direito do consumo
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Teoria Geral do Direito do Consumo
Contrato: em termos jurídicos, um contrato, consiste num acordo de vontades contrapostas mas
perfeitamente harmonizáveis entre si, com vista à auto-regulamentação dos respetivos interesses.
Princípio da liberdade contratual (art. 405º) é uma aplicação da regra da liberdade negocial,
sendo um corolário do princípio da autonomia privada, só limitado, em termos gerais, nas disposições
dos arts. 280º e ss. CC (art. 398º CC) e em termos especiais, na regulamentação de alguns contratos.
Em virtude deste princípio, ninguém pode ser compelido à realização de um contrato. Esta regra tem
também exceções (ex. art. 410º ss. CC). O princípio da liberdade contratual desdobra-se em vários
aspetos:
a) A possibilidade de as partes contratarem ou não contratarem, como melhor lhes aprouver;
b) A faculdade de, contratando, escolher cada uma delas, livremente, o outro contraente;
c) A possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos
contratos típicos ou paradigmáticos disciplinados na lei ou de incluírem em qualquer destes contratos
paradigmáticos cláusulas divergentes da regulamentação supletiva contida no Código Civil.
Personalidade Jurídica traduz-se precisamente na suscetibilidade de ser titular de direitos e se
estar adstrito a vinculações, art. 66º/1 CC. Fala-se de personalidade para exprimir a qualidade ou
condição jurídica do ente em causa – ente que pode ter ou não ter personalidade. À Personalidade
Jurídica é inerente a Capacidade Jurídica ou a Capacidade de Gozo de direitos (art. 67º CC).
Capacidade jurídica, é a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa é suscetível, art. 67º
CC. A Capacidade divide-se em Capacidade de Gozo, é a medida de direitos e vinculações de que uma
pessoa pode ser titular e a que pode estar adstrita. Capacidade de Exercício, consiste na medida de
direitos e de vinculações que uma pessoa pode exercer por si só pessoal e livremente.
Enquanto na Capacidade de Gozo esta coloca-se no plano abstrato da titularidade de situações
jurídicas, na Capacidade de Exercício estamos já no plano concreto de averiguar em que medida certa
pessoa pode exercer os direitos ou cumprir as obrigações que na verdade lhe podem caber enquanto
sujeito. Pode haver Capacidade de Gozo e não haver Capacidade de Exercício.
A Capacidade Genérica é quando a generalidade dos direitos e das vinculações reconhecidas pela
ordem jurídica. (art. 67º CC). A Capacidade Específica, é a capacidade das pessoas num âmbito mais
restrito de apenas abranger certas categorias e vinculações de direito, ex. Pessoas Coletivas, art.
160º/1 CC.
Definição jurídica de consumidor: Não há uma noção de consumidor a nível nacional ou
internacional. Kennedy dizia que “consumidores, por definição, somos todos nós”. O conceito de
consumidor tem por função definir o âmbito de aplicação dos vários regimes jurídicos nacionais,
europeus e internacionais. E é nesses diplomas que se vão encontrar diversas definições, por
exemplo, “a pessoa singular que atua com fins alheios às suas atividades comerciais ou profissionais”,
sendo entre nós a mais relevante, a constante do art. 2º/1 DLC: “considera-se consumidor todo
aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos,
destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade
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económica que vise a obtenção de benefícios”. Com base nesta definição, o conceito de consumidor
tem de ser analisado em atenção a quatro elementos jurídicos:
O conceito jurídico de consumidor engloba quatro elementos jurídicos a saber:
1- Elemento subjetivo;
2- Elemento objetivo;
3- Elemento teleológico ou finalista;
4- Elemento relacional.
Elemento subjetivo: conforme o próprio nome indica, o elemento subjetivo diz respeito a todas as
pessoas jurídicas singulares ou coletivas que desde que cumpridos os requisitos legais de capacidade
jurídica e personalidade jurídica devem figurar como partes legítimas e interessadas num
determinado contrato de consumo.
Elemento objetivo: tem uma abrangência e importância extremamente relevante, na medida em
que diz respeito a todas as realidades jurídicas que podem ser objeto num contrato de consumo,
nomeadamente, as prestações de serviços, o fornecimento de bens ou mesmo a transmissão de
direitos.
Elemento teleológico ou finalista: em termos jurídicos, este elemento concretiza o âmbito e a
natureza do fim do contrato de consumo, o qual pode ter um fim exclusivamente privado ou um fim
não profissional.
Elemento relacional: este elemento concretiza o elemento teleológico, na medida em que impõe
que a pessoa que exerce uma determinada atividade económica e deste modo presta serviços ou
fornece bens, tem de exercer a mesma com carácter profissional e duradouro.
Contrato de consumo: em termos jurídicos, o contrato de consumo e todo aquele contrato que
incide sobre uma determinada coisa, serviço, bem ou direito destinado a um uso ou finalidade
maioritariamente não profissional de um dos contratantes, ao passo que, o outro contratante atua
no âmbito da sua atividade profissional. Com base nesta definição podemos mencionar que ao nível
dos requisitos de formação do contrato, vigora na ordem jurídica portuguesa o chamado princípio da
liberdade de forma, previsto no art. 219º CC e que nos diz que a validade de uma declaração negocial
não depende da prévia observância de forma especial, pelo que na esmagadora maioria das relações
jurídicas existentes impera o mero consenso. Todavia, o direito do consumo e a as suas regras e
princípios têm exigido nos últimos anos, por questões de certeza e segurança jurídicas, a um certo
ressurgimento do formalismo contratual. E neste âmbito, basta refletirmos nos chamados contratos
de crédito ao consumo, os quais, de acordo com o art. 12º/1 da legislação específica que regula esta
atividade, o DL 133/2009, exige a forma escrita. Além dos contratos sujeitos a uma forma especial,
em muitos casos a lei exige determinadas formalidades específicas dos contratos de consumo,
nomeadamente e no caso em particular da celebração de um contrato de crédito ao consumo, da
entrega ao consumidor e cliente final de um exemplar desse mesmo tipo de contrato. Por outro lado,
mesmo no caso de um contrato de consumo estar legalmente sujeito a uma forma especial,
nomeadamente a forma escrita, a disciplina jurídica do art. 221º CC admite a validade de
determinada cláusulas que não constem no contrato, desde que estejam preenchidos cinco
requisitos cumulativos a saber:
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1- Não obedecerem à forma exigida para o contrato de consumo;
2- Essas cláusulas sejam consideradas cláusulas acessórias, ou seja, não podem incidir sobre o
objeto principal do contrato de consumo;
3- Essas cláusulas sejam anteriores à própria celebração do contrato de consumo;
4- O teor e sentido dessas cláusulas devem corresponder à vontade livre, esclarecida e
ponderada do autor da declaração;
5- Dado a natureza subjacente à realidade económica contida nessas cláusulas, não se pode
aplicar uma forma especial, nomeadamente a forma escrita.
A razão de ser da exigência de uma forma escrita nos contratos de consumo, está intimamente ligada
com os valores e objetivos de proteção dos direitos e expetativas jurídicas dos consumidores.
Igualmente, no âmbito de um contrato de consumo, para que a respetiva declaração negocial seja
válida, é necessário que estejam presentes dois elementos jurídicos:
- A proposta;
- A aceitação.
A proposta: para que em termos jurídicos uma proposta contratual cumpra todos os requisitos
jurídicos, a mesma terá de ser completa, objetiva e formalmente adequada e equilibrada. Neste
sentido, a declaração terá de ser completa dado que deve incluir uma solução jurídica para cada
situação que possa ocorrer no desenvolvimento futuro da relação contratual. Em termos práticos, tal
significa que a introdução de novas cláusulas contratuais para além das que resultam da proposta
inicial não devem ser admitidas, dado que o contrato celebrado entre a parte proponente e a parte
considerada futuro aceitante, devem ser entendidas como as cláusulas necessárias para a obtenção
e formalização do contrato de consumo. Por outro lado, a proposta deve ser objetiva no sentido de
que não permita que, com o ato de aceitação, resultem quaisquer dúvidas acerca da formação e do
conteúdo do contrato de consumo, o que significa que, regra geral, não se devem admitir problemas
futuros sem a respetiva solução.
Proposta no contrato de consumo: o convite para contratar distingue-se da proposta
contratual propriamente dita, na medida em que, a declaração pode não ser completa e deste modo
faltarem alguns elementos ou requisitos essenciais da proposta contratual. Neste sentido, o convite
para contratar não constitui uma declaração diretamente integrada e conexa com um futuro
contrato, mas unicamente uma sugestão para contratar. Todavia, este convite para contratar pode
gerar a chamada “responsabilidade civil pré-contratual”, dado que o seu sentido e teor pode
constituir uma parte significativa de um contrato futuro, designadamente, no âmbito das legítimas
expetativas jurídicas criadas. Em termos práticos, e no âmbito das relações de consumo, os mesmos
iniciam-se com o pedido de um orçamento detalhado e preciso por parte do consumidor, pedido este
que pode consubstanciar um convite para contratar e que por si só não gera responsabilidade pré-
contratual, mas se a empresa ou o profissional despende determinadas quantias ou encargos para
assegurar as realidades contidas no orçamento, pode, desde que provado, suscitar uma situação de
responsabilidade pré-contratual ao público, a qual tem como principal caraterística a dificuldade de
determinação dos seus destinatários e pelo facto de ser uma declaração negocial completa, e
formalmente adequada e bastando a aceitação do destinatário para a conclusão do contrato
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subjacente e cujo regime jurídico se encontra previsto no art. 230º/3 CC. Por outro lado, uma das
caraterísticas da proposta ao público é também o carácter fungível da pessoa do destinatário, em
que existe uma dificuldade acrescida na determinação de um público mais restrito e os objetivos que
se pretendem visar. Um dos exemplos clássicos consiste numa proposta dirigida a todos os membros
de uma associação, sem qualquer distinção da posição que ocupam na mesma ou de qualquer critério
de seleção na sua escolha. Igualmente devemos refletir qual a consequência de o proponente de uma
determinada proposta não dispor dos bens ou serviços necessários e suficientes para satisfazer o
teor e sentido da declaração negocial que havia emitido.
Requisitos do artigo 483º CC (estes requisitos são cumulativos):
por ação
1º - Facto jurídico voluntário
por omissão
2º - Ilicitude. Em termos jurídicos, um ato ilícito consiste no comportamento ou conduta que, pelo
seu desfavor e consequências jurídicas na ordem jurídica, são de tal forma intensas e graves que uma
pessoa com conhecimentos médios entende a gravidade e amplitude do ato praticado, por exemplo
o homicídio;
3º - Ilegalidade: violação de um determinado artigo da lei;
patrimonial
4º - Dano
não patrimonial, danos morais (art. 496º CC). Mas só os que 1“pela sua gravidade” e
que 2“mereçam a tutela do direito”.
5º - Nexo de causalidade entre o facto e o dano, segundo a “teoria da causalidade adequada”.
Se estivermos perante um contrato com eficácia real, a respetiva propriedade transfere-se por mero
efeito do contrato nos termos do art. 408º CC, ao passo que se se tratar de uma coisa genérica a
prestação deve ser exigível enquanto não se extinguirem todos os bens integrados no âmbito do
género acordado.
Aceitação: em termos jurídicos, a aceitação consiste numa declaração dirigida ao proponente e que
reflete uma concordância com a integralidade de todos os aspetos contratualmente relevantes da
proposta apresentada, pelo que, a mesma contém necessariamente 2 requisitos jurídicos, a saber:
1º - a conformidade com a proposta apresentada, e,
2º - a adequação formal da mesma, nos termos do art. 232º CC, que nos diz claramente que as partes
devem acordar sobre o conteúdo de todas as cláusulas sobre as quais se consubstancia o contrato.
Por outro lado, o ato de aceitação não pode modificar os exatos termos da proposta inicial,
aumentando ou restringindo o seu âmbito ou eficácia, sob pena de importar a rejeição da proposta
em causa. Contudo, se a modificação da proposta inicial for suficientemente precisa e objetiva pode
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esta nova proposta ser designada de uma contraproposta, contando que outro sentido não resulte
da declaração inicial nos termos do art. 233º CC (a 2ª parte é uma contraproposta).
Igualmente, a aceitação deve ainda ser formalmente adequada, ou seja, se o contrato estiver sujeito
a uma forma especial, a aceitação tem necessariamente de revestir essa forma para ser eficaz. No
caso do contrato não está sujeito a uma forma especial, é sempre necessário interpretar a proposta
no sentido de concluir o seu sentido relevante de aceitação por parte do destinatário.
A aceitação, tal como qualquer declaração, pode ser expressa ou tácita, nos termos do art. 217º CC,
sendo que, nos termos do art. 234º CC, existem situações em que é dispensada a declaração de
aceitação, logo que a conduta da outra parte, isto é, o destinatário da proposta, mostre claramente
a intensão de aceitar a proposta. Por outro lado deve considerar-se que a aceitação é tácita nas
situações em que se verifica o consumo de um bem ou a utilização de um serviço, ou ainda uma
situação em que se inicia o cumprimento do contrato, através do pagamento do preço ou da
realização de uma prestação.
[muita atenção ao art. 217º CC]
Princípio da boa-fé (muito importante): em termos jurídicos o princípio da boa-fé encontra-se
materializado e desenvolvido em três momentos essenciais do contrato de consumo, a saber:
Desde logo num primeiro momento, ou seja, na sua formação e respetivos preliminares, nos termos
do art. 227º CC, num segundo momento, ou seja, no desenvolvimento e integração da declaração
negocial contida no contrato de consumo, nos termos do art. 239º CC e por último, num terceiro
momento, ou seja, na execução propriamente dita do contrato de consumo, sobretudo ao nível do
cumprimento das obrigações e responsabilidades inerentes ao mesmo, nos termos do art. 762º CC.
Igualmente, a lei estabelece que nos termos do art. 227º CC quem estabelece um negócio com outra
pessoa, deve tento ao nível dos preliminares, como na formação do contrato atuar segundo os
princípios e as regras da boa-fé, pelo que, a letra e espírito vertidas no art. 227º CC, remete-nos para
a chamada responsabilidade por culpa na formação dos contratos ou também chamada por alguma
doutrina a responsabilidade pré-contratual. Neste sentido, durante as fases anteriores à celebração
do contrato de consumo, devemos distinguir duas fases, a saber: uma fase negociatória e por outro
lado uma fase decisória sendo que em ambas o comportamento e conduta dos contraentes deve
orientar-se pelos princípios e valores da lealdade, correção e probidade.
A fase preparatória consiste na preparação do conteúdo do contrato, incluindo nomeadamente
todos os atos preparatórios realizados sem uma intensão de vinculação, como os contatos iniciais
das partes até à formação da proposta contratual definitiva. Por outro lado, a fase decisória consiste
na preparação do conteúdo da emissão das declarações de vontade, mais propriamente as realidades
da proposta e da aceitação nos termos do art. 224º e ss. CC. Em termos práticos, no âmbito das duas
fases anteriormente mencionadas devemos incluir vários deveres jurídicos no âmbito de um contrato
de consumo, como por exemplo o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração, o de abster
da formulação de propostas de contratos nulos por impossibilidade do objeto ou ainda o dever de
comunicar à outra parte a causa de invalidade do contrato de consumo. Igualmente no âmbito da
responsabilidade pré-contratual tutela-se diretamente a realidade social e jurídica da confiança
fundada em que cada uma das partes conduza a negociação segundo os valores e os princípios da
boa fé e por conseguinte, materialize as legítimas expetativas jurídicas criadas, não só no que diz
respeito à validade e eficácia intrínsecas do contrato de consumo, mas igualmente quanto à sua
futura celebração, apoiado nos valores da segurança e da certeza do comércio jurídico. Entre tanto,
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os horizontes da responsabilidade pré-contratual, por força da diversidade e riqueza do comércio
jurídico expandiram-se cada vez mais, pelo que é entendimento da doutrina e jurisprudência atuais,
que devemos englobar no seu conceito, quer as hipóteses de negócio inválido e ineficaz, quer aquelas
em que exista um negócio válido e eficaz, mas surgem no processo de formação danos a reparar ou
até situações em que não se tem celebrado qualquer contrato de consumo, em virtude da rutura da
fase negociatória ou decisória por alguma das partes contraentes. Por outro lado, o princípio da boa-
fé integra um sentido objetivo ou seja tem subjacente uma específica regra de conduta que deve ser
respeitada e observada por ambas as partes no âmbito de um contrato de consumo. Neste sentido,
não basta que cada um dos contraentes adote uma simples atitude de correção, é igualmente
necessário uma colaboração e atitude ativa, no sentido da satisfação das legítimas expetativas
jurídicas criadas, o que exige o conhecimento real e detalhado da situação fatual que constitui o
objeto do contrato de consumo. Situação jurídica um pouco distinta consiste no chamado “dolo
tolerado”, ou seja, aquelas situações contratuais, materializadas em artifícios ou sugestões usuais ou
comuns num determinado setor de atividade económica, pelo que, nos termos da disciplina jurídica
vertida no art. 253º/2 CC, não constituem dolo ilícito as meras sugestões ou artifícios usuais,
dominantes no comércio jurídico, quando não exista nenhum dever jurídico de elucidar ou esclarecer
o consumidor, de acordo com a lei. Por último numa perspetiva contratual podemos mencionar que
a esfera de atuação do art. 227º CC começa onde termina a do art. 253º CC, ou seja, a
responsabilidade pré-contratual apoia-se em fatos e situações que pelo menos num primeiro
momento, não se podem qualificar como integrantes do conceito de dolo tolerado.
Cláusulas contratuais gerais: o modelo jurídico das cláusulas contratuais gerais em Portugal foi
fortemente influenciado pela ordem jurídica alemã, nomeadamente no sentido da proteção
acrescida da figura do consumidor no âmbito de uma economia de mercado de contratos em massa.
Ora é neste contexto histórico que surge a figura dos contratos de adesão, os quais são caraterizados
pela diminuição da liberdade de negociação e de estipulação, correspondente a necessidades
significativas de contratação por parte de empresas ou grupos económicos de grande envergadura
económica, nomeadamente bancos, seguradoras e sociedades financeiras e ainda empresas
prestadoras de serviços e fornecedoras de bens essenciais, designadamente no que diz respeito às
realidades sociais da água, gás, telecomunicações e eletricidade. Ora com base neste enquadramento
podemos mencionar a seguinte definição jurídica de cláusulas contratuais gerais, ou seja, um
conjunto ordenado de cláusulas previamente formadas, de aplicação geral e abstrata e tendo como
objetivo a celebração de uma série indefinida de contratos de adesão de conteúdo amplo e ilimitado.
Por outro lado, a jurisprudência portuguesa tem tratado e refletido com especial cuidado e
profundidade a matéria das cláusulas contratuais gerais, sendo de destacar neste âmbito o acórdão
do STJ de 28 de Abril de 2009, que ao decidir um diferendo jurídico sobre um crédito concedido,
considerou e bem que um contrato de crédito deve ser qualificado como um contrato de adesão, na
medida em que é constituído por um conjunto de cláusulas específicas e pré-determinadas,
destinadas a uma massa de consumidores e que não são suscetíveis de negociação ou alteração
individual. Neste sentido, podemos caraterizar e distinguir o movimento do direito ao consumo do
regime das cláusulas contratuais gerais, na medida em que se o primeiro tem por objeto os
acontecimentos do consumo generalizado, o segundo vai para além desta realidade, dado que regula
e disciplina no âmbito do direito privado as cláusulas impostas a cada um dos contraentes. De facto,
com o surgimento dos contratos em massa, que ocupam todo o ciclo de atividade económica, desde
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a produção ao consumo, necessariamente origina conflitos que o direito tem de responder e
solucionar. Deste modo, as cláusulas contratuais gerais podem consubstanciar, em termos do seu
conteúdo, duas modalidades, a saber:
1ª. A informação sobre o conteúdo das cláusulas, isto é, o contrato de adesão deve conter a
informação necessária e relevante para a integral perceção do conteúdo e sentido desse mesmo
contrato;
2ª. A chamada teoria do abuso, ou seja, as cláusulas contratuais gerais constituem um dos meios
jurídicos que permite realizar o controlo de uma determinada posição em relação a um contraente
mais fraco, ou seja, o critério principal do controlo das cláusulas não é o perigo que representa uma
cláusula pré-formulada, mas sim a superioridade económica ou social de um contraente sobre o
outro. O âmbito de aplicação das cláusulas contratuais gerais está necessariamente relacionado com
a específica posição jurídica de cada um dos contraentes, em que se observa uma disparidade
significativa do poder negocial de cada um dos contraentes, pelo que podemos mencionar que a
verdadeira e efetiva liberdade do consumidor, consiste no ato de aceitação ou não de contratar.
Neste sentido, devemos destacar o conteúdo e interpretação expressos no acórdão do STJ de 10 de
Maio de 2007, que nos transmite que as cláusulas contratuais gerais são caraterizadas por uma total
ausência de negociação e que os destinatários indeterminados das mesmas se limitam a subscrever
ou aceitar o seu conteúdo. Por outro lado, no âmbito dos contratos de adesão é comum a utilização
da expressão jurídica “cláusulas padronizadas”, designação esta de influência e inspiração alemã, no
sentido em que os aderentes destes contratos apenas limitam-se a prestar o assentimento à
disciplina negocial, antecipadamente e de forma inflexível formulada e sem qualquer possibilidade
de intervenção pelo contraente. Por outro lado, a matéria da proteção do consumidor reveste em
Portugal dignidade constitucional, designadamente, nos termos dos artigos 60º e 99º da
Constituição, pelo que, podemos considerar que a inserção dos direitos dos consumidores no
catálogo constitucional dos direitos fundamentais, revela uma indiscutível e inequívoca intensão do
legislador em consagrar os direitos dos consumidores como direitos formalmente fundamentais e
que incluem como elemento central da sua caraterização as pessoas. Neste sentido, ao considerar os
direitos de consumo como direitos fundamentais, aumenta o seu âmbito jurídico de aplicação, ou
seja, não dizem respeito unicamente aos consumidores finais, mas igualmente devem ser
interpretados e aplicados a todos os cidadãos.
Nos termos do art. 67º/1 do Tratado de Lisboa, a União Europeia constitui um espaço de liberdade,
segurança e justiça no respeito dos direitos fundamentais e dos diferentes sistemas e tradições
jurídicas dos Estados Membros. Ora, segundo o princípio da autonomia processual dos Estados
Membros, compete à ordem jurídica de cada Estado designar os órgãos jurisdicionais competentes
e definir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos
direitos para os particulares inclusive o direito do consumo. Neste sentido, na versão atual do Tratado
que institui a Comunidade Europeia, o reforço da defesa dos consumidores constitui um dos
princípios fundamentais do Tratado, mais precisamente nos termos do art. 3º, al. t), e por outro lado
no âmbito das políticas da Comunidade consagradas de forma autónoma e específica, é precisamente
a defesa dos consumidores e das demais situações conexas, nos termos do art. 153º/2 e 3 do Tratado.
Por outro lado, o art. 153º/4 constitui uma base própria, distinta da instituição do Mercado Único,
disposição legal esta que de forma clara e objetiva transmite a ideia que um dos objetivos da União
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Europeia consiste na promoção e defesa dos interesses e direitos dos consumidores, nomeadamente
no que diz respeito ao direito de informação.
O Tribunal de Justiça tem interpretado o art. 153º, no sentido em que o mesmo se encontra redigido
sob a forma de instrução dirigida à Comunidade como previsão da sua política futura, não permitindo
a cada Estado Membro tomar e adotar de forma autónoma medidas que seriam contrárias ao Direito
Comunitário. De forma ainda mais precisa, o Tribunal de Justiça tem reiterado que a competência
atribuída aos Estados Membros nos termos do art. 153º/5 de manterem ou adotarem medidas de
proteção dos consumidores mais rigorosas e restritas que as medidas Comunitárias, apenas dizem
respeito às matérias de complemento e de acompanhamento da política seguida por cada Estado
Membro, não abrangendo deste modo as medidas no âmbito da realização e efetivação do mercado
interno. O direito comunitário do consumo tem ao longo dos tempos de forma contínua e
equilibrada, efetivado a aproximação das ordens jurídicas nacionais com a ordem jurídica
Comunitária em matéria de proteção do consumidor. Neste sentido, o principal instrumento legal
utilizado pela Comunidade no desenvolvimento do direito do consumo, tem sido a Diretiva
comunitária, sendo que, só entre os anos de 1985 e 1999, foram aprovadas 7 Diretivas na área do
direito do consumo, sendo de destacar as seguintes:
Diretiva nº 85/577 do Conselho de 10 de Dezembro de 1985, relativa à matéria da proteção de todos
os consumidores no caso de contratos negociados ou celebrados fora dos estabelecimentos
comerciais. Uma segunda Diretiva que devemos destacar diz respeito à Diretiva nº 87/102 do
Conselho, datada de 22 de Dezembro de 1986 a qual versa sobre uma das matérias que suscita mais
litígios e dificuldade no âmbito do direito do consumo, ou seja, o crédito ao consumo. Por último, a
Diretiva nº 93/13 do Conselho de 5 de Abril de 1993, a qual regula e disciplina todas as matérias
jurídicas relativas à introdução das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores
finais. Ora, o legislador português relativamente a esta Diretiva entendeu que a mesma estava ao
nível da sua transposição assegurada com a introdução do seu conteúdo e sentido no diploma legal
português, que introduziu a matéria das Cláusulas Contratuais Gerais, ou seja, o Decreto Lei nº
446/85 de 25 de Outubro e posteriormente o Decreto Lei nº 220/95 de 31 de Agosto. Todavia, os
nossos tribunais não perfilhavam tal entendimento, pelo que, o legislador nacional viu-se na
necessidade de elaboração de um outro decreto lei, isto é, o Decreto Lei nº 249/99 de 7 de Julho, o
qual veio reconhecer que a aplicação das matérias contidas nas anteriores Diretivas, estava limitada
às cláusulas contratuais gerais destinadas a serem utilizadas por sujeitos indeterminados, sendo que
a proteção contida nas Diretivas iniciais abrangia os contratos dirigidos a pessoa a consumidor
determinado.
Nos termos do art. 249º/3 do Tratado, a Diretiva Comunitária vincula o Estado Membro destinatário
quanto ao resultado a alcançar, deixando no entanto alguma liberdade às instâncias nacionais quanto
à forma e aos meios dessa implementação, por força do princípio da autonomia processual dos
Estados Membros. Ora, a jurisprudência maioritária do Tribunal de Justiça embora a transposição de
uma Diretiva não exija necessariamente uma atuação legislativa de cada Estado Membro é, no
entanto, indispensável que o direito nacional garanta efetivamente a plena aplicação da Diretiva. Por
outras palavras é necessário que a situação jurídica decorrente do direito contido na Diretiva seja
suficientemente clara, objetiva e precisa e igualmente, que os beneficiários da mesma sejam
colocados em situação de conhecer a plenitude dos seus direitos e de os invocar perante os órgãos
jurisdicionais nacionais. Esta última particularidade é especialmente relevante quando a Diretiva em
causa visa conceder direitos aos cidadãos nacionais dos Estados Membros, como é o caso da Diretiva
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que regula a matéria das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. Neste
âmbito e a título meramente exemplificativo, devemos destacar o Processo nº C-144/99, instaurado
pela Comissão Europeia contra a Holanda, por transposição insuficiente da Diretiva nº 93/13 de 5 de
Abril de 1993. Neste processo o Estado holandês em sede de contestação invocou que a sua ordem
jurídica já havia alcançado os fins e os objetivos prosseguidos pela mencionada Diretiva, todavia,
entendeu o tribunal que as disposições legais do direito interno no caso julgado, não têm a mesma
clareza, precisão e objetividade necessárias para satisfazer a exigência de segurança jurídica essencial
no domínio da matéria da proteção dos consumidores.
O Tribunal de Justiça proferiu diversas decisões em matéria de direito do consumo, sendo de destacar
o seguinte acórdão: o primeiro acórdão, o acórdão nº C-240/98 proferido na data de 27 do 6 de 2000
e que tinha como partes por um lado o “Oceano Grupo Editorial” e por outro lado uma pessoa
denominada António Quintero, sendo que a matéria de facto deste processo dizia respeito a um
contrato de compra e venda a prestações, para fins pessoais de uma coleção de livros, tendo a parte
vendedora demandado a parte compradora por incumprimento nesse contrato. Ora, o tribunal
começou por analisar e detetar que esse contrato de compra e venda continha uma cláusula que
atribuía a competência em caso de verificação de litígio, ao tribunal de Barcelona, Cidade onde o
comprador não residia, mas em que estava localizada a sede social da empresa vendedora. Ora, o
tribunal entendeu que uma cláusula com tal conteúdo e se negociação prévia cria um desequilíbrio
significativo entre os direitos e as obrigações das partes outorgantes nesse contrato, pelo que tal
cláusula deve ser considerada como abusiva, por ter como objetivo ou efeito suprimir ou dificultar a
instauração de ações judiciais por parte do consumidor e por outro lado no caso da existência de
litígio, as despesas de custas judiciais em que o consumidor iria incorrer poderiam revelar-se
dissuasivas para a sua vontade inicial de intentar a ação judicial em tribunal, violando deste modo os
arts. 3º e 7º da mencionada Diretiva.
Segundo e último acórdão, foi proferido no âmbito do Processo C-473/00, proferido na data de 21
de Novembro de 2002, o qual tinha como partes por um lado a Cofidis, SA e por outro lado Jean Louis
Fredout, sendo qua a matéria de facto consistia em que a Cofidis havia celebrado com o Jean Louis
Fredout um contrato de abertura de crédito, tendo o réu incorrido em mora desde o ano de 2000,
pelo que, a Cofidis demandou o réu exigindo o pagamento dos montantes em dívida. Considerou o
tribunal francês que diversas cláusulas contidas nesse contrato de crédito eram de tal forma
diminutas que tinham falta de legibilidade e deste modo deveriam ser considerar-se abusivas.
Todavia, tratando-se de uma operação de crédito ao consumo, o tribunal considerou que seria
aplicável o prazo de caducidade de dois anos visto que no código do consumo francês já havia sido
ultrapassado, neste sentido, suscitou-se perante o tribunal de justiça se mesmo expirado o prazo de
caducidade poderia o mesmo conhecer de uma exceção suscitada pelo consumidor, ou seja, o caráter
abusivo de uma cláusula inserida no contrato de consumo. Entendeu o tribunal que nos processos
que têm por objeto a execução de cláusulas abusivas e no âmbito de uma relação de consumo entre
profissionais e consumidores, a fixação do limite temporal de caducidade não pode ser aplicável,
dado que, para privarem os consumidores da proteção cláusulas, bastaria aos profissionais
aguardarem pela finalização do prazo de caducidade fixado pelo legislador nacional e deste modo
poderem continuar a utilizar tais cláusulas nos contratos de crédito ao consumo.
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AS PRÁTICAS RESTRITIVAS DA CONCORRÊNCIA COM IMPACTO NOS DIREITOS DOS
CONSUMIDORES
Em termos jurídicos, devemos destacar três práticas restritivas com impacto nos direitos e
prerrogativas dos consumidores, a saber:
- As práticas concertadas;
- O abuso de posição dominante;
- O abuso de dependência económica.
As práticas concertadas: em termos legais são proibidas as práticas concertadas ou também
designadas por acordos prévios entre empresas, que têm como objeto e finalidade jurídica impedir,
falsear ou restringir a concorrência entre empresas e operadores económicos, de forma integral ou
parcial no seu modo de relacionamento com o mercado e os consumidores. Neste sentido, devemos
destacar as seguintes situações práticas suscetíveis de integrar o conceito jurídico de prática
concertada:
1ª situação: fixar de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda ou ainda interferir
duna sua determinação equitativa, induzindo e provocando artificialmente o aumento ou diminuição
do preço final perante o consumidor;
2ª situação: fixar de forma direta ou indireta, outras condições ou requisitos no âmbito de transação
comercial ao longo do processo de relacionamento entre a empresa e consumidor final;
3ª situação: limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento tecnológico e
científico ou ainda os investimentos a realizar no desenvolvimento de um determinado produto;
4ª situação: de partir os mercados ou as respetivas fontes de rendimento;
5ª situação: aplicar de forma sistemática, reiterada ou ocasional, condições discriminatórias de
preços suscetíveis de desvirtuar a concorrência;
6ª situação: recusar, de forma direta ou indireta, a compra ou venda de bens ou a prestação de
serviços perante o consumidor;
7ª situação: subordinar a celebração de contratos de consumo à prévia aceitação de obrigações
suplementares que, pela sua natureza jurídica ou segundo os usos ou práticas comerciais no setor de
atividade económica em causa, não tem qualquer ligação ou conexão com esses contratos de
consumo.
O abuso de posição dominante: em termos jurídicos, é expressamente proibida a exploração
abusiva, por uma ou mais empresas de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte
substancial do mesmo, tendo por objeto ou efeito jurídico impedir, falsear ou restringir a
concorrência ou os direitos dos consumidores. Neste sentido, podemos considerar que uma empresa
atua no âmbito de uma posição dominante, quando num determinado mercado não sofre uma
concorrência significativa ou por outro lado assume uma preponderância relevante relativamente
aos seus concorrentes. Por outro lado, a doutrina e jurisprudência têm considerado que uma
empresa atua em situação de posição dominante, quando detém 30% do mercado nacional de um
determinado bem ou prestação de serviço ou ainda quando duas ou três empresas detenham,
conjuntamente, pelo menos 50% do mercado nacional. Igualmente, convém precisar que apenas está
preenchido o conceito de posição dominante quando uma determinada empresa a atuar no
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mercado, não disponha de alternativa equivalente para o mesmo bem ou prestação de serviço.
Igualmente, em termos comunitários, a Comissão europeia e o Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias têm entendido que uma empresa atua em situação de posição dominante, quando em
consequência dos seus atos e condutas, cria as condições para a diminuição ou eliminação dos
requisitos de concorrência sobre produtos ou prestações de serviços materialmente equivalentes.
Abuso de dependência económica: em termos jurídicos, existe uma situação de abuso e
dependência económica, quando uma determinada empresa detém o controlo sobre pelo menos
uma outra empresa ou fornecedor, em moldes suscetíveis de desvirtuar a concorrência e prejudicar
os direitos dos consumidores. Neste sentido, caso uma empresa ou conjunto de empresas, embora
juridicamente distintas mantêm entre si laços de interdependência ou de subordinação jurídica ao
nível dos meios de produção ou dos canais de distribuição, podemos estar perante uma situação de
abuso de dependência económica. Por outro lado, no âmbito de uma operação de concentração de
empresas, para que o resultado da mesma não seja suscetível de configurar uma situação de abuso
de dependência económica, é necessário que se respeitem determinados requisitos, a saber:
1º. A notificação prévia à autoridade da concorrência sobre as condições, objeto e amplitude dessa
projetada operação de concentração;
2º. Que a operação de concentração em causa não seja suscetível de afetar uma parte substancial
do mercado e deste modo impedir, falsear ou restringir a concorrência e os direitos dos
consumidores;
3º. Caso se verifique uma situação suscetível de abuso de dependência económica, as empresas em
causa têm obrigatoriamente de adotar as medidas jurídicas adequadas ao estabelecimento de uma
concorrência equilibrada e efetiva, designadamente a separação das empresas ou dos ativos
subjacentes.
Por último, caso sejam praticados negócios jurídicos entre empresas suscetíveis de configurarem
uma situação de abuso de dependência económica, a mesma sofre do vício de nulidade, cabendo
apenas o direito a ser indemnizados os clientes, consumidores finais ou empresas concorrentes que
considerem ter sido prejudicados pela empresa que atuou no âmbito da prática de uma situação de
abuso de dependência económica.
Preço de transferência: é uma figura jurídica que pretende defender a concorrência. Traduz o valor
cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços ou propriedade intangível, a
empresa a ela relacionada. Tratando-se de preços que não se negociaram em um mercado livre e
aberto, podem eles desviar-se daqueles que teriam sido acertados entre parceiros comerciais não
relacionados, em transações comparáveis nas mesmas circunstâncias. De acordo com Emmanuel e
Mehadfi: Talvez a definição mais completa do que seja um preço de transferência é a de que ele é a
expressão monetária da movimentação de bens e serviços entre unidades organizacionais de uma
mesma empresa. Assim se uma empresa pretender adquirir bens ou serviços dentro do mesmo grupo
de empresas a que pertence em situação mais vantajosa, não o pode fazer, pois juridicamente são
entidades distintas. Então os preços têm de ser idênticos aos dos outros concorrentes.
[Por exemplo, a SONAE SGPS gere as participações sociais de empresas do mesmo grupo: NOS,
Continente, Worten, Zippy. Mas caso uma dessas empresas queira adquirir, por exemplo, telemóveis
a outra empresa do mesmo grupo, a preços mais favoráveis, do que os praticados pela concorrência,
não o pode fazer, pois cada uma das empresas do grupo é independente juridicamente das outras,
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na sua personalidade jurídica, administração e autonomia negocial, etc. E entre elas têm de negociar
pelas mesmas regras que regem o mercado e preços que vigoram para as demais empresas
concorrentes].
COMÉRCIO ELETRÓNICO NA PERSPECTIVA DO DIREITO DO CONSUMO
Comércio electrónico: em termos jurídicos, o comércio electrónico consiste numa modalidade
jurídica que recorre aos recentes meios tecnológicos, com vista ao desenvolvimento da actividade de
intermediação entre, por um lado, a produção e por outro, a realidade do consumo de bens.
Ora, o primeiro conceito jurídico de comércio eletrónico foi avançado pelo chamado “ISAC”
(Information Society Activity Centre), que nos disse que este tipo de modalidade jurídica consiste em
qualquer forma de transacção comercial em que os diversos intervenientes interagem por via
electrónica e não através de um contacto ou relacionamento físico. Por outro lado, a doutrina mais
recente enquadra o comércio electrónico num conceito mais amplo de livre prestação de serviços no
âmbito da sociedade contemporânea, pelo que, neste sentido podemos destacar três elementos
jurídicos essenciais na caracterização do comércio electrónico, a saber:
1º. São serviços prestados contra uma remuneração à distância, ou seja, sem a presença simultânea
das partes outorgantes no contrato de consumo;
2º. São serviços prestados por via electrónica, designadamente através do recurso à internet;
3º. Existe um pedido individual do chamado destinatário final dos serviços, ou seja, estamos sempre
perante a manifestação de um acto de vontade por parte do destinatário do serviço ou bem de
consumo em causa.
Modalidades do comércio electrónico: em termos jurídicos, podemos identificar quatro
modalidades do comércio electrónico, a saber:
1ª. O comércio electrónico empresa a empresa, isto é, nesta primeira modalidade uma determinada
empresa através e por intermédio da sua rede de comunicações privada, realiza uma determinada
encomenda ao seu fornecedor, recebe facturas ou mesmo tem a faculdade e a possibilidade de
realizar pagamentos;
2ª. O comércio electrónico empresa/consumidor, ou seja, trata-se de uma modalidade que está
intimamente ligada com o comércio a retalho e a economia real, designadamente, nos sectores
económicos da distribuição e da prestação de serviços;
3ª. O comércio electrónico empresa/administração pública, ou seja, nesta modalidade estamos
perante uma situação jurídica que regula todas as relações comerciais entre as empresas e as diversas
entidades governamentais. Embora se trate actualmente de uma modalidade que poderia estar mais
desenvolvida, é extremamente provável o seu crescimento a curto prazo sobretudo ao nível do
anúncio de concursos públicos ou respectiva classificação dos candidatos no sítio oficial do Governo;
4ª. O comércio electrónico consumidor/administração pública. Este tipo de comércio electrónico
consiste no facto de os serviços da administração pública e os diversos institutos públicos integrantes
do Estado, disponibilizarem sites e endereços electrónicos com vista à realização dos necessários
contactos entre os mesmos e os diversos consumidores.
Em termos práticos, suscitam-se diversas questões jurídicas no âmbito do comércio electrónico em
particular no que diz respeito às transacções nos contractos de consumo e se são verdadeiros
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contratos, suportados por um suporte técnico virtual e não físico. Efetivamente, são geradas efetivas
relações jurídicas pelo comércio eletrónico, o qual não constituindo uma nova fonte de relações
jurídicas, é no entanto uma realidade que configura e determina a criação de uma relação jurídica
entre uma empresa e um consumidor final, sem a existência de um contacto físico, mas na qual
podemos identificar três elementos jurídicos numa relação jurídica de comércio electrónico, a saber:
1º. A identidade das partes outorgantes no contrato de consumo, ou seja, ambas as partes têm
personalidade e capacidade jurídicas, bem como, competência para a prática dos respectivos actos
negociais;
2º. A prova do contrato, designadamente, no que diz respeito às realidades da sua conclusão.ao seu
conteúdo contratual, as cláusulas jurídicas efectivamente convencionadas, os direitos e obrigações
das partes, a data de celebração do contrato e por último o local da sua celebração;
3º. A jurisdição competente, bem como a legislação aplicável.
Igualmente, no âmbito do comércio electrónico suscitam-se diversas questões contratuais,
sobretudo ao nível da segurança e certeza jurídica em especial quanto à incerteza da real identidade
das partes outorgantes ou mesmo dos rigorosos direitos e obrigações de cada uma das partes,
todavia, estas matérias têm sido nos últimos tempos relativamente clarificadas e resolvidas,
sobretudo com recurso à chamada assinatura digital ou mesmo a utilização de palavras-passe que
permitam realizar transacções comerciais através de contratos de consumo.
MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS NO ÂMBITO DO DIREITO DOS
CONSUMIDORES
Em Portugal o recurso aos tribunais comuns por parte das empresas e dos próprios consumidores na
resolução de litígios tem vindo progressivamente e nos últimos anos a ser substituído pelos
chamados meios alternativos de resolução de litígios, os quais têm por fundamento questões de
simplificação e celeridade processuais, o montante diminuto dos processos em litígio e por último a
transferência legal de competências para instâncias não judiciais.
Ora, é com este enquadramento que é ainda a resolução do Conselho de Ministros nº 75/2001, de 5
de Dezembro, a qual veio reafirmar o firme propósito de provocar e incentivar a resolução de litígios
por meios alternativos, abrindo deste modo o caminho para a consagração de quatro modalidades,
a saber:
- A conciliação;
- A arbitragem;
- A mediação;
- Os julgados de paz.
A conciliação: em termos jurídicos, a modalidade da conciliação consiste num meio extrajudicial,
alternativo à intervenção dos tribunais comuns e no âmbito da qual as partes em conflito, com ou
sem intervenção de uma terceira parte, tentam alcançar e produzir uma solução jurídica equilibrada
e satisfatória para o seu conflito. Quando ocorre a intervenção de uma terceira pessoa imparcial,
denominado o conciliador, este conduz o processo em conjunto e em articulação com as partes em
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litígio, convidando-as a discutir e refletir nos aspetos que os separam e sugerindo ou ajudando a que
de forma voluntária, alcancem um acordo extrajudicial. Em termos práticos e em bom rigor, o
conciliador observa e estuda os chamados elementos objetivos do litígio, estimulando uma solução
rápida e célere da questão de fundo e acompanha as partes em conflito ao propor uma solução
jurídica para o litígio, com vista a alcançar um acordo final que é da inteira responsabilidade das
partes em litígio. Por último, convém precisar que o acordo resultante da atividade de conciliação
não tem natureza vinculativa, exceto, se existir uma convenção de arbitragem que preveja a
conciliação e a mesma obtiver sucesso, então as partes em conflito podem requerer que o árbitro
seja nomeado conciliador e em seguida proceder à homologação do acordo alcançado através de
sentença arbitral.
A arbitragem: o processo arbitral tem uma natureza jurídica voluntária, ou seja, as partes em litígio
aceitam voluntariamente submeter ao sistema arbitral e resolução dos seus conflitos, por outro lado,
caso as partes em conflito não tenham pré-acordado o recurso a um tribunal arbitral, desde que
ambas as partes estejam de acordo podem em qualquer altura do processo submeter o seu litígio à
justiça arbitral. Em termos práticos, a decisão arbitral é definitiva dado que na esmagadora maioria
as suas decisões não são recorríveis para os tribunais judiciais comuns, exceto se existir contradição
de casos julgados. O processo arbitral é dotado de um maior rigor e sofisticação jurídica, devido à
possibilidade pelas partes em litígio de escolha dos árbitros, os quais estão mais vocacionados e
preparados para lidar e resolver as especificidades do litígio em causa. Em termos legais, a
modalidade da arbitragem é regulada pela lei da arbitragem voluntária, aprovada pelo Dec-Lei nº
38/2003 de 8 de Março. Neste sentido, as decisões arbitrais são equiparadas às sentenças proferidas
pelos tribunais comuns e em caso de incumprimento podem ser suscetíveis de execução perante
estes últimos. Igualmente, a arbitragem pode ter lugar quando estão em causa conflitos ou interesses
de comércio internacional, em que, as partes têm a liberdade de indicar a jurisdição aplicável e ainda
quais os árbitros, que segundo critérios de equidade, pretendem para resolver o conflito. Por outro
lado, regra geral não cabe recurso das decisões arbitrais internacionais, exceto se as partes em
conflito determinarem o contrário e estabelecerem as regras que devem ser observadas no recurso.
Portugal é signatário da chamada Convenção de Nova York, celebrada no ano de 1958, a qual diz
respeito ao reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, no âmbito da qual o
nosso país aderiu a uma reserva prevista na mencionada Convenção, segundo a qual só se aplica a
Convenção no caso de sentenças arbitrais proferidas pelo próprio território de Estados que
subescreveram a mencionada Convenção. Por outro lado, esta Convenção é das mais significativas e
importantes no âmbito do comércio mundial tendo em vista o elevado número de Estados signatários
e através da mesma, é possível às partes em litígio no âmbito de uma determinada relação jurídica
de consumo fazer reconhecer e executar as sentenças arbitrais proferidas no local onde o devedor
tiver a sua sede social, desde que esse Estado também tenha aderido á Convenção de Nova York.
A mediação: em termos jurídicos, a mediação assume-se como um meio alternativo de resolução de
litígios com uma natureza voluntária e carácter confidencial que se caracteriza pela responsabilidade
da construção e efetivação das soluções e decisões finais pertencer às partes envolvidas. Todavia,
implica sempre a intervenção de um terceiro, o qual tem conteúdo imparcial e neutro e tem como
função auxiliar as partes em litígio na obtenção de um acordo. Ora, ao contrário de um juiz ou de um
árbitro o mediador não decide em termos formais sobre o resultado do litígio, na medida em que
conduz as partes, estabelecendo a comunicação entre as mesmas, para que estas encontrem por si
mesmas, a base e os princípios do acordo que irá colocar um termo ao litígio em causa. Por outro
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lado, o mediador poderá ter uma amplitude de intervenção maior no próprio processo se
previamente autorizado pelas partes em litígio, podendo deste modo apresentar soluções jurídicas
possíveis de resolução do litígio todavia, as mesmas podem ou não ser aceites pelas partes em litígio.
Julgados de paz: em termos de enquadramento jurídico, os julgados de paz foram criados através da
Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, sendo caracterizados por serem tribunais dotados de características
de funcionamento interno e organização próprias, sendo particularmente vocacionados para dirimir
litígios no âmbito do direito do consumo, dado o valor da sua alçada e dos processos de diminuto
valor sobretudo ao nível de litígios com empresas de telecomunicações e as empresas prestadoras
de serviços ou bens considerados essenciais, como gás, eletricidade e água.
Em termos práticos, a sentença proferida por um julgado de paz possuí força jurídica vinculativa
plena, devendo ser suscetível de recurso para os tribunais judiciais considerados competentes em
razão da matéria. Por último, no início do processo no julgado de paz, o juiz tenta por diversos meios
que as partes em litígio obtenham um acordo e só após a frustração da conciliação é que é realizada
a audiência de discussão e julgamento, presidida e orientada por um juiz, que ouve e reflete sobre
os argumentos expendidos (apresentados) pelas partes em litígio, realiza uma análise crítica da prova
produzida e por último profere a correspondente sentença.
Direito ao arrependimento no âmbito dos consumidores: em termos práticos, mais
precisamente de acordo com o art. 17º/1 do Dec-Lei nº 133/2009, de 02 de Junho o consumidor tem
o direito de exercer o direito de revogação do contrato, incluindo contratos de consumo, sem
necessidade de indicar qualquer motivo ou fundamento factual ou jurídico. Em termos práticos o art.
17º/1 determina que o consumidor pode exercer o direito de arrependimento no prazo de 14 dias
seguidos, sendo que este artigo deve ser interpretado e aplicado em articulação com o art. 279º, al.
e) do Código Civil, pelo que, se o prazo terminar num feriado, transfere-se o seu termo para o
primeiro dia útil seguinte. Por outro lado, este prazo de 14 dias deve contar-se a partir da data de
celebração do contrato de consumo ou da data da receção pelo consumidor do exemplar do contrato
de consumo e das respetivas condições, se tal exigência estiver prevista no clausulado do contrato
de consumo. Neste sentido e no que diz respeito aos contratos de consumo celebrados à distância,
o mencionado prazo para o exercício do direito de arrependimento só começa a contar a partir do
momento em que o consumidor recebe o exemplar do contrato em causa. Por outro lado, caso a
situação em litígio diga respeito a um contrato de crédito ao consumidor, apesar do prazo de
arrependimento ser o mesmo, o consumidor deve devolver à empresa ou instituição de crédito o
capital, ou seja, o montante de crédito concedido e ainda pagar os juros relativos ao período
temporal em que utilizou esse crédito, sendo que, esta devolução terá de ser materializada no prazo
máximo de 30 dias. Por último, no caso de exercício do direito de arrependimento no âmbito de um
contrato de crédito ao consumo, existe uma outra consequência jurídica, nomeadamente ao nível
dos chamados contratos coligados, ou seja, com o contrato de crédito ao consumo está anexo como
um serviço acessório, prestado por um outro credor distinto do credor bancário, sendo o exemplo
clássico a celebração de um contrato de crédito ao consumo conexo com um contrato de seguro.