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Anais do 8° Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica 24 a 29 de agosto de 2008 – Alto Caparaó/ MG
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DISCUTINDO A CLIMATOLOGIA COM OS NOVOS ALUNOS DO CURSO DE
GEOGRAFIA
RICARDO AUGUSTO FELICIO Meteorologista, Prof. Doutor, Depto. Geografia, USP, São Paulo – SP, [email protected]
RESUMO: Introduzir o assunto da Climatologia aos novos alunos do curso de Geografia é
sempre um desafio no Departamento de Geografia da USP. A idéia do senso comum da
atmosfera necessita ser trabalhada na formação acadêmica. Para tanto, objetivou-se definir e
demonstrar a Climatologia nos campos de atuação da Meteorologia, como Ciência Exata e na
Geografia, como Ciência Humana. A primeira, iniciando com uma visão do todo, sem as
devidas conexões com o geográfico, mas que atualmente persegue ser mais precisa nestas
interações da atmosfera com o meio. A segunda, que através de uma visão mais próxima do
meio geográfico, ora pela visão Geossistêmica, ora pelos Sistemas Naturais Terrestres de
Superfície, compreende que as interações do estrato geográfico eram mais importantes,
avançando na visão do todo. Assim, desenvolveram-se os conceitos estocásticos da
Meteorologia, bem como as idéias de ritmos e manipulação das diversas escalas que só a
Geografia proporciona. A discussão das premissas destas Ciências, convertendo em um ponto
comum da Climatologia, foi abordada para permitir um contato com os principais autores,
apresentando a visão do clima como um fator dinâmico que interage com as outras áreas da
Geografia, como Geomorfologia, Pedologia etc. e as atividades antropogênicas.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino, Meteorologia, Climatologia.
DISCUTING THE CLIMATOLOGY ALONG THE NEW STUDENTS OF THE
GEOGRAPHY DEGREE COURSE
ABSTRACT: To introduce the subject of Climatology to the new pupils of the course of
Geography is always a challenge in the Department of Geography of USP. The idea of the
common sense of the atmosphere needs to be worked in the academic formation. Therefore, it
was objectified to define and to demonstrate the Climatology in the field of Meteorology as
Exact Science, and in Geography as Human Science. The first one, initiating with a vision of
all without the proper connections with the geographic one, but that currently pursues to be
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the most needed in these interactions of the atmosphere with the way. The Second, through a
closer view to the geographic way, whether through the Geossistemic view or through the
Terrestrial Surface of Natural Science, it understands that the interactions of the geographic
stratum were more important, advancing into the vision of all. Thus, the estocastic concepts of
Metereology were developed, so the ideas of rhythms and manipulation of the diverse scales
that only Geography provides. The premisses discussion of these Sciences, converting into a
common point of the Climatology were adressed to allow a contact with the main authors,
presenting the antropogenic view of the climate as a dynamic factor that interacts with the
other areas of Geography, such as Geomorfology, Pedology etc. and antropogenic activities.
KEY WORDS: Education, Meteorology, Climatology
1 INTRODUÇÃO: O presente estudo visou explanar alguns conceitos básicos sobre a
Climatologia, inserida na Ciência Geográfica, para os alunos recém ingressos no curso de
Geografia da Universidade de São Paulo. O tema proposto integrou a disciplina introdutória
de Fundamentos Naturais da Geografia, que nos remeteu aos conceitos da realidade da
Geografia Física e suas atribuições. A idéia de se apresentar uma aula introdutória de
Climatologia surgiu como um meio de enfrentar os problemas do senso comum sobre a
atmosfera, carregados como bagagem pré-universitária. A experiência, trabalhada com
cuidado no início da formação acadêmica, permite diferenciar os contextos de Meteorologia e
Climatologia Geográfica, na visão dos novos alunos. Para tanto, objetivou-se definir e
demonstrar a Climatologia nos campos de atuação da Meteorologia, como Ciência Exata e na
Geografia, como Ciência Humana.
No trajeto de desmistificar algumas idéias errôneas que vieram do ensino médio, aplicou-se
diversas interrupções, através de questões feitas diretamente ao grupo, tentando formular
respostas que fossem coerentes. Durante o processo de ensino, elencou-se todos os temas que
discernem ou diferenciam a atuação das duas Ciências que focam na Climatologia.
Estabeleceu-se uma jornada para apresentar as proporções da Terra, da atmosfera terrestre
como um todo e finalmente, apenas da troposfera, camada esta que interessa diretamente aos
estudos de clima. Conceitos sobre o estrato geográfico, os Sistemas Naturais Terrestres de
Superfície – SNTS e a Teoria Geral dos Sistemas – TGS foram abordados com diversas
ilustrações que auxiliaram no relato dos temas.
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Durante o processo da aula expositiva, utilizou-se apresentação com lousa, data-show e slides
montados em PowerPoint®, mas não se permitiu que os recursos visuais se sobressaíssem ou
desviassem, em excesso, a atenção dos alunos. O cuidado aqui empregado envolveu textos
curtos, desenhos, gráficos e tabelas, mas todas apresentadas prudentemente após discussão ou
para instigar a curiosidade de um novo tema.
No final, há uma retomada da discussão das premissas das duas Ciências, convertendo em um
ponto comum da Climatologia. Esta abordagem teve o intuito de permitir um contato com os
principais autores, e apresentar a visão de que o clima é um fator dinâmico que interage
inexoravelmente com as outras áreas da Geografia, como Geomorfologia, Pedologia etc. bem
como as atividades antropogênicas.
2 MATERIAIS E MÉTODOS: O material utilizado para a elaboração da aula de introdução
à Climatologia consistiu de lousa, data-show e slides montados em PowerPoint®.
Posteriormente, foi elaborado um material didático, ricamente ilustrado e explanado,
disponibilizado no sítio do Departamento de Geografia, para que os alunos tivessem acesso.
Como método, utilizou-se a aula expositiva, com discurso detalhado sobre os temas
abordados. Contudo, qual seria o diferencial desta aula e seus recursos, tão comuns nos dias
de hoje? Esta foi a questão que serviu de premissa para evidenciar o desafio que o tema da
aula se propõe. Durante a apresentação, tomou-se diversos cuidados no ministrar dos itens
escolhidos. Dentre estes, escolheu-se alguns para serem discutidos.
Começando pelos recursos visuais, de maneira alguma os slides deveriam tomar
completamente a atenção dos alunos. Eles serviram de ancoragem para ilustrar o discurso
proferido pelo docente. Não se utilizou textos longos ou que fossem lidos, mas sim frases
curtas que mantinham o tópico em evidência. Ilustrações, textos, tabelas e desenhos
receberam animações especiais que eram apresentadas conforme necessários. Isto fez toda a
diferença na construção das idéias que eram apresentadas no discurso do professor,
valorizando-o ainda mais. Tal método não deixa o mestre refém dos recursos visuais do
aparato moderno, mas sim, destaca seu conhecimento do assunto, mostrando que as ações dos
slides estão sobre seu controle e que estas, encaixam-se como ilustrações do problema
exposto.
Destaca-se ainda que, em diversas vezes, os alunos foram convidados aos brainstorms. Estas
atitudes são muito construtivas para a montagem ou elaboração do raciocínio e como forma
pessoal que cada um tem de aferir seus próprios conhecimentos. Neste caso, lançou-se
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questões e se solicitou possíveis respostas. A cada intervenção, fez-se novos complementos
até que a idéia toda estivesse completa. Neste instante, entram os recursos visuais dos slides
para chegar a um ponto ilustrativo do que foi discutido. Em outros instantes, a questão é
lançada pelo próprio slide. Posteriormente discutida e finalmente encontra-se a conclusão do
tema. Estas alternâncias prendem mais a atenção dos discentes. Fez-se necessário ter o
controle das intervenções para que estas não atrapalhassem o andamento dos raciocínios em
climatologia, principalmente quando se constróem as idéias sobre as escalas, fenômenos e
áreas de atuação entre as Ciências que foram abordadas neste tema.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO: A apresentação resultou em um detalhado compêndio
que utiliza a noção mais importante da Geografia: as noções de escalas. Destacou-se
inicialmente o planeta Terra dentro do sistema Solar, com diferenciação entre alguns planetas.
Em seguida, a importância em se estudar a atmosfera e como estudá-la. Este mote serviu
como a motivação para abrir o leque de possibilidades de estudos e os campos de atuação da
Meteorologia e da Geografia. A partir deste ponto, o tema recebe a profundidade necessária,
demonstrando as diferenças, similaridades, onde as duas Ciências têm pontos de convergência
e a visão dos principais autores.
Como discurso inicial, começou-se a explanar sobre o planeta Terra: Terceiro planeta do
sistema Solar, cuja estrela, chamada Sol, com um diâmetro de ~1.392.000km,
responsabiliza-se por cerca de 99,5% da energia que incide na superfície da Terra. Além da
Terra, os planetas Mercúrio, Vênus e Marte são classificados como Telúricos, onde a
densidade média oscila em torno de 5g.cm-3. São conhecidos também como planetas internos.
Diferem na composição e tamanho dos planetas externos, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno,
chamados Jupterianos ou Jovianos, em alusão à Júpiter. A composição dos planetas externos,
na maior parte de gases, mantêm suas densidades médias mais próximas de 1g.cm-3 (Saturno,
com a menor densidade do sistema, possui 0,96g.cm-3). Plutão e sua lua Caronte estão sob
avaliação pela Comunidade Astronômica Internacional. Será bem provável que uma terceira
categoria de planetas seja criada: os Plutonianos. Se isto de fato se consolidar, teremos mais
dois planetas contabilizados no sistema: Ceres (um grande planetóide, imerso no cinturão de
asteróides, cuja existência pode ser atribuída por um proto-planeta que não se formou devido
ao Limite de Roche, ou que foi destruído por estar neste limite) e Xena (definitivamente, o
último planeta encontrado).
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Após o detalhamento do sistema Solar, chamou-se a atenção para as particularidades da Terra
em relação à alguns planetas. No caso específico da natureza da Climatologia, destacou-se a
relação do raio da Terra e a espessura da atmosfera, cada vez, aproximando-se mais do objeto
de estudo. Sabendo-se que o seu raio é de ~6.378km, pôde-se fazer algumas comparações
interessantes e a seqüência segue como: com finalidade didática, arredondemos esse número
para 6.000km. Teremos então uma “Terra” com 12.000km de diâmetro. Quanto seria a
medida vertical de toda a atmosfera da Terra? Apenas 400km. Deste “todo” da atmosfera, a
parte que nos interessa, cujas atividades humanas se inserem e onde se concentram cerca de
90% de toda a massa da atmosfera é bem menor. A parte inferior da atmosfera, com maior
densidade, é conhecida por troposfera. Esta camada tem menos de 20km de altura vertical e
inicia-se na superfície. Vendo sob esta óptica, a comparação entre raio da Terra e sua
atmosfera nos indica que esta última é extremamente delgada.
Uma pergunta inicial que o novo aluno deve imaginar é o motivo de se estudar a atmosfera da
Terra em um curso de Geografia. A explicação baseia-se em dois grandes princípios (não
excluindo a hipótese que possam existir outros). O primeiro deles é que a atmosfera da Terra é
integrante dos Sistemas Naturais Terrestres de Superfície – SNTS. No segundo caso, a mesma
atmosfera, de acordo com a visão sistêmica, foi considerada como um sub-sistema, aliada a
outros sistemas que, em sinergia, integram o Geossistema (conceito derivado da Teoria Geral
dos Sistemas – TSG e absorvido pela Geografia com este nome). Na prática, a diferença entre
SNTS e o Geossistema (TGS) é que o primeiro exclui o Homem como elemento do conjunto
(COLANGELO, 2004).
Elucidadas as diferenças, abordemos a atmosfera no conceito de SNTS. Veremos que as
principais orientações da Geografia Física se concentram ou se observam no que é definido
como o Estrato Geográfico Terrestre. Grigoriev, em 1968, determinou que esta “lâmina” da
Terra seria compreendida entre a litosfera e a estratosfera (Fig.1). Mais precisamente, não
muito mais que uma dezena de quilômetros de profundidade na crosta, a partir da superfície
(incluindo, se for necessário, os oceanos) e não mais que duas ou três dezenas de quilômetros
de altura na atmosfera, também partindo da superfície (incluindo toda a primeira camada, a
troposfera, e a parte baixa da estratosfera, onde temos a concentração máxima de produção de
ozônio, a ozonosfera). Este intervalo de 30 a 40 quilômetros seria o palco das sociedades
humanas, com suas organizações, reproduções e grandes mudanças na Natureza (ROSS,
2005).
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Fig.1: Uma representação pictórica do Estrato Geográfico Terrestre (FELICIO, 2008).
Observando-se o esquema octaédrico elaborado por Colangelo, em 1989, percebemos que
duas entidades distintas competem em maior amplitude: Clima e Rocha (Fig.2). As outras
entidades, pertencentes ao plano da superfície, também têm seus respectivos competidores,
contudo, são ortogonais às duas principais entidades. Nesta disputa de forças endógenas e
exógenas, o Clima, representado pela atmosfera, aparece como principal agente, com
habilidades móveis notáveis (transportes de massa e energia vigorosos e constantes). Se
analisarmos por esta perspectiva, esta premissa já nos basta para considerarmos o clima como
um dos principais aspectos geográficos, notórios de serem estudados pela Geografia. Sua
atuação poderá ser expressa por efeitos tanto mecânicos, quanto químicos.
Fig.2: Esquema octaédrico de concorrência das forças endógenas e exógenas que pertencem ao SNTS e atuam no Estrato Geográfico Terrestre (Fonte: COLANGELO, 2004).
O estudo da atmosfera, a priori, é dado a um ramo das Ciências da Terra, conhecido como
Meteorologia. Esta Ciência engloba, em sua constituição, diversas disciplinas, a saber: Física,
Química, Matemática, Computação, Instrumentação, Astronomia, Oceanografia e a própria
Meteorologia. Tem como meta, ser completamente objetiva, muito mais calculista e, as vezes,
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estocástica, do que descritiva. Usa todos os atributos das Ciências citadas anteriormente para
tentar interpretar, explicar e prognosticar os fenômenos atmosféricos. A Meteorologia, em seu
sentido mais amplo, é uma Ciência extremamente vasta, pois a atmosfera é muito extensa,
variável e sede de um grande número de fenômenos. Contudo, podemos verificar que certas
idéias e conceitos básicos estão presentes em todas as áreas da Meteorologia.
A Meteorologia é dividida em dois grandes grupos (como diversas outras Ciências que
tendem a ter um uso mais pragmático das suas habilidades): A Meteorologia Pura estuda esta
vasta Ciência com o objetivo de pesquisa, nas sub-áreas de Sinóptica (o grande forte da
Meteorologia) Dinâmica, Biológica, Química etc.; A Meteorologia Aplicada estuda as
descobertas meteorológicas no emprego das atividades humanas: marítima, aeronáutica,
agrícola, hidráulica etc.
Contudo, estuda-se a atmosfera também por um dos ramos ambíguos da Meteorologia e da
Geografia: a área de Climatologia, pois esta pertence às duas Ciências, porém, possuem
propósitos diferentes dentro de cada uma delas. Vejamos esta dualidade com cuidado.
Comecemos com o cerne de atividades em que trabalham as duas Ciências que empregam a
Climatologia, já que ambas possuem variações metodológicas, teóricas e até de pontos de
vista:
Na Meteorologia, Ciência da área de Exatas (chamadas duras) o principal foco e realizar
prognósticos de tempo para 12 ou 24 horas, a até uma semana. Normalmente, a Climatologia
aparece como um dos campos de estudo para auxiliar as avaliações da atmosfera primitiva,
permitindo realizar prognósticos de longa duração (ou sazonais). Também auxilia nas
comparações estatísticas de diversos períodos. Para a Meteorologia, a Climatologia pode
auxiliar na descoberta dos estados médios da atmosfera, permitindo expressar tendências
climáticas. É possível realizar rastreamento através de registros meteorológicos seriados de
longa duração, com no mínimo, cinco anos (visões de Hann / Köppen). A Climatologia pode
expressar médias de parâmetros meteorológicos em várias escalas temporais.
Nas Ciências Humanas (Geografia) a Climatologia pode representar uma sucessão de estados
atmosféricos (o tempo meteorológico e as suas variações). Este conceito tenta expressar a
idéia de ritmos, com a troca de estados da atmosfera sobre um determinado lugar,
caracterizando ou sendo caracterizada por ele (visões de SORRE, 1930; MONTEIRO, 1973).
Pode-se entender que a Climatologia caracteriza-se também pelo estado habitual da atmosfera
sobre um determinado lugar.
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Contudo, se olharmos com cuidado, “estado habitual” e “média dos parâmetros
meteorológicos” podem representar a mesma teoria, por meio de pontos de vista diferentes
(talvez a polissemia entre as Ciências?). Atualmente, este é o novo paradigma da Climatologia
na Geografia (AZEVEDO, 2001).
As diferenças também não param apenas na visão conceitual. Para ambas as Ciências, os
conflitos podem surgir por motivos de escalas (espaço e tempo), além das teorias e métodos.
A Meteorologia normalmente observa apenas três escalas, com variações internas a elas
mesmas, caracterizadas como Alfa (α) Beta (β) e as vezes, Gama (γ). Na Geografia, o
pesquisador se arma de diversas escalas de observação, conforme a Natureza a ser estudada
(pode-se imaginar, didaticamente, um controle de Zoom mirado para o alvo de sua pesquisa).
Devemos entender também que na área de Meteorologia, como parte integrante da Física
Aplicada, a atmosfera começou a ser entendida como um ente ideal, onde há uma
parametrização de sua estrutura com rígidas regras, a saber: Pode ser modelada por um
conjunto de equações, conhecidas como Equações Primitivas do Movimento, que operam sob
regras específicas; É um fluido adiabático; É um fluido não viscoso; Define a coordenada
vertical como sendo a altura geométrica.
A partir deste momento, a modelagem em escala global poderia ser entendida pelas Equações
Primitivas do Movimento: Equação do Movimento Horizontal; Equação da Hidrostática;
Equação da Continuidade; Equação da Termodinâmica; e Equação de Estado.
Na visão da Geografia, a atmosfera faz parte de um todo e interage como parte integrante
deste. Portanto, as suas diversas escalas de trabalho permitiram que suas teorias e métodos se
fortalecessem de maneira diferente. É preciso se preocupar com o geográfico. Desta maneira,
observação e descrição tornam-se muito importantes e não podem ser abandonados, o que é
perfeitamente correto. As explicações dos fenômenos da atmosfera surgirão desta íntima
relação com o meio que cerca o geógrafo, na sua crítica visão de mundo (por que as coisas são
o que são e por que as coisas estão onde estão?). Neste instante, formula-se (matemática ou
empiricamente) teoriza-se (como funcionam e operam os fenômenos e suas relações)
rescreve-se o que há de novo, o que foi descoberto. Há uma percepção que o objeto em estudo
é uma interpretação do mundo. E quando surgiu um conflito na Climatologia? De um lado,
quando a Ciência Meteorologia percebeu que necessitava saber do geográfico para poder
interpretar melhor os fenômenos atmosféricos, quando se aproximava cada vez mais das
rugosidades do estrato geográfico (naturais e/ou antropogênicas). Por outro lado, quando a
Ciência Geografia percebeu que necessitava entender quantitativamente e se armar de
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ferramentas da Matemática para poder entender certos aspectos do clima como um todo
(Fig.3).
Fig.3: A Meteorologia e a Climatologia da Geografia (com ou sem a TGS) partiram de objetivos diferentes, mas, com o passar dos anos, convergiram para os pontos iniciais de cada uma das Ciências (FELICIO, 2008).
Fez-se necessário também entender que ambas as Ciências, na área de Climatologia, elaboram
estudos teóricos para entender, explicar e conceituar os fenômenos na atmosfera, suas causas
e conseqüências. Além destes, em ambas as Ciências, a Climatologia gera estudos
pragmáticos, como uma “Engenharia”, que visam aplicações práticas de maior ou menor
abrangências. Contudo, percebe-se que apenas na Climatologia dentro da Geografia, que se
apoiam estudos mais críticos sobre a atmosfera. Estes, visam posicionar e auferir críticas
racionais aos processos pragmáticos do uso e do entendimento da atmosfera, no emprego
geral das atividades humanas. Pode-se dizer que há uma ontologia e epistemologia da Ciência
chamada de Climatologia. Ex.: Aquecimento Global Antropogênico – Verdade ou Fraude?!
Esta pergunta dificilmente será feita fora deste ambiente que a Geografia proporciona (há um
caráter filosófico dentro desta Ciência que abre as discussões). Contudo, como há grande
divergência dos pesquisadores dentro das duas Ciências, é possível que, no futuro, ambas
possam ter pontos de convergência, respeitando suas individualidades.
Uma vez discorrido as particularidades e semelhanças, necessitou-se definir a idéia do que
seria o clima: O clima representa a interação entre qualquer superfície do globo terrestre
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(natural ou antropogênica) com a atmosfera em diversas escalas. A Climatologia surge para
estudar os diversos tipos de climas. Como o estrato geográfico, na sua intimidade, apresenta
uma infinidade de tipos de superfície, teremos uma infinidade de tipos de climas (Fig.4).
Conforme se afasta da superfície, este número vai reduzindo, pois muda-se para uma escala
de observação em que os detalhes não importam. Mas ao se aproximar da superfície, o
número de climas aumenta. Então, para cobrir esta miríade de possibilidades, os estudos da
Climatologia podem trabalhar em diversas escalas, segundo o propósito e aplicação destes
mesmos estudos.
Fig.4: A rugosidade da superfície pode ser entendida como todos os elementos que a constituem, sejam naturais (montanhas, lagos, oceanos, florestas, campos) quanto antropogênicos (plantações, represas, cidades etc.). Cada um destes elementos sugere uma interação diferente com a atmosfera da Terra, influenciando ou sendo influenciado. Desta maneira, nas escalas próximas dos objetos geográficos, aumentam-se os tipos de climas (FELICIO, 2008).
A seguir, invertendo-se os papéis propositalmente e chamando-se a atenção para este fato com
os alunos, definiu-se o objeto de estudo, ou seja, a própria atmosfera: Por definição, é um
corpo extenso de gases, presos pelo campo gravitacional da Terra e pertence ao grupo de
fluidos geofísicos do planeta (oceanos, atmosfera, manto). Como a atmosfera é um fluido,
poderemos considerá-la como um oceano, cujo fundo é a superfície dos continentes e mares.
Contudo, por ter uma espessura muito pequena em relação ao raio da Terra (na proporção de
0,0627km) consideraremos a atmosfera como um oceano de águas rasas. Verifica-se que a sua
constituição gasosa permanece estável nas proporções de 78,00% de nitrogênio, 21,00% de
oxigênio, 0,93% de argônio e 0,07% de gases traços, onde estão inclusos neste cômputo de
traços, também o dióxido de carbono, em apenas 0,033%, todos os outros gases nobres etc.
(Fig.5). A atmosfera é uma palavra que designa apenas o corpo gasoso referente ao planeta
Terra. Ela é empregada “erroneamente” para falar dos corpos gasosos de outros planetas, por
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falta de um termo melhor. A atmosfera é a sede dos mais diversos fenômenos meteorológicos
(eventos) e seus agentes, os meteoros (coisas).
Fig.5: Constituintes atmosféricos em suas proporções estáveis.
Os meteoros foram definidos pelos antigos gregos como os corpos ou entidades suspensos na
atmosfera da Terra. Contudo, modernamente, esta definição foi reescrita, já que precisamos
discernir outros corpos que passeiam na atmosfera, como aviões, pássaros etc. Então,
modernamente, os meteoros são definidos como corpos ou entidades, suspensos na atmosfera
da Terra, mas que possam produzir fenômeno meteorológico. Exemplos, nuvens, geram
relâmpagos, precipitação líquida etc. Gotas de água suspensas, geram chuvas, flocos de neve
surgem e produzem nevascas e assim por diante. Estes fenômenos atmosféricos ocorrem em
diversas partes do globo, contudo, alguns deles são mais específicos de ocorrer em certas
áreas, permitindo que sejam tratados como características regionais. Neste ponto de vista, os
fenômenos se tornaram aspectos geográficos, tornando-se assim, mais uma vez, foco dos
estudos da Geografia.
Finalmente, o fechamento da exposição realçou o uso das escalas da Climatologia. Nesta
abordagem, destacou-se na Ciência Geográfica a sua enorme flexibilidade no uso das escalas.
No âmbito corológico e cronológico, algo indissociável, a Climatologia se apropria desta
premissa e emprega a escala que for mais conveniente ao estudo ora abordado (Fig.6). Nestes
termos, os panoramas climáticos podem ser definidos do macro ao micro. Contudo, destaca-se
que o grande fomentador de toda a dinâmica da atmosfera é a energia proveniente do Sol. Ele
instiga a atmosfera, com interações de altas energias na parte superior, como a ionosfera, mas
a maior quantidade desta energia, em forma de ondas curtas, atinge a superfície do planeta. O
modo como esta incidência ocorre, define os macro sistemas climáticos e a dinâmica que
neles é gerada. A rugosidade do estrato geográfico e seus constituintes definirão outras
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diversas interações climáticas, tornando-se cada vez mais importantes, conforme se aproxima
da escala real na interpretação dos fenômenos.
Fig.6: Corologia e cronologia são partes integrantes dos estudos de Geografia. Com a Climatologia não é diferente. Utiliza-se diversas escalas espaço/temporais conforme o objeto do clima a ser estudado (FELICIO, 2008).
No encerramento da aula, levantou-se as idéias de modelagens teóricas para o melhor
entendimento do clima como um todo. Começou-se a explanação pela circulação geral da
atmosfera, e seu modelo tri-celular até chegar à teoria frontal, análises sinópticas, ritmos
dinâmicos da atmosfera etc. Os centros báricos, representados pelas altas e baixas pressões
atmosféricas, as forças reinantes e os efeitos de curvatura da Terra (Coriolis) foram
explanados em um didático exercício, onde a idéia do embate dos centros báricos e a
formação de frentes fria e quente são colocados à prova. Fez-se uma analogia do modelado
para a realidade: teoria e prática (Fig.7). Ressaltou-se que das necessidades de pesquisa e de
elaborações mais pragmáticas da interpretação do Clima, surgem os modelos de ordens
superiores. Estes, tentam representar mais fidedignamente a atmosfera da Terra e a sua
Climatologia (Fig.8).
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(A)
(B)
Fig.7: Do modelado (A) a uma aplicação na realidade (B). Nota-se que os centros de alta pressão (H) se confrontam, mas o embate não se apresenta como se fossem “gotas” perfeitas. É necessário adicionar o efeito de Coriolis, já que os sistemas envolvidos são grandes o suficiente para terem efeitos inerciais. O mesmo ocorre com o centro de baixa pressão (L) que serve como pivô do sistema da Frente Fria (σσσ). Imagem de satélite obtida do CPTEC, adaptada em figura por FELICIO, 2008).
Fig.8: Exemplo de saída visual de um modelo de Meso escala (Fonte: NOAA, 2008).
Guardou-se para o final uma questão que foi ressaltada como digna da discussão que apenas a
Ciência Geográfica proporciona: A idéia de que deve-se entender que as modelagens são uma
construção humana, através da sua interpretação de mundo. Nestes termos, repousa a
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subjetividade inerente a quem elabora o modelo, mesmo que o cientista ou pesquisador tenha
uma busca frenética em ser objetivo.
Ainda que os modelos busquem a perfeição, eles nunca devem ser entendidos como uma coisa de fato. Os modelos são e serão representações imperfeitas da realidade, pois só assim que eles podem ser entendidos como modelos, caso contrário, seriam a própria realidade.(SOUZA, 2007:26).
4 CONCLUSÕES: Embora não tenha sido possível aplicar uma avaliação objetiva do tema
proposto, verificou-se a boa aceitação das explanações, pelas abordagens dos alunos, durante
e após o encerramento da atividade acadêmica. O número de pessoas interessadas em elucidar
as dúvidas sobre o tema foi significativo, estendendo o aprendizado após o tempo normal de
aula que durou quatro horas. Como produto final, todo o assunto abordado, neste artigo, foi
minuciosamente transformado em material didático, facilitando a consulta regular pelo sítio
do Departamento.
Ressaltou-se aos alunos que embora o objetivo da Climatologia, em geral, seja estudar a
localização, gênese e evolução espaço/temporal dos fenômenos meteorológicos e climáticos
(coisas e eventos) a criação de uma taxonomia climática ainda está longe de ser concluída,
pois a atmosfera da Terra é extremamente vasta, composta de um fluido altamente dinâmico e
que interage expressivamente com os outros constituintes geográficos.
5 AGRADECIMENTOS: Agradeço o auxílio da geógrafa e professora, Daniela Miranda de
Souza pela revisão do texto e das diversas discussões das necessidades da Geografia, muito
úteis na formação deste artigo.
Agradeço ao aluno de graduação, Marcel Rodrigues dos Santos Ligabô pela segunda revisão.
6 REFERÊNCIAS: AZEVEDO, T. R. Derivação antrópica do clima na Região Metropolitana de São Paulo abordada como função do ritmo semanal das atividades humanas. 2001. 434 f (mais anexos). Tese (doutorado). Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo; BRASIL, INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – DSA, Departamento de Satélites Ambientais. Disponível em: <http://satelite.cptec.inpe.br/home/> Acesso em: 29 de set. de 2004.
Anais do 8° Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica 24 a 29 de agosto de 2008 – Alto Caparaó/ MG
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