arrendador;

• III - Se o arrendatário não pagar o aluguel ou renda no prazo convencionado;

• IV - Dano causado à gleba arrendada ou ás colheitas, provado o dolo ou culpa do arrendatário;

• V - Se o arrendatário mudar a destinação do imóvel rural;

• VI - Abandono total ou parcial do cultivo;

• VII - Inobservância das normas obrigatórias fixadas no art. 13 do Regulamento;

• VIII - Nos casos de pedido de retomada, permitidos e previstos em lei e neste regulamento,

comprovada em Juízo a sinceridade do pedido;

• IX - se o arrendatário infringir obrigado legal, ou cometer infração grave de obrigação contratual.

6.3. PARCERIA AGRÍCOLA.

- Conforme o art. 96, § 1º, do ET, parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a

ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele,

incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade

de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para

cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal.

- São partes o parceiro-outorgante e o parceiro outorgado, sendo certo que há um direito de participação

a favor do primeiro, sobre os frutos e produtos obtidos da produção.

- Nesse contrato há a partilha dos seguintes riscos:

• I - caso fortuito e de força maior do empreendimento rural;

• II - dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites

percentuais estabelecidos em lei;

• III - variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural.

- São regras fundamentais do contrato, conforme o art. 96 do ET:

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a) O prazo dos contratos de parceria, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três

anos, assegurado ao parceiro o direito à conclusão da colheita, pendente.

b) Expirado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por conta própria, o

parceiro em igualdade de condições com estranhos, terá preferência para firmar novo contrato de parceria

(direito de preempção ou prelação legal na parceria agrícola). Segundo o entendimento majoritário, não

há direito de preferência para aquisição do bem na parceria COELHO, José Fernando Lutz. Contratos

Agrários. Uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá, 2008, p. 179-180). Nesse sentido: “PARCERIA

AGRICOLA. PREEMPÇÃO. O CONTRATO DE PARCERIA AGRICOLA NÃO ATRIBUI AO PARCEIRO O DIREITO

DE PREFERÊNCIA NA AQUISIÇÃO DO IMOVEL. O DISPOSTO NO ART. 92, PAR. 3. DO ESTATUTO DA

TERRA APLICA-SE AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO”

(STJ, REsp 97405/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/1996,

DJ 18/11/1996, p. 44901).

c) As despesas com o tratamento e criação dos animais, não havendo acordo em contrário, correrão por

conta do parceiro tratador e criador.

d) O proprietário assegurará ao parceiro que residir no imóvel rural, e para atender ao uso exclusivo da

família deste, casa de moradia higiênica e área suficiente para horta e criação de animais de pequeno

porte.

e) No Regulamento desta Lei, serão complementadas, conforme o caso, as seguintes condições, que

constarão, obrigatòriamente, dos contratos de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial ou extrativa:

• quota-limite do proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade

agropecuária e facilidades oferecidas ao parceiro;

• prazos mínimos de duração e os limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola;

• bases para as renovações convencionadas;

• formas de extinção ou rescisão;

• direitos e obrigações quanto às indenizações por benfeitorias levantadas com consentimento do

proprietário e aos danos substanciais causados pelo parceiro, por práticas predatórias na área de

exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos agrícolas a êle

cedidos.

• direito e oportunidade de dispor sôbre os frutos repartidos;

f) Na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a:

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• 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua;

• 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada;

• 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia;

• 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído

especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais,

conforme o caso;

• 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de

benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e

implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de

tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50%

(cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria;

• 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais

de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a

meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido;

• nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com

base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à

disposição do parceiro;

g) Aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas

pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que

não estiver regulado pelo ET.

h) Nos casos não previstos nas alíneas do inciso VI do caput deste artigo, a quota adicional do

proprietário será fixada com base em percentagem máxima de 10% (dez por cento) do valor das

benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro.

- Conforme o § 2º do art. 96 do ET, as partes contratantes poderão estabelecer a prefixação, em

quantidade ou volume, do montante da participação do proprietário, desde que, ao final do contrato, seja

realizado o ajustamento do percentual pertencente ao proprietário, de acordo com a produção.

- Eventual adiantamento do montante prefixado não descaracteriza o contrato de parceria (§ 3º do art.

96).

- Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte em percentual na

lavoura cultivada ou em gado tratado, são considerados simples prestação de serviço, regulada pela

legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do

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proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a

percepção do salário mínimo no cômputo das duas parcelas (§ 4º do art. 96 do ET).

- Todas essas regras não se aplicam aos contratos de parceria agroindustrial, de aves e suínos, que serão

regulados por lei específica (§ 5º do art. 96 do ET).

FONTES DE PESQUISA.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Lucas Abreu Barroso.

Roteiros de aulas enviados pelo Professor Maurício Bunazar.

BARROSO, Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão. O Direito Agrário na

Constituição. São Paulo: Forense, 2ª Edição, 2006.

COELHO, José Fernando Lutz. Contratos Agrários. Uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá, 2008.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Atlas, 9ª Edição, 2011.

OPITZ, Silvio C. B; OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. São Paulo: Saraiva, 5ª Edição,

2011.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Volume 3. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. São Paulo:

Método.