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CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOLOGIA E GEOFÍSICA MARINHA PRH-11
ANDERSON LUIZ MOREIRA LOPES
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO SEDIMENTAR QUATERNÁRIA DA PLATAFORMA CONTINENTAL SUL DA BACIA DE
CAMPOS COM BASE EM ESTRATIGRAFIA SÍSMICA E
SONOGRAFIA
NITERÓI 2004
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA – LAGEMAR
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
GEOLOGIA E GEOFÍSICA MARINHA
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO SEDIMENTAR
QUATERNÁRIA DA PLATAFORMA CONTINENTAL
SUL DA BACIA DE CAMPOS COM BASE EM
ESTRATIGRAFIA SÍSMICA E SONOGRAFIA
Anderson Luiz Moreira Lopes
Orientador: Prof. Dr. Cleverson Guizan Silva
Dezembro, 2004
ii
ANDERSON LUIZ MOREIRA LOPES
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO SEDIMENTAR QUATERNÁRIA DA PLATAFORMA
CONTINENTAL SUL DA BACIA DE CAMPOS COM BASE EM
ESTRATIGRAFIA SÍSMICA E SONOGRAFIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geologia e Geofísica Marinha da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Ciências (M.Sc.). Área de concentração: Geologia e
Geofísica Marinha.
Aprovada em___ de Dezembro de 2004
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Cleverson Guizan Silva - Orientador LAGEMAR/UFF
______________________________________________________________ Profª Dra. Isa Brehme
LAGEMAR/UFF
Dr. Arthur Ayres Neto
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ÍNDICE 1. Introdução 01
2. Área de estudo 03
2.1. Aspectos Gerais 03
2.2. Evolução Sedimentar Terciária e Quaternária 05
2.3. Plataforma Continental 10
2.3.1. Morfologia 10
2.3.2. Cobertura Sedimentar 14
2.3.3. Tectonismo Recente 16
2.4. Condições Meteorológicas e Oceanográficas 18
3. Dados e Métodos Utilizados 22
3.1. Sísmica 22
3.1.1. Dados Pretériros 22
3.1.2. Dados Inéditos 22
3.1.2.1. Processamento Sísmico Multicanal 25
3.2. Sonografia, Cobertura Sed imentar e Movimento
Oscilatório gerado por Ondas 31
3.2.1. Sonar de Varredura Lateral 31
3.2.2. Relação entre a Cobertura Sedimentar e Clima de Ondas
34
3.2.3. Simulação da Propagação de Ondas 35
4. Resultados e Discussão 36
4.1. Meso-Pleistoceno 36
4.2. Transgressão Holocênica ao Presente 48
4.3. Relação entre Cobertura Sedimentar e Hidrodinamismo 52
5. Conclusões 59
6. Referências Bibliográficas 61
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ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Localização da área de estudo na plataforma da Bacia de Campos. 4
Figura 2. Evolução das fases deposicionais do sistema turbidítico Oligocênico da Bacia de Campos (Peres, 1993). (A) Pouca quantidade de areia é transportada através da quebra da plataforma (X). (B) Após pulsos tectônicos, a quebra da plataforma (Y) é deformada e grandes fluxos turbidíticos são gerados por falhas nos sedimentos inconsolidados de plataforma, marcando o início da fase progradacional. (C) Com o rebaixamento máximo do nível do mar o sistema alcança o auge de retrabalhamento e transporte de areia, marcando a fase agradacional. (D) Durante a subida do nível relativo do mar, menor quantidade de sedimentos é transportada para mar profundo e o sistema é gradualmente abandonado, caracterizando a fase retrogradacional. Pequena parte do sedimento arenoso é preservada na plataforma continental no final do ciclo deposicional. As setas cheias na seção evaporítica indicam halocinese, enquanto aquelas sobre a queda da plataforma indicam a intensidade de fluxos turbidíticos plataforma para o fundo da bacia. As setas vazias representam a carga de subsidência provocada pelos depósitos de mar profundo. 6
Figura 3. Acima, localização das linhas sísmicas analisadas por Azevedo Jr. (1991). No centro a linha norte, onde a sequência quaternária (7) sequer é individualizada. Abaixo a linha ao sul da Bacia de Campos, notar a alta taxa de sedimentação representada pelo incremento na seqüência 7. 9
Figura 4. Perfil batimétrico representando a morfologia identificada por Silva (1987) ao longo da plataforma ao sul do Cabo de São Tomé. 11
Figura 5. Imagem de sonar de varredura lateral sobre os lineamentos interpretados como indício de estabilização de nível do mar na plataforma externa (Correa, 2001). 13
Figura 6. Distribuição de fácies sedimentares na área de estudo (Dias, 2000). 15
Figura 7. Mapa estrutural sísmico do Gráben de São João (Mohriak e Barros, 1990), com contornos espaçados em 50 ms em tempo duplo. As curvas de nível representam profundidades para uma velocidade intervalar de 2000 m/s para o pacote sedimentar. 17
Figura 8. Percentual de intensidade dos ventos para o quadrante N, NE e E (Pinho, 2003). 19
Figura 9. Percentual de ocorrência de direções de ventos na Bacia de Campos (Pinho, 2003). 19
v
Figura 10. Navegação dos levantamentos utilizados neste trabalho. 23
Figura 11. Elementos do conjunto utilizado na aquisição sísmica multicanal: centelhador (a), sismógrafo (b) e cabo contendo os hidrofones (c). 24
Figura 12. Geometria de aquisição. 24
Figura 13. Fluxograma envolvendo as etapas de pré-processamento e processamento sísmico multicanal. 26
Figura 14. Malha sísmica total utilizada mono e multicanal) após eliminação de perfis multicanais com problemas relativos à navegação. Notar nomenclatura utilizada para identificação das linhas (vide anexo). 29
Figura 15. Família CDP com os traços sísmicos brutos à esquerda (notar no retângulo vermelho o destaque para o ruído de 60 Kz). À direita, família CDP contendo os traços sísmicos filtrados. 29
Figura 16. Exemplo de espectro de velocidade (esquerda) e gráfico velocidade x tempo aplicado à correção NMO das CDP. 30
Figura 17. Exemplo de perfil sísmico gerado. 30
Figura 18. Sonar utilizado nos levantamentos sonográficos. 32
Figura 19. Em A os levantamentos sonográficos realizados, com o segundo levantamento (em vermelho) detalhado em B. 33
Figura 20. Esquema de sucessão de unidades sísmicas (U1, U2, U3, U4) e superfícies limitantes (S1, S2, S3, S4, S5). 37
Figura 21. Geometria das unidades sísmicas encontradas na área de estudo (acima) e a profundidade do Marco P (abaixo e à direita) de Silva (1992). Abaixo e à esquerda, localização do perfil sísmico (linha vermelha) e da área de estudo de Silva (1992). 38
Figura 22. Truncamentos das unidades sísmicas pelo refletor representativo do assoalho marinho e depósitos superficiais. 39
Figura 23. Interseção do refletor S1 (linha amarela) com o assoalho marinho (S5) estimada a partir dos truncamentos observados nas linhas dip (ver figura 19). 41
Figura 24. Paleocanais preservados em subsuperfície da plataforma continental sul da Bacia de Campos. As cores das linhas seguem a correspondência com as superfícies apresentadas na figura 17. As linha tracejadas em vermelho delineam a continuação do canal associado a superfície erosiva S3 e encontrados nos perfis Linha Geomar Leste e Linha 3 A (vide anexos).. 42
Figura 25. Curva de isótopos de Oxigênio para os últimos 600000 anos com a comparação da duração entre os intervalos de elevação e máximo e descida e mínimo eustáticos para o último 0,5 milhão de anos (A) e tendência geral de variação climática durante esse período 45
vi
(B) geraram interpretação para a gênese das superfícies discordantes e unidades sísmicas na plataforma continental sul da Bacia de Campos (C e D).
Figura 26. Interpretação de depósitos transgressivos e de mar alto (em vermelho) presentes no registro estratigráfico da plataforma continental do Golfo de Cadiz (modificado de Hernández-Molina et al., 2000). A espessura máxima entre esse corpos alcança cerca de 25m na plataforma média. 47
Figura 27. Curvas de subida do nível do mar propostas por Bard et al. (1990) a partir de datações de corais por C14 e U-Th. Na curva de U-Th intervalos de subida lenta e associados a antigas posições de face de praia na área de estudo são marcadas por linhas tracejadas em preto, enquanto subidas aceleradas são indicadas por linhas travejadas em azul. 49
Figura 28. Distribuição dos levantamentos sonográficos em relação à Carta Sedimentar da Bacia de Campos de Dias (2000). 51
Figura 29. Acima posicionamento das imagens que mostram mudança na orientação das dunas conforme as isóbatas. Abaixo e à esquerda as dunas a 17 m de profundidade têm suas cristas alinhadas no sentido E/NE-O/SO, enquanto no canto inferior direito estas formas possuem orientação N/NO-S/SE sob 36 m de lâmina d’água. 54
Figura 30. Distribuição da velocidade do fluxo orbital decorrente da refração de uma onda de sul com 1,5 m de altura e período de 6s sobre a região onde são observadas as formas de fundo. O ponto assinalado na figura indica a posição do ponto B da figura 30. 58
Figura 31. Distribuição de valores de altura após a refração da mesma onda citada na figura 31. 58
vii
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela A. Período significativo (Ts) da onda monocromática e respectivo fluxo capaz de mobilizar areia muito fina (Utmf) e areia grossa (Utg). 55
Tabela B. Velocidade do fluxo oscilatório a 17m (Uo17) e 36m (Uo36) de profundidade para diferentes condições de mar. NE designa mar de nordeste, NE+S de nordeste com marulhos de sul, SE de sudeste e SO de sudoeste, subscritos méd e máx caracterizam condições médias e máximas, respectivamente, associadas a respetivos períodos (Ts) e alturas significativas (Hs). As velocidades assinaladas em azul são capazes de mobilizar apenas os grãos classificados como areia muito fina, as em vermelho mobilizam tanto os grãos muito finos como os grosseiros, enquanto as em preto não mobilizam areia. 57
viii
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Professor Cleverson Guizan Silva, pela forma como me orientou neste trabalho, dando liberdade para o desenvolvimento do tema proposto mas sempre participando com críticas e sugestões incríveis. Sua participação foi fundamental na execução e conclusão deste trabalho.
Agradeço à Professora Isa Brehme e ao Doutor Arthur Ayres por participarem da
banca. Suas análises na pré-banca foram de importante contribuição para esta dissertação. Agradeço ao Professor Jurandyr Schmidt pela ajuda no processamento de dados
sísmicos. Sempre solícito e transferindo conhecimento teve participação decisiva neste estudo.
Agradeço ao Professor Gilberto Dias pela participação na aquisição, pela
preparação e contribuição na interpretação das imagens sonográficas, além das discussões relacionadas à area de estudo.
Agradeço ao LAGEMAR pelo aprendizado adquirido, que vai além da parte
acadêmica. Às secretárias Eneida e Jenny por se apresentarem sempre solícitas e pacientes. Agradeço à ANP – Agência Nacional de Petróleo - pela bolsa concedida e auxílio
na participação de congressos.
Agradeço a todos os colegas (estagiários, mestrandos e doutorandos) pelos momentos de descontração compartilhados. Em especial meus colega de turma, Natasha, Gustavo e Estefan. Também não há como esquecer da Flávia, Lúcia, Valdenira, Cláudia, Valterlene, Ricardo, Maurício, Thiago, Léo e Edísio.
Agradeço ao Thiago e ao Gustavo por me ajudarem, de verdade, em momentos
decisivos da dissertação. Agradeço á minha família por serem a base de tudo. Agradeço aos meus pais por
terem confiado em mim e por me apoiarem durante toda a minha vida, aos meus irmãos Aline e André e à vó Lelete. Agradeço especialmente à vó Irydé, a quem serei eternamente agradecido por ter tido o seu carinho durante 30 anos.
Agradeço à minha esposa, Patty, pelo amor, carinho e companheirismo. Por estar
junta comigo nessa jornada. Obrigado ao meu filho Caio por me dar o incrível prazer de sentir amor de pai e
também pelas boas gargalhadas sempre compartilhadas
ix
Aqui repetirei um agradecimento feito na minha monografia de graduação e que continuará sendo repetido em minha existência. Agradeço a Deus pela existência do mar, onde tive a oportunidade de crescer academica e profissionalmente e onde existem ondas que proporcionam a incrível sensação sentida por quem desliza em suas paredes.
Enfim, agradeço a todos que me ajudaram nesta caminhada, direta ou indiretamente.
Desde quem me deu aula até aquele que contribuiu com um singelo desejo de boa sorte o meu eterno agradecimento.
x
RESUMO
Levantamentos sísmicos na plataforma continental sul da Bacia de Campos
demonstraram a sucessão de unidades sísmicas interpretadas como
representativas de seqüências deposicionais de alta freqüência desenvolvidas a
partir do Meso-Pleistoceno, há cerca de 0.5 milhão de anos. Estas são limitadas
por refletores formados por superfícies com origem na sucessão de diferentes
estágios da variação relativa do nível do mar. O caráter erosional destes refletores
fica comprovado pela existência de paleocanais associadas a todas estas
superfícies.
A superfície atual da plataforma continental, por sua vez, reflete processos
deposicionais e erosionais herdados da transgresão holocênica. Imagens sonográficas
demonstram características da cobertura sedimentar da plataforma continental interna
e média típicas de depósitos transgressivos resultantes do recuo da face de praia.
Formas de fundo atuais sobrepostas a esse substrato comprovam a capacidade de
remobilização dos sedimentos por parte das condições hidráulicas vigentes nesta
região da Bacia de Campos.
xi
ABSTRACT
Stacked seismic units on the southern continental shelf of Campos Basin are
interpreted as high frequency sequences deposited since the Middle Pleistocene, 0,5
m. y. ago approximately. The bounding surfaces are seismic reflectors related to
erosional events developed during different stages of sea level. The erosional
character of these reflectors is confirmed by the existence of incised palaeochannels.
The present continental shelf surface reflects depositional and erosional processes
related to the Holocene transgression. Side scan sonar images showed that the
sediments veneering the middle and inner continental shelf are inherited from the
shoreface retreat during last transgression. Present bedforms confirm the capacity of
the hydraulic conditions to remobilize the surface sediments on the southern
continental shelf of Campos Basin.
1
1. Introdução
A evolução sedimentar Quaternária das plataformas continentais foi
induzida pelas variações de nível de mar relativo. Estas proporcionaram a
construção de um pacote estratigráfico constituído por seqüências sedimentares
de alta freqüência. A aplicação da sismoestratigrafia tem possibilitado a
interpretação da influência de distintas combinações entre suprimento e dispersão
sedimentar, tectonismo e ciclos glácio-eustáticos na formação destas seqüências
(Ridente e Trincardi, 2002; Ludmann et al., 2001; Hernández-Molina et al., 2000a;
Chiocci et al., 1997, por exemplo).
Durante a elevação do nível do mar após a última glaciação (Bard et al.,
1990), processos deposicionais e erosionais resultaram em feições morfológicas
afogadas nas plataforma continentais. Além disso, essa etapa transgressiva
formou depósitos sedimentares superficiais pelo retrabalhamento de material
previamente depositado. Esta cobertura sedimentar continua sofrendo
remobilização devido ao dinamismo imposto a esta região pelo regime hidráulico
(Nittrouer e Wright, 1994). Esta interação em combinação com outras variáveis,
tais como arcabouço estrutural e topografia antecedente, resulta na ocorrência de
variadas formas de fundo no assoalho marinho (Bastos et al. 2003; Li e Amos,
1999; Amos et al., 1996; Amos et al., 1988; Duke, 1985).
O objetivo principal deste trabalho é analisar a evolução sedimentar recente
e os processos atuais na plataforma continental ao sul da Bacia de Campos. A
evolução pretérita deste trecho da plataforma continental é avaliada partir de perfis
sísmicos mono e multicanais, enquanto a situação atual da faixa compreendida
entre 15 e 40 m de profundidade é interpretada a partir de imagens sonográficas e
amostras de sedimentos.
A interpretação sismoestratigráfica da evolução sedimentar Quaternária
pode explicar, através de analogia, como se deu o transporte de sedimentos da
área fonte para os depósitos de mar profundo que constituem os principais
reservatórios da Bacia de Campos. Por sua vez, os processos atuais podem
2
fornecer informações referentes às condições hidrodinâmicas impostas à
plataforma continental interna e média da Bacia de Campos. Esta análise pode
auxiliar o planejamento de instalações de estruturas submarinas relacionadas, por
exemplo, tanto à industria do petróleo e gás como a atividades preservacionistas,
como a instalação de recifes artificiais.
A interpretação sismoestratigráfica do Meso-Pleistoceno ao recente, na
plataforma continental sul da Bacia de Campos, proporcionou a identificação de
unidades sísmicas representantes de ciclos deposicionais dominados por estilos
progradante e limitadas por superfícies com forte caráter erosional. Além disso,
estas unidades forma interpretadas como seqüências moldadas principalmente
pelas variações glacio-eustáticas de alta freqüência (em torno de 100000 anos) e
alta amplitude (cerca de 120 metros).
As imagens obtidas como o sonar de varredura lateral apresentam formas
no assoalho oceânico, compostas por sedimentos herdados da transgressão
holocênica, e geradas pela interação entre esta cobertura sedimentar e o
hidrodinamismo proporcionado pelas condições do mar. Dados de ondas
disponíveis para a área de estudo indicam que estas formas são resultantes de
processos atuais e que o material constituinte do assoalho oceânico no intervalo
estudado sofre freqüente remobilização.
3
2. Área de Estudo
2.1. Aspectos Gerais
A área de estudo (figura 1) se localiza na porção sul da plataforma
continental da Bacia de Campos, entre Búzios e o Cabo de São Tomé. Esta bacia
marginal ocupa área total ligeiramente superior a 100000 km2 e está limitada a
norte pelo Alto de Vitória, que a separa da Bacia do Espírito Santo à latitude
20.5ºS. Seu extremo sul é o Alto de Cabo Frio que a destaca da Bacia de Santos
a 23ºS. Seu limite oriental alcança a elevação continental (Platô de São Paulo) a
cerca de 3400 m de profundidade, enquanto o embasamento cristalino aflorante
no continente, em contato com sua pequena área emersa (cerca de 500 km2), se
apresenta como o extremo oeste.
A evolução tectono-estratigráfica da Bacia de Campos, da mesma forma
que as demais bacias mariginais orientais brasileiras, associa-se ao
desenvolvimento do Oceano Atlântico Sul. O rifteamento Mesozóico culminou com
a separação de dois extensos e rígidos blocos - América do Sul e África – e os
sedimentos recobrindo as suas bacias marginais têm sido depositados desde o
Jurássico até o Recente (Chang et al., 1992). Sua espessa coluna sedimentar
chega a alcançar 7000 m no talude continental e registra três megassequências
principais: uma unidade basal não marinha, correspondente à fase rift eocretácea;
uma unidade transicional afetada por halocinese, com falhamentos lístricos,
relacionada ao estágio proto-oceânico, ou fase drift; e, finalmente, uma unidade
marinha franca (carbonática no início e predominantemente siliciclástica
posteriormente) (Dias et al., 1990).
5
2.2. Evolução Sedimentar Terciária e Quaternária
No Terciário, já na fase marinha predominantemente siliciclástica ocorre
uma sensível mudança no estilo sedimentar. O grande aporte sedimentar e o
espaço de acomodação progressivamente mais reduzido resulta em sequências
progradantes, feições offlap, assentadas sobre o preenchimento de estilo
retrogradacional das sucessões do Cretáceo Superior (Chang et al., 1992; Cainelli
e Mohriak, 1999).
A intensa sedimentação iniciada no Terciário influenciou a morfologia de
toda a margem continental desta bacia, provocando a progradação da plataforma
e do talude continental (Gorini et al., 1998). A notável progradação dos sedimentos
produziu uma cunha sedimentar no Terciário Superior de mais de 3500m de
espessura (Cainelli e Mohriak, 1999) deslocando, durante o Plioceno, a borda da
plataforma para leste, somando cerca de 4 km de acresção (Silva, 1992).
No que diz respeito à relação entre fisiografia e suprimento sedimentar, as
plataformas rasas tinham a função de armazenar enormes volumes de areia
(figura 2). Tais depósitos arenosos rasos - Formação Emborê (Dias et al., 1990) -
constituíram-se nas principais fontes para a formação de turbiditos (Membro
Carapebus) durante os períodos de rebaixamento relativo do nível do mar (Peres,
1993).
Associados às partes externas destas plataformas, em nível de mar
crescente, desenvolveram-se bancos carbonáticos, os quais, nos períodos em que
o sistema transgressivo atinge o nível máximo, se relacionam a zonas de
condensação ou seções condensadas, que se desenvolvem até as regiões de
planície abissal.
6
Figura 2. Evolução das fases deposicionais do sistema turbidítico Oligocênico da Bacia de Campos
(Peres, 1993). (A) Pouca quantidade de areia é transportada através da quebra da plataforma (X).
(B) Após pulsos tectônicos, a quebra da plataforma (Y) é deformada e grandes fluxos turbidíticos
são gerados por falhas nos sedimentos inconsolidados de plataforma, marcando o início da fase
progradacional. (C) Com o rebaixamento máximo do nível do mar o sistema alcança o auge de
retrabalhamento e transporte de areia, marcando a fase agradacional. (D) Durante a subida do
nível relativo do mar, menor quantidade de sedimentos é transportada para mar profundo e o
sistema é gradualmente abandonado, caracterizando a fase retrogradacional. Pequena parte do
sedimento arenoso é preservada na plataforma continental no final do ciclo deposicional. As setas
cheias na seção evaporítica indicam halocinese, enquanto aquelas sobre a queda da plataforma
indicam a intensidade de fluxos turbidíticos plataforma para o fundo da bacia. As setas vazias
representam a carga de subsidência provocada pelos depósitos de mar profundo.
7
Tais seções ou zonas são marcos sismoestratigráficos de ampla
distribuição lateral e normalmente precedem rebaixamentos subsequentes do
nível do mar culminando com a formação de sistemas de leques submarinos de
mar baixo. Na Bacia de Campos ocorrem dois marcos desta natureza que estão
relacionados às plataformas carbonáticas do Oligocenno e do Mioceno Médio,
denominados Membro Siri e Membro Grussaí. Estes níveis carbonáticos resultam
de níveis de mar alto anteriores aos rebaixamentos que deram origem aos pacotes
turbidíticos oligomiocênicos depositados em água profundas (sopé e planície
abissal), e que constituem os reservatórios dos campos gigantes de Albacora e
Marlim (Dias et al, 1990; Peres, 1993).
Observa-se ainda que, durante as exposições das plataformas rasas por
rebaixamentos relativos do nível do mar, se formam superfícies denudadas,
incisões subaéreas, cânions, e ainda escavações localizadas. Estes elementos
geomórficos, além de servirem de zonas de passagem de sedimentos até a
planície abissal, tornaram-se locais de deposição quando o nível do mar voltava a
subir (Ex: Campo de Enchova e Área de Moréia) (Dias et al., 1990).
O padrão fortemente progradante experimentado pela Bacia de Campos
durante o Terciário persiste, ao menos, em parte do Quaternário. Segundo
Azevedo Jr. (1991) a sequência deposicional compreendida do Eo-pleistoceno ao
Recente demonstra um aporte sedimentar desproporcional entre as porções norte
e sul desta bacia (figura 3). Enquanto ao norte essa sequência apresenta taxa de
aporte sedimentar praticamente desprezível, a região sul possui as maiores taxas
sedimentares da era Cenozóica durante esse intervalo. Essa sequência é
marcada por um importante influxo de sedimentos terrígenos finos com origem na
atividade fluvial, o que proporcionou a construção de amplas cunhas
progradacionais (Azevedo Jr, 1991).
Na porção compreendida entre a plataforma continental média e o talude
superior ao largo do cabo de São Tomé, Silva (1992) identificou um marco
erosional (Marco P) de idade pleistocênica (cerca de 500000 anos) baseado em
perfis sísmicos e dados de poços. A partir desta superfície o pacote sedimentar
entre 100 e 125m, aproximadamente, sob lâmina d’água de 75m apresenta linha
8
de quebra de plataforma se mantendo relativamente estável. Junto à quebra de
plataforma desenvolvem-se bancos carbonáticos, enquanto as areias siliciclásticas
de origem terrígena ficam represadas nas porções interna e média da plataforma
continental.
9
Figura 3. Acima localização das linhas sísmicas analisadas por Azevedo Jr. (1991). No centro a linha norte, onde a sequência quaternária (7) sequer é individualizada. Abaixo a linha ao sul da Bacia de Campos, notar a alta taxa de sedimentação representada pelo incremento na seqüência 7.
10
2.3. Plataforma Continental
2.3.1. Morfologia
A plataforma continental da Bacia de Campos apresenta de forma geral aumento
de largura e profundidade de quebra a partir de seu limite norte até o trecho ao
largo de Macaé, onde alcança extensão máxima de 118km sob 160m de lâmina
d’água. A partir daí até o extremo sul, em frente ao Cabo Frio ela volta a se
estreitar, se estendendo por 85km (Brehme, 1984). Segundo esta autora,
regionalmente, seu gradiente médio é de 1:1200 e quebra subparalela à linha de
costa atual. Ou seja, do limite norte ao largo do cabo de São Tomé orientação
NNO-SSE, e daí ao trecho a leste do Cabo Frio NE-SO e orientação E-O no
extremo sul, ao largo do Cabo Frio.
Ao sul do Cabo de São Tomé, na área de estudo, a plataforma interna entre barra
do Furado e Macaé – até 38 m de profundidade – apresenta inclinação de 1:560
ao largo do trecho entre Barra do Furado e Macaé, enquanto a partir da plataforma
média as isóbatas denotam um lobo voltado para SO com declividade de 1:2900
(Silva, 1987). Em frente à Barra do Furado, o autor identificou um escarpamento
com gradiente de 1:400 entre as isóbatas de 66 e 88m relacionando-o a uma face
de praia pretérita. No trecho compreendido entre barra do Furado e Macaé, o
fundo do mar apresenta caráter lobado voltado para sudoeste e limitado a leste
por um canal submarino entre as isóbatas de 56 e 74m (Silva, 1987) (figura 4).
Mais ao norte, ao largo do Cabo de S. Tomé, a isóbata de 25m evidencia um
banco submarino (Kowsmann e Costa, 1979).
11
Figura 4. Perfil batimétrico representando a morfologia identificada por Silva (1987) ao longo da plataforma ao sul do Cabo de São Tomé.
12
Na plataforma externa ao largo da Barra do Furado, Dias et al. (1982a)
interpretaram lineamentos contínuos e aflorantes em profundidades em torno de
100m como arenitos de praia e relacionados a uma estabilização do nível do mar
nessa cota. Estes autores associam estas feições ao escarpamento observado
sob 110m de lâmina d’água ao largo do Cabo Frio por Kowsmann e Costa (1979).
Este escarpamento foi interpretado pelos autores como antiga face de praia.
Lineamentos semelhantes e próximos aos citados por Dias et al. (1982a) foram
identificados por Correa (2001) embora sob águas ligeiramente mais profundas
(figura 5) – cerca de 110 m. Testemunhagens efetuadas por este trabalho sobre
estas feições identificaram algas calcárias que necessitam de substrato fixo para
seu desenvolvimento.
13
Figura 5. Imagem de sonar de varredura lateral sobre os lineamentos interpretados como indício de estabilização de nível do mar na plataforma externa (Correa, 2001).
14
2.3.2. Cobertura Sedimentar
A cobertura sedimentar da plataforma interna e média deste trecho é
caracterizada como predominantemente siliciclástica, enquanto a partir da
transição entre a plataforma média e externa predominam sedimentos
carbonáticos (Kowsman e Costa, 1979). De acordo com Dias et al. (1982b) no
trecho de predomínio siliciclásticos o teor de carbonato de Cálcio é inferior a 29%,
enquanto na porção mais distal da plataforma são encontrados teores superiores a
80%. Imediatamente ao sul do Cabo de São Tomé estes sedimentos são
constituídos por areias grosseiras subangulosas a subarredondadas que se
misturam com areias finas e polidas ao largo de Macaé e após essa área de
transição ao largo de Cabo Frio ocorrem areias muito finas com ampla distribuição
na plataforma (Alves e Ponzi, 1984). Estas fácies têm sua distribuição
generalizada na carta sedimentar de Dias (2000) (figura 6).
16
2.3.3. Tectonismo Recente
Trabalhos relacionados à tectônica recente da área de estudo indicam uma
tendência subsidente para essa região da Bacia de Campos. Sob a plataforma
continental entre Búzios e Macaé, Mohriak e Barros (1990) identificaram um semi-
gráben de dimensões aproximadas de 2km por 40km, com o eixo maior orientado
segundo direção NE (figura 7). A parte central do gráben se encontra ao largo de
Barra de São João entre as isóbatas de 20 e 50m. O limite sul deste gráben é
controlada por falhamento normal antitético, com rejeito máximo da ordem de 500
m, no nível do embasamento. A cobertura sedimentar deste gráben atinge,
provavelmente, até o Eoceno e mostra basculamento decrescente em direção ao
topo, sugerindo atividade tectônica até o Terciário. Este trabalho relaciona a idade
desse gráben, provavelmente eocênica ou oligocênica, à idade das bacias
interiores da região sudeste.
Silva et al. (1997), a partir de informações geofísicas (gravimetria),
geológicas e geomorfológicas do litoral nordeste do Rio de Janeiro, apresentam
evidências da existência de distintos compartimentos tectônicos na região. Entre
Macaé e Cabo de São Tomé o litoral transgressivo está relacionado a um
comportamento subsidente, indicado também por um baixo gravimétrico onde a
linha de charneira da Bacia de Campos afasta-se da linha de costa. Em
contrapartida o litoral regressivo e progradante ao norte do Cabo de São Tomé
está acompanhado de um alto gravimétrico onde a linha de charneira ocorre junto
ao litoral.
17
Figura 7. Mapa estrutural sísmico do Gráben de São João (Mohriak e Barros, 1990), com contornos espaçados em 50 ms em tempo duplo. As curvas de nível representam profundidades para uma velocidade intervalar de 2000 m/s para o pacote sedimentar.
18
2.4. Condições Meteorológicas e Oceanográficas
De acordo com o sistema meteorológico dominante na região foram
classificados 4 tipos de condições de mar: situação de Bom Tempo, caracterizado
principalmente por mar de NE, que ocorre quando o sistema de alta pressão do
Anticiclone do Atlântico Sul domina a circulação regional; situação de Bom Tempo
com marulhos de sul; situação de Mau Tempo de SO, caracterizado por mares de
S e SO gerados sempre que há a passagem de uma frente fria seguido de um
ciclone extratropical; e situação de Mau Tempo de SE, quando após a passagem
de uma frente fria, um anticiclone polar domina a circulação na região (Pinho,
2003).
Baseado em dados obtidos ao longo de 10 anos -1987 a 1996 – (figura 8),
Violante-Carvalho et al. (1997) observaram o predomínio de ventos entre os
quadrantes norte e leste com valores de velocidade média em torno de 8.0 m/s e
ocorrência superior a 65% ao longo do período (figura 9). Segundo estes autores,
a maior ocorrência por faixa de velocidade de vento, independente da direção,
varia entre 4.0 e 5.0 m/s com participação de 15.43%, caracterizando uma região
de ventos fracos. Os maiores valores médios de velocidade do vento estão
relacionados com as direções norte e nordeste, respectivamente 8.32 e 8.22 m/s.
19
Figura 8. Percentual de intensidade dos ventos para o quadrante N, NE e E (Pinho, 2003).
Figura 9. Percentual de ocorrência de direções de ventos na Bacia de Campos (Pinho, 2003).
20
As ondas significativas em condições de Bom Tempo com mar de NE
possuem altura (Hs) e períodos significativos (Ts) médios entre 1,5 e 2m, e 6 e 7s,
respectivamente. Sob esta condição de tempo as maiores Hs possuem de 3 a 4m
e Ts de 8s. Sob situação de Bom Tempo com marulhos de sul ocorrem dois tipos
de mar. O mar local possui Hs e Ts típicos entre 1,5 e 2m e 5 e 6s,
respectivamente. O marulho possui Ts frequente variando entre 11 e 12s e Hs
também entre 1,5 e 2m. Os maiores Ts observados estão entre 16 e 18s e as Hs
entre 2,5 e 3,5 m.
Sob condições de Mau Tempo de SO, ocorrem dois conjuntos de Hs e Ts
mais frequentes: um entre 1,5 e 2m e 6 a 8s, respectivamente, e outro entre 1,5 e
3m e 10 e 12s, respectivamente. Os maiores valores de Hs e Ts são de
aproximadamente 6 m. e 16s, aproximadamente, e associados à direção de 210º.
Condições de Mau Tempo de SE proporcionam Hs e Ts médios, respectivamente,
entre 1,5 e 2,5m, e entre 8 e 9s. Os maiores Ts são próximos a 14s e as maiores
Hs estão entre 4 e 4,5 m.
Em relação às marés, Romano & Alves (1992) com base em médias
mensais de dez anos de observações, determinaram que para a região em estudo
predomina a maré semi-diurna tendo sido observados valores médios em torno de
0,48m em Macaé e 0,73m em Atafona, mínimos de -0,44m em Macaé e -0,50m
em Atafona, máximos entre 1,36m em Macaé e 1,50m em Atafona. A curva de
distribuição de maré para ambas localidades é assemelhada, com preamares de
pouca altura e pequenas amplitudes de variação do nível do mar. Dessa forma o
regime de maré na área de estudo pode ser definido como micro-maré.
A corrente geostrófica superficial atuante na Bacia de Campos é a Corrente do
Brasil, ocupando os primeiros 400 a 500 m da coluna d’água (Signorini, 1976).
Esta é influenciada principalmente pelo regime anticiclônico de ventos do Oceano
Atlântico Sul com padrão geral de circulação dirigido para Sul. No entanto seu
deslocamento parece não influenciar de forma significativa as porções internas da
plataforma continental da bacia. Segundo Paviglione & Miranda (1985) na região
compreendida entre o Cabo de São Tomé e Cabo Frio, o núcleo da Corrente do
21
Brasil se localiza próximo à quebra da plataforma continental no verão, afastando-
se no inverno.
As condições oceanográficas da área de estudo, portanto, apontam para uma
plataforma continental, sobretudo nas porções interna e média, com regime
hidráulico dominado pelas ondas.
22
3. Dados e Métodos Utilizados
3.1. Sísmica
A evolução do passado recente da área estudada foi analisada a partir de
perfis sísmicos inéditos e de outros previamente obtidos (figura 10). O primeiro
conjunto é constituído de dados digitais adquiridos durante levantamento
conduzido em Maio de 2003, enquanto os demais são constituídos de registros
analógicos analógicos monocanal de Dezembro de 1982. A seguir serão
apresentados detalhes referentes à fonte sísmica, extensão e duração dos
levantamentos, processamento dos dados inéditos e interpretação do conjunto de
dados.
3.1.1. Dados Pretéritos
A sísmica monocanal tem origem em levantamento realizado durante o
cruzeiro científico Geomar XX. Os dados aqui utilizados resultam de,
aproximadamente, 70 milhas náuticas navegadas entre os dias 3 e 4 de dezembro
de 1982. Como fonte sísmica foi utilizado o centelhador (sparker) com potência de
500J.
3.1.2. Dados Inéditos
Este conjunto de dados digitais resultam de levantamento sísmico
multicanal , ao longo de cerca de 200 milhas náuticas, conduzido entre 5 e 9 de
Maio de 2003, com o objetivo principal se identificar o Gráben de São João
(Mohriak e Barros, 1990). O conjunto utilizado neste cruzeiro foi constituído de um
centelhador, como fonte sísmica, operando na potência de 500J; um cabo
(streamer), contendo os receptores e um simógrafo de 48 canais (figura 11).
24
Figura 11. Elementos do conjunto utilizado na aquisição sísmica multicanal: centelhador (a),
sismógrafo (b) e cabo contendo os hidrofones (c).
Figura 12. Geometria de aquisição.
(a) (b) (c)
25
O cabo (streamer) de 700m de extensão abrigou o conjunto de receptores a
cerca de 10m de profundidade e era sustentado em sua extremidade por uma
bóia. Estes receptores eram constituídos por hidrofones, configurados para
receber as reflexões sísmicas ao longo de 48 canais espaçados por 6,25m e
distribuídos por 293.75m do cabo. Essa geometria proporcionou o posicionamento
do canal mais distante a 370.57m da fonte sísmica, enquanto o mais próximo a
76.82 m de distância do centelhador (figura 12).
3.1.2.1. Processamento Sísmico Multicanal
Anterior à fase de processamento (figura 13) ocorreu a seleção de trechos
navegados. A condução sinuosa da embarcação impede a utilização dos dados de
acordo com a geometria de aquisição planejada. Por esse motivo houve o
descarte parcial ou total de algumas linhas planejadas. Por fim juntando-se os
levantamentos mono e multicanal foram utilizadas 195 milhas náuticas, ou 362km,
de dados sísmicos (figura 14).
Os dados foram processados com o programa SU (Seimic Unix), um projeto
iniciado pela SEG (Society Exploration Geophysicists) e pelo CWP (Center for
Wave Phenomena), Departamento de Engenharia Geofísica, CSM (Colorado
School of Mines). Este programa foi inicialmente idealizado no final dos anos 70
por Einar Kjartansson, mas a primeira versão do programa para sistemas
baseados em Unix foi criada por no CWP por Jack Cohen e Shuki Ronen
(Stockwell e Cohen, 2002).
Neste programa os dados inicialmente em formato segy (Society
Exploration Geophysicists no formato Y) são convertidos em formato su (Seismic
Unix). Os arquivos seg-y contém 3 partes. Duas partes consistem em cabeçalhos
contendo informações sobre a fita, uma em texto de 3200 bytes e outra em código
binário de 400 bytes. A terceira contém os traços sísmicos. O arquivo convertido
em su contém apenas os traços sísmicos.
26
Figura 13. Fluxograma envolvendo as etapas de pré-processamento e processamento sísmico multicanal.
27
A fase seguinte do processamento consistiu na aplicação da geometria de
aquisição aos traços brutos de forma a serem construídas as famílias de pontos de
profundidade comum ou CDP (Common Depth Point) (figura15). Isto proporcionou a
construção de famílias CDP com cobertura (C) de 12 traços sísmicos.A relação entre
parâmetros de aquisição e cobertura de uma família CDP pode ser observada
segundo a expressão abaixo:
C = nº de canais*distância entre hidrofones / 2*distância entre tiros, onde:
nº de canais = 48;
dist. entre hidrofones = 6,25m;
dist. entre tiros = 12,5m.
Antes dos demais passos do processamento foi observado o espectro de
frequência por amplitude do sinal. Isto proporcionou a identificação de um ruído
bem definido produzido pela embarcação, na frequência de 60 Hz. Então foi
conduzida a seguinte sequência: correção da divergência esférica, filtragem do
ruído produzido pelo navio (figura 15), análise de velocidade (figura 16), correção
NMO (Normal Move Out) e deconvolução preditiva. Finalmente os traços sísmicos
foram empilhados para a construção dos perfis sísmicos (fiigura 17). A seguir
serão brevemente abordadas as etapas supracitadas segundo Ylmaz (1987) e
Duarte (1997):
• divergência esférica é a mudança da forma da onda, ou pulso sísmico, a partir
do momento de sua geração na fonte sísmica, atenuando o sinal gerado;
• análise de velocidade é o método usado para a determinação das velocidades
em subsuperfície a partir dos dados de reflexão. Sua aplicação aos traços
sísmicos objetiva horizontalizar as reflexões reristradas nas famílias CDP, pois
estas possuem traços de diferentes canais, e a única diferença entre estes
está nos deslocamentos fonte-receptor;
28
• deconvolução preditiva é utilizada para remover reflexões múltiplas já que
estas constituem fenômenos com intervalo de tempo definido no registro
sísmico;
• empilhamento, resumidamente, é o somatório ou a sobreposição dos dados
CDP.
29
Figura 14. Malha sísmica total utilizada mono e multicanal) após eliminação de perfis multicanais com problemas relativos à navegação. Notar nomenclatura utilizada para identificação das linhas (vide anexo).
Figura 15. Família CDP com os traços sísmicos brutos à esquerda (notar no retângulo vermelho o destaque para o ruído de 60 Kz). À direita, família CDP contendo os traços sísmicos filtrados.
30
Figura 16. Exemplo de espectro de velocidade (esquerda) e gráfico velocidade x
tempo aplicado à correção NMO das CDP.
Figura 17. Exemplo de perfil sísmico gerado
31
3.2. Sonografia, Cobertura Sedimentar e Movimento Oscilatório Gerado por
Ondas
A distribuição de fácies sedimentares e sua relação com a transgressão
holocênica e os processos hidrodinâmicos vigentes foram estudadas através de
levantamentos sonográficos em conjunto com análise da cobertura sedimentar. O
imageamento da superfície do fundo marinho foi realizado com o sistema CODA de
aquisição digital de sonar de varredura lateral, com sonar EGG 272 TD (figura 18),
operando na frequência de 100kHz. A granulometria relativa às feições observadas a
partir destes dados foi determinada a partir da análise visual de amostras no segundo
levantamento e confirmação com dados disponíveis na área de estudo (Gilberto Dias,
com. pess.). A velocidade do deslocamento da água pela passagem de ondas foi
calculado a partir de dados disponibilizados pelos trabalhos de Pinho (2003) e Violante
Carvalho (1997).
3.2.1. Sonar de Varredura Lateral
Os registros sonográficos provêm de dois levantamentos (figura 19), com intervalo de
aproximadamente um ano. O primeiro, em Maio de 2002, resulta de cerca de 20
milhas náuticas navegadas pelo navio Diadorim. Os dados, com varreura de
aproximadamente 100m para cada lado do equipamento, têm origem em duas linhas
de navegação levantadas em conjunto com parte da aquisição sísmica multicanal
utilizada neste estudo.
Na primeira linha, paralela à linha de costa e a pouco mais de 15m de profundidade, o
sonar foi rebocado a cerca de 3 metros de profundidade. Na segunda, perpendicular
ao litoral e em variando entre 15 e 45m de lâmina d’água, de tempos em tempos o
equipamento era submergdo de forma a manter-se a, no mínimo, 20m do fundo.
33
Figura 19. Em A os levantamentos sonográficos realizados, com o segundo levantamento (em vermelho) detalhado em B.
34
Em Maio de 2003, a bordo de uma traineira, a navegação cobriu 12,5 milhas
náuticas em 6 linhas perpendiculares às isóbatas entre 26 e 36m. Estas eram
espaçadas por cerca de 200m e a varredura em cada lado do sonar em torno de
130m e o equipamento foi puxado a aproximadamente 20 metros do fundo. Esse
levantamento resultou na construção de um mosaico sonográfico.
3.2.2. Relação entre a Cobertura Sedimentar e Clima de Ondas
A determinação da relação entre cobertura sedimentar e clima de ondas seguiu a
comparação entre a velocidade do movimento orbital da partícula da água junto ao
fundo pela passagem de ondas (equação 1) e a velocidade necessária para o
deslocamento das partículas (equações 2 e 3) assentadas na superfície da plataforma
continental.
Os parâmetros de ondas utilizados foram os descritos para a Bacia de Campos (vide
área de estudo) por Pinho (2003). As partículas da cobertura da plataforma na área
de estudo pertencem às classes areia grossa e areia muito fina. Portanto foram
utilizados os llimites superiores das classes para a determinação das equações 2 e 3,
1mm e 0,125mm de diâmetro para areias grossas e muito finas, respectivamente.
O cálculo do movimento orbital das partículas de água gerada pela passagem de
ondas monocromáticas na Bacia de Campos deriva da seguinte relação:
Uo=πH/Tsenh(kh) (1)
Onde H é a altura da onda, T é o período da onda e senh é o seno hiperbólico, k=2π/L
é o número de onda, h é a profundidade e L=1,56T2 é o comprimeto de onda.
A velocidade crítica para deslocar a partícula (treshold) pela passagem de ondas é
descrita como sendo função da velocidade do movimento orbital próximo ao fundo,
35
período de onda, tamanho de grão e densidade. Komar e Miller (1975) apresentaram
duas equações para a velocidade orbital de treshold (Ut):
Ut=[0.118g(s-1)]2/3D1/3T1/3 para D<0.5mm (2)
Ut=[1.09g(s-1)]4/7D3/7T1/7 para D>0.5mm (3)
Onde D é o diâmetro do grão, g é a aceleração da gravidade (9.81m/s) e s é a relação
entre as densidades do grão (2,65g/cm3 para o quartzo) e da água (1,03 g/cm3).
3.2.3. Simulação da Propagação de Ondas
Nesta etapa foi realizada a simulação da refração de uma onda monocromática pelo
modelo computacional REFDIF. Para tal foi usada uma onda proveniente de Sul com
período de 6s e 1,5m de altura e uma grade batimétrica com os dados espaçados de
10 em 10 metros. A saída do modelo forneceu resultados de altura e velocidade do
fluxo oscilatório junto ao fundo referentes à refração desta onda ao longo da superfície
simulada pela grade batimétrica.
A escolha da direção da onda visou sua entrada frontal na grade batimétrica utilizada,
pois esta tem eixo principal no sentido E-O. O espaçamento da grade tem a ver com a
amostragem do comprimento de onda ao se propagar por esta. Por exemplo, esta
resolução batimétrica consegue amostrar bem uma onda de período (T) igual a 5s
pois esta tem comprimento (L) igual a 1,56.T2, ou seja, 39m. Então esta onda será
amostrada em, pelo menos, 3 pontos garantindo sua reconstituição pelo modelo, que
é necessária para o cálculo dos parâmetros da onda ao longo da refração.
36
4. Resultados e Discussão
4.1. Meso-Pleistoceno ao Holoceno
O pacote sismoestratigráfico aqui analisado apresenta 4 unidades sísmicas
(U1, U2, U3, U4) empilhadas e limitadas por 5 superfícies discordantes (S1, S2,
S3, S4, S5) (figuras 20 e 21), sendo uma delas a superfície da plataforma
continental. Estas superfícies são constituídas por refletores ligeiramente oblíquos
em relação ao fundo marinho, geralmente com alta amplitude e contínuas. O
caráter discordante destes limites é nítido pela erosão proporcionado pelas feições
aqui interpretadas como paleocanias aos refletores subjacentes. Os canais
também têm seus topos truncados e se apresentam como feições comuns a todos
os limites de sequências sísmicas interpretados. As unidades sísmicas
apresentam geometria em formato de cunha. Na região de plataforma interna o
refletor representante do assoalho marinho trunca as porções proximais e de
menor volume das unidades, enquanto estas se espessam em direção à quebra
de plataforma onde alcançam máximo desenvolvimento (figuras 21 a 23).
A idade Quaternária para este intervalo sísmico é estimada a partir do
trabalho de Silva (1992). Cerca de 100km a NE da área de estudo, sob 75m de
profundidade, a superfície discordante nomeada como Marco P (0,5 milhão de
anos) é identificada em registro sísmico a pouco mais de 0.1 seg (tempo duplo) do
refletor representante do assoalho oceânico (figura 21). Esta superfície está a uma
profundidade, em tempo, aproximadamente coincidente com o limite inferior da
sequência sísmica mais profunda do envelope sísmico aqui analisado.
37
Figura 20. Esquema de sucessão de unidades sísmicas (U1, U2, U3, U4) e superfícies limitantes (S1, S2, S3, S4, S5).
38
Figura 21. Geometria das unidades sísmicas encontradas na área de estudo (acima) e a profundidade do Marco P (abaixo e à direita) de Silva
(1992). Abaixo e à esquerda, localização do perfil sísmico (linha vermelha) e da área de estudo de Silva (1992).
39
Figura 22. Truncamentos das unidades sísmicas pelo refletor representativo do assoalho marinho e depósitos superficiais.
40
Os limites destas sequências na plataforma são interpretados como
poligenéticos resultando de diferentes estágios erosivos: exposição subaérea
durante nível de mar baixo, ravinamento durante transgressão marinha e erosão
de face de praia durante descida do nível do mar. A individualização parcial destes
processos é evidenciada pelos paleocanais, representantes de fases de exposição
subaérea da plataforma. Estes são representados por feições erosivas em forma
de ”U”, truncando refletores representantes de material previamente depositado.
Enquanto isso, os refletores truncando a parte superior dos canais representam a
sucessão do ravinamento transgressivo seguido da erosão proporcionada pelo
rebaixamento do nível do mar, com exceção do refletor mais superficial, resultante
somente da fase transgressiva sem passar pela fase regressiva. Já o
preenchimento dos canais pode conter depósitos de distintas origens como
fluviais, estuarinos e marinhos, resultantes de diferentes estágios de nível de mar
(van Wagoner et al., 1990; Duncan et al., 2000). A identificação de superfícies com
origem em diferentes processos separando unidades sísmicas quaternárias tem
exemplo nos trabalhos de Chiocci et al. (1997), Ludmann et al. (2001) e Ridente e
Trincardi (2002).
O volume interno das unidades sísmicas, de maneira interpretativa,
representa depósitos com origem nas etapas de descida de nível do mar,
proporcionando o desenvolvimento de regressão forçada. O conceito de regressão
forçada de Posamentier et al. (1992) envolve o fato da linha de costa migrar em
direção à bacia mesmo quando o aporte sedimentar é nulo. No entanto, a
presença em subsuperfície de paleocanais ratifica a importância dos sedimentos
siliciclásticos na construção do pacote aqui analisado. Estas feições são
remanescentes da atividade fluvial em períodos de mínimos glácio-eustáticos. Sua
distribuição espacial e temporal durante o último 0,5 milhão de anos mostra a
presença de paleocanais em todos os limites de sequências sísmicas e sua
distribuição por praticamente toda a área de estudo (figura 24 e anexos). Entre
estes se destaca o que faz parte da superfície S3, apresentando 5,5 km de largura
e erodindo abaixo do limite inferior de todo o intervalo sísmico aqui considerado,
constituindo o sistema fluvial pretérito mais expressivo para este período.
41
Figura 23. Interseção do refletor S1 (linha amarela) com o assoalho marinho (S5) estimada a partir
dos truncamentos observados nas linhas dip (ver figura 19).
42
Figura 24. Paleocanais preservados em subsuperfície da plataforma continental sul da Bacia de
Campos. As cores das linhas seguem a correspondência com as superfícies apresentadas na
figura 17. As linha tracejadas em vermelho delineam a continuação do canal associado a superfície
erosiva S3 e encontrados nos perfis Linha Geomar Leste e Linha 3 A (vide anexos).
43
A constituição predominantemente progradante das unidades sísmicas é
reflexo, sobretudo, da associação entre o suprimento sedimentar e as variações
climáticas durante o Quaternário. As alternâncias entre os períodos glaciais, e
consequentemente entre os ciclos eustáticos, podem ser observadas a partir das
variações isotópicas de Oxigênio ao longo do registro geológico, possibilitando
assim a determinação das idades e variações do nível do mar através desse
período (Chappel e Shacleton, 1986; Shackleton, 1987).
As flutuações do nível do mar de 500000 anos atrás (estágio 14 da curva de
isótopos de Oxigênio) ao presente oscilaram, aproximadamente, entre 10m acima
e 120m abaixo do nível do mar atual (Chappell e Shackleton, 1986). Além da alta
amplitude, estas mudanças glacio-eustáticas com duração em torno de 100000
anos apresentam taxa variável entre períodos de subida e descida de nível do
mar, proporcionando uma forma assimétrica à sua curva de variação. Esta
alternância é caracterizada por fases de queda de nível do mar mais lentas e
duradouras quando comparadas com as de subida. A duração dos intervalos
marcados por níveis de mar alto e baixo também é bem reduzida nestes ciclos. A
partir da curva de isótopos de Oxigênio apresentada por Williams et al. (1988),
Chiocci et al. (1997) inferiram, para os últimos 500000 anos, o predomínio de
condições de descida do nível do mar e nível de mar baixo por cerca de 65%
deste intervalo (figura 25).
De fato, o predomínio volumétrico de depósitos regressivos nas plataformas
continentais siliciclásticas em diversas partes do mundo durante o período
Quaternário (Le Roy et al., 2004; Ridente e Trincardi, 2002; Hernández-Molina et
al. 2000a; Ludmann et al., 2001; Chiocci et al., 1997, por exemplo) indicam esta
como uma situação estratigráfica frequente a nível global. Enquanto as flutuações
quaternárias do nível do mar permitem a migração lenta e duradoura da linha de
costa em direção à bacia e a atividade fluvial atua como principal fornecedora de
material para preencher as sequências, outros fatores contribuem para a
construção e preservação destas. As transgressões aceleradas e de curta duração
neste período erodem parcialmente o pacote regressivo e geralmente formam
pacotes poucos desenvolvidos na plataforma continental.
44
As características supracitadas da curva de variação do nível do mar no
Quaternário tornam impossível a identificação sísmica, ao menos na resolução
aqui alcançada (resolução vertical em torno de 10m), da presença de depósitos
transgressivos e de mar alto entre os regressivos e de mar baixo. Hernández-
Molina et al. (2000a), utilizando sísmica de altíssima resolução (resolução vertical
de aproximadamente 0.5m), identificaram depósitos transgressivos em sequências
pleistocênicas, embora estes ocupem uma área bem inferior quando comparados
aos depósitos regressivos nos registros sísmicos (figura 26).
Além das variações do nível do mar e do aporte sedimentar, o tectonismo
apresenta importante papel na construção de uma sucessão vertical de
seqüências nas plataformas continentais. Como o nível do mar oscilou
praticamente dentro de um mesmo intervalo durante o Quaternário, a subsidência
proporcionou a preservação dos depósitos por criar espaço de acomodação
abaixo do nível de base destas flutuações glácio-eustáticas (Chiocci et al., 1997).
Este espaço então é preenchido dando origem ao empilhamento de pacotes
regressivos. Sendo a margem continental da Bacia de Campos tipicamente
passiva, além de subsidência termal, a grande carga sedimentar contribui para o
movimento subsidente (Chang et al., 1992).
45
Figura 25. Curva de isótopos de Oxigênio para os últimos 600000 anos com a comparação da duração entre os intervalos de elevação e máximo
e descida e mínimo eustáticos para o último 0,5 milhão de anos (A) e tendência geral de variação climática durante esse período (B) geraram
interpretação para a gênese das superfícies discordantes e unidades sísmicas na plataforma continental sul da Bacia de Campos (C e D).
46
A interpretação sismoestratigráfica aqui aplicada difere do modelo
idealizado pela Exxon no qual os tratos de sistemas são depositados durante
nível de mar baixo, subida do nível do mar e nível de mar alto (Vail et al.,
1977). Esse modelo também assume uma curva de variação de nível do mar
senoidal, suprimento sedimentar constante e dá maior importância volumétrica
aos depósitos de mar baixo e de mar alto. No entanto, as interpretações
proporcionadas pela análise do pacote sísmico representativo do Quaternário
tardio proporcionam seqüências com características distintas. Os dados aqui
apresentados permitem a incorporação do trato de sistemas regressivo
proposto por Hunt e Tucker (1992,1995) às sequências sísmicas. Este trato de
sistemas apresenta maior volume em comparação aos demais (transgressivos
e de nível de mar alto e baixo). Isto se deve tanto à assimetria na curva de
variação do nível de mar do Quaternário, como às menores taxas de
sedimentação e à curta duração das fases transgressivas.
47
Figura 26. Interpretação de depósitos transgressivos e de mar alto (em vermelho) presentes
no registro estratigráfico da plataforma continental do Golfo de Cadiz (modificado de
Hernández-Molina et al., 2000). A espessura máxima entre esse corpos alcança cerca de
25m na plataforma média.
48
4.2. Transgressão Holocênica ao Presente
A morfologia da plataforma continental sul da Bacia de Campos reflete
a combinação entre processos sedimentares e erosivos relacionados à última
fase pós-glacial. Esta fase é marcada pela transgressão holocênica, intervalo
de rápida subida do nível do mar com alguns intervalos de desaceleração
desse processo (figura 27) e ilustrado pelas curvas produzidas por Bard et al.
(1990).
Essas fases de arrefecimento no processo transgressivo foram
interpretadas, anteriormente, como intervalos formadores de antigas faces de
praia (Kowsmann e Costa, 1979; Alves et al., 1980; Silva, 1987). Estas são
representadas por intervalos batimétricos com gradientes elevados na
plataforma continental da área de estudo (vide escarpamento representado
no perfil batimétrico sintético da figura 5, item 2.3.1). Além destas feições,
lineamentos aflorantes observados por Dias et al. (1982a) e Corrêa (2001) na
plataforma externa são interpretados como arenitos de praia e também
associados a antigas estabilizações do nível do mar.
A associação dos lineamentos aflorantes a antigas linhas de costa
parece correta, pois arenitos de praia são formados nesta região. Já a
correlação de intervalos batimétricos com gradientes acentuados a linhas de
costa pretéritas é discutível. De fato, Swift (1976) associou a presença de
escarpamentos afogados nas plataformas continentais a faces de praia.
Estas seriam formadas durante estabilizações do nível do mar e
abandonadas durante a continuação do processo transgressivo. No entanto,
Hernández-Molina et al. (2000b) interpretaram escarpamentos afogados em
plataformas siliciclásticas como taludes de cunhas sedimentares
progradantes de infralitoral (Infralittoral Prograding Wedge – IPW). Estes
corpos seriam formados por sedimentos transportados por correntes junto ao
fundo e em direção ao largo e originadas pelo empilhamento de água junto à
costa durante tempestades. Segundo essa interpretação esses desníveis na
plataforma estariam aproximadamente 20 metros abaixo da posição real da
antiga linha de costa numa zona de transição entre a face de praia e a
platforma continental interna.
49
Figura 27. Curvas de subida do nível do mar propostas por Bard et al. (1990) a partir de
datações de corais por C14 e U-Th. Na curva de U-Th intervalos de subida lenta e
associados a antigas posições de face de praia na área de estudo são marcadas por linhas
tracejadas em preto, enquanto subidas aceleradas são indicadas por linhas travejadas em
azul.
50
Além das expressões morfológicas acima descritas a transgressão
holocênica deixou como registro as fácies sedimentares captadas pelas
imagens do sonar de varredura lateral. Os levantamentos sonográficos aqui
utilizados quando sobrepostos à Carta Sedimentar de Dias (2000) parecem
ter sido conduzidos em águas que recobrem um substrato de areias finas
(figura 28). No entanto, as imagens resultantes destas campanhas
apresentam contatos bruscos entre corpos constituídos por areias grossas e
outros de areias finas a muito finas (figura 29). Há que se levar em conta o
caráter regional da Carta Sedimentar, mas ainda assim esta mostra uma
zona de transição entre fácies sedimentares, pois embora os levantamentos
estejam distribuídos sobre um domínio propostamente coberto por areias
finas, corpos de sedimentos grossos são representados em suas cercanias.
As distintas fácies proporcionam imagens com contrastes entre faixas claras,
representativas dos sedimentos mais finos, e escuras, caracterizando areias
grossas, devido à diferença da intensidade do retroespalhamento do sinal.
Essas características são comuns a plataformas continentais
siliciclásticas dominadas por regimes de acomodação, onde elevação do
nível do mar e sistemas de dispersão de sedimentos superam a taxa de
aporte sedimentar (Swift e Thorne, 1991). Sob esta configuração os
sedimentos ultrapassam a barreira de energia litorânea proporcionada pelas
ondas (littoral energy fence), após serem erodidos da face de praia, e são
transportados em direção à plataforma por uma corrente junto ao fundo
(downwelling), com origem no empilhamento de água junto à costa durante
tempestades - mecanismo semelhante ao descrito por Hernández-Molina et
al. (2000b). Conforme o nível do mar avança este sistema migra em direção
ao continente promovendo o recuo da face de praia. O domínio deste regime
proporciona plataformas continentais caracterizadas por: sedimentos
repetitivamente ressuspensos antes do soterramento definitivo; contatos
bruscos de fácies claramente definidas; depósitos de pouca espessura com a
presença de sedimentos grossos (Swift e Thorne, 1991).
51
Figura 28. Distribuição dos levantamentos sonográficos em relação à Carta Sedimentar da
Bacia de Campos de Dias (2000).
52
Outros aspectos observados na porção sul da plataforma continental
da Bacia de Campos coincidem com a proposta de Swift e Thorne (1991).
Trabalhos anteriores (Dias e Gorini, 1980; Almeida, 1997) atestam a
migração do sistema barreira / laguna em direção ao continente,
caracterizando o litoral transgressivo entre Macaé e Cabo de São Tomé.
Além disso, a pouca espessura dos depósitos transgressivos para
plataformas continentais siliciclásticas dominadas por regime de acomodação
se repete na área de estudo. Isto é confirmado nas porções mais proximais
dos registros sísmicos descritos anteriormente, onde as sequências sísmicas
quaternárias são truncadas pelos refletores representativos do assoalho
marinho e dos depósitos presentes nos primeiros metros em subsuperfície.
4.3. Relação entre Cobertura Sedimentar e Hidrodinamismo
As fácies sedimentares observadas nos registros sonográficos, como
citado anteriormente, representam sedimentos de diferentes granulometrias.
Os corpos de sedimentos finos se apresentam como manchas arenosas de
largura variável, alcançando dezenas de metros. Nas imagens do sonar,
caracterizam-se por faixas alongadas e de coloração mais clara. Estas
manchas formam um suave relevo sobre o substrato de areia grossa sem
formas sobrepostas, ao menos formas perceptíveis à resolução do sonar, e
dispõem-se segundo orientação SO-NE. Já o substrato constituído por areia
grossa é representado pelas áreas mais escuras nas imagens e apresentam
megaripples (segundo a classificação de Dalrymple et al., 1978 apud Swift et
al., 1983) com distância entre cristas variando de 1,5 a 3 metros,
aproximadamente. Suas cristas, apesar de apresentarem um alinhamento
geral paralelo à orientação das isóbatas (figura 29), quando observadas em
detalhe apresentam-se sinuosas.
A capacidade do clima de ondas da Bacia de Campos de mobilizar os
grãos e, conseqüentemente, originar as formas de fundo foram medidas
segundo a combinação entre as equações 1, 2 e 3 (vide item 3.2.2). Ou seja,
as equações 2 e 3 determinaram o fluxo necessário para mover as partículas
53
(tabela A), enquanto a equação 1 quantificou a velocidade do fluxo oscilatório
produzido pela passagem de ondas típicas da Bacia de Campos (tabela B).
54
Figura 29. Acima posicionamento das imagens que mostram mudança na orientação das dunas conforme as isóbatas. Abaixo e à esquerda as dunas a 17 m de profundidade têm suas cristas alinhadas no sentido E/NE-O/SO, enquanto no canto inferior direito estas formas possuem orientação N/NO-S/SE sob 36 m de lâmina d’água.
25 m25 m
25 m25 m
55
Tabela A. Período significativo (Ts) da onda monocromática e respectivo fluxo capaz de
mobilizar areia muito fina (Utmf) e areia grossa (Utg).
Ts (seg) Utmf(m.s-1) Utg (m.s-1)
5 0,12748112 0,327018106
6 0,13546891 0,335647491
7 0,14261172 0,343120947
8 0,14910282 0,349729121
9 0,15507319 0,355663501
10 0,16061615 0,361057261
11 0,16580086 0,366006943
12 0,17068013 0,370584875
14 0,17967951 0,37883624
16 0,18785779 0,386132255
18 0,19537997 0,392684342
A comparação entre esses resultados demonstra a possibilidade da
quase totalidade das condições de mares apresentadas – com exeção de
uma - formarem as formas de fundo na parte mais rasa da área de estudo.
Na parte mais profunda a maioria das situações também oferece capacidade
de transporte de areias muito finas serem transportadas. Em contrapartida,
as megaripples 36m só podem ser relacionadas a ondas com Ts a partir de
12s (tabela B). Tais períodos são característicos principalmente de marulhos
de sul (presentes durante tempo bom de nordeste, mas gerados a grandes
distâncias ao sul), marulhos de sudoeste (associados a passagem de
ciclones extratropicais na Bacia de Campos) e marulhos de sudeste
(conjugados a anticiclones frios ou polares, formados na zona extratropical,
após a passagem do mau tempo de sudoeste) (Violante-Carvalho, 1998;
Pinho, 2003). Segundo Vianna e Rizzo (1994) situações severas de mares
apresentando períodos superiores a 10s se apresentam com freqüência de
até 4 vezes por ano na região.
56
A diferença na orientação das formas de fundo parece estar
relacionada com a refração das ondas. Esta constatação tem base na saída
proporcionada pelo modelo computacional que simula a refração de ondas –
REFDIF. Embora a onda utilizada na entrada desta simulação tenha sido feita
com uma onda de baixa energia (1,5m e 6s), os resultados apontam para
refração das ondas ao longo da morfologia lobada do fundo submarino na
área de estudo. Enquanto as isolinhas de velocidade do fluxo orbital gerado
pela passagem da onda monocromática adquirem caráter semelhante ao da
forma das isóbatas (figura 30), a plotagem dos valores de altura mostra, de
maneira geral, aumento nos valores desse parâmetro nas áreas mais rasas,
como esperado. Contudo, na porção leste da imagem é possível observar
uma área onde a onda começa a ganhar altura a maiores profundidades
(mancha azul clara), novamente mostrando o efeito do relevo lobado sobre a
refração das ondas na área de estudo (figura 31).
Este trabalho analisou somente a capacidade das ondas em
remobilizar a cobertura sedimentar. No entanto, a interação entre o
movimento oscilatório gerado pela passagem de ondas e as correntes
geradas pelos ventos durante a passagem de tempestades possuem uma
maior capacidade de mobilização dos sedimentos junto ao fundo e a
conseqüente formação de megaripples em relação ao simples fluxo gerado
pela passagem de ondas (Swift et al, 1983; Amos et al., 1988; Li e Amos,
1999).
Fica constatado então constatado o alto poder erosivo ao qual a
plataforma continental sul da Bacia de Campos, pelo menos as porções
interna e média, é submetida durante períodos de nível de mar alto como o
atual. Dessa forma é lícito interpretar que a superfície poligenética que
separa as unidades sísmicas quaternárias ainda possui a componente
referente aos estágios de mar alto das flutuações glácio-eustáticas.
57
Tabela B. Velocidade do fluxo oscilatório a 17m (Uo17) e 36m (Uo36) de profundidade para
diferentes condições de mar. NE designa mar de nordeste, NE+S de nordeste com marulhos
de sul, SE de sudeste e SO de sudoeste, subscritos méd e máx caracterizam condições
médias e máximas, respectivamente, associadas a respetivos períodos (Ts) e alturas
significativas (Hs). As velocidades assinaladas em azul são capazes de mobilizar apenas os
grãos classificados como areia muito fina, as em vermelho mobilizam tanto os grãos muito
finos como os grosseiros, enquanto as em preto não mobilizam areia.
Condição do mar Ts (seg) Hs (m) Uo17 (m.s-1) Uo36 (m.s-1)
NEméd 6 1,5 0,2398 0,0280
NEméd 7 2 0,4728 0,0934
NEmáx 8 4 1,2215 0,3295
NE+Sméd 5 1,5 0,1224 0,0057
NE+Sméd 6 2 0,3198 0,0373
NE+Sméd 11 1,5 0,7181 0,2844
NE+Sméd 12 2 1,0608 0,4415
NE+Smáx 18 3,5 2,8692 1,3205
SOméd 6 1,5 0,2398 0,0280
SOméd 8 2 0,6108 0,1648
SOméd 10 1,5 0,6373 0,2340
SOméd 12 3 1,5911 0,6623
SOmáx 16 6 4,3526 1,9728
SEméd 8 1,5 0,4581 0,1236
SEméd 9 2 0,7351 0,2398
SEmáx 14 4,5 2,8326 1,2480
58
Figura 30. Distribuição da velocidade do fluxo orbital decorrente da refração de uma onda de sul com 1,5 m de altura e período de 6s sobre a região onde são observadas as formas de fundo. O ponto assinalado na figura indica a posição do ponto B da figura 29. Figura 31. Distribuição de valores de altura após a refração da mesma onda citada na figura 30.
59
5. Conclusões
A utilização de perfis sísmicos possibilitou a identificação de 4
unidades sísmicas limitadas por 5 superfícies discordantes na plataforma
continental sul da Bacia de Campos a partir do Meso-Pleistoceno. As
superfícies discordantes têm origem em diferentes processos erosivos, sendo
portanto consideradas superfícies poligenéticas. O pacote estratigráfico foi
interpretado como empilhamento de seqüências desenvolvidas sob a
influência de ciclos glácio-eustáticos assimétricos relativos e condicionados
pelas flutuações climáticas do Quaternário. Estas oscilações são governadas
por rápidas subidas do nível do mar, estágios de nível de mar alto e baixo
bem rápidos e lentas descidas do nível do mar.
As unidades sísmicas foram interpretadas como seqüências com idade
aproximada de 100000 anos e dominadas por tratos de sistema de regressão
forçada. A sua preservação se deve tanto ao curto período de exposição às
fases erosivas (transgressão e exposição subaéreas) como ao caráter
subsidente da bacia.
Canais representantes das fases de nível de mar baixo/exposição
subaérea, e conseqüentemente dos limites de seqüências, são identificados
em todas as superfícies discordantes entre as unidades sísmicas. As fases
transgressivas e de mar alto são caracterizadas pelos refletores que truncam
os canais e seus preenchimentos.
A geometria em formato de cunha das unidades sísmicas,
representada por porções mais desenvolvidas junto à quebra da plataforma e
pouco desenvolvimento culminando com truncamento na área de plataforma
interna, indica uma atividade subsidente mais intensa em direção à bacia.
A partir do Holoceno a plataforma continental sul da Bacia de Campos
experimentou uma fase dominada por processos de elevação do nível do mar
e de dispersão de sedimentos. Contatos bruscos entre fácies, intenso
retrabalhamento e depósitos de pouca espesura caracterizaram essa etapa
demonstrando o caráter erosional da superfície atual, que chega a truncar
depósitos Pleistocênicos.
A cobertura sedimentar atual das porções média e interna resulta do
recuo por erosão da face de praia e apresentam formas de fundo
60
sobrepostas. Essas são formas atuais devido à capacidade de transporte dos
sedimentos que as constituem por parte do clima de ondas em vigência na
bacia. A morfologia do assoalho submarino também desempenha importante
papel nos processos de dispersão sedimentar na região.
61
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