direito comercial apontamentos dc
TRANSCRIPT
Faculdade de Direito da UCP
INTRODUÇÃO
1. Aproximação a uma noção de Direito Comercial
2. Evolução histórica do Direito Comercial
3. A questão da autonomia do Direito Comercial
4. Fontes
5. A noção de actos de comércio e os modernos contratos comerciais
CAPÍTULO I – Empresa e estabelecimento comercial
6. A empresa comercial
7. O estabelecimento comercial
CAPÍTULO II – Sujeitos do Direito Comercial
8. O acesso à actividade comercial. Pessoas singulares
9. O estabelecimento (mercantil) individual de responsabilidade limitada (EIRL)
10. As sociedades comerciais
11. Outras entidades personalizadas
12. O estatuto (próprio e) comum dos sujeitos de Direito Comercial
13. Insolvência1
14. Registo, supervisão e foro específicos da actividade comercial
CAPÍTULO III – Contratos comerciais
15. Contratos comerciais; generalidades
16. Contratos comerciais de organização: associação em participação e consórcio
17. Compra e venda comercial
18. Representação comercial: contratos de mandato e comissão
19. Mediação
20. Contratos de distribuição
1 Matéria a ser leccionada (desenvolvidamente) na disciplina de Direito Comercial: Aspectos Processuais, no mestrado Forense (2008/09).
DIOGO CASQUEIRO 1
Faculdade de Direito da UCP
21. Contrato de Publicidade e de Patrocínio
22. Contrato de Seguro
23. Contrato de Transporte
24. Locação Comercial
CAPÍTULO IV – Títulos de Crédito e Valores Mobiliários
25. Enquadramento do tema. Os títulos de crédito em geral
26. A letra de câmbio
27. Referência sucinta à livrança; caracterização e regime jurídico aplicável
28. O cheque
Apenas noções:
CAPÍTULO VI – Direito da Concorrência
29. O mercado e a defesa da concorrência; enquadramento normativo
30. Práticas concertadas (colectivas)
CAPÍTULO VII – Propriedade Industrial
31. Enquadramento da matéria da propriedade industrial
32. O regime jurídico dos direitos privativos da propriedade industrial e a
concorrência desleal
33. O alargamento da tutela (por via internacional): a Convenção da União de Paris e
outros acordos internacionais
DIOGO CASQUEIRO 2
Faculdade de Direito da UCP
INTRODUÇÃO
1. Aproximação a uma noção de Direito Comercial
Não existe um conceito unitário de direito mercantil com valia universal. Ora,
circunscrevendo-nos ao quadro jurídico-positivo nacional, podemos definir o direito comercial como o
sistema jurídico-normativo que disciplina de modo especial os actos de comércio e os comerciantes.
Todavia, a lei mercantil regula os fenómenos que não são actos comerciais – por exemplo, obrigações
especiais dos comerciantes. Por outro lado, a mesma lei, apesar de apresentar como ponto de partida
uma concepção objectiva, visa sobretudo os comerciantes: discrimina-os e estabelece o seu estatuto,
regula os seus actos e instrumentos. É inquestionável que o direito mercantil é fundamentalmente
direito privado. Não obstante, as leis comerciais contêm também disposições de direito público. Basta
pensar nas que consagram deveres jurídico-públicos dos comerciantes. Dentro do direito privado, o
direito comercial é, globalmente, considerado especial, aplicável somente a certos sujeitos, objectos ou
relações, mas sem excluir a aplicabilidade do direito civil enquanto direito comum e subsidiário.
É hoje vulgar falar-se de três sectores da actividade económica: o primário (agricultura,
pecuária e silvicultura, pesca e a caça), o secundário (indústria) e o terciário (serviços: como o
comércio). Numa outra perspectiva diz-se que a produção económica se processa através da indústria e
dos serviços.
Ora, o comércio em sentido jurídico abarca não apenas o comércio em sentido económico mas
também indústrias e serviços. Por outro lado, também não pode dizer-se que o direito comercial
disciplina todas as actividades económicas. Ele quase não entra, por exemplo, nas indústrias
extractivas, na agricultura e nos serviços dos profissionais liberais.
Em vez de direito dos actos de comércio e dos comerciantes, não será preferível definir o
direito comercial como o direito das empresas? O empresarialismo estrito foi perdendo força e entrou
em crise evidente porque essa concepção tendeu a restringir em demasia o espaço do direito mercantil.
Contudo, na Alemanha, reputados autores continuam a defender uma concepção
empresarialista.
Os autores alargam o campo de aplicação do direito mercantil a empresários não
comerciantes, recorrendo nomeadamente à analogia. E também nos países latinos, com um direito
comercial de raiz objectiva, as concepções empresarialistas têm hoje alargado acolhimento.
Pode dizer-se, na verdade, que o núcleo do direito mercantil está na empresa comercial,
constituindo o princípio energético. É igualmente defensável que o nosso direito comercial deve ser um
direito à volta das empresas. Não parecem ser obstáculos intransponíveis a esta defesa as imprecisões
que se vêm manifestado na determinação das empresas, nem o facto de haver empresas não comerciais,
empresários não comerciantes e até comerciantes não empresários.
DIOGO CASQUEIRO 3
Faculdade de Direito da UCP
Todavia, o direito comercial português actual, além de admitir comerciantes não empresários,
regula actos de comércio esporádicos cuja disciplina não poderá dizer-se totalmente determinada por
interesses ligados à empresarialidade. São fenómenos marginais, fora do núcleo do direito mercantil?
Pois são mas uma definição rigorosa do direito comercial não pode desconsiderá-los. Por isso,
prefiro defini-lo como direito dos actos de comércio e dos comerciantes – embora actos e sujeitos em
regra ligados às empresas comerciais.
2. Evolução histórica do Direito Comercial
Um direito comercial em sentido próprio, enquanto sistema normativo autónomo tendo por
função regular a actividade mercantil, terá surgido somente na época medieval – nasceu no século XII
em cidades italianas, filho dos comerciantes.
Era uma época de fraco poder político central e de forte ressurgimento do comércio. Os
grandes comerciantes passaram a constituir a classe económica e dominante gerando um direito
‘especial’ de comércio.
Fontes desse direito eram os costumes mercantis, os estatutos das corporações dos
mercadores e a jurisprudência dos tribunais consulares (compostos por comerciantes designados
pelas corporações, estes tiveram um papel relevante na interpretação, aplicação e desenvolvimento das
normas consuetudinárias e estatutárias). E assim surgiram regras, institutos e princípios jurídicos como
a liberdade de forma na conclusão de contratos, o reforço do crédito mercantil, o estabelecimento
comercial e sinais distintivos. Foi portanto o medievo direito comercial italiano um ‘direito de classe’,
um ius mercatorum. Foi um direito de cariz subjectivo que disciplinava os comerciantes e os actos
destes.
Cedo, porém, despontaram germes ‘objectivistas’: primeiro, os membros das corporações
foram sujeitos à jurisdição consular por qualquer acto relativo ao comércio que efectuassem (não se
abstraia da qualidade do sujeito mas já se consideravam os actos em si mesmos).
Afastada a ficção, surgiria nítido o conceito de acto de comércio objectivo. Para além das
comunas italianas, outras regiões contribuíram para o desenvolvimento do direito comercial. Da
actividade da corporação mercantil marítima e do tribunal marítimo de Barcelona resultou um
complexo de normas de direito marítimo que se difundiu amplamente por toda a Europa.
E Portugal? Naqueles tempos, não se formou por cá um autónomo ramo jurídico.
Nos primeiros tempos da monarquia, os reis emitiram pouquíssimas leis gerais. O comércio
seria então regulado pelos costumes, forais, parcas disposições do código visigótico e do direito
canónico. No entanto, os poucos costumes ou foros que até nós chegaram revelam-se pouco
importantes em matéria de comércio.
A esparsa e parca legislação especialmente destinada à actividade comercial visou sobretudo,
por um lado, o comércio marítimo e, por outro lado, garantir o abastecimento público. Contudo, deve
DIOGO CASQUEIRO 4
Faculdade de Direito da UCP
ser realçado o papel do Portugal medieval no desenvolvimento dos seguros marítimos. Algumas das
razões por que não se registou a autonomização do direito comercial serão estas: foi implantada uma
centralização estatal-régia pois alguns dos mercadores-burgueses intervinham consideravelmente na
actividade comercial, membros da casa real, nobres, ordens religiosas. Não existiam tribunais
comerciais (o primeiro – o consulado – foi criado apenas no final do século XVI).
Na época moderna, com a centralização monárquica, a classe dos mercadores deixa de ser a
fazedora do direito comercial. As corporações dos comerciantes são reguladas e controladas pelo
Estado. Os tribunais de comércio embora continuem a ser compostos por comerciantes, deixam de ser
emanação da autonomia corporativa e passam a órgãos estaduais; os costumes são ultrapassados pelas
leis no campo das fontes do direito mercantil. É a época da estatização-nacionalização do direito
comercial.
Fruto desses tempos foram as companhias coloniais privilegiadas – arquétipos das hodiernas
sociedades anónimas. Caracterizavam-se já pela limitação da responsabilidade dos sócios e a divisão
do capital social em acções intransmissíveis. Em Portugal, o grande desenvolvimento do comércio
externo foi acompanhado por significativo movimento legislativo-comercial.
O séc.XVIII continuou com legislação judiciária e processual fraccionada e enredada e regras
substantivas dispersas e desconexas.
O code de commerce de 1807 marca o início da etapa contemporânea na evolução do direito
comercial. Os princípios da liberdade e da igualdade eram incompatíveis com a manutenção de um
direito dos comerciantes. Daí que o código qualifique simplesmente como comerciantes os que fazem
da prática de actos do comércio profissão, que não têm de ser praticados por comerciantes, o carácter
objectivo do direito comercial.
No entanto, o código comercial alemão de 1897 adoptou novamente a concepção subjectiva
do direito mercantil. Este disciplina o estatuto dos comerciantes e os actos de comércio que são actos
de um comerciante que pertencem à exploração da sua empresa comercial.
Os nossos códigos comerciais oitocentistas filiam-se também no referido sistema objectivo.
Consideráveis desenvolvimentos tem tido o direito comercial na última centúria. Consideramos o
relacionado com a renovada tendência para a sua internacionalização-uniformização. Diversas
convenções internacionais de âmbito potencialmente universal têm unificado os sistemas jurídico-
mercantis nacionais em sectores específicos – assim, as convenções de Genebra estabelecendo leis
uniformes em matéria de letras e livranças e em matéria de cheques.
Nos últimos decénios, o movimento de uniformização tem-se acentuado no campo das
relações comerciais internacionais, não intervindo directamente na disciplina das relações comerciais
internas, sujeitas aos diversos direitos nacionais. Por outro lado, tem-se desenvolvido um direito
uniforme de origem não inter-estadual. Um direito feito de usos e costumes de comércio internacional,
DIOGO CASQUEIRO 5
Faculdade de Direito da UCP
de usos e práticas negociais. Neste âmbito, voltamos a deparar com um direito feito por comerciantes e
por eles aplicado, por isso se fala a propósito de moderna lex mercatória.
3. A questão da autonomia do Direito Comercial
Fala-se da autonomia de um ramo jurídico em diversas acepções: formal ou legislativa. O
problema da autonomia do direito comercial tem sido debatido atendendo sobretudo às duas primeiras
acepções. A questão nuclear é, contudo a da autonomia nuclear.
Os chamados sinais distintivos do comércio não são exclusivos do comércio. Em vários
países, operou-se mesmo a unificação legislativa. Esta tendência para a unificação denota a
‘comercialização’ do direito privado. Vão-se incorporando no direito civil regras e características ou
princípios tradicionais do direito mercantil – princípios como o do reforço do crédito, o da maior
protecção da confiança, celeridade, certeza e presunção da onerosidade. Tal comercialização representa
simultaneamente o triunfo do direito comercial e – quando acabada – a morte substancial do mesmo
direito.
Mas, retorquir-se-á, a unificação do direito privado ao nível do direito das obrigações não
arredará a necessidade de uma disciplina especial. Por outro lado ainda, disciplina tradicionalmente
aplicável a empresários vai-se estendendo a alguns não empresários. Daí que um direito comercial
baseado nas empresas não tenha de ser, só por isso, substancialmente autónomo.
Não obstante, vários autores têm visto nos últimos tempos sinais de reafirmação da autonomia
substancial do direito comercial na redescoberta dos contratos comerciais como contratos de empresa.
Reflectindo sobre essa visão, direi o seguinte:
a) É aceitável a concepção do direito comercial como direito das empresas. Repita-se
ainda: no direito comercial português actual entram sujeitos e actos que não têm de entrar no domínio
empresarial;
b) Os contratos comerciais não podem ser identificados com os contratos de empresa.
A) Existem contratos comerciais sem que nenhuma das partes seja empresário B) há contratos não
comerciais apesar de neles participarem empresários;
c) Alguns contratos unilateralmente de empresa ainda que qualificáveis frequentemente
como comerciais têm disciplina peculiar e autónoma não enraizada nas lógicas ou interesses. É o caso
dos contratos de trabalho e dos contratos de consumo;
d) Mesmo para os contratos de empresa bilaterais não existe hoje disciplina e ratio
unitárias;
e) O direito do consumo não é contra as empresas mas diferencia-se deste;
f) Nos contratos de consumo, contraparte do consumidor é normalmente um
empresário. Mas não necessariamente: pode ser um profissional autónomo não empresária;
DIOGO CASQUEIRO 6
Faculdade de Direito da UCP
g) No campo dos contratos de consumo, é indiferente que apareça um empresário ou um
não empresário como contraparte do consumidor. As especialidades do regime dos contratos de
consumo divergem manifestamente do regime tradicionalmente aplicável aos contratos de empresa ou
de comércio unilaterais e afastam boa parte deste regime. Tudo isto não abona a tese da
reautonomização do direito comercial como direito dos contratos de empresa;
h) O direito privado do consumo despontou com aspectos de regime especial
relativamente ao direito comum. Vai-se integrando no direito civil dos contratos;
A eventual reafirmação da autonomia do direito comercial não passará principalmente
por configurá-lo como direito privado extermo-contratual das empresas. As nossas leis mantêm ainda
um regime especial comum dos actos de comércio em geral; os actos de comércio em especial estão
sujeitos a algumas regras divergentes. Os comerciantes têm um estatuto algo diverso do dos não
comerciantes.
4. Fontes
Entre as fontes externas destacamos as convenções internacionais e os regulamentos e
directivas da Comunidade Europeia. Entre as fontes internas avultam as leis e regulamentos incluindo
os de entidades administrativas independentes como a Comissão do mercado de valores mobiliários. A
CRP contém também algumas regras atinentes ao direito comercial: arts. 61º, 81º, f), 82º, 85º, 86º, 99º,
293º.
Mas as principais fontes do direito comercial são as leis ordinárias à cabeça das quais
havemos de situar o código comercial. Também a jurisprudência e a doutrina são fontes de direito
comercial. E os usos mercantis?
Apesar de serem muitíssimo menos significativos do que em outras épocas, são ainda de
alguma importância. Apesar de não constarem do art. 3º CC, eles podem manifestar regras jurídicas,
quer se trate de usos invocados pela lei quer de usos solicitados para a interpretação e integração dos
negócios jurídico-mercantis.
Aplicação da lei civil a matéria mercantil
A lei civil é aplicável a questões comerciais. Di-lo logo o art. 3º do CC e deste preceito se
poderia concluir ser a legislação civil fonte do direito comercial. Contudo, não seria correcta esta
conclusão pois a lei civil, quando subsidiariamente se aplica a questões comerciais, intervém porque é
lei comum e a esse título não se transformando em lei especial-comercial.
O direito comercial apresenta-se como um ordenamento especial e fragmentário, aberto
portanto ao recurso directo ao direito comum. Nem todas as omissões de regulamentação legal –
mercantil significam verdadeiras lacunas.
DIOGO CASQUEIRO 7
Faculdade de Direito da UCP
5. A noção de actos de comércio e os modernos contratos comerciais
Introdução
Os actos de comércio são parte essencial da matéria mercantil. Hoje, o regime especial
comum aos actos de comércio em geral revela-se sobretudo no seguinte: nas obrigações resultantes de
actos mercantis, os co-obrigados são obrigados (art. 100º C. Com); segundo o art. 15º, as dívidas dos
comerciantes casados derivadas de actos mercantis presumem-se contraídas no exercício dos
respectivos comércios; o art.102º estabelece um regime com uma ou outra particularidade para os juros
relacionados com actos comerciais.
Por outro lado, importa ainda para qualificar de mercantis outros actos que daqueles sejam
acessórios, bem como para qualificar sujeitos como comerciantes (art. 13º).
Deixemos aqui mais umas linhas sobre o art. 102º. Este refere-se a juros convencionais e
legais, remuneratórios ou moratórios. Os juros legais são devidos nos casos previstos no C. Com ou em
outras leis, desde que estejam em causa actos comerciais.
Quando sejam devidos juros comerciais, e a taxa respectiva não seja fixada pelos
intervenientes no acto de comércio, vale a taxa legal-supletiva. Se for outra a taxa querida, ela tem de
ser fixada por escrito, sob pena de nulidade – é esta a interpretação do § 1 do art. 102º.
É proibido estipular taxa de juros que exceda a taxa de juros legais aplicável em mais de 3%
ou 5% conforme exista ou não garantia real. O § 3 do art. 102º determina que é fixada em portaria
conjunta dos ministros das finanças e da justiça. Esta taxa não pode ser inferior à taxa de referência do
BCE acrescida de 7 pontos percentuais. Os juros em causa são somente os moratórios.
Por força do art. 4º/1 do DL 32/2003 este regime é igualmente aplicável a créditos de que
sejam titulares empresas não comerciais. Eis, pois, uma manifestação do esbatimento das
especialidades do direito comercial dos contratos ou obrigações.
Noção de acto (s) de comércio
Norma delimitadora básica dos actos de comércio é o art. 2º C. Com. Deste enunciado
resultará a impossibilidade de um conceito unitário, homogéneo ou genérico de acto de comércio. Há
actos considerados mercantis por estarem previstos, por critérios heterogéneos, na lei comercial e que
podem, em regra, ser praticados por comerciantes ou não comerciantes e actos considerados mercantis
por, antes do mais, serem praticados por comerciantes e, além disso, serem conexionáveis com o
comércio e estarem conexionados com a actividade mercantil dos seus autores.
Todavia, por cá e além-fronteiras têm sido defendidos conceitos unitários. Para isso, tem-se
lançado mão de três critérios: finalidade especulativa (é comercial acto praticado com escopo
lucrativo), interposição nas trocas ou na circulação das riquezas, existência de uma empresa ou no
quadro de uma empresa.
Ora, nenhum destes critérios possibilita um conceito unitário.
DIOGO CASQUEIRO 8
Faculdade de Direito da UCP
Existem actividades com intuito especulativo que nem por isso são qualificadas de comerciais.
Recordem-se os casos da agricultura, da maioria das indústrias extractivas, do artesanato, da actividade
dos profissionais liberais. O próprio C. Com admite explicitamente actos de comércio sem qualquer
escopo lucrativo (art. 404º).
O C. Com considera comerciais certos actos que não têm de realizar ou facilitar interposições
nas trocas. Pense-se por exemplo, na fiança (art. 101º), no penhor (art. 397º) e não só.
Por outro lado, nem em todas as empresas comerciais haverá a referida intermediação na troca
do trabalho, nem todas as empresas comerciais têm de funcionar com assalariados. Finalmente, a
existência de empresa e a empresarialidade não são critérios servíveis para a construção de um conceito
unitário de actos de comércio. Por várias razões: a comercialidade de diversos actos esporádicos ou
ocasionais prescinde da existência de empresa. A empresarialidade não é algo unívoco.
Os actos de comércio são sobretudo contratos. É sintomático que o livro II do CC seja
intitulado ‘dos contratos especiais de comércio’. Podem ser também actos jurídicos unilaterais. É o
caso, por exemplo, dos negócios cambiários e dos negócios constituintes de sociedades comerciais
unipessoais (arts. 483º LULL, e arts. 270º-A 488º CSC).
É possível encontrar simples actos jurídicos como actos comerciais. Os próprios factos
jurídicos ilícitos não estão excluídos da qualificação, em certos casos, como actos comerciais. Desde
logo, quando estejam previstos na lei mercantil, como a abalroação de navios (art. 665º C. Com).
Já os factos jurídicos não voluntários não parecem ser qualificáveis como actos de comércio.
Dito isto, podemos para já dizer que são actos de comércio os factos jurídicos voluntários
especialmente regulados em lei comercial e os que, realizados por comerciantes, respeitem as
condições previstas na final do art. 2º C. Com.
Actos de comércio objectivos e subjectivos
Os primeiros são todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código; os
segundos, todos os contratos e obrigações que se acharem especialmente regulados neste código. Assim
entendida, a distinção é científica ou exacta ainda que os actos objectivos terem também notas
subjectivas e de os actos dos comerciantes, para serem considerados actos de comércio subjectivos,
terem de cumprir as duas condições objectivas previstas no final do art. 2º.
Actos de comércio objectivos
Interpretação da 1ª parte do art. 2º C. Com
Remete para uma definição de actos de comércio objectivos por enumeração ou catálogo.
Relativamente à maioria destes actos, o código estabelece uma disciplina específica. São actos de
DIOGO CASQUEIRO 9
Faculdade de Direito da UCP
comércio os actos concretamente caracterizados pelas notas características ou requisitos previstos no C.
Com.
São actos de comércio objectivos apenas os especialmente regulados no código? Não é
razoável petrificar um catálogo de actos num código datado. Temos de abarcar outras leis comerciais,
mas quando pode uma lei ser qualificada de comercial? Há que atender a três hipóteses: a lei substitui
normas do C. Com, auto-qualifica-se como comercial ou, mais precisamente, qualifica actos como
comerciais.
Por conseguinte, são objectivamente comerciais os actos constituintes das sociedades
comerciais previstos no CSC nomeadamente os respeitantes às letras, livranças e cheques; as operações
de bolsa agora previstas no CVM. O C. Com, no capítulo da locação, contém disposições especiais do
arrendamento para fins habitacionais. Entre esses fins encontra-se também o comércio e a locação de
estabelecimento comercial e o trespasse de estabelecimento comercial.
Devem considerar-se actos objectivos de comércio porque especialmente regulados em lei
comercial. Os agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) podem ter objecto comercial ou
civil.
Quanto à mediação de seguros, consiste esta mediação em actividades de promoção da
celebração de contratos de seguro ou de resseguro, de apoio à gestão e execução desses contratos e
eventualmente, de celebração. Ainda no campo das actividades de mediação temos os contratos de
mediação imobiliária e os actos praticados pelos mediadores em execução desses contratos como actos
objectivos de comércio.
Com efeito, o mediador deve ser, por norma, sociedade comercial tendo por objecto a prática
de actos de comércio (art. 1º/2 CSC). Sendo comerciais as sociedades que tenham por objecto a prática
de actos de comércio (art. 1º/2 CSC), são tais decretos-leis actos legislativos comerciais e actos de
comércio objectivos.
Quanto á terceira hipótese, na maioria dos casos as leis não se auto-qualificam explicitamente.
Não parece suficiente remetermos vagamente para as necessidades ou interesses de comércio porque
não existe um conceito unitário de comércio. Por outro lado, porque as leis comerciais regulam também
actos de comércio ocasionais. Para saber se as leis em questão são comerciais, parece necessário, pois,
ver se elas disciplinam matéria análoga à disciplina do C. Com.
Significado do art. 230º do C. Com no quadro dos actos de comércio
Qual o alcance de a lei qualificar estas empresas de comerciais? Uma corrente doutrinária
entende que as empresas aí previstas significam o mesmo que ‘empresários’ ou, mais concretamente,
comerciantes; as empresas seriam as pessoas, singulares ou colectivas que se propuserem a praticar os
actos de comércio aí enumerados. Para uma outra corrente, tais empresas não são mais que séries ou
complexos de actos comerciais. Enquanto outros actos regulados no código são considerados
isoladamente, os previstos no art. 230º são comerciais porque praticados em série.
DIOGO CASQUEIRO 10
Faculdade de Direito da UCP
O enunciado sugere o sentido de pessoa ou empresário para empresa. Exclui-se contudo o
proprietário ou explorador rural e o autor, o artista, industrial etc. Neste domínio, as pessoas ou são
comerciantes ou não comerciantes. Norma delimitadora primeira é o art. 1º C. Com. Os actos de
comércio são logo os previstos no livro II onde se situa o art.230º. Pode haver pessoas (Estado,
autarquias locais etc) a explorar empresas previstas no art. 230º sem adquirir a qualificação de
comerciantes.
Inclinamo-nos a ver as empresas do art. 230º como conjuntos ou séries de actos
objectivamente comerciais enquadrados organizatoriamente.
Quais actos objectivos? Tão-só os contratos em que o exercício da empresa tipicamente se
traduz ou todos os actos praticados na exploração dessas organizações empresariais? Tão somente
aqueles que patentemente se revelam nos vários números do artigo. O nosso artigo parece basear a
tipificação de algumas empresas em factos não jurídico-negociais: as empresas transformadoras, de
espéctaculos públicos e até empresas construtoras. Nestes casos, quais os actos que merecem o
qualificativo de objectivamente comerciais? As empresas referidas no art. 230º podem ser exploradas
por não comerciantes não havendo então lugar para os actos subjectivamente comerciais.
Qualificação de actos de comércio por analogia
A enumeração implícita dos actos de comércio constante da 1ª parte do art. 2º C. Com é
exemplificativa ou taxativa? O problema não se resolve recorrendo ao art. 3º C. Com. Esta norma
admite o recurso à analogia para regular actos já qualificados como comerciais. A nossa questão diz
respeito a lacunas de qualificação, não imediatamente a lacunas de regulação. Os defensores da tese da
inadmissibilidade da qualificação de actos mercantis por analogia invocam três argumentos principais.
Primeiro, a letra da lei, segundo a razão histórica pois esta 1ª parte do artigo foi inspirada no 2º
parágrafo do art .2º do C. Com espanhol. Vai no mesmo sentido o relatório ministerial.
O terceiro argumento é o da certeza e segurança jurídicas. É uma argumentação insubsistente
porque a letra do art. 2º não é concludente. Segundo porque está perimida a concepção subjectivista-
histórica da interpretação das leis e terceiro, porque o argumento da certeza jurídica já pesou muito
mais do que agora e, doutro lado, porque o valor da justiça ou razoabilidade há-de sobrelevar.
Para qualificar actos como comerciais, é legítimo recorrer à analogia iuris/legis? A analogia
legis não levantará muitas dúvidas mas o mesmo não se dirá quanto à analogia iuris. Quem defenda a
existência de um conceito unitário de acto de comércio coerentemente defenderá o recurso á analogia
iuris. Vimos já a irrealidade de um conceito unitário de comércio e por isso é compreensível que alguns
se oponham à analogia iuris. Rejeitando um conceito unitário de acto comercial não será possível
extrair princípios gerais de grupos de normas qualificadoras de diversos actos como acto de comércio.
DIOGO CASQUEIRO 11
Faculdade de Direito da UCP
O nº 6 do art. 230º do C. Com refere-se às empresas de construção somente de ‘casas’, não são
comerciais as construtoras de edifícios? Não há razões substanciais para negar tal qualidade.
A locação financeira é um contrato em que se associam essencialmente prestações próprias da compra
e venda e da locação. Ora, a compra de coisas móveis feita pelo locador financeiro para as revender é
acto de comércio objectivo (nº 1 do art. 463º); a venda dessas coisas é também, nos termos do nº 3, acto
comercial e o aluguer de tais coisas é igualmente mercantil (art. 481º). Por outro lado, as compras e
revendas de coisas imóveis são comerciais quando aquelas, para estas, houverem sido feitas (483º4);
mas o art. 463º já não prevê a compra de coisas imóveis para serem arrendadas, e o aluguer do art.481º
incide sobre móveis. Portanto, o contrato de locação financeira globalmente considerado é um acto de
comércio objectivo.
O nº 2 do art. 230º tem sido a mais fértil fonte para, através de interpretação extensiva ou de
integração por analogia legis, se reconhecer a comercialidade de uma série de espécies empresariais.
Com efeito, tem-se entendido serem comerciais as empresas fornecedoras de água, gás ou electricidade
tal como se tem considerado mercantis uma multiplicidade de empresas de fornecimento de serviços.
A razão que levou o legislador a qualificar como comerciais as empresas do nº 2 foi a de haver
aqui um certo risco, originado pelo facto de interceder sempre um período de tempo entre o momento
da fixação do preço e o dos múltiplos actos sucessivos de fornecimento.
Como qualificar essas empresa de serviços que têm crescido nos últimos decénios, à medida
do acentuar da terciarização da economia, mas que não são análogas às previstas no nº 2. A lei no C.
Com e em diplomas ulteriores considera comerciais muito variadas empresas de serviços o que nos
leva a conclusão óbvia. Recorrendo mais uma vez à analogia iuris, diremos que os negócios sobre
empresas comerciais são actos objectivamente comerciais.
Antigamente, o contrato de agência era atípico e questionava-se a sua comercialidade.
Afirmada claramente nos casos em que o contrato é concluído no âmbito de uma empresa – assim
decorre do art. 230º/3 CC. O comércio em sentido económico é actividade de interposição nas trocas ou
intermediação na circulação dos bens. O comércio em sentido jurídico, sendo embora mais do que isso,
é evidentemente também isso. Colhe-se, pois um principio geral segundo o qual as actividades de
interposição nas trocas pertencem ao comércio em sentido jurídico. O DL 178/86 disciplina matéria
jurídico-mercantil, é portanto lei comercial e o contrato de agência e os actos que por virtude dele o
agente pratica são actos de comércio objectivos.
Concessão comercial é o contrato de carácter duradouro pelo qual o concedente se obriga a
vender bens por si produzidos ou distribuídos ao concessionário, obrigando-se este a comprá-los e a
promover a respectiva revenda. É claro que as vendas dos concedentes são comerciais, tal como são
comerciais as compras efectuadas pelos concessionários (463º3). Porém, o contrato de concessão
comercial não se confunde com o contrato de compra e venda.
DIOGO CASQUEIRO 12
Faculdade de Direito da UCP
Pode dizer-se que, o contrato de concessão comercial é um acto de interposição nas trocas
recorrendo à Analogia iuris é um acto de comércio. Podemos definir os actos de comércio objectivos
como os factos jurídicos voluntários previstos em leis comercial e análoga.
Actos de Comércio subjectivos
Os actos subjectivos de comércio começam por ser actos ‘dos comerciantes’. Registe-se
entretanto o enunciado normativo do art. 13º.
O art. 2º não fala simplesmente de actos dos comerciantes, fala de contratos e obrigações dos
comerciantes. Nos contratos um comerciante não pode ser simultaneamente ambas as partes e um
contrato pode ser mercantil relativamente a uma das partes e não mercantil com respeito à outra. Por
conseguinte, seria mais coerente referir-se o enunciado normativo a todos os actos dos comerciantes.
Não obstante, poderemos adivinhar algum efeito útil da menção às obrigações. Na verdade,
nem todas as obrigações comerciais dos comerciantes derivam de actos mercantis por eles praticados.
A afirmação da comercialidade, nos termos do art. 2º de tais obrigações pode conduzir à aplicação, por
exemplo do art. 15º.
Para serem comerciais, os actos dos comerciantes não podem ser de natureza exclusivamente
civil. Segundo o entendimento tradicional seriam de natureza exclusivamente civil os actos apenas
regulados na lei civil. O preceito refere-se apenas a actos que não forem de natureza exclusivamente
civil, não a actos que não estejam regulados exclusivamente na lei civil. Além disso, há actos omissos,
não regulados nem na lei civil nem na comercial, aos quis pode não repugnar a comercialidade.
Entendemos serem actos exclusivamente civis os que, por sua natureza e essência não são
conexionáveis com o exercício do comércio como os actos de carácter extrapatrimonial, a perfilhação,
designação de tutor pelos pais. É possível considerar as doações actos subjectivamente comerciais com
respeito ao comerciante-doador? Alguns autores vão pela negativa, outros pela positiva. Penso que
também as gratificações a empregados bem como doações feitas pelos comerciantes com fins
reclamísticos não são actos de natureza exclusivamente civil, são actos com causa mercantil e é-lhes
aplicável algum do regime aplicável aos actos mercantis em geral – nomeadamente o art.15º. Porque
conexionáveis com o exercício do comércio em geral, também as rendas não são actos essencialmente
civis. Os factos jurídicos ilícitos podem estar também conexionados com exercício do comércio. Tais
factos ilícitos não têm natureza exclusivamente civil, resultam do exercício do comércio, podem ser
actos subjectivamente mercantis. Por fim, um acto de natureza não exclusivamente civil de um
comerciante é comercial se o contrário não resultar do próprio acto.
Assim, se do próprio acto resulta a ligação com o comércio, o acto é comercial; se do próprio
acto não resulta directamente a ligação, o acto é igualmente comercial (e.g merceeiro compra a
furgoneta ao seu conhecido agricultor sem nada declarar acerca do destino da viatura); se do próprio
acto resulta a não conexão com o comércio, o acto não é mercantil.
DIOGO CASQUEIRO 13
Faculdade de Direito da UCP
‘Próprio acto’ significa não apenas o facto jurídico em si mas também as circunstâncias
concomitantes.
A 2ª parte do art. 2º contém ou não uma presunção legal? Do facto de se saber que
determinado sujeito é comerciante não se conclui que os actos por ele praticados são comerciais.
Aquela norma estabelece a comercialidade de actos que respeitem três requisitos: serem de
comerciantes, não serem de natureza exclusivamente civil nem deles resultar não estarem conexionados
com o comércio dos respectivos comerciantes. Para terminar podemos definir os actos de comércio
subjectivos como: os factos jurídicos voluntários dos comerciantes conexionáveis com o comércio em
geral e de que não resulte não estarem conexionados com o comércio dos seus sujeitos.
Actos de comércio autónomos e actos de comércio acessórios
São actos de comércio autónomos os qualificados de mercantis por si mesmos. Entendemos
por actos de comércio acessórios os que devem a sua comercialidade ao facto de se ligarem ou
conexionarem a actos mercantis. O C. Com prevê alguns actos acessórios: fiança (art. 101º), mandato
(art. 231º).
Estes actos tanto podem ser acessórios de actos de comércio objectivos e autónomos como de
actos de comércio objectivos mas acessórios. Tem-se questionado a possibilidade de qualificação como
comerciais dos actos de não comerciantes não especialmente regulados na lei mercantil mas acessórios
de actos objectivamente comerciais. De acordo com a teoria do acessório, todo o acto de um não
comerciante efectivamente conexionado com acto objectivamente mercantil é acto de comércio. Penso
que a teoria do acessório, na pretendida máxima extensão não deve ser acolhida entre nós. Porém, dada
a diversificada índole daqueles actos não parece legitimo afirmar um princípio geral segundo o qual
todo e qualquer acto de não comerciantes seria mercantil quando conexionado com actos objectivos de
comércio. Não obstante, já nos parece legitimo qualificar de comerciais certos actos de não
comerciantes por serem análogos a certos actos acessórios de comércio.
Actos formalmente comerciais (e actos substancialmente comerciais)
Actos formalmente comerciais são os esquemas negociais utilizáveis quer para a realização de
operações mercantis, quer para a realização de operações económicas que não são actos de comércio
nem se inserem na actividade comercial, estão contudo especialmente regulados na lei mercantil,
merecendo portanto a qualificação de actos de comércio. Protótipo destes actos são os negócios
cambiários. Estes negócios cambiários porque previstos em lei mercantil são actos de comércio –
apesar de a sua comercialidade ser formal.
Actos bilateralmente comerciais e actos unilateralmente comerciais
DIOGO CASQUEIRO 14
Faculdade de Direito da UCP
Os primeiros são actos cuja comercialidade se verifica em relação a ambas as partes. São
unilateralmente comerciais os actos cuja comercialidade se verifica só em relação a uma das partes.
Qual o regime jurídico dos actos unilateralmente comerciais? Responde o art. 99º. Estes estão,
em regra, sujeitos à disciplina mercantil. Exceptuam-se, porém, as disposições da lei comercial como o
art. 100º. A solidariedade de devedores só se verifica, por conseguinte, relativamente aqueles por cujo
respeito o acto é mercantil. Suponhamos que dois comerciantes, num único contrato, compram x peças
de artesanato a dois artesões. O acto é unilateralmente comercial – a compra é mercantil (art. 463º/1).
A disposição do art. 100º é somente aplicável àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é
mercantil. Quando, o acto unilateralmente comercial seja contrato de consumo, aplicam-se a ambos os
contraentes as regras especiais das relações de consumo.
CAPÍTULO I – Empresa e estabelecimento comercial
6. A empresa comercial
7. O estabelecimento comercial
CAPÍTULO II – Sujeitos do Direito Comercial
8. O acesso à actividade comercial. Pessoas singulares
Introdução
Os sujeitos dos actos de comércio e das relações jurídico-mercantis podem ser comerciantes e
não comerciantes. Os sujeitos com capacidade civil de exercício possuem igualmente capacidade
comercial, nos termos do art. 7º C. Com. Porém, os actores determinantes no direito mercantil são os
comerciantes. Possuem os comerciantes um estatuto próprio que se traduz principalmente no seguinte:
i. Os actos dos comerciantes são considerados subjectivamente comerciais nos termos
da 2ª parte do art. 2º;
ii. As dívidas comerciais dos comerciantes casados presumem-se contraídas no
exercício dos respectivos comércios;
iii. A prova de certos factos em que intervém comerciantes é facilitada (art. 400º);
iv. Prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objectos
vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio (art. 317º, b));
v. Nos termos do art. 18º, os comerciantes estão obrigados a adoptar uma fira, a ter
escrituração mercantil, a fazer inscrever no registo comercial os actos a ele sujeitos, a dar balanço e a
prestar contas.
DIOGO CASQUEIRO 15
Faculdade de Direito da UCP
Pessoas singulares
O art. 13º compreende sem dúvida pessoas singulares que têm de ter capacidade para praticar
actos de comércio. Discute-se se a capacidade exigida é a capacidade jurídica ou a capacidade de
exercício de direitos. Entende a doutrina tradicional referir-se a norma à capacidade de exercício. A
prática de actos de comércio e a profissão mercantil referem-se à capacidade de agir e não à mera
idoneidade para se ser titular de direitos e obrigações; por outro lado, o art. 13º há-de concordar com o
art. 7º. O requisito da capacidade previsto no art. 13º tem de ser compreendido com algumas restrições
Na verdade, a alínea c) do nº 1 do art. 1889º do CC permite aos pais enquanto representantes
do filho a adquirir estabelecimento comercial ou ao tutor representante do menor ou interdito (art. 139º
CC). Os incapazes que exerçam o comércio através de representantes legais devidamente autorizados
pelo MP devem ser considerados comerciantes, têm o estatuto de comerciantes.
Para serem comerciantes, as pessoas com capacidade para praticar actos comerciais têm de
fazer do comércio profissão. Se pode dizer-se haver consenso quanto a uma ideia mínima de profissão
já o mesmo se não pode dizer quanto ao comércio. O comércio em sentido jurídico vai para lá do
comércio em sentido económico e o comércio referido no nº 1 do art. 13º há-de ser comércio em
sentido jurídico. Pois bem, este comércio significa actividade qualificada por lei como comercial.
Todavia, não é a prática ainda que habitual ou sistemática de quaisquer actos de comércio que faz do
respectivo sujeito comerciante. Fora de causa estão também os actos formalmente comerciais. E quanto
aos actos acessórios? Responde afirmativamente a doutrina dominante. É verdade que a prática de
certos actos acessórios não conduz à qualificação do respectivo sujeito mas nem sempre assim sucede.
Uma pessoa que explora um armazém onde são depositadas mercadorias destinadas a ser revendidas
pelos depositantes (art. 403º). Porque não há-de ser considerada comerciante?
Repita-se: para serem comerciantes, as pessoas têm de exercer uma actividade comercial ou
praticar actos de comércio com profissionalidade, isto é, de modo habitual ou sistemático. Não se
exige, no entanto, que a profissão comercial seja a única exercida pelo sujeito nem que seja a principal.
Não se exige também que a actividade seja exercida a título principal nem que seja exercida de modo
contínuo ou inimterrupto.
Deve acrescentar-se que as pessoas que exercem profissionalmente uma actividade comercial
só são comerciantes quando a exerçam em nome próprio. De outra forma: é comerciante a pessoa que
exerce pessoalmente e a título profissional o comércio ou em cujo nome ele é exercido. São, portanto,
comerciantes os incapazes e não os representantes. É correcto dizer-se que os comerciantes são as
pessoas que exploram empresas comerciais. É apenas tendencialmente correcto.
A partir de que momento adquirem as pessoas singulares a qualidade de comerciantes? Não
parece possível uma resposta única pois pode depender de um só acto ou de vários. Em tese geral,
determina-se pela prática de acto ou dos actos reveladores do propósito e possibilidade de certo sujeito
DIOGO CASQUEIRO 16
Faculdade de Direito da UCP
se dedicar ao exercício habitual de uma actividade comercial. A questão apresenta maior relevo a
propósito dos comerciantes – empresários.
Tem-se entendido, com apoio no art. 95º que passa a ser comerciante a pessoa logo que abre
um estabelecimento pronto a funcionar. Se alguém pratica vários actos de organização de uma empresa
comercial e esses actos indiciam que ele irá explorá-la torna-se, por isso, comerciante.
9. O estabelecimento (mercantil) individual de responsabilidade limitada (EIRL)
10. As sociedades comerciais
Prescreve o art. 13º que são comerciantes as sociedades comerciais (nº 2) que vêm definidas
no nº 2 do art. 1º CSC. Adquirem a qualidade de comerciantes a partir do momento que adquirem
personalidade jurídica (art. 5º CSC). Não é necessário que pratiquem actos de comércio.
O CSC, no nº 4 do art. 1º permite que as sociedades que tenham por objecto a prática de actos
não comerciais adoptem um dos tipos ou formas das sociedades comerciais. As sociedades civis de tipo
ou forma comercial não têm objecto comercial comercial – não são sociedades comerciais. Logo não
são comerciantes; o art.13º/2 do C. Com qualifica de comerciantes apenas as sociedades que sejam
sociedades comerciais.
11. Outras entidades personalizadas
É o caso das entidades públicas empresariais (EPE) e entidades empresariais locais (EEL), dos
agrupamentos complementares de empresas (ACE), agrupamentos europeus de interesse económico
(AEIE) e cooperativas. Comecemos pelas EPE e EEL. Porque não são sociedades, não cabe no nº 2 do
art.13º. Entrarão no nº1? Segundo algumas pessoas, este número ao falar de pessoas refere-se tão só às
pessoas físicas e não às colectivas ou jurídicas.
Uma resposta negativa devia ainda ancorar-se na ‘profissão’ constante do nº 1 do art.13º. É
verdade que a profissão se liga normalmente às pessoas humanas; não obstante, ela pode também
caracterizar o exercício de actividades por parte de pessoas jurídicas.
Uma interpretação objectivo-actualista da norma do art. 13º não pode impor o intuito lucrativo
como nota essencial, indefectível de profissão. Portanto, nada há no art. 13º/1 que impeça estas
entidades de serem comerciantes. São comerciantes quando as respectivas empresas são comerciais. Os
ACE e os AEIE são comerciantes quando tenham objecto comercial, cabendo igualmente no nº 1 do
art. 13º.
DIOGO CASQUEIRO 17
Faculdade de Direito da UCP
Antes do CCoop de 1980, as cooperativas eram genericamente reguladas no CC enquanto
sociedades. Cedo se defendeu contudo que nem todas elas seriam sociedades comerciais, sê-lo-iam
apenas as cooperativas tendo por objecto a prática de actos de comércio. Ainda hoje, neste caso são
consideradas comerciantes (art. 13º/1).
Deve entender-se que estas diversas pessoas colectivas adquirem a qualidade de comerciantes,
pelo menos, a partir do momento em que passam a gozar de personalidade jurídica.
Sujeitos não qualificáveis como comerciantes
Não são comerciantes os que exercem actividades não mercantis. Sendo estas actividades as
não qualificadas legalmente de comerciais e as não análogas às comerciais. Não são comerciantes as
que exercem uma actividade agrícola valendo aqui um conceito amplo de agricultura, a sivicultura, a
pecuária e ainda a cultura de plantas e criação de animas sem terra. Também não são comerciais os
artesãos contudo muitas vezes, o artesanato é exercido de modo empresarial, há empresas de
artesanato. Mesmo nestes casos, os artesãos empresários que exerçam directamente a respectiva
actividade não são comerciantes.
Os profissionais liberais bem como os sujeitos colectivos cujo objecto consista numa
actividade profisional-liberal também não são comerciantes.
A asserção é confirmada por diversos actos normativos. Próximos dos profissionais liberais temos uma
série de trabalhadores autónomos igualmente não comerciantes. É o caso dos escultores, pintores,
escritores, cientistas, músicos.
O Estado, distrito, município e a paróquia não podem ser comerciantes mas podem, nos
limites das suas atribuições praticar actos de comércio e quanto a estes ficam sujeitos às disposições do
código (art. 17º). As pessoas colectivas públicas de tipo institucional e de tipo associativo, exceptuadas
as EPE não podem ser comerciantes. O Estado mencionado no art. 17º deve pois ser interpretado
extensivamente. A mesma disposição é aplicada às associações e fundações de direito privado com fim
desinteressado ou altruístico.
Sujeitos legalmente inibidos da profissão de comércio
Entidades colectivas
O art.14º não pode pretender que as referidas associações fiquem impossibilitadas de praticar
actos de comércio, inclusive de forma sistemática ou habitual. Podem praticar actos de acordo com art.
160º.
DIOGO CASQUEIRO 18
Faculdade de Direito da UCP
O intuito do preceito é o de vedar o estatuto de comerciante às citadas associações; ainda que
exerçam o comércio como modo de vida delas. As associações de fim desinteressado não têm por
objecto interesses materiais. As associações de fim interessado ou egoístico mas ideal também não têm
por objecto interesses materiais mas podem praticar actos comerciais e exercer comércio, suponha-se
uma associação recreativa que explora um negócio de bar.
Das associações de fim interessado ou egoístico de cariz económico não lucrativo já não pode
dizer-se não terem por objecto interesses materiais. As actividades comerciais por ela desenvolvidas
são acessórias e/ou instrumentais das actividades e finalidades principais – de carácter não mercantil –
por elas prosseguidas.
E se uma associação passar a dedicar-se exclusivamente o exercício de uma actividade
mercantil, a fazer do comércio profissão? Pensamos que não porque está fora da sua capacidade
jurídica pelo que são nulos os respectivos actos (arts. 294º e 295º). E a associação deve ser
judicialmente extinta porque o seu fim real não coincide com o fim legalmente permitido.
Pessoas singulares
Alguns casos de incompatibilidade
Diz o art. 14º que é proibida a profissão do comércio aos que não possam comerciar. A
legislação comercial estabelece algumas incompatibilidades:
a. Nenhum gerente pode negociar por conta própria, art. 253º;
b. Nenhum sócio pode exercer actividade concorrente, art. 180º CSC;
c. Os gerentes das sociedades por quotas também não, art. 254º CSC;
d. Os administradores de sociedades anónimas também não, arts. 398º/3 e 428º CSC;
e. Os sócios comanditados são obrigados a não fazer concorrência à sociedade, art. 477º
CSC.
Todas estas impossibilitadas são relativas. Existem também diversas incompatibilidades de
direito público. Exemplos:
1. Magistrados judiciais;
2. Magistrados do MP;
3. Militares;
4. Titulares de órgãos de soberania de outros cargos políticos altos cargos públicos ou
equiparados.
DIOGO CASQUEIRO 19
Faculdade de Direito da UCP
Uma pessoa proibida por lei de comerciar mas que viole a proibição, é comerciante? Tem-se
dito que sim e não contudo inclino-me para a positiva porque essas pessoas têm capacidade para
praticar actos de comércio e fazem deste profissão – os requisitos do art. 13º/1 estão cumpridos. Por
outro lado, porque não sã nulos, anuláveis os actos visam possibilitar ou potenciar o desempenho
efectivo e eficiente de certos cargos. Por isso, as sanções cominadas para a violação das proibições
legais não afectam a validade e eficácia do exercício do comércio, são de outra ordem:
responsabilidade civil.
Insolvência e inibição para o exercício do comércio
No quadro problemático das inibições legais para o exercício do comércio merece referência
especial a situação dos insolventes e seus administradores.
Âmbito de aplicação do processo de insolvência
O processo de insolvência visa satisfazer conjuntamente os credores de um devedor. Dispõem
os credores de duas vias principais para aproveitarem as forças patrimoniais do devedor: ou vão pela
liquidação dos bens integrantes da massa insolvente de consequente repartição dos resultados
distribuíveis ou se decidem por um plano de insolvência onde regulam autonomamente o modo por que
serão satisfeitos os seus interesses (art. 1º CIRE). O art. 2º do CIRE estabelece quem está sujeito a
declaração de insolvência. Entram aqui quaisquer pessoas singulares ou colectivas.
O segundo grupo reúne entidades ou sujeitos de natureza colectiva mas não personalizados.
No terceiro grupo temos a herança jacente (art. 2º/1, b)), o estabelecimento individual de
responsabilidade limitada e quaisquer outros patrimónios autónomos. Como logo deflui deste art. 2º, os
sujeitos passivos da declaração de insolvência não têm de ser comerciantes. Os sujeitos em causa
também não têm de ser empresários mas, não obstante, há aspectos do regime da insolvência
dependentes da existência ou inexistência de empresa. Pressuposto objectivo para alguém ser declarado
insolvente é a situação de insolvência ou situação equiparada. Em geral, é considerado em situação de
insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art. 3º).
Os sujeitos em causa não têm de ser empresários. Não obstante há aspectos do regime da
insolvência dependentes da existência ou inexistência de empresa. Pressuposto objectivo para alguém
ser declarado insolvente é a situação de insolvência ou situação equiparada. É considerado em situação
de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art.
3º). A impossibilidade de cumprimento há-de assentar na falta de meios de pagamento ou bens de
liquidez. Por outro lado, as obrigações não cumpridas hão-de estar já vencidos e representar a
totalidade das obrigações do devedor, pelo menos, parte essencial.
DIOGO CASQUEIRO 20
Faculdade de Direito da UCP
É possível um devedor ter passivo superior ao activo mas nem por isso estar em situação de
insolvência: basta que vá obtendo os meios necessários à medida que as obrigações se vençam.
Acrescenta o art. 3º/4 uma equiparação à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente.
Existe tal situação quando se antevê como provável que o devedor não terá meios para
cumprir a generalidade das suas obrigações no momento em que se vençam. Outros sujeitos não têm,
segundo essa norma, possibilidade de requerer tal pedido com base no mero risco. O CIRE considera
ainda uma outra situação como se insolvência. Diz o 3art. º/2 que as pessoas colectivas e patrimónios
autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa responda pessoal e ilimitadamente, são também
considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo.
Esta norma é aplicada a todas as sociedades por quotas/anónimas, nome colectivo e em
comandita em que os sócios sejam pessoas de responsabilidade limitada.
Para se aferir passivo/activo são avaliados pelas normas contabilísticas aplicáveis mas o art.
3º/3 permite que se utilizem outros critérios de avaliação. Nos termos da alínea a) são consideráveis
não só os elementos identificados no balanço mas também os identificáveis, designadamente
intangíveis como o direito de arrendamento, marca, patente, alvará que por qualquer razão não possam
ser atendidos no balanço. De acordo com a alínea b) a valorização baseia-se numa perspectiva de
continuidade ou de liquidação consoante o que se afigure mais provável.
O justo valor ou valor e continuação será normalmente superior ao valor de liquidação e, em
qualquer caso, o valor de continuação e liquidação podem ser superiores aos registados no balanço
Alguns efeitos da declaração de insolvência; inibição para o exercício do comércio
Normalmente, a declaração judicial de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou
pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição de bens integrantes da massa
insolvente. A massa insolvente é constituída, em regra, por todo o património do devedor à data da
declaração de insolvência e pelos bens que ele adquira na pendência do processo (art. 46º/1). Se o
insolvente dispuser de um objecto da massa, o acto é ineficaz, não produz efeitos (art. 81º/6). A
ineficácia é agora, não relativa mas absoluta. É possível que o acto do insolvente se revele benéfico
para a massa. Será lícito então o administrador da insolvência ratificar o acto.
Na sentença de declaração da insolvência, a insolvência será qualificada como culposa ou
fortuita (arts. 185º, 189º1). Sendo a insolvência culposa, deve o juiz decretar a inabilitação das pessoas
afectadas e declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10
anos bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil.
Ora, os insolventes ou seus administradores, ainda quando causem ou agravem culposamente a situação
de insolvência não sofrerão em geral daquela falta ou diminuição; por outro lado, a inabilitação surge
DIOGO CASQUEIRO 21
Faculdade de Direito da UCP
no CIRE primordialmente como sanção para aqueles sujeitos. Entretanto o TC declarou com força
obrigatória geral a inconstitucionalidade.
Não parece que a inibição para o exercício do comércio seja qualificável como incapacidade.
Ela não se funda em défices nas faculdades pessoais dos afectados e visa proteger os sujeitos proibidos
de comerciar têm capacidade para praticar actos negociais inclusive actos de comércio, e a
inobservância da inibição não provoca a invalidade dos actos correspondentes. Deve, pois, a inibição
de comerciar ser qualificada também como incompatibilidade. Se a pessoa proibida de comerciar violar
a proibição exercendo profissionalmente o comércio, torna-se comerciante? Parece que não, por razões
de tutela do comércio.
Alguns outros sujeitos de qualificação duvidosa
Mandatários comerciais com representação
Quase unanimemente entende a doutrina não serem comerciantes os que executem mandato
comercial com representação. Praticam duas categorias de actos juridicamente distintas: uma,
constituída pelos actos realizados em nome do mandante e outra que é o próprio mandato, é
inteiramente pessoal.
Pela primeira, o mandatário não deve considerar-se comerciante mas pela segunda o
mandatário não pode deixar de adquirir a qualidade de comerciante pois que exerce a profissão de um
comércio que é o mandato comercial, acto de comércio objectivo, nos termos dos artigos 2º e 231º. Por
outro lado, o mandato comercial não é ‘um comércio’ para efeitos do art. 13º. O mandato é comercial
porque o mandatário é encarregado de praticar um ou mais actos de comércio (art. 231º).
Gerentes de comércio, auxiliares e caixeiros de comerciantes:
É gerente de comércio quem, em nome e por conta de um comerciante, trata do comércio
deste no lugar onde este o exerce ou noutro qualquer (arts. 248º, 250º, 251º). O mandato conferido ao
gerente é em princípio geral e compreensivo (art. 249º). Auxiliares são as pessoas encarregadas por
comerciante do desempenho constante, em nome e por conta dele, de algum ou alguns ramos do tráfico
(art. 256º). Por sua vez, os caixeiros são empregados de comerciante encarregados de funções várias
incluindo a realização de negócios jurídicos. O poder de representação dos auxiliares e caixeiros é
menos extenso que o dos gerentes.
Os gerentes, auxiliares e caixeiros são qualificados pelo C. Com como mandatários comerciais
com representação. Os poderes de representação voluntária podem resultar de outros negócios
jurídicos. Por exemplo do contrato de trabalho. Sendo os gerentes, auxiliares e caixeiros trabalhadores
DIOGO CASQUEIRO 22
Faculdade de Direito da UCP
subordinados que tratam do comércio em nome e por conta dos empregadores, há-de concluir-se não
serem comerciantes. Comerciantes são os empregadores.
Comissários comerciais:
O contrato de comissão está previsto no art. 266º. É o comissário um mandatário comercial
sem representação. Quando execute a título profissional contrato ou contratos de comissão deve ser
considerado comerciante. Apesar dessa prática ser por conta do comitente, os efeitos devem projectar-
se ou repercutir-se na esfera jurídica do comitente.
Relativamente ao comissário há escritores que lhe reconhecem a qualidade de comerciante.
Esta opinião é, porém, difícil de justificar. O comissário é, na verdade, um mandatário. O comissário só
poderá considerar-se como comerciante quando, atendendo às circunstâncias peculiares, mantendo uma
organização especial, necessitando de crédito, se entenda que essa actividade entra no conceito geral de
comércio, nos termos do art. 13º/1 tendo a profissão de comissário carácter mercantil. Reconhecer a
qualidade de comerciante ao comissário não implica recusá-la ao comitente. É algo contraditório
afirmar ser comerciante somente quem exerce o comércio em nome e por conta própria e dizer depois
que, afinal, o comissário pode em algumas circunstâncias ser considerado comerciante. Para qualificar
o comissário como comerciante não parece necessário haver uma empresa de comissões.
Mediadores
Mediador é o sujeito que estabelece a ligação entre vários outros sujeitos, promovendo a
celebração de negócios entre eles. Os autores que entre nós se têm preocupado com a questão
propendem para considerar comerciante tão-só o mediador-empresário, o mediador que explora uma
empresa comercial do tipo das previstas no nº 3 do art. 230º. Mas entendo mais. Vimos que as
actividades de interposição nas trocas de mediação são económica e juridicamente mercantis. Logo, um
mediador que exerça profissionalmente actividade de mediação deve ser considerado comerciante
ainda quando a exerça fora do quadro de uma empresa.
Corretores
Não há categoria única, podemos contudo apontar duas espécies principais: a dos corretores
mediadores como os corretores de seguros e os corretores que actuam normalmente como mandatários
e a dos corretores que actuam normalmente como mandatários com e/ou sem representação de que são
exemplo os corretores da bolsa. Actualmente, os corretores são sociedades corretoras e tais sociedades
são comerciais e, consequentemente comerciantes (art. 13º/2). Na verdade, além da forma elas têm
objecto mercantil, têm por objecto a prática de actos comerciais como operações de bolsa.
Agentes comerciais
DIOGO CASQUEIRO 23
Faculdade de Direito da UCP
É o sujeito que promove por conta de outrem a celebração de contratos de modo autónomo e
estável e mediante retribuição; podendo ainda, actuando como representante voluntário do principal,
participar na própria celebração daqueles contratos e participar na própria celebração dos mesmos. A
actividade de promoção ou agenciamento de negócios é uma actividade jurídico-comercial. Os agentes
são comerciantes. Não utilizam para tal empresas de agenciamento de negócios (previstas no nº 3 do
art. 230º).
Farmacêuticos
Os farmacêuticos realizam sistematicamente compras e vendas comerciais de medicamentos,
vendem nas suas farmácias sobretudo medicamentos comprados com o intuito de os revender (art.
463º, nºs 1 e 3). São pois também comerciantes. E comerciantes são também os farmacêuticos que
exploram laboratórios industriais (art. 230º/1) e os que explorem armazém de revenda de fármacos.
Sócios de responsabilidade ilimitada
É consensual o entendimento de que os sócios das sociedades comerciais por quotas e
anónimas não são comerciantes. Comerciantes são as próprias sociedades (art. 13º/2). Não se verifica o
mesmo consenso a respeito dos sócios de responsabilidade ilimitada em nome colectivo e dos sócios
comanditados.
A responsabilidade dos sócios é subsidiária da da sociedade, e os credores dos sócios não
podem executar as partes destes na sociedade (CSC, arts. 175º/1, 183º/1, 465º/1, 474º). Estas
sociedades constituem sujeitos distintos dos sócios agindo estes em nome delas. Em suma,
comerciantes são as sociedades não os sócios de responsabilidade ilimitada.
Sociedades comerciais sem personalidade jurídica
As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica a partir da data do registo
definitivo do acto pelo qual se constituem (art. 5º CSC). Podem estas sociedades ser comerciantes? Os
poucos autores portugueses que colocaram a questão respondem breve e categoricamente com um não.
O art. 13º também considera comerciantes as sociedades que, além de terem por objecto
praticar um ou mais actos de comércio, estejam constituídas conforme os preceitos da lei pois só assim
elas podem adquirir individualidade jurídica (arts. 104º e 108º). As sociedades que não têm
personalidade não têm a qualidade de comerciantes. Penso que as sociedades comerciais sem
personalidade jurídica podem ser comerciantes. Também brevemente:
DIOGO CASQUEIRO 24
Faculdade de Direito da UCP
i. O nº 2 do art. 13º diz serem comerciantes as sociedades comerciais que tenham por
objecto a prática de actos de comércio são comerciais, mesmo que não possuam personalidade
colectiva;
ii. Apesar de não serem pessoas colectivas, tais sociedades têm subjectividade jurídica
para praticarem actos de comércio;
iii. Os sócios destas sociedades não são comerciantes;
iv. São as sociedades em causa que devem cumprir as obrigações específicas dos
comerciantes previstas no art. 18º;
v. Posto isto, deve entender-se que as sociedades comerciais sem personalidade podem
ser comerciantes adquirindo esta qualidade com a prática do ou dos actos reveladores do propósito.
Comunidades conjugais
Os cônjuges casados em regime de comunhão geral ou de adquiridos são muitas vezes co-
titulares m comunhão de uma empresa comercial. Se apenas um deles gere ou administra a empresa só
ele é comerciante. Mesmo quando um dos cônjuges tem a direcção da empresa pode o outro praticar
actos de administração ordinária relativamente à mesma; se o fizer de forma habitual e sistemática é
comerciante. Sendo ambos os cônjuges comerciantes, a maioria das obrigações do art.18º não são
duplicadas.
Comunidades de herdeiros
Integrando uma herança já aceite mas indivisa, uma ou mais empresas comerciais
administradas pelo cabeça de casal, quem é comerciante? Os herdeiros enquanto titulares em
comunhão ou mão comum da herança, enquanto comunidade de herdeiros inclinamo-nos para esta
hipótese.
12. O estatuto (próprio e) comum dos sujeitos de Direito Comercial
Referimos os principais pontos em que se traduz o estatuto dos comerciantes. Importa tratar
agora de alguns desses pontos.
Firmas e denominações
Noção
Diz-se habitualmente que a firma é o nome comercial dos comerciantes, o sinal que os
individualiza ou identifica. A firma individualiza alguns não comerciantes: as sociedades civis de tipo
comercial e os ACE com objecto civil e pode agora individualizar empresários individuais não
DIOGO CASQUEIRO 25
Faculdade de Direito da UCP
comerciantes. O art. 19º do CC, na redacção originária, contrapunha a firma à denominação, aquela era
constituída por nomes de pessoas, esta designava as sociedades anónimas.
Actualmente, firma é o vocábulo preferido para designar o signo individualizador de
comerciantes; denominação designa preferencialmente o sinal identificador de não comerciantes e
pode, nalguns casos, ser composta por nomes de pessoas (arts. 36º, 42º e 43º). Todos os comerciantes
devem adoptar firma ou designação (art. 18º/1CC).
Composição
Firmas dos comerciantes individuais
A firma tem e ser composta pelo seu nome. O nome completo pode ser antecedido de
expressões ou siglas correspondentes a títulos académicos, profissionais ou nobiliárquicos a que o
comerciante pode aditar o seu nome, alcunha ou expressão alusiva à actividade exercida.
Tratando-se de titular de um estabelecimento individual de responsabilidade limitada deve
acrescentar E.R.I.L.
Firmas das sociedades comerciais
De acordo com o art. 177º/1 do CSC, a firma das sociedades em nome colectivo deve ser
composta, ou pelo nome ou firma de todos os sócios ou pelo nome ou firma de um deles e deve
acrescentar-se ‘e companhia’, expressão alusiva ao objecto social.
Segundo o art. 200º/1 CSC, a firma das sociedades por quotas deve ser formada, com ou sem
sigla, pelas inicias ou letras de um nome ou pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios
ou por uma denominação particular ou pela reunião de ambos os elementos – firma mista. A firma
conterá também o aditamento de limitada ou lda.
O que dissemos vale integralmente para a firma das sociedades anónimas que deve conter a
abreviatura S.A. A firma das sociedades em comandita deve ser composta pelo nome ou firma de um
ou todos os sócios comanditados e o aditamento ‘em comandita’ – art. 467º1. Além do nome ou firma
dos sócios comanditados pode figurar na firma destas sociedades o nome ou firma de sócios
comanditários e de não sócios que em tal consintam expressamente (art. 467º/2 e 3).
Agora, a denominação integrante de firma pode fazer menção ao objecto social mas não tem
de fazê-lo – pode ser inteiramente fantasiosa.
Firmas de agrupamentos complementares de empresas
A firma dos ACE poderá consistir numa denominação particular ou ser formada pelos nomes
ou firmas de todos os seus membros ou de, pelo menos, um deles. Devem conter o aditamento ‘ACE’.
DIOGO CASQUEIRO 26
Faculdade de Direito da UCP
Denominações de outras entidades colectivas
A denominação das entidades públicas empresariais deve integrar a expressão ‘Entidade
pública empresarial’. A denominação das cooperativas é seguida das expressões cooperativa (art. 14º
CCoop). os agrupamentos europeus de interesse económico devem conter a abreviatura AEIE.
Princípios informadores da composição das firmas e denominações
Princípio da verdade
Os elementos componentes das firmas e denominações não devem induzir em erro sobre a
identificação, natureza ou actividade do seu titular (art. 32º/1 RRNPC). Quando alguém deixe de ser
associado ou sócio e seja pessoa singular cujo nome figure na firma esta deve ser alterada no prazo de
um ano, a não ser que o associado ou sócio ou herdeiro consinta por escrito na continuação da mesma
firma ou denominação (art. 32º/5)
Princípios da novidade ou exclusividade:
As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as
registadas ou licenciadas, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizadas por outras. Os
titulares de firmas validamente constituídas e registadas têm um direito exclusivo sobre elas em
determinado âmbito geográfico.
As sociedades comerciais têm direito ao uso exclusivo das suas firmas em todo o território
nacional (art. 37º/2). Sendo assim, os comerciantes individuais cuja firma seja composta tão-só pelo
nome civil ou pelo pseudónimo não têm direito ao uso exclusivo dela; os comerciantes homónimos
podem ter firmas iguais mas podem os indivíduos em questão socorrer-se do normativo respeitante ao
direito ao nome (art. 72º/2) ou, eventualmente, à proibição da concorrência desleal (art. 317º CPI).
Pode mesmo afirmar-se que o art. 10º/2 e 3 do CSC deve ser interpretado de acordo com a norma geral
do art. 33º/1 do RRNPC.
Mas quando pode dizer-se que as firmas ou denominações não são novas? Não é nova
relativamente a outra firma ou denominação quando, atendendo à grafia das palavras, à forma oficiosa
dos signos, o público com capacidade, diligência e atenção normal as não consegue distinguir,
confunde.
Valerá o princípio da novidade em relação a comerciantes não concorrentes? Têm alguns
autores defendido não valer o princípio em relação a comerciantes não concorrentes. Na verdade,
DIOGO CASQUEIRO 27
Faculdade de Direito da UCP
dizem, o risco de confusão é inexistente. Para outros autores, o principio vale também para
comerciantes não concorrentes. O público em geral pode tomar uma firma por outra, uma sociedade
por outra, ou supor entre elas relações inexistentes, agravando-se o risco em relação a fornecedores e
financiadores; a reputação de uma das sociedades pode ser posta em causa pela publicitação de outra
empresa.
Princípio da capacidade distintiva
As firmas e as denominações, enquanto sinais distintivos de comerciantes hão-de ser
constituídas por forma a poderem desempenhar a função diferenciadora. Não são admitidas
denominações constituídas exclusivamente por vocábulos de uso corrente que permitam identificar ou
se relacionem com actividade, técnica ou produto, bem como topónimos e qualquer indicação de
proveniência geográfica.
Princípio da unidade
O comerciante individual deve adoptar uma só firma e vigora o mesmo princípio para as
sociedades (CSC, arts. 9º/1, c)). Todavia, o princípio admite uma excepção: um comerciante que exerça
actividades mercantis no quadro de uma e.i.r.l e fora dele terá duas firmas – art. 40º RRNPC. Já o
comerciante que adquira a firma de outro mesmo que passe a explorar duas ou mais empresas
autónomas não poderá manter mais que firma: a originária com aditamento (art. 38º/1 RRNPC).
Princípio da licitude
As firmas e denominações não podem conter ‘expressões proibidas por lei ou ofensivas da
moral ou dos bons costumes’.
Alteração de firmas e denominações
Respeitados que sejam os princípios há pouco assinalados, os comerciantes podem livremente
alterar as firmas ou denominações (art. 56º/1, a) e f) RRNPC). Se um indivíduo deixa de ser associado
ou sócio, e não se tem o consentimento, é necessário que essa firma ou denominação seja alterada (art.
32º/5).
Transmissão
Sendo as firmas sinais distintivos dos sujeitos, poderia pensar-se serem intransmissíveis.
Enquanto colector de clientes, a firma pode ter considerável valor económico. Interessa pois, ao titular
da firma poder realizar esse valor.
DIOGO CASQUEIRO 28
Faculdade de Direito da UCP
Tem sido permitida a transmissão da firma juntamente com a empresa. A transmissão entre
vivos da firma obedece a três requisitos:
1. Transmissão tem de fazer-se com a de um estabelecimento comercial;
2. É necessário o acordo das partes devendo o consentimento do transmitente da firma
ser dado por escrito;
3. O adquirente deve aditar à sua própria firma menção de sucessão e a firma adquirida.
Com o actual art. 24º saiu reforçado o princípio da verdade mas ficou enfraquecida a
transmissibilidade de firmas. A transmissão da firma de comerciante individual pode dar-se também
mortis causa.
Tutela do direito à firma ou denominação
O direito à exclusividade de firma ou denominação constitui-se com o registo definitivo delas
(RRNPC, arts. 3º e 35º1). Para o correspondente âmbito de exclusividade, a protecção das firmas e
denominações faz-se por meios preventivos e repressivos. Entre os primeiros contam-se os certificados
de admissibilidade de firmas e denominações emitidos pelo registo nacional de pessoas colectivas.
E, está bem de ver, esses certificados não devem ser emitidos quando as denominações ou
firmas escolhidas sejam idênticas ou susceptíveis de confusão ou erro com as registadas. As firmas que
violem o princípio da novidade ou exclusividade podem ser objectos de acções judiciais de declaração
de nulidade, anulação ou revogação e estão sujeitas à declaração (pelo RNPC) de perda do direito ao
respectivo uso (arts. 35º/4, 60º). Por outro lado, o uso ilegal de uma firma confere aos interessados o
direito de exigir a sua proibição, bem como a indemnização. Os titulares de firmas ou denominações
não registadas não têm o direito à exclusividade delas.
Há, no entanto, titulares de firmas e denominações não registadas em Portugal que gozam dos
diversos meios preventivos e repressivos há pouco enunciados. São os nacionais dos países da União
Internacional para a Protecção da Propriedade industrial ou que aqui sejam notoriamente conhecidas.
Extinção do direito à firma ou denominação
Sendo as firmas e denominações dos comerciantes sinais distintivos dos mesmos para o
exercício do comércio, a cessação dessas actividades implica a extinção dos correspondentes sinais.
Não é contudo necessariamente assim.
Se a actividade comercial cessa porque o comerciante falecer extingue-se logo a firma no caso
de ele não ter deixando estabelecimento comercial. Cessando a actividade de sociedades comerciais ou,
de outras entidades colectivas comerciantes sem que as mesmas se extingam, as respectivas firmas ou
denominações extinguem-se. Caso a transmissão se não dê, por qualquer motivo, aqueles sinais podem
DIOGO CASQUEIRO 29
Faculdade de Direito da UCP
perdurar (recorde-se o citado art. 61º). Se os sujeitos se extinguem, extinguem-se também as firmas ou
denominações. A extinção está, em regra, sujeita a registo obrigatório.
Natureza jurídica do direito à firma ou denominação
Em doutrina europeia antiga parece ter dominado a concepção do direito à firma enquanto
modalidade ou espécie do direito ao nome, como direito de personalidade.
O direito ao nome, enquanto direito de personalidade, apresenta as características próprias
dessa categoria de direitos. O direito à firma é transmissível, não é vitalício nem vocacionalmente
perpétuo, extinguindo-se em circunstâncias várias e é essencialmente patrimonial.
Na Alemanha, a doutrina considera o direito à firma como direito de natureza mista: não puro
direito de personalidade nem puro direito patrimonial. Por cá penso que as firmas e denominações
como bens imateriais são passíveis de ser objecto de direitos reais.
Escrituração e prestação de contas
Noção de escrituração mercantil
Consiste a escrituração comercial no registo ordenado e sistemático em livros e documentos
de factos relativos a actividade mercantil dos comerciantes, tendo em vista a informação deles e de
outros sujeitos. Sendo embora muito importante, a contabilidade não esgota a escrituração; esta
compreende a documentação de correspondência e as actas de reuniões de órgãos de sociedades e
outras entidades colectivas.
Organização da escrituração
Por mais de um século, prescreveu o C. Com (arts. 31º e segs) a obrigatoriedade de quatro
livros de escrituração para qualquer comerciante: livro de inventário, balanços, diário, razão, copiador.
Todos esses livros deixaram de ser obrigatórios com o DL 76-A/2006 que alterou quase todo o livro
IV. Agora, nos termos do art. 30º, o comerciante pode escolher o modo de organização da escrituração
mercantil, bem como o seu suporte físico. O presente decreto-lei elimina a obrigatoriedade de
existência dos livros de escrituração mercantil nas empresas e, correspondentemente, a imposição da
sua legalização nas conservatórias do registo comercial. Elimina-se a obrigatoriedade da legalização
dos livros. Recordemos o art. 30º que atribui ao comerciante a possibilidade de escolher o modo de
organização e escrituração mercantil. Significa isto que o comerciante determinará o número e a
sistematização dos livros bem como o modo mais analítico ou mais sintético e espaçado dos registos
dos movimentos patrimoniais.
DIOGO CASQUEIRO 30
Faculdade de Direito da UCP
Não pode significar o puro arbítrio do comerciante. Impõe-se verdade e clareza nos registos
do que entra e que sai e permanece no património mercantil. O art. 29º manda que a escrituração seja
feita de acordo com a lei e o novo art. 41º confirma que há organização devida e indevida. Fora do CC
há lei regulando a escrituração mercantil. Basta respigar no CIRC o art. 123º: diversos comerciantes
devem dispor de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística. Subido relevo
para a organização da escrituração mercantil têm os planos oficiais de contabilidade. Inscrevem-se no
âmbito da normalização contabilística.
O carácter (não) secreto da escrituração mercantil
Antigamente o art. 41º consagrava o carácter secreto da escrituração comercial (o segredo é a
arma do negócio) embora se acrescentasse que o princípio do segredo sofre muitas restrições. A
afirmação crescente das necessidades de informação de sujeitos diversos tem vindo a acentuar o
carácter não secreto da escrituração mercantil. O art. 41º do CC afirma agora a possibilidade de
autoridades analisarem se o comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil. O
art. 42º permite a exibição judicial por inteiro em questões de sucessão universal, comunhão, sociedade
e insolvência. Por força do art. 43º/1 pode proceder-se a exame judicial limitado quando a pessoa a
quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
Fora do C. Com, normas várias prevêem a hipótese de a escrita de comerciantes ser
examinada ou publicitada. Os funcionários encarregados da fiscalização dos impostos podem examinar
os livros – CIVA, arts. 77º, CIRC, art. 125º. No domínio do direito de defesa da concorrência têm
também as autoridades competentes o poder de examinar a escrita e documentos profissionais. No
âmbito do direito de informação dos sócios, estes têm a possibilidade de consultar a respectiva escrita
(CSC, arts. 181º, 214º, 288º, 289º/1, e), 474º e 478º). Os documentos de prestação de contas da maioria
das sociedades devem ser depositados nas conservatórias de registo comercial. As comissões de
trabalhadores têm o direito de ser informadas sobre a situação contabilística das empresas.
Força probatória da escrituração comercial
O art. 44º estabelece um regime especial quanto à força probatória dos livros. Os livros
irregularmente arrumados fazem prova contra o comerciante mas a outra parte que deles queira
beneficiar deve igualmente aceitar os assentos que lhe forem prejudiciais. Os livros regularmente
arrumados fazem prova não só contra o respectivo comerciante mas também a seu favor.
Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver discrepância, achando-se
os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles farão fé contra estes.
Prestação de contas
DIOGO CASQUEIRO 31
Faculdade de Direito da UCP
O nº 4 do art. 18º continua a dizer que os comerciantes são obrigados a dar balanço e a prestar
contas. O balanço é documento onde se compara o activo com o passivo para revelar o valor do capital
próprio ou situação líquida. É geralmente um dos principais documentos de prestação anual de contas.
Ao invés do dito nos arts. 18º e 62º nem todos os comerciantes têm o dever de prestar anualmente
contas.
A prestação de contas é relevante sobretudo no domínio das sociedades comerciais. Os
membros do órgão de administração devem elaborar o relatório de gestão. Se estes documentos de
prestação de contas não forem apresentados atempadamente, pode qualquer sócio requerer ao tribunal
que se proceda a inquérito.
Conservação dos documentos de escrituração
Os comerciantes são obrigados a arquivar os documentos respeitantes à escrituração mercantil
bem como a correspondência trocada pelo período de dez anos (art. 40º). Relativamente aos livros de
escrituração, o prazo conta-se a partir da data do último assento ou lançamento. Todavia, liquidando-se
uma sociedade, o prazo de conservação é de cinco anos e deve contar-se a partir da data da deliberação
que aprova o relatório e as contas finais dos liquidatários. Falecendo um comerciante individual,
transmitir-se-á a obrigação de conservar os documentos para os herdeiros? Porque a obrigação não é de
natureza estritamente pessoal respondemos afirmativamente.
Inscrições no registo comercial
Considerações gerais
O registo comercial publicita certos factos respeitantes a determinados sujeitos, tendo em vista
a segurança do tráfico ou comércio jurídico (art. 1º CRC). Os factos e entidades sujeitos a registo são
os previstos na lei (princípio da tipicidade, arts. 1º, 10º, f)). Sujeitos a registo obrigatório são os
mencionados no art. 15º.
Resulta deste artigo que os factos relativos a comerciantes individuais estão sujeitos a registo
facultativo. Contudo, certos factos dos processos de insolvência relacionados com comerciantes
individuais devem ser registados.
Há duas marcadas formas de registo: o registo por transcrição e o registo por depósito. O
primeiro consiste na extracção dos elementos que definem a situação jurídica das entidades sujeitas a
registo. O segundo consiste no mero arquivamento dos documentos que titulam os factos sujeitos a
registo (art. 53º-A, nº 3).
O registo efectua-se, em regra, a pedido dos interessados. Só assim não é nos casos de
oficiosidade (art. 28º/1 CRC). O princípio da legalidade está previsto no art. 47º.
DIOGO CASQUEIRO 32
Faculdade de Direito da UCP
O carácter público do registo revela-se no facto de qualquer pessoa poder pedir certidões dos
actos de registo e dos documentos arquivados. Por outro lado, alguns actos de registo são
obrigatoriamente publicados (art. 70º e seguintes).
Efeitos do registo
O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica (art.
11º CRC). Efeito central do registo é ser ele requisito de eficácia dos factos em relação a terceiros.
Quais os terceiros para efeito de registo comercial? De modo geral, podemos dizer que é terceiro quem
não seja parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante.
Contudo, casos há em que o registo é constitutivo, é requisito de eficácia absoluta não
produzindo o facto não registado efeitos quer em relação a terceiro quer em relação às próprias partes.
Responsabilidade por dívidas comerciais contraídas por cônjuge comerciante
São da responsabilidade de ambos os cônjuges quando casados sobre o regime da comunhão
de adquiridos ou da comunhão geral de bens, as dívidas contraídas por qualquer deles no exercício do
comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal (art. 1691º, d) CC).
Por tais dívidas respondem os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles solidariamente os
bens próprios de qualquer dos cônjuges (art. 1695º/1).
É um regime primordialmente tutelador do comércio. Na verdade, os credores dos que
exercem o comércio não têm de provar que as dívidas contraídas nesse exercício o foram em proveito
comum do casal; respondendo por tais dívidas o património de ambos e cada um dos cônjuges,
facilitada fica a obtenção de crédito pelos que exercem o comércio, facilitado fica o exercício das
actividades mercantis. Contudo, não descura a lei os interesses do cônjuge de quem contrai as dívidas e
da comunidade familiar. Porquanto pode um ou outro cônjuge provar que elas não foram contraídas em
proveito comum do casal.
Decorre da alínea d) do nº1 do art. 1691º que os credores têm de provar serem as dívidas
contraídas no exercício do comércio mas não tem de ser assim quando seja um comerciante a contraí-
las. Reforçando a tutela estabelece o art. 15º uma presunção. É em geral mais fácil provar que um acto
é comercial do que provar que esse acto foi praticado no exercício do comércio do seu autor. Por
exemplo, o art. 15º é aplicável às dívidas cambiárias, dívidas tituladas por letras, livranças, cheques,
não sendo necessário provar a comercialidade substancial das mesmas.
Em qualquer caso, compete ao cônjuge do comerciante, a este ou a ambos ilidir a presunção
do art. 15º.
13. Insolvência2
2 Matéria a ser leccionada (desenvolvidamente) na disciplina de Direito Comercial: Aspectos Processuais, no mestrado Forense (2008/09).
DIOGO CASQUEIRO 33
Faculdade de Direito da UCP
14. Registo, supervisão e foro específicos da actividade comercial
CAPÍTULO III – Contratos comerciais
15. Contratos comerciais; generalidades
A prática de actos de comércio é qualificadora do sujeito que os pratica – se ele não for
comerciante (cfr. art. 13º/2 do C. Com) – e implica a extensão do regime comercial a todos os
envolvidos (art. 99º do C. Com).
Ora, esses actos de comércio são maioritariamente contratos comerciais, embora possam
também ser qualificados como tais diversos actos jurídicos não negociais (de mera comunicação),
negócios unilaterais e, até, actos ilícitos, geradores de responsabilidade civil extracontratual.
15.1. Negócio jurídico e contrato
15.1.1. Conceito de negócio jurídico (acto jurídico intencional)
Facto jurídico todo o evento que determina um efeito de direito.
São factos jurídicos stricto sensu aqueles que não são actos jurídicos produzem efeitos
independentemente da vontade humana (tempo, morte, ...).
Actos jurídicos manifestações de vontade juridicamente relevantes. Podem ser simples
(não intencionais), se a manifestação de vontade não visar a produção dos efeitos que lhe estão
associados, relevando a voluntariedade do facto, mas não a intenção; ou intencionais, se a manifestação
de vontade teve por fim os efeitos que dela decorrem: negócios jurídicos.
15.1.2. Noção de Contrato
Quando um negócio jurídico produz efeitos diferenciados, ele diz-se bilateral ou contrato.
Contrato negócio jurídico pelo qual duas ou mais pessoas jurídicas regulam unitariamente
interesses distintos.
15.1.3. Negócios causais e abstractos
Remete-se para a Cadeira de Teoria Geral do Negócio Jurídico.
15.2. Contratos civis e contratos comerciais
DIOGO CASQUEIRO 34
Faculdade de Direito da UCP
15.2.1. Aspectos comuns
15.2.1.1. A autonomia privada; sentido e âmbito
Os sujeitos de Direito Comercial, em regra, movimentam-se livremente no mercado em que se
integram, e em função do qual se qualificam como empresários comerciais, aptos a praticar actos ou a
celebrar contratos que não sejam legalmente proibidos.
Ao fazê-lo, actuam no âmbito do princípio da autonomia privada dos respectivos sujeitos.
Autonomia privada, é sinónimo de faculdade de auto-regulação de interesses ou «permissão
genérica de produção de efeitos jurídicos», correspondendo a «uma área reservada na qual as pessoas
podem desenvolver as actividades jurídicas que entenderem17» trata-se de meios que se encontram
ao dispor dos sujeitos de Direito para, da forma que se revelar mais adequada e conveniente aos seus
interesses, regerem a sua pessoa e bens.
O mercado agora em estudo é, por natureza, concorrencial. A concorrência é formada pela
livre participação dos agentes económicos, cujas faculdades criativas e de execução são, naturalmente,
limitadas pelo direito que todos têm de aceder ao mercado. A liberdade é, também aqui, sinónimo de
permissão genérica de actuação, sendo admitido tudo aquilo que não for proibido.
Contudo, não é indiferente pensar que o mercado concorrencial em que se movem as empresas
impõe que, para a disciplina do respectivo relacionamento entre si e com os consumidores, lhes sejam
reconhecidos certos direitos absolutos (direitos de propriedade industrial).
No plano estritamente negocial, o domínio dos contratos comerciais é seguramente aquele em
que a autonomia privada depara com menores limitações, justificando-se em todas as suas vertentes:
– Liberdade de celebração (ou não) de negócios jurídicos.
– Liberdade de selecção de tipo negocial; e
– Liberdade de estipulação do conteúdo.
É hoje vulgar pela massificação e crescente complexidade do mundo negocial, introduzir
fórmulas que padronizam o conteúdo dos contratos a celebrar, conferindo-lhes simultaneamente
segurança e rigor.
15.2.1.2. Boa fé; remissão para a Teoria Geral do Direito Civil. Culpa in contrahendo e tutela da
confiança
15.2.1.3. Contratos típicos e atípicos; nominados e inominados
Os contratos dizem-se típicos ou atípicos, consoante estão, ou não, regulados na lei. Nesse
DIOGO CASQUEIRO 35
Faculdade de Direito da UCP
aspecto, o contrato de hospedagem é atípico, por não ser objecto de regulamentação legal.
Contudo, há contratos que, embora não se encontrem regulados na lei, são socialmente típicos,
por corresponderem a práticas sociais reiteradas, dispondo de uma matriz comum.
Consoante sejam conhecidos por uma designação legal ou comummente aceites ou não
tenham ainda fixado uma expressão que os identifique na ordem jurídica, os contratos são nominados
ou inominados.
Os negócios típicos são, por definição, nominados, mas existem muitos negócios com nomen
iuris que não são objecto de regulamentação legal, como o referido contrato de hospedagem (art. 755º,
b) CC).
15.2.1.4. Requisitos gerais de validade (formal e substancial) e de eficácia dos negócios jurídicos
e, em particular, dos contratos comerciais
Os requisitos gerais de validade do negócio jurídico respeitam à sua forma – seja a mesma
legal ou meramente convencional – ou à sua substância.
Os requisitos de validade substancial podem ser atinentes aos sujeitos ou ao objecto do
negócio ou, ainda, como veremos, a ambos.
Relativamente aos sujeitos, constitui requisito da validade do negócio, a respectiva
capacidade, nomeadamente de exercício, e ainda que a sua vontade e declaração negociais sejam
perfeitas.
O objecto deve ser idóneo lícito, possível e legal.
Finalmente, constitui também requisito do negócio a legitimidade – que se coloca no âmbito
da relação entre o sujeito e o objecto do negócio – e que se reconduz à susceptibilidade de um sujeito
dispor válida e eficazmente de um determinado bem.
Por sua vez, a eficácia consiste na aptidão que o negócio tem para produzir efeitos na ordem
jurídica e os respectivos requisitos consistem em circunstâncias externas – maxime a intervenção de
terceiros ou a promoção da sua publicidade (pela inscrição no registo) – de cuja verificação dependem
esses efeitos.
15.2.2. Diferenciação entre contratos civis e comerciais relativamente a um mesmo tipo negocial;
critério
A estrutura e forma dos negócios jurídicos apresentam diferenças relativamente a um mesmo
tipo negocial, consoante o contrato seja civil ou comercial.
Assim, e exemplificando com a compra e venda e o empréstimo (ou mútuo), podemos
concluir que:
DIOGO CASQUEIRO 36
Faculdade de Direito da UCP
1. A venda de bens alheios é nula se o negócio for civil (art. 892º CC), sendo válida e
eficaz se for comercial, uma vez que é expressamente permitida pelo Código Comercial (art. 467º);
2. O empréstimo não depende de forma escrita se for mercantil (art. 396o do C. Com), o
que já não acontece se for civil, caso em que pode estar sujeito a forma escrita e até a escritura pública
(art. 1143º).
15.2.3. Contratos puramente civis e contratos exclusivamente comerciais
Muitos contratos podem revestir natureza civil ou comercial, conforme as circunstâncias:
compra e venda, mandato, mútuo, empreitada...
Contudo, alguns contratos têm natureza exclusivamente civil, ainda que possam ter um
objecto susceptível de avaliação patrimonial. Estamos a pensar na doação (arts. 940º e ss CC).
Outros, são característicos da vida mercantil contratos de bolsa ou contratos de
intermediação (neles incluídas as ordens de bolsa), designadamente de aquisição de participações
sociais (arts. 463º/5 do C. Com. e 321º e ss CVM).
15.3. Regras específicas e princípios subjacentes à contratação comercial
15.3.1. Regime especial dos contratos comerciais
Como se caracteriza a especialidade dos negócios jurídicos mercantis em face dos demais
negócios jurídicos e, nomeadamente, a mesma justifica falar em teoria geral do contrato comercial?
Sabemos já que este ramo postula regras de forma e de prova próprias. Há, pela exigibilidade
subjacente às actividades jurídico-mercantis, uma simplicidade de formas e também regras de prova
diversas daquelas que resultam da aplicação da lei civil.
Importa distinguir as regras aplicáveis aos actos de comércio – inclusivamente àqueles que
não têm carácter negocial – das que apenas respeitam às obrigações comerciais. Sendo estas mais
características, impõe-se fazer uma breve menção às que são relativas a actos comerciais.
Antes, recorde-se, quanto à forma, que o princípio do consensualismo constitui a regra (art.
219o do CC).
O recurso à simplicidade de forma e de prova já era, há muito, a solução do Direito artigos
396º (mútuo) e 400º (penhor mercantil) do C. Com. Vamos acrescentar-lhes agora o disposto nos arts.
96º e 97º do Código.
Art. 96º comina a validade dos títulos exarados em língua estrangeira;
Art. 97º estende, por analogia, às telecomunicações actuais o valor negocial das
declarações emitidas por essas vias, sem assinatura;
DIOGO CASQUEIRO 37
Faculdade de Direito da UCP
Art. 98º princípio de que, em certas circunstâncias, os registos dos comerciantes gozam de
uma fé especial, sobrepondo-se, em caso de dúvida, aos contratos celebrados.
Da leitura conjugada dos artigos 96º, 97o (regras de forma) e 98º (regras de prova) extrai-se
que os actos de comércio em geral, e os contratos comerciais, em particular, dispõem de regras
próprias inerentes à sua formação, ao modo de exteriorização da vontade das partes e à forma de os
evidenciar na ordem jurídica.
Forma dos Contratos Comerciais3
O princípio do consensualismo (art. 219º CC) é aplicável aos contratos comerciais pelo art. 3º
C. Com. Dir-se-ia que a celebração dos contratos comerciais não está sujeita a qualquer forma especial:
este traço seria mesmo marcante e distintivo do D. Comercial que tenderia a ser um direito isento de
formalismo.
A verdade, contudo, é que se assiste hoje a um renascimento do formalismo: este fenómeno
não nos deve surpreender se se tiver em conta que o D. Comercial, além do interesse da celeridade das
transacções comerciais, prossegue o interesse oposto da segurança e certeza jurídica das mesmas.
Este fenómeno é particularmente notório no domínio da contratação mercantil o
formalismo pode ser de origem legal ou de origem convencional.
Quanto aos fundamentos, pode ter subjacente uma variedade de motivos consoante os
diferentes contratos, incluindo a segurança das transacções, a protecção da contraparte contra a sua
precipitação e debilidade negocial, e a publicidade externa dos contratos com vista à tutela de
interesses de terceiros.
Quanto ao seu alcance, pode gerar diferentes tipos de consequências jurídicas, desde efeitos
absolutos (ad substantiam, como sucede com os arts. 7º/1, 41 e 42º/1 CSC), até efeitos relativos (ad
probationem, como sucede com a apólice no contrato de seguro – arts. 32º/2 e 34º/3 e 4 da LCS).
Relativamente à sua natureza, o formalismo negocial mercantil parece ser de um novo género:
estamos frequentemente diante de um formalismo que sacrifica a realidade à aparência, ou a substância
à forma, consubstanciando-se numa objectivização das obrigações e numa rigidez dos regimes jurídicos
que lhe vão associados.
Contratos Comerciais Formais
Os contratos comerciais formais são numerosos.
Desde logo, os contratos normativamente empresariais, que pressupõem necessariamente a
3 ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Edições Almedina, Coimbra, 2009, pp. 156 e ss.
DIOGO CASQUEIRO 38
Faculdade de Direito da UCP
intervenção de um empresário, correspondem hoje a verdadeiros contratos formais.
Estão neste caso os contratos bancários contratos de depósito bancário, de mútuo bancário,
contratos de cessão financeira, ou contratos de locação financeira...
No mesmo caso estão os contratos de intermediação financeira.
E, não obstante, os contratos de transporte e seguro não estarem sujeitos a nenhuma forma
especial, é hoje reconhecido que estes revestem, na prática, uma natureza formal convencional ou
voluntária, considerando que correspondem usualmente a contratos de adesão.
Tanto ou mais importante que a forma legal, é a forma voluntária as exigências próprias
das actividades económicas implicou que a enorme mole de contratos atípicos ou inominados
celebrados por empresas bancárias, seguradoras, transportadoras e de intermediação financeira
representem hoje contratos de adesão consubstanciados em documentos escritos pré-redigidos e
padronizados.
Idênticas exigências de forma podem ser observadas nos contratos naturalmente empresariais:
contrato de sociedade (art. 7º CSC), contrato de cooperativa, contrato de consorcio (art. 3º do DL
231/81), contratos de negociação de empresa (trespasse e locação de estabelecimento comercial – arts.
1109º/1 in fine e 1112º CC).
Por fim, o formalismo negocial mercantil possui também incidência no âmbito dos negócios
unilaterais. Basta pensar nos negócios jurídicos relativos aos títulos de crédito (letras livranças e
cheques – arts. 1º e 75º LULL e art. 1º LUC).
Forma electrónica
Aspecto particular é o da relevância da forma electrónica.
A contratação mercantil electrónica implica uma desmaterialização do suporte das declarações
de vontade das partes, pelo que os legisladores têm vindo a consagrar uma equivalência dos
documentos electrónicos aos documentos em papel, apontando cada vez mais para uma neutralidade
das formas.
Temos dois diplomas fundamentais: (1) DL 290-D/99 estabelece que o documento
electrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja susceptível de
representação coo declaração escrita (art. 3º/1), o que significa que serão considerados documentos
escritos, no sentido do art. 363º/1 CC, quaisquer documentos gerados e conservados através do
processamento electrónico de dados; (2) DL 7/2004 as declarações emitidas por via electrónica
satisfazem a exigência de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias
de fidedignidade, inteligibilidade e conservação (art. 26º/1), i.e., as declarações contidas em documento
electrónico que reúnam tais garantias preenchem integralmente o requisito legal de forma escrita
cominado para a formação contratual jusmercantil.
DIOGO CASQUEIRO 39
Faculdade de Direito da UCP
Prova dos Contratos Comerciais 4
A questão da prova é diferente da da forma, dado que este se reporta à validade e aquela à
demonstração da existência do negócio jurídico.
A prova está sujeita às regras gerais, vigorando o princípio da livre apreciação e
admissibilidade da prova (art. 665º CPC). Tal não significa que não haja um conjunto de regras
especiais que são aplicáveis, or à generalidade dos contratos mercantis, ora apenas a determinados
contratos individuais.
Regimes Probatórios de Aplicação Geral
Entre estes, salientamos três:
1. A força probatória especial da escrituração mercantil (art. 44º C. Com) a escrituração
mercantil é o conjunto dos registos dos comerciantes e empresários relativos à sua actividade
profissional, os quais incluem os contratos. Tal significa que a prova contratual deverá atender
aos parâmetros do art. 44º, essencialmente determinados em função da credibilidade da
escrituração (a qual se determina consoante os livros se encontrem ou não organizados em
observância das disposições legais aplicáveis);
2. O valor probatório da correspondência telegráfica (art. 97º C. Com) nesta norma se derroga
o art. 379º CC: enquanto que este artigo apenas atribui força probatória de documento
particular aos telegramas cujos originais tenham sido escritos e assinados, o art. 97º C. Com
basta-se com a prova de o telegrama ter sido expedido ou mandado expedir pela pessoa
designada como expedidor, independentemente da escrita ou assinatura do original (art. 97º, §
1 C. Com). A mesma norma atribui aos telegramas a força probatória de documentos
autenticados (art. 97º, § 2), os quais gozam da força probatória plena dos documentos
autênticos (arts. 377º e 371º CC): a interpretação desta parte do preceito gerou uma querela
doutrinária há quem entenda que nele se consagrou um principio especial de forma da
prestação de consentimento a transmitir telegraficamente;
3. A factura (art. 476º C. Com) documento através do qual o empresário vendedor discrimina
os bens ou serviços prestados ao comprador, bem como o preço e demais condições de entrega
e pagamento. Tratando-se de compra e venda mercantil de mercadorias entre empresários, no
acto da sua entrega, o comprador fica com a factura e o vendedor com um título de crédito
(extracto de factura) após este ter sido conferido e aceite pelo primeiro. Enquanto que o
Decreto 19490 de 1930 exigia a exibição do extracto para a efectivação dos direitos do
4 ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Edições Almedina, Coimbra, 2009, pp. 165 e ss.
DIOGO CASQUEIRO 40
Faculdade de Direito da UCP
vendedor, a nossa jurisprudência tem entendido que a falta de extracto não impede que o
vendedor exija o preço da venda e prove os seus direitos por outros meios admitidos.
Regimes Probatórios Aplicáveis a Certos Contratos Comerciais
1. Empréstimo Mercantil o art. 1143º CC estatui a obrigatoriedade de forma solene
ou de documento escrito e assinado pelo mutuário a partir de determinados valores,
para o mútuo civil; mas o art. 396º C. Com estabelece que o empréstimo mercantil
entre comerciantes admite qualquer género de prova. Ressalva-se que ficam de fora
os empréstimos civis entre comerciantes e os empréstimos mercantis em que apenas
uma parte seja comerciante;
2. Penhor Mercantil o art. 669º CC faz depender a constituição válida do penhor civil
da entrega da coisa empenhada ou de documento que confira a sua exclusiva
disponibilidade; mas o art. 400º C. Com estabelece que o penhor entre comerciantes
produz efeitos em relação a terceiros mediante prova por documento escrito ainda
quando aí se não configura ao credor a exclusiva disponibilidade da coisa.
Prova Electrónica
Os documentos que plasmam as declarações negociais ou o acordo das partes de um contrato
mercantil podem funcionar como pressuposto da respectiva validade ou simplesmente como meio de
prova da sua existência. Ao ado das regras gerais relativas aos documentos escritos tradicionais (arts.
362º e ss CC), há que ter em conta a existência de regras próprias que regulam os tipos e a força
probatória dos documentos electrónicos (DL 290-D/99).
Art. 2º, a) documento electrónico é todo aquele que foi gerado através de processamentos
electrónicos.
A disciplina jurídica da força probatória destes documentos consta do art. 3º do DL pode
ter força probatória plena, nos termos do art. 3º/2, quando lhe seja aposta assinatura electrónica
qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, nos termos do art. 376º CC.
Em relação aos demais documentos electrónicos a que faltem algum ou todos estes requisitos,
valerá o principio da livre apreciação da prova pelo julgador (art. 3º/5).
15.3.2. Normas especificamente aplicáveis às obrigações comerciais
Façamos agora um breve excurso pelas regras que são particulares das obrigações mercantis e
que representam desvios às regras comuns do Direito.
DIOGO CASQUEIRO 41
Faculdade de Direito da UCP
15.3.2.1. Solidariedade passiva5
Em primeiro lugar, impõe-se falar na solidariedade passiva nas obrigações plurais.
Quanto às obrigações civis, a regra é a da conjunção, porque a solidariedade deve resultar da
lei ou da vontade das partes (art. 513º CC).
No Direito Comercial verifica-se o oposto: o regime legal aplicável às obrigações plurais é o
da solidariedade, justificado pelos interesses e pela celeridade subjacentes aos negócios comerciais e
como reforço do crédito as obrigações comerciais, quando plurais, estão sujeitas ao regime da
solidariedade (art. 100º do C. Com), com excepção das obrigações dos não comerciantes que não forem
comerciais (art. 100º, § único).
Por sua vez, consequência da solidariedade passiva no plano do Direito Comercial é o regime
da responsabilidade do fiador mercantil (art. 101º), que iremos analisar em seguida.
Cumpre sublinhar que o regime do art. 100º apenas se aplica à solidariedade passiva. Quanto à
activa, aplica-se o regime regra do D. Civil.
Depois, nada impede que nas obrigações comerciais com pluralidade de devedores se haja
convencionado o regime da conjunção.
Mas, contudo, existem várias disposições nas quais o legislador cominou imperativamente o
regime da solidariedade passiva:
1.A responsabilidade solidária entre fiador e afiançado de uma obrigação comercial
(art. 101º C. Com);
2.A responsabilidade solidária dos sacadores, endossantes e avalistas nos negócios
cambiários (art. 47º LULL e art. 44º LUC);
3.A responsabilidade solidária dos sócios nos contratos de sociedade aparentes e
irregulares (arts. 36º/1, 37º/1, 38º/1, 39º/1 e 40º/1 CSC).
15.3.2.2. Responsabilidade (na fiança) do fiador mercantil
Aquele que é fiador de uma obrigação comercial, mesmo que não seja comerciante, não
beneficia do princípio do benefício da excussão prévia (art. 638º do CC) art. 101º do C Com.
A criação de um regime próprio e específico do Direito Mercantil é uma consequência da
solidariedade que estabelece uma derrogação ao disposto no art. 638º do Código Civil.
15.3.3. Juros comerciais
15.3.3.1. Regime legal
Devemos ter presente que os actos comerciais se caracterizam, em regra, pela sua
5 ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Edições Almedina, Coimbra, 2009, pp. 227 e ss.
DIOGO CASQUEIRO 42
Faculdade de Direito da UCP
onerosidade, em contraposição com a gratuitidade, típica do Direito Civil as obrigações mercantis
presumem-se onerosas.
Isto retira-se com muita clareza do proémio do art. 102º do Código Comercial.
Os juros podem definir-se como os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis que
representam o rendimento de uma obrigação de capital, vencível pelo decurso do tempo (J = C x T x
P, em que J é juro, C é capital, T é taxa e P é prazo ou tempo).
Distinções:
1. Quanto à fonte: legais ou convencionais;
2. Quanto à função: compensatórios ou moratórios;
3. Quanto ao seu pagamento: postecipados e antecipados.
O artigo 102º (DL 32/2003, de 17 de Fevereiro) estabelece o regime geral dos juros
comerciais legais, devendo hoje ser complementado por legislação avulsa que permite adaptar aos
contratos comerciais a aplicação de uma taxa de juros adequada e que exprime as variações do
mercado. Haverá lugar à contagem de juros em dois casos fundamentais: sempre que for de direito
vencerem-se [haverá lugar à contagem sempre que uma relação jurídico-mercantil se insira numa
situação prevista na lei civil relativamente à qual haja lugar a juros, como nas obrigações pecuniárias
(art. 806º CC), no contrato de mútuo (art. 1145º), mandato e depósito]; e nos mais casos fixados no
presente Código [hipóteses em que é a própria lei comercial a cominar a idêntica obrigação: contratos
de mandato mercantil (art. 241º, § único), empréstimo mercantil (art. 395º, § único)].
O regime é então o seguinte:
1. A taxa de juros convencionais tem de ser fixada por escrito (art. 102º, § 1).
2. Aos juros comerciais aplica-se o disposto nos artigos 559º-A e 1146º do Código Civil são
afastados os juros usurários (art. 102º, § 2).
3. É fixada – por Portaria – uma taxa supletiva de juros moratórios aplicáveis aos créditos das
empresas comerciais, com um determinado limiar mínimo (art. 102º, § 3 e 4).
Em conformidade com o disposto no nº 2 da Portaria 597/2005, de 19 de Julho, o Aviso nº
12184/2009 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (D.R., II Série de 10 de Julho) fixou em 8% a
taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas
comerciais, em vigor no 2º semestre de 2009. Sendo proibido o anotocismo (isto é, a capitalização de
juros) – no que respeita às obrigações civis –, o mesmo não se passa no plano do Direito Comercial,
havendo que recordar que o nº 3 do art. 560º do Código Civil declara inaplicáveis as restrições que
DIOGO CASQUEIRO 43
Faculdade de Direito da UCP
forem contrárias a “regras ou usos particulares do comércio”, o que permite aos bancos capitalizar
juros.
15.3.3.2. A Directiva 2000/35/CE, aplicável às transacções comerciais
A Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que
estabeleceu medidas de combate contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, sujeitando-
os automaticamente a juros, foi transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei no
32/2003, de 17 de Fevereiro.
O novo regime legal, que não distingue as transacções comerciais em função dos respectivos
agentes, abrangendo as relações estabelecidas entre pessoas colectivas privadas – às quais equipara os
profissionais liberais – ou públicas, não se aplica às transacções com os consumidores, que exclui
expressamente (art. 2º, nº 2, alínea a)).
O Decreto-Lei no 32/2003, que alterou o art. 102º do Código Comercial (art. 6º) e que se aplicou
às prestações de contratos de execução continuada ou reiterada que se venceram a partir da data da sua
entrada em vigor (art. 9º), define transacção comercial como qualquer transacção entre empresas ou
entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que
dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração (art. 3º,
alínea a)).
Nos termos do diploma são devidos juros, que se vencem automaticamente sem necessidade de
aviso, 30 dias após a data em que o devedor tiver recebido a factura ou 30 dias após a data da efectiva
recepção dos bens ou da prestação de serviços, se a factura foi apresentada anteriormente (art. 4º, nº 2,
alíneas a) e c)).
15.3.3.3. A questão dos juros de mora nos títulos cambiários
As Leis Uniformes que regulam as letras e livranças (art. 48º da LULL) e os cheques (arts. 45º e
46º da LUC), respectivamente, estabelecem juros de mora de 6% ao ano, que importa averiguar se
sobrepõem à taxa legal devida em cada momento ou se esta pode ser aplicada aos créditos
representados por esses títulos, derrogando a taxa imposta pelas Leis Uniformes.
O Decreto-Lei 262/83 – que aprovou, então, uma nova redacção para o art. 102º/3 –, permitiu
que aos juros dos títulos cambiários fosse aplicável a taxa de juros legal. Discutia-se, por isso, a
(in)constitucionalidade do disposto nesse Decreto-Lei perante a eventual violação de leis (ou
princípios) que resultam da aplicação do Direito Uniforme e, portanto, fruto de Convenções ou
Tratados internacionais.
A jurisprudência aponta hoje maioritariamente no sentido de reconhecer a aplicação da taxa de
juros legais perante as situações de incumprimento em matéria de letras, livranças e cheques.
DIOGO CASQUEIRO 44
Faculdade de Direito da UCP
15.3.4. Prescrição
Muito embora as obrigações comerciais se encontrem sujeitas às causas de extinção das
obrigações, cumpre observar que conhecem, em certos casos, um regime próprio em matéria de
prescrição.
Obrigações na Compra e Venda Mercantil
Art. 317º, b) CC prevê a prescrição presuntiva no prazo de dois anos dos créditos dos
comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio,
e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma industria, pelo fornecimento de
mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas
que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
A delimitação subjectiva conquanto a doutrina e a jurisprudência propendam a considerar
tal regime exclusivamente aplicável a comerciantes, justifica-se para ENGRÁCIA ANTUNES uma
interpretação actualista do preceito no sentido da sua aplicação genérica aos empresários.
Perspectiva objectiva o preceito tem em vista os créditos emergentes de contratos de
compra e venda unilateralmente comerciais, i.e., os contratos de compra e venda mercantis celebrados,
quer entre empresários e particulares, quer entre empresários e outros empresários que adquiriram os
bens comprados para fins alheios à sua actividade empresarial.
Perspectiva funcional o prazo prescricional de dois anos tem o seu inicio na data em que o
crédito se torna exercitável (art. 306º/1 CC), implicando o respectivo decurso para o terceiro
beneficiário a faculdade de recusa do cumprimento do crédito prescrito perante o empresário credor
(art. 304º/1 CC), a não ser que a presunção legal seja ilidida nos termos dos arts. 313º e 314º CC.
Em suma, o regime prescricional variará consoante a qualidade em que intervém o
comprador-devedor nos contratos de compra e venda mercantil. Se for um particular, a lei entendeu
proteger o devedor remisso: com efeito, nas relações entre empresários e consumidores, a existência de
uma organização profissional por parte do credor permite pressupor a rapidez e eficiência da cobrança
dos respectivos créditos, justificando assim que o devedor beneficie uma prescrição presuntiva de
cumprimento, i.e., fundada na presunção de que o debito foi pago, a qual só dentro dos limites dos arts.
312º a 314º CC e dentro do prazo de dois anos poderá ser ilidida.
Mas se for ele próprio outro comerciante que celebra o contrato em conexão com a sua
actividade profissional, a lei já entendeu proteger o credor: nas relações entre empresários, para além
de ser comum existirem outras circunstâncias concomitantes que podem influir no cumprimento dos
respectivos créditos e débitos, os interesses da tutela do crédito no tráfico mercantil já reclamam a
aplicação dos prazos gerais da prescrição ordinária (arts. 309º e 310º CC).
DIOGO CASQUEIRO 45
Faculdade de Direito da UCP
15.3.5. Obrigação geral de segurança relativa a produtos e serviços
Com especial reflexo nos prestadores de serviços e produtores, a lei impôs que os agentes
económicos cumprissem, no âmbito e exercício da respectiva actividade, normas de segurança geral
relativa aos produtos e serviços colocados no mercado (europeu), que enquadrou no Decreto-Lei
69/2005 (arts. 1º e 4º a 6oº).
15.3.6. Práticas comerciais desleais e proibição de descriminação em função do sexo no acesso a
bens e serviços
Finalmente, a concluir a matéria das regras específicas e princípios subjacentes à contratação
comercial, importa chamar a atenção para as regras sobre práticas comerciais desleais – caracterizadas
e objecto de sanções, nos termos do Decreto-Lei 57/2008 – e para a proibição da discriminação em
função do sexo no acesso a bens e serviços (Lei 14/2008), a qual resultava já do princípio constante do
artigo 13º da Constituição.
15.3.7. Balanço sobre as regras específicas e princípios subjacentes à contratação comercial
Da análise das obrigações e especificidades de regime apresentadas, podemos concluir que o
Direito actual distingue situações diferentes: as que se colocam entre empresários comerciais,
produtores de bens ou prestadores de serviços para o mercado, e as que abrangem também os
consumidores. É nessa diferenciação e nas exigências aplicáveis aos contratos comerciais que radica o
relevo do Direito Comercial, com importância renovada pela distinção que, no âmbito do Direito do
Mercado, importa agora fazer.
Ao equilíbrio das relações puramente comerciais contrapõe-se a compensação daquelas que
envolvem consumidores. E, como veremos em seguida, o regime das cláusulas contratuais gerais é
exemplificativo desta situação.
15.4. A contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais (CCG); remissão para o Direito
das Obrigações
15.4.1. Problemática
As cláusulas contratuais gerais são proposições (regras) pré-elaboradas, de modo rígido, que
regulam certos negócios jurídicos em que uma das partes (os proponentes ou os destinatários) é
indeterminada, limitando-se a propor ou a aceitar os termos em que os mesmos são celebrados.
Razões que explicam o recurso crescente a este tipo de contratação:
DIOGO CASQUEIRO 46
Faculdade de Direito da UCP
A actividade económica exprime-se crescentemente em condutas negociais massificadas e
repetidas, em especial na banca, seguros, telecomunicações, energia, transportes e internet, mas com
uma tendência de generalização a todos os sectores em que os negócios singulares estejam a ceder o
seu espaço aos contratos celebrados com base neste tipo de regras.
É relativamente aos contratos comerciais que se faz sentir, com mais premência, a necessidade
de regulação aplicável a todos os actos que se reconduzem à mesma categoria negocial, evitando-se
atrasos provocados pela discussão das cláusulas mais adequadas à disciplina do negócio em causa.
15.4.2. A lei das CCG
A LCCG (Decreto-Lei 446/85) visa disciplinar esta técnica negocial, assegurando uma
comunicação e informação efectivas (arts. 5º e 6º) e impedindo que as cláusulas gerais prevaleçam
sobre as específicas ou que sejam aplicáveis normas de que os contratantes não se tivessem inteirado
oportunamente (arts. 7º e 8º, alínea c)).
Mas a essência da lei, que distingue as relações entre agentes económicos (empresários) e
consumidores (finais) (arts. 20º e ss) ou apenas entre profissionais ou empresários (arts. 15º e ss) – em
que se verifica um maior equilíbrio contratual –, encontra-se na proibição de certas cláusulas que, se
forem utilizadas, serão nulas (art. 12º), sem prejuízo do maior aproveitamento possível do negócio
celebrado com tais cláusulas (arts. 13º/1 e 2, e 14º).
Nas disposições aplicáveis às relações com consumidores finais são ampliadas as proibições
estabelecidas para o relacionamento entre profissionais.
No que respeita à sua estrutura, as cláusulas contratuais gerais podem ser absolutamente ou
relativamente proibidas. As primeiras não podem, em qualquer caso, ser incluídas em contratos
celebrados por recurso à adesão de uma das partes (arts. 18º e 21º); as segundas não podem regular
contratos com esta natureza em certas circunstâncias, devendo ser objecto de apreciação e valoração
em concreto (arts. 19º e 22º).
15.4.3. O confronto com os negócios rígidos
Os negócios celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais – em que as cláusulas são
recebidas em bloco – não devem ser confundidos com os negócios singulares rígidos, que assentam em
propostas rígidas, mas específicas, e aplicáveis a situações individualizáveis.
Tais negócios, que também integram cláusulas típicas dos negócios celebrados com cláusulas
contratuais gerais, são particularmente relevantes na contratação comercial em que, pela complexidade
do objecto negocial, não é ponderável discutir a forma de prestação de uma das partes.
Em termos técnicos, suscita-se a questão da aplicabilidade da LCCC aos negócios rígidos.
15.5. Contratação automática e comércio electrónico
DIOGO CASQUEIRO 47
Faculdade de Direito da UCP
15.5.1. Contratação através de autómato ou de computador
15.5.1.1. Caracterização
A máquina, programada pela vontade humana, permitia dispensar bens e serviços, facultando
repetidas contratações sem necessidade de intervenção humana pela sua parte.
Recordamos, ainda no terceiro quartel do século XX, as juke box, que permitiam a escolha de
um disco, as máquinas que (só) dispensavam amendoins ou pastilhas elásticas (de bola) e as então mais
sofisticadas, de gaveta, que forneciam chocolates e caramelos. Todas estas máquinas eram accionadas
pela introdução de uma moeda.
Depois, surgiram as máquinas que recolhem bilhetes e accionam meios mecânicos (cancelas),
permitindo que parte de um contrato (de estacionamento ou depósito) – após o pagamento inicialmente
(sempre) manual e presencial – fosse concluído sem a intervenção humana. Mais tarde, as máquinas
começaram a fornecer bilhetes (títulos de transporte e de estacionamento) e nos anos 80 surgiram, em
Portugal, as ATMs (automated teller machines), genericamente conhecidas por máquinas Multibanco.
Estas permitem presentemente – e desde há mais de uma década –, sem a presença de um funcionário
do banco, uma enorme diversidade de operações (de natureza bancária e outras) que, por serem do
conhecimento geral, nos abstemos de descrever.
Paralelamente, com o desenvolvimento do fenómeno da cibernética e da Internet, em especial,
a contratação passou a processar-se frequentemente através de computador em que o cibernauta
encontra uma contraparte totalmente automatizada na dispensa de bens e serviços.
15.5.1.2. Autonomização
Pelas razões expostas, no século XXI, a contratação através de autómato ou de computador –
que abrange actualmente o fornecimento de inúmeros bens e serviços – deve ser autonomizada dos
negócios jurídicos tradicionais e enquanto não for objecto de regulação geral específica está sujeita a
regras que resultam da construção jurídica possível com base nos arquétipos legais conhecidos.
Veremos, em seguida, como é que devem ser, juridicamente, compreendidas as operações
realizadas pelos autómatos.
15.5.1.3. As teorias da oferta automática e da aceitação automática
A este propósito, importa salientar que a cobertura negocial das operações automáticas pode
ter uma de duas explicações.
A existência do autómato, pronto a funcionar, pode corresponder a uma oferta ao público dos
bens e serviços que através dele são transaccionados (efectuada pela entidade que recorre ao mesmo
DIOGO CASQUEIRO 48
Faculdade de Direito da UCP
para a sua prática negocial e que é responsável pela sua programação).
Trata-se da teoria da oferta automática uma vez accionado o autómato, nomeadamente pela
introdução no respectivo mecanismo da moeda ou cartão (de plástico) necessários, a eventual falha ou
deficiência na entrega do bem ou na disponibilização do serviço (ou do título indispensável para o
respectivo acesso) equivale a uma violação do contrato, que se havia concluído com a aceitação do ser
humano que havia tentado accionar o autómato com a moeda ou o cartão.
Teoria da aceitação automática o contrato só se conclui com o funcionamento do autómato,
que exprime a aceitação da proposta negocial, consistindo a respectiva instalação numa actividade
preparatória do contrato. Encarada a contratação automática nesta perspectiva, a eventual falha do
autómato, em vez de se reconduzir a um incumprimento contratual, corresponde à recusa da proposta
negocial que lhe é dirigida pelo humano e que ele, em princípio, estaria apto a aceitar. A sua
responsabilidade será então exclusivamente pré-contratual.
Esta é a leitura que melhor se coaduna com a crescente capacidade de resposta dos autómatos.
15.5.1.4. As vendas à distância; referência ao Decreto-Lei no 143/2001, de 26 de Abril (remissão
para a compra e venda comercial)
15.5.2. O comércio electrónico
15.5.2.1. Enquadramento normativo
O Decreto-Lei no 7/2004, de 7 de Janeiro.
15.5.2.2. Noção
C omércio electrónico exercício da actividade mercantil com recurso a tecnologias de
informação desenvolvidas para permitir uma maior eficiência na venda de bens e na prestação de
serviços entre empresas ou com consumidores (finais).
15.5.2.3. Modalidades
15.5.2.4. Assinatura digital
A assinatura digital, produzida por técnicas criptográficas, é regulada pelo Decreto-Lei no
290-D/99, de 2 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei no 62/2003, de 3 de Abril, e pelo Decreto-Lei no
165/2004, de 6 de Julho.
15.6. Breve referência aos contratos instrumentais (garantias) dos contratos comerciais
DIOGO CASQUEIRO 49
Faculdade de Direito da UCP
15.6.1. Hipoteca; remissão para o Direito Marítimo
A hipoteca é a principal garantia real, sendo tradicionalmente acolhida no Direito Comercial
no domínio do Direito Marítimo em geral, como garantia real que pode recair sobre o navio (arts. 584º
a 594º do C. Com).
Em qualquer caso, o regime legal da hipoteca do Código Civil é aplicável à hipoteca
convencional ou legal em tudo o que não for expressamente previsto.
15.6.2. Penhor (mercantil e bancário)6
Penhor mercantil contrato pelo qual uma das partes confere à outra, em garantia de um
crédito comercial desta última e com preferência sobre os demais credores comuns, o direito a ser paga
pelo valor de determinada coisa ou direito de que a primeira é titular.
Vem previsto e regulado nos arts. 397º a 402º C. Com, muito embora sejam igualmente de ter
em conta, quer a relevância subsidiaria das normas do CC (arts. 666º e ss), quer a existência de
numerosos subtipos de penhor mercantil: penhor de empresa, penhor de EIRL, penhor de valores
mobiliários, penhor em garantia de créditos bancários, penhor de partes sociais, penhor cambiário e
penhor financeiro.
Regime do penhor mercantil:
Quanto à existência apenas se diz mercantil quando a divida principal ou garantida proceda
de uma actividade comercial (art. 397º C. Com). Decisivo é a estirpe ou genealogia comercial da
actividade subjacente ao contrato, não sendo relevante, em regra, a qualidade das partes contratantes.
Quanto a penhor de coisas o art. 398º consagrou a validade do contrato com entrega
simbólica e não entrega efectiva da coisa (traditio), ao invés do que sucede com o penhor civil, que é
real quoad constitutionem. O mercantil é validamente celebrado independentemente da entrega
material da coisa empenhada ao credor pignoratício, bastando a traditio das competentes declarações
ou documentos comprovativos da titularidade.
Quanto ao penhor de direitos a regra geral do art. 681º CC (a respectiva constituição
depende da forma e publicidade requeridas para a transmissão dos direitos empenhados) deve ser
integrada pelas pertinentes disposições especiais da lei comercial (por exemplo, no penhor de acções e
obrigações, o art. 23º/3 CSC).
Quanto à sua eficácia e regime probatório produz efeitos mediante a sua mera redução a
escrito (o que significa que o art. 399º C. Com, relativo ao penhor de títulos de crédito e valores
mobiliários está fundamentalmente revogado pelas disposições especiais dos arts.19º LULL e 80º/1,
6 ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Edições Almedina, Coimbra, 2009, pp. 371 e ss e 542 e ss.
DIOGO CASQUEIRO 50
Faculdade de Direito da UCP
101º e 102º CVM): ao passo que a lei civil faz depender a sua eficácia da entrega da coisa empenhada
ou de documento que confira exclusiva disponibilidade (art. 669º/1 CC), a lei comercial bastou-se, em
matéria de eficácia erga omnes, com a mera exibição de documentos escritos ainda quando este não
confira a exclusiva disponibilidade do bem empenhado (art. 400º C. Come) .
Direitos do credor pignoratício venda do penhor: vencida a dívida garantida, o credor pode
promover a venda judicial ou extrajudicial da coisa empenhada, a qual poderá efectuar-se por
intermédio de corrector, notificado o devedor – art. 401º C. Com.
Penhor bancário contrato pelo qual um banco (credor pignoratício), em garantia de crédito
concedido a cliente (devedor) e com preferência sobre os demais credores comuns, passa a gozar do
direito a ser pago pelo valor de determinada coisa ou direito na titularidade do último.
Encontra-se regulado pelo DL 29883 de 1939 e DL 32032 de 1942. O seu regime tem duas
especialidades:
1. De forma mais marcada que o penhor mercantil, os contratos de penhor bancário
produzem os seus efeitos inter partes e erga omnes sem qualquer necessidade de
traditio, efectiva ou meramente simbólica, da coisa empenhada para o credor
pignoratício (art. 1º DL 29833): contudo, caso o bem permaneça na posse do
devedor, este passa a ser seu mero detentor (art. 1º, § 1 DL 29833), vigorando um
regra de prevalência cronológica no caso de constituição de penhores bancários
sucessivos (art. 1º, § 2), bastando, no entanto, a forma de documento particular nos
demais casos para que aqueles produzam efeitos relativamente a terceiros (artigo
único DL 32032);
2. Existência de penhores bancários especiais ou atípicos: penhor de depósito bancário
(consiste na afectação do saldo da conta de que é titular um cliente à garantia de
pagamento de um crédito que lhe foi concedido pelo banco, ficando este autorizado a
debitar, na conta garante, os montantes da dívida vencidos e não pagos).
15.6.3. Fiança e Aval
A fiança e o aval são garantias pessoais, encontrando-se esta última associada aos títulos de
crédito.
A primeira já foi anteriormente objecto de referência e a segunda será estudada na matéria dos
títulos de crédito, para onde remetemos.
15.6.4. Garantia Bancária Autónoma (à vista ou on the first demand)7
7 ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Edições Almedina, Coimbra, 2009, pp. 536 e ss.
DIOGO CASQUEIRO 51
Faculdade de Direito da UCP
Garantia Bancária Autónoma contrato celebrado entre um banco (garante) e um seu cliente
(devedor e mandante), pelo qual o primeiro se obriga a por ordem do último a pagar determinada soma
pecuniária a um terceiro credor (garantido ou beneficiário), se que a este possam ser opostas quaisquer
excepções fundadas nas suas relações negociais com o mandante.
Interesse eficácia e segurança que conferem aos direitos dos terceiros beneficiários: o
garante obriga-se a pagar ao terceiro garantido logo que para tanto seja solicitado, independentemente
da sorte da obrigação principal (se é válida o inválida, cumprida ou incumprida).
Sendo atípica, causal 8 (a causa é garantir a satisfação do direito pecuniário do garantido),
executiva e autónoma, a figura pode revestir duas modalidades: (1) critério da sua automaticidade
podem ser simples ou automáticas, conforme o direito do beneficiário está ou não dependente da prova
do incumprimento da obrigação do devedor ou da mera interpelação do banco garante (estas segundas
são também chamadas “à primeira solicitação”); (2) critério da sua finalidade dizem-se de oferta,
de boa execução ou de reembolso de pagamentos antecipados, consoante se destinem a assegurar a
honorabilidade de uma proposta contratual, o adequado cumprimento das obrigações contratuais, ou o
reembolso de quantias despendidas pelo beneficiário.
15.7. Os contratos comerciais internacionais
15.7.1. Autonomia; remissão
15.7.2. Os princípios relativos aos contratos comerciais internacionais (elaborados pelo
UNIDROIT192); breve referência
Os contratos comerciais frequentemente extravasam o ordenamento jurídico estadual,
encontrando-se plurilocalizados e suscitando, desse modo, diversas conexões espaciais e a dúvida
legítima sobre qual o Direito material aplicável a um eventual litígio e que há-de prevalecer.
São vários os princípios que caracterizam os contratos comerciais internacionais. Vamos
apenas enunciá-los.
15.7.2.1. Liberdade contratual
15.7.2.2. Liberdade de forma
15.7.2.3. Força vinculativa do contrato (pacta sunt servanda)
15.7.2.4. A boa fé no comércio internacional
15.7.2.5. A exclusão das operações de consumo
8 Isto para ENGRÁCIA ANTUNES. Para PAULO OLAVO CUNHA, cuja doutrina seguimos, é um negócio abstracto.
DIOGO CASQUEIRO 52
Faculdade de Direito da UCP
15.7.3. Principais contratos
15.7.3.1. Compra e venda internacional
15.7.3.2. Contratos de distribuição: representação e agência
15.7.3.3. Contratos de financiamento internacional: factoring e leasing
16. Contratos comerciais de organização: associação em participação e consórcio9
Associação em Participação
Associação em Participação (DL 231/81) contrato pelo qual uma ou mais pessoas,
singulares ou colectivas (associados ou partícipes), se associam a uma actividade económica exercida
por outra (dito associante ou titular), ficando as primeiras a participar nos lucros (ou, facultativamente,
também nas perdas) que resultarem desse exercício (art. 21º/1 e 2).
Esta figura tem uma enorme variedade de finalidades: realização de investimentos e
financiamentos rápidos e simples e a preservação do secretismo.
Pode revestir várias modalidades concretas: matriz plural ou singular (se houver ou não
pluralidade de sócios), recíproca ou unilateral (cruzamento de associações entre associado e
associante), comercial ou civil (natureza da actividade económica do associante) e típica ou atípica.
modelo societário (Alemanha e França);
modelo contratual (Itália e Espanha) – foi a este que Portugal aderiu.
Sujeitos
A forma do contrato é consensual (art. 23º), com a excepção resultante do seu nº 2.
Associante tem de ser uma pessoa que exerça uma actividade económica art. 21º/1): estão
abrangidos todos os entes que titulem uma empresa que desenvolva qualquer tipo de actividade
económica.
Associado a lei fala em pessoas singulares ou colectivas (art. 21º/1 e 22º/1).
Objecto
encontramos dois elementos essenciais a contribuição patrimonial (art. 24º) e a
participação nos lucros (e nas perdas [!]) (art. 25º) por parte do associado.
9 ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Edições Almedina, Coimbra, 2009, pp. 398 a 421.
DIOGO CASQUEIRO 53
Faculdade de Direito da UCP
Elemento constitutivo da figura é a obrigação de contribuição de natureza patrimonial
assumida pelo associado. Tal contribuição, que pode ser afastada se o associado participar nas perdas
(art. 24º/2), pode consistir em qualquer tipo de prestação pecuniariamente avaliável, seja em dinheiro,
espécie ou serviços. Sempre que tal prestação consista na constituição ou transmissão de um direito, o
contrato tem por efeito a sua transmissão para o património do associante (art. 24º/1, in fine).
Participação do associado na esfera de risco da empresa do associante comunhão no lucro e
nas perdas. Conquanto a partilha dos lucros seja elemento imperativo do contrato (art. 21º/2), já pode
ser convencionada a dispensa do associado comungar nas perdas (art. 25º/2). O cômputo da partilha
toma por base os resultados de exercício da empresa do associante (art. 25º/6). O montante concreto
dessa participação será proporcional à contribuição efectuada ou de metade dos lucros e perdas,
consoante tenha ou não havido avaliação da mesma (art. 25º/3); isto sem prejuízo de as partes
convencionarem critérios diferentes (nº 2) e de a participação nas perdas ter como limite máximo o
valor da contribuição do associado (art. 25º/4).
Direitos e deveres acessórios estatuto jurídico-passivo do associante: vê os seus poderes
gerais de gestão limitados ou mitigados por mor da protecção dos interesses do associado.
Assim, além de um dever geral de diligência (art. 26º/1, a)) e de informação e prestação de
contas ao associado (art. 26º/1, d) e 31º), o associante está impedido de colocar em cheque as bases
essenciais da associação (art. 26º/1, b) e c)) ou de praticar actos de gestão expressamente tipificados no
contrato sob pena de responsabilidade civil (art. 26º/2 e 3).
Resolução e extinção da associação; efeitos
O contrato em apreço pode ser celebrado por um determinado prazo, e ter uma duração
determinada, ou ser celebrado sem prazo, podendo ser objecto de resolução com fundamento em justa
causa, qualquer que seja a sua duração.
Nos contratos de associação em participação sem prazo, a resolução é possível sem invocação
de justa causa dez anos que sejam decorridos da respectiva celebração.
Para além dos casos previstos contratualmente e da resolução (art. 27º, alínea f)), a associação
extingue-se por diversas razões, desde a realização do objecto da associação ou da sua
impossibilidade, pela insolvência do associante, pela morte de um dos contratantes – se nenhum dos
sucessores pretender continuar a associação – ou pela extinção da pessoa colectiva contraente (art. 27º,
a), b), g), c) e d); e arts. 28º e 29º).
Confronto com figuras afins
Associação em participação e sociedade em comandita
DIOGO CASQUEIRO 54
Faculdade de Direito da UCP
A associação em participação não se identifica com uma nova entidade, não sendo
personalizada, nem dispondo de fundo comum, e caracterizando-se por o associante exercer uma
actividade económica em nome próprio.
O paralelismo com a sociedade em comandita é explicado pela semelhança de desempenhos e
qualificação jurídica do associado e do comanditário, por um lado, e pelo risco e exercício pessoal da
actividade do associante e do sócio comanditado.
Sociedade oculta
A associação em participação apresenta inegáveis semelhanças com a sociedade oculta,
porque não tem de ter relevância externa. Esta não releva perante terceiros, efectuando-se a sua
actividade em nome de um dos “sócios”, o qual por ser externamente conhecido é o único responsável
perante terceiros. Diversamente do que acontece na sociedade oculta, na associação em participação
não há contribuição para um fundo comum.
Associação em participação e negócios parciários
A associação em participação pode ser confundida com alguns negócios parciários, casos das
parcerias agrícola, pecuária e marítima, e da associação à quota. Esta consiste no contrato atípico, pelo
qual o titular de uma participação social se compromete a transmitir a outrem, à margem da sociedade e
dos outros sócios, uma parcela dos lucros e das perdas correspondentes a essa participação, cabendo-
lhe a parte restante.
Verifica-se existir uma semelhança estrutural entre a associação à quota e a associação em
participação; a diferença está no objecto da participação, que é, na primeira, uma participação
societária e na segunda a totalidade ou parte da actividade económica de uma empresa (singular ou
colectiva).
Natureza jurídica
A associação em participação não se confunde actualmente com uma sociedade comercial,
revestindo uma natureza negocial, mas simultaneamente associativa, de partilha de esforços, para
realizar uma determinada actividade de carácter económico. Enquadra-se na categoria dos contratos
associativos.
Consórcio
Consórcio contrato através do qual duas ou mais empresas, singulares ou colectivas, se
vinculam a realizar concertadamente determinada actividade ou efectuar certas contribuições com vista
DIOGO CASQUEIRO 55
Faculdade de Direito da UCP
a prosseguir um dos tipos de actividade expressamente previstos na lei – arts. 1º e 2º. É regulado pelo
DL231/81.
Constitui uma expressão da necessidade sentida no mundo económico de instrumentos
jurídicos aptos a organizar uma cooperação temporária e limitada entre empresas que lhes permita, a
um tempo, criar vinculações mútuas para efeitos da realização de um determinado empreendimento,
organizando flexivelmente o quadro de relações internas e externas, e libertar-se facilmente dessas
amarras logo que tal objectivo tenha sido atingido.
A característica que o diferencia é que esta figura contratual não dá origem ao nascimento de
uma nova entidade com personalidade jurídica. isto implica a falta de capacidade jurídica, de
autonomia patrimonial e mesmo de personalidade judiciária.
Sujeitos devem ser duas ou mais pessoas singulares ou colectivas que exerçam uma
actividade económica (art. 1º).
Além de revestir natureza formal (art. 3º/1), representa um negocio bilateral ou plurilateral10,
tipicamente celebrado entre empresários singulares ou colectivos personificados, qualquer que seja a
actividade económica por estes desenvolvida. Alguma doutrina interpreta latamente a exigência
legal no sentido de permitir que a qualidade de membro seja genericamente estendida a qualquer
entidade com capacidade jusnegocial ainda que destituída de personalidade jurídica (sociedades civis,
comproprietários...) – RAUL VENTURA .
Objecto tem em vista a obrigação reciproca das partes contratantes de forma concertada,
realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição (fim imediato) com o fim de prosseguir qualquer
dos objectos referidos na lei (fim mediato).
Fim mediato pode ter um dos cinco objectos referidos no art. 2º.
Fim imediato a prossecução do objecto contratual não é realizada em comum, mas de
forma concertada, o que significa que cada um dos consortes desenvolve separadamente a respectiva
actividade, obrigando-se apenas a coordená-la ou harmonizá-la com as dos demais consortes no quadro
de uma acção concertada ou articulada: entre as consequências desta obrigação característica,
mencionem-se a inadmissibilidade de consórcios puramente passivos e a natureza intuitos personae da
relação contratual.
Discute-se, a propósito do objecto, se as actividades enunciadas no artigo 2º, representam
meros exemplos de consórcios possíveis, correspondem aos tipos de consórcios legalmente
admissíveis, ou constituem uma lista taxativa.
Se, por um lado, nos encontramos no domínio da autonomia privada por excelência, por outro
10 Entre as suas causas de extinção teremos: a celebração unilateral deste negócio (art. 280º CC), a redução à unipessoalidade de um consórcio originalmente plural por termo (art. 11º/1, d)); a exoneração dos consortes (art. 9º), a resolução do contrato (art. 10º) e a extinção do contrato por revogação, caducidade... (art. 11º). A sua duração supletiva é de dez anos, sendo controvertida a questão de saber se pode ser celebrado por tempo superior.
DIOGO CASQUEIRO 56
Faculdade de Direito da UCP
lado, a redacção do artigo 2º apresenta uma configuração que indicia taxatividade ao recorrer à forma
futura do verbo “ter”, correspondente ao seu imperativo («O consórcio terá um dos seguintes
objectos»). Repare-se que a lei nem sequer recorre à fórmula “deverá ter”.
Da expressão gramatical da lei retiram alguns autores (RAUL VENTURA ) a taxatividade do
objecto do consórcio, recusando a analogia e consequentemente a aplicação desta figura a outras
actividades.
Outros juristas (OLIVEIRA ASCENSÃO ) – aceitando que o legislador quis delimitar as
actividades que podem revestir a forma de consórcio – consideram estar em causa uma mera tipicidade
delimitativa, o que significa ser possível a analogia legis.
Não vemos razões para não seguir esta segunda posição, que permitirá estender o consórcio a
actividades que não se encontram gramaticalmente previstas na lei. Vejamos porquê, analisando as
razões que levaram o legislador a utilizar uma fórmula verbal tão impositiva.
Ao regular esta figura contratual – que, esclareça-se, nada impediria que existisse por simples
efeito da autonomia privada dos sujeitos contratantes, embora sem os efeitos decorrentes da lei –, a lei
quis prevenir que a mesma constituísse uma solução definitiva para a realização de uma actividade
empresarial ou fosse de aplicação duradoura. E daí que tenha sido aparentemente tão impositiva.
Com efeito, o consórcio não se destina a regular uma actividade duradoura, mas deve
corresponder a uma associação transitória, que frequentemente está na base de uma entidade
personificada, maxime uma sociedade comercial.
Enquanto se encontrarem vinculadas contratualmente, as empresas consorciadas não perdem a
autonomia jurídica na prossecução do objectivo comum, formando o que, na linguagem anglo-
saxónica, corresponde a uma joint venture, sempre que a respectiva associação se prolonga no tempo e
adquire uma certa estabilidade; não se limitando portanto a um negócio pontual.
Por isso, não vislumbramos razões que obstem à celebração de contratos de consórcio, para
prosseguir actividades semelhantes às especificadas no artigo 2º do diploma regulador do consórcio,
promovendo uma interpretação que abrange outras actividades para além das enunciadas nessa regra,
tal como o consórcio destinado à realização de actos materiais (ou jurídicos) – não necessariamente
preparatórios – de um certo empreendimento ou actividade contínua.
Modalidades consórcio externo e consórcio interno (art. 5º), consoante é ou não
apresentado aos terceiros (ou seja, consoante os consortes invocam ou não a sua qualidade de membros
consorciais nas relações com terceiros).
Ao contrário do interno (art. 18º), o externo constitui a modalidade mais relevante e complexa:
caracteriza-se por um esforço da componente organizativa e patrimonial da cooperação
interempresarial de base consorcial. Assim, a lei previu a possibilidade de instituição de um conselho
DIOGO CASQUEIRO 57
Faculdade de Direito da UCP
de orientação e fiscalização (art. 7º) e a obrigatoriedade de escolha de um “chefe do consórcio”, que é
titular de poderes internos (art. 14º) e externos (art. 15º).
Estrutura patrimonial o legislador proibiu expressamente a constituição de fundos comuns
em qualquer tipo de consórcio (art. 20º/1).
Todavia, em contrapartida, há a possibilidade de os membros procederem a uma
regulamentação por via contratual da repartição dos lucros e das perdas gerados pela actividade
consorcial (arts. 4º/1, 16º e 17º), bem como da respectiva responsabilidade (arts. 15º/2 e 19º).
O consórcio não se confunde com entidades personalizadas, embora tenha afinidades
manifestas com as Sociedades (comerciais) e os Agrupamentos Complementares de Empresas,
apresentando relativamente a estas figuras a vantagem de permitir aos seus membros o aproveitamento
de licenças de que eventualmente disponham para a sua actividade normal no exercício de uma
actividade económica conjugada e articulada entre empresas independentes.
Agrupamentos Complementares de Empresas
Contrato de ACE contrato pelo qual duas ou mais empresas singulares ou colectivas
constituem uma entidade, dotada de personalidade jurídica própria, que tem por finalidade principal o
melhoramento das condições de exercício ou de resultado das respectivas actividades económicas
individuais.
Vem regulados na Lei 4/73 e no DL 430/73 o que se quis foi instituir uma nova jurídico-
organizativa especifica para as relações de colaboração entre empresas, a que os modelos clássicos da
sociedade e da associação se mostravam incapazes de corresponder: podem existir situações em que
um conjunto de empresários pretendam juntar esforços com vista a aumentar a rentabilidade individual
das suas próprias empresas sem que, todavia, o façam com um fim primacialmente lucrativo (exclusivo
da sociedade) nem, inversamente, com fim meramente interessado de onde o lucro esteja totalmente
arredado (característico da associação).
O ACE dá origem a uma forma jurídica de organização empresarial, embora de matriz
cooperativa e não concentracionística: trata-se de um agrupamento de empresários, o qual não implica
a união das empresas constituintes.
Forma e formalidades o contrato de ACE reveste em regra a forma escrita, apenas se
exigindo forma mais solene caso existam entradas de bens para cuja transmissão tal seja necessário
(Base III, nº 1 da Lei 4/73).
O contrato tem um conjunto de menções obrigatórias: a firma (“agrupamento complementar
de empresas” ou a sigla ACE), o objecto, a sede, a duração e as contribuições e entradas dos membros
(Base III, nº 2); e está sujeito a registo comercial e publicação obrigatórios (art. 2º/1 DL e arts. 6º, a),
DIOGO CASQUEIRO 58
Faculdade de Direito da UCP
15º/1 e 70º/1, b) CRCom), apenas adquirindo o ACE a personalidade após estas formalidades – Base
IV da Lei e art. 2º/1 e 4 do DL.
Sujeitos são as empresas, o que significa que as partes devem ser pessoas singulares ou
colectivas titulares de empresas. Mas tais contraentes devem ser jurídica e economicamente
autónomos, i.e., devem ter personalidade jurídica e independência económica recíprocas, em
homenagem à matriz cooperativa da própria figura.
Objecto positivamente, deverá ter por fim ou objecto uma actividade concreta,
especificamente definida (Base II, nº 2 da Lei), e uma actividade complementar dos membros
associados, que vise auxiliar a exploração ou potenciar a rentabilidade das respectivas actividades
económicas individuais (Base I da Lei), sem se confundir com estas (art. 9º/2 e 13º, a) DL).
Negativamente, o legislador proibiu que o ACE possa ter por fim principal a realização e partilha de
lucros: tal só é admitido a título acessório e mediante previa autorização expressa do contrato
constitutivo (Base II, nº 1 da Lei e art. 1º/1 do DL), sob pena da sujeição às regras das sociedades em
nome colectivo, à sua dissolução e ainda a contra-ordenações (arts. 15º e 16º/1, b) do DL).
Organização
Tem três órgãos fundamentais: assembleia geral (arts. 6º/2, 8º/2, 10º, 11º/3, 13º, 7º e 2º/2);
administração (art. 6º/1, 2 e 3 do DL, Base III/4 da Lei; arts. 192º e 193º CSC, ex vi art. 20º DL); e
fiscalização.
Património e Responsabilidade
O património é constituído pelas contribuições realizadas pelos contraentes e membros. Deve
entender-se que o ACE, enquanto dotado de personalidade será titular exclusivo de todos os bens,
direitos e obrigações pertinentes à sua exploração, ressalvado o caso do art. 5º DL.
Responsabilidade por dívidas a lei previu para cada membro um regime de
responsabilidade pessoal, ilimitada, subsidiaria e solidária (Base II, nº 2, ab initio e nº 3 da Lei).
Mas este regime pode ser afastado mediante convenção em contrário no contrato celebrado
entre o ACE e o credor determinado (Base II, nº 2, in fine da Lei).
Dissolução, Liquidação e Extinção
causas de dissolução imediata – operam automaticamente, abrangendo os eventos
dissolutivos previstos no contrato constitutivo (art. 16º/1, a) DL) e na lei geral (arts. 141º, 184º/6,
195º/1 CSC, ex vi art. 20º DL);
DIOGO CASQUEIRO 59
Faculdade de Direito da UCP
causas de dissolução diferida – dependem de declaração judicial proferida a requerimento
de qualquer interessado ou de um membro do agrupamento (art. 16º/1, b) e c) DL).
Em qualquer dos casos, a dissolução dá lugar à liquidação do património do ACE, devendo o
saldo positivo remanescente ser partilhado entre os membros, proporcionalmente ao valor das suas
entradas (art. 17º DL).
17. Compra e venda comercial11
Noção: negócio jurídico pelo qual uma da partes (a vendedora) aliena à outra (a
compradora), mediante um determinado preço, uma coisa móvel ou imóvel, com a finalidade desta a
revender (art. 463º/1 a 4 C. Com), ou uma participação social (art. 463º/5 C. Com). Está também
prevista nos arts. 874.º a 939.º do CC.
Nota distintiva: intuito de revenda presente no momento aquisitivo do negócio.
Âmbito da Compra e Venda
O art. 463º do C. Com delimita positivamente a figura, determinando os casos em
que se considera mercantil a compra e venda;
O art. 464º do C. Com demarca negativamente a figura, indicando os casos em que a
compra e venda não é considerada mercantil;
A natureza comercial deriva fundamentalmente do intuito de lucro que presidiu ao
negócio, visto que as operações de aquisição ou de alienação das coisas são realizadas com vista a um
emprego lucrativo ou especulativo;
O intuito não tem que estar revelado no acto, podendo ser provado com recurso a
elementos exteriores a ele;
É possível que um mesmo contrato seja simultaneamente qualificado como comercial
e civil.
Relevância
A compra e venda mercantil é o mais relevante contrato do elenco legal presente no C. Com;
É um instituto jurídico central do capitalismo mercantil, assente na intermediação de bens;
Todavia, perdeu a sua originalidade inicial com a entrada em vigor do CC de 1966.
Modalidades
11 Apresentação por Bruna de Sousa nas aulas práticas de Direito Comercial.
DIOGO CASQUEIRO 60
Faculdade de Direito da UCP
1. Compra para pessoa a nomear (pro amico electo) – art. 465º do C. Com. Consiste na
compra e venda mercantil em que um dos intervenientes designa um terceiro para assumir a sua
posição no contexto do contrato. Ao contrário do CC, o C. Com permite que o sujeito que contrata
indique como comprador outra pessoa, que não se identifica logo. O contrato não fica logo perfeito
pois falta a declaração de vontade do comprador, no entanto, vendedor emite logo a sua declaração e
fica de imediato vinculado;
2. Compra e venda de bens futuros, alheios e incertos – art. 467º do C. Com. Em geral,
nas relações de direito privado, são permitidas este tipo de vendas. No Direito Comercial, prevê-se a
validade independentemente do requisito civil de as partes considerarem os bens nessa qualidade
(futura, alheia ou incerta). Na venda de bens absolutamente futuros não há especialidades na lei
comercial. Nada obsta assim ao funcionamento da regra do art. 880º/1 CC. A lei comercial parte de um
prisma de validade do negócio e determina, expressamente, o dever do vendedor de adquirir a coisa
(art. 467º);
3. Vendas com preço fixado por conta, peso ou medida – estão sujeitas às regras dos
arts. 887º a 891º. A Principal especialidade é a subordinação à disciplina das obrigações genéricas. O
art. 472º aplica-se aos caos em que a venda é de coisas de uma só espécie, com dependência de
individualização, ou de coisas individualizadas mas também sujeitas a ulterior contagem, pesagem ou
mediação. Há já um compromisso contratual, mas não há ainda compra e venda com efeitos plenos.
Com a celebração do contrato, há efeitos obrigacionais que se produzem sem mais. Vale o regime do
art. 540º CC quando o vendedor detém as coisas. Ao contrário da lei civil, nos termos comerciais, o
risco transfere-se se a contagem, pesagem ou medição se não fez por culpa do comprador e se a
tradição ou entrega se fez sem esse acto. As vendas por partida inteira ou por bloco opõe-se a estas;
4. Compra e venda sobre amostra (art. 469º C.Com) – No momento da celebração o
vendedor limita-se a identificar o produto mediante exibição de uma “amostra de fazenda” ou através
de “qualidade conhecida no comércio”. A eficácia do negócio fica sujeita à condição suspensiva da
conformidade do bem entregue com a amostra apresentada;
5. Compra e venda a contento (art. 470º C. Com.) – Compra e venda mercantil
celebrada sob a condição de o bem vendido agradar ao vendedor. Nesta modalidade o
negócio encontra-se subordinado à condição resolutiva e discricionária do comprador.
Compra e venda Civil Comercial Razão de ser
Determinação
do Preço Em
ambas as
modalidades o
preço não tem de
estar determinado
A falta absoluta de um
modo de determinação do
preço não afecta a
existência e validade do
contrato sendo aquele
obtido através dos critérios
O contrato tem que prever logo
o modo por que será
determinado o preço e sendo
esse modo o recurso à
intervenção de terceiro este tem
logo que ser indicado. A
A lei mercantil não permite
uma intervenção heterónoma
que não se funde na vontade
das partes. No comércio e em
especial na compra e venda o
preço obedece à lógica do
DIOGO CASQUEIRO 61
Faculdade de Direito da UCP
no contrato. Basta
que o contrato
revele a
existência de um
preço
(determinável)
do 883º/1 CC valendo como
preço em última instância
aquilo que o tribunal fixar
equitativamente
omissão de fixação do preço
pelo terceiro designado no
contrato tem como
consequência supletiva a
própria inexistência do contrato
466º, § 2 C. Com.
lucro e não à da equidade.
Prazo de
Entrega
A coisa vendida deve ser
entregue ao comprador na
data acordada, sendo que,
na falta desta, compete ao
comprador interpelar o
vendedor a todo o tempo
arts. 777º, nº 1e 882º CC
As coisas compradas à vista
devem ser entregues num prazo
máximo de 24 horas após a
celebração do contrato – art.
473.º e as coisas não á vista no
prazo que for judicialmente
fixado. Ver o art. 475.º para os
casos de venda em feira ou
mercado.
O regime civil é
particularmente inadequado
para transacções comerciais
porque a celeridade e a
segurança são regras de ouro
no comércio .
Cumprimento
do contrato no
caso de
insolvência
O CC prevê a hipótese de
sobrevir a insolvência de
um dos contraentes estando
o outro obrigado a cumprir
em primeiro lugar no
quadro da excepção do não
cumprimento art. 429º o que
importa simplesmente a
possibilidade de o
contraente recusar a
prestação o que significa
que o contrato subsiste com
todos os seus demais efeitos
No contrato de compra e venda
mercantil no qual o vendedor se
vinculou a cumprir primeiro,
este considerar-se-á exonerado
da respectiva obrigação de
entrega caso o comprador seja
entretanto declarado insolvente
468.º. o comprador pode evitar
esse resultado mediante a
prestação de caução.
O regime civil não convém ao
comércio pois o vendedor não
se conforma com a simples
recusa de prestação interessa-
lhe receber rapidamente e
com certeza o preço (e não
ficar apenas com um crédito
sobre a insolvência) ou reaver
a propriedade do bem para o
poder alienar.
Incumprimento
da obrigação de
preço
Na falta de pagamento do
preço apenas se admite ao
vendedor a resolução
contratual quando esta tenha
sido convencionada art.
886.º
Se o comprador de coisa móvel
não pagar o preço, o vendedor
tem o direito de colocar em
depósito a coisa vendida por
conta do comprador libertando-
se da respectiva obrigação art.
841º CC ou em alternativa o
direito de a revender nos termos
previstos na lei (encaixando a
eventual diferença §1º e §2º do
art. 474º C. Com).
Trata-se de uma norma que
especifica que só com a
entrega por parte do vendedor
é que o contrato se torna
definitivo (no caso de o preço
não ter sido pago ou de
apenas ter que ser pago no
após a entrega ou no
momento desta). Regime
protector dos interesses do
vendedor.
DIOGO CASQUEIRO 62
Faculdade de Direito da UCP
Efeitos sobre
terceiros
Nos termos do art. 1301.º do
CC todo aquele que reivindicar
de terceiro uma coisa por este
comprada de boa-fé, a um
empresário, no exercício do
comércio deste, fica obrigado a
restituir ao comprador o preço
pago por este, sem prejuízo do
direito de regresso contra
aquele empresário
Regime que aflora os
interesses da segurança e da
tutela da confiança e da
aparência no tráfico jurídico
18. Representação comercial: contratos de mandato e comissão
Contrato de Mandato 12
Conceito e características
Mandato:
1. civil – art.1157º CC: “contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos
jurídicos por conta de outra”;
2. comercial – art.231º C.Com.: “quando alguma se encarrega de praticar um ou mais actos de
comércio por mandato de outrem”.
Ao contrário do direito civil, o mandato comercial envolve representação. Para além disso, o
mandato civil é passado no interesse do mandante sendo que, o mandato comercial opera também no
interesse do mandatário e do comércio em geral.
“Praticar um ou mais actos de comércio”: para se definir o carácter mercantil do mandato, é
preciso atender à natureza do acto e não à qualidade do mandante ou do mandatário.
O mandato conferido por um não comerciante será comercial quando tiver por fim um acto de
comércio objectivo;
Não será comercial o mandato conferido por um comerciante, quando o seu objecto for
exclusivamente civil (exemplo: mandato para outorga duma escritura pública de um prédio para
habitação do comerciante).
O acto encarregado ao mandatário tem de ser comercial em relação ao mandante, não
bastando que o seja para o terceiro.
12 Apresentação por Filipa Branco nas aulas práticas de Direito Comercial.
DIOGO CASQUEIRO 63
Faculdade de Direito da UCP
Exemplo: se o mandatário compra qualquer mercadoria para o consumo do mandante, o
mandato não é comercial porque o mandante não praticou um acto de comércio (se o vendedor for
comerciante, o acto será mercantil só em relação a este);
O mandato comercial presume-se oneroso (art.232º), ao contrário do civil (art.1158º CC).
A remuneração é acordada pelas partes ou, na falta de acordo, pelos usos da praça onde o
mandato for executado.
O mandato comercial pode ser conferido por todas as pessoas que podem validamente celebrar
actos de comércio, segundo os arts. 7º, 8º, 12º, 13º e 16º.
Exemplo: a mulher casada, autorizada para comerciar, pode conferir mandato mercantil, sem
necessidade de outra expressa autorização marital.
Tipos de mandatários
1. Gerentes de comércio
Gerente de comércio sujeito que, sob designação reconhecida pelos usos comerciais, trata
da actividade comercial de outrem, em seu nome e por sua conta, no respectivo estabelecimento ou
noutro local (art.248º), sendo o responsável pelo respectivo funcionamento; é aquela pessoa que
designamos habitualmente por “gerente de loja”.
As suas regras aplicam-se aos sujeitos previstos no art.255º - figura do escritório de
representação.
Aqui o mandato funciona em termos de indeterminação dos actos a praticar: pode estar
titulado para praticar todos os actos próprios da actividade em jogo, seja qual for a sua natureza.
Tem poderes de representação (art.250º e 251º) sendo que a sua limitação é inoponivel a
terceiros, “salvo provando que tinham conhecimento dela ao tempo em que contrataram”.
Se o gerente contratar em nome próprio mas por conta do proponente, o regime do art.252º
não coincide, rigorosamente, com as regras civis do mandato sem representação: o gerente fica
pessoalmente obrigado podendo, todavia, o contratante accionar o gerente ou o proponente (mas não
ambos). Especificidades:
O gerente não pode, salvo autorização expressa do proponente, desenvolver actividade com a
deste concorrente; se o fizer, responde pelos danos podendo ainda, o proponente, fazer seu o negócio
faltoso – art.253º;
Havendo registo do mandato, o gerente tem legitimidade judicial activa e passiva, como
representante do proponente – art.254º.
A morte do proponente não põe termo à gerência comercial (art.261º).
DIOGO CASQUEIRO 64
Faculdade de Direito da UCP
Havendo revogação do mandato ficam extintos os poderes de representação: não quaisquer
outros elementos decorrentes da prestação de serviço – art.262º (traduz uma dissociação entre o
mandato e a representação).
2. Auxiliares e caixeiros
Na sua actividade comercial, o empresário comercial é auxiliado por outros mandatários que
contrata – os balconistas (ou auxiliares – art.256º) – e que hoje prestam a sua colaboração
frequentemente ao abrigo de um contrato de trabalho. Nestes é possível discernir mais do que uma
categoria, salientando-se aqueles que estão encarregados de controlar a caixa (recebimentos e
pagamentos) dos estabelecimentos comerciais.
O Código Comercial refere-se ainda aos caixeiros que, tradicionalmente, eram os mandatários
a quem o empresário solicitava que o representassem noutras localidades, sendo também reconhecidos
por “viajantes” (e dai a expressão “caixeiro viajante”) ou simplesmente por representantes comerciais
(art.257º).
Distinção:
1. gerente: tem mandato geral – art.248º e 249º;
2. auxiliar e caixeiro: tem apenas mandato para tratar de algum ou alguns ramos do tráfego do
proponente – art.256º.
Auxiliares: são representantes – art.258º.
O Código admite que, como auxiliares, possam funcionar “empregados” do comerciante,
devidamente mandatados (art.257º) – o aspecto laboral opera apenas nas relações internas entre o
comerciante e o seu empregado, sendo insuficiente para justificar o tipo de representação aqui em
causa.
Os poderes de representação do trabalhador, automaticamente decorrentes do seu contrato de
trabalho, só funcionam no âmbito da empresa.
Caixeiros: pessoas mandatadas para vender e cobrar, em nome e por conta do comerciante
mandante – art.260º, 264º e 265º.
Regime jurídico
1. Forma do contrato
O mandato comercial pode ser expresso ou tácito e o primeiro verbal ou escrito (em relação
aos gerentes, art.249º).
DIOGO CASQUEIRO 65
Faculdade de Direito da UCP
Embora o art.242º pareça supor que o mandato comercial deva ser sempre escrito, não é este o
seu exacto significado pois trata-se do mandato escrito quando exista ou deva existir.
O mandato de carácter permanente costuma ser escrito ou o mandato com poderes gerais
porque estes poderes não se presumem conferidos por um simples mandato verbal, salva a situação do
art.249º, em que a amplitude do mandato deriva da lei e da qualidade ou função especial do
mandatário.
Salvo os casos exceptuados na lei, o mandato verbal só é suficiente para os actos que podem
ser verbalmente celebrados.
2. Recusa
Art.234º: exige-se que o mandatário participe ao mandante a recusa mas não a aceitação.
O destinatário é apenas obrigado a expedir sem demora o aviso da recusa – não pode ser
responsável pela perda ou demora na entrega desse aviso, devida a caso fortuito ou de força maior.
O destinatário é ainda obrigado a praticar todas as diligências de indispensável necessidade
para a conservação de quaisquer mercadorias que lhe hajam sido remetidas até que o mandante proveja
(por exemplo, fazendo-as recolher num armazém,, pagando as despesas de transporte, etc).
O mandatário fica dispensado de praticar tais diligências quando motivos de força maior o
impedem: por exemplo, ter de se ausentar no momento em que recebeu o mandato.
3. Direitos e vinculações das partes
Deveres do mandatário:
a) é obrigado a cumprir o mandato nos termos e pelo tempo por que lhe for conferido depois
de o ter expressa ou tacitamente aceite e enquanto o mandato não for revogado, não se extinga ou ele
não renuncie, nos termos da lei.
A execução tem de ser integral porque o mandato é indivisível, salvo prova em contrário
(compreende-se porque todas as partes do mandato estão entre si ligadas por um estreito nexo
económico ou pelos fins que o mandante se propõe).
b) é responsável pela guarda e conservação das mercadorias (art.236º).
c) praticar os actos envolvidos de acordo com as instruções recebidas ou, na sua falta, segundo
os usos do comércio – art.238º;
DIOGO CASQUEIRO 66
Faculdade de Direito da UCP
d) dever de informação: informar o mandante de todos os factos que o possam levar a
modificar ou revogar o mandato – art.239º;
A dificuldade está em o mandatário compreender quais são esses factos porque pode ter um
modo diferente de ver do mandante: (1) certos autores entendem que, nestes casos, o mandatário não
fica responsável para com o mandante, desde que haja procedido com a diligência de um prudente
comerciante; (2) LUÍS DA CUNHA GONÇALVES : o mandatário não deve apreciar os factos pelo seus
próprio critério – sejam ou não insignificantes, desde o momento em que eles constituam uma alteração
aos usos do comércio ou das condições em que os negócios anteriormente eram celebrados (exemplo:
preços, transportes, etc), deve comunicá-los ao mandante, que pode desistir dos negócios e, portanto,
revogar o mandato por causa deles conferido ou enviar novas instruções.
e) dever de comunicação: avisar o mandante da execução do mandato, presumindo-se que ele
ratifica quando não responda imediatamente, mesmo que exceda os seus poderes – art.240º;
Três hipóteses: (I) execução definitiva; (II) execução provisória (o contrato fica sujeito à
confirmação do mandante – ex: aceitação ou recusa definitiva dos seguros contratados por agências ou
sucursais de sociedades estrangeiras); (III) mandatário excede os poderes que lhe foram conferidos.
Não estando os actos do mandatário, efectuados dentro dos limites do mandato, dependentes
de ratificação, antes obrigando o mandante como se fossem por este pessoalmente celebrados, tanto
para com o mandatário, como para com terceiros, é manifesto que tais actos, não podendo ser
revogados, não têm de ser comunicados para o fim de serem ratificados, mas unicamente para que o
mandante tenha conhecimento da execução do mandato e possa ordenar a sua vida comercial.
Exemplo: se o mandante tiver necessidade de umas mercadorias para as fornecer em certa
data, desde que ele saiba que um dos seus mandatários as comprou já, nas condições indicadas, não terá
de as comprar a outra pessoa ou por via de outro mandatário, noutro local.
f) a pagar os juros do que deveria ter entregue, a partir do momento em que não o haja feito
(art.241º), ou seja, a prestar contas.
g) o mandatário tem de exibir o mandato escrito aos terceiros com quem contratar, quando
exigido – art.242º: depois da celebração dos contratos e tendo o mandatário cumprido o seu dever
(mostrando o documento se exigido), por um lado, não fica responsável pelos actos praticados, nem
para com o mandante, nem para com terceiros; por outro lado, o mandatário também não participa nas
acções contra terceiros pelas obrigações que estes por via dele contraíram com o mandante, salvo tendo
para este fim especiais poderes.
O mandatário é pessoalmente responsável quando: (I) o mandante não existe ou não podia
ficar obrigado pelos seus actos (exemplo: sociedade ainda não constituída); (II) os usos do comércio
impõem tal responsabilidade; (III) o terceiro preferiu conceder-lhe crédito só em atenção à sua pessoa,
expedindo em seu nome as facturas, embora conhecendo o mandante.
DIOGO CASQUEIRO 67
Faculdade de Direito da UCP
Se o mandatário celebrar o contrato em nome próprio, ocultando a sua qualidade ou não
declarando que o faz em nome de outrem, só ele responde para com terceiros, não se estabelecendo
nenhuma relação entre o mandante e estes (é o que acontece no contrato de comissão – art.268º).
h) executado o mandato, o mandatário tem, não só de restituir ao mandante todas as coisas e
somas a este pertencentes que tenha em seu poder, mas também a procuração escrita que dele haja
recebido.
O mandatário não fica subordinado ao mandante no sentido de genericamente disponível para,
em nome da obediência, conformar a sua prestação de acordo com a direcção do empregador: trata-se
duma actuação limitada.
Direitos do mandatário:
a) o mandatário tem direito a ser remunerado (art.232º - tem direito a receber nos termos
convencionados ou segundo os usos da praça): o salário é devido ainda que o negócio não tenha sido
vantajoso para o mandante.
Se o salário, pela forma por que foi estipulado ou pela natureza do serviço a prestar, não se
supõe subordinado à condição de se concluir o negócio, pode o mandatário exigi-lo proporcionalmente
ao trabalho que tenha tido, ainda que recuse o mandato, mas tenha praticado certas diligências
conservatórias das mercadorias ou coisas do mandante, caso em que procede como um gestor de
negócios – art.252 2º parágrafo e 234º.
b) direito a que lhe sejam fornecidos os meios necessários à execução do mandato, salvo
convenção em contrário – art.243º;
O silêncio do contrato não é suficiente para isentar o mandante desta obrigação, por exemplo,
quando esse silêncio seja suprido pelos usos da praça em que ele ou o mandatário reside.
- 1º parágrafo: embora o mandato seja aceite, não será obrigatório o seu desempenho enquanto
o mandante não haja posto à disposição do mandatário as importâncias necessárias.
- 2º parágrafo: se os fundos enviados acabarem e, solicitada nova remessa, ela for recusada ou
não chegar com prontidão, pode o mandatário suspender as suas diligências (o mandatário não fica
exonerado das obrigações que o art.234º impõe aos que recusam o mandato e, por maioria de razão, aos
que o aceitam).
Se o mandatário der inicio à execução do mandato sem reclamar provisão de fundos, deve
presumir-se que tacitamente se comprometeu a não os exigir ao mandante antes da conclusão do
negócio ou a adiantá-los até onde e quando eles não lhe fizessem falta.
Se a soma não for importante nem o mandatário for uma pessoa com poucas posses, deve este
fazer sempre o adiantamento das despesas (ex: preço das mercadorias compradas), quando do contrário
possa resultar prejuízo ao mandante, pois isto entra nos deveres que a lei lhe impõe.
DIOGO CASQUEIRO 68
Faculdade de Direito da UCP
O adiantamento das despesas será, por maioria de razão, obrigatório quando a tal respeito
houver usos correntes na respectiva praça, expressa convenção ou costume entre os contraentes,
derivado de uma longa série de transacções anteriores.
3º parágrafo: esta obrigação, mesmo sendo estipulada, deixa de subsistir no caso de
cessação de pagamentos ou falência do mandante.
c) tendo adiantado o pagamento de quaisquer despesas do mandante, o mandatário tem direito
a ser reembolsado delas e dos respectivos juros desde o dia em que fez os adiantamentos –
contrapartida da obrigação que o art.241º impõe de pagar juros ao mandante pelas somas a este
pertencentes, desde o dia em que deveriam ser-lhe entregues (o legislador esqueceu-se de tornar
expressa esta reciprocidade, só falando vagamente em juros das quantias reembolsadas no art.241º);
d) direito a ser indemnizado de todos os prejuízos que provêm do cumprimento do mandato,
quer sejam derivados de caso fortuito ou de força maior, quer de facto de terceiro com quem o
mandatário entrasse em relações no exercício e por causa do seu mandato, quer do próprio mandante.
e) o mandatário tem direito a ser compensado em caso de antecipação do termo do mandato
por morte do mandante (art.236º).
f) tem direito a ser reembolsado de despesas e compensado – art.234º, 243º e 246º.
4. Pluralidade de mandatários
Mandato conjunto: quando para um mesmo negócio sejam constituídos, pelo mesmo acto,
diversos mandatários, sem a declaração de deverem trabalhar conjuntamente, presume-se que deve
cada um deles proceder na falta ou impedimento de outro, pela ordem da nomeação – art.244º.
Estando a exercer o mandato o primeiro nomeado, todos os posteriores devem abster-se de
toda e qualquer intervenção em tais negócios; caso contrário, os seus actos não obrigarão o mandante.
Mandato separado (os mandatários são constituídos por actos ou documentos diversos e em
diversas datas): vale a solução fixada para o mandato conjunto?
- LUÍS DA CUNHA GONÇALVES : a nomeação de um novo procurador para o mesmo e único
objecto equivale à revogação da primeira procuração, sendo notificada pelo mandante ao anterior
mandatário – não sendo a procuração posterior notificada ao mandatário anteriormente constituído,
como ela não pode produzir os efeitos da revogação, o Autor entende que o novo mandatário tem os
mesmos deveres que teria se fosse nomeado conjuntamente com os outros: ele não pode intervir na
execução do mandato enquanto algum deles o estiver a exercer.
Quando houver a declaração de que todos devem fazer conjuntamente certo acto, nenhum
deles pode proceder isoladamente, sob pena dos seus actos não obrigarem o mandante.
DIOGO CASQUEIRO 69
Faculdade de Direito da UCP
a) se algum ou alguns deles não quiserem aceitar o mandato ou, tendo-o aceite, não
quiserem ou não puderem cumpri-lo, os outros, se constituírem a maioria, são obrigados a
executá-lo, mas sempre conjuntamente.
b) se não constituírem a maioria:
I. segundo alguns autores, devem os mandatários abster-se de qualquer
actividade e avisar o mandante ou, executando o mandato, arriscam-se a que os seus
actos não sejam ratificados pelo mandante;
II. LUÍS DA CUNHA GONÇALVES : a maioria é obrigada a cumprir o mandato
mas não é obrigada a não o cumprir, ou seja, pode cumpri-lo, se assim o preferir,
salvo se o mandante expressamente determinar o contrário.
Os mandatários recusantes não podem deixar de tomar as providências conservatórias dos
interesses do mandante (art.234º). Por maioria de razão, poderão executar o mandato os que o tiverem
aceite, embora em minoria, sem que os seus actos estejam sujeitos a ratificação, visto que não podem
ser havidos como praticados com excesso ou falta de mandato, excepto se o mandante expressamente
proibir a execução do mandato à maioria dos mandatários nomeados.
Mandato simultâneo: o mandante pode, na mesma procuração e por declaração expressa,
encarregar diversas pessoas de tratar simultaneamente de todos os seus negócios.
Se cada um dos mandatários pode proceder separadamente ou um na falta de outro, a
responsabilidade deles para com o mandate é individual.
Efeitos
Responsabilidade contratual (art.238º).
Especificidades
O mandato envolve remessa, ao mandatário, de mercadorias – art.234º a 237º: o mandato já
não envolve apenas a prática de actos jurídicos.
Pluralidade de mandatários – art.244º: presume-se que devem obrar, por ordem de nomeação,
na falta uns dos outros.
1º parágrafo e art.1166º CC: prevê a hipótese de mandato conjunto não aceite por todos.
Privilégios creditórios mobiliários especiais a favor do mandatário comercial – art.247º:
operam sobre mercadorias à guarda do mandatário e por despesas por elas ocasionadas.
Resolução e extinção
DIOGO CASQUEIRO 70
Faculdade de Direito da UCP
As disposições do Código Civil relativas à extinção do mandato (art.1170º e ss) são aplicadas
subsidiariamente ao mandatário comercial.
Distinção:
1. caso o mandato tenha duração determinada, este extingue-se findo o prazo previsto;
2. não é muito comum o mandato ser conferido por tempo determinado; sempre que o prazo não seja
expressamente fixado na procuração, o mandato considera-se perpétuo ou por tempo indefinido e
vigora até que seja revogado ou por outro motivo se extinga.
A ausência é causa extintiva do mandato?
1. ausência do mandante: há certos autores que sustentam que a sua ausência é causa extintiva mas
tal doutrina só será defensável de acordo com os art.114º e ss CC, ou seja, o mandato só poderá durar
10 anos após a data do desaparecimento do mandante e apenas quando for conferido para a gerência do
seu comércio, embora haja outro procurador para a administração dos demais bens.
2. ausência do mandatário: esta produz os efeitos da renúncia tácita.
A revogabilidade é uma característica do mandato (art.1170º CC: este direito é irrenunciável)
que tem como pressuposto legal a confiança do mandante; cessada essa confiança, é natural que o
mandato não possa subsistir, pelo que o mandato constitui uma excepção à regra pela qual os contratos
não podem ser revogados senão de comum acordo (art.406º CC), excepto se o mandato for conferido
também no interesse do mandatário, caso em que terá de haver comum acordo (art.1170 nº2 CC).
Distingue-se:
1. revogação expressa: feita por palavras ou por escrito, exprimindo claramente a vontade do
mandante, levada ao conhecimento do mandatário e do público;
2. revogação tácita – art.1171º: resulta implicitamente de certos actos do mandante, por exemplo, a
realização por este do negócio para que nomeara o mandatário (tal só acontecerá se o mandato fosse
apenas para um acto) ou a constituição de um novo mandatário para os mesmos negócios, a não ser que
das circunstâncias do caso resulte que este deverá exercer o mandato conjuntamente com o anterior.
Só se tem por revogado o mandato aquando do seu conhecimento pelo mandatário.
Por um lado, quanto à revogação do mandato civil, esta pode ser efectuada por mero arbítrio
do mandante, que não tem de dar satisfação alguma ao mandatário; por outro lado, a revogação do
mandato comercial, sendo sem justa causa, obriga o mandante a indemnizar o mandatário das perdas e
danos que por tal motivo haja sofrido (art.245º C.Com.).
DIOGO CASQUEIRO 71
Faculdade de Direito da UCP
Consideram-se causas justificadas da revogação a incapacidade jurídica, negligência do
mandatário, a desobediência às instruções recebidas e qualquer circunstância que faça cessar a
confiança do mandante, a desistência do mandante em relação às transacções que são objecto do
mandato ou até a falência do mandante (não é forçoso que a justificação resulte de culpa do
mandatário).
Ainda que a causa da revogação seja injustificada, o mandatário não se pode opor (se tal fosse
possível, isto significaria que o mandante era obrigado a ter confiança em quem já não tem), ou seja,
desde que seja indemnizado dos prejuízos sofridos, nada mais pode reclamar.
Renúncia: também esta tem de ter uma causa justificada (ex: necessidade de se ausentar da
localidade em que o mandato tem de ser cumprido, dificuldade de obter do mandante os fundos
precisos para a execução do mandato, etc), caso contrário dará lugar a indemnização nos termos do
art.245º C.Com.
O mandatário tem de continuar com a gerência dos negócios do mandante até que este tenha
conhecimento da renúncia e decorra o tempo necessário para que possa prover aos seus interesses,
salvo se de contrário nenhum prejuízo lhe resultar.
Morte do mandante ou do mandatário – art.1174º CC: há casos em que se convenciona que o
contrato subsistirá após a morte do mandante e outros em que só após a morte é que o mandato se
executa; como referido anteriormente, se o mandatário for gerente de comércio, a morte do mandante
não põe termo ao mandato.
Sendo vários os mandantes, a morte de um deles não extingue o mandato, se o objecto deste
for indivisível, assim como acontece no caso de serem vários mandatários e se um deles morrer, salvo
se houver a obrigação de agirem conjuntamente, caso em que o contrato caduca em relação a todos
(art.1177º CC).
Interdição ou inabilitação:
1. do mandante – art.1175º CC: o mandato caduca a partir do momento em que seja conhecida do
mandatário ou quando da caducidade não resultarem prejuízos para o mandante ou seus herdeiros,
salvo se o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro (caso em
que não caduca);
2. do mandatário – art.1176º CC: os seus herdeiros devem prevenir o mandante e tomar as devidas
providências até que este esteja em condições de tomar conta dos actos que constituem o mandato.
Se no momento da morte ou da interdição existirem negócios já iniciados – distingue-se:
DIOGO CASQUEIRO 72
Faculdade de Direito da UCP
a) se os negócios ficaram incompletos e não é necessária a sua conclusão, o mandatário, seus
herdeiros ou representantes têm direito a uma remuneração proporcional ao que teriam de receber se a
execução fosse completa;
b) se os negócios devem ser concluídos para evitar prejuízos ao mandante e, sendo concluídos, os
interessados terão direito à totalidade da remuneração, conforme o contrato ou os usos da praça.
Os actos praticados pelo mandatário após a expiração do mandato não obrigam o mandante,
nem para com aquele, nem para com terceiros, excepto se se tratarem de actos tendentes a evitar
prejuízos ao mesmo mandante ou seus herdeiros e praticados enquanto estes não nomearem outro
mandatário ou se tanto o mandatário como o terceiro estavam de boa fé, por ignorarem a extinção do
mandato (se apenas o terceiro ignorava tal facto, o mandatário será responsável pelas perdas e danos
para com o mandante, ficando o acto válido em relação ao terceiro).
Contrato De Comissão 13
Artigo 266º C. Com dá-se contrato de comissão quando o mandatário executa o mandato
mercantil, sem menção ou alusão alguma ao mandante, contratando por si e em seu nome, como
principal e único contraente.
Para existir contrato de comissão é necessário que:
Objecto : actos de comércio (art.231º)
Para haver contrato de comissão, é preciso, em primeiro lugar, que ele tenha por objecto actos
de comércio, porque só assim o mandato pode ser mercantil (art. 231º). Não é preciso que a operação
seja comercial para ambas as partes, isto é, para o comitente e para o terceiro com quem o mandatário
contrata. Sendo a transacção feita por conta do comitente, vai-se atender ao ponto de vista deste para se
determinar se o acto é comercial. Haverá comissão quando um comerciante de vinhos encarregar
alguém de comprar uma porção de vinho ao respectivo produtor; e pelo contrário, não haverá comissão
quando alguém manda comprar uma mercadoria para seu consumo (embora sejam comerciantes tanto o
mandatário como o vendedor), visto que, não tendo o mandante feito um acto de comércio, não pode o
mandato ser comercial.
Não alusão do mandante
É necessário que o mandatário não faça alusão alguma ao mandante, como tal, e contrate em
seu próprio nome, como principal e único contraente, seja porque o segredo é, muitas vezes, condição
essencial do sucesso das operações comerciais, seja principalmente porque a declaração do nome do
comitente, ou melhor, a declaração de que procede em nome do mandante, teria como efeito obrigar
13 Apresentação por Joana Gonçalves nas aulas práticas de Direito Comercial.
DIOGO CASQUEIRO 73
Faculdade de Direito da UCP
este directamente para com os terceiros, enquanto que o mandatário nenhuma responsabilidade teria
nos actos em tais condições celebrados.
Se o comissário, contratando em nome próprio, cometer a indiscrição de dizer que a operação
é feita por conta do comitente, como esta revelação é, extracontratual, de nenhum modo alterará a
condição jurídica dos contraentes, antes será uma prova segura de que o comissário quis obrigar-se
pessoalmente e não contratou como simples mandatário. O comitente só terá direito a perdas e danos
que de tal indiscrição lhe houverem resultado por efeito da concorrência.
A comissão só constitui um mandato nas relações entre o comitente e o comissário (art. 267º),
em relação a terceiros o mandato não existe (art. 268º).
A comissão só constitui um mandato nas relações entre o comitente e o comissário (art. 267º),
pois em relação a terceiros, tal mandato não existe, nem juridicamente pode existir, visto que o
comissário torna-se directo credor ou devedor das obrigações contraídas, como se o negocio fosse seu,
não tendo aqueles acção alguma contra o comitente, nem este contra eles (art. 268º). Esse duplo
aspecto da comissão não obsta, porém, a que ela seja uma forma autónoma de contrato, com os
requisitos próprios e que, por isso, não se deve confundir com o mandato.
O principio de que o comitente não tem acção contra terceiros e vice-versa não pode ser
levado ao extremo de se julgar que o comissário pode opor contra o comitente que o acto foi celebrado
em seu próprio nome, ou que o comitente não pode invocar jamais o contrato de comissão, quando os
seus direitos possam estar em conflito com os de terceiros, nos mesmos casos em que contra o
comissário os poderia alegar.
Vantagens da comissão
O facto do comissário contratar em seu próprio nome e sua exclusiva responsabilidade para com
terceiros representa preciosas vantagens:
Os terceiros não têm de indagar a solvabilidade e qualidades pessoais do comitente;
Não há que recear qualquer excesso de mandato;
O comitente pode fazer em segredo a operação cuja publicidade não lhe convém e não corre o
risco de contrair a mesma obrigação com diversas pessoas, com sucederia se o mandatário abusasse do
seu nome e mandato.
Ou seja, o devedor e o credor ficam ao alcance um do outro, e facilmente podem exigir as
recíprocas obrigações.
Distinção entre o regime civil e o regime comercial
DIOGO CASQUEIRO 74
Faculdade de Direito da UCP
• A comissão é um contrato de mandato comercial sem representação, nos termos do artigo
266º. Está também previsto nos artigos 1180º a 1184º – mandato sem representação – do Código Civil.
• O mandato comercial presume-se oneroso (art. 232º), ao contrário do que acontece no
mandato civil (art. 1158º CC).
Natureza e Forma
A comissão é um contrato meramente consensual, seja porque os actos praticados pelos
comissários, em regra, podem ser validamente celebrados por convenção verbal, seja porque o
mandato, não podendo ser em tais actos invocado, não tem de obedecer á forma legal destes (artigos
1327º a 1329º do CC). Todavia, pode a comissão ser dada por escrito particular ou autêntico.
Direitos e Obrigações
Artigo 267º o comitente e o comissário ficam, pois, sujeitos aos mesmos direitos e
obrigações que a lei impõe ou atribui ao mandante e ao mandatário (art. 267º).
Artigo 268º o comissário deverá depois retransmitir para o mandante ou comitente o que,
por conta deste, haja adquirido: é o que se infere do final do artigo 268º.
Artigo 269º à obrigação de cumprimento do contrato do comissário para com o comitente é
oposta a principal obrigação do comitente de pagar ao seu mandatário a remuneração (chamada direito
de comissão ou simplesmente comissão). Esta remuneração pode ser convencionada juntamente com as
cláusulas do contrato, ou posteriormente.
Cumpre ao comissário conformar-se com as instruções do seu comitente. Relativamente à
natureza da operação, a comissão tem sempre um carácter imperativo, ou seja, o comissário não pode
fazer um acto diverso do indicado. Relativamente aos diversos pontos de instruções do comitente, estes
nem sempre têm o mesmo valor. Podem ser imperativas (devem ser rigorosamente seguidas),
indicativas (servem apenas de guia) e facultativas (quando a escolha e decisão do comissário foi
deixada a solução dos casos ocorrentes, dependendo das circunstâncias). Quando se trata de condições
sobre, que nenhuma instrução especial foi dada, deve o comissário proceder conforme os usos do
comércio (art. 238º).
Responsabilidade
O comissário não responde, pelo cumprimento das obrigações de terceiro, salvo pacto ou uso
em contrario – art. 269º, nº 1.
DIOGO CASQUEIRO 75
Faculdade de Direito da UCP
O comissário é responsável para com o comitente, não só quando não executa a comissão, ou
a executa em desarmonia com as instruções e usos locais, mas também quando só parcialmente a
cumpre, ou descura de exercer certos direitos que dela derivam, embora cumprindo-a conforme aquelas
instruções e aqueles usos.
Todas as consequências prejudiciais derivadas de um contrato feito com violação ou excesso
dos poderes da comissão serão por conta do comissário (art. 270º). O legislador regulou
casuisticamente algumas violações do mandato (nºs 1, 2 e 3 do art. 270º).
As palavras “por si e em seu nome” do art. 266º, referem-se a pessoas singulares e colectivas.
Se o comissário for um indivíduo, a sua capacidade será regulada pela lei geral, assim como a do
comitente. Sendo o comissário ou o comitente uma sociedade, será indispensável que esta se encontre
legalmente constituída, pois só assim pode ter nome e personalidade para contratar.
Na comissão podem haver também mais de um comitente e mais de um comissário. No
primeiro caso, os comitentes serão solidariamente obrigados (art. 100º); no segundo caso, a
solidariedade só existirá quando os comissários tiverem de fazer conjuntamente a mesma acção.
Diferenças entre comissário e outros agentes do comércio
O comissário distingue-se de todos os outros agentes do comércio. Em primeiro lugar, o
comissário praticando profissionalmente actos de comércio em nome próprio, é comerciante e segundo
essa qualidade fica sujeito a todos os rigores da lei comercial, inclusive à falência. Pelo contrário, os
gerentes, os caixeiros e os simples mandatários não podem ser havidos como comerciantes, visto
operarem em nome doutrem, e não terem estabelecimento próprio, nem arriscarem os seus próprios
recursos nas negociações que efectuam.
Em segundo lugar, o gerente ou o caixeiro servem somente a um determinado comerciante,
efectuam de modo contínuo e sucessivo, actos comerciais de uma certa categoria, não podem comerciar
por conta própria e estão numa situação de subordinação quanto ao proponente. O comissário, em
regra, encarrega-se somente de operações singulares, determinadas em quantidade e qualidade, embora
extremamente variadas. É independente prestar serviços a todas as pessoas que se lhe dirigem, mesmo
para negócios de idêntica natureza, pode negociar por conta própria e até com o próprio mandante. Em
consequência, a comissão é sempre limitada e tem de ser renovada em relação a cada acto, ou
considera-se conferida para cada um destes em separado.
Pagamento da comissão
Sendo a comissão, internamente, um mandato comercial, segue-se que ela não é gratuita, ou
pelo menos, nunca tal se presume, visto o disposto no artigo 232º e no nº 2 do artigo 269º, que se refere
como remuneração ordinária. Esta remuneração pode ser convencionada juntamente com as cláusulas
do contrato, ou posteriormente. Todavia, nada obsta que as partes convencionem o contrário, sem que
DIOGO CASQUEIRO 76
Faculdade de Direito da UCP
isto prejudique o carácter mercantil da comissão, que deriva somente da natureza dos actos
comissionados.
A comissão é devida ainda que o terceiro não execute a obrigação; basta que o contrato esteja
concluído e perfeito, salva a convenção del credere e salvo os usos da praça. Pelo contrário, se a
operação não está concluída, seja qual for a causa, a comissão não é exigível. Se a inexecução do
contrato for devida a dolo ou culpa do comissário, é claro que este não terá direito á comissão. E se o
comissário executar o mandato em parte bem e em parte mal? Se o encargo for susceptível de execução
parcial, ou pode o contrato ser aproveitado só em parte, será a comissão paga em proporção; caso
contrário, ela não será exigível.
Responsabilidade do comissário nas obrigações contraídas por terceiro
Sendo o comissário um simples mandatário, é claro que, em regra, ele não pode ser
responsável pela inexecução total ou parcial das obrigações contraídas pela pessoa com quem contratou
(art. 269º), quer essa inexecução resulte de culpa do terceiro, quer de caso fortuito ou de força maior.
Mas, tendo o comissário o direito de negociar por conta própria com o comitente (art. 274º),
aquela isenção de responsabilidade supõe, naturalmente, que ao comitente foi dado conhecimento do
nome e do domicilio do terceiro, com quem o contrato foi celebrado, e, portanto, que o comissário tem
a obrigação de fazer tal participação. Esta obrigação é contestada por alguns escritores, segundo os
quais a revelação do nome de terceiro, permitindo ao comitente, de futuro, estender-se directamente
com o mesmo terceiro, seria a ruína do comércio de comissão. Este argumento, porém, é de ordem
puramente económica e sentimental, e não pode prevalecer contra o artigo 273º, que obriga o
comissário a declarar os nomes dos compradores nas vendas a prazo e, sempre que o comitente o exija,
em toda a espécie de contratos por conta deste feitos.
Mas, ainda fora destes casos, é evidente que o comissário, não declarando espontaneamente o
nome da pessoa com quem contratou, autoriza o comitente a considerar a compra ou a venda como
feita por conta daquele e a exigir-lhe directamente a execução do contrato (art. 274º), consequência que
só por meio dessa declaração pode evitar. Não obstante tal declaração, porém, ou mesmo sem a fazer,
pode o comissário ficar pessoal e directamente obrigado para com o comitente pela execução do
contrato em virtude da cláusula del credere. Seja qual for a causa da inexecução do contrato pelo
terceiro, o comitente, vencida a obrigação, não tem de indagar se o terceiro cumpriu ou não; ele pode
exigi-la directamente ao comissário (excepto por perdas e danos).
Cláusula del credere
A comissão supõe sempre uma certa confiança do comitente no comissário; mas com a
cláusula del credere (confiança, garantia), aquele deposita neste toda a sua confiança, e julga-se
garantido de todo o risco. A cláusula del credere pode resultar, ou de uma convenção expressa, ou dos
DIOGO CASQUEIRO 77
Faculdade de Direito da UCP
usos locais concernentes a certas mercadorias, ou de qualquer outra circunstância do montante da
comissão, quando esta for superior á ordinária, salvo demonstrando o comissário que esta maior
comissão foi motivada pela maior dificuldade ou importância da operação, ou pelos maiores riscos
dela.
Assumida a obrigação del credere, o comissário não pode fugir a ela alegando força maior, ou
remetendo o comitente contra o terceiro, por meio da cessão dos seus próprios direitos. O comissário
fica sujeito a toda a espécie de riscos ou eventualidades. Todavia, como a obrigação do comissário não
pode ser mais onerosa do que seria a do terceiro, se este houvesse directamente contratado com o
comitente, é claro que se o terceiro invocar alguma excepção poderá ser a este oposta, não obstante a
cláusula del credere.
Compra ou venda por preço ou de qualidade diversos dos marcados pelo comitente
Se o comissário vender a mercadoria por preço inferior ao marcado pelo comitente, ou, na
falta de fixação, menor do que o corrente, havendo-o, ou, encarregado de comprar, exceder o preço que
lhe fora fixado, ou a coisa comprada não for de qualidade encomendada, o comitente terá o direito de
rejeitar a operação, caso as suas instruções fossem dadas em termos imperativos. (art. 270º, nºs 1 a 3).
Empréstimos, adiantamentos e vendas a prazo
Se o comitente permitiu expressamente qualquer destes actos, nada há que dizer. Mas, sendo
condicional a permissão, isto é, sujeita a certas cláusulas e referentes a determinadas pessoas, é claro
que não poderá ela ser aproveitada em relação a outras pessoas, nem com diversas condições, ou com
maior amplitude.
A responsabilidade pessoal do comissário é exigível quando as vendas a crédito, embora
autorizadas pelo comitente ou pelos usos comerciais, forem feitas a pessoas conhecidamente
insolventes, ficando os interesses do comitente em risco manifesto e notório (art. 272º). O comissário
deve, logo que efectue a operação, não só comunica-la ao comitente, segundo o disposto no 240º, mas
também indicar os nomes dos compradores ou vendedores, salvo se houver del credere (art. 273º).
O C. Com. estipula determinados deveres de escrituração – artigos 273º, 275º e 277º. A
violação deles traduz a inobservância do mandato, com as consequências legais.
19. Mediação
19.1. Noção
A mediação é o contrato pelo qual uma pessoa ou entidade (mediador) coloca em contacto
dois interessados em concluir um determinado contrato – normalmente de compra e venda –,
contribuindo para o esclarecimento das partes sobre o âmbito e escopo do negócio e favorecendo, desse
DIOGO CASQUEIRO 78
Faculdade de Direito da UCP
modo, a respectiva conclusão, mediante uma retribuição, normalmente calculada percentualmente
sobre o valor do negócio e a suportar pelo adquirente, se não for convencionada diferente forma de
proceder à repartição do pagamento devido ao mediador.
19.2. A intermediação financeira; remissão
Os intermediários financeiros estão enunciados no art. 293º do Código dos Valores
Mobiliários (CVM)205, sendo as actividades de intermediação financeira referidas no art. 289º.
A lei estabelece diversos princípios a quem devem obedecer estas actividades (art. 304º),
nomeadamente a salvaguarda dos bens e dinheiro de clientes, a informação a investidores (arts. 312º e
ss), a resolução de conflitos de interesses e a defesa do mercado (art. 311º).
Estes contratos devem apresentar um conteúdo mínimo (art. 321º-A) e quando formados com
base em cláusulas contratuais gerais estão sujeitos a uma disciplina rigorosa (art. 321º).
O Código dos Valores Mobiliários menciona três espécies diferentes: – As ordens de bolsa
(art. 325º); – A gestão de carteiras (arts. 335º e 336º); e – A assistência e colocação (arts. 337º a 342º).
19.3. Mediação imobiliária (DL 211/2004, de 20 de Agosto)
A mediação imobiliária consiste na actividade de encontrar interessado para adquirir um
determinado imóvel cuja venda se pretende promover, devendo a mediadora executar as diligências
tendentes a difundir o interesse na venda com a finalidade de que surja um ou mais potenciais
compradores.
Em princípio, a remuneração apenas será devida após a concretização do negócio, salvo
situações expressamente previstas em contrato de mediação, e será suportada pelo adquirente se não for
convencionado diferente regime. Trata-se da aplicação por analogia da regra prevista no artigo 878º do
Código Civil, que faz recair os encargos da compra e venda sobre o adquirente.
19.4. Outros contratos de mediação
Há outros contratos de mediação legalmente tipificados, como a mediação de seguros, por
exemplo (arts. 28º a 31º da LCS e Decreto-Lei no 144/2006, de 31 de Julho).
20. Contratos de distribuição
20.1. Generalidades
A distribuição corresponde a um complexo de actos articulados com vista a promover a
transferência remunerada de bens e serviços do produtor para o utilizador final.
DIOGO CASQUEIRO 79
Faculdade de Direito da UCP
Trata-se de uma actividade de intermediação que pressupõe uma relação, pelo menos,
triangular, entre o fabricante (produtor), o distribuidor e o consumidor.
A distribuição pode ser directa, se as mercadorias são transmitidas directamente pelo produtor
ao utilizador final – o que sucede com as vendas efectuadas na sede da empresa, por exemplo, de
equipamentos complexos de elevado custo –, ou indirecta. Neste caso, a comercialização efectua-se
em diversos planos, desde o transporte, depósito e armazenagem, redução das partidas de mercadorias a
quantidades para venda a retalho, até ao retalhista.
Contrato de Agência14
Noção, assento legal, justificação, qualificação e figuras afins
Na definição do Professor ENGRÁCIA ANTUNES, o contrato de agência consiste no contrato
pelo qual uma das partes (o agente) se obriga a promover, por conta da outra (o principal) a celebração
de contratos, de modo autónomo, estável e remunerado.
O contrato de agência tem assento legal no Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, na sua
redacção actual, dada pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril, que transpôs a Directiva 86/653/CE,
de 18 de Dezembro. Esta Directiva teve como principal objectivo, atenta a finalidade do contrato,
harmonizar a política legislativa dos Estados-Membros, no que toca ao mesmo.
A sua razão de ser prende-se com a pretensão de obter uma mais eficaz distribuição dos
produtos, superando o método tradicional de colocação directa dos bens no mercado. Em tese, três
formas de conseguir este resultado seriam descortináveis:
1. Estabelecimento de filiais ou sucursais;
2. Envio, pela empresa, de trabalhadores a diferentes locais para procederem à
venda dos produtos;
3. Celebração de contratos de agência.
Razões ponderosas militam a favor da autonomização e do interesse teórico-prático desta
figura contratual. Como afirma o Professor ROMANO MARTINEZ, a celebração de contratos de agência
permite obviar aos claros inconvenientes que podem advir do crescimento empresarial,
consubstanciado no estabelecimento de filiais ou sucursais. Por outro lado, a relação laboral para estas
actividades traz inconvenientes: a estabilidade do emprego inviabiliza o ius variandi, além de que o
trabalhador não costuma ter o mesmo espírito empreendedor de quem age por conta própria.
O contrato em análise reveste ainda uma importância que lhe advém do facto de constituir a
figura paradigmática ou matriz da distribuição comercial, pelo que a doutrina e a jurisprudência têm
14 Apresentação por Diogo Casqueiro nas aulas práticas de Direito Comercial. Sobre a indemnização de clientela, apresentação por Miguel Cancela de Abreu e Sebastian.
DIOGO CASQUEIRO 80
Faculdade de Direito da UCP
admitido a extensão analógica do seu regime aos demais contratos de distribuição legalmente atípicos.
Neste sentido, ver o Acórdão STJ, de 3/V/2000 (SILVA PAIXÃO), in: VIII CJ/STJ (2000), 45-48.
Através daqueles que a doutrina considera serem os seus elementos essenciais, o contrato de
agência distingue-se de outras figuras contratuais. Importa agora estudar essas características, a saber:
(1) promoção da celebração de contratos; (2) actuação por conta do principal; (3) autonomia; (4)
estabilidade; (5) onerosidade.
A doutrina tem discutido ainda se outras duas características são ou não elementos essenciais
do contrato de agencia, a saber: (a) a atribuição ao agente de “certa zona de interesses” ou de
“determinado círculo de clientes” (art. 1º); (b) a exclusividade recíproca da relação de agência, seja do
ponto de vista do agente ou do principal, depende de acordo escrito das partes (art. 4º).
Para os Professores ROMANO MARTINEZ e ENGRÁCIA ANTUNES, estes elementos são apenas
elementos eventuais. Em sentido oposto, considerando que a exclusividade a favor do principal vale
mesmo que as partes nada estipulem, o Professor PINTO MONTEIRO. Para este autor, mesmo que não se
tenha acordado uma cláusula de não concorrência válida durante a vigência do contrato, o agente está
impedido de exercer actividades concorrenciais. Para os outros dois autores, a orientação deve ser
outra: o legislador deixou de exigir a exclusividade do agente, e o exercício de actividade
concorrenciais não implica a violação do princípio da boa fé (art. 6º). A isto acresce que a não
concorrência após a cessação do contrato só é devida caso tenha sido acordada por escrito (art. 9º).
Cumpre então analisar as cinco características que individualizam o contrato de agência.
Começando pela obrigação do agente de promover a celebração de contratos. Esta obrigação,
devendo ser executada de boa fé no respeito dos interesses do principal (art. 6º), traduz-se num
conjunto variado de actos materiais: prospecção do mercado, difusão publicitária, angariação de novos
clientes e fidelização dos já angariados...
A este propósito, afirma o Professor MENEZES CORDEIRO que a agência será uma modalidade
de mandato. Assim, pode ser celebrada com ou sem representação (art. 2º/1); havendo representação,
presume-se que o agente está autorizado a cobrar os créditos do principal (art. 3º/2), o que, de outra
forma, exigiria forma escrita (nº 1). Cobranças não autorizadas caem no art. 770º CC, sem prejuízo da
representação aparente.
Na agência sem representação, das duas uma: ou o agente contrata em nome próprio,
transmitindo, depois, a posição contratual para o principal; ou o contrato é celebrado, pelo cuidado do
agente, directamente entre o principal e o terceiro.
Outro traço é a actuação do agente por conta do principal, o que significa que os efeitos dos
actos que o agente pratica se destinam a ser repercutidos na esfera jurídica do principal, mas também
que a actuação do agente deverá ser realizada em beneficio ou em vantagem do principal. É este traço
DIOGO CASQUEIRO 81
Faculdade de Direito da UCP
que distingue o contrato dos de concessão comercial e da franquia, em que o distribuidor actua por
conta própria.
Em terceiro lugar, salienta-se a autonomia do agente. Este exerce a sua actividade de modo
independente, gozando de autonomia quanto à execução da sua obrigação de promoção contratual: um
afloramento legal é a possibilidade legal de recurso a subagentes (art. 5º), aliás, num paralelo com o art.
1165º CC, quanto ao mandato. Este traço permite distinguir o agente do trabalhador juridicamente
subordinado15. É claro que esta autonomia não é total: o agente deve acatar as instruções do principal,
mas estas devem ser concretizadoras e não inovatórias.
A quarta característica é a estabilidade da relação. O contrato pode ser de duração
indeterminada (no silêncio das partes ou, quando, decorrido o termo, as partes continuam a executar o
programa contratual) ou determinada: ponto é que o agente exerça a sua actividade de forma estável e
continuada, tendo em vista uma pluralidade de operações que se prolongam no tempo. Este traço
permite distinguir a agência do contrato de mediação: esta traduz-se numa intermediação isolada ou
pontual, quando o mediador é solicitado para a preparação de determinado negócio em concreto.
Finalmente, há a referir a onerosidade. O agente deve ser remunerado pelo principal, a qual
consistirá usualmente numa comissão, calculada em função do volume de negócios angariados para o
principal (arts. 16º a 18º), sendo determinada, na falta de convenção das partes, segundo os usos
mercantis ou a equidade (art. 15º).
Cabe, finalmente, indagar se o contrato de agência é um negócio solene ou informal? Parece, à
partida, que não é exigível a forma escrita. No entanto, afirma o Professor MENEZES CORDEIRO que o
regime legal parece estar pensado para a circunstância de ser necessária essa forma. Isto é patente no
art. 1º/2, segundo o qual, cada parte tem o direito de exigir da outra documento assinado com o
conteúdo do contrato. Visa-se com isto a protecção do agente, que nunca poderá ser confrontado com a
pura e simples nulidade do contrato, por falta de forma.
Por outro lado, diversas cláusulas devem revestir a forma escrita: a que confere poderes de
representação (art. 2º/1), a que permita ao agente cobrar créditos (art. 3º/1); a que estabelece um
proibição de concorrência pós-eficaz (art. 9º), a convenção del credere (art. 10º) e a declaração de
resolução (art. 31º).
Parece ser de seguir a posição do Autor. Ainda que se possa afirmar que as cláusulas referidas
são cláusulas que não têm que constar do contrato para que ele seja validamente constituído, a principal
razão de protecção do agente é ponderosa. Para além do facto de que o legislador exige a forma escrita
para o distrate ou revogação (art. 25º). Ora, mal se compreenderia que o legislador exigisse uma forma
distinta para a contratação e para o distrate. Advém ainda uma razão de ordem prática: estes contratos
são, na vida prática, realizados por escrito.
15 Ver na jurisprudência: RCb 14/XII/93, CJ XIX (1994) 4, 212-220 (216/I).
DIOGO CASQUEIRO 82
Faculdade de Direito da UCP
Conteúdo
Podemos definir o conteúdo do contrato ou o conjunto de regras que definem as posições das
partes por referência ao agente.
Assim, relativamente às obrigações, incumbe ao agente, para além da sua obrigação principal,
prevista no art. 1º, um feixe de deveres coadjuvantes (art. 7º), um dever de sigilo (art. 8º), um dever de
avisar o principal de qualquer impossibilidade de cumprimento (art. 14º), um dever de informação
perante terceiros (art. 21º), um dever de não concorrência, quando convencionado (art. 9º) e um dever
de garantia do cumprimento das obrigações de terceiros (art. 10º) – convenção del credere.
Quanto aos seus direitos, para além do seu direito principal à retribuição (arts. 13º, e), 15º a
18º), está investido num feixe de prerrogativas funcionalmente associadas ao respectivo desempenho
(cfr. art. 13º, a) a d)), eventual direito a prestações retributivas suplementares (art. 13º, f) e g)) e
prestações indemnizatórias (art. 33º) e outros direitos secundários (arts. 20º e 35º).
Importa, ainda aqui, fazer uma referência à protecção de terceiros. O contrato de agência visa
celebrar negócios entre o principal e terceiros. No entanto, estes colocam-se na situação de negociar,
não com o dominus negotii, mas com um intermediário, o que lhes pode causar uma certa
vulnerabilidade.
A lei estabeleceu por isso diversos mecanismos para a sua protecção – arts. 21º a 23º do
Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho.
Desde logo, o agente deve informar os interessados dos poderes que possui (art. 21º). O
incumprimento desta obrigação responsabiliza-o pelos danos que venha a causar.
Quando não tenha poderes de representação, o agente ou contrata no próprio nome (mandato
sem representação) ou proporciona uma contratação directa entre o principal e o terceiro. Na primeira
hipótese, caímos na representação sem poderes (art. 268º/1 CC, por remissão do art. 22º/1 do Diploma).
A protecção específica do terceiro é dada pelo nº 2 do art. 22º.
Por fim, temos a relevância da representação aparente: o representado não conhece a conduta
do representante, mas se fosse diligente, teria como saber. Os negócios jurídicos celebrados por agente
sem poderes são eficazes perante o principal se, acreditando o terceiro de boa fé na existência desses
poderes, houver razões objectivamente ponderosas que justifiquem essa confiança do terceiro, tendo o
principal contribuído para fundar essa confiança. Este regime tem eco no art. 23º.
Cessação
DIOGO CASQUEIRO 83
Faculdade de Direito da UCP
O art. 24º enumera as causas de cessação do contrato de agência, a saber: revogação ou
distrate, a caducidade, a denúncia e a resolução.
Quanto à revogação, é sempre possível, desde que seja observada a forma escrita – art. 25º.
Relativamente à caducidade, o art. 26º enumera o termo do prazo, a condição e a morte ou
extinção do agente.
Quanto à denúncia, deve ela ser comunicada à outra parte com determinada antecedência,
fixada no art. 28º. Estes prazos são supletivos e mínimos. A denúncia sem pré-aviso é eficaz mas
obriga o denunciante a indemnizar a outra parte pelos danos assim causados (art. 29º/1).
Quanto à resolução, o art. 1170º/2 CC exige a justa causa. Mas o Decreto-Lei nº 178/86
especificou as hipóteses de resolução no art. 30º: uma subjectiva (alínea a)) e outra objectiva (alínea
b)).
Em ambas as hipóteses a lei utiliza a expressão inexigibilidade. Assim, caso a caso ele terá de
ser concretizado, tendo em conta a protecção da confiança e a materialidade subjacente. Parece assim
que, querendo uma das partes resolver o contrato, terá de provar os factos que constituem a previsão de
uma das normas do art. 30º e, seguida e cumulativamente, alegar e provar que a ocorrência desses
factos torna objectiva e imediatamente inexigível à contraparte a manutenção do contrato.
A resolução deve ser comunicada por escrito (art. 31º). Ultrapassado o prazo indicado na
norma, caduca esse direito. Independentemente deste direito, a parte lesada tem o direito a ser
indemnizada pelos danos resultantes do incumprimento pela contraparte (art. 32º/1).
A indemnização de clientela
I – Conceito e evolução histórica em Portugal
A indemnização de clientela está, por natureza, ligada ao contrato de agência. A sua primeira
manifestação deu-se na Áustria em 1921 para proteger o agente no caso de cessação do contrato.
A indemnização de clientela é uma compensação devida ao agente, após a cessação do
contrato pelos benefícios que o principal continue a auferir pela clientela angariada ou desenvolvida
pelo agente. Assim o é para salvaguardar a situação de inferioridade do agente que as mais das vezes é
uma pessoa singular dedicada a tempo inteiro à promoção dos produtos do principal, no âmbito de um
contrato cuja cessação poderá prejudicar o agente.
A primeira jurisprudência acerca do tema remonta à década de 60 do século passado por
analogia do regime do mandato constante do código comercial.
A positivação do princípio ocorre aquando da consagração do regime da agência durante a
preparação de Portugal para o ingresso na CEE.
Já no âmbito da comunidade a Directiva 86/653/CEE, elaborada neste sentido, foi transposta
pelo Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho, ainda hoje vigente.
DIOGO CASQUEIRO 84
Faculdade de Direito da UCP
II – Regime
Pressupostos
1. A angariação de novos clientes para a outra parte ou amento substancial do volume de
negócios com a clientela já existente
Em ambos os casos existe um aumento do volume de negócios. Quanto à angariação de novos
clientes, apenas serão contabilizados os que vierem a ter, com o principal, relações estáveis. Os
clientes angariados deverão ser novos ou as relações comerciais ser reatadas devido à actuação do
agente.
Em princípio só serão contabilizados os clientes directamente angariados, podendo em
situações excepcionais ser dada relevância aos angariados por intermédio de terceiro.
Quanto ao aumento substancial do volume de negócios, é necessário identificar um aumento
quantitativo ou qualitativo ou atenuação de um esperado decréscimo, por actuação do agente. Para que
se considere substancial é necessário que seja equiparável a um aumento de clientela.
2. Benefício considerável para a outra parte, após a cessação do contrato, da actividade
desenvolvida pelo agente
Trata-se aqui de benefícios por parte da entidade principal que não se tenham ainda verificado
aquando da cessão do contrato de agência. Terá de ser um benefício considerável, determinado por
comparação da extensão e duração dos negócios angariados pelo agente com outros negócios, do
principal, em que este não tenha influído. Para a sua fixação o tribunal fará um juízo de prognose em
relação aos benefícios que se espera que o principal venha a obter, por mérito do agente ainda que
globalmente tenha prejuízos.
Em caso de alienação da empresa, se o adquirente não continuar a actividade, o alienante será
responsável pelo pagamento da indemnização de clientela ao agente. Se o agente for contratar com o
adquirente, a indemnização quanto às relações estáveis e duradouras cabe ao alienante, caso o agente
tenha de angariar de novo os clientes, será o adquirente o onerado.
3. O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a
cessação do contrato, com referidos clientes
Não haverá lugar a indemnização de clientela no caso de ser estabelecida uma comissão que
beneficie o agente tendo em vista situações posteriores à cessação do contrato.
Se tal não se verificar, a indemnização devida será fixada através de uma ficção tendo em
vista qual a perda da remuneração sofrida pelo agente comparando com o que auferiria na continuidade
do contrato. Será tido em conta a duração expectável das relações com os clientes angariados.
DIOGO CASQUEIRO 85
Faculdade de Direito da UCP
Excluem-se da contabilização remunerações devidas pelo agente ao subagente, por contratos
por este celebrado.
A perda é avaliada em bruto não sendo relevante os custos que o agente suportaria.
Obstáculos
Tal indemnização não será devida nos casos em que a cessação seja imputável ao agente: se
este incumprir as obrigações decorrentes do contrato, se o denunciar, ou se se opuser à renovação
automática do mesmo.
Haverá, porém, lugar a indemnização nos casos em que o agente recuse a prorrogação quando
não automática; por revogação, pois resulta de acordo entre as partes e ainda pela cessação causada
pela morte do agente, mesmo nos casos em que a morte lhe é imputável, sendo neste caso beneficiários
os seus herdeiros.
No caso de insolvência do agente, parte da doutrina denega a possibilidade de indemnização,
considerando existir uma cessação do contrato imputável ao agente (nº3 do artigo 33º). Existe porém
uma corrente doutrinal que não a exclui nos casos em que a insolvência é fortuita e não culposa Neste
caso terá de ser feita prova em contrário, uma vez que a insolvência se presume culposa (artigo 186º
CIRE).
III – Cálculo da indemnização
A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos como refere o artigo 34º, mas está
também previsto um limite máximo que nunca poderá ser ultrapassado, mesmo com recurso à
equidade.
A indemnização é calculada em função das perdas sofridas pelo agente com a extinção do
contrato e dos lucros que o principal continua a auferir em resultado dessa actividade. O cálculo desses
valores é baseado na expectativa temporal de duração da relação com os clientes e a taxa de migração
dos clientes. É preciso ter também em conta os juros decorridos de provisões que poderiam vir a ser
atribuídas ao agente no futuro (que serão descontadas da indemnização).
Quanto à equidade, várias situações devem ser tido em conta, para cômputo da indemnização:
a duração do contrato de agência, as contribuições facultativas para a segurança social por parte do
principal, as infracções contratuais cometidas pelo agente ou a contribuição da publicidade
desenvolvida por este.
Quanto ao limite máximo referido no artigo 34º, este corresponde a um ano de remunerações,
de acordo com a média dos últimos 5 anos, ou do período de duração do contrato, se for inferior.
Exemplificando:
Remuneração total do agente: 150mil euros.
DIOGO CASQUEIRO 86
Faculdade de Direito da UCP
Remunerações totais dos cinco anos anteriores:
- 2001:200mil
- 2002: 180mil
- 2003: 190mil
- 2004: 180mil
- 2005:150mil
Média dos 5 anos: 180mil.
Prognose da perda de remunerações relativas a comissões com os clientes com uma taxa de
migração de 10%:
2006: 90mil
2007:81mil
2008: 72900
Total: 243.900
Desconto de juros de 10%: - 24.390
Novo saldo: 219.510
Desconto com base na equidade 25%: - 54877,50
Total final: 164.632,50
Sendo este valor inferior à média das remunerações dos últimos 5 anos será esse o valor da
indemnização.
Exercício do direito de indemnização de clientela
A indemnização de clientela constitui-se com a cessação do contrato de agência e tem de ser
reclamada no prazo de um ano, tendo de ser instaurada uma acção judicial para o efeito no ano
subsequente à comunicação (artigo 33º, nº4). Quanto à declaração, prevalece a liberdade de forma,
podendo este ser expressa ou tácita.
Extinção do direito à indemnização de clientela
O direito à indemnização de clientela extingue-se se o agente ou os seus herdeiros não
comunicarem que a pretendem receber no prazo de um ano a partir da cessação do contrato.
Garantia do direito à indemnização de clientela
DIOGO CASQUEIRO 87
Faculdade de Direito da UCP
Existem duas garantias possíveis do direito à indemnização de clientela: por um lado, o artigo
35º refere o direito de retenção, podendo ser exercido pelo agente quanto aos objectos e valores que
detém em virtude de contrato pelos créditos resultantes da sua actividade. A maior parte da doutrina
vem estender esta regra ao à indemnização de clientela uma vez que esta constitui um crédito resultante
da actividade do agente.
Por outro lado, a compensação com dívidas devidas pelo agente ao principal são também
consideradas garantia da indemnização de clientela, podendo o agente invocar a compensação de
dívidas para ressarcimento da indemnização.
Contrato de Concessão Comercial
A Concessão Comercial – natureza e classificação
Contrato atípico, ainda que socialmente típico: apesar de não estar disciplinado ou regulado
expressamente na lei (no Código Comercial), é um contrato que devido à sua utilização regular no dia-
a-dia, tem vindo a ser sedimentado na prática dos negócios.
Contrato Quadro: regula uma relação estável e duradoura de conteúdo múltiplo e cuja
execução implica a celebração de contratos futuros
Faz surgir entre os contratantes uma relação obrigacional complexa, por força da qual o
concedente se obriga a vender ao concessionário e este se vincula a comprar àquele, para revenda, uma
dada quantidade de determinados bens, aceitando certas obrigações próprias de um distribuidor,
nomeadamente relativas à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes e
sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente
Concessão: o distribuidor adquire para si os produtos integrando-os na sua esfera patrimonial,
procedendo à sua colocação junto do mercado através da revenda dos mesmos. Em contrapartida o
principal não assume qualquer risco resultante da distribuição dos seus produtos.
Elementos Essenciais:
A Jurisprudência qualifica o contrato de concessão comercial como “uma das espécies de
contrato de cooperação empresarial, que tem por essência uma relação contratual duradoura entre
promotor e distribuidor”.
São quatro as características essenciais ou elementos distintivos desta figura contratual:
1. Obrigações recíprocas de compra e venda
DIOGO CASQUEIRO 88
Faculdade de Direito da UCP
A concessão comercial é um contrato que envolve obrigações de venda e de compra para
revenda.
Alguém assume a obrigação de compra para revenda, nele se estabelecendo, desde logo os
termos (ou os principais termos ou regras) em que esses futuros negócios serão realizados.
As partes só cumprem a obrigação assumida no contrato em análise se periodicamente
celebrarem os tais futuros negócios – os contratos de compra e venda pelos quais o concessionário
adquire do concedente os bens para revenda. A estes contratos de compra e venda celebrados
periodicamente podemos chamar-lhes contratos de execução, os quais se inserem no “conceito
quadro” do contrato em análise e o completam.
2. Actuação em nome e por conta próprios
O concessionário, apesar de ser igualmente um colaborador do concedente, surge, no entanto,
como um comerciante independente. Age em seu nome e por sua própria conta, adquirindo a
propriedade da mercadoria e correndo o risco da comercialização.
É o concessionário o sujeito que actua no mercado, sujeitando-se aos ditames do concedente.
É também o concessionário o único interlocutor dos terceiros consumidores dos produtos vendidos,
suportando as respectivas vicissitudes - (incumprimento, responsabilidade por vícios dos bens).
Assim, o concedente transfere o risco e o ónus para o concessionário. E segundo as palavras
do Professor PINTO MONTEIRO “ o produtor furta-se, em certos termos, ao risco de não conseguir
vender os seus bens”.
3. Autonomia
O concessionário deve constituir uma pessoa física ou colectiva distinta do concedente,
sendo usualmente titular de uma empresa própria dedicada à revenda e comercialização de bens e
serviços. Mas esta autonomia jurídica e económica é todavia relativa.
De facto, verificamos a assunção de outras obrigações – ainda que de índole e intensidade
diferentes da obrigação principal de compra para revenda – que visam executar determinada política
comercial, e consequentemente, asseguram a integração do concessionário na rede de distribuição
do concedente: obrigação de prestar assistência pós venda aos clientes, mediante pessoal especializado
e meios técnicos idóneos, obrigação do concessionário de se submeter a determinadas directivas do
concedente no que toca à forma de venda dos produtos, a obrigação de consentir a fiscalização do
concedente, a obrigação de informar o concedente da evolução dos mercados, etc.
Numa palavra trata-se de definir regras de comportamento, através das quais, se estabelecem
laços de colaboração entre as partes e se articula e coordena a actividade de todos no seio da rede de
distribuição.
DIOGO CASQUEIRO 89
Faculdade de Direito da UCP
É, sem dúvida, a integração que torna ainda mais fácil ao concedente impor a sua política
comercial e controlar a fase de distribuição, sendo certo, por outro lado, que o concessionário, também
retira daí benefícios, mormente pela posição de privilégio e a vantagem concorrencial que passa a ter.
Tudo junto evidencia a função económico – social deste contrato e explica a sua importância e
a frequente utilização prática.
A integração pode-se traduzir numa transformação da sua actividade comercial (necessidade
de conceder crédito, transporte e armazenagem de produtos).
4. Estabilidade
Normalmente trata-se de contratos por tempo indeterminado, ou de renovação automática, o
que facilmente se explica pela sua natureza de contrato – quadro.
Todavia, a estabilidade não significa exclusividade. O centro de gravidade do contrato de
concessão comercial começou por ser o da exclusividade, mas com o tempo o centro de gravidade
começou a ser deslocado para a cláusula que impõe ao distribuidor, não só a obrigação de adquirir bens
para revenda, mas também a de promover a sua comercialização em conformidade com as indicações
do promotor.
Não podemos deixar de lembrar que embora seja possível que as partes possam acordar em
simultâneo uma cláusula de exclusividade (unilateral ou até recíproca), essa não faz parte da sua
natureza. O que faz com que se houver falta dessa previsão o contrato de concessão comercial não
perde a sua natureza. Já na doutrina francesa este é um elemento essencial desde que em benefício do
concessionário.
Esta cláusula nas múltiplas configurações que pode ter (atendendo aos sujeitos que obriga e ao
seu âmbito de aplicação) poderá criar problemas em termos de direito da concorrência se o seu
conteúdo convir uma delimitação do território, uma obrigação de protecção territorial do
concessionário (situações legalmente puníveis pela lei da concorrência – Lei nº 18/2003 na versão dada
pela Lei nº 52/2008 – e pelo direito comunitário).
Figuras afins
1) Agência: o agente limita a sua actividade à promoção dos produtos do principal, cabendo a
este a decisão de contratar, o que faz sempre em seu nome e assumindo para si o risco do contrato.
Assim, o agente actua por conta do principal, logo os efeitos dos actos que o agente pratica destinam-se
a ser projectados ou repercutidos na esfera jurídica do principal (actuação por conta alheia).
“contrato destinado à promoção de negócios” (Pinto Monteiro)
Semelhantes porque se constrói uma ideia de colaboração entre as partes que permite a
integração do concessionário na rede do concedente, logo, do ponto de vista económico, função
bastante semelhante à do agente – tal justifica a aplicação analógica do regime do contrato de agência.
DIOGO CASQUEIRO 90
Faculdade de Direito da UCP
2) Franquia: forte integração do distribuidor na rede do produtor, onde existe a subordinação
do franquiado ao controlo e fiscalização do franqueador e a uniformização de procedimentos, com o
objectivo de conservar a integridade da imagem comercial do franqueador.
3) Distribuição selectiva: o contrato mediante o qual um empresário se vincula a fornecer os
seus produtos, geralmente de luxo ou alta tecnicidade, exclusivamente a um conjunto de revendedores
especialmente seleccionados que os revendem em nome e por conta própria. Procuram, assim,
salvaguardar o prestígio da marca e a qualidade dos serviços através de uma apurada selecção de
revendedores
A distribuição selectiva é um negócio atípico e inominado, assim como e à semelhança do
contrato de concessão comercial e da franquia, é também um contrato-quadro criador e regulador de
futuros contratos de compra e venda entre o produtor e o distribuidor selectivo.
São suas características distintivas:
- a obrigação de exclusividade de fornecimento assumida pelo fornecedor, que se vincula a
vender os seus produtos a um lote fechado de revendedores por si seleccionados;
- a maior especialização ou exigência dos critérios de selecção dos distribuidores;
- a acrescida autonomia por estes usufruída no âmbito da rede distributiva do produtor.
4) Distribuição autorizada: contrato através do qual um empresário vende os seus produtos a
um conjunto de revendedores seleccionados, que não usufruem de um exclusivo de venda.
É um contrato semelhante ao contrato de distribuição selectiva, com duas diferenças:
- ao contrário do distribuidor selectivo, o distribuidor autorizado não goza de qualquer
exclusivo de venda, o produtor ou importador mantém a faculdade de fornecer os seus produtos
a outros revendedores ou distribuidores não autorizados;
- o distribuidor autorizado apresenta uma ainda menor integração na rede distributiva do
produtor, aproximando-se por vezes, de um revendedor independente.
Cessação do Contrato
Nesta matéria vem o preâmbulo do diploma que regula o contrato de agência expressamente
admitir a aplicação analógica das suas soluções legais, salvaguardando resultados diversos em virtude
da natureza diversa entre os dois contractos: “Relativamente a este último [concessão], (…) se vem
pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia – quando e na medida em que ela se
DIOGO CASQUEIRO 91
Faculdade de Direito da UCP
verifique – o regime da agencia, sobretudo em matéria de cessação do contrato.” (último parágrafo do
ponto 4 do preâmbulo do Decreto-Lei nº 178/86)
Formas de cessação do contrato: acordo entre as partes, caducidade, denúncia e resolução
(art. 24º)
Denúncia – que aviso prévio?
Antecedência razoável que, em virtude do especial investimento económico do concessionário
serão mais flexíveis que àqueles previstos no artigo 28º do referido diploma.
Assim, decidiu o AcSTJ de 13 de Maio de 2004 e seguindo a posição do Prof. Pinto Monteiro:
“Assim, ter-se-á que apurar, em cada caso, qual a antecedência razoável, em face das circunstâncias,
para que a denúncia possa ser exercida licitamente. Ora, entre as circunstâncias a ter em atenção
contam-se, muito especialmente, os investimentos que o distribuidor haja feito, maxime se incentivados
ou consentidos (expressa ou tacitamente) pela contraparte, e o tempo necessário para a respectiva
amortização".
Obrigação de indemnização pelo não respeito do pré-aviso.
Indemnização de clientela
Com o termo do contrato o distribuidor deixa de poder beneficiar do mercado por si criado, o
qual passará a ser explorado por outrem. Entende-se assim que nesta medida deve o distribuidor ser
recompensado.
A indemnização de clientela, e ao contrário do que acontece no modelo francês, não é uma
verdadeira indemnização mas sim uma obrigação com natureza compensatória, daí que possa nascer
por qualquer forma de cessação do contrato e sem necessidade de provar a existência de um dano.
Procura-se, pois, compensar o agente pelos benefícios que o concedente ou um novo
distribuidor, vai continuar a auferir em resultado do seu esforço, mesmo após o termo do contrato –
juízo de prognose – pois embora haja em nome próprio, desempenham um papel fundamental na
colocação de produtos e angariação de clientela que se vai fidelizando aos produtos do concedente,
aumentando dessa forma os seus mercados.
- Requisitos (art. 33º/1):
Positivos (cumulativos):
1) Que da actuação do agente resulte para o principal um aumento da clientela ou um
aumento substancial do volume de negócios com a clientela já existente.
Importa perceber se desempenhou funções e tarefas em termos tais que ele próprio
deve ser entendido como um relevante factor de atracção da clientela.
DIOGO CASQUEIRO 92
Faculdade de Direito da UCP
Também a força de atracção da marca não é impeditiva do preenchimento deste
requisito.
2) Que o principal venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato,
da actividade exercida pelo agente;
Como aqui o concessionário é quem celebra os contratos com os clientes em seu
nome e por sua conta, o concedente nunca teria meios jurídicos de vir a aproveitar-se deles após
a cessação do contrato.
Contudo se e no decurso do contrato o concedente tiver acesso aos dados da clientela
em poder do concessionário em termos tais que a clientela fique acessível ao concedente quando
ficar a concessão (independentemente de resultar de deveres contratuais)> ideia de
continuidade de clientela.
3) Que o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou
concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes por si angariados.
Lógica da exclusão de acumulações.
Negativos (possibilidade de precludir este direito, em alternativa)
1) O contrato cessou por motivos imputáveis ao agente
O Prof. Pinto Monteiro na sua “Anotação” admite que mesmo aqui exista
indemnização pois que esta não tem natureza indemnizatória mas visa sim repor o status de
um investimento que aproveitou apenas ao concedente, daí que admita o recurso ao instituto do
enriquecimento sem causa.
2) Que o agente, por acordo com o principal, tenha cedido a um terceiro a sua posição
contratual.
- Cálculo (art. 34º): fixada em termos equitativos, mas limitada pela média anual das
remunerações recebidas pelo agente no decurso dos últimos cinco anos ou do período em vigor se
inferior.
Destino dos stocks
Com a cessação do contrato e produtos em stock que em rigor agora não pode comercializar,
que destino se lhes há-de dar?
- A lei não resolve atendendo à natureza do contrato de agência que regula
DIOGO CASQUEIRO 93
Faculdade de Direito da UCP
- Interesse das partes em convencionarem, na cessação, a obrigação ou não de retoma, por
parte do principal, dos stocks constituídos pelo concessionário., pois só será obrigado à retoma se
contratualmente vinculado.
- Compra do stock como sob condição resolutiva, a cessação do contrato de distribuição e
necessidade de restituir o que recebeu (Prof. PINTO MONTEIRO )
- Obrigação imposta pela boa fé contratual (Prof. HELENA BRITO )
- Jurisprudência tem vindo a englobar na indemnização devida pela cessação do contrato sem
pré-aviso (ACRelLisboa de 02 de Fevereiro de 2006 e AcSTJ de 10 de Outubro de 2006).
Contrato de Franquia (Franchising)16
Enquadramento legal
O Contrato de Franchising, não está plasmado nas legislações da maioria dos países da União
Europeia, e Portugal não foge à regra. Podemos concluir que é um contrato Atípico, não tem previsão
legal, e que evolui dentro do princípio da liberdade contratual ( artigo 405º Código Civil ) . Logo, as
regras são aquelas que as partes estipularem, e o contrato passa a ter uma importância fulcral. Para
além disso, é um contrato que se rege pelas regras gerais dos contratos em tudo o que não tenha sido
licitamente regulado pelas partes, atentas as suas particularidades, designadamente o facto de se tratar
de um contrato de execução continuada.
Embora não exista na legislação portuguesa uma tipificação deste tipo de negócio, a nível
comunitário existem algumas normas jurídicas que, de forma expressa, se referem à figura do
franchising. Tratam-se de normas comunitárias que gozam de aplicabilidade directa e vigoram na
ordem interna, por força do disposto no Regulamento (CEE) n.º 4087/88, de 30 de Novembro e do
Regulamento (CE) n.º2790/99, de 22 de Dezembro, ambos da Comissão, relativos à aplicação do nº3
do artigo 81º do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas. Para
além destes, importa ainda referir o Código Deontológico Europeu para o Franchising que, obrigando
apenas os membros da Federação Europeia de Franchising (FEF), consiste no principal instrumento
orientador da actividade.
Noção
Atenta a ausência de legislação nacional sobre a matéria, a noção de contrato de franchising
tem sido construída através da doutrina e da jurisprudência. Assim, poder-se-á referir que se trata de
um acordo entre dois agentes económicos distintos e independentes, o franqueador e o franquiado,
através do qual o primeiro se compromete a conceder ao segundo, mediante contrapartidas, um
determinado conhecimento ou experiência em certa área do negócio (know-how) com vista ao fabrico
ou venda de produtos ou à prestação de serviços, ficando por seu lado o segundo autorizado a utilizar
16 Apresentação por Miguel Cortes Martins nas aulas práticas de Direito Comercial.
DIOGO CASQUEIRO 94
Faculdade de Direito da UCP
uma série de atributos exclusivos, tais como o conhecimento do mercado, uma marca, os sinais
distintivos, etc., obrigando-se a usar todos os elementos que lhe são prestados, em conformidade com
as orientações do primeiro.
Conteúdo do contrato
No contrato de franchising devem esclarecer-se, com detalhe, as seguintes questões :
1. Condições de cedência da marca e dos demais sinais distintivos utilizados pelo franqueador;
2. Condições de transmissão dos conhecimentos técnicos e comerciais testados;
3. Formas que deverá revestir a prestação de assistência ao franquiado;
4. Obrigações mínimas do franqueador em matéria de marketing e publicidade, a quem cabe
normalmente a responsabilidade das campanhas;
A exclusividade
A maioria dos contratos de franchising inclui uma cláusula de exclusividade recíproca, isto é,
uma convenção pela qual se atribui ao franqueador a obrigação de não instalar um concorrente na zona
territorial concedida ao franquiado, e por sua vez, ao franquiado, o dever de não vender ou prestar
produtos ou serviços concorrentes. Esta cláusula, poderá também determinar a impossibilidade de o
franquiado procurar activamente clientes fora daquele território.
A publicidade
Regra geral, a responsabilidade pelas campanhas publicitárias está a cargo do franqueador,
que assegura a coordenação e a uniformidade das iniciativas nesta área. No entanto, o franquiado
poderá organizar e promover as suas próprias campanhas publicitárias, se tal houver sido estipulado no
contrato e desde que as mesmas tenham sido aprovadas pelo franqueador. Por outro lado, o franquiado,
também por disposição contratual, poderá ser obrigado a investir em publicidade uma percentagem do
seu volume de negócios ou a contribuir para as despesas da publicidade promovida pelo franqueador.
A remuneração (royalties)
Como contrapartida das prestações fornecidas pelo franqueador, devem ser fixadas no
contrato as remunerações que o franquiado deve pagar ao franqueador, a forma como devem ser
calculadas e de que modo e quando devem ser pagas. Designadamente, poderá ser estabelecido um
direito de entrada inicial (initial fee ou front-money), a pagar numa ou em várias prestações, ou ainda,
para além desta entrada, uma prestação periódica (continuing fees). Esta pode ser fixada à partida ou
DIOGO CASQUEIRO 95
Faculdade de Direito da UCP
ficar dependente do volume de negócios a realizar pelo franquiado, ou dos seus lucros líquidos, ou
pode ainda ser integrada no preço dos bens a fornecer pelo franqueador
Modalidades
Franquia de produção, de distribuição, de serviços e financeira
a) Franquia de produção
Existe franquia de produção quando o franquiado fabrica produtos que mais tarde serão
vendidos sob a marca do franquiador. A franquia de produção divide-se em industrial ou artesanal
conforme a forma de produção dos bens adoptada.
Com que intento é utilizada? Ao optar por esta modalidade, o franquiador pode pretender
investir os seus recursos em investigação, tecnologia ou marketing. No fundo, procurar alguém
competente que possa potenciar a qualidade ou complexidade do produto, ou simplesmente alguém que
disponha dos meios necessários para o produzir de forma mais eficiente. Pode também unicamente
querer evitar os custos de transporte ou o risco de deterioração do produto aproximando o local de
produção ao local de venda dos bens, evitando assim uma franquia de distribuição.
b) Franquia de distribuição
Nesta modalidade do contrato de franquia, o franquiado vende produtos da marca cujo uso lhe
foi cedido pelo franquiador no seu próprio estabelecimento, apresentando estes produtos, regra geral, o
nome e a insígnia da marca. O estabelecimento do franquiado é assim um veículo que leva aos
consumidores os produtos da marca do franquiador.
c) Franquia de serviços
Característica de áreas como as da hotelaria, restauração ou aluguer de viaturas, a franquia de
serviços existe quando o franquiado presta um serviço sob a insígnia, nome comercial e marca do
franquiador. É o caso de cadeias como a McDonald’s, Europ Car ou a Cinq à Sec. Esta modalidade
distingue-se em categorias, mediante o investimento financeiro que é exigido ao franquiado: distingue-
se entre os serviços que exigem um grande investimento financeiro (actividade hoteleira, restauração),
serviços de carácter material que comportam um investimento menos elevado (área dos cuidados de
beleza, segurança, manutenção de jardins) e serviços de aconselhamento de carácter intelectual,
“afectivo” ou médico (assistência empresarial, agências matrimoniais, ensino). É de notar que, à
medida que o investimento financeiro diminui, o grau de especialização ou personalização aumenta,
ganhando assim preponderância o know-how e a assistência técnica.
DIOGO CASQUEIRO 96
Faculdade de Direito da UCP
d) “Franquia financeira”
Esta modalidade tem sido indicada pela doutrina mais recente. Para esta doutrina, a franquia
financeira dissocia a função de investimento da de gestão, possibilitando assim ao capitalista o
investimento em estabelecimentos franquiados sem a obrigação de assumir a responsabilidade dos
mesmos. Distinguir-se-ia assim duas situações: na primeira, o investidor seria apenas proprietário do
edifício em que funciona o estabelecimento comercial e não seria considerado franquiado; na segunda,
o investidor é proprietário do estabelecimento (na íntegra) mas, contudo, não assegura a sua gestão,
sendo esta levada a cabo por um mandatário aceite pelo franquiador. Esta posição é contudo criticada,
uma vez que estas diferentes situações constituem somente diferentes graus de financiamento prestados
ao franquiado, sendo exteriores ao contrato de franquia uma vez que o investidor/gestor não transmite
qualquer tipo de “saber-fazer” ou assistência técnica ao franquiador.
”Package franchise” e “product franchise”
Adoptada por alguns autores e pela Federal Trade Comission, esta classificação define
package franchise como a situação em que o franquiado está autorizado pelo franquiador a exercer o
seu negócio em função de um “estilo” empresarial definido por este último e identificado pela sua
marca. No fundo, trata-se de uma autorização mediante a prática de um “comportamento empresarial”
que, aos olhos do consumidor é associado a essa marca. As product franchises definem-se como
licenças para vender uma linha de produtos de marca em exclusividade ou com outros produtos.
Franquia directa, indirecta e associativa
a) Franquia directa
Na franquia directa, o franquiador concede directamente ao franquiado (um comerciante
independente) o produto para este exercer o negócio num determinado estabelecimento.
b) Franquia indirecta
O franquiador constitui uma filial ou uma sociedade por ele dominada que, por intermédio
desta, efectua franquia directa com empresários locais. Esta modalidade apresenta a vantagem da
presença física na área onde o franquiador pretende implantar a sua rede, permitindo assim um contacto
mais directo com o mercado que pretende atingir.
c) Franquia associativa
DIOGO CASQUEIRO 97
Faculdade de Direito da UCP
Na franquia associativa, o franquiador constitui uma sociedade com o franquiado, por forma a
exercer a actividade pretendida.
Contrato de franquia principal (master franchising)
Neste contrato, o franquiador acorda com um operador económico, situado na zona onde se
pretende implantar a franquia, que este irá desenvolver a rede de franquia, sendo-lhe atribuída, em
regra, exclusividade. Mas este contrato não pode ser considerado uma modalidade de franquia, uma vez
que este se estabelece entre o franquiador e um terceiro (o operador económico) e não directamente
entre o franquiador e o franquiado.
Contrato de franquia de balcão (corner)
Este contrato, tal como o nome indicia, permite aos franquiadores estarem presentes nas
grandes superfícies com balcões que representam os pontos de venda habituais da rede.
Franquia móvel
Na franquia móvel individualiza-se actividades itinerantes que não supõem uma base fixa,
sendo por isso o franquiado quem se desloca junto dos consumidores para vender os seus produtos ou
prestar os seus serviços ao invés destes se deslocarem à sede fixa do franquiado.
Contrato de pré-franquia e contrato de pilotage
Trata-se de um contrato preparatório celebrado pelo franquiador e o franquiado. Justifica-se
pelo facto de algumas vezes o franquiado não ter ainda uma franquia suficiente, por falta de
experiência, de imagem de marca ou “saber-fazer” e ainda para contornar o risco de o franquiador
estabelecer relações pré-contratuais com candidatos mal intencionados que apenas visam obter o
máximo de informação possível esquivando-se posteriormente ao contrato de franquia. A pré-franquia
é assim um instrumento negocial que verifica as possibilidades de estabelecer uma futura relação de
franquia entre as partes, fixando um período de experiência limitado. É ainda normalmente prevista
neste tipo de contratos uma obrigação de segredo e por vezes uma obrigação de não-concorrência. Para
garantia do cumprimento destas obrigações, pode o franquiador pedir ao candidato a franquiado uma
determinada prestação pecuniária.
O contrato de pilotage é a convenção através da qual o possível futuro franquiador irá confiar
a um terceiro a tarefa de experimentar o projecto de franquia através de “unidades-piloto” detidas pela
sua própria empresa. Este terceiro será assim responsável pela experimentação prática, no âmbito
técnico, comercial e financeiro do objecto de franquia, suportando os riscos da experiência em troca de
uma contrapartida financeira atribuída pelo candidato a franquiador.
DIOGO CASQUEIRO 98
Faculdade de Direito da UCP
Franquia própria e franquia imprópria
Segundo alguns autores, a franquia terá um carácter próprio quando se convencionar uma cláusula
de abastecimento exclusivo junto do franquiador, pelo que o franquiado só poderá utilizar/vender
produtos fornecidos fornecidos pelo franquiador. Já na franquia imprópria, o franquiado pode
abastecer-se junto de outros fornecedores e de outros produtos excepto daqueles que possam concorrer
directamente com os produtos que são objecto do contrato.
Da admissibilidade do trespasse do estabelecimento franquiado
Como já foi referido, o contrato de franquia normalmente prevê a proibição da cessão da
posição contratual do franquiado. Mesmo que não haja clausula expressa neste sentido, a proibição
decorre das regras gerais (424.° CC) e da natureza intuitu personae do contrato. Assim, a cessão da
posição contratual do franquiado apenas será admissível sob a autorização do franquiador.
Levanta-se a questão de saber se será possível trespassar um estabelecimento franquiado
desacompanhado do contrato de franquia. Com efeito, se o trespasse não contemplar a franquia, não
será um verdadeiro trespasse, mas tão-só a venda de um conjunto de elementos isolados de um
estabelecimento comercial. Basta notar que não poderão ser transmitidos elementos como
equipamento, know-how, insígnia, contratos com fornecedores e a clientela do estabelecimento, assim
como todos os bens que identifiquem o estabelecimento com a rede de franquia da qual fazia parte.
Caso o estabelecimento trespassado nestes termos funcionasse em local arrendado, haveria
cessão da posição de arrendatário não autorizada.
Para evitar este problema, recomenda-se ao adquirente de um estabelecimento comercial
franquiado preveja, no contrato preliminar, uma cláusula que faça do acordo do franquiador em ceder a
franquia uma condição do mesmo trespasse.
Cessação
Devido à ausência de um regime legal específico para o contrato de franquia, tem sido
postulada pela doutrina a aplicação analógica do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, que estabelece
o regime legal do contrato de agência.
O artigo 24.º desse diploma legal dispõe, a propósito das formas de cessação do contrato de
agência, que este pode cessar por:
(i) acordo das partes;
(ii) caducidade;
(iii) denúncia; e
(iv) resolução.
DIOGO CASQUEIRO 99
Faculdade de Direito da UCP
Quanto à admissibilidade de cessação por acordo das partes, nenhum problema se coloca,
visto que esta resulta da liberdade contratual. A resolução por incumprimento do contrato estará, via de
regra, prevista no contrato. Trataremos em mais detalhe a cessação por caducidade e por denúncia,
visto que levantam maiores dificuldades.
Cessação do contrato de franquia por denúncia
O contrato de franquia pode ter duração determinada ou indeterminada. É pacífico na doutrina
que o franquiado não tem direito à prorrogação do contrato de franquia se este tiver duração
determinada e nem à perpetuidade se tiver duração indeterminada. No entanto, reconhece-se que o
ingresso do franquiado numa relação de franquia implica a realização de consideráveis investimentos
(pagamento do initial fee, modelação do estabelecimento, compra de equipamentos e do estoque
inicial) e, portanto, a franquia deve ter o carácter de relativa estabilidade, tutelada nomeadamente
através da fixação de um período razoável de pré-aviso.
Para o contrato de agência, a lei prevê, no artigo 28.º, prazos de pré-aviso de um, dois e três
meses, respectivamente, para contratos que estejam no primeiro, segundo ou mais anos de vigência.
Assim, o legislador visa tutelar a expectativa de continuidade do contrato que aumenta conforme a
relação dure mais tempo. No entanto, a mesma lógica não poderá ser aplicada ao contrato de franquia
devido ao avultado investimento inicial do franquiado. Com efeito, no contrato de franquia o inverso
deveria ser verdade: quanto mais curta for a duração do contrato, maior deveria ser o período de pré-
aviso. Assim, MENEZES CORDEIRO tem entendido que a rescisão do contrato não poderá ter lugar
antes de um período temporal razoável, suficiente para o franquiado recuperar o seu investimento
inicial.
Se o contrato for denunciado pelo franquiador em desrespeito pelo período de pré-aviso
adequado, essa denúncia não é ilícita em si mesma, mas apenas pelas lesões infligidas aos interesses do
franquiado, que fica impossibilitado de recuperar o seu investimento inicial. Logo, a sanção para tal
comportamento não será a ineficácia do ato de denúncia, mas sim a indemnização pelos danos sofridos.
Cessação do contrato de franquia por caducidade
Na maioria dos casos, o contrato de franquia tem duração limitada. Com efeito, o franquiador
em regra deseja estabelecer um prazo curto de duração, que servirá como estímulo para o bom
desempenho do franquiado, que se esforçará para obter a prorrogação do contrato.
Também aqui se entende que a duração do contrato deve no mínimo corresponder ao período
necessário para o franquiado recuperar o seu investimento inicial.
Alguma doutrina estrangeira, sobretudo italiana, tem defendido a dependência da cessação por
caducidade da verificação de uma justa causa de não prorrogação, fundamentada no princípio de boa-
DIOGO CASQUEIRO 100
Faculdade de Direito da UCP
fé. É esta a solução adoptada pela legislação norte americana, que exige uma “boa” causa para a recusa
de prorrogação do contrato.
No entanto, esta solução corresponderia a um direito do franquiado à prorrogação do contrato,
o que não é defensável face ao ordenamento jurídico português. No entanto, pode levantar-se o
problema de saber se poderá responsabilizar-se o franquiador pela não prorrogação do contrato
recorrendo à figura do abuso de direito. Com efeito, poderá haver casos em que haja lugar a
responsabilização por via de abuso de direito, por exemplo, se o franquiador tiver dado claros indícios
de que prorrogaria o contrato.
Utilização do saber-fazer e sinais distintivos do franquiador após a cessação do contrato
Terminado o contrato de franquia, seja a que título for, cessa o direito do franquiado utilizar o
saber-fazer e os sinais distintivos do franquiador, visto que este direito resulta do contrato.
Como é evidente o saber-fazer não poderá ser, pelo menos integralmente, “restituído” ao
franquiador. No entanto, existem mecanismos aos quais o franquiador poderá recorrer para tutelar o
preservar: (i) a previsão no contrato de uma obrigação pós-contratual de segredo; (ii) cláusulas de não
integração numa rede concorrente e (iii) de não concorrência.
Destino das existências na posse do franquiado
Visto que uma das características do contrato de franquia é a transmissão do risco da
comercialização das mercadorias para o franquiado, será este a suportar o risco daí resultante. Caberá
ao franquiado administrar o risco de prejuízo através de uma gestão de estoque mais ou menos
cuidadosa.
Direito à indemnização de clientela
O artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, relativo ao contrato de agência, confere
ao agente uma indemnização de clientela após a cessação do contrato, desde que preenchidos,
cumulativamente, os seguintes requisitos:
(i) o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado
substancialmente o volume de negócios com a clientela existente;
(ii) a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da
actividade desenvolvida pelo agente. e;
(iii) o agente deixe de receber retribuições, após a cessação do contrato de agência, pelos
contratos celebrados com os clientes referidos.
DIOGO CASQUEIRO 101
Faculdade de Direito da UCP
Levanta-se a questão de saber se esta norma poderá ser aplicada analogicamente ao contrato
de franquia. Não parece ser este o caso, visto que os interesses subjacentes aos dois contratos, em
relação à clientela, são distintos: a actividade do agente traduz-se numa vantagem imediata para a
empresa principal, enquanto a do franquiado se traduz no lucro pessoal que apenas indirectamente
poderá beneficiar o franquiador.
Por isso, no silêncio do contrato, não deve admitir-se uma indemnização de clientela por
aplicação analógica do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho.
Obrigação de não concorrência por parte do franquiado
Relativamente à fase contratual, poderá contrato prever uma obrigação que impeça o
franquiado de concorrer com a rede franquiada. A principal justificativa desta obrigação é evitar que o
franquiado utilize o saber fazer do franquiador para concorrer com a sua rede franquiada.
No entanto, é duvidosa a admissibilidade de aposição de uma cláusula que exija a dedicação
exclusiva à actividade franquiada, visto que esta restringiria a liberdade de iniciativa privada do
franquiado. Alguns autores, com vista a tutelar a expectativa do franquiador de ver o negócio
franquiado do prosperar, defendem a admissibilidade desta restrição até que o franquiado atinja certo
volume de negócios.
Relativamente à fase pós contratual, levanta-se a questão de saber se será admissível a
aplicação analógica do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, admitindo-se a fixação de
uma obrigação de não concorrência pós contratual verificados os seguintes requisitos:
(i) Necessidade de documento escrito a prever esta obrigação;
(ii) Limitação à liberdade do franquiado apenas no que toca a actividades concorrentes
com a do franquiador;
(iii) Duração máxima de dois anos após a cessação do contrato;
(iv) Circunscrição da obrigação à zona confiada ao franquado;
(v) Compensação do franquiado (artigo 13.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3
de Julho)
Quanto a esta questão a doutrina diverge. Com efeito, o fundamento para a obrigação de não
concorrência é distinto consoante esteja em causa um contrato de agência ou de franquia. O primeiro
funda-se no perigo de o agente desviar para si a clientela que angariou para o principal ou que este lhe
confiou: o factor determinante é a actividade do agente e não a imagem do principal. Precisamente o
inverso se passa com o contrato de franquia. E, com a proibição do franquiado continuar a utilizar os
sinais distintivos e o saber-fazer do franquiador depois de findo o contrato, parece estar suficientemente
protegida a imagem do franquiador, pelo que não se justifica a aplicação analógica do preceito.
A doutrina que defende a admissibilidade desta proibição encontra um segundo fundamento
para ela, ligado ao saber fazer. Sustentam estes autores que seria quase impossível para o franquiado
DIOGO CASQUEIRO 102
Faculdade de Direito da UCP
manter secreto e não continuar a utilizar o saber-fazer findo o contrato se, findo o contrato, pudesse
exercer uma actividade concorrente com a do franquiador.
Contra esta tese pode ser alegado que a protecção do saber-fazer tem sede própria na
obrigação de não utilização do saber-fazer, sendo excessiva a aplicação de uma obrigação de não
concorrência, restritiva de liberdades fundamentais do franquiado, para garantir a sua tutela.
21. Contrato de Publicidade e de Patrocínio17
Partes deste contrato: o patrocinador, que prossegue um interesse de promoção e o
patrocinado que prossegue um interesse de financiamento.
Pool (tem sido proposta que se conduza a sua definição ao contrato de consórcio de empresas,
no DL 231/81) é um conjunto de empresas que se obrigam ao financiamento e/ou fornecimento de bens
e/ou serviços.
E muitas vezes intervêm também, na preparação dos contratos, o manager e sociedades
comerciais que comercializam os direitos dos patrocinados junto dos patrocinadores.
Este contrato pode ser definido como um negócio de formação bilateral ou plurilateral e
advém de uma troca de declarações de todas as partes que concordam no projecto de patrocínio.
Porém o objecto destes contratos é lícito quando se limite e respeite os bons costumes e o direito
publicitário.
Prevalece o princípio da liberdade de forma mas é muito frequente o recurso à forma escrita
por razões de confiança e estabilidade e principalmente para se saber, entre outras cláusulas, o local de
conclusão do negócio para se estipular uma cláusula de arbitragem e do direito aplicável em caso de
litígio.
As obrigações das partes irão variar consoante o tipo de patrocínio.
Da parte do patrocinador:
1. Destacar a prestação de financiamento que pode traduzir-se em dinheiro, serviços, ou em
espécie (caso em que pode dar-se efectiva transferência de propriedade ou a mera cessação de gozo da
coisa).
O montante de financiamento pode ser fixo, cumulado com prémios, ou condicionado aos
resultados obtidos pelo patrocinado - “cláusulas de valorização” segundo as quais se mede a
repercussão mediática do patrocínio em função dos resultados alcançados.
2. Estes contratos caracterizam-se pela sua aleatoriedade: a aleatoriedade é o elemento
característico da contraprestação do patrocinado e como tal, o traço característico destes contratos é a
incerteza de uma das prestações e por vezes, mas excepcional, das duas prestações por ex. as
obrigações do patrocinado seriam bem determinadas mas depois surgiria um elemento de
17 Apresentação por Sara Simões nas aulas práticas de Direito Comercial.
DIOGO CASQUEIRO 103
Faculdade de Direito da UCP
indeterminação não impeditivo do êxito do contrato, como o número de espectadores, o sucesso do
evento a adesão ao mesmo e etc.;
3. Os contratos de duas prestações incertas são mais comuns nos contratos desportivos;
O patrocinado:
Obrigação principal – colocação à disposição do patrocinador de espaços e oportunidades
promocionais idóneas a criar a máxima transmissão da imagem a favor do patrocinador;
Contudo, assumem-se certas obrigações de facere e non facere e estabelecem-se determinadas cláusulas
para diminuir a aleatoriedade:
1. As já faladas, cláusulas de valorização em que se estabelece que o montante do
patrocínio será influenciado pelos resultados alcançados, destes depende a repercussão mediática do
patrocínio;
2. Publicidade da marca do sponsor nos diversos espaços à sua disposição;
3. Participação nas iniciativas promocionais organizadas pelo sponsor;
4. Não proferir declarações depreciativas ou ter comportamentos de tal modo
impróprios que possam denegrir a imagem do patrocinador, Code on Sponsorship art.4º : “O
patrocinado não deverá, em caso algum, ofuscar, deformar, diminuir… a imagem ou as marcas do
patrocinador, nem comprometer o aviamento ou a apreço público de que estes já gozam”;
5. Utilização dos materiais fornecidos pelo patrocinador;
6. Consentimento de utilização da sua imagem, nome ou emblema;
7. Autorizar que o sponsor se proclame patrocinador oficial e utilize espaços do local ou
evento para patrocinar a sua marca e seus produtos;
Existem outras cláusulas mais importantes e com um maior reflexo jurídico:
1. Cláusulas de exclusividade – em que o patrocinado obriga-se a não promover outras
empresas na duração do contrato, pode ser relativa em relação ao sector do sponsor, ou absoluta,
qualquer outro patrocínio;
2. Cláusula de não concorrência – patrocinado obriga-se, no fim do contrato, não
promover outras empresas durante um certo período de tempo;
3. Cláusulas de preferência – patrocinado, findo o contrato, obriga-se a dar preferência
ao patrocinador para celebração de um novo contrato em igualdade de condições com outros
candidatos;
4. Cláusulas resolutórias a favor do patrocinador – em que o patrocinador pode resolver
antecipadamente o contrato em casos de comportamentos do patrocinado que prejudiquem a imagem
da empresa ou comprometam o retorno publicitário;
DIOGO CASQUEIRO 104
Faculdade de Direito da UCP
Na ausência desta cláusula discute-se na doutrina se o patrocinador poderá resolver o contrato
com “justa causa” nos casos em que patrocinado denigre, por circunstâncias que são alheias à sua
vontade, a imagem do patrocinador:
O problema surge pois o patrocinado não assume senão uma obrigação de meios, não
de resultados
A aleatoriedade dos contratos acarreta uma distribuição do risco contratual
particularmente gravosa para o patrocinador
O recurso à cláusula de modificação das circunstâncias poderá justificar a resolução do
contrato quando aquelas tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual,
em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou
imposto em caso de denúncia (contrato de agência)
Por efeito, a causa funcional dos contratos de patrocínio é a promoção do patrocinador através
da associação positiva dos seus sinais a eventos e etc.
E mesmo que o patrocinado não possa garantir o êxito publicitário do contrato, o que sucede é
que se trata de um fundamento objectivo e como tal, que a resolução opera por força de circunstâncias,
não imputáveis a qualquer das partes, que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do
escopo visado (contrato de agência – Prof. António Pinto Monteiro).
E mesmo que se entenda que o patrocínio tem uma natureza aleatória, o recurso a este
fundamento de resolução consagrado no art. 437º do CC é admitido, como defende o prof. VAZ SERRA
– “quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na
data do contrato”.
5. Cláusulas de resolução a favor do patrocinado: nos casos em que o patrocinador
esteja envolvido num escândalo financeiro ou numa situação de crise prolongada
6. Cláusulas de resolução automática: nos casos em que o patrocinado não comparece
no local por causas pelas quais é responsável
7. Cláusulas compromissórias: determinando o recurso à arbitragem para solução de
eventuais litígios e o direito aplicável;
8. Cláusulas penais
Contrato publicidade
Rege-se pelo DL 330/90, de 23 de Outubro
Subsidiariamente rege-se pelo direito civil e comercial
DIOGO CASQUEIRO 105
Faculdade de Direito da UCP
Estes contratos sujeitam-se a princípios gerais consagrados no DL:
Princípio da licitude art.7º - proibida qualquer publicidade que ofenda os valores,
princípios e instituições constitucionalmente consagrados e a sua utilização para outros fins não
protegidos;
Princípio da identificabilidade art.8º - esta tem que ser inequívoca no produto que
publicita
Princípio da veracidade art.10º - deve ser verdadeira
Princípio de respeito pelos direitos dos consumidores art.12º
Existem restrições ao conteúdo da publicidade:
Em relação a menores, na publicidade dirigida aos mesmos deve ter-se em conta a
sua vulnerabilidade psicológica abstendo-se de determinadas formas de publicidade art.14º
Publicidade testemunhal, os testemunhos tem que ser verídicos, comprováveis,
personalizáveis e ligados a experiências por eles passadas, mesmo que não personalizáveis têm que ser
atribuídos a alguém art.15º
Publicidade comparativa art.16º
Restrições ao objecto da publicidade
Em relação ao álcool art.17º
Em relação ao tabaco art.18º
Tratamentos e medicamentos art.19º
Jogos de fortuna e azar art.21º
Formas de publicidade art. 23º a 26º
Responsabilidade civil art.30º:
os anunciantes, as agências de publicidade, e outras entidades que exerçam
actividade publicitária, titulares de suportes publicitários utilizados ou os concessionários – respondem
civil e solidariamente pelos prejuízos causados a terceiros por difusão de mensagens publicitarias
ilícitas;
os anunciantes podem eximir-se da responsabilidade se provarem que não tinham
prévio conhecimento da mensagem publicitaria veiculada;
São aplicadas sanções do tipo contra-ordenacional em razão da violação do referido diploma.
A negligência é punida, excepto nos casos em que não se tenha prévio conhecimento da
mensagem publicitária, e salvo determinados artigos – art.8º; art.9º, nº2, art.17º e art.24º, no caso em
DIOGO CASQUEIRO 106
Faculdade de Direito da UCP
que o titular do suporte publicitário ou de qualquer outra entidade se limitar a promover materialmente
a difusão da mensagem publicitária.
Existem ainda sanções acessórias, art.35º, em que umas são apenas aplicáveis em casos de
dolo na prática das infracções e que a sua aplicação tem como duração máxima dois anos.
São punidos como co-autores das contra-ordenações do diploma, o anunciante, a agência de
publicidade ou qualquer outra entidade que exerça a actividade publicitária, o titular do suporte
publicitário ou respectivo concessionário, e qualquer interveniente na emissão da mensagem
publicitária.
São competentes para fiscalizar estas situações: autoridades policiais e administrativas, mas
especialmente o Instituto do Consumidor na aplicação do diploma e devendo ser-lhe remetidos os autos
de notícia ou as denuncias recebidas.
Aplicação das sanções art.39º
Regras especiais de competências art.40º
Medidas cautelares art.41º
22. Contrato de Seguro18
22.1. Enquadramento normativo; legislação e regimes jurídicos especiais
O contrato de seguro – classicamente regulado no Código Comercial (arts. 425º a 462º) e em
legislação avulsa – tem recentemente conhecido um enorme desenvolvimento e apresenta hoje uma
grande complexidade, com especial incidência nos seguros obrigatórios, nos deveres de informação do
operador e nas limitações à vontade das partes, sendo hoje exclusivamente objecto de regulamentação
extravagante.
De entre os diplomas que disciplinam este contrato, saliente-se:
A (nova) Lei do Contrato de Seguro (LCS), aprovada pelo Decreto-Lei 72/2008, de 16 de
Abril223, e vigente desde 1 de Janeiro de 2009 (art. 7º da LCS);
O Decreto-Lei 94-B/98, de 17 de Abril (embora expurgado dos arts. 176º a 193º, que eram
aplicáveis aos contratos de seguro), na redacção do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril, do
Decreto-Lei no 2/2009, de 5 de Janeiro, e da Lei 28/2009, de 19 de Junho, que disciplina
actividade seguradora;
O Decreto-Lei 176/95, de 26 de Julho, sobre informação e regime do contrato de seguro, que
foi parcialmente revogado pela LCS, e se encontra profundamente amputado.
18 ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 677 e ss
DIOGO CASQUEIRO 107
Faculdade de Direito da UCP
Decreto-Lei no 384/2007, de 19 de Novembro, sobre informação nos seguros de vida e de
acidentes pessoais.
Os contratos formam-se frequentemente com recurso a cláusulas contratuais gerais e espelham
usos profissionais que assumem particular relevância.
Paralelamente com a lei do contrato de seguro, existem regimes especiais (art. 2º da Lei do
Contrato de Seguro), nomeadamente:
Responsabilidade civil automóvel: Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto (Seguro
obrigatório), e Decreto-Lei 214/97, de 16 de Agosto (Seguro automóvel facultativo: redução do valor
seguro);
Acidentes de trabalho: Lei 100/97, de 13 de Setembro; – Seguro de crédito e de caução:
Decreto-Lei 183/88, de 24 de Maio (red. do Decreto-Lei 31/2007, de 14 de Fevereiro), e Decreto-Lei
214/99, de 15 de Junho.
22.2. Noção e elementos essenciais
O seguro é o contrato pelo qual uma pessoa (o tomador) transfere para uma empresa
específica com objecto exclusivo (a companhia seguradora) o risco da ocorrência de um dano, na
esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma contrapartida (prémio) (art. 1º da LCS)
Trata-se de um contrato pelo qual uma empresa (organizada sob a forma de sociedade
comercial) com objecto exclusivo (a seguradora), se obriga, mediante uma remuneração (prémio), a
favor do segurado (que frequentemente é o tomador do seguro) ou de terceiro (beneficiário), e caso se
venha a verificar (risco) um evento futuro e incerto (sinistro) a indemnizar os danos ou prejuízos do
mesmo resultantes ou a pagar um determinado valor pré- estabelecido.
São elementos essenciais do contrato: – Os sujeitos intervenientes (seguradora e tomador de
seguro); – As respectivas obrigações: pagamento do prémio e da eventual indemnização; – O objecto:
risco de sinistro.
22.3. As partes e outros sujeitos
São partes necessárias deste contrato: – A seguradora, que é essencialmente uma sociedade
anónima (cfr. art. 7º, nº 1, alínea c) do DL 94-B/99); e – O tomador do seguro – que é o segurado, se
o risco da ocorrência prevenido for na sua esfera jurídica – é o sujeito contratante do seguro e que paga
o respectivo prémio.
A estes sujeitos pode acrescer o segurado – se não coincidir com o tomador – e
(eventualmente) o beneficiário do seguro (se for diferente do tomador ou do segurado).
O segurado é, assim, o sujeito coberto pelo seguro, que coincide frequentemente, mas não
DIOGO CASQUEIRO 108
Faculdade de Direito da UCP
necessariamente, com o tomador.
Os terceiros beneficiários são aqueles que recebem o pagamento da seguradora em caso de
sinistro do segurado.
A estas partes que tradicionalmente compõem o contrato, deve agora acrescentar-se, no que
respeita à regulação e supervisão dos diversos sujeitos e, em particular, no que respeita à actividade das
companhias: o Instituto de Seguros de Portugal (arts. 156º a 162º do DL 94- B/98).
No que diz respeito ao segurador, a sua posição contratual pode ser reforçada, se o seguro for
assegurado por uma pluralidade de empresas (co-seguro) (arts. 62º a 71º da LCS) (e arts. 143º a 147º
do DL 94-B/98) ou for objecto de resseguro (arts. 72º a 75º da LCS).
22.4. Modalidades e ramos
Há basicamente duas grandes modalidades de seguro: ramo vida e ramo não vida.
O ramo vida (art. 124º do DL 94-B/98) respeita às pessoas (arts. 455º a 462º do Com), e
envolve diversos seguros e operações.
O ramo “não-vida” (art. 123º do DL 94-B/98) pode respeitar a mais de uma dúzia de ramos e
a várias modalidades:
a) Acidentes (de trabalho, pessoais e de pessoas transportadas);
b) Doença (envolvendo as modalidades isoladas ou conjugadas de prestações
convencionadas e de prestações indemnizatórias);
c) Veículos terrestres e ferroviários, aeronaves e embarcações marítimas;
d) Mercadorias transportadas;
e) Incêndio e elementos da natureza (raio ou explosão, tempestades, energia nuclear,
aluimento de terras) e outros danos em coisas (riscos agrícolas e pecuários);
f) Responsabilidade civil de veículos terrestres a motor (seguros obrigatório e
facultativo), de aeronaves, de embarcações marítimas e fluviais, e geral.
g) Crédito;
h) Caução;
i) Perdas pecuniárias diversas (lucros, rendas, etc);
j) Protecção jurídica;
k) Assistência (em viagem ou ao domicílio).
Outra classificação distingue os seguros obrigatórios [automóvel, acidentes de trabalho e
propriedade horizontal (incêndio)] dos facultativos.
22.5. Formação do contrato
DIOGO CASQUEIRO 109
Faculdade de Direito da UCP
O contrato é documentado por uma apólice (de seguro), devendo a seguradora, aquando da
respectiva celebração conceder diversas informações (DL 176/95 e art. 76º).
22.6. Conteúdo
O conteúdo deste contrato deduz-se da respectiva apólice, da qual deve constar (art. 37º da
LCS):
– a natureza e objecto do seguro (no 2, alíneas c) e j));
– os riscos cobertos (no 2, alínea d));
– vigência (duração) do contrato (no 2, alínea i));
– quantia segurada (no 2, alínea g));
– prémio ajustado (no 2, alínea h)).
O risco tem de ser legalmente segurável e pode ser delimitado em função do(a):
a) objecto seguro :
– veículo;
– edifício;
– fracção.
b) causa do sinistro:
– incêndio;
– choque, capotamento, colisão;
– furto;
– abalo sísmico.
c) âmbito espacial da ocorrência.
22.7. Âmbito do dever de indemnizar
O âmbito do dever de indemnizar corresponde à reparação do dano, mas pode ser fixado,
dependendo o montante do tipo de seguro.
Por isso, na determinação do conteúdo, devemos procurar ter em consideração as cláusulas
contratuais que têm por finalidade limitar ou excluir certo tipo de riscos.
São habitualmente excluídos os seguintes riscos: guerras, greves, tumultos, alterações da
DIOGO CASQUEIRO 110
Faculdade de Direito da UCP
ordem pública e acto doloso do segurado.
Mas o alargamento da cobertura de risco é possível.
Quanto à indemnização a pagar por ocorrência do sinistro, a mesma está frequentemente
sujeita a uma franquia, só sendo devida a partir da ocorrência de um montante mínimo de danos, a ser
calculado percentualmente por referência ao valor do seguro (bem ou pessoa segura) ou com base num
valor fixo; e consequentemente só cobrindo os danos que a excederem.
22.8. Participação do sinistro (art. 100º)
22.9. Determinação do dano
23. Contrato de Transporte (EA 725 e ss)
24.1.1. Noção
O contrato de transporte é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa ou entidade (o
transportador) se encarrega profissionalmente de promover a deslocação de pessoas ou bens de um
lugar para outro, por via terrestre – rodoviária ou ferroviária –, marítima (fluvial ou oceânica) ou área,
mediante uma retribuição.
24.1.2. Enquadramento normativo
Este contrato encontra-se regulado no Código Comercial (arts. 366º-393º) e em legislação
avulsa, incluindo diversas Convenções aplicáveis ao contrato de transporte internacional.
Ao transporte marítimo eram inicialmente aplicáveis as disposições constantes do livro III do
Código Comercial (art. 366o, § 4), entretanto revogadas, sendo presentemente objecto de
regulamentação em legislação avulsa.
24.1.3. Regime jurídico
24.1.3.1. Sujeitos
São partes necessárias neste contrato: o transportador – a empresa que realiza o transporte –
e o expedidor, que é a pessoa ou entidade que solicita o transporte de bens ou mercadorias, ou pessoa
transportada (ainda que não seja esta a suportar o preço).
Podem ser também sujeitos deste contrato: o destinatário, isto é, a pessoa ou entidade para a
qual as mercadorias são enviadas.
24.1.3.2. Aspectos genéricos
DIOGO CASQUEIRO 111
Faculdade de Direito da UCP
De entre os aspectos gerais a ponderar, saliente-se, com referência ao articulado do Código:
– Os objectos a expedir (art. 378º);
– As vias a seguir (art. 381º); e a
– Duração ou prazo (art. 382º).
24.1.3.3. Responsabilidade
No que diz respeito à responsabilidade do transportador, importa chamar a atenção para:
– a mora (art. 382º do CCom);
– a perda ou deterioração de objectos (art. 383º); e
– a responsabilidade objectiva, em que incorre o transportador (art. 377º).
24.1.3.4. Garantias
No que se refere ao pagamento do transporte, a lei comercial estabelece como garantias do
transportador o direito de retenção (art. 390º) e um privilégio creditório (art. 391º) sobre os objectos
transportados.
24.1.4. Aspectos diversos
Outros aspectos devem ser objecto de identificação em relação a este contrato. Referimo-nos,
nomeadamente:
– ao conhecimento de carga e à guia de transporte (arts. 369º-370º e 373º-375º);
– aos intervenientes no negócio: o carregador, o transportador e o destinatário; e ainda
a uma entidade que, com estes, não se confunde: o transitário.
24. Locação comercial19
Locação Mercantil contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra,
mediante retribuição, o gozo temporário de uma coisa móvel, imóvel ou “sui generis” destinada ou
afecta ao exercício de uma actividade comercial.
A figura da locação mercantil vem prevista e regulada nos arts. 481º e 482º C. Com. Vem
prevista de forma redutora, desde logo porque apenas se refere à locação de bens móveis (aluguer) e
não de imóveis (arrendamento); depois, porque vem associada à compra e venda mercantil, na medida
em que a mercantilidade do aluguer pressupõe que a coisa alugada tenha sido comprada com esse fim
19 Engrácia Antunes, Direitos dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 380 e ss
DIOGO CASQUEIRO 112
Faculdade de Direito da UCP
(arts. 481º e 463º/1, in fine); finalmente, porque não lhe foi associado um regime legal próprio,
limitando-se o legislador comercial a remeter para as disposições gerais aplicáveis (art. 482º),
ressalvada a hipótese especial do fretamento de navios (DL 191/87).
A realidade económica tratou de ultrapassar esta visão redutora do instituto: paralelamente ao
aluguer mercantil do C. Com, existe um numero crescente de contratos de aluguer comerciais, sujeitos
a regulação própria: aluguer de cofre-forte (art. 4º/1, o) RGIC), ou a locação financeira (embora esta
abranja também coisas imóveis (DL 149/95)), ... Depois, e mais importante, devem hoje considerar-se
igualmente como formas relevantes da locação mercantil, o arrendamento comercial (contrato pelo
qual o titular de um prédio urbano ou rústico, mediante retribuição, concede temporariamente ao titular
de uma empresa o respectivo gozo para a exploração desta) e a locação empresarial (contrato de
transmissão temporária e onerosa do gozo de uma empresa art. 1009º CC).
CAPÍTULO IV – Títulos de Crédito e Valores Mobiliários
25. Enquadramento do tema. Os títulos de crédito em geral
25.1. Conceito de título de crédito
25.1.1. Crédito, título e documento
O crédito consiste na troca de uma prestação presente por uma prestação futura, ou seja,
traduz o diferimento temporal de uma contraprestação.
A primeira ideia que nos ocorre é que o crédito acarreta a ligação de um documento a um
direito.
O título é uma realidade (jurídica) que justifica a existência de um direito. Sobre documento,
vd. art. 362º do CC («qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar
uma pessoa, coisa ou facto»).
25.1.2. Funções jurídico-económicas
1. Maior rapidez e segurança na circulação da riqueza e na concessão de crédito;
2. Favorecimento da posição do devedor (que paga a quem está legitimado);
3. Tutela dos (terceiros) adquirentes de boa fé.
25.1.3. Conceito de título de crédito adoptado
Tomando como referência fundamental o conceito de VIVANTE («O título de crédito é o
documento necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado»), há que questionar
se a desmaterialização crescente de certo tipo de títulos não desvaloriza o clássico universo dos títulos
DIOGO CASQUEIRO 113
Faculdade de Direito da UCP
de crédito e tentar apurar em que medida é que as semelhanças entre os documentos escritos e os
simples suportes magnéticos superam as diferenças realmente existentes, sobretudo no que respeita à
consideração do título como suporte suficiente para a inscrição da transmissão do direito nele
incorporado; situação que não se verifica relativamente aos valores simplesmente escriturais que,
emitidos geralmente em série, se consubstanciam num mero registo informático.
25.2. Características dos títulos de crédito
25.2.1. Literalidade
O conteúdo literal ou gramatical do título corresponde ao direito (cartular) que por ele é
representado, de modo que o conteúdo, a natureza e os limites deste têm o âmbito e o valor que resultar
do próprio título.
Esta característica está estreitamente ligada a reforçadas, mas naturais, exigências de carácter
formal, que se justificam pelas funções que os títulos desempenham.
Sendo admissível que a literalidade assuma diferentes graus de intensidade, sendo menor em
títulos que documentam situações jurídicas mais complexas – como é o caso das acções das sociedades
anónimas que, exprimindo a participação social, só por forma indirecta a titulam de modo cabal (pela
remissão que operam «para o acto constitutivo da sociedade») –, a exigência desta característica só tem
verdadeiro sentido no plano das relações mediatas, em que a legitimação emergente do título se
sobrepõe às vicissitudes que possam estar subjacentes à relação cartular.
25.2.2. Autonomia e abstracção
A abstracção significa que os títulos valem independentemente da relação fundamental que é
subjacente à sua criação (e transmissão). Por essa razão, os títulos requerem um acentuado grau de
formalismo.
No entanto, nem todos os títulos são abstractos, existindo títulos causais. Nos títulos causais
há um nexo indissociável entre o título e a causa (da sua subscrição e existência). A extinção do direito
em que se funda o título acarreta a extinção da causa.
Constituem exemplos de títulos causais as acções das sociedades anónimas (quando são
tituladas), as guias de transporte e os títulos representativos de mercadorias.
A autonomia é uma característica que reveste dois sentidos.
Com efeito, tão depressa se diz que o título de crédito (e, em particular, o direito cartular nele
consubstanciado) é autónomo em relação ao negócio subjacente, como se utiliza a expressão para se
exprimir a independência da posição de cada portador (e consequentemente do respectivo direito) em
face dos anteriores subscritores do título.
No primeiro caso fala-se em autonomia do (direito sobre o) título; na segunda situação
caracteriza-se a autonomia do direito cartular, que decorre da abstracção.
DIOGO CASQUEIRO 114
Faculdade de Direito da UCP
A autonomia do título afere-se, pois, em relação ao direito subjacente, sendo acolhida no art.
1ºo da LULL, que consagra o princípio da inoponibilidade das excepções pessoais no plano das
relações cartulares, excepto se tais relações forem imediatas ou se o portador do título ao adquiri-lo
«tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor», ou seja, tenha tido consciência da
inoponibilidade (que originava com a sua subscrição) e do prejuízo que causava ao devedor.
A autonomia do direito cartular ou do direito do portador em face dos que o antecederam,
justificada pelo art. 16º, II da LULL, significa que cada detentor do título adquire o direito nele
incorporado de modo originário relativamente a eventuais vicissitudes que anteriormente tenham
ocorrido. A legitimação do portador, e do seu direito, decorre da verificação do cumprimento de
aspectos de carácter meramente formal. Admitir que assim não sucedesse equivaleria a negar ao título a
confiança que, lhe sendo inerente, resulta da simples compatibilização das assinaturas dos seus
subscritores e do crédito de que estes dispõem no mercado e que, em suma, fundamenta a sua
circulabilidade.
25.3. Pretensas características: incorporação, legitimação e transmissibilidade (circulabilidade)
Alguns atributos dos títulos são classicamente apontados como suas características.
Discordamos e passamos a explicar porquê.
O título incorpora um direito, constituindo suporte indispensável à transmissão deste. Por
outras palavras, a detenção do título é indispensável para o exercício e transmissão do direito nele
inscrito. Mas a incorporação é um meio ou técnica instrumental para assegurar a realização das
características dos títulos de crédito.
Por sua vez, a legitimação pressupõe a detenção do título para o exercício e transmissão do
direito nele mencionado e é a posição que resulta da aparência do próprio título, consubstanciando-se
numa mera verdade formal, que resulta do próprio título (cambiário) e que pode não corresponder à
verdade efectiva (substancial) subjacente ao mesmo, por ter entretanto ocorrido um desapossamento.
Quando se fala de legitimação activa tem-se em mente o direito que resulta do título, mas o mesmo não
corresponde a uma característica diferenciadora; é inerente a uma pluralidade de situações jurídicas.
Finalmente, a transmissibilidade (ou circulabilidade) é a função natural do título de crédito e que
justifica ele ter sido criado com as apontadas características. Não pressupõe a verificação do
cumprimento da obrigação a que corresponde o direito incorporado no título, mas pode ser essencial
para satisfação do valor patrimonial que lhe é inerente e que ele representa.
Uma vez criado, o título destina-se a circular, o que acontece com base no valor de confiança
que lhe é conferido pelo crédito dos diversos subscritores.
No entanto, o título pode existir e não circular que nem por isso deixa de valer como título de
crédito. Simplesmente, nesse caso, não beneficia de tutela cambiária.
25.4. Espécies de títulos de créditos
DIOGO CASQUEIRO 115
Faculdade de Direito da UCP
Podemos agrupar os títulos de crédito em títulos cambiários – que vão merecer uma atenção
autónoma – e títulos não cambiários que, embora transmissíveis, não se destinam a circular, mas
fundamentalmente a comprovar o direito do seu titular.
Constituem exemplos dos primeiros a letra, a livrança e o cheque (cfr., infra, nºs 26 a 28) e
dos segundos o certificado de depósito, o conhecimento de depósito, o conhecimento de carga e o
extracto de factura.
25.5. Os títulos impróprios
São impróprios os documentos (títulos) que, não obstante se assemelharem pelas suas
características com os títulos de crédito, são desprovidos de circulabilidade. Dentro desta categoria, há
ainda que estabelecer uma distinção entre os chamados títulos de legitimação e os comprovantes de
legitimação.
25.5.1. Títulos de legitimação
Os títulos de legitimação são documentos que, apesar de não serem destinados à circulação,
podem circular, conferindo legitimação activa ao respectivo portador.
Constituem exemplos o bilhete de entrada em espectáculos públicos, as cautelas de penhor e
os títulos de transporte (pré-comprados, em série).
25.5.2. Comprovantes de legitimação
Os comprovantes de legitimação diferenciam-se dos anteriores basicamente por não poderem
circular, sendo insusceptíveis de transmissão por simples vontade do seu titular e de eventual
adquirente. Casos dos bilhetes de avião, passes e cartões de crédito.
25.6. Titularidade e legitimação. Portador legítimo
Titularidade e legitimação não se confundem, embora possam coincidir.
A titularidade é o nexo de pertença efectiva de um certo direito a uma determinada pessoa.
A legitimação, como vimos, baseia-se na verdade formal que emerge do próprio título
(cambiário) com base na regularidade da cadeia de endossos dele constante, sem verificação da
autenticidade das assinaturas em que estes se consubstanciam. A legitimação privilegia,
consequentemente, a verdade formal e a segurança do tráfico jurídico, em geral, em detrimento da
realidade.
Neste contexto, portador legítimo é o adquirente, em regra por endosso, que justifica o seu
direito pela verdade meramente formal que resulta do próprio título (cambiário) e que, frequentemente,
DIOGO CASQUEIRO 116
Faculdade de Direito da UCP
coincide com a situação jurídica subjacente à sua criação ou transmissão.
25.7. Classificação dos "títulos" quanto ao modo de circulação
Quanto ao modo de circulação os títulos de crédito classificam-se em títulos ao portador, à
ordem e nominativos.
Os títulos ao portador são os que se transmitem pela simples tradição ou entrega material,
pertencendo a quem for o seu detentor em certo momento (art. 483º C. Com).
Os títulos à ordem são aqueles que, indicando o respectivo beneficiário, em nome de quem (à
ordem de quem) são emitidos, transmitem-se pela entrega real acompanhada de uma declaração de
endosso subscrita pelo seu (anterior) titular e alienante (art. 483º C. Com).
Finalmente, os títulos nominativos são aqueles cujo texto menciona a identidade do titular,
pressupondo para a respectiva circulação um formalismo complexo. Nos mesmos deverá, com efeito,
ser exarada declaração de transmissão, ser lavrado o pertence (inserção do nome do novo titular) e
proceder-se a averbamento em registo próprio.
25.8. A relação entre o negócio cartular e o negócio subjacente
25.8.1. O negócio subjacente
Cada negócio cartular tem na sua base um negócio que o explica, que o fundamenta, que
constitui a sua causa, o chamado negócio subjacente.
Tal ocorre, por exemplo, com o simples saque de uma letra. Na realidade, o sacador quando
saca uma letra à ordem do tomador (beneficiário) fá-lo com base num motivo: porque lhe concede
crédito, porque lhe deve uma certa quantia, que pretende titular, porque pretende pagar-lhe uma quantia
ou, apenas, porque quer fazer uma doação.
25.8.2. Direito cartular e convenção executiva
Por sua vez, o direito cartular, emergente do título, é diferente (e, em regra, independente) do
direito subjacente.
Assim, retomando o exemplo da letra, o direito cartular é o direito de crédito de que o
portador é titular e do qual são devedores todos os obrigados cambiários.
Do saque resulta uma atribuição patrimonial (em favor do próprio sacador ou de tomador).
Ora, a convenção executiva é o acto que, celebrado entre os intervenientes do negócio cambiário,
determina a função que este, enquanto atribuição patrimonial, desempenha relativamente ao negócio
subjacente.
A convenção executiva é paralela ao negócio cambiário e faz parte do negócio subjacente ou é
objecto de acordo ulterior.
A convenção executiva estabelece a função a desempenhar pelo negócio cartular,
DIOGO CASQUEIRO 117
Faculdade de Direito da UCP
designadamente se o saque actua como:
a) Pagamento, como dação em pagamento; ou como dação em função do cumprimento;
b) Crédito, ou
c) Garantia.
25.8.3. As relações cartulares; imediatas e mediatas
As relações cartulares respeitam a todos os intervenientes no título e podem ser imediatas ou
mediatas, consoante existe ligação entre dois sujeitos por uma relação subjacente (e uma convenção
executiva), ou não.
São relações cartulares imediatas as que ligam sacador e sacado, sacador e tomador ou tão-
somente um portador e o portador antecedente ou subsequente (endossante e endossatário).
A relevância das relações cartulares (imediatas) sente-se em especial a propósito da
oponibilidade das excepções pessoais no domínio das relações imediatas (art. 17º da LULL e art. 22 da
LUC).
25.9. Extinção e reforma dos títulos de crédito
25.9.1. Extinção por destruição, total ou parcial, ou obliteração
O título de crédito é um objecto material, geralmente papel, e por conseguinte fisicamente
delicado.
O título extingue-se por efeito de desgaste, se for obliterado ou se for, total ou parcialmente,
destruído (intencionalmente ou por acidente). E isso é relevante porque o direito incorporado não pode
ser exercido sem o título de crédito.
A destruição do título de crédito constitui, pois, facto impeditivo à posse material necessária e
imprescindível ao exercício (ou transmissão) do respectivo direito.
Como o direito não pode ser exercido sem o título, há que apurar se este pode ser
reconstruído. É o que veremos adiante. Antes, porém, há que chamar a atenção para factos extintivos
de diversa natureza.
25.9.2. Extinção do título por ineficácia e extinção do próprio direito incorporado
A extinção do título de crédito não está necessariamente associada à sua obliteração ou
destruição material; ela pode ocorrer por outras razões, nomeadamente por ineficácia do título ou por
extinção do próprio direito incorporado.
A extinção por ineficácia verifica-se quando sobrevém uma circunstância que obsta à normal
produção de efeitos do título (por exemplo, o decurso do prazo para efectuar o protesto da letra, ou o
DIOGO CASQUEIRO 118
Faculdade de Direito da UCP
reagrupamento de acções por efeito de uma operação de redução do capital social). Em qualquer caso,
resulta a inabilidade do título para circular enquanto tal.
A extinção do próprio direito incorporado acarreta naturalmente a extinção do título, ainda
que o mesmo subsista fisicamente. Dá-se com o pagamento, cumprimento ou prescrição da obrigação
cartular. É o que sucede com o pagamento de uma dívida garantida por uma livrança, eventualmente
subscrita em branco, sem que esta seja devolvida ao subscritor ou fisicamente anulada. O cumprimento
integral da prestação obrigacional, a que estava condicionado o preenchimento da livrança implica a
extinção do título, mesmo que o mesmo não seja eliminado por esquecimento ou por se ignorar o
respectivo paradeiro.
25.9.3. Reforma dos títulos de crédito
Vejamos agora as circunstâncias em que a reforma pode ocorrer.
A lei geral admite que possam ser reformados judicialmente os documentos escritos que por
qualquer modo tivessem desaparecido (art. 367º CC).
O Código Comercial refere-se à reforma dos títulos de crédito no art. 484º, referindo-se
especificamente aos títulos transmissíveis por endosso, destruídos ou perdidos.
Saliente-se que o título reformado é juridicamente o mesmo título.
O processo de reforma consta do Código de Processo Civil – que regula o processo de reforma
de títulos destruídos (art. 1069º), como regime-regra, e a reforma dos títulos perdidos ou desaparecidos
(art. 1072º), com especificações relativamente àquele – começa por se referir unicamente aos “títulos
de obrigação” (art. 1069º, no 1), mas acaba por alargar o processo de reforma a todos os outros
documentos numa disposição subsidiária (art. 1073º).
Quanto à reforma dos títulos ao portador, o facto de o art. 484º do Código Comercial não lhe
fazer referência expressa constitui uma aparente dificuldade relativamente à sua admissibilidade.
No entanto, a verdade é que o art. 484º também não afasta a possibilidade de reforma,
referindo-se às acções sem distinguir as nominativas das acções ao portador (corpo do art. e § 1) ou,
pura e simplesmente, especificando o caso das acções (e obrigações) nominativas (§ 2).
Certo é que, em termos processuais, tal reforma não é hoje problemática. Por razões
facilmente compreensíveis estes títulos, tal como aliás todos os que são enunciados no art. 484º do
Código Comercial, implicam uma caução prévia «à restituição do seu valor, juros ou dividendos» [cfr.
art. 1072º, d) CPC e art. 484º, § 5 e 6 do C. Com].
25.10. A desmaterialização dos títulos de crédito
25.10.1. Significado e justificação
A ideia de título de crédito corresponde, como vimos, à representação documental (com um
DIOGO CASQUEIRO 119
Faculdade de Direito da UCP
suporte em papel) de um crédito ou de situação jurídica mais complexa que se traduz numa atribuição
essencialmente patrimonial, mas autónoma, do respectivo titular num certo momento sobre os sujeitos
que, de algum modo, tiverem subscrito tal suporte documental.
Recorde-se, pois, que o valor documentado pelo título de crédito adquire uma clara autonomia
relativamente aos direitos ou situações jurídicas que pretende representar, dado o regime que foi
especificamente criado para tutelar a respectiva circulação.
Ora, cumpre agora apurar se a crescente desmaterialização dos títulos de crédito (ou, pelo
menos, de certo tipo de títulos) vem pôr em cheque a utilidade do conceito e respectivo regime,
deslocando o interesse do Direito para diferente figura – a de valor mobiliário –, como pretende a nossa
mais (jovem) e recente doutrina, ou se, diversamente, ainda tem sentido centrar a problemática em
análise na vetusta figura do título de crédito, como sustentam vozes autorizadas que, directa ou
indirectamente, se têm pronunciado sobre a questão.
Os valores mobiliários são «documentos representativos de situações jurídicas homogéneas,
susceptíveis de transmissão em mercado» (art. 1º, g) CVM), que são criados em série e constituem
complexos de direitos e vinculações padronizados ou standardizados. A lei enumera as principais
categorias, colocando à cabeça as acções, seguidas das obrigações e outros valores (art. 1º, a) e b)
CVM).
Sem prejuízo de reflexão mais ponderada sobre o assunto – que inclusivamente nos conduza a
alterar substancialmente a nossa posição –, e tal como deixámos anteriormente entrever, não aderimos
incondicionalmente às críticas desferidas contra FERREIRA DE ALMEIDA , cuja posição, claramente
menos radical, pretende, talvez forçando um pouco a nota, encontrar sentido útil ao regime dos títulos,
no post desmaterialização.
Adiante-se apenas que o conceito de valor mobiliário, por demasiado lato e abrangente, se nos
afigura inadequado para substituir, em termos de relevo jurídico, a noção e regime de título de crédito,
embora, como não pode deixar de ser evidente, existam pontos naturais de contacto, como a tipicidade,
facilmente justificada no âmbito dos valores mobiliários em geral, pela respectiva emissão em série.
A desmaterialização significa que se retira ao título de crédito o suporte (necessariamente)
físico em que se consubstanciava. Elimina-se, pois, o documento, pelo menos tal como até aqui o
concebíamos – com necessário suporte físico –, e substituímo-lo por um simples registo informático, o
qual não deixa de ser também um documento.
O problema que subsiste, para além de tentar determinar todo o alcance do progresso
tecnológico no âmbito das transacções em geral, é de saber como se comprova a transmissão de
titularidade e a correcção da execução das ordens que estão na base deste registo.
Por outras palavras, um mero registo informático é suficiente para atestar que A é titular de
1000 acções da sociedade S. Mas como se documenta a vontade de A alienar em favor de B tais
acções? Pela simples inscrição na conta deste (e concomitante apagamento do registo na conta de A)?
Ou exigir-se-á ainda um documento que certifique ou consubstancie a declaração negocial de A (e que
possa, eventualmente, vir a servir de meio de prova)?
DIOGO CASQUEIRO 120
Faculdade de Direito da UCP
Retornemos, no entanto, aos títulos de crédito.
A vantagem que os mesmos apresentavam, relativamente a outras formas de transmissão de
situações jurídicas, exprimia-se essencialmente na salvaguarda de espaço e de tempo, para além de se
evitarem outros custos. A assinatura ou subscrição do documento e o correio, forma adequada para a
sua transmissão, asseguravam que a circulação dos títulos se fizesse com rapidez e simplicidade. Uma
vez chegados ao seu destino, tais instrumentos que, frequentemente, consubstanciavam valores
significativos podiam ser guardados com segurança.
A sociedade contemporânea, pelo progresso verificado em especial na segunda metade do
século XX, a nível tecnológico e de comunicações, transformou-se. Os mercados perderam carácter
local e sofreram o chamado fenómeno da globalização. Os documentos sob forma escrita
multiplicaram-se e as transacções intensificaram-se. Tal situação, impulsionada por razões que não
importa aqui escalpelizar, determina, no início do século XXI, a procura de instrumentos e fórmulas
que permitam simultaneamente «encurtar o tempo das transacções, reduzir o espaço ocupado pelos
documentos e baixar os custos do seu manuseamento».
O aparecimento de novos suportes, magnéticos e informáticos, e de uma nova linguagem que
lhes está necessariamente associada, se por um lado facilita inquestionavelmente o fluxo crescente das
transacções, por outro, dada a rapidez das transformações não deixa de colocar complexos problemas
de regime e de qualificação relativamente às novas figuras negociais.
São os títulos de crédito emitidos em série, casos paradigmáticos das acções e obrigações, que
revelam precisamente uma melhor capacidade de adaptação aos novos suportes e registos, de natureza
magnética e informática, assimilando com maior celeridade a nova linguagem jurídica.
25.10.2. Os valores mobiliários escriturais
25.10.2.1. Remissão para o regime das acções escriturais
A desmaterialização dos valores mobiliários – dispensando a impressão e a distribuição dos
títulos – elimina os riscos inerentes à existência física do documento, tais como a destruição, a perda, o
roubo e a falsificação, diminuindo o desapossamento, quer físico quer económico.
A lei caracteriza o regime dos valores mobiliários escriturais por referência às acções
escriturais – que, aliás, não define –, limitando-se a distinguir os valores (mobiliários) escriturais dos
titulados, por serem representados por registos em conta e não por documentos em papel (art. 46º/1
CVM). Tais acções caracterizam-se, pois, por serem «exclusivamente materializadas pela sua inscrição
em contas abertas em nome dos respectivos titulares», correspondendo a um mero registo de carácter
DIOGO CASQUEIRO 121
Faculdade de Direito da UCP
informático.
Sobre o conteúdo do registo, arts. 61º e ss CVM.
25.10.2.2. A problemática da qualificação dos valores mobiliários como títulos de crédito
Quanto à questão de saber se os valores mobiliários escriturais são títulos de crédito, há que
verificar se as características essenciais destes subsistem naqueles. Se concluirmos afirmativamente,
não vemos razão para afastar os novos instrumentos do conceito e regime aplicáveis aos títulos de
crédito.
Vimos que a incorporação é uma pretensa característica dos títulos de crédito. Saliente- se,
agora, no plano da escrituralidade que, dado que os valores escriturais se consubstanciam em meros
registos, é evidente que não pode haver incorporação, visto faltar por natureza o corpo (papel) do
documento. Não obstante, poder-se-ia considerar que à incorporação corresponde nos valores
mobiliários escriturais um requisito: a inerência (ou imanência), que significa constituir o registo fonte
e meio de legitimação.
No que toca às características que reconhecemos, elas estão todas presentes nos valores
escriturais.
Assim acontece com a literalidade, uma vez que a definição dos direitos ocorre nos termos
registados (arts. 55º e 74º/1 CVM), e com a autonomia do direito do titular, dada a presunção inilidível
de titularidade conferida ao titular por efeito do registo.
Quanto à transmissibilidade, função primordial dos títulos de crédito, nos valores mobiliários
opera-se pelo registo (informático) (art. 80º/1 CVM).
Finalmente, a lei qualifica os valores mobiliários em nominativos ou ao portador, conforme o
emitente tenha forma de saber em qualquer momento quem são os titulares (art. 52º/1 CVM).
26. A letra de câmbio
Matéria leccionada nas aulas práticas por FÁTIMA GOMES
Pensamos nas letras e livranças (Lei Uniforme sobre Letras e Livranças). Esta lei tem a
característica de ser uma convenção internacional, aprovada pelos estados contratantes. É antiga e não
sofreu actualizações, pelo que se pode suscitar a problemática de saber se não estará fora do contexto
de mercado.
Para que servem e quais são as suas vantagens: duplica sem duplicar um outro regime o
título de crédito vem surgir para podermos dar prevalência do regime do titulo, e não tanto a outro
motivo.
DIOGO CASQUEIRO 122
Faculdade de Direito da UCP
Uma letra é um título de crédito pelo que tem de ter elementos característicos: a
literalidade (a importância ao que está escrito) e a autonomia (podemos pegar no título – documento
em papel – e separá-lo de algo que foi a razão de ser jurídica pela qual apareceu – a causa).
Temos A que é fornecedor de televisões e B que é o comprador. Ambos são empresários. A
entrega as televisões e B não paga imediatamente o preço. Há um crédito representado, que é um valor
que há-de receber no futuro. Ficamos com o preço, do qual A é credor e B é devedor. Inserem um
crédito num título, que vai ser a letra: a letra é uma ordem de pagamento, pelo que alguém dá instrução
a outrem para pagar. É o credor do recebimento do preço. A, credor, é aqui chamado sacador. O acto
pelo qual ele cria o título de crédito é o saque. Este titulo de crédito limita-se a reconhecer a existência
de crédito. B é o sacado (o devedor que aparece no papel). Este devedor indicado ainda não tem, pelo
regime do título de crédito, ainda não tem um dívida. Tem sim uma divida de pagamento emergente do
contrato. mas não tem dívida do pagamento da letra: tema apenas a posição de sacado. Mas a ideia é
que se venha a tornar responsável pelo pagamento da letra: para isso tem de aparecer voluntariamente a
responsabilizar-se, assinando-a: desse seu acto, denominado aceite, torna-se aceitante.
O que quase sempre acontece é que ele logo após ser sacado, assina: há correspondência entre
o sacado e o aceitante. Mas, ainda que marginalmente, pode não assinar a letra.
Se ele aceitar o papel, tem dois níveis de responsabilidade: o decorrente do contrato, e a
decorrente da assinatura da letra, na condição de que é uma duplicação da obrigação anterior.
Ficamos com a realidade subjacente, de onde a letra surgiu; e a realidade formal, que tem vida
própria. A pessoa pode ser chamada a pagar duas vezes, quando a dívida se reporta apenas ao
pagamento do preço.
É um meio mais expedito para o sacador satisfazer o seu crédito: com a inscrição do título
obtém um título executivo, paralelo a outros; outra vantagem é a das características do título: se o
contrato tiver um vício que leve à sua invalidade, e se o valor representado no título estiver lá, então a
validade do título não surge afectada. Pode ser descontada no banco, fazendo-a circular: vai da mão de
A para a mão do Banco, que passa a ser credor do valor em causa. Transmite-se o crédito, que também
tem vantagens, uma vez que se verifica a abstracção: não se aplicam as regras da cessão de créditos, da
assunção de dívidas e da cessão da posição contratual. E não se aplicam no pressuposto que a
transmissão do sacador para o Banco é feita através do mecanismo próprio do título, que é o endosso
(regime especial face à transmissão de créditos).
O desconto veio permitir o recebimento pelo sacador do valor da letra e a transmissão do
crédito para o banco. O desconto corresponde ao domínio substantivo: ao domínio da relação
subjacente, que justificou que ao nível da letra se fizesse um endosso. Continuamos a ter dois níveis.
E esta relação poderia ter muitos mais intervenientes que não o banco, com múltiplos
contratos no plano da relação subjacente. Ao nível da letra a pessoa a quem é realizado o endosso é o
DIOGO CASQUEIRO 123
Faculdade de Direito da UCP
endossado. O sacador, ao fazer o endosso, é devedor de uma prestação no plano substantivo e o
endossado é o credor.
A independência nunca se verifica quando a discussão ao nível da letra se faça entre duas
pessoas e essas duas tenham entre si um contrato ou uma relação subjacente da qual só elas façam
parte. Se a letra não tiver sido passada, foi sacada e aceite, estiver na mão do sacador. No dia do
vencimento o aceitante pode dizer que não paga ou não paga tudo em função de incumprimento ou
cumprimento defeituoso da relação subjacente, com influência na relação abstracta da letra.
As letras têm duas fases de vida: a fase normal e a fase patológica: surge quando o aceitante,
chamado a pagar na data do vencimento, não o faça. O que se passa então é que o regime das letras
veio criar a possibilidade de exigir o pagamento de todas as pessoas que fizeram intervenção na letra,
desde que estejam para trás da intervenção do credor actual.
A esta fase patológica aplica-se o regime de solidariedade.
Fase patológica pressupõe que há um não pagamento pelo aceitante. Não basta o não
pagamento. A letra ao ser formal, exige três condições para que a partir dessa fase, o portador da letra
possa exigir o pagamento da dívida não apenas do devedor originário mas de todas as pessoas que
entretanto tiveram intervenção do título. A esse formalismo chama-se pressupostos do direito de
regresso:
1. A letra é apresentada a pagamento e dentro de um certo prazo apresentação pontual a
pagamento.
O portador tem um certo prazo para pedir o pagamento da letra, antes do qual não o pode
pedir, e se o pedir antes, o direito de regresso não surge. O prazo fixado pela lei toma o
vencimento do título como referência. Como a lei uniforme tem vários tipos de vencimento.
Temos de dissecar os diversos tipos de vencimento.
a. O mais habitual é o vencimento em dia fixo (dia estabelecido): o dia do vencimento
é um dia possível e habitual para se pedir o pagamento da letra, e o portador ainda o
pode fazer nos dois dias úteis seguintes. Nesse dia ou nos dois dias úteis seguintes.
Em qualquer um desses dias o aceitante pode dizer que não paga.
2. Recusa de pagamento .
3. O terceiro é o protesto por falta de pagamento que também deve ser pontual.
É um acto notarial: temos de nos dirigir lá para se comprovar que a letra não foi paga no dia
do vencimento ou nos dois dias seguintes. Esta ida ao notário tem de ser feita dentro de certo
prazo: dois dia úteis.
DIOGO CASQUEIRO 124
Faculdade de Direito da UCP
Divergência Há quem entenda que esses dois dias são os iguais aos do vencimento
(coincidentes). Isto porque a sua interpretação é histórica e da preparação da lei uniforme em
que se queria isto; e há quem entenda que são os dois dias subsequentes aos dois dias úteis em
que o portador pode exigir o pagamento do aceitante: isto porque se vai buscar uma norma do
C. Notariado diz que o prazo é até dois dias úteis seguintes aos dias em que o pagamento é
possível. Esta norma tem um perigo face à outra interpretação do ponto de vista do direito
interno, quanto a letras que circulam só em Portugal, não há problemas. Mas se se respeitar
esta norma quanto a uma letra de circulação internacional, perde-se o direito de regresso
porque não se exerceu o direito dentro do prazo fixado pela convenção, que Portugal tem de
respeitar. Em Portugal, usa-se a norma do C. Notariado. Em letras de circulação internacional.
A consequência do desrespeito do prazo implica falta do pressuposto e perde-se o direito de
regresso. É quase o mesmo que não ter letra.
Se não estiverem reunidos o direito de regresso não surge.
Quando se fala na fundamentalidade dos pressupostos, fazemos isso com base na interpretação
correcta e histórica da convenção. Qualquer pessoa, com ressalva do aceitante, só é responsável se
estiverem reunidos os três pressupostos. Mas em Portugal, parte da doutrina e da jurisprudência não
fazem este raciocínio para todos os casos, sendo menos exigíveis na responsabilização pelo valor em
dívida, perante um determinado sujeito que surja neste contexto, obrigando-o a responder ainda que os
pressupostos não estejam reunidos: o sujeito aparece como avalista do aceitante. Pode ser
responsabilizado mesmo sem os três pressupostos: a base desta doutrina é aplicar ao avalista do
aceitante as regras da fiança, que mandam sujeitar o fiador ao mesmo nível de responsabilidade.
A grande questão tem que ver a natureza jurídica do aval face à da fiança. Na concepção da lei
uniforme não se pretendeu que o aval fosse igual à fiança: o avalista tem uma obrigação de resultado
o pagamento pontual da letra pelo aceitante. É preciso verificar que o resultado não se produziu
através do mecanismo próprio da lei (os pressupostos). Este caminho é defendido pelo Dr. EVARISTO
MENDES : defende que o aval e a fiança não são a mesma coisa e que por isso não se pode aplicar o
regime da fiança ao regime do aval. Mas o resto não distingue e por isso dispensa o protesto para se
responsabilizar o avalista. PAULO OLAVO CUNHA segue a posição de Evaristo Mendes.
Quanto ao endosso da letra a letra circula do sacador para outra pessoa através deste acto:
modo de transmissão da letra. É especifico porque não é suposto não haver cessão da posição
contratual nem cessão de créditos. Esta ideia tem por base apenas uma espécie de endosso: endosso
translativo. O art. 11º e ss trata disto. O art. 18º trata do endosso por procuração e o art. 19º do endosso
em garantia.
O endosso por procuração alguém transmite o titulo a outro, não enquanto transmissão do
crédito, mas para conferir um mandato ao beneficiário para ir cobrar o crédito que consta do título. Mas
depois de o cobrar não pode retê-lo: tem de pegar no montante e entrega-lo ao verdadeiro titular. D
DIOGO CASQUEIRO 125
Faculdade de Direito da UCP
(sacador) faz endosso por procuração a P. Este só pode, na data do vencimento a ir ter com A
(aceitante) para receber o valor da letra e pegar nele e entregar a D.
Endosso em garantia ou em penhor não para cobrança, mas feito para garantia, em vez
de entregar outro bem.
Estes dois são não translativos.
Para que o endosso seja não translativo as partes têm de fazer menção expressa desse aspecto:
art. 18º: corolário do princípio da literalidade. Se funcionar como translativo recebe o que pensa que
recebeu em função do que está escrito no papel.
D faz endosso por procuração a E mas sem menção disso. E faz endosso translativo a P,
havendo uma aparência tutelada pela lei uniforme da posição de P. Na hipótese de a letra entrar em
direito de regresso, se P pedir o pagamento a D (sacador), este é obrigado a fazê-lo e não pode objectar
a isso previsto na norma do art. 16º, §2º: se D for desapossado da letra, o seu portador (E), desde
que justifique o seu direito (quem recebe por endosso) não é obrigado a restituí-la (é credor, podendo
dispor do crédito). É aquilo que se chama de desapossamento económico.
Endosso regular endosso em que se consegue confirmar de forma apenas formal, olhando
para o título apenas, se o endosse está ou não bem feito. Há uma relação formal nesta apreciação, em
que se impõe às várias pessoas que intervieram que façam um confronto entre nomes e assinaturas,
com o intuito seguinte: quando o sacador faz o endosso a favor de E é por uma expressão (pague-se a
E), seguida da qual o sacador assina o título. Quando o E faz endosso a favor do P, faz exactamente o
mesmo. Impõe-se que o P quando recebe o título, compare a assinatura do E com o nome que constava
no endosso de D para E. Não é confronto de substância, mas meramente formal.
Quando se falou em protesto é o protesto de falta de pagamento. Mas existe também o
protesto por recusa de aceite.
Quando se diz que a letra só entra na fase patológica se não for paga na data do vencimento,
fala-se na situação típica. Mas há casos em que o portador não tem de esperar pelo vencimento:
condições de vencimento antecipado forte de probabilidade ou certeza de insolvência do devedor ou
de que não vai pagar.
Sumários de PAULO OLAVO CUNHA
26.1. Caracterização
26.1.1. Requisitos da letra
A letra é um título de crédito à ordem, que incorpora um direito de crédito pecuniário – um
valor patrimonial – que se consubstancia na ordem que um sujeito (o sacador) dá a outro (o sacado),
para que este pague à sua ordem, a um terceiro (o tomador) ou à ordem de quem este indicar, uma
DIOGO CASQUEIRO 126
Faculdade de Direito da UCP
determinada quantia no vencimento convencionado.
O art. 1º LULL, pressupondo que a letra é um título formal, estabeleceu os seguintes
requisitos:
1. A palavra “letra” inserta no texto, redigida na língua portuguesa;
2. Um juzo (injunção) para pagar uma quantia determinada;
3. O nome de quem deve pagar (o sacado);
4. Quando deve ser paga: vencimento (época de pagamento);
5. Onde deve ser paga: indicação do lugar do pagamento;
6. O nome do beneficiário: pessoa à ordem de quem deve ser paga (o 1o titular deve ser
normalmente designado);
7. Data e local de emissão;
8. Assinatura do sacador.
Há alguns requisitos cujo suprimento é admitido como o lugar do pagamento [domicílio do
sacado, quando a letra nada refere (art. 2º, III)]. Outros casos de suprimento dizem respeito ao
vencimento (momento do pagamento) e ao lugar do saque (art. 2º II e IV LULL).
26.1.2. Letra em branco e pacto de preenchimento
Letra em branco é aquela que, sendo criada e colocada em circulação sem estar
completamente preenchida, apresenta algumas estipulações cambiárias (essenciais, como o saque e a
própria palavra letra), destinando-se a ser completada até ao seu vencimento.
O preenchimento da letra incompleta deverá ser feito em conformidade com o respectivo
pacto, o qual é para todos os efeitos uma convenção obrigacional informal, que não vincula terceiros.
Os desapossamentos de índole económica, que possam surgir por efeito da violação do pacto
de preenchimento, beneficiam da tutela do art. 10º da LULL.
A letra incompleta não se confunde com a letra em branco aquela não é uma verdadeira
letra. Falta-lhe um requisito fundamental e não lhe subjaz qualquer acordo de preenchimento, tendo
sido objecto de desapossamento e tentativa de colocação em circulação, como se tivesse sido sacada
em branco.
26.2. Regime jurídico
26.2.1. Saque
DIOGO CASQUEIRO 127
Faculdade de Direito da UCP
O saque é o acto de emissão; é a ordem (incondicional – art. 1º, II) dada pelo emitente (que se
chama sacador) a outra pessoa (que se chama sacado) para pagar a letra. É feito pelo preenchimento do
próprio título. Quer dizer, não é preciso indicar-se no título que por esta ordem, ou que por este título,
se dá a seguinte ordem, basta naturalmente que se indique a quantia no local apropriado, e
efectivamente se proceda à assinatura, à aposição do nome.
Um outro aspecto que também é muito interessante, é a de que o saque é sempre
incondicionável, por isso se refere que é um mandato puro e simples. As modalidades do saque art.
3°.
26.2.2. Aceite
O aceite é o acto pelo qual o sacado se vincula ao pagamento de uma letra (perante o portador,
e muitas vezes o portador é o próprio sacador), tornando-se o principal responsável pelo pagamento,
uma vez que o aceitante não tem direito de regresso sobre qualquer dos demais co-obrigados
cambiários. Isto é, é aquela última pessoa que, uma vez verificando-se a vicissitude do não pagamento
no momento da apresentação da letra a pagamento, a deve pagar e, se não o fizer, vai-se encontrar
novamente em último lugar na cadeia cambiária, portanto, no fundo, vai ser responsável perante todos
os demais subscritores cambiários.
26.2.3. Endosso
O endosso forma típica de transmissão dos títulos de crédito à ordem (art. 483º do Código
Comercial), constituindo o meio adequado de circulação da letra (que pode ser transmitida
extracambiariamente no regime da cessão ordinária de créditos, quer dizer, só que aí deixam de se
aplicar as regras próprias da tutela da circulação normal da letra, nomeadamente todas aquelas regras
que tutelam o portador legitimado, por exemplo, ou que consubstanciam a autonomia do direito do
portador).
O endosso é uma declaração unilateral feita, normalmente, no verso ou nas costas do título,
embora não tenha de o ser necessariamente, se bem que se não for no verso terá de ser expressamente
explicitado que a assinatura de um determinado interveniente é feita a título de endosso. De outro
modo, qualquer assinatura constante da face anterior do título será entendida como uma garantia típica
das letras, um aval, que – na falta de indicação do beneficiário – se considera prestada em benefício do
sacador.
Pelo endosso, o endossante transmite ao endossatário a letra, proporcionando o ingresso na
esfera jurídica deste de todas as situações activas que caracterizam a sua posição.
Este é o endosso típico endosso translativo; nesta medida, ele constitui uma ordem de
pagamento da totalidade da quantia inscrita no título, portanto, tal como o saque, o endosso também é
uma ordem de pagamento. T
DIOGO CASQUEIRO 128
Faculdade de Direito da UCP
rata-se de uma ordem de pagamento que é dada para que a quantia inscrita seja paga ao
endossatário ou à sua ordem. E constitui ainda uma outra garantia a promessa de que se o sacado
não honrar a letra no momento do vencimento, e se nenhum dos demais co-obrigados o fizer em vias de
regresso, o endossante vai naturalmente responder perante aquele destinatário da sua declaração de
transmissão, portanto perante o endossatário. Ou seja, em via de regresso o endossante irá assumir a
responsabilidade.
O endosso pode ocorrer até ao momento do pagamento, inclusivamente na data de vencimento
ou nos dois dias úteis seguintes, que são em regra o prazo adequado para ser efectuado o protesto por
falta de pagamento, e isto nos termos do art. 38°, I da LULL.
Mas, para além da função de transmissão, o endosso pode ter outros efeitos, limitando- se o
legitimar o portador, o chamado endosso para cobrança ou por procuração, ou a funcionar como
garantia, o chamado endosso para garantia ou em penhor.
Por sua vez, o endosso pode ser proibido pela inserção, ou pela inscrição, da cláusula "não à
ordem" referida no art. 11º, II, caso em que o endossante não garante o pagamento da quantia inscrita
na letra a quem ela vier a ser ulteriormente endossada nos termos do art. 15º, I.
O endosso é proibido se se estipular a cláusula “não à ordem”, mas efectivamente não vai
afectar o endosso que tenha sido associado à inserção dessa mesma cláusula, proíbe é aquela pessoa
que recebe a letra por efeito do endosso de, ulteriormente, a alienar e continuar a beneficiar da tutela
característica da Lei Uniforme; a partir daí a letra vai transmitir-se no puro regime da cessão ordinária
de créditos.
Finalmente, podemos ainda falar do chamado endosso em branco, que se distingue claramente
da letra em branco, porque aqui não é um aspecto ou uma estipulação da letra que se encontra por
preencher, aqui o endosso em branco traduz-se na assinatura do portador da letra, que neste caso tem de
ser feita necessariamente no verso, ou em anexo do próprio título, portanto numa folha que se agrafe à
letra, sem designar o nome do beneficiário.
Exemplo: Imagine-se que alguém é o tomador de uma letra, portanto é o primeiro
beneficiário, e esse tomador aparece no verso da letra ao escrever o seu nome “X” sem indicar a quem
é que a letra se deve pagar, ou seja, ele endossa em branco.
Como efeito do endosso em branco (art. 14º e art. 13º, II), a letra passará a funcionar como um
verdadeiro título ao portador, a partir daqui quem detiver materialmente o título será o beneficiário
desse mesmo endosso. Por isso, não se designando o (nome do) beneficiário, este pode adoptar uma de
três atitudes possíveis:
a) Preencher o espaço em branco com o seu nome, ou de outra pessoa, exactamente o
DIOGO CASQUEIRO 129
Faculdade de Direito da UCP
mesmo que se passa com um cheque que é passado sem indicar o beneficiário, em que, sendo nós que
recebemos o cheque, podemos indicar o nosso próprio nome por razões de segurança;
b) Endossar novamente em branco, sem preencher o nome como beneficiário colocar
uma outra assinatura por baixo daquela. Qualquer delas seria válida, até porque na realidade se o
endosso foi feito em branco seria sempre beneficiário do endosso aquele que detivesse materialmente o
título e o que deteve materialmente o título resolveu também endossá-lo da mesma forma, outra vez em
branco, apondo mais uma assinatura;
c) Limitar-se a entregar o título a um terceiro, nada fazendo, quer dizer, nada
escrevendo, e portanto foi beneficiário do endosso em branco, mas não quis endossar também em
branco, limitou-se a entregar a um terceiro e com isto obteve exactamente os mesmos efeitos, só que
desaparecendo da cadeia cambiária, porque a seguir presume-se que o endosso terá sido feito em
benefício daquele que surge ulteriormente a assinar o título. O título transmitiu-se, assim, como um
verdadeiro título ao portador.
26.2.4. Aval
Para além do aceite e do endosso, faltará referir o aval. A ideia do aval garantir o crédito
que está consubstanciado no próprio título, isto é, reforçar a convicção de que quem é titular do direito
incorporado no título, de que alguém vai garantir o cumprimento deste título no vencimento, ou
eventualmente até em via de regresso, se necessário for (art. 30º da LULL).
O aval pode ser prestado por qualquer dos intervenientes, ou subscritores, em favor de
qualquer dos obrigados cambiários. A lei estabelece uma presunção de que se não for designado o
beneficiário, se surgir apenas a inscrição "bom para aval", com uma assinatura, não se dizendo em
favor de quem é dado o aval, então a lei estabelece a presunção de que ele é dado em favor do sacador
(art. 31º, IV da LULL), e não, por exemplo, do aceitante que é aquela pessoa que se obriga. Pois não
tem tanto sentido reforçar a obrigação do aceitante, que é o sacado, como de reforçar a obrigação do
sacador.
Aquilo que há de particular no aval, que funciona como uma garantia pessoal do pagamento
da quantia inscrita no título, e convém considerar, a este propósito, o disposto no art. 31º, IV - a ideia
de que se se encontra pendente ou "pendurada" uma assinatura na face anterior do título, entende-se
essa assinatura como um aval dado em benefício do sacador - e uma presunção. Haverá também que
ponderar o disposto no art. 32º, I e II, relativos à responsabilidade do aval, e designadamente à forma
como o avalista responde pela obrigação avalizada.
Por um lado, o aval é dado nos exactos termos da obrigação cambiária que tinha sido
assumida; por outro lado, no aval há uma independência também desta garantia relativamente à
obrigação garantida. Quer dizer, e isso resulta com muita clareza do disposto no art. 32º, II, onde se
DIOGO CASQUEIRO 130
Faculdade de Direito da UCP
diz: «a obrigação do avalista mantém-se mesmo no caso de a obrigação que ele garantir ser nula por
qualquer razão que não seja um vício de forma», isto é, as excepções pessoais do avalizado não vão
aproveitar ao avalista por efeito do princípio da independência das obrigações cambiárias, que não só
resulta, neste caso, do art. 32º, II, mas também do art. 7°.
26.2.5. Vencimento e pagamento
26.2.5.1. Vencimento
A letra pode ter um de quatro tipos de vencimento (art. 33o da LULL):
a) Em data fixa (Exemplo: «Pague-se esta letra no dia 31 de Janeiro de 2011»);
b) A certo termo de data, contando-se o prazo de vencimento sobre a data do saque (Exemplo:
«Pague-se a um ano e dois meses». Se for sacada em 30 de Novembro de 2009, vence-se em 31 de
Janeiro de 2011);
c) À vista, mediante simples apresentação ao sacado; ou
d) A certo termo de vista, a contar da data do aceite. Sobre os tipos de vencimento, arts. 33º a 37o
LULL.
26.2.5.2. Pagamento
Quanto ao pagamento, art. 38º haja um prazo para apresentação da letra a pagamento.
Não é indiferente que a letra se vença num dia e que o respectivo portador e cobrador,
querendo manter os direitos de natureza cambiária que porventura esteja interessado em exercer,
conserve o título sem nada fazer, nomeadamente não reclamando o pagamento.
A lei estabelece um prazo para a letra ser apresentada a pagamento, o qual pode ser reclamado
na data do vencimento, ou num dos dois dias úteis seguintes, tal como resulta do artigo 38°; com a
finalidade de que, se o pagamento não for efectuado, naturalmente se possa manifestar essa situação
através de um acto formal que é lavrado em notário (arts. 119º a 129º-C do C. Not.), é o chamado
protesto da letra, necessário para que possa ser despoletada a circulação anómala da letra, mas ainda no
âmbito da lei uniforme, para se exigir por via de regresso as responsabilidades inerentes aos actos
cambiários entretanto praticados. Serão responsáveis, perante o ultimo portador, todos os endossantes
anteriores da cadeia cambiária.
Quando é que o pagamento desobriga validamente o devedor da quantia inscrita na letra?
É precisamente a propósito do pagamento que se fala de legitimação passiva porque, com toda
aquela autonomia, também é importante o sacado saber quando é que paga bem, para que não se possa
ver na contingência de pagar duas vezes, no caso de ter ocorrido um desapossamento económico ou
DIOGO CASQUEIRO 131
Faculdade de Direito da UCP
físico da letra durante a sua circulação.
Ao pagamento pontual da letra aplica-se o disposto no artigo 40º, III. Resulta que quem paga
no vencimento a letra ao seu portador legítimo só é obrigado verificar a regularidade da sucessão dos
endossos, mas não a assinatura dos endossantes.
Não tem de comprovar a veracidade das assinaturas, mas tem de constatar a regularidade dos
endossos que compõem a cadeia cambiária, pois se se diz "pague-se a João", não poderá aparecer
António a endossar, só poderia aparecer António a endossar se este endosso de António for
subsequente a um endosso em branco. Mas se foi designado um beneficiário terá de ser o próprio
beneficiário a promover o endosso, ainda que se quiser o faça em branco. E para este efeito também se
deve recorrer ao artigo 7°, que estabelece o princípio da independência das obrigações cambiárias.
E quem paga uma letra no vencimento (art. 40o, III, 1ª parte) – fica validamente desobrigado,
salvo se da sua parte tiver havido fraude ou falta grave, isto é, salvo se ele pagar, designadamente, para
prejudicar um terceiro ou se ele ignorava uma circunstância que era impeditiva do cumprimento do seu
dever de obrigado cambiário, mas não a devia ignorar, isto é, ignorava porque não tinha prestado a
devida atenção.
26.2.6. Protesto e direito de regresso
Protesto (art. 44°) pode ocorrer de duas maneiras: por falta de aceite ou por falta de
pagamento.
Se o sacado se recusa a aceitar, a letra entra em crise (art. 43º, III). Significa que, naquele
momento, a pessoa que se destinava a responsabilizar pelo pagamento daquele título, afinal, pura e
simplesmente, se recusa a faze-lo, e então naturalmente que há aqui que ter determinadas cautelas e
reforçar as garantias.
A responsabilidade pelo direito de regresso resulta do art. 47º, I. A acção inerente ao direito de
regresso vem regulada no art. 43°.
27. Referência sucinta à livrança; caracterização e regime jurídico aplicável
A livrança vem regulada na Lei Uniforme (art. 75° e art. 78°).
Relativamente ao impresso é comum estar normalizado pelos Bancos, mas não tem de suceder
assim, não têm de ser necessariamente os Bancos os beneficiários das livranças.
A livrança promessa de pagamento; em tudo mais é como se fosse uma letra.
Artigos 75º e 78º: de acordo com o regime jurídico especificamente previsto para a
livrança, as disposições das letras se aplicam com as devidas adaptações.
DIOGO CASQUEIRO 132
Faculdade de Direito da UCP
Portanto o regime jurídico aplicável é o das letras, só que a livrança não nasce com a aptidão à
circulação. Embora seja apto à circulação não tem essa finalidade.
E por isso consubstancia uma obrigação pessoal do devedor: é uma obrigação pessoal do
devedor perante o beneficiário, e esse também é, por norma, uma instituição de crédito . É, por isso,
frequente, quando por exemplo se recorra ao crédito à habitação, o devedor, para além de celebrar uma
hipoteca (portanto, uma garantia real) sobre o próprio imóvel, ainda constituir-se, em termos gerais,
obrigado através de uma livrança.
28. O cheque
28.1. Enquadramento do tema. Breve nota histórica
28.1.1. A liberdade de forma e usos nos negócios
Nos meios de pagamento em geral, a liberdade de forma, acolhida no art. 219º do Código
Civil e expoente da autonomia privada, deve constituir regra. Não obstante, na prática, predomina a
formalização por escrito desses meios.
Fundamentos a celeridade (algo paradoxalmente), que impõe a normalização dos
instrumentos utilizados, e razões de certeza e segurança estreitamente ligadas ao conhecimento dos
meios padronizados a que se deve (pode) recorrer para efectuar pagamentos.
Para além de outras, constituem fonte dos negócios da banca os usos bancários. O seu valor
jurídico, mesmo para aqueles que recusam ao costume o papel de fonte imediata do Direito, é inegável,
sendo reconhecido pelo art. 3º/1 CC.
28.1.2. Evolução histórica
28.1.2.1. Os primeiros banqueiros e o recurso ao cheque
A origem histórica do cheque é incerta. Em termos geográficos, parece haver um relativo
consenso acerca do local da sua criação ou, pelo menos, divulgação: Itália.
Numa primeira fase (até meados do século XVII), o cheque, como meio de pagamento,
confundiu-se com a letra;
Numa segunda fase, surgiu em França com a "cláusula não à ordem";
E numa terceira fase os dois institutos (cheque e letra de câmbio) foram separados pela
doutrina germânica. Só na segunda metade do século XIX a cláusula à ordem passou a ser essencial. A
ideia a reter, associada também a este título, passou a ser a da preponderância da circulabilidade.
28.1.2.2. O cheque no mundo actual; a cashless society
DIOGO CASQUEIRO 133
Faculdade de Direito da UCP
Os cartões de crédito e as transferências manuais, primeiro, e os meios electrónicos de
pagamento, depois, vieram retirar ao cheque parte do seu protagonismo no mundo contemporâneo.
O dinheiro de plástico deveria conduzir-nos à chamada cashless society ou sociedade sem
numerário, aparentemente mais segura e cómoda.
Por diversas razões tal ainda não aconteceu e com o arrefecimento da “globalização” não
sucederá tão depressa.
28.2. Caracterização do cheque enquanto título de crédito
A impressão que todos temos é que o cheque é uma ordem sobre um banco para que pague ao
emitente ou à pessoa inscrita como (último) beneficiário uma certa importância em dinheiro, à custa de
fundos para o efeito disponíveis.
É um meio de pagamento que se destina a substituir o uso de notas e moedas metálicas
(numerário) na execução de pagamentos.
O cheque é um título que se diferencia da letra, por esta ser à ordem, e da livrança, que é
promessa.
28.3. Fontes
28.3.1. Antecedentes normativos
Código Comercial Veiga Beirão (1888): arts. 341º a 343º e, por remissão, arts. 278º e
seguintes.
28.3.2. A Lei Uniforme de Genebra
O cheque é regulado fundamentalmente por uma Lei Uniforme.
28.3.3. Outros diplomas legais
O cheque é ainda disciplinado pelo Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro (redacção dos
DL 316/97, de 19 de Novembro, DL 323/2001, de 17 de Dezembro, DL 83/2003, de 24 de Abril, e da
Lei 48/2005, de 29 de Agosto).
Importa também chamar a atenção para o Decreto-Lei 13004, de 12 de Janeiro de 1927, cuja
subsistência (ainda que) parcial é discutida na doutrina e jurisprudência, e referenciar o Decreto-Lei
279/2000, de 10 de Novembro, sobre a gestão, destruição e microfilmagem de originais de cheques e
outros títulos pelas Instituições de Crédito.
DIOGO CASQUEIRO 134
Faculdade de Direito da UCP
28.3.4. Avisos e Instruções do Banco de Portugal (BdP)
Finalmente, existem avisos e instruções do Banco de Portugal que desenvolvem ou
pormenorizam diversos aspectos referentes aos cheques, dos quais salientamos os seguintes:
a) Aviso no 1741-C/98 – Fornecimento de cheques e rescisão da convenção (de
cheque);
b) Instrução no 1/98 – Restrição ao uso do cheque;
c) Instrução no 26/2003, de 15 de Outubro de 2003 – Norma técnica do cheque.
28.4. Conceito
Cheque documento (título de crédito) que uma pessoa (sacador) emite à sua ordem, à
ordem de terceiro (caso em que se designa impropriamente por cheque nominativo) ou do portador, isto
é, sem indicação do beneficiário (art. 5º, VI LUC) e que incorpora uma ordem de pagamento
incondicional (art. 1º/2 LUC) de um certo montante em dinheiro, que é dada sobre uma instituição de
crédito (banco sacado), na qual o sacador ou emitente tem constituído um depósito em dinheiro ou
dispõe de crédito (art. 3º da LUC).
A ordem de pagamento pressupõe a existência de:
- um contrato estabelecido entre o Banco (sacado) e o Cliente (sacador), designado
“convenção de cheque”, por força do qual o Cliente, sacando cheques, pode proceder a
pagamentos, com base em fundos disponíveis;
- provisão, correspondente ao crédito que o Cliente/sacador tem sobre o Banco ou
que este lhe concede; portanto, qualquer que seja a natureza que revista (por exemplo,
depósito de dinheiro e abertura de crédito).
28.5. Traços gerais do regime jurídico
28.5.1. Requisitos do cheque (art. 1º LUC)
Não obstante ser invariavelmente representado por um impresso normalizado fornecido pelo
Banco (“módulo”), a lei (LUC) não exige que o cheque revista forma especial, embora não prescinda
de enumerar os requisitos que reputa essenciais (art. 1º):
a. Inserção da palavra “cheque” (correctamente redigida na língua portuguesa);
b. Ordem de pagamento sobre quantia certa (a quantia a pagar);
c. Sujeitos:
DIOGO CASQUEIRO 135
Faculdade de Direito da UCP
I. Sacador (assinatura) e respectiva capacidade;
II. Identificação do sacado (arts. 3º e 54º LUC) [Instituição sacada: Banco
(unicamente)];
III. Portador (eventual);
d. Data e lugar do saque;
e. Lugar do pagamento.
No que se refere aos módulos, há que chamar a atenção para o facto de embora
coloquialmente designados por "cheques", os mesmos não o serem em sentido técnico até se
encontrarem devidamente preenchidos.
O BdP regula não apenas as características que deverá revestir um módulo, como estabelece
regras que limitam a sua atribuição aos interessados (Aviso no 1741-C/98).
28.5.2. Emissão
A emissão de um cheque traduz-se no seu preenchimento e ulterior entrega ao tomador ou
imediata apresentação a pagamento.
28.5.3. Transmissão
O cheque transmite-se por endosso (art. 14º, I LUC) – inscrito no verso (do documento) se não
for emitido à ordem de um determinado beneficiário (art. 16º, II) – e pela simples entrega.
28.5.4. Aspectos característicos do regime jurídico (em face da letra)
28.5.4.1. Qualidade do sacado
O sacado, no cheque, é sempre um banco (arts. 3º e 54º), que só não paga o cheque se não
dispuser de meios para o efeito ou receber uma instrução lícita em contrário (art. 32º): entidade
comercial especialmente idónea que cumpre se não tiver motivo válido para não o fazer.
28.5.4.2. Vencimento e proibição de aceite
Pela sua natureza – tratar-se de um título sempre pagável à vista (art. 28o da LUCh) –, não
está dependente de aceite, o qual é expressamente proibido (art. 4º da LUC). Por ser pagável à vista é
desnecessária a indicação de prazo ou momento do pagamento.
A qualidade do sacado justifica a proibição, por desnecessidade, do aceite.
DIOGO CASQUEIRO 136
Faculdade de Direito da UCP
28.5.4.3. Cheque cruzado e cheque para levar em conta
Nos casos em que se pretende evitar que o cheque seja pago ao respectivo portador, contra a
sua apresentação no balcão, a lei prevê que o cheque possa ser cruzado ou que lhe seja aposta a menção
“para levar em conta”.
Finalidade evitar os danos decorrentes de furto, falsificação ou extravio de título,
impedindo o seu pagamento a um portador ilegítimo.
O cheque cruzado não é necessariamente para depositar em conta.
O cruzamento é efectuado por duas linhas paralelas (em regra oblíquas) traçadas na face do
cheque (art. 37º, I e II LUC).
Têm legitimidade para cruzar (o cheque) o sacador ou qualquer portador.
No caso em que os módulos trazem pré-impresso o cruzamento, por determinação do banco
sacado, nomeadamente quando são disponibilizados por máquinas, depreende-se que o cruzamento é
efectuado pelo sacador que aceita preencher os módulos já cruzados.
Há duas modalidades de cruzamento (arts. 37, III e IV, e 38º LUC):
a) geral – quando se resume à aposição das duas linhas paralelas (sem qualquer inscrição no seu
interior) –, caso em que o cheque só pode ser pago pelo sacado a um banqueiro ou a um seu cliente; ou
b) especial, se entre as linhas paralelas for indicado um banqueiro (por exemplo, “CGD”). Nesta
hipótese, o cheque só pode ser pago pelo sacado ao banqueiro designado ou, se este é o sacado, ao seu
cliente.
Por sua vez, o cheque para levar em conta (art. 39º LUC) é o que tem de ser necessariamente
depositado na conta do beneficiário para ser pago.
28.5.4.4. Cheque visado (art. 6º do Anexo II à Convenção)
Cheque visado a pedido do seu sacador ou do portador, o banco sacado insere uma
menção de “visto”, assegurando assim que o sacador tem fundos disponíveis em depósito equivalentes
à quantia visada.
O banco sacado pode debitar imediatamente a conta do cliente pelo valor do cheque,
transferindo a importância para uma conta de provisão (conta não movimentada, excepto pelo cheque
visado).
28.6. Função e natureza jurídica do cheque
O cheque desempenha uma importante função económica, configurando-se como
DIOGO CASQUEIRO 137
Faculdade de Direito da UCP
instrumento de:
a. levantamento de fundos, isto é, meio de dispor, parcial ou totalmente, das
importâncias depositadas em condições previamente acordadas;
b. pagamento, ou seja, como documento circulatório utilizado em substituição da
moeda;
c. compensação, permitindo liquidações recíprocas através de entidades específicas: as
Câmaras de Compensação.
Acessoriamente, o cheque pode assumir as funções de garantia de uma obrigação ou de meio
de obtenção de crédito.
Natureza o cheque não é pagamento, nem instrumento de crédito; é um meio de
pagamento (uma forma de receber por ordem do sacador), destinando-se a substituir o numerário
(notas e moedas metálicas) na execução dos pagamentos (preço na compra e venda) ou a satisfazer
uma obrigação pecuniária (o que ocorre, por exemplo, nas situações de restituição de quantia mutuada,
de enriquecimento sem causa ou de invalidação de negócio anterior).
28.7. O regime jurídico-penal do cheque sem provisão (DL 454/91, de 28 de Dezembro)
28.7.1. Razão de ser
O cheque surge originariamente com características muito próximas da letra de câmbio. É um
título de crédito, documento necessário para exercer o direito literal e autónomo nele mencionado,
configurando um negócio jurídico abstracto.
É um documento imprescindível para a constituição de direitos, para o seu exercício e
eventual transferência.
A tutela criminal justifica-se por ser um meio de substituição da moeda e por repugnar à
consciência social a sua utilização indevida, como se de verdadeira falsificação ou contrafacção da
moeda se tratasse.
28.7.2. Crime de emissão de cheque sem provisão (art. 11º)
A “emissão de cheque sem provisão” é criminalmente tipificada (art. 11º/1).
28.7.3. O Decreto-Lei 316/97, de 19 de Novembro. Irrelevância das alterações introduzidas ao
regime jurídico-penal do cheque sem provisão no plano jurídico-comercial
Uma das finalidades do Decreto-Lei no 316/97, de 19 de Novembro, foi a de descriminalizar
DIOGO CASQUEIRO 138
Faculdade de Direito da UCP
os cheques pós-datados (art. 11º/3).
Cheque pós-datado introduzido na actividade económica para substituir títulos de crédito
adequados a titular créditos a prazo. Para além de razões de tutela penal e fiscal (que o favoreciam
claramente em confronto com a letra de câmbio), encontrou especial justificação em época de fortes
limitações de vendas a prestações.
Até há alguns anos, os próprios bancos procediam regularmente ao “desconto” (adiantamentos
sobre esses cheques) de cheques com essa natureza, realizando a sua gestão directa ou promovendo
através de sociedades de factoring (subsidiárias) a respectiva apresentação a pagamento.
Para descriminalizar os cheques pós-datados, o legislador passou a exigir que na queixa, de
que depende o procedimento criminal (art. 11º-A/1), se proceda à «indicação dos factos constitutivos
da obrigação subjacente à emissão» do cheque, o que aparentemente coloca em causa a autonomia da
obrigação cartular e a circulabilidade do título.
Cremos que, não obstante o disposto na nova redacção do art. 11º-A (Queixa) o cheque não
perde autonomia, porque enquanto título de crédito não tem de beneficiar de protecção penal
específica. Ele deve circular unicamente com base na confiança que o respectivo beneficiário
tenha no sacador (e, eventualmente, nos demais endossantes do título). Neste sentido, cfr. art. 1º/1, in
fine, do DL 454/91.
No domínio puramente cambiário, nada impede a aceitação de um cheque pós-datado e a sua
apresentação a pagamento antes da data nele aposta, visto que o cheque é pagável à vista (art. 28º
LUC). Por isso, a data constante de um cheque, como sendo a da sua emissão, não tem relevância para
efeitos de pagamento (e circulação normal do título).
28.8. Cheque com função de garantia
Se o cheque for emitido como garantia de uma obrigação, destinando-se a ser devolvido ao
sacador uma vez cumprida essa obrigação, ele será, em princípio, pós-datado, pelo que, no que respeita
à sua validade, tudo dependerá do acordo subjacente, que é invocável nas relações imediatas (art. 22º
LUC).
O cheque dado em garantia pode ser, contudo, emitido em branco, quanto à data, e nesse caso
não será pós-datado, uma vez que só se tem por completo na data do preenchimento.
28.9. O cheque enquanto título de executivo
A reforma do CPC de 95/96 alargou substancialmente as espécies de títulos executivos,
eliminando a referência expressa aos cheques e limitando-se a considerar «os documentos particulares,
assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo
montante seja determinado (...)».
DIOGO CASQUEIRO 139
Faculdade de Direito da UCP
Entretanto, qualquer que seja a solução que a jurisprudência venha a dar à questão, não nos
repugna admitir que, não obstante a prescrição prevista na Lei Uniforme, o cheque possa ter utilidade
como título executivo se traduzir o reconhecimento de uma obrigação pecuniária.
28.10. Cheque e convenção de cheque
28.10.1. Confronto
O cheque, enquanto título de crédito, não se confunde com convenção de cheque, isto é, com
o contrato, expresso ou tácito, pelo qual o depositante fica com o direito de dispor da provisão por meio
de cheque, obrigando-se o banco a pagar cheques até ao limite da quantia disponível (art. 3º da LUC).
28.10.2. Regime jurídico
Regime jurídico a convenção é um acto complexo, cujo conteúdo se desdobra em diversos
direitos e deveres. Inclui o direito do Cliente (sacador) sacar ou dispor dos fundos por meio de cheque
(ou de sacar fundos, emitindo cheques) e os respectivos deveres de diligência de verificar a conta e de
conservar os cheques.
Por sua vez, o Banco tem o direito de lançamento em conta da quantia paga (e eventual
remuneração pelo serviço prestado) e os deveres de pagamento (principal), de informação, de
fiscalização, de rescisão da convenção (em caso de utilização indevida de cheques), de verificação dos
cheques, de não pagar em dinheiro o “cheque para levar em conta” (art. 39º LUC), de informar o
cliente sobre o tratamento do cheque (nomeadamente sobre o «dever de colaboração na investigação»
criminal – art. 13º-A do RJC), de observar a revogação, em certos casos, e de sigilo.
28.11. A revogação do cheque
Revogar um cheque significa proibir o seu pagamento, dando-o como não emitido. Importa
agora ver se o emitente do cheque pode instruir o banco sacado, do qual é cliente, para não proceder ao
respectivo pagamento; e em caso afirmativo, quando é que o pode fazer. O problema da revogação
coloca-se, precisamente, em relação ao momento em que opera (ou pode operar).
O cheque deve ser apresentado a pagamento dentro do prazo estabelecido na lei para o
efeito (art. 29º da LUC), que é, relativamente aos títulos sacados e apresentados a pagamento no espaço
jurídico nacional, de oito dias (art. 29º, I e IV), não se contando o dia da apresentação (art. 56º).
Art. 32º prevê que «a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de
apresentação», pelo que não existem dúvidas sobre a viabilidade da revogação, decorrido que seja esse
prazo. A questão consiste, pois, em apurar se é possível promover a revogação do cheque (com
eficácia) mesmo no decurso do prazo de apresentação.
DIOGO CASQUEIRO 140
Faculdade de Direito da UCP
Consideramos que, até estar concluído o prazo para apresentação, o sacado não só não está
obrigado a obedecer à ordem de revogação, como está vinculado ao cumprimento da obrigação
inerente à sua posição cambiária, devendo proceder ao pagamento do cheque, caso disponha de
provisão (e não exista uma justa causa comprovada para não efectuar o pagamento).
Há que considerar também o contexto jurídico-legal e factual em que se enquadra
sistematicamente o cheque, no qual está omnipresente a tutela da confiança, associada à ideia geral de
circulação do crédito e, mais concretamente, de confiança num meio de pagamento de uso
generalizado.
Conclusão: enquanto título de crédito cambiário, o cheque é irrevogável durante o prazo
de apresentação a pagamento. Por isso, o pagamento do cheque, mesmo contra instruções expressas do
Cliente, constitui obrigação do Banco, se o título é apresentado nesse prazo, inexistindo causa que
justifique atitude diversa do sacado.
Depois de decorrido o prazo de apresentação a pagamento, o cheque pode ser pago, desde que
não tenha sido revogado (art. 32º/2). Contudo, o Banco sacado deve observar eventual revogação que
lhe seja transmitida pelo seu Cliente, visto que o portador do cheque já não beneficia da tutela plena da
LUC.
28.12. A rescisão da convenção de cheque
28.12.1. Obrigatoriedade (arts. 1º e 5º do DL 454/91)
As instituições de crédito (IC) devem rescindir a convenção de cheque que tenham celebrado
com quem ponha em causa o espírito de confiança que deve presidir à sua circulação : quem, agindo em
nome próprio como representante, não procede à regularização da situação decorrente de falta de
pagamento de cheque por si emitido (art. 1º/ do RJC).
28.12.2. Dever de comunicação ao Banco de Portugal (art. 2º, a) do RJC)
Entre outros deveres, as IC são obrigadas a comunicar ao Banco de Portugal os casos de
rescisão de cheque.
28.12.3. Efeitos (arts. 3º, 4º e 6º do RJC)
- Inclusão do infractor em listagem (art. 3º/1).
- Rescisão de todas as outras convenções e proibição de celebração de nova convenção (art.
3/º2).
DIOGO CASQUEIRO 141
Faculdade de Direito da UCP
No entanto, o contrato de depósito é possível sem a convenção, subsistindo mesmo quando a
mesma é objecto de rescisão. Os depósitos bancários passam a ser movimentados por cheque avulso.
28.12.4. Indemnização por prejuízos causados
28.13. Falsificação do cheque
28.13.1. Enunciado da questão
De entre os casos de falta ou inadequação de ordem (eficaz) de pagamento , assume especial
relevo a falsificação, por apresentar especificidade em relação às demais.
Nesta matéria há que equacionar as seguintes vertentes:
a) O significado da vicissitude;
b) O valor da "falsificação", designadamente apurar se, na respectiva ocorrência, há ou não
cheque;
c) Os efeitos [nos planos cartular (Lei Uniforme) e extracambiário (convenção de cheque)];
d) O ressarcimento dos danos, que eventualmente se tenham produzido.
28.13.2. Cheque falso e cheque falsificado; saque irregular
A falsificação do cheque pode revestir diferentes aspectos, respeitando ao próprio saque
(falsificação da assinatura do sacador) ou recaindo sobre outros elementos e requisitos do cheque,
podendo traduzir-se na alteração de uma ou mais das suas menções provocada por quem não tinha
legitimidade para o efeito.
28.13.3. A (falta de) tutela da Lei Uniforme
A LUC não estabelece expressamente um regime aplicável à falsificação do cheque, por não
ter havido acordo nesse sentido.
28.13.4. Efeitos da falsificação: projecção legal
Art. 10º LUC determina a validade do título, independentemente da eventual falsificação,
afirmando o princípio da independência recíproca das subscrições cambiárias (cf. art. 7º LULL).
Trata-se de uma regra de tutela cambiária que visa salvaguardar a posição de terceiros de boa
fé.
DIOGO CASQUEIRO 142
Faculdade de Direito da UCP
28.13.5. A responsabilidade por pagamento de cheque falso e de cheque falsificado
Importa, a este propósito, apurar:
a) Se o banco sacado deve assumir o prejuízo;
b) Se o levantamento ocorrido não vai ser compensado (porque se considera ser o sacador
responsável por tal situação); ou
c) Se o risco deve ser repartido.
No âmbito da Lei Uniforme, não há justa causa para o não pagamento de um cheque
endossável: art. 35º que, não prevendo causas de não pagamento – fraude e má fé –, afastou a
possibilidade de as mesmas serem invocadas para impedir o pagamento devido.
Do mesmo modo, saliente-se que a lei portuguesa não admitiu reservas, diferentemente do que
aconteceu com outras leis.
No domínio das relações imediatas, isto é nos casos de cheque apresentado a pagamento pelo
sacador, não há tutela cambiária, pelo que o art. 35º não é aplicável. Por isso, sempre que o banco tiver
conhecimento, ou deva ter, de que o cheque é falso ou falsificado, não o deve pagar.
Não havendo lugar a tutela cambiária, a questão da falsificação do cheque tem de ser resolvida
pelo recurso aos princípios gerais aplicáveis à actividade bancária, salvo se a convenção de cheque
determinar efeitos específicos.
Em qualquer circunstância, o banco, na qualidade de entidade especializada, deve ser
responsável, excepto se demonstrar que o sacador actuou com culpa ou foi negligente no cumprimento
dos respectivos deveres (designadamente, conservação do livro de cheques). Isto significa que a culpa
leve do sacador não afasta a culpa do banco.
o Banco é responsável sempre que não consiga provar que o sacador agiu com culpa .
Esta teoria baseia-se no risco profissional da actividade bancária. Quem não se pretender
arriscar tanto poderá colher apoio na presunção de culpa estabelecida no art. 799º CC.
Não obstante, diferentes possibilidades poderiam aventar-se:
- O Banco sacado é sempre responsável quando tiver culpa, independentemente de culpa de
qualquer dos intervenientes;
- O Banco só é responsável quando tiver culpa, mesmo que o sacado não tenha culpa.
O problema coloca-se também em saber quem suporta o dano se não houver culpa. E nessa
circunstância deverá prevalecer a culpa inerente ao risco profissional da actividade exercida.
DIOGO CASQUEIRO 143
Faculdade de Direito da UCP
Apenas noções:
CAPÍTULO VI – Direito da Concorrência
29. O mercado e a defesa da concorrência; enquadramento normativo
29.1. A disciplina da concorrência: interesses envolvidos
As leis da concorrência regulam práticas individuais – dizendo quais é que são proibidas – e
práticas concertadas. Neste último aspecto há que considerar o Tratado de Roma.
29.2. Práticas individuais (proibidas)
29.3. Práticas concertadas (colectivas); remissão
30. Práticas concertadas (colectivas)
30.1. A lei da concorrência: Lei no 18/2003, de 11 de Junho
30.1.1. Sistematização
A lei apresenta três vertentes:
- As práticas restritivas proibidas;
- A concentração de empresas (e respectivo controle);
- Órgãos.
30.1.2. Âmbito de aplicação do diploma
a) Actividade económica – exercício permanente ou ocasional, nos sectores privado, público
(também entre empresas públicas) e cooperativo.
b) Território nacional (aplicando-se o Direito comunitário às práticas que afectam o comércio
inter-comunitário).
Agentes – Empresas ou Associações de Empresas.
Noção de empresa. Práticas concertadas (proibidas) e práticas (restritivas) justificadas.
30.2. Práticas concertadas (proibidas)
DIOGO CASQUEIRO 144
Faculdade de Direito da UCP
30.2.1. Caracterização
- Acordos;
- Decisões de associações de empresas; exemplificação;
- Práticas concertadas.
Efeito – Nulidade.
30.2.2. Práticas (restritivas) justificadas (art. 5º)
30.3. Posição dominante abusiva
30.3.1. A posição dominante no mercado [art. 6º, nºs 2, alíneas a) e b)]
Uma ou duas (ou mais) empresas concertadas, que não têm concorrência significativa ou é/são
preponderante(s) em face dos concorrentes ou de terceiros.
No âmbito da lei anterior estabelecia-se uma presunção de posição dominante, por
quantificação.
30.3.2. A posição abusiva
A posição dominante pode ser abusiva independentemente de concertação.
É abusiva, designadamente se verifica a cláusula geral (art. 6º, nº 1) ou se conduza práticas
restritivas [art. 6º, nº 3, a)].
30.4. Dependência económica abusiva (art. 7º)
O que é?
- Exploração abusiva de uma ou mais empresas em relação a outra (fornecedora ou cliente),
que é dependente.
É abusiva a adopção de práticas restritivas (art. 4º, nº 1).
30.5. Auxílios do Estado (art. 13º) Directiva (CEE) 80/723, de 25 VI 1980.
Afastam-se as indemnizações compensatórias.
30.6. Concentração de empresas
DIOGO CASQUEIRO 145
Faculdade de Direito da UCP
30.6.1. Relevância e implicações
A concentração de empresas implica a obrigação de notificar a Autoridade da Concorrência.
30.6.2. Actos relevantes de concentração (art. 8º)
a) Fusão de empresas – de duas ou mais anteriormente independentes;
b) Controle de empresas
– por uma ou mais pessoas (singulares) que controlem uma empresa ou mais;
– aquisição directa ou indirecta do controlo de uma empresa ou de partes.
O controle decorre de qualquer acto que, independentemente da sua forma, isolado ou
conjunto (com outras empresas), permite uma influência determinante noutras empresas.
Exemplos de situações em que haja influência determinante:
- aquisição de capital (todo ou parte);
- controle do activo líquido (direito de propriedade, uso ou fruição);
- acção preponderante nos órgãos da empresa (composição, deliberações), por efeito de direitos
ou contratos.
Não é controle e, logo, não é concentração de empresas (art. 8º/4):
- Recuperação de empresas;
- Pagamento de créditos.
30.6.3. Caracterização
30.6.3.1. Concentração relevante no mercado
Ocorre quando a quota ou o volume de negócios, resultante(s) da operação, é(são) superior(es)
a:
o 30% [art. 9º/1, a)], ou
o € 150 milhões de euros [art. 9º/1, b)].
A empresa relevante para a concentração é a empresa em sentido amplo (art. 2º).
30.6.3.2. Estruturas de dependência empresarial (art. 10º)
DIOGO CASQUEIRO 146
Faculdade de Direito da UCP
O critério de dependência determina-se:
- pela detenção de mais de 50% do capital ou votos da dependente;
- pela possibilidade de designar os membros da administração ou da fiscalização da mesma;
- pelo poder de gerir os negócios da dependente.
30.6.4. Dever de notificação prévia (art. 9º/1)
Ineficácia dos actos de concentração se ocorrer incumprimento.
30.6.5. Proibição de concentração; excepções (art. 5º/2 e 3)
CAPÍTULO VII – Propriedade Industrial
31. Enquadramento da matéria da propriedade industrial
31.1. Relevância e enquadramento da matéria
O mercado da concorrência envolve um paradoxo. Por um lado, implica a liberdade de
produção de bens e serviços e constituição de empresa; por outro, alicerça-se em monopólios, que são
os direitos privativos da propriedade industrial, que se agrupam em duas grandes categorias: as
invenções e os sinais individualizadores ou distintivos (de produtos ou serviços).
A natureza dos direitos privativos radica, pois, na lealdade na concorrência. Os direitos
privativos envolvem interesses públicos (daí os ilícitos penais estabelecidos para a respectiva violação
grave), de empresários e dos consumidores e a sua tutela (dos direito privativos) exige registo.
O consumidor é a razão final do mercado (tal como o aluno/estudante é da Universidade).
Há uma unidade do Direito da Propriedade Industrial que justifica que, em certas
circunstâncias, o direito privativo esteja bem formado, mas exista uma razão para a sua recusa (art.
24º/1, d) CPI). A concorrência desleal verifica-se em muitos casos de violação de direitos privativos,
mas pode ocorrer independentemente daquela.
O Direito da Propriedade Industrial assegura, pois, uma convergência de interesses,
simultaneamente patrimoniais e pessoais (do empresário) – que implicam a exclusividade – e gerais da
economia (e, consequentemente, dos consumidores), que impõem uma concorrência efectiva e leal ou o
regular funcionamento do mercado.
Finalmente, como veremos, a produção económica implica o uso e a transmissibilidade dos
direitos privativos e a concessão de licenças.
31.2. O Código da Propriedade Industrial (2003); sistematização
DIOGO CASQUEIRO 147
Faculdade de Direito da UCP
31.2.1. Aspectos gerais
31.2.2. A Parte Geral
31.2.3. Função social e âmbito da propriedade industrial
A função económica do direito privativo é a de conceder um monopólio ao respectivo titular
(facto que é indiscutível nas invenções).
O âmbito da propriedade industrial (art. 2º) não é o mesmo do Direito Comercial, visto que
naquela é obrigatória a exploração económica.
Por isso, o Direito da propriedade industrial respeita à produção económica no mercado de
concorrência e o direito de monopólio do uso de direitos privativos não é concedido no interesse
exclusivo do empresário, mas sim do mercado, o que justifica e implica o seu uso obrigatório.
31.2.4. Transmissibilidade e utilização das licenças; remissão
A firma – que é um sinal tutelado [marca com firma (ex., Alfred Dunhill)] – não se transmite
com o estabelecimento, excepto se tal for expressamente autorizado.
32. O regime jurídico dos direitos privativos da propriedade industrial e a concorrência desleal
32.1. Caracterização dos direitos privativos da propriedade industrial
32.1.1. Invenções
Invenções consistem em produtos novos ou em processos novos de fazer um produto já
conhecido.
O seu registo designa-se por patente.
A patente pode ser utilizada por pessoa diferente do respectivo titular, através de um contrato
de licença.
32.1.2. A marca
32.1.2.1. Conceito
Marca sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, adequados a
DIOGO CASQUEIRO 148
Faculdade de Direito da UCP
distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (e pode incluir frases
publicitárias com carácter distintivo).
A marca é, pois, um sinal que individualiza um produto, dando a conhecer a sua imagem. E
daí a relevância da publicidade, precisamente porque a imagem se divulga e expande pela publicidade.
É um instrumento de recolha de clientela, que permite uma tutela relativa, para produtos
concorrentes.
A deficiente utilização para produtos diversos, pode prejudicar (P. ex., "Pesticida Chanel").
33.1.2.2. Imitação de marca
A marca registada anterior tem tutela:
- Ao nível do consumidor médio (que não deve incorrer em confusão ou erro), incluindo a nível
de invólucro;
- Relativamente a produtos concorrentes (iguais ou semelhantes) e na mesma classe.
Semelhança a evitar, no conjunto: gráfica, fonética ou figurativa. Ex. Aspirina (Bayer) versus Aspirin.
32.1.2.3. Tutela da marca: o registo
A marca encontra tutela no registo, embora conheça também excepções. Nestas enquadram-
se, positivamente, os casos de tutela de facto, negativamente, a marca anterior (registada) que não teve
uso sério durante cinco anos.
32.1.2.4. Tutela de facto da marca: marca notória, marca de grande prestígio e marca de facto
Tutela de facto da marca baseia-se na Convenção da União de Paris, designadamente na
relação que se estabelece com a tutela da firma (art. 8º; caso Corte Inglês).
A marca notória é tutelada para produtos concorrentes (ex.: Amortecedores Koni). A questão
do abuso da marca notória (ex.: Giletes Kodak). Marca de grande prestígio – marca com função
económica relevante que resulta prejudicada – afirma-se para além da classe a que respeitam os
produtos (exs.: Singer, Phillips, Chanel, Siemens).
A marca de facto (ou marca livre) vale durante seis meses, independentemente de registo.
32.1.3. O logótipo (arts. 304º-A a 304º-S) e a substituição do nome e insígnia do estabelecimento
comercial; remissão
32.1.4. Outros direitos privativos da propriedade industrial
32.1.4.1. As recompensas (arts. 271º-281º)
DIOGO CASQUEIRO 149
Faculdade de Direito da UCP
32.1.4.2. A denominação de origem (arts. 305º a 315º)
32.2. A concorrência desleal
Existe concorrência desleal, independentemente da violação de direitos privativos da
propriedade industrial (art. 24º/1, d)), se um agente económico, com intenção de causar prejuízo a
outrem ou de obter (para si ou para terceiro) um benefício ilegítimo (não sustentado), praticar um acto
de concorrência, contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade.
Actos:
- confusão (ex.: uso de uma marca alheia antes da concessão do respectivo registo);
- descrédito;
- apropriação;
- desorganização (perturbação do normal funcionamento de um agente).
Só em sentido amplíssimo é que se pode afirmar existir concorrência desleal entre toda e
qualquer actividade económica.
A actividade económica deve ser idêntica ou afim. O critério para determinar a identidade ou
afinidade é o de tipo de necessidade que os bens visam satisfazer – relação de substituição e de
complementaridade. Há que procurar o mesmo tipo de clientela.
Interessa assegurar o regular funcionamento do mercado.
Exemplo: A sociedade «Pé-No-Pedal – Comercialização de Veículos de Duas Rodas, Lda»,
com sede em Sangalhos, obteve no INPI, para os velocípedes que fabrica, o registo da marca «Kodak».
Pergunta-se:
a) Pode a decisão do INPI ser atacada com fundamento em violação de um direito privativo da
propriedade industrial?
Não. A marca de grande prestígio não é afectada. No entanto, pode existir concorrência
desleal.
b) Pode a empresa que fabrica as bicicletas «Órbita» reagir contra esse registo ou contra a
venda das bicicletas «Kodak»? Com que fundamento?
A utilização do nome Kodak confunde o consumidor e constitui um acto de apropriação. Para
DIOGO CASQUEIRO 150
Faculdade de Direito da UCP
além disso, prejudica outros fabricantes de bicicletas, pois a marca em questão beneficia da publicidade
do material fotográfico. Acresce que pode prejudicar o próprio fabricante da marca Kodak, provocando
a depreciação desta marca.
32.3. A concorrência e a propriedade industrial
No direito da propriedade industrial verifica-se uma convergência de interesses:
a) patrimoniais e pessoais (do empresário) – que implicam exclusividade –; e
b) gerais da economia (e, consequentemente, dos consumidores) – que implicam
concorrência efectiva e leal (regular funcionamento do mercado).
33. O alargamento da tutela (por via internacional): a Convenção da União de Paris e outros
acordos internacionais
33.1. A Convenção da União de Paris
A equiparação da regulamentação prosseguida por Tratados Internacionais tem a sua origem
na Convenção da União de Paris (1883).
A CUP estabeleceu dois princípios fundamentais:
a) O princípio da tutela mínima (internacional), segundo o qual a tutela se faz directamente nos
países membros, independentemente dos agentes terem estabelecimento num certo país. (exemplo: art.
8º).
b) O princípio da equiparação (art. 3º) que estende a tutela aos empresários que não sejam
nacionais de um país da União e que tenham um estabelecimento num país da União.
A tutela na Europa processa-se através de um agente da propriedade industrial.
33.2. Outros Acordos
33.2.1. Acordo de Madrid (14 de Abril de 1891) relativo ao Registo Internacional de Marcas
33.2.2. Tratado de Cooperação em matéria de Patentes (de 19 de Junho de 1970; em vigor desde
24 de Novembro de 1992)
33.2.3. Acordo TRIPS/ADPIC (15 de Abril de 1994), sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade
Intelectual relacionados com o Comércio (em vigor desde 1 de Janeiro de 1996)
DIOGO CASQUEIRO 151
Faculdade de Direito da UCP
33.2.4. Marca Comunitária (Regulamento do Conselho 40/94, 20 de Dezembro 1993)
33.2.5. Convenção (de Munique) sobre a Patente Europeia (de 5 de Dezembro de 1973; em vigor
desde 1 de Janeiro de 1992)
COUTINHO DE ABREU 20
1. Introdução
Vamos estudar os sinais distintivos de empresas (logótipos e recompensas) e de produtos
(marcas, denominações de origem e indicações geográficas).
Estes signos são agrupados sob a designação genérica de sinais distintivos do comércio. Mas
não são seus privativos, não individualizam somente empresas mercantis; e não são actos de comércio
objectivos, nem são utilizáveis apenas por comerciantes. Daí também a sua inclusão, não no direito
comercial per se, mas no direito de propriedade industrial, regulado pelo CPI.
2. Logótipos
2.1. Noção
Durante muito tempo, o Direito português pôs à disposição dos interessados dois sinais
especificamente individualizadores das empresas em sentido objectivo: nome dos estabelecimento e
insígnia de estabelecimento.
O logótipo fez a sua estreia no CPI 1995 (arts. 246º a 248º) e mantém-se no de 2003. Na sua
versão original aplicavam-se os arts. 301º e 304º e por remissão eram aplicáveis as disposições
relativas aos nomes e insígnias de estabelecimento. Pelo que os três sinais distintivos coexistiam.
Entretanto, o CPI sofreu alterações. Uma delas, operada pelo DL 143/2008 efectuou a fusão
das três modalidades numa só: logótipos.
Por isto podemos afirmar que o logótipo é signo susceptível de representação gráfica para
distinguir “entidade” ou sujeito e, eventualmente, estabelecimento(s) deste (arts. 304º-A e 304º-B CPI).
Serve primordialmente para distinguir sujeitos que prestem serviços ou produzam bens
destinados ao mercado (art. 304º-A/2).
O titular de logótipo não tem de ser empresário: não tem de ter empresa ou estabelecimento.
Quando o tenha, é natural que tenha logótipo para o individualizar de outros estabelecimentos (art.
304º-A/2, 2ª parte): pode ser utilizado, nomeadamente, em estabelecimentos, anúncios, impressos ou
correspondência.
20 COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. I, Almdina, 7ª edição, Coimbra, 2009, pp. 351 a 418.
DIOGO CASQUEIRO 152
Faculdade de Direito da UCP
Podemos pois dizer que o logótipo é normalmente sinal distintivo bifuncional: distingue
sujeitos e estabelecimentos.
Um mesmo sujeito, que apenas pode ter uma firma ou denominação, pode ter vários logótipos
(art. 304º-C/2), para permitir que um sujeito com diversos estabelecimentos individualize cada um com
logótipo diferente. Mas uma entidade, com um ou mais estabelecimentos, pode aceder à pluralidade de
logótipos.
2.2. Composição e princípios enformadores
2.2.1. Elementos componentes
Art. 304º-A/1 são possíveis logótipos nominativos (compostos por nomes ou palavras dos
respectivos titulares), figurativos (figuras ou desenhos) e mistos. Nisto aproximam-se das marcas (art.
222º/1) e afastam-se das formas e denominações – sempre nominativas.
A listagem do artigo não é taxativa, podendo ser constituídos por outros sinais graficamente
representáveis: conjuntos de letras e/ou números, combinações de cores e certos sons ou formas
tridimensionais. Mas não formas de produtos que podem constituir marcas – arts. 222º/1 e 223º/1, b).
2.2.2. Princípio da capacidade distintiva
Os logótipos hão-de ser constituídos de forma a desempenharem a sua função
individualizador-diferenciadora (art. 304º-A/2).
Falta de capacidade distintiva determina a sua não registabilidade por composição
exclusivamente formada de sinais referidos a entidade, estabelecimento, actividade ou produtos que
específicos, genéricos ou que tenha tornado de uso comum, ou sejam de natureza formal, funcional ou
esteticamente necessária de algo, ou sejam cores simples art. 223º/1, b) a e), ex vi art. 304º-H/1, b) e
c).
São excepcionalmente registáveis aqueles que, estando nestas condições, tenham adquirido
carácter distintivo antes do registo e depois do uso e publicidade que deles haja sido feito (secondary
meaning) art. 304º-H/2.
2.2.3. Princípio da verdade
Não é registável o logótipo enganoso não tem de conter indicações acerca da natureza,
composição e actividade do seu titular, mas se as tiver, essas indicações devem ser verdadeiras.
Assim, não será registável o logótipo que contenha sinais susceptíveis de induzir em erro o
público sobre a actividade exercida pela entidade (art. 304º-H/3, d)); a bandeira nacional, quando leve
DIOGO CASQUEIRO 153
Faculdade de Direito da UCP
a, erroneamente, supor que produtos têm a proveniência nacional (nº 5, a) e b)); nomes ou retratos de
pessoas sem autorização (art. 304º-I/1, d)); referencia a determinado prédio que não pertença ao
requerente do registo (art. 304º-I/3, c)).
2.2.4. Princípio da novidade
O logótipo de um sujeito deve ser distinto, inconfundível e novo relativamente logótipos de
outros sujeitos.
Art. 304º-I/1, a) fundamenta a recusa de registo a reprodução ou imitação de logótipo
anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cujo actividade seja idêntica à
entidade que se pretende distinguir.
Um logótipo não é novo quando, atendendo à sua grafia, sonoridade, figuração ou ideografia,
o consumidor medio não consegue distingui-los, antes os confunde ou, não os confundindo, crê
erroneamente que referem duas entidades especialmente relacionadas.
resulta da norma que a novidade apenas é exigida em entidades com actividades afins ou
idênticas (princípio da especialidade). Em actividades diferentes, pode haver dois logótipos iguais ou
semelhantes. Mas há excepções:
1. Fundamenta a recusa de registo, o logótipo que seja confundível com um anterior que
goze de prestigio no país, quando o posterior pudesse beneficiar indevidamente do
carácter distintivo ou prestigio do anterior, ou pudesse prejudica-los (art. 304º-I/2,
remetendo para o art. 242º);
2. Mesmo quando as actividades sejam idênticas, pode um sujeito conseguir o registo
válido de um logótipo confundível com um anterior, desde que o respectivo titular
nisso consinta art. 304º-J, com remissão para o art. 243º.
2.2.5. Princípio da licitude (residual)
Art. 304º-I fundamenta a recusa de registo a reprodução ou imitação de marca
anteriormente registada por outrem para produtos idênticos ou afins aos produzidos ou fornecidos pela
entidade que pretende o registo de logótipo, se for susceptível de induzir o consumidor em erro (nº 1,
b)); a infracção de outros direitos de propriedade industrial ou direitos de autor (nº 1, c) e nº 3, b)); a
reprodução ou imitação não autorizadas de firma ou denominação alheias, se puder por o consumidor
em erro (nº 3, a)).
Art. 304º-H é recusado o registo quando contenha símbolos, brasões, emblemas ou
distinções, salvo autorização (nº 3, a) e b)); expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública
e bons costumes (nº 3, c)); a Bandeira Nacional ou alguns dos seus elementos (nº 4).
DIOGO CASQUEIRO 154
Faculdade de Direito da UCP
2.3. Conteúdo e extensão do direito sobre logótipo
O Direito de Propriedade sobre logótipo constitui-se pelo registo do mesmo no INPI: dura por
dez anos, indefinidamente renovável por iguais períodos (art. 304º-L).
O seu titular pode usá-lo para se dar a conhecer (estabelecimento, anúncios, impressos,
correspondência – art. 304º-A/2). E tem, por força do art. 304º-N, o direito de impedir terceiros de usar
sem o seu consentimento, qualquer sinal idêntico ou confundível. Para ter este direito, devem verificar-
se os dois requisitos: (1) é impedido o uso, em actividade económica, de signos confundíveis em
função distintiva; (2) quando esse uso possa ser susceptível de induzir os consumidores em erro ou
confusão.
A protecção do seu titular tem legitimidade para reclamar contra pedido do registo, bem
como requerer judicialmente a anulação do registo de tais sinais (art. 304º-R/1, 266º/1 e 239º/1); tem
direito a exigir judicialmente que os terceiros deixem de usar os referidos sinais (art. 304º-N) e,
havendo dano, de o indemnizarem (art. 338º-L); a propriedade de logótipo é tutelada contra-
ordenacionalmente.
2.4. Transmissão dos logótipos
Art. 304º-P/1 um logótipo não usado em estabelecimento pode ser transmitido
autonomamente, salvo se tal for susceptível de induzir os consumidores em erro quanto à
individualização do transmissário. Haverá possibilidade de indução em erro ou confusão quando, por
exemplo, o logótipo contém nome, firma ou denominação do transmitente.
Nº 2 estando ligado a um estabelecimento só com ele ou parte dele se pode transmitir.
Transmitido o estabelecimento, o logótipo vai com ele, salvo o caso dos arts. 304º-P/3 e 31º/5.
Art. 31º/6 a transmissão inter vivos deve ser provada por escrito
A transmissão está sujeita a averbamento no INPI (art. 30º/1, a)), só depois dele produzindo
efeitos quanto a terceiros – nº 2.
2.5. Extinção do direito sobre o logótipo
Art. 304º-Q/1 o registo é nulo nas hipóteses do art. 33º/1 ou quando tenha sido concedido
com violação do art. 304º-H/1, 3, 4 e 5.
É invocável a todo o tempo por qualquer interessado e a declaração tem de ser judicial (arts.
33º/2 e 35º/1).
Art. 304º-R/1 o registo é anulável quando tenha sido desrespeitado o art. 304º-I.
A anulação pode ser proposta pelo MP ou qualquer interessado (art. 35º/2) no prazo de dez
anos desde o despacho da concessão do registo; mas não prescreve se o pedido de registo tiver sido
feito de má fé – art. 304º-R/2 e 3.
DIOGO CASQUEIRO 155
Faculdade de Direito da UCP
Art. 37º/1 o registo caduca se decorrer o seu prazo de duração ou por falta de pagamento de
taxas. E caduca ainda nos casos do art. 304º-S. O caso previsto na alínea a) do preceito é estranho,
dado que o logótipo é distinto e autónomo do estabelecimento: assim, parece que em determinadas
hipóteses bastará a interpretação restritiva do preceito, enquanto que noutras deve ser o mesmo
interpretado revogatoriamente.
Art. 38º o titular pode ainda renunciar a ele.
3. Marcas
3.1. Noção, espécies, funções
Marcas signos ou sinais susceptíveis de representação gráfica destinados sobretudo a
distinguir certos produtos de outros produtos idênticos ou afins.
Se bem que esta definição se afasta um pouco da que vem consagrada no art. 222º/1 CPI.
Espécies de Marcas
natureza das actividades marcas de industria (assinalam produtos da industria
transformadora e extractiva), de comércio (assinalam bens comercializados por grossistas e retalhistas),
de agricultura (assinalam produtos agrícolas em sentido amplo), de serviços (assinalam actividades do
sector terciário): art. 225º, a), b), c) e e) .
Elementos componentes nominativas (formadas por nomes ou palavras), figurativas
(formadas por figuras ou desenhos), marcas constituídas por letras, números ou cores, mistas (juntam
elementos das anteriores), auditivas (constituídas por sons representáveis graficamente),
tridimensionais ou de forma, simples (formadas por um só elemento, nominativo, figurativo...) e
complexas (compostas por vários elementos do mesmo género ou não): arts. 222º, 223/1, b) e e) .
Possíveis titulares destes sinais podem pertencer a empresários e a não empresários. Neste
sentido vai a letra do art. 225º, ao utilizar a expressão “designadamente”.
Ao lado das marcas individuais é costume colocar as marcas colectivas (que não costumam
pertencer a sujeitos empresários). Cada marca colectiva pertence a apenas um só sujeito: mas esse
sujeito há-de ser uma entidade colectiva. São usadas para bens produzidos por diversos e autónomos
sujeitos. Art. 228º podem ser marcas de associação (pertencem a associações de pessoas singulares
e/ou colectivas e são ou podem ser usadas pelos respectivos associados) e marcas de certificação ou
garantia (pertencem a pessoas colectivas que controlam a existência de determinadas qualidades em
produtos ou que estabelecem normas técnicas a que eles ficam sujeitos).
DIOGO CASQUEIRO 156
Faculdade de Direito da UCP
CARLOS OLAVO não são verdadeiras marcas, pois não visam distinguir os diversos
produtos, antes atestam certas qualidades suas.
PUPO CORREIA limita-a a sua exclusão nas verdadeiras marcas às marcas de
certificação (por falta de função distintiva).
COUTINHO DE ABREU as marcas colectivas individualizam certos produtos
distinguindo-os dos que são lançados no mercado por sujeitos não-membros das associações
respectivas; as diferenças de regimes não sã incompatíveis com a sua qualificação enquanto
marcas. E ainda que não tivessem a função distintiva, seria necessário provar que apenas os
sinais com a função distintiva típica das hodiernas marcas individuais merecem tal
qualificação, o que é, no mínimo, difícil.
Regime de protecção marcas registadas (art. 224º/1) e marcas não registadas, de facto ou
livres. As marcas notórias e as de prestigio, mesmo quando não registadas, gozam de protecção
especial (arts. 241º e 242º).
Já se disse que a sua função principal é distinguir os produtos. Mas como? Em si mesmos, ou
relacionando-os com determinada fonte produtiva ou de proveniência?
Concepção tradicional e dominante a função distintiva das marcas equivale sobretudo a
uma jurídica função de indicação de origem ou proveniência dos produtos (PINTO COELHO e CARLOS
OLAVO ). Esta origem pode ser entendida de forma estrita (empresa) ou de modo alargado (atendendo
às fenómenos das marcas colectivas – de associação – de grupo e das cedidas de licença – não
exclusivas). A função de indicação de origem é a única essencial função das marcas juridicamente
tutelada (as chamadas funções publicitária e de garantia de qualidade seriam tão-só indirecta ou
reflexamente protegidas).
Concepção moderna (FERRER CORREIA ) põe em causa a função de indicação de origem das
marcas (não para negá-la, mas para negar o carácter essencial ou fundamental de tal função). E disse-se
já que marca é por vezes um sinal “anónimo”, sem qualquer menção ao titular ou à empresa 21, que uma
mesma marca pode ser usada por diferentes empresas de um grupo, por diversas empresas a título de
licença...22.
VANZETTI justifica a sua posição anterior: o ordenamento italiano estabelecia uma ligação
umbilical entre marca e empresa desde o momento do pedido do registo até ao momento terminal da
mesma. Perante as alterações legais de 92, que apagam aquela ligação, continuar a falar de uma função
jurídica de indicação de origem da marca é impossível. Acrescenta que um estudo que anteriormente
21 Se bem que este argumento não é definitivo: para o ser, teria ainda de se provar, além do desconhecimento do sujeito, que o público não podia confiar ser sempre o mesmo sujeito a usar a marca para produtos do mesmo tipo.22 Também este argumento não é cabal, sempre se podendo dizer que tal marca indicia ainda a origem alargada dos correspondentes produtos – o público entenderá que os produtos poderão vir, não apenas de uma, mas de várias empresas integrantes de um grupo...
DIOGO CASQUEIRO 157
Faculdade de Direito da UCP
fizera sobre a livre cessão das marcas (no qual defendia que apesar de a cessão ser livre, tal seria um
momento excepcional, para logo de seguida retomar a função de origem, graças ao direito exclusivo de
o novo titular indicar a nova proveniência do produto), não é, agora, muito convincente se a cessão é
livre, não poderá a marca garantir uma origem empresarial constante (o consumidor não pode ter a
certeza de que determinado produto marcado provirá amanha da empresa de que provém hoje).
COUTINHO DE ABREU adepto da doutrina moderna. Acrescenta o seguinte argumento: a
doutrina tradicional (função de origem) falha claramente nas marcas colectivas de certificação (art.
230º CPI), bem como nos casos em que é legítimo dois ou mais sujeitos não ligados por quaisquer
relações jurídico-económicas usarem a mesma marca para produtos idênticos ou semelhantes (art. 243º
e 267º).
Posto isto, a função distintiva das marcas não se confunde com a de indicação de origem ou
proveniência. Esta, embora deva continuar a ser reconhecida, é apenas parte, e apenas eventual,
daquela. Também, as marcas destinam-se a distinguir os produtos através de outras mensagens:
comunicam ideias através de mensagens. O titular e os emissores comunicam por ela ao público algo
respeitante a produtos; comunicam, no mínimo, que os produtos assinalados pela marca são
individualizados e distintos de outros bens da mesma espécie.
A função distintiva é a única função das marcas?
Art. 242º/1 da letra do preceito retira-se que a protecção alargada das marcas de prestigio é
agora assegurada por especifico normativo relativo às marcas. Protecção essa que rompe com o
princípio da especialidade, não se limitando a prevenir ou impedir riscos de confusão. Já não está tanto
em causa a tutela da função distintiva das marcas: o que está em causa é a tutela directa e autónoma da
função atractiva e publicitária excepcional (ou função evocativa por excelência) das marcas de
prestigio. Embora radicadas em determinados produtos, estas marcas ganham asas e libertam-se em
grande medida da função distintiva, aparecendo como símbolos de excelência.
Quanto às marcas de prestígio embora devendo ser conhecidas de parte significativa do
público interessado, tais marcas não têm de ser super-notórias ou célebres; o fenómeno, mais que
quantitativo, é qualitativo. Para serem de prestígio, as marcas, além de notórias, devem gozam de “boa
imagem”, ter boa reputação – assente na boa qualidade dos seus produtos e, eventualmente, na
singularidade e originalidade dos signos.
A protecção especial da marca de prestigio é concedida sempre que o uso da marca posterior
procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestigio da marca, que possa prejudica-los
(art. 242º/1). Não haverá aproveitamento ilícito, impeditivo de registo e uso da marca posterior quando,
designadamente, o titular da marca de prestigio nisso consinta. Já haverá esse proveito ilícito quando o
titular da marca posterior faça supor erroneamente que os produtos assinalados por uma e outra marca
provêm da mesma entidade ou de entidades diversas mas negocialmente relacionadas. E tirará partido
do prestigio da marca reputada quando se verifique transferência da imagem de qualidade e
DIOGO CASQUEIRO 158
Faculdade de Direito da UCP
acreditamento no mercado desta marca para aquela. Por sua vez, o uso do sinal posterior prejudicará o
carácter distintivo da marca de prestigio quando provoque o aguamento ou banalização desta. E
prejudicará o prestigio da marca quando desencadeia indesejáveis associações, por associação a
produtos de inferior qualidade...
outra questão: têm também as marcas uma função de garanti da qualidade directa e
autonomamente tutelada pelo direito?
Resposta tradicional não. A função de garantia não seria autónoma, seria apenas uma
função derivada da função distintiva, precisamente da função de indicação de proveniência –
garantindo a marca a constância da proveniência dos produtos, garante consequentemente a constância
da qualidade dos mesmos produtos; de resto o produtor não estaria impedido de alterar a qualidade dos
produtos marcados.
COUTINHO DE ABREU sim. Por um lado, não se vê como possa negar-se uma autónoma
função de garantia relativamente às marcas colectivas de certificação (arts. 230º, 231º/1, a) CPI). Por
outro lado, quanto às marcas individuais, há que ter em conta o art. 269º/2, b): o registo caduca se, após
a data em que o registo foi efectuado, a marca se tornar susceptível de induzir o público em erro,
nomeadamente acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos... O preceito não
impõe uma constância qualitativa em sentido estrito: são permitidas melhoras qualitativas e também
não são ilícitas pioras não essenciais. Ilícitas são apenas as diminuições de qualidade susceptíveis de
induzir o público em erro: as deteriorações qualitativas sensíveis e ocultas ou não declaradas ao
público. Assim, também as marcas individuais cumprem uma função de qualidade autónoma da função
distintiva.
3.2. Princípios informadores da constituição das marcas
3.2.1. Capacidade distintiva
Um sinal, para ser marca, tem de ser capaz de individualizar e distinguir produtos – arts. 22º e
223º/1, a) CPI.
Por falta de capacidade distintiva não podem ser marcas os sinais que forem constituídos nos
termos descritos pelo art. 223º/1, c): não são marcas os sinais exclusivamente específicos, descritivos e
genéricos.
Específicos signos que designam ou denotam a espécie dos produtos.
Descritivos sinais que se referem directamente a características ou propriedades dos
produtos.
Genéricos sinais que designa um género ou categoria de produtos onde se incluem os
produtos que se pretende marcar com um desses sinais.
DIOGO CASQUEIRO 159
Faculdade de Direito da UCP
Também não podem ser marcas, pela mesma razão, os signos constituídos exclusivamente por
sinais que se tenham tornado de uso comum para designar certos bens.
Quando estrangeiras, as denominações específicas, descritivas, genéricas e de uso comum já
podem valer como marcas? Se forem conhecidas do público nacional ou do círculo de clientes
interessados, a resposta é não. Caso contrário há uma distinção a fazer:
1. Se as denominações pertencerem a uma das línguas comunitário-europeias, parece
que a regra deve ser a da inadmissibilidade das mesmas como marcas Portugal é
do mercado comum onde circulam livremente bens e pessoas; não é lícito assim
ficarem os titulares de marcas registadas no nosso pais beneficiados em face dos
produtores nacionais e estrangeiros sem possibilidade de noutros países registarem e
usarem essas marcas e sem possibilidade de com idêntica facilidade chegarem a
estrangeiros residentes.
2. Se as denominações pertencerem a línguas exóticas ou mortas e muito pouco
conhecidas, já poderão ser marcas – essas denominações aparecem como fantasia e
não como descritivas...
Estes sinais já terão capacidade distintiva se esses elementos forem apenas um dos elementos
das marcas, ao lado de outros com capacidade distintiva (art. 223º/2).
Excepcionalmente, são registáveis marcas exclusivamente compostas destes sinais quando
estes, antes do registo e depois do uso e publicidade que deles foi feito, tenham adquirido carácter ou
capacidade distintiva – art. 238º/3 CPI recepção da doutrina do secondary meaning : um signo sem
significado originário distintivo enquanto marca adquire através de certo uso um segundo sentido,
passando a distinguir em termos de marca determinados produtos.
Quanto às marcas tridimensionais, nem todas as formas são possíveis: não podem ser marcas
as formas sem qualquer capacidade distintiva nem as formas cujo carácter distintivo não releva no
campo das marcas não são marcas as formas natural, funcional ou esteticamente necessárias (art.
223º/1, b)).
Quanto ao artigo:
Forma imposta pela própria natureza do produto (forma natural) forma usual ou
de que se revestem os bens a cujo género ou espécie pertence o produto.
Forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico (forma funcional)
forma dada a um objecto de que resulta um aumento da utilidade ou melhoria do
aproveitamento do mesmo e que poderá ser protegida como uma patente ou como modelo de
utilidade (arts. 51º e ss e 117º e ss).
DIOGO CASQUEIRO 160
Faculdade de Direito da UCP
Forma que confira um valor substancial ao produto forma cujo carácter estético ou
ornamental influi decisivamente no valor comercial dos produtos e que pode ser protegida
(temporariamente) como desenho ou modelo.
Assim, apenas podem ser marcas as formas arbitrárias ou não necessárias.
Assim, por falta de capacidade distintiva, não pode ser marca uma única cor. Mas um
conjunto de cores já o poderá ser desde que de acordo com a norma do art. 223º/1, e).
3.2.2. Verdade
A marca é verdadeira se não for deceptiva ou enganosa.
Art. 238º/4, d) as marcas que, em todos ou alguns dos seus elementos, contenham sinais
como os previstos nessa norma são irregistáveis.
Quanto à proveniência geográfica, que consta da norma, temos de considerar os seguintes
aspectos:
1. O sinal geográfico é verdadeiro pode ser incluído na marca;
2. Os produtos em causa não são originários da localidade ou região indicada pelo sinal
geográfico:
a. O sinal é uma denominação de origem ou uma indicação geográfica (arts.
305º e ss) não pode fazer parte da marca, sendo irregistável porque
deceptiva;
b. Embora não seja denominação de origem nem indicação geográfica, o nome
geográfico é bastante conhecido e pode induzir o público em erro quanto à
proveniência não pode integrar marca registável;
c. O nome geográfico, pouco ou muito conhecido, surge aos olhos do público
como denominação de fantasia ou arbitrária pode fazer parte da marca
porque não é deceptivo.
3.2.3. Licitude (residual)
Art. 238º é recusado o registo de marca que contenha símbolos, brasões, emblemas ou
distinções, salvo autorização (nº 4, a) e b)). É ainda recusado o registo nos casos previstos nos nºs 4, c),
5 e 6, c).
Outros fundamentos de recusa constam do art. 239º. Interessa mencionar especialmente:
DIOGO CASQUEIRO 161
Faculdade de Direito da UCP
1. A reprodução ou imitação em marca de logótipo anteriormente registado pertencente
a sujeito que produz bens idênticos ou afins àqueles a que a marca se destina, se
puder induzir o consumidor em erro (nº 1, b));
2. A infracção de outros direitos de propriedade industrial (nº 1, c));
3. A reprodução de nomes ou retratos de pessoas sem autorização (nº 1, d));
4. A reprodução ou imitação de firma ou denominação que não pertençam ao requerente
da marca não autorizado, se puder induzir o consumidor em erro (nº 2, a));
5. A infracção de direitos de autor (nº 2, b)).
3.2.4. Novidade e Especialidade
Art. 239º/1, a) será recusado o registo de marcas que caiam na previsão desta norma. Têm,
assim, as marcas de ser novas, distintas e inconfundíveis; mas tal novidade apenas tem de afirmar-se no
âmbito de produtos idênticos ou afins (art. 245º/1, b)) princípio da especialidade.
Arts. 239º/1, a) CPI e art. 4º/1 Directiva 89/104/CEE o registo deve ser recusado quando:
1. A marca cujo registo se pretende é idêntica à marca anteriormente registada por
outrem, e os produtos respectivos são também idênticos;
2. Ambas as marcas são idênticas e os produtos são afins, com risco de erro ou
confusão;
3. As marcas são semelhantes e os produtos idênticos, com risco de erro ou confusão;
4. Tanto as marcas e os produtos são semelhantes, havendo a possibilidade de erro ou
confusão.
Problema maior é saber quando existe afinidade entre os produtos, semelhança entre as
marcas e risco de confusão.
São afins ou semelhantes os produtos com natureza ou características próximas e finalidades
idênticas ou similares. São também afins os produtos de natureza marcadamente diversa mas com
finalidades idênticas ou semelhantes: bens concorrentes, sucedâneos. São ainda afins os bens
complementares.
As semelhanças ou parecenças entre as marcas podem ser principalmente de natureza gráfica,
figurativa ou fonética (art. 245º/1, c)). A grafia e/ou fonética interessam para as marcas nominativas e
as constituídas por letras e números, bem como para as marcas mistas, em que elementos daquele
género prevaleçam. Para as figurativas e tridimensionais interessam a figura e a configuração.
No juízo sobre a similitude as marcas devem ser apreciadas global ou sinteticamente; não
devem ser dissecadas analiticamente a fim de excluir elementos que não têm ou têm pouca capacidade
distintiva.
DIOGO CASQUEIRO 162
Faculdade de Direito da UCP
Para que uma marca seja considerada não nova e não registável não basta ser idêntica ou
semelhante a marca anteriormente registada por outrem para produtos idênticos ou afins. É ainda
preciso que essa identidade ou semelhança possa induzir o consumidor em confusão.
O risco de confusão deve ser entendido em sentido lato abarcar o risco de confusão stricto
sensu e o risco de associação. O primeiro dá-se quando os consumidores podem ser induzidos a tomar
uma marca pela outra. O segundo verifica-se quando os consumidores, distinguindo entre os sinais,
ligam um ao outro e um produto ao outro.
O risco de confusão depende de vários factores: tipo de consumidores, grau de semelhança
entre as marcas e entre produtos, e da força e notoriedade da marca registada.
Os consumidores a considerar são aqueles a quem os produtos assinalados com as marcas se
destinam. Depois, há que atender ao consumidor médio.
Releva depois o grau de semelhança. O risco de confusão é tanto maior quanto maior forem as
semelhanças entre os sinais e entre os produtos. E estas hão-de ser correlacionadas: a afinidade entre os
produtos pode ser tanto menor quanto maior for a semelhança entre os sinais e vice-versa.
O risco de confusão é maior quando a marca registada é forte ou muito conhecida: a marca
que se pretende registar tem então de apresentar maiores dissemelhanças a fim de não induzir o público
em erro.
A notoriedade da marca registada releva também: o risco de associação é tanto maior quanto
maior for a notoriedade da marca.
3.3. Conteúdo e extensão do direito sobre marca
3.3.1. Registo
Para que haja direito de propriedade sobre uma marca, ela tem de ser registada no INPI – art.
224º CPI. O processo de registo vem regulado nos arts. 233º e ss.
Tem direito de prioridade para o registo quem primeiro apresentar regularmente o respectivo
pedido (art. 11º). Quem o fizer em qualquer país da União de Paris ou da OMC gozará, para apresentar
o mesmo pedido do direito de prioridade em Portugal durante seis meses a contar do primeiro pedido
(art. 12º CPI). Quem usar marca livre por prazo inferior a seis meses goza de igual prioridade (art.
227º/1 CPI).
Os direitos conferidos pelo registo da marca no nosso país são eficazes em todo o território
nacional (art. 4º/1).
3.3.2. Direitos conferidos pelo registo
DIOGO CASQUEIRO 163
Faculdade de Direito da UCP
o titular de uma marca registada pode usá-la para assinalar os seus produtos, em publicidade,
transmiti-la e cedê-la em licença de exploração (arts. 31º, 32º, 262º e 264º). Pode reclamar contra
pedido de registo feito por outrem de marca idêntica ou semelhante (arts. 236º e 237º), propor a acção
de anulação de registo concedido contra o disposto no art. 239º/1, a) – art. 266º/1 –, requerer
judicialmente medidas inibitórias, bem como indemnizações (art. 338º-L). O titular é protegido
criminal e contra-ordenacionalmente (arts. 323º, 324º, 336 e 319º).
Art. 258º é proibido o uso de sinais confundíveis com a marca registada no exercício de
actividades económicas. Assim, não haverá ofensa do direito à marca quando numa roda de amigos
falamos mal de certa marca... Depois, os sinais confundíveis com marca registada hão-de ser usados
como sinais distintivos, assinalando, distinguindo produtos idênticos ou afins aos assinalados pela
marca registada.
3.3.3. Limitações aos direitos conferidos pelo registo
O titular de marca registada não tem o direito de impedir que terceiros usem na sua actividade
económica o seu próprio nome e endereço ou indicações relativas à espécie, qualidade, quantidade,
destino, valor, proveniência geográfica e outras características dos produtos – apesar de tais signos
serem idênticos ou semelhantes à marca e respeitarem a produtos idênticos ou afins. No entanto, isto é
assim quando o uso seja feito em conformidade com as normas e usos honestos (art. 260º, a) e b)): o
sinais aparecem enquanto distintivos, não enquanto marcas. Deve usá-los conjuntamente com uma
marca própria, que apareça de modo destacado.
O titular da marca registada não tem também o direito de impedir que terceiros usem na sua
actividade económica essa mesma marca (art. 260º/1, c)).
Outra limitação aos direitos conferidos pelo registo decorre do princípio do esgotamento.
A vende para Espanha a preços inferiores aos praticados em Portugal. B adquire alguns desses
bens e volta a vender em Portugal nas mesmas condições de A. Este opõe-se, com fundamento em que
só ele pode usar aquela marca em Portugal. Contra estas oposições se levantou o TJCE: os direitos
conferidos pelas marcas esgotam-se relativamente aos produtos colocados no mercado pelo titular da
marca ou por terceiro com o seu consentimento.
O art. 259º/1 CPI reproduz quase totalmente esta doutrina. Mas é limitada pelo nº 2 do
preceito: casos de alteração do estado das mercadorias impedir-se o titular da marca de reagir
implicaria postergar as funções de indicação de origem, de garantia de qualidade e publicitária que às
marcas se reconhecem.
3.3.4. Protecção das marcas de facto, livres ou não registadas
DIOGO CASQUEIRO 164
Faculdade de Direito da UCP
As marcas de facto, além do direito de prioridade no registo (art. 227º), podem também ser
protegidas pelo disposto no art. 239º/1, e) Acórdão STJ, de 6/7/04, CJ (ASTJ), 2004, t. II, p. 134.
De protecção especial gozam as marcas de facto notoriamente conhecidas: art. 241º/1 e 2.
Estas marcas têm de ser notoriamente conhecidas em Portugal: o conhecimento deve verificar-se no
nosso país. E deve verificar-se nos meios interessados. Tal conhecimento há-de ser notório.
Além de o INPI dever recusar o registo (nº 1), tem o interessado na recusa o poder de
reclamar, depois de registar a sua própria marca (nº 2). Se vier a ser registada, o titular pode pedir
judicialmente a anulação (art. 266º/1 e 2). O terceiro está sujeito a responsabilidade criminal (arts. 323,
d) e 324º).
Protecção semelhante é concedida às marcas de prestigio não registadas – arts. 242º, 266º/1 e
2, 323º, e) e 324º.
3.4. Transmissões e licenças
3.4.1. Transmissões
Hoje pode transmitir-se uma marca sem transmitir a empresa respectiva. A nossa lei consagra
isto, embora com limitações art. 262º/1 e 3.
Trespassando-se um estabelecimento, a marca vai obviamente com ele, o mesmo se passando
com a cedência temporária de exploração do estabelecimento.
A transmissão inter vivos das marcas deve fazer-se por escrito (art. 31º/6). Em qualquer caso,
a transmissão só produz efeitos em relação a terceiros depois do averbamento no INPI (art. 30º/1, a) e
2).
As marcas de facto, por não serem objecto de direito de propriedade não são autonomamente
transmissíveis. Mas, enquanto elementos de empresas, podem com estas ser transmitidas.
3.4.2. Licenças
Defendeu-se entre nós que, na falta de norma legal específica, eram ilícitos os contratos de
licença de exploração das marcas, com base na função de indicção de origem das marcas (sentido
estrito).
Actualmente tal problema não existe, porque elas estão previstas nos arts. 32º e 264º CPI.
Através de contrato pode o titular de marca registada cedê-la a terceiro em licença de uso ou
exploração. Pode ser total ou parcial (para todos ou parte dos produtos para os quais a marca foi
registada), destinada a certa zona ou a todo o território nacional, vigente por todo o prazo do registo ou
por tempo inferior, exclusiva ou não exclusiva art. 32º/1, 5, 6 e 7.
Está sujeito a forma escrita (art. 32º/3) e só produz efeitos a terceiros depois do averbamento
no INPI (art. 30º/1, b) e 2).
DIOGO CASQUEIRO 165
Faculdade de Direito da UCP
O licenciado goza de todas as faculdades do titular mas não pode ceder a sua posição
contratual nem conceder sublicenças (arts. 32º/4, 8 e 9).
3.5. Extinção do registo das marcas ou de direitos dele derivados
3.5.1. Nulidade
Art. 265º/1 CPI o registo é nulo nos casos previstos no art. 33º/1 e quando na sua
concessão seja desrespeitado o art. 238º/1, 4, 5 e 6.
É requerida nos termos dos arts. 33º/2 e 35º/1 e 2. A sua eficácia retroactiva não prejudica os
efeitos produzidos em cumprimento de uma obrigação, de sentença transitada em julgado, de
transacção ou de actos de natureza análoga (art. 36º).
3.5.2. Anulação
Art. 266º/1 o registo é anulável quando viole os arts. 239º a 242º.
Deve ser proposta nos termos do art. 35º/1 e 2 e 266º/4. Mas não prescreve o direito de pedir a
anulação de marca registada com má fé (art. 266º/4).
Art. 267º/1 não se pode opor se tiver tolerado a utilização da marca posterior por um
período de cinco anos consecutivos.
3.5.3. Caducidade
Art. 37º/1 caduca independentemente da causa quando:
1. Tiver decorrido o prazo;
2. Faltar o pagamento de taxas;
Caduca se as respectivas causas forem invocadas (art. 37º/2 e 270º/1):
1. Se a marca não tiver sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos sem
justo motivo (art. 269º/1);
2. Se a marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto para
que foi registada (art. 269º/2, a));
3. Se a marca se tiver tornado deceptiva (art. 269º/2, b)).
3.5.4. Renúncia
DIOGO CASQUEIRO 166
Faculdade de Direito da UCP
Por declaração unilateral receptícia pode o titular da marca renunciar total ou parcialmente ao
direito de propriedade sobre ela (art. 38º/1 e 2). Mas não prejudica os direitos derivados que estejam
averbados, desde que os seus titulares, devidamente notificados, se substituam ao titular do direito
principal, na medida necessária à salvaguarda desses direitos (art. 38º/6).
4. Denominações de origem e indicações geográficas
4.1. Noção
Denominações de origem nome de uma região, de um local determinado, ou em casos
excepcionais, de um país, que serve para designar um produto originário dessa zona, cuja qualidade ou
características se devem essencialmente ao meio geográfico e que é produzido, transformado ou
elaborado na área geográfica delimitada (art. 305º/1 CPI). Também o são certas denominações
tradicionais, geográficas ou não (art. 305º/2).
Indicação geográfica nome de uma região, de um local determinado ou, em casos
excepcionais, de um país, que serve para designar um produto originário desse zona, cuja reputação,
determinada qualidade ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica e que é
produzido, transformado ou elaborado na área geográfica delimitada (art. 305º/3).
A diferença para a denominação geográfica está no facto de estas se identificarem produtos
cuja qualidade global ou características se devem essencialmente ao meio geográfico, enquanto que as
indicações geográficas designam produtos que, embora possam ser produzidos com idêntica qualidade
global noutras zonas, devem a sua fama e certas características à área delimitada de que deriva o nome-
indicação geográfica.
Ambas distinguem produtos. Mas não se confundem com as marcas. As possibilidades de
constituição de marcas são muito mais vastas (art. 222º), enquanto que estas são sempre nominativas e
consistindo quase sempre em nomes de zonas geográficas; as marcas pertencem a sujeitos
determinados e estas são propriedade comum dos residentes ou estabelecidos na área delimitada (art.
305º/4).
4.2. Protecção
A tutela das denominações de origem e das indicações geográficas exige, em regra que elas
estejam registadas. Será concedido se respeitados os requisitos do art. 305º/1, 2 e 3 e conforme
estabelece o art. 308º.
O registo confere o direito de impedir o uso das palavras características deles componentes em
marcas e outros sinais distintivos... (art. 312º/1, a), 2 e 3)
DIOGO CASQUEIRO 167
Faculdade de Direito da UCP
4.3. Extinção
Art. 313º o registo é nulo quando infrinja o art. 308º, b), d) e f).
Art. 314º/1 é anulável quando viole o art. 308º, a), c), e) e g).
Caduca nos termos do art. 315º/1 está em causa uma concepção objectivista. Não estão
sujeitos à caducidade os casos do art. 315º/2.
5. Recompensas
são prémios e títulos de distinção oficiais ou oficialmente reconhecidos concedidos a
empresários por mor da bondade dos respectivos estabelecimentos e/ou produtos (arts. 271º a 273º,
274º, c) e d) e 276º, c)).
Art. 273º são propriedade dos empresários que as recebem. Têm-na independentemente do
registo das mesmas
O registo da recompensa é anulável quando se prove que a mesma não foi concedida ao
sujeito mencionado no registo, ou quando o titulo da recompensa for anulado (art. 280º); caduca com a
revogação ou cancelamento da concessão (art. 281º/1); e o titular pode-lhe renunciar – art. 38º.
DIOGO CASQUEIRO 168