direitos humanos

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Alguns apontamentos sobre direitos humanos Elaborado em 12.2003. Enéas Castilho Chiarini Júnior Advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM) 1.0 – Introdução O presente trabalho visa trazer alguns apontamentos sobre os Direitos Humanos: sua origem, suas características, sua acolhida pela Constituição Federal, além de apresentar algumas linhas sobre a questão da colisão entre dois Direitos Fundamentais, entre outros assuntos ligados à matéria. Não temos a pretensão de esgotar o assunto, mas apenas de servir de suporte para eventuais pesquisas realizadas por juristas interessados na matéria. Trazemos algumas novidades, como por exemplo a proposta de alteração de nomenclatura de "gerações" de direitos para "gestações" de direitos que, conforme se verá é mais adequada, e menos sujeita a críticas. 2.0 – Direitos Humanos 2.1 - Origem Os autores, de um modo geral, concordam em traçar um paralelo entre o surgimento do constitucionalismo e o surgimento dos Direitos Humanos, uma vez que o objetivo de toda Constituição é, além de "dar forma" ao Estado, criando

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Alguns apontamentos sobre direitos humanos

Elaborado em 12.2003.

Enas Castilho Chiarini Jnior

Advogado e rbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

1.0 Introduo

O presente trabalho visa trazer alguns apontamentos sobre os Direitos Humanos: sua origem, suas caractersticas, sua acolhida pela Constituio Federal, alm de apresentar algumas linhas sobre a questo da coliso entre dois Direitos Fundamentais, entre outros assuntos ligados matria.

No temos a pretenso de esgotar o assunto, mas apenas de servir de suporte para eventuais pesquisas realizadas por juristas interessados na matria.

Trazemos algumas novidades, como por exemplo a proposta de alterao de nomenclatura de "geraes" de direitos para "gestaes" de direitos que, conforme se ver mais adequada, e menos sujeita a crticas.

2.0 Direitos Humanos

2.1 - Origem

Os autores, de um modo geral, concordam em traar um paralelo entre o surgimento do constitucionalismo e o surgimento dos Direitos Humanos, uma vez que o objetivo de toda Constituio , alm de "dar forma" ao Estado, criando os rgos estatais e descrevendo sua forma de atuao; limitar o Poder estatal, garantindo uma parcela "intocvel" de direitos individuais e/ou sociais, a qual no poderia ser, arbitrariamente, suprimida pelos agentes estatais.

Esta parcela de direitos, a priori insuprimveis , justamente, o contedo do que hoje conhecido por Direitos Humanos, assim como afirma Hewerstton Humenhuk: " notrio que os direitos fundamentais constituem a base e a essencialidade para qualquer noo de Constituio".

Neste sentido, Alexandre de Morais chega a afirmar que

"Os direitos humanos fundamentais, portanto, colocam-se como uma das previses absolutamente necessrias a todas as Constituies, no sentido de consagrar o respeito dignidade humana, garantir a limitao de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana."

Joo Baptista Herkenhoff chega ao ponto de dizer que os Direitos Humanos

"[...] So direitos que no resultam de uma concesso da sociedade poltica. Pelo contrrio, so direitos que a sociedade poltica tem o dever de consagrar e garantir."

Concorda com esta relao entre Direitos Humanos e Constitucionalismo, por exemplo, Paulo Gustavo Gonet Branco, que afirma:

"A compreenso dos direitos fundamentais de primeira gerao reclama a percepo histrica do movimento do constitucionalismo, que explica as reivindicaes que redundaram na consagrao dos direitos fundamentais em exame. (grifo no original)"

Ou em outra passagem, quando o mesmo autor afirma:

"Os direitos fundamentais assumem posio de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relao entre Estado e indivduo e se reconhece que o indivduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e que este tem, em relao ao indivduo, primeiro deveres e, depois, direitos."

Assim, neste sentido que Fbio Konder Comparato afirma que:

"O artigo I da Declarao que "o bom povo da Virgnia" tornou pblica, em 12 de junho de 1776, constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na Histria. o reconhecimento solene de que todos os homens so igualmente vocacionados, pela sua prpria natureza, ao aperfeioamento constante de si mesmos [...]"

Concorda com ele Manoel Gonalves Ferreira Filho, que, aps falar sobre a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, afirma:

"Muitos observam e com razo no ser ela a primeira das declaraes de direitos, historicamente falando.

De fato, no foi a que mais cedo veio luz: foi a Declarao dos Direitos editada pela Virgnia em 12 de junho de 1776, antes mesmo da independncia das treze colnias inglesas da Amrica do Norte [...]"

Tambm Hewerstton Humenhuk d a entender que a origem dos Direitos Fundamentais est diretamente ligada a idia de constitucionalismo, porm, d maior nfase para a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789, como sendo o principal documento que atesta o nascimento dos Direitos Fundamentais.

O prof. Andr Ramos Tavares chega a apontar a Carta Magna de 1215 como possvel origem dos Direitos Fundamentais, apontando como condies necessrias e concomitantes, para a existncia de tais direitos, as seguintes caractersticas: 1) existncia do Estado; 2) noo de indivduo; e 3) texto legal escrito.

Por outro lado, Flvia Piovesan lembra que

"[...] Muitos dos direitos que hoje constam do "Direito Internacional dos Direitos Humanos" surgiram apenas em 1945, quando, com as implicaes do holocausto e de outras violaes de direitos humanos cometidas pelo nazismo, as naes do mundo decidiram que a promoo de direitos humanos e liberdades fundamentais deve ser um dos principais propsitos da Organizao das Naes Unidas""

Tambm Carlos Aurlio Mota de Souza parece reconhecer no holocausto nazista a origem do reconhecimento dos Direitos Humanos, cuja fonte seria o direito natural.

Apesar destas posies, Alexandre de Morais afirma que

"[...] a noo de direitos fundamentais mais antiga que o surgimento da idia de constitucionalismo, que to-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mnimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular."

Joo Baptista Herkenhoff, no s concorda com esta posio, como vai mais longe ao dizer que

"Sem garantia legal, os "direitos humanos" padeciam de certa precariedade, na estrutura poltica. O respeito a eles ficava na dependncia da virtude e da sabedoria dos governantes.

Esta circunstncia, porm, no exclui a importante contribuio de culturas antigas na criao da idia de Direitos Humanos.

Alguns autores pretendem afirmar que a histria dos Direitos Humanos comeou com o balisamento [sic] do poder do Estado pela lei. Creio que essa viso errnea. Obscurece o legado de povos que no conheceram a tcnica de limitao do poder mas privilegiaram enormemente a pessoa humana nos seus costumes e instituies sociais.

A simples tcnica de estabelecer, em constituies e leis, a limitao do poder, embora importante, no assegura, por si s, o respeito aos Direitos Humanos. Assistimos em pocas passadas e estamos assistindo, nos dias de hoje, ao desrespeito dos Direitos Humanos em pases onde eles so legal e constitucionalmente garantidos [...]

Com a colocao que acabamos de fazer no pretendemos negar que o balisamento [sic] do poder do Estado pela lei seja uma conquista [...] Entretanto, a despeito desse posicionamento, creio que no cabe menosprezar culturas que no conheceram (ou no conhecem) a tcnica da limitao do poder pela lei, mas possuram (ou possuem) outros instrumentos e parmetros valiosos na defesa e proteo da pessoa humana."

Assim, para este autor, os Incas seriam um exemplo de civilizao onde, apesar de no se conhecerem os limites do Poder estatal impostos por vias legais, foi um exemplo de proteo e vigncia dos Direitos Humanos. Por suas prprias palavras:

"[...] os incas atingiram, no Peru, um adiantamento material no inferior ao dos astecas e um grau de civilizao espiritual surpreendente, muito superior ao dos pases europeus de ento.

Adotaram um sistema comunista perfeito, muito mais elevado que o comunismo primitivo encontrado em outras culturas indgenas.

As terras, que pertenciam ao Estado, eram repartidas anualmente para que nelas todos pudessem trabalhar. Mantinham em Estado que vinha em socorro da viva, da criana, do estudante, do invlido e que prestigiava o sbio. Inventaram um sistema democrtico de trabalho e iam ao encontro daqueles que tivessem perdido sua colheita. No adotavam a moeda, no praticavam o comrcio, no conheciam a escravido. A l e os tecidos eram distribudos a todos, indistintamente, pelo Estado. Em grandes depsitos, guardavam provises para socorrer provncias que pudessem sofrer penria, em razo de colheitas mal sucedidas.

Barnab Cobo informa que, entre os incas, o dever de Justia era exigido, de maneira rigorosa, de quem exercesse qualquer funo de governo. A corrupo no era tolerada."

O mesmo autor defende, portanto, a idia de que o processo de "criao" dos Direitos Humanos seria fruto da Histria da Humanidade, iniciando-se nos tempos mais remotos, e ainda hoje em permanente evoluo, afirmando em determinado momento que

"O que hoje se entende por Direitos Humanos no foi obra exclusiva de um grupo restrito de povos e culturas, especialmente, como se propala com vigor, fruto do pensamento norte-americano e europeu. A maioria dos artigos da declarao Universal do Direitos Humanos foi verdadeira construo da Humanidade, de uma imensa multiplicidade de culturas, inclusive aquelas que no integram o bloco hegemnico do mundo."

2.2 Conceito

Quanto conceituao de Direitos Fundamentais, afirma Paulo Gustavo Gonet Branco que

"Vieira de Andrade, enfrentando a questo, pretende que, em ltima anlise, o ponto caracterstico que serviria para definir um direito fundamental, seria a inteno de explicitar o princpio da dignidade da pessoa humana. Nisso estaria a fundamentalidade material dos direitos humanos. (grifo no original)"

Porm, continuando, pouco mais adiante ele prprio critica tal conceito, lembrando lio de Canotilho e afirmando que

"[...] A inadequao estaria em que a Constituio portuguesa como a brasileira tambm consagra direitos fundamentais de pessoas coletivas, a denotar que a idia de dignidade humana no seria sempre o vetor definidor dos direitos fundamentais."

Mas, por fim, rende-se ele ao argumento da dignidade da pessoa humana, contra-argumentando que

"De toda forma, embora haja direitos formalmente consagrados como fundamentais que no apresentam ligao direta com o princpio da dignidade humana, esse princpio que inspira os tpicos direitos fundamentais, atendendo exigncia de respeito vida, integridade fsica e ntima de cada ser humano e segurana. o princpio da dignidade humana que justifica o postulado da isonomia e que demanda frmulas de limitao do poder, prevenindo o arbtrio e a injustia.

Nessa medida, h que se convir em que "os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizaes das exigncias do princpio da dignidade da pessoa humana"."

Segundo Alexandre de Morais

"O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade bsica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteo contra o arbtrio do poder estatal e o estabelecimento de condies mnimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais. (grifos no original)"

Joo Baptista Herkenhoff prefere afirmar que

"Por direitos humanos ou direitos do homem so, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua prpria natureza humana, pela dignidade que a ela inerente. So direitos que no resultam de uma concesso da sociedade poltica. Pelo contrrio, so direitos que a sociedade poltica tem o dever de consagrar e garantir.

este conceito no absolutamente unnime nas diversas culturas. Contudo, no seu ncleo central, a idia alcana uma real universalidade no mundo contemporneo [...] (grifos no original)"

Cumpre assinalar que Fbio Konder Comparato lembra

"[...] a distino, elaborada pela doutrina jurdica germnica, entre direitos humanos e direitos fundamentais (Grundrechte). Estes ltimos so os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades, s quais se atribui o poder poltico de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; so direitos humanos positivados nas Constituies, nas leis, nos tratados internacionais [...] (grifo no original)"

Assim, apesar de que grande parte da doutrina considerar como sendo sinnimos os termos "Direitos Humanos" e "Direitos Fundamentais", chegando uns a considerar adequada a terminologia de "Direitos Humanos Fundamentais", estes termos no so, nos moldes apresentados, termos equivalentes.

Concorda com esta idia, Hewerstton Humenhuk, ao afirmar que

"Em face ao estudo, convm salientar a distino na lio de Sarlet citado por Maliska:

"Os direitos fundamentais so os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado; a expresso direitos humanos, por sua vez, guardaria relao com os documentos de direito internacional, por referir-se quelas posies jurdicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculao com determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram validade universal, para todos povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequvoco carter supranacional (internacional).[...]""

Cumpre assinalar, ainda, a distino apresentada por Carlos Aurlio Mota de Souza entre direitos subjetivos e Direitos Humanos, onde este teria um aspecto especfico de coletividade.

Em suas prprias palavras:

"Os direitos humanos tm um mbito mais abrangente; no caso de uma tribo de ndios, eles tm suas terras, a proteo da Funai; se um ndio maltratado por um funcionrio, no se pode dizer que houve uma ofensa a direitos humanos, mas um crime, uma ofensa fsica, ento tem o direito de pedir a punio daquele funcionrio, um direito subjetivo; mas se toda a tribo maltratada, e h possibilidade de sua extino, a se trata de ofensa queles direitos.

Ento, direitos humanos tem um aspecto coletivo, ao passo que direitos subjetivos tm um carter individual. (grifos no original)"

2.3 Valores da Declarao Universal dos Direitos Humanos

A Declarao de Direitos Humanos da ONU abriga e apresenta certos "valores", os quais deveriam ser buscados e respeitados por todos os povos.

Segundo concepo de Joo Baptista Herkenhoff, estes valores seriam em nmero de oito e permeariam toda Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Seriam eles:

a) o valor "paz e solidariedade universal", o qual seria a idia-motriz do prembulo da Declarao, e onde lembra que

"Paz, ausncia de guerra, simples trgua ou, quando muito, armistcio. , sob alguns aspectos, fenmeno social pobre, sem a fora geradora e renovadora da guerra.

A paz obra da Justia. Exige a instaurao de uma ordem social na qual os homens possam realizar-se como pessoas humanas, com sua dignidade reconhecida, agentes de sua prpria histria."

b) o valor "igualdade e fraternidade" que estaria presente nos dois primeiros artigos da Declarao.

Sobre o valor "igualdade" escreveu o ilustre jurista:

"O valor "igualdade" constituiu-se atravs da Histria por meio de dois movimentos interdependentes:

a) o da afirmao da igualdade intrnseca de todos os seres humanos;

b) o da rejeio de desigualdades especficas, particulares."

Nesse sentido, o autor lembra, mais adiante, que

"Jefferson, nos Estados Unidos, afirmou, como democrtico, que a vontade da maioria fosse a base do poder. Mas completou que essa vontade da maioria, para ser legtima, deveria ser razovel. A minoria possui direitos iguais, tambm protegidos pela lei, sentenciou Jefferson. Violar esses direitos agir como opressor."

c) o valor "liberdade" seria o suporte dos artigos III, IV, XIII, XVIII, XIX e XX, onde o autor afirma que

"[...] a liberdade deve conduzir solidariedade entre os seres humanos. No deve conduzir ao isolamento, solido, competio, ao esmagamento do fraco pelo forte, ao homem-lobo-do-homem, ruptura dos elos. Essa ruptura leva tanto esquisofrenia individual quanto esquisofrenia social.

Garantir a liberdade dentro de uma sociedade solidria o desafio que se coloca. Liberdade para todos e no apenas para alguns. Liberdade que sirva aos anseios mais profundos da pessoa humana. De modo algum a liberdade que seja instrumento para qualquer espcie de opresso."

d) o valor "dignidade da pessoa humana" que segundo nossa viso implica na concretizao de todos os outros valores seria a chama que alimenta os artigos III, V, VI, XIV, XV, XVI, XVII, XXII, XXVI e XXVII;

e) o valor "proteo legal dos direitos" alimentaria os artigos VII, VIII e XII e, que, na viso do autor, deveria significar:

"a) a proteo da lei contra todas as violncias de que possa ser vtima qualquer pessoa;

b) o acesso efetivo de todos Justia;

c) o primado da lei contra o regime de arbtrio;

d) a submisso de todos ao regime do Direito, com a condenao dos privilgios;

e) a proteo dos valores do Direito contra o legalismo estreito que trai a Justia;

f) a insubmisso tirania e opresso, que tornam impossvel a "proteo legal dos direitos"."

f) o valor "Justia", o qual, segundo o autor, apesar de estar presente em todo o documento, estaria presente de maneira mais forte nos artigos VIII, IX, X, XI e XIV;

g) o valor "democracia", apesar de presente nos mais diversos artigos, seria a grande inspirao do artigo XXI e seus trs incisos, onde o autor lembra que

"[...] Pinto Ferreira registra que um grupo de pensadores v a democracia como imprio da maioria. Outra corrente defende que o fundamento do ideal democrtico a igualdade. Outros pretendem que a democracia o reino da liberdade. Neste confronto de posies, h os que timbram em que o ponto distintivo da democracia o respeito das minorias. Finalmente, um quarto grupo v a democracia como uma filosofia de vida. (grifos no original)"

h) o valor "dignificao do trabalho" seria representado pelos artigos XXIII, XXIV e XXV.

Assim seriam estes os grandes objetivos a serem alcanados pela Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU, em seus trinta artigos.

2.4 Caractersticas dos Direitos Humanos

Segundo concepo de Manoel Gonalves Ferreira Filho:

"Ora, declarao presume preexistncia. Esses direitos declarados so os que derivam da natureza humana, so naturais, portanto.

Ora, vinculados natureza, necessariamente so abstratos, so do Homem, e no apenas de franceses, de ingleses etc.

So imprescritveis, no se perdem com o passar do tempo, pois se prendem natureza imutvel do ser humano.

So inalienveis, pois ningum pode abrir mo da prpria natureza.

So individuais, porque cada ser humano ente perfeito e completo, mesmo se considerado isoladamente, independentemente da comunidade (no um ser social que s se completa na vida em sociedade).

Por essas mesmas razes, so eles universais pertencem a todos os homens, em conseqncia estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano, potencialmente o universo. (grifos no original)"

Valrio de Oliveira Marzzuoli, por sua vez, afirma que

"Firma-se, ento, a concepo contempornea de direitos humanos, fundada nos pilares da universalidade, indivisibilidade e interdependncia desses direitos. Diz-se universal, "porque a condio de pessoa h de ser o requisito nico para a titularidade de direitos, afastada qualquer outra condio"; e indivisvel, "porque os direitos civis e polticos ho de ser somados aos direitos sociais, econmicos e culturais, j que no h verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco h verdadeira igualdade sem liberdade", como pontifica a Prof. Flvia Piovesan."

J na viso de Alexandre de Morais:

"A previso desses direitos coloca-se em elevada posio hermenutica em relao aos demais direitos previstos no ordenamento jurdico, apresentando diversas caractersticas: [...]

* imprescritibilidade: os direitos humanos fundamentais no se perdem pelo decurso do prazo;

* inalienabilidade: no h possibilidade de transferncia dos direitos humanos fundamentais, seja a ttulo gratuito, seja a ttulo oneroso;

* irrenunciabilidade: os direitos humanos fundamentais no podem ser objeto de renncia [...];

* inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinaes infraconstitucionais ou por atos das autoridades pblicas, sob pena de responsabilizao civil, administrativa e criminal;

* universalidade: a abrangncia desses direitos engloba todos os indivduos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raa, credo ou convico poltico-filosfica;

* efetividade: a atuao do Poder Pblico deve ser no sentido de garantir a efetivao dos direitos e garantias previstos, com mecanismos coercitivos para tanto, uma vez que a Constituio Federal no se satisfaz com o simples reconhecimento abstrato;

* interdependncia: as vrias previses constitucionais, pesar de autnomas, possuem diversas interseces para atingirem suas finalidades [...];

* complementariedade: os direitos humanos fundamentais no devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte. (grifos no original)"

Por outro lado, quanto a irreversibilidade dos Direitos Humanos, assinala Fbio Konder Comparato que

"A conscincia tica coletiva, como foi vrias vezes assinalado aqui, amplia-se e aprofunda-se com o evolver da Histria. A exigncia de condies sociais aptas a propiciar a realizao de todas as virtualidades do ser humano , assim, intensificada no tempo e traduz-se, necessariamente, pela formulao de novos direitos humanos.

esse movimento histrico de ampliao e aprofundamento que justifica o princpio da irreversibilidade dos direitos j declarados oficialmente, isto , do conjunto de direitos fundamentais em vigor. Dado que eles se impem, pela sua prpria natureza, no s aos Poderes Pblicos constitudos em cada Estado, como a todos os Estados no plano internacional, e at mesmo ao prprio Poder Constituinte, Organizao das Naes Unidas e a todas as organizaes regionais de Estados, juridicamente invlido suprimir direitos fundamentais, por via de novas regras constitucionais ou convenes internacionais.

Uma das conseqncias desse princpio a proibio de se pr fim, voluntariamente, vigncia de tratados internacionais de direitos humanos [...] Ora, o poder de denunciar uma conveno internacional s faz sentido quando cuida de direitos disponveis. Em matria de tratados internacionais de direitos humanos, no h nenhuma possibilidade jurdica de denncia, ou de cessao convencional da vigncia, porque se est diante de direitos indisponveis e, correlatamente, de deveres insuprimveis."

Quanto a interdependncia existente entre os diversos Direitos Humanos, Flvia Piovesan lembra que

"[...] afirma Hectos Gros Espiell: "S o reconhecimento integral de todos esses direitos pode assegurar a existncia real de cada um deles, j que sem a efetividade de gozo dos direitos econmicos, sociais e culturais, os direitos civis e polticos se reduzem a meras categorias formais. Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e polticos, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econmicos, sociais e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significao. Essa idia da necessria integralidade, interdependncia e indivisibilidade quanto ao conceito e realidade do contedo dos direitos humanos, que de certa forma est implcita na Carta das Naes Unidas, que compila, se amplia e se sistematiza em 1948, na Declarao Universal de Direitos Humanos, e se reafirma definitivamente nos Pactos Universais de Direitos Humanos, aprovados pela Assemblia Geral de 1966, e em vigncia desde 1976, na Proclamao de Teer de 1968 e na Resoluo da Assemblia Geral, adotada em 16 de dezembro de 1977, sobre os critrios e meios para melhorar o gozo efetivo dos direitos e das liberdades fundamentais (Resoluo n. 32/130)"."

2.5 A no-estabilizao dos Direitos Humanos pela Carta da ONU

Joo Baptista Herkenhoff, no seu livro Direitos Humanos: a construo universal de uma utopia, demonstra de forma irrefutvel a noo de que o processo de reconhecimento e declarao dos Direitos Humanos no se estabilizou aps a Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU. Muito pelo contrrio, a noo de Direitos Humanos continua se desenvolvendo, apresentando-se, na prtica, a necessidade de declarao de mais direitos como sendo inerentes aos seres humanos.

Assim, ele apresenta vrios documentos jurdicos que foram assinados aps a promulgao da referida Declarao da ONU, e que trazem, em relao a esta mesma Declarao, uma ou outra ampliao da noo de Direitos Humanos. Seriam os principais documentos: A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, A Declarao Islmica Universal dos Direitos do Homem, a Declarao Universal dos Direitos dos Povos, a Declarao Americana de Direitos e Deveres do Homem, e a Declarao Solene dos Povos Indgenas do Mundo.

Assim, este autor afirma que "a idia de Direitos Humanos no se estabilizou no texto aprovado em 1948. Esta estabilizao contraria o sentido dialtico da Histria." uma vez que "a Histria no caminha dentro de parmetros fixos..."

Em outra passagem, afirma este mesmo autor que

"De 1948 para c, as concepes sofreram mudanas e continuaro a sofrer mudanas, no evolver do processo histrico, porque da essncia do Direito o dinamismo, o carter dialtico. O Direito nasce no conflito e do conflito, na luta e da luta. O Direito sempre provisrio porque o Direito tenta estabilizar e regular, num determinado momento histrico, um pacto de convenincia social. As vezes, positiva-se na lei um pacto extremamente opressivo, no qual se reconhece aos fracos, mal e mal, o direito de sobreviver, se possvel. Mas medida que os fracos adquirem conscincia de sua dignidade e da possibilidade de se tornarem fortes pela unio e pela luta, pactos legais menos injustos podem ser conquistados. dentro dessa dinmica histrica que o Direito se constri. Os Direitos Humanos no esto fora desse processo de criao contnua e conflitiva do Direito."

Para comprovar este pensamento, o jurista destaca que

"A exigncia de uma ampliao de direitos, na Declarao Universal de Direitos Humanos, ao lado da busca de caminhos que efetivem, realmente, os direitos declarados, esteve bem presente durante a Conferncia Mundial dos Direitos Humanos, que se reuniu em Viena, entre 13 e 25 de junho de 1993."

Conclui o mesmo autor que

"A idia geral de Direitos Humanos tem sofrido uma reviso que a amplia, por fora da prpria dinmica da Histria.

Parece que a Declarao Universal dos Direitos Humanos seria enriquecida se novos artigos fossem incorporados ao texto, artigos que contemplem os direitos reclamados pelas novas realidades, ou se houvesse, no texto da Declarao, enunciados gerais que se abrissem ao acolhimento dos princpios exigidos pelas novas realidades.

A entender que o texto primitivo deva ser mantido inalterado,, por razes histricas, ou pela inconvenincia poltica de mudanas, pelo menos uma atualizao hermenutica imperativa."

A noo de "geraes" ou "dimenses" de Direitos Humanos estudo que ser aprofundado a seguir comprova o alegado: em um primeiro momento, cuidou-se dos direitos civis e polticos, depois vieram os direitos sociais, para depois chegar a vez dos direitos supra-individuais, tais como os relativos ao meio-ambiente, sade, paz, etc...

Concorda com esta tese o jurista Paulo Gustavo Gonet Branco, que, em determinado momento, chega a afirmar que: "De fato, o catlogo dos direitos fundamentais vem-se avolumando, conforme as exigncias especficas de cada momento histrico..."

Apenas com o intuito de clarear esta idia de no-estabilizao dos Direitos Humanos, cumpre assinalar que Manoel Gonalves Ferreira Filho afirma que

"O reconhecimento dos direitos sociais no ps termo ampliao do campo dos direitos fundamentais. Na verdade, a conscincia de novos desafios, no mais vida e liberdade, mas especialmente qualidade de vida e solidariedade entre os seres humanos de todas as raas ou naes redundou no surgimento de uma nova gerao a terceira , a dos direitos fundamentais.

[...]

Na verdade, no se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito. Muita controvrsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. H mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. Tal hesitao natural, pois foi somente a partir de 1979 que se passou a falar desses novos direitos cabendo a primazia a Karel Vasak. (girfos no original)"

Ora, se os direitos de terceira gerao somente foram assimilados pela conscincia dos juristas mundiais a partir de 1979, sinal que a tese apresentada por Joo Baptista Herkenhoff da no-estabilizao dos Direitos Humanos com a simples Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU correta, pois esta fora promulgada trinta e um anos antes, em 1948.

Existe quem defenda at mesmo uma quarta gerao de direitos, a qual estaria apenas em estgio embrionrio.

A no-estabilizao dos Direitos Humanos to ntida que, Manuel Gonalves Ferreira Filho aponta para a necessidade de no-vulgarizao dos Direitos Fundamentais que surgiria da multiplicao destes direitos.

2.6 As "geraes", "dimenses" ou "gestaes" de Direitos Humanos

Sobre as "geraes" de Direitos Humanos, cumpre apresentar as palavras de Burns H. Weston apud Flvia Piovesan:

"[...] A este respeito, particularmente til a noo de "trs geraes de direitos humanos" elaborada pelo jurista francs Karel Vasak. Sob a inspirao dos trs temas da Revoluo Francesa, estas trs geraes de direitos so as seguintes: a primeira gerao se refere aos direitos civis e polticos (libert); a segunda gerao aos direitos econmicos, sociais e culturais (galit); e a terceira gerao se refere aos novos direitos de solidariedade (fraternit). [...] (grifos no original)"

Deve-se ter em mente que com a idia de "geraes" de Direitos Humanos, uma nova "gerao" no exclui a anterior, muito pelo contrrio, esta nova "gerao" por fora da interdependncia que existe entre os Direitos Humanos vem reforar a anterior.

O que acontece que, em momentos histricos distintos, o povo percebe que o atual estgio de Direitos Humanos insuficiente para garantir-lhes a dignidade condizente com sua condio de pessoa humana.

Desta forma, afirma Flvia Piovesan:

"[...] adota-se o entendimento de que uma gerao de direitos no substitui a outra, mas com ela interage. Isto , afasta-se a idia da sucesso "geracional" de direitos, na medida em que acolhe a idia da expanso, cumulao e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, todos essencialmente complementares e em constante dinmica de interao. Logo, apresentando os direitos humanos uma unidade indivisvel, revela-se esvaziado o direito liberdade, quando no assegurado o direito igualdade e, por sua vez, esvaziado revela-se o direito igualdade, quando no assegurada a liberdade."

Assim, muda-se o enfoque da busca de Direitos, saindo-se da primeira para a segunda gerao, e desta para a terceira, ou, em termos histricos: na poca das Revolues Francesa e de Independncia da Treze Colnias, o que se buscou foi a garantia dos Direitos Civis e Polticos; depois, poca da Revoluo Russa e ps-Primeira Guerra Mundial, buscou-se a garantia dos Direitos Sociais, Econmicos e Culturais; e, presentemente, busca-se a consagrao dos Direitos de Fraternidade o que, como dito anteriormente, refora a idia de no-estabilizao dos Direitos Humanos pela simples Declarao da ONU em 1948.

Assim, sobre a primeira gerao, escreveu Fbio Konder Comparato:

"Toda a "primeira gerao" de direitos humanos, nos documentos normativos produzidos pelos Estados Unidos recm independentes, ou pela Revoluo Francesa, foi composta de direitos que protegiam as liberdades civis e polticas dos cidados, contra a prepotncia dos rgos estatais."

Alexandre de Morais, sobre os direitos de primeira gerao, escreveu que:

"[...] so os direitos e garantias individuais e polticos clssicos (liberdades pblicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta [...] (grifo no original)"

Sobre o surgimento dos "novos direitos" poca da segunda gerao, escreveu Manuel Gonalves Ferreira Filho:

"Ao trmino da primeira Guerra Mundial todos sabem novos direitos fundamentais foram reconhecidos. So os direitos econmicos e sociais que no excluem nem negam as liberdades pblicas, mas a elas se somam [...] (grifo no original)"

Alexandre de Morais, por sua vez, lembra que:

"[...] direitos fundamentais de segunda gerao que so os direitos econmicos, sociais e culturais, surgidos no incio do sculo, Themstocles Brando Cavalcanti analisou que

"o comeo no nosso sculo viu a incluso de uma nova categoria de direitos nas declaraes e, ainda mais recentemente, nos princpios garantidores da liberdade das naes e das normas da convivncia internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistncia, o amparo doena, velhice etc." [...] (grifo no original)"

Sobre a terceira gerao, escreveu Manuel Gonalves Ferreira Filho:

"O reconhecimento dos direitos sociais no ps termo ampliao do campo dos direitos fundamentais. Na verdade, a conscincia de novos desafios, no mais vida e liberdade, mas especialmente qualidade de vida e solidariedade entre os seres humanos de todas as raas ou naes redundou no surgimento de uma nova gerao a terceira , a dos direitos fundamentais.

So estes chamados, na falta de melhor expresso, de direitos de solidariedade, ou fraternidade. A primeira gerao seria a dos direitos de liberdade, a segunda dos direitos de igualdade, a terceira, assim, completaria o lema da Revoluo Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.

Na verdade, no se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito. Muita controvrsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. H mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. Tal hesitao natural, pois foi somente a partir de 1979 que se passou a falar desses novos direitos cabendo a primazia a Karel Vasak. (girfos no original)"

Ainda sobre a terceira "gerao", escreveu Hewerstton Humenhuk:

"Na evoluo dos direitos fundamentais, surgem os direitos da terceira gerao, que so direitos atribudos fraternidade ou de solidariedade. Assim, especifica Maliska estes direitos como queles "concernentes ao desenvolvimento, paz, ao meio ambiente, propriedade sobre o patrimnio comum da humanidade e a comunicao.""

Quanto terceira gerao de direitos, escreveu Alexandre de Morais que:

"[...] englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, a uma saudvel qualidade de vida, ao progresso, paz, autodeterminao dos povos e a outros direitos difusos que so, no dizer de Jos Marcelo Vigliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas no h vnculo jurdico ou ftico muito preciso [...]"

H, ainda como dito anteriormente , quem pregue o surgimento de uma quarta gerao de Direitos Humanos que, conforme Paulo Bonavides apud Hewerstton Humenhuk, seriam "o direito democracia, o direito informao, e o direito ao pluralismo"

Sendo que, ainda conforme Hewerstton Humenhuk:

"Ainda conforme brilhante comparao com a proposta de Bonavides, o jurista gacho Sarlet preconiza:

"A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posies que arrolam os direitos contra a manipulao gentica, mudana de sexo, etc., como integrando a quarta gerao, oferece ntida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais...""

Quanto possvel quarta gerao de direitos humanos, escreveu Alexandre de Morais:

"Note-se que Celso Lafer classifica esses mesmos direitos em quatro geraes, dizendo que os direitos de terceira e quarta geraes transcendem a esfera dos indivduos considerados em sua expresso singular, e recaindo, exclusivamente, nos grupos primrios e nas grandes formaes sociais [...]"

Por outro lado, Valrio de Oliveira Marzzuoli afirma, sobre a teoria das geraes de direitos humanos, que

"Objeta-se, se as geraes de direitos induzem idia de sucesso atravs da qual uma categoria de direitos sucede a outra que se finda , a realidade histrica aponta, em sentido contrrio, para a concomitncia do surgimento de vrios textos jurdicos, concernentes a direitos humanos de uma ou outra natureza. No plano interno, por exemplo, a consagrao nas Constituies dos direitos sociais foi, em geral, posterior dos direitos civis e polticos, ao passo que, no plano internacional, o surgimento da Organizao Internacional do Trabalho, em 1919, propiciou a elaborao de diversas convenes, regulamentando os direitos sociais dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalizao dos direitos civis e polticos no plano externo.

O processo de desenvolvimento dos direitos humanos, assim, opera-se em constante cumulao, sucedendo-se, no tempo, vrios direitos, que, mutuamente, se substituem, consoante a concepo contempornea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade e interdependncia."

Esta teoria das "geraes" vem, contudo, sofrendo crticas, como, por exemplo, as apresentadas por George Marmelstein Lima, para quem:

"A expresso "gerao de direitos" tem sofrido vrias crticas da doutrina nacional e estrangeira. que o uso do termo "gerao" pode dar a falsa impresso da substituio gradativa de uma gerao por outra, o que um erro, j que, por exemplo, os direitos de liberdade no desaparecem ou no deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim por diante. O processo de acumulao e no de sucesso.

Alm disso, a expresso pode induzir idia de que o reconhecimento de uma nova gerao somente pode ou deve ocorrer quando a gerao anterior j estiver madura o suficiente, dificultando bastante o reconhecimento de novos direitos, sobretudo nos pases ditos perifricos (em desenvolvimento), onde sequer se conseguiu um nvel minimamente satisfatrio de maturidade dos direitos da chamada "primeira gerao".

[...]

Alm do equvoco acima exposto, que torna at perigosa a teoria das geraes dos direitos fundamentais, j que dificulta a positivao e a efetivao dos direitos sociais e econmicos, bem como dos direitos de solidariedade mundial, a teoria tambm no retrata a verdade histrica.

A evoluo dos direitos fundamentais no segue a linha descrita (liberdade igualdade fraternidade) em todas as situaes. Nem sempre vieram os direitos da primeira gerao para, somente depois, serem reconhecidos os direitos da segunda gerao.

[...]

Como se observa, todas as categorias de direitos fundamentais, sejam os direitos civis e polticos, sejam os direitos sociais, econmicos, ambientais e culturais, exigem obrigaes negativas ou positivas por parte do Estado. Os direitos civis e polticos no so realizados apenas mediante obrigaes negativas, assim como os direitos sociais, econmicos, ambientais e culturais no so realizados apenas com obrigaes positivas.

[...]

Em razo de todas essas crticas, a doutrina recente tem preferido o termo "dimenses" no lugar de "geraes", afastando a equivocada idia de sucesso, em que uma gerao substitui a outra.

No entanto, a doutrina continua incorrendo no erro de querer classificar determinados direitos como se eles fizessem parte de uma dada dimenso, sem atentar para o aspecto da indivisibilidade dos direitos fundamentais. Na verdade, no adequado nem til dizer, por exemplo, que o direito de propriedade faz parte da primeira dimenso. Tambm no correto nem til dizer que o direito moradia um direito de segunda dimenso.

O ideal considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em mltiplas dimenses, ou seja, na dimenso individual-liberal (primeira dimenso), na dimenso social (segunda dimenso), na dimenso de solidariedade (terceira dimenso) e na dimenso democrtica (quarta dimenso). No h qualquer hierarquia entre essas dimenses. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinmica. Essa a nica forma de salvar a teoria das dimenses dos direitos fundamentais."

Desta forma, a concepo de "geraes" de Direitos Humanos, indica sucesso e no-cumulatividade entre uma e outra "gerao". Por outro lado, a idia de "dimenses" parece indicar o estudo de caractersticas intrnsecas dos Direitos Humanos, e no alguma coisa extrnseca, como o estudo sobre o surgimento dos diversos Direitos Humanos.

assim que preferimos utilizar o termo "gestaes" de Direitos Humanos, pois todos sabem que uma gestao no implica na morte ou na negao do fruto da gestao anterior. Assim, deve-se proteger todas as gestaes de Direitos Humanos concomitantemente, da mesma forma como ocorre com uma famlia, onde os pais procuram proteger todos os seus filhos indistintamente.

claro que os filhos mais velhos, mais fortes no necessitam de tanta proteo, enquanto que ao contrrio, os mais jovens precisam de maior ateno; assim tambm os Direitos Humanos: os mais antigos, j sedimentados na cultura dos povos, no necessitam de maiores cuidados, enquanto que os mais recentes, como, por exemplo, o direito a um meio-ambiente equilibrado, est em fase de maiores atenes.

Da mesma forma, possvel que em determinada famlia, Maria nasa antes que Joo, em quanto que em outra, ocorra o contrrio, e Joo nasa antes que Maria. Assim tambm com os Direitos Fundamentais, possivel que em determinado ordenamento jurdico, os direitos sociais sejam fruto de uma gestao anterior que a dos direitos civis e polticos, muito embora, na maioria dos casos ocorra o inverso.

Assim, cai por terra tambm o argumento das crticas relativas indivisibilidade dos Direitos Humanos, pois estes sero todos considerados apesar das diferentes "gestaes" como membros de uma nica famlia: a dos Direitos Humanos.

Existe uma outra vantagem da adoo desta nova terminologia, que a idia de que uma gestao leva certo lapso de tempo para se concluir e dar luz o seu fruto. o que ocorre com os Direitos Humanos: existe toda uma fase preparatria anterior da sua promulgao. Primeiro verifica-se a insuficincia dos atuais direitos, depois o povo pede mudanas, ento os rgos competentes analisam as novas necessidades para, s ento, promulgar os novos direitos. , justamente, este perodo o perodo de "gestao" dos Direitos Humanos.

Uma vez promulgados novos Direitos Humanos, o Estado estar, novamente, preparado para dar luz novos Direitos Humanos.

o que ocorre, atualmente, com os Direitos Humanos de "quarta gestao", que esto, justamente, em fase de gestao, onde ainda no se sabe se ser menino, ou menina; ou seja, ainda no se sabe, exatamente, seu contedo, mas sabe-se muito bem que o momento histrico atual est prestes a consolidar novos Direitos Humanos.

2.7 Novos e velhos Direitos

Ao contrrio do que pode parecer, no existe qualquer contradio entre a luta por novos direitos e a luta pela efetivao dos direitos j proclamados. o que se verifica com a teoria das gestaes ou geraes, como mais conhecida dos Direitos Humanos: uma nova gestao no substitui, nem exclui a anterior, pelo contrrio, soma-se a ela.

Segundo, novamente o grande jurista Joo Baptista Herkenhoff:

"Heleno Cludio Fragoso manifestou a opinio de que estaria ultrapassada a fase das declaraes de direitos e liberdades. A seu sentir, o que constitui hoje preocupao universal a criao de um sistema jurdico que assegure, efetivamente, a observncia dos direitos e liberdades proclamados.

[...]

Refere-se o inesquecvel Heleno Fragoso, nessa passagem, necessariamente, a um certo grupo de Direitos Humanos. H outros que o sistema jurdico, por si s, no est habilitado a prover.

Na mesma linha de pensamento, Karel Vasak pondera que parece estar completo o trabalho legislativo internacional em matria de Direitos Humanos. Observa que da nada adianta multiplicar textos que encerram promessas mais ou menos vagas, cuja aplicao, no mbito jurdico interno, deixa a desejar.

Creio que esses autores esto com razo quando timbram na denncia de direitos proclamados que no encontram correspondncia na realidade social.

As proclamaes solenes de direitos sofrem o perigo de um desgaste contnuo quando se percebe o abismo existente entre os postulados e a situao concreta. O freqente desrespeito aos Direitos Humanos, praticado sem remdio por governos, gera, na opinio pblica, a descrena na efetividade desses Direitos.

Reclama-se, assim, como reivindicao incontornvel da conscincia jurdica internacional, a efetivao dos Direitos Humanos. indispensvel a criao de mecanismos eficazes que promovam e salvaguardem o imprio desses Direitos na civilizao atual.

Contudo, se apoiarmos esses autores no ncleo central da afirmao que fazem, no nos parece exato concluir que a fase da proclamao de direitos esteja encerrada.

A Histria movimento dialtico, a ampliao de direitos no se esgota. Novos direitos esto sendo reclamados, minorias tomam conscincia de sua dignidade. Esse dinamismo criativo de novos Direitos uma das hipteses centrais da pesquisa que fizemos. [...] (grifo nosso)"

justamente a tese da no-estabilizao dos Direitos Humanos com a Declarao da ONU de que tratamos no ttulo 2.5 deste trabalho, e sobre a qual o referido autor comprovou a veracidade em uma de suas obras, na qual ele afirma:

"A idia de "Direitos Humanos" no se estabilizou no texto aprovado em 1948. Esta estabilizao contrariaria o sentido dialtico da Histria.

verdade que direitos afirmados h quase 50 anos ainda no encontram plena aceitao. flagrante o desrespeito a esses direitos, quer nos pases do Terceiro Mundo (ou mundo dos pobres, caso se entenda que j no existem 3 mundos, mas apenas 2), quer na opulncia do Primeiro Mundo (ou mundo dos pases ricos).

Poderia parecer contraditrio que se fale em novos direitos, em alargamento de direitos, se direitos elementares, como o de no ser torturado, ainda no tm plena vigncia.

A oposio entre antigos e novos direitos aparente.

A conscincia de novos direitos no se ope busca de realizao plena de direitos j afirmados.

Em muitas hipteses h mesmo uma correlao na luta por direitos histricos, antigos, e por direitos que se afirmam com mais vigor contemporaneamente.

O direito a relaes de Justia, no plano internacional, por exemplo, no foi contemplado expressamente pela Declarao Universal dos Direitos Humanos. , ento, em certo sentido, um direito novo.

Esse direito tem ligao estreita com direitos humanos de tradio secular, no plano da vida interna dos pases pobres.

A situao de penria em que se encontram pases do Terceiro Mundo cria condies sociais que facilitam sobremaneira os abusos das autoridades pblicas contra a pessoa humana. A situao de misria fabrica os ingredientes que favorecem as violaes pessoais. Por outro lado, essa situao de misria , por si s, a mais grave violao dos Direitos Humanos porque uma violao coletiva.

A situao de penria do Terceiro Mundo (ou mundo dos pobres) advm, em grande parte, de relaes econmicas internacionais injustas, conforme demonstraremos.

A mesma correlao ocorre no que diz respeito aos "direitos dos povos", tambm no expressamente contemplados pela Declarao Universal.

Como se pode pretender, por exemplo, que o homem seja reconhecido como pessoa perante a lei (artigo 6, da Declarao), se o Povo a que ele pertence, se a Nao que ele integra no reconhecida como "pessoa internacional"?

A Histria no caminha dentro de parmetros fixos. Esta mais uma razo para concluir que a oposio colocada no pargrafo anterior seja apenas aparente.

Os deficientes fsicos, por exemplo, aumentaram em nmero devido sobretudo a acidentes provocados pelas mquinas modernas. Em decorrncia desse crescimento do nmero de deficientes e do crescimento da prpria conscincia de direitos por parte deles, seu poder poltico hoje muito maior do que h 50 anos.

Os deficientes no podem esperar que direitos seculares sejam plenamente realizados (que a tortura acabe, por exemplo) para ento fazer valer sua voz.

Finalmente, no existe a suposta contradio por uma terceira razo.

A luta por direitos histricos e a luta por direitos que assumiram peso poltico, na atualidade, no se excluem. Pelo contrrio, so lutas que se acrescentam e que se enriquecem reciprocamente.

Quando se quer que a tortura acabe, luta-se pela dignidade humana.

Quando se pede que os deficientes sejam ouvidos, luta-se pela dignidade humana.

Quando se pede que o homossexual seja respeitado, luta-se pela dignidade humana.

Quando se pleiteia pelos Direitos dos Povos, luta-se pela dignidade humana.

Quando se grita para que vigorem princpios de Justia, no plano da relaes econmicas internacionais, de modo que sejam superadas as estruturas escravizadoras dos povos pobres da Terra, luta-se pela dignidade humana.

A luta pela dignidade humana uma luta nica e solidria. Apenas assume aspectos particulares em face de situaes especficas. (grifos nossos)"

Trata-se aqui como j dito a pouco de uma volta ao tema do ttulo 2.5, onde pode-se comprovar que os Direitos Humanos ainda esto em fase de expanso, existindo quem propugne por uma quarta gestao de direitos como visto no ttulo 2.6.

Assim, estes trs ttulos 2.5, 2.6 e o atual 2.7 somam-se no sentido de comprovar a tese de que ainda existem Direitos Humanos a serem universalmente proclamados, e dos quais um deles , justamente ,o reconhecimento jurdico das unies homoafetivas.

3.0 LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nenhum direito absoluto, mesmo em matria de Direitos Fundamentais.

Nos dizeres de Alexandre de Morais:

"Os direitos humanos fundamentais no podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prtica de atividades ilcitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuio da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagrao ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituio Federal, portanto, no so ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princpio da relatividade ou convivncia das liberdades pblicas).

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intrprete deve utilizar-se do princpio da concordncia prtica ou da harmonizao, de forma a coordenar e combinar os bens jurdicos em conflito, evitando o sacrifcio total de uns em relao aos outros, realizando um reduo proporcional do mbito de alcance de cada qual (contradio dos princpios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precpuas. (grifos no original)"

A limitao de um Direito Fundamental ser necessria, portanto e, principalmente, quando acontecer o choque entre dois direitos que, apesar de absolutamente compatveis de um modo geral , em determinado caso concreto se apresentem como incompatveis entre si.

E a conseqncia desta possibilidade de limitao a Direitos Fundamentais da pessoa humana o surgimento de teorias cujo intento descobrir critrios justos e vlidos para a averiguao de como se deve proceder quando exista, na prtica, uma coliso entre dois Direitos Fundamentais.

o que se procura apresentar, de forma sinttica, no presente captulo.

3.1 Limites dos limites

Quanto questo dos "limites dos limites" dos Direitos Fundamentais, claros e objetivos os ensinamentos do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem:

"Da anlise dos direitos individuais pode-se extrair a concluso errnea de que direitos, liberdades, poderes e garantias so passveis de limitao ou restrio. preciso no perder de vista, porm, que tais restries so limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou "limites dos limites" (Schranken-Schranken), que balizam a ao do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da prpria Constituio, referem-se tanto necessidade de proteo de um ncleo essencial do direito fundamental, quanto clareza, determinao, generalidade e proporcionalidade das restries impostas. (grifos no original)"

Assim, as possveis limitaes que podem ser feitas aos Direitos Fundamentais no so ilimitadas, devendo-se na prtica, sempre, preservar um mnimo de direito compatvel com o Direito Fundamental o qual se pretende limitar. a idia de "ncleo essencial" de um Direito Fundamental, que, nas palavras do mesmo Ministro:

"De ressaltar, porm, que, enquanto princpio expressamente consagrado na Constituio ou enquanto postulado constitucionalmente imanente, o princpio da proteo do ncleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do contedo do direito fundamental decorrente de restries descabidas, desmesuradas ou desproporcionais."

Porm, pouco mais adiante, ele ainda adverte que:

"Controverte-se na doutrina, ainda, sobre o exato significado do princpio de proteo do ncleo essencial, indagando-se se ele h de ser interpretado em sentido subjetivo ou objetivo, isto , se o que se probe a supresso de um direito subjetivo determinado (teoria subjetiva), ou se se pretende assegurar a intangibilidade objetiva de uma garantia dada pela Constituio (teoria objetiva). (grifos no original)"

Apesar disso, lembra o Ministro que:

"[...] prope Hesse uma frmula conciliadora, que reconhece no princpio da proporcionalidade uma proteo contra as limitaes arbitrrias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas tambm contra a leso ao ncleo essencial dos direitos fundamentais. que, observa Hesse, a proporcionalidade no h de ser interpretada em sentido meramente econmico, de adequao da medida limitadora ao fim perseguido, devendo tambm cuidar da harmonizao dessa finalidade com o direito afetado pela medida."

O importante notar-se que, deve-se evitar, ao mximo, impedir que um direito seja "destrudo", impedindo-se seu gozo por seu titular. Assim, deve-se ter em mente que o direito de liberdade do homossexual no pode ser sumariamente tolhido, sem que hajam fortes razes para faz-lo, de forma que, a menos a princpio, a liberdade homossexual deve ser garantida e protegida pelo ordenamento jurdico.

No se pode esquecer que, garantir no papel o direito liberdade homossexual (por exemplo, artigo 5, inciso II da CF/88), mas impedir-se que lhes seja juridicamente reconhecida a unio homoafetiva, o mesmo que impedir sua liberdade.

Quanto norma da proporcionalidade, esta ser vista logo adiante, descabendo maiores comentrios no momento.

3.1.1 Proibio de limitaes casusticas

A proibio de limitaes casusticas est diretamente ligada ao princpio da isonomia, garantido expressamente no caput do artigo 5 da Constituio Federal.

Seu significado implica na proibio de estabelecer-se, por via legislativa, a restrio preconceituosa a determinado direito.

Nas inigualveis palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

"Outra limitao implcita que h de ser observada diz respeito proibio de leis restritivas de contedo casustico ou discriminatrio. Em outros termos, as restries aos direitos individuais devem ser estabelecidas por leis que atendam aos requisitos da generalidade e da abstrao, evitando, assim, tanto a violao do princpio da igualdade material, quanto a possibilidade de que, atravs de leis individuais e concretas, o legislador acabe por editar autnticos atos administrativos.

[...]

Diferentemente das ordens constitucionais alem e portuguesa, a Constituio brasileira no contempla expressamente a proibio de lei casustica no seu texto.

Isto no significa, todavia, que tal princpio no tenha aplicao entre ns. Como amplamente admitido na doutrina, tal princpio deriva do postulado material da igualdade, que veda o tratamento discriminatrio ou arbitrrio.

Resta evidente, assim, que a elaborao de normas restritivas de carter casustico afronta, de plano, o princpio da isonomia.

de observar-se, outrossim, que tal proibio traduz uma exigncia do Estado de Direito democrtico, que se no compatibiliza com a prtica de atos discriminatrios ou arbitrrios [...]

[...]

[...] Segundo Canotilho lei individual restritiva inconstitucional toda lei que:

- imponha restries aos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa ou de vrias pessoas determinadas;

- imponha restries a uma pessoa ou a um crculo de pessoas que, embora no determinadas, podem ser determinveis atravs de conformao intrnseca da lei e tendo em conta o momento de sua entrada em vigor.

O notvel publicista portugus acentua que o critrio fundamental para a identificao de uma lei individual restritiva no a sua formulao ou o seu enunciado lingistico, mas o seu contedo e respectivos efeitos. Da reconhecer a possibilidade de leis individuais camufladas, isto , leis que, formalmente, contm uma normao geral e abstrata, mas que, materialmente, segundo o contedo e efeitos, dirigem-se, efetivamente, a um crculo determinado ou determinvel de pessoas."

3.2 Coliso entre Direitos Fundamentais

Quanto coliso entre Direitos Fundamentais cumpre analisar as normas da proporcionalidade da razoabilidade, as quais se destinam especificamente a solucionar os problemas referentes ao choque entre dois, ou mais, Direitos Fundamentais.

3.2.1 O Proporcional e o razovel

Existem duas normas, as quais so comumente chamadas de princpios pela doutrina e jurisprudncia, as quais se destinam a impor um critrio cientfico para avaliao de, na hiptese de coliso entre dois Direitos Fundamentais, qual deles dever prevalecer.

Estas duas normas so as regras da proporcionalidade e da razoabilidade.

Porm, antes de falar-se sobre as normas da proporcionalidade, ou da razoabilidade, deve-se, antes de mais nada, fazer-se uma distino entre regras e princpios.

Segundo Alexy, regras so deveres definitivos, onde s existem duas possibilidades: ou so aplicveis, ou so no-aplicveis; enquanto que os princpios so deveres prima facie, ou seja, flexveis, de forma a poderem ser aplicados em maior, ou menor, grau.

As regras so aplicadas atravs da subsuno, enquanto que os princpios so normas que impem a aplicao na maior medida possvel, dentro das possibilidades fticas e jurdicas do caso concreto.

Segundo esta diferenciao de Alexy, estaramos diante da "Regra" da Proporcionalidade, e no do "princpio" da proporcionalidade como defendem a doutrina e a jurisprudncia nacional; uma vez que ou se aplica a norma da proporcionalidade, ou no se aplica a norma da proporcionalidade, sendo impossvel uma "aplicao em parte" ou "at certo ponto" da norma da proporcionalidade.

Enquanto que a coliso entre regras resolvida pelos critrios da especialidade, hierarquia ou pelo critrio cronolgico; a coliso entre Princpios resolvida por sopesamento, e justamente para decidir-se os conflitos entre princpios que surge a norma (regra) da proporcionalidade, cuja origem remonta ao direito germnico.

Segundo o prof. Luiz Virglio Afonso da Silva:

"[...] A regra da proporcionalidade uma regra de interpretao e aplicao do direito no diz respeito ao objeto do presente estudo, de interpretao e aplicao dos direitos fundamentais , empregada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realizao de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrio de outro ou de outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicao da regra da proporcionalidade, como o prprio nome indica, fazer com que nenhuma restrio a direitos fundamentais tome dimenses desproporcionais. , para usar uma expresso consagrada, uma restrio s restries... (grifos no original)"

A regra da proporcionalidade implica na aplicao de trs sub-regras: da adequao, da necessidade e a sub-regra da proporcionalidade.

Pela sub-regra da adequao, deve-se procurar saber se a medida que implica no limite determinado direito adequada. A medida ser adequada quando fomente a realizao da finalidade desejada.

Pela sub-regra da necessidade, deve-se procurar saber se inexiste outra medida to eficaz quanto a pretendida, porm menos danosa ao direito limitado.

E, pela sub-regra da proporcionalidade, deve-se investigar se os ganhos oferecidos pela medida limitadora do direito justificam as perdas, que no caso so as limitaes impostas ao direito em questo.

necessrio destacar-se que existe uma certa ordem necessria para o exame das trs sub-regras acima, de forma que somente se chegar aplicao da sub-regra da necessidade se, antes, tiver-se chegado, na aplicao da sub-regra da adequao, a um resultado que justifique seu valoramento; e, s se chegar sub-regra da proporcionalidade, se antes o justificarem as sub-regras da adequao e da necessidade.

Nas palavras do prprio prof. Luiz Virglio Afonso da Silva:

"[...] a aplicao da regra da proporcionalidade nem sempre implica a anlise de todas as suas trs sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma subsidiria entre si. Essa uma importante caracterstica, para a qual no se tem dado a devida ateno [...] com subsidiariedade quer-se dizer que a anlise da necessidade s exigvel se, e somente se, o caso j no tiver sido resolvido com a anlise da adequao; e a anlise da proporcionalidade em sentido estrito s imprescindvel, se o problema j no tiver sido solucionado com as anlises da adequao e da necessidade. Assim, a aplicao da regra da proporcionalidade pode esgotar-se, em alguns casos, com o simples exame da adequao do ato estatal apara a promoo dos objetivos pretendidos... (grifos no original)"

Quanto fundamentao da regra da proporcionalidade no Direito brasileiro, degladiam-se a doutrina e jurisprudncia nacional, no se chegando a qualquer resposta melhor que a apontada pelo prof. Luiz Virglio Afonso da Silva com a qual concordamos e que afirma que a regra da proporcionalidade uma decorrncia lgica do ordenamento jurdico como formado por regras e princpios. Em suas prprias palavras:

"A despeito da opinio de inmeros juristas da mais alta capacidade, entendo que a busca por uma fundamentao jurdico-positiva da regra da proporcionalidade uma busca fadada a ser infrutfera.

A exigibilidade da regra da proporcionalidade para a soluo de coliso entre direitos fundamentais no decorre deste ou daquele dispositivo constitucional, mas da prpria estrutura dos direitos fundamentais. Essa fundamentao no se confunde, contudo, com aquela anteriormente citada, segundo a qual a exigncia de aplicao da regra da proporcionalidade, por decorrer "do regime e dos princpios" adotados pela Constituio, encontraria sustentao legal no 2 do art. 5. A fundamentao aqui seguida tem um carter estritamente lgico, e valeria ainda que esse 2 no existisse.(grifos no original)"

Quanto sua aplicao pelo STF, este parece utilizar-se mais da regra da razoabilidade, de origem anglo-sax, do que da regra da proporcionalidade.

Enquanto que a regra da proporcionalidade implica na utilizao das trs sub-regras acima, a regra da razoabilidade est diretamente ligada simples idia de bom senso.

Nas palavras do prof. Luiz Virglio Afonso da Silva:

"[...] na Inglaterra fala-se em princpio da irrazoabilidade e no em princpio da razoabilidade. E a origem concreta do princpio da irrazoabilidade, na forma como aplicada na Inglaterra, no se encontra no longnquo ano de 1215, nem em nenhum outro documento legislativo posterior, mas em deciso judicial proferida em 1948. E esse teste da irrazoabilidade, conhecido tambm como teste Wednesbury, implica to-somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoveis. Na frmula clssica da deciso Wednesbury: "se uma deciso (...) de tal forma irrazovel, que nenhuma autoridade razovel a tomaria, ento pode a Corte intervir"... (grifos no original)"

O STF, ao utilizar-se da regra da proporcionalidade no costuma utilizar-se das trs sub-regras, equiparando a regra da proporcionalidade da razoabilidade, transformando-as em sinnimos.

3.3 Hiptese de excluso de benefcio incompatvel com o princpio da isonomia

A hiptese de excluso de benefcio incompatvel com o princpio da isonomia, como o prprio nome indica, e assim como a proibio de limitaes casusticas, est diretamente ligada ao princpio de igualdade material.

Objetivas e indubitveis so as palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem:

"O princpio da isonomia pode ser visto tanto como exigncia de tratamento igualitrio (Gleichbehandlungsgebot), quanto como proibio de tratamento discriminatrio (Ungleichbehandlung-sverbot). A leso ao princpio da isonomia oferece problemas sobretudo quando se tem a chamada "excluso de benefcio incompatvel com o princpio da igualdade" (willkrlicher Bergnstigungsausschluss).

Tem-se uma "excluso de benefcio incompatvel com o princpio da igualdade" se a norma afronta ao princpio da isonomia, concedendo vantagens ou benefcios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condies idnticas.

Essa excluso pode verificar-se de forma concludente ou explcita. Ela concludente se a lei concede benefcios apenas a determinado grupo; a excluso de benefcios explcita se a lei geral que outorga determinados benefcios a certo grupo exclui sua aplicao a outros segmentos.

O postulado da igualdade pressupe a existncia de, pelo menos, duas situaes que se encontram numa relao de comparao. Essa relatividade do postulado da isonomia leva, segundo Maurer, a uma inconstitucionalidade relativa ("relative Verfassungswidrigkeit") no no sentido de uma inconstitucionalidade menos grave. que inconstitucional no se afigura a norma "A" ou "B", mas a disciplina diferenciada das situaes ("die Unterschiedlichkeit der Regelung").

Essa peculiaridade do princpio da isonomia causa embaraos, uma vez que a tcnica convencional de superao da ofensa (cassao; declarao de nulidade) no parece adequada na hiptese, podendo inclusive suprimir o fundamento em que assenta a pretenso de eventual lesado. (grifos no original)"

4.0 Os Direitos Humanos na Constituio de 1988

A Constituio de 1988, indubitavelmente, deu ampla acolhida idia de Direitos Humanos.

Joo Baptista Herkenhoff em seu livro Direitos Humanos: uma idia, muitas vozes onde ele estuda detalhadamente cada um dos artigos da Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU traa uma linha de semelhanas entre a Constituio Federal e a Declarao de 1948, desde o prembulo de ambas, e concluindo que a Constituio Federal, no s agasalhou os valores assinalados pela Declarao da ONU, como foi mais longe. Em suas prprias palavras:

"O prembulo da Declarao Universal dos Direitos Humanos e o da nossa atual Constituio guardam muitas semelhanas.

So valores abrigados pelo prembulo da Declarao Universal dos Direitos Humanos [e da prpria Declarao como um todo], como j observamos: 1 a igualdade e a fraternidade; 2 a dignidade da pessoa humana; 3 a liberdade; 4 a Justia; 5 a proteo legal dos direitos; 6 a paz e a solidariedade universal; 7 a democracia.

So valores realados no prembulo da Constituio Brasileira:

a) o Estado Democrtico; b) os direitos sociais e individuais, colocados aqueles em primeiro lugar, na ordem de enumerao; c) a liberdade; d) a segurana; e) o bem-estar; f) o desenvolvimento; g) a igualdade; h)a justia; i) o ideal de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social; j) o compromisso, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias; k) a crena na proteo de Deus.

A Constituio do Brasil avana, no seu prembulo, em relao Declarao Universal dos Direitos Humanos, quando reala, mais que esta, os direitos sociais e quando faz expressa referncia ao desenvolvimento."

claro que, como bem lembra Alexandre de Morais, o prembulo no tem fora normativa obrigatria, mas, como este mesmo jurista bem observou, o prembulo constitucional "consiste em uma certido de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamao de princpios" alm de que:

"[...] o prembulo no juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de interpretao e integrao dos diversos artigos que lhe seguem. (grifos no original)"

Assim, neste sentido que Joo Baptista Herkenhoff afirma, ainda, que:

"Embora no fazendo parte do prembulo, os artigos 1, 3 e 4 da Constituio tambm agasalham princpios orientadores, esposam valores fundamentais. Esses princpios e valores completam e explicam a tbua de opes tico-jurdicas do prembulo. Se considerarmos esses artigos, como metodologicamente correto, complemento do prembulo, concluiremos que a enunciao de valores humanos e democrticos da Constituio do Brasil avantaja-se ao cdigo de valores inscrito no prembulo da Declarao Universal dos Direitos Humanos. [...]"

Por outro lado, como bem assina Valrio de Oliveira Mazzuoli:

"Como marco fundamental do processo de institucionalizao dos direitos humanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a princpio fundamental (art. 1, III), instituindo, com esse princpio, um novo valor que confere suporte axiolgico a todo o sistema jurdico e que deve ser, sempre, levado em conta, quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento jurdico nacional."

Flvia Piovesan concorda com o referido autor, ao afirmar:

"O valor da dignidade humana imediatamente elevado a princpio fundamental da Carta, nos termos do art. 1 III impe-se como ncleo e informador do ordenamento jurdico brasileiro, como critrio e parmetro de valorao a orientar a interpretao e compreenso do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vm a constituir os princpios constitucionais que incorporam as exigncias de justia e dos valores ticos, conferindo suporte axiolgico a todo o sistema jurdico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores passam a ser dotados de uma especial fora expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critrio interpretativo de todas as normas do ordenamento jurdico nacional."

No tocante materialidade dos Direitos Humanos na Constituio Federal de 1988, escreveu Manoel Gonalves Ferreira Filho:

"A Constituio de 1988 apresenta algumas variaes em relao ao modelo tradicional, seguido pelas anteriores.

Em primeiro lugar, ela enumera os direitos e garantias fundamentais logo num Ttulo II, antecedendo-os, portanto, estruturao do Estado. Quis com isso marcar a preeminncia que lhes reconhece. [...] deve-se registrar que noutros pontos da Constituio so apontados direitos fundamentais, como o caso da seo relativa s limitaes do poder de tributar. Qual o critrio que ditou essa distribuio de assuntos, ningum sabe. Questo de tcnica dir-se- ou de falta de tcnica, o que mais provvel.

Grosso modo, no captulo sobre direitos e deveres individuais e coletivos (onde no se encontram deveres) esto os direitos da primeira gerao, mais as garantias, no seguinte obviamente os direitos econmicos e sociais, a segunda gerao. Quanto terceira, esta se faz representar pelo solitrio direito ao meio ambiente (art. 225). (grifos no original)"

O mesmo Manoel Gonalves Ferreira Filho escreveu ainda:

" tradicional no direito brasileiro a insero dos princpios bsicos do Estado de Direito entre os direitos e garantias fundamentais. Isto tem uma razo de ser. So eles encarados como outras tantas garantias contra o arbtrio. Realmente, o princpio da legalidade condiciona a uma forma a forma da lei o estabelecimento de restries aos direitos fundamentais; o princpio da igualdade exige que o regime legalmente estabelecido para cada direito seja igual para todos; e, enfim, o princpio da justicialidade sujeita toda e qualquer leso de direito ao crivo dos tribunais [...] (grifos no original)"

Paulo Gustavo Gonet Branco, por sua vez, afirma que, com relao sistemtica adotada pelo constituinte de 1988:

"[...] considerou-se num primeiro grupo a condio do homem-indivduo, independente dos demais e do prprio Estado, da resultando os direitos individuais. A situao do homem como membro de uma coletividade inspirou os direitos coletivos. Uns e outros foram enumerados no art. 5 da Constituio.

Os direitos que contemplam o homem nas suas relaes sociais e culturais, seriam os direitos sociais, expressos nos arts. 6 e 193 e seguintes. Os direitos que tm por objeto a nacionalidade do indivduo deram origem aos direitos arrolados no art. 12. Por fim, os direitos de participao poltica foram enfeixados como direitos polticos, nos arts. 14 a 17 da Lei Maior."

Por outro lado, pelo texto insculpido no 2 do artigo 5, vrios juristas pregam a abertura da Constituio Federal, e de todo o ordenamento jurdico nacional, ao Sistema Internacional de Proteo dos Direitos Humanos, com uma concepo segundo a qual todo tratado internacional que verse sobre Direitos Humanos passaria, aps ratificao, a ter status constitucional, passando, o seu contedo, a fazer parte do rol de direitos e garantias inscritos no artigo 5 da Constituio Federal. Ou, nas palavras de Valrio de Oliveira Mazzuoli:

"A clusula aberta do 2 do art. 5 da Carta da Repblica de 1988, dessa forma, est a admitir visivelmente que os tratados internacionais de proteo dos direitos humanos ratificados pelo governo ingressem no ordenamento jurdico brasileiro no mesmo grau hierrquico das normas constitucionais, e no em outro mbito de hierarquia de normas."

Flvia Piovesan, para justificar este raciocnio, lembra que:

"[...] A esse raciocnio se acrescentam o princpio da mxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais, o que justifica estender aos direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais. Essa concluso decorre tambm do processo de globalizao, que propicia e estimula a abertura da Constituio normao internacional abertura que resulta na ampliao do "bloco de constitucionalidade", que passa a incorporar preceitos asseguradores de direitos fundamentais."

Apesar de no se referir ao 2 do artigo 5, mas, ao contrrio, de utilizar-se de uma explicao jus-filosfica, Fbio Konder Comparato com quem concorda Flvia Piovesan tambm afirma que, em caso de conflitos entre as normas internas e os tratados internacionais de Direitos Humanos, deva prevalecer a norma mais favorvel.

Em suas prprias palavras:

"Sem entrar na tradicional querela doutrinria entre monistas e dualistas, a esse respeito, convm deixar aqui assentado que a tendncia predominante, hoje, no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de exprimirem de certa forma a conscincia tica universal, esto acima do ordenamento jurdico de cada Estado [...] Seja como for, vai-se firmando hoje na doutrina a tese de que, na hiptese de conflito entre as regras internacionais e internas, em matria de direitos humanos, h de prevalecer sempre a regra mais favorvel ao sujeito de direito, pois a proteo da dignidade da pessoa humana a finalidade ltima e a razo de ser de todo o sistema jurdico."

Ainda no tocante ao 2 do artigo 5, escreveu Paulo Gustavo Gonet Branco:

"O pargrafo em questo d ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, no se podendo considerar taxativa a enumerao dos direitos fundamentais no Ttulo II da Constituio. Essa interpretao sancionada pela jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar a ao direta de inconstitucionalidade envolvendo a criao do IPMF, afirmou que o princpio da anterioridade (art. 150, III, b, da CF) constitui um direito ou garantia individual fundamental.

legtimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catlogo da Carta e de direitos materialmente fundamentais que esto fora do catlogo. Direitos no rotulados expressamente como fundamentais no ttulo prprio da Constituio podem ser como tal considerados, a depender da anlise do seu objeto e dos princpios adotados pela Constituio. A sua fundamentalidade decorreria da sua referncia a posies jurdicas ligadas ao valor da dignidade humana, que, por sua importncia, no podem ser deixadas disponibilidade absoluta do legislador ordinrio. (grifos nossos)"

Vamos mais longe que o referido autor, e afirmamos que possvel a existncia de direitos, no expressos em momento algum pela Constituio, e que, pelos argumentos acima, seriam, apesar desta circunstncia, fundamentais. Esta abertura dada pelo citado 2 do artigo 5, que estabelece a possibilidade de direitos fundamentais no expressos pela Constituio.

Assim, por apresentar direitos da terceira gestao no caso o direito ao meio ambiente equilibrado, art. 225 , e ainda, por abrir a possibilidade de criao de novos direitos no expressos em seu texto a abertura do 2 do art. 5 , a Constituio d mostras de acompanhar a idia de no-estabilizao dos Direitos Humanos analisada nos ttulos 2.5 a 2.7 do presente trabalho.

Por outro lado, o 1 do artigo 5 estabelece que "as normas definidoras de direitos ou garantias fundamentais tm aplicao imediata". Assim, mais uma vez, a Constituio Federal d mostras de ter acolhido o paradigma de proteo aos Direitos Humanos.

Combinando os pargrafos 1 e 2 deste artigo 5, Valrio de Oliveira Mazzuoli chega afirmar que:

"Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata, os tratados internacionais de proteo dos direitos humanos, uma vez ratificados, por tambm conterem normas que dispem sobre direitos e garantias fundamentais, de igual maneira, tero, dentro do contexto constitucional brasileiro, idntica aplicao imediata [...]

Atribuindo-lhes a Constituio a natureza de "norma constitucional" e passando tais tratados a ter aplicabilidade imediata to logo ratificados, fica dispensada, por isto, a edio de decreto de promulgao, a fim de irradiar seus efeitos tanto no plano interno como no plano internacional [...]"

Flvia Piovesan, mais uma vez, concorda com o referido autor, afirmando que:

"[...] No que se refere incorporao automtica, diversamente dos tratados tradicionais, os tratados internacionais de direitos humanos irradiam efeitos concomitantemente na ordem jurdica internacional e nacional, a partir do ato da ratificao. No necessria a produo de um ato normativo que reproduza no ordenamento jurdico nacional o contedo do tratado, pois sua incorporao automtica, nos termos do art. 5, 1, que consagra o princpio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais."

Cumpre lembrar, ainda, que o artigo 60, em seu pargrafo 4 que estabelece o que os autores chamam de "clusulas ptreas", probe, em seu inciso IV, Emendas Constitucionais tendentes a abolir os direitos e garantias individuais; da Valrio de Oliveira Mazzuoli, continuando o raciocnio j mencionado acima, afirmar que:

"Alm do mais, todos os direitos inseridos nos referidos tratados internacionais, cuja incorporao automtica, passam, tambm, a constituir clusulas ptreas do texto constitucional, no podendo ser suprimidos, sequer, por Emenda Constitucional [...]

[...]

Disso se tira uma outra concluso: os tratados internacionais de proteo dos direitos humanos, uma vez incorporados no direito brasileiro, pelo ato da ratificao, passam a ser insuscetveis de denncia, pois, se nem mesmo por Emenda Constituio esses acordos podem ser abolidos em face das clusulas ptreas , nem se diga, ento, por simples ato unilateral do Chefe do Poder Executivo."

Com relao ao citado artigo 60, 4, IV da Constituio Federal, escreveu Paulo Gustavo Gonet Branco:

"A Constituio cogita, no art. 5, de direitos individuais e coletivos. Distingui-los a partir dos critrios da Constituio em vigor no tarefa tranqila, mas pode produzir conseqncias relevantes, na medida em que o art. 60, 4, da Constituio fala apenas nos direitos individuais como clusulas ptreas."

Sem desejar adentrar-se na discusso, mas apenas como contra-argumento reste raciocnio, cumpre lembrar que uma das caractersticas dos Direitos Humanos, e que defendida por diversos autores como visto anteriormente justamente a interdependncia destes direitos, de forma que, se no existe direito liberdade no sentido de direitos de primeira gestao sem o direito igualdade no sentido de direitos de segunda gestao sendo a recproca verdadeira, ento conclui-se que, apesar de no expressamente estabelecido pelo Poder Constituinte, claro est a proibio de Emenda Constitucional que enfraquea os direitos fundamentais no-individuais, pois, pela interdependncia que existe entre todos os Direitos Humanos, esta possvel supresso ou simples enfraquecimento de direito no-individual possuiria uma "tendncia de abolir" para utilizar-se expresses constitucionais os Direitos e garantias individuais, sendo, portanto, proibida pelo preceito constitucional em questo.

bom lembrar, tambm, que o caput do artigo 5, garante os direitos fundamentais, nos termos que estabelece, no s aos brasileiros, mas tambm aos estrangeiros residentes no pas, existindo quem pregue acertadamente a possibilidade de exigncia dos referidos direitos tambm para os estrangeiros no-residentes no pas.

Outro importante aspecto referente aos Direitos Humanos dentro da Constituio Federal de 1988 lembrado por Alexandre de Morais:

"[...] tambm funo do Ministrio Pblico, juntamente com os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio, garantir ao indivduo a fruio de todos os seus status constitucionais. Essa idia foi consagrada pelo legislador constituinte de 1988, que entendeu por fortalecer a Instituio, dando-lhe independncia e autonomia, bem como a causa social para defender e proteger. Um rgo, no dizer de Manoel Gonalves Ferreira Filho, "de promoo da defesa social desses direitos" [...]

Essa idia de Ministrio Pblico como defensor dos direitos e garantias fundamentais defendida tambm por Salvador Alemany Verdaguer [...]

Corroborando a idia da importncia da atuao do Ministrio Pblico na efetividade dos direitos fundamentais, Smanio afirma que "rompeu o constituinte de 1988 com o imobilismo da tradicional teoria da separao de poderes, atribuindo funo de atuao a determinado rgo do Estado, que o Ministrio Pblico, para assegurar a eficcia dos direitos indisponveis previstos pela prpria Constituio" [...] (grifo no original)"

5.0 Consideraes finais

Assim, verificou-se, em primeiro lugar, que a nomenclatura para a idia de "geraes" de Direitos Humanos deve ser alterada para "gestaes" de Direitos Humanos, uma vez que mais adequada e menos sujeita a crticas.

Por outro lado, verificou-se, tambm, que a Constituio Federal de 1988 no s acolheu o ideal dos Direitos Humanos, como tambm, mais do que isso, concedeu-lhes uma posio de destaque dentro do ordenamento jurdico brasileiro, chegando ao ponto de ampliar os valores trazidos pela prpria Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU.

E, uma terceira concluso que pode-se tirar do presente estudo que a existncia de outros Direitos Humanos que merecem ser considerados e declarados como tais possvel, e mais, aconselhvel.

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