do professor suposto pelos pcns ao professor real da língua portuguesa - são os pcns praticáveis
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rtCHA CATALOCRÁHCA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA "MAD1R COUVE A KFOURT - PUC-IP
A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCN*s / RoxançHojo (org.) - São Paulo: EOUC; Campinas, SP : Mercado de letias, 2000.
- (Coleçáo As Faces da Linguística Aplicada)
Vários autores.Bibliografia.
ISBN 85-85725-65-6 (Mercado de Letras)ISBN 85-283-0237-7 (EDUC)
l. Linguagem e línguas - Estudo e ensino 2. Língua portuguesa -- Estudoe «nsirto 3. Linguística Aplicada 4. Professores de língua - Formação
L Roxo, Roxane Helena Rodrigues. U. Série.
COLV407410469.07
índkc para catálogo tiitcmátko:
1. Língua portuguesa : Ensino 469.072. Línguas : Ensino 407
3. Línguas : Professores : Formação 4074. Linguistica aplicada 410
5. Português; língua : Ensino 469.076. Professores: Línguas : Formação 407
Coleçáo As Faces da Linguistica Aplicadacoordenação: Leila Barbara e Maria Antonteta Alba Celani
capa: Vande flotta Gomidepreparação: Evetine BouleíUer Kavakama
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DO PROFESSOR SUPOSTO PELOS PCNS A O PROFESSOR RE A L
DE LÍNGUA PORTUGUESA : SÃO os PCNs PRA TICÁ VEIS?
Jacqueline Peixoto Barbosa'
Embora ainda haja muito a ser feito pela educação pública brasilei-
ra, sobretudo no que diz respeito aos níveis fundamental e médio, cabe
ressaltar algumas ações políticas efetivadas na direção da busca da tão dese-
jada melhoria da qualidade de ensino e da formação para a cidadania. Den-
tre essas ações, vale destacar a elaboração dos Parâmetros Curriculares Na-
cionais e de outros documentos de referência curricular propostos por esta-
dos e municípios; a implementação de sistemas de avaliação de ensino —
SAEB, provões — e a criação de uma sistemática de avaliação pedagógica de
livros didáticos, implementada pelo PNLD. Sem dúvida nenhuma, essas
ações representam um avanço considerável, mas, até para que seus efeitos
possam ser potencializados a médio e a longo prazos, fazem-se necessárias
outras modalidades de intervenção. Dentre estas, consideramos que a for-
1 UMC/LAEL - PUC-SR
149
mação continuada de professores e demais educadores deva ser privilegia-
da, sem o que a prática de sala de aula não sofrerá mudanças substanciais
na direção pretendida.
Nenhum dos documentos oficiais colocados como referências
curriculares (PCNs e demais propostas curriculares de estados e municí-
pios) pode ser transposto diretamente para a sala de aula, o que feriria a
natureza desses próprios documentos e seria contraditório com alguns prin-
cípios orientadores da prática pedagógica nestes assumidos, por exemplo, o
princípio de respeito à pluralidade de realidades culturais. Dessa forma, são
necessários outros níveis de concretização, conforme apontado pelo próprio
documento introdutório aos PCNs, tais como a re-elaboração de propostas
curriculares no âmbito dos municípios e estados; a elaboração do projeto
educativo de cada escola e a elaboração da programação de cada professor a
ser desenvolvida em sala de aula, que deve estar respaldada por é integrada
com os níveis anteriores.
Ora, esses níveis de concretização (ver Rojo, neste volume) depen-
dem também da implementação de políticas de formação de educadores,
visto que as elaborações acima citadas não são tarefas prontamente factíveis
na maioria das escolas públicas brasileiras2.
Nesse sentido, o presente artigo tem a intenção de discutir algumas
das opções teóricas assumidas pelos PCNs de Língua Portuguesa?, sobretu-
do a adoção da noção bakthiniana de género do discurso como objeto de
ensino. Além da defesa dessa adoção, procuraremos apontar caminhos rela-
tivos a como trabalhar com os géneros do discurso em sala de aula. Para
tanto, levantaremos alguns dos problemas que podem ser encontrados para
2 No tempo decorrido entre a elaboração e publicação deste artigo, no início de 2000, aSEF/MEC definiu como prioridade justamente um programa deste tipo, denominado PCNsem Ação, cujo material de apoio já se encontra, inclusive, disponível. No entanto, ainda écedo para se poder avaliar os efeitos e a eficácia de tal programa.' Em todo texto que se segue, toda referência aos PCNS de Língua Portuguesa, bem comotodas as considerações tecidas sobre eles, dirá respeito somente ao documento do terceiroe quarto ciclos do Ensino Fundamental.
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a concretização de uma prática sustentada por esses pressupostos, tomando
como base uma experiência com formação de professores da rede pública
estadual paulista (PEC-Polo 3). Por fim, discutiremos critérios que pode-
riam embasar a seleção de géneros e a elaboração de uma progressão
curricular, esperando, assim, contribuir para a efetivação dos níveis de
concretização acima descritos.
O trabalho com os géneros do discurso
Já na apresentação da área, os PCNs de Língua Portuguesa assu-
mem uma concepção enunciativa/discursiva de linguagem, decorrente não
só de uma opção teórica dentre outras, mas, sobretudo, dos princípios e
objetivos gerais assumidos pelos dos PCNs — "(...) necessidade de se cons-
truir uma escola voltada para a formação de cidadãos" (Paulo Renato Souza
— Ministro da Educação do Desporto —, p. 5, PCNs). Ora, isso implica a
não eleição de visões do objeto que se restrinjam a focar níveis lexicais,
oracionais ou mesmo estritamente textuais. Nem mesmo teorias de base
comunicativa mais ingénuas — que consideram, para além do texto, tam-
bém o contexto, mas o fazem de forma mais empírica e imediata, servindo-
se de noções do tipo falante/ouvinte — podem ser selecionadas, tendo em
vista o desenvolvimento efetivo da competência discursiva dos alunos, um
dos "passaportes" para a cidadania.
Aceito isso, há que se considerar a necessidade de se tomar conceitos
e noções, bem como de se eleger unidades de ensino/aprendizagem que
permitam que os pressupostos assumidos se concretizem em possibilidades
de ações pedagógicas. A eleição do texto como unidade básica de ensino,
bem como da noção bakthiniana de géneros do discurso como articuladora
do trabalho em Língua Portuguesa (doravante, LP), tal como efetivada pe-
los PCNs, é uma dessas possibilidades de concretização, o que passaremos a
comentar agora.
151
Por que géneros do discurso?
Atualmente, parece haver um consenso na área de ensino de língua
materna — se não eferivado nas práticas escolares, pelo menos verbalizado
teoricamente — de que é necessário trabalhar com uma diversidade textual,
na medida em que não existe um tipo de texto prototípico que possa "ensi-
nar" a compreender e a produzir textos pertencentes a todos os tipos exis-
tentes.
Como decorrência desse consenso, coloca-se, então, a necessidade de
se estabelecer critérios para a seleção de diferentes tipos de texto em circu-
lação social, como forma de se garantir uma progressão curricular que os
contemple ao longo das séries escolares. Em função disso, diversas tipologias
têm sido propostas ou importadas de teorias linguísticas. A maioria dessas
tipologias está calcada em critérios estruturais/formais (narração, descrição,
dissertação, etc.) ou funcionais (textos informativos, textos literários,
textos apelativos, etc.). Ora, baseadas só em aspectos estruturais e/ou
funcionais, essas propostas ou deixam de capturar aspectos da ordem da
enunciação ou do discurso, ou, quando consideram esses aspectos, fazem-
no de maneira externa às classificações. Por isso, falham no que concerne à
consideração de importantes elementos do processo de compreensão e produ-
ção de textos.
A eleição dos géneros do discurso, tal como definido por Bakhtin —
como sendo a cristalização de formas de dizer sócio-historicamente consti-
tuídas —, como objetos de ensino, pelo fato de esse conceito incluir aspectos
da ordem da enunciação e do discurso, pode contemplar, de maneira mais
satisfatória, o complexo processo de produção e compreensão de textos. A
noção de género permite incorporar elementos da ordem do social e ao histórico
(que aparecem na própria definição da noção); permite considerar a situação
de produção de um dado discurso (quem fala, para quem, lugares sociais dos
interlocutores, posicionamentos ideológicos, em que situação, em que mo-
mento histórico, em que veículo, com que objetivo, finalidade ou intenção,
em que registro, etc.); abrange o conteúdo temático — o que pode ser dizível
em um dado género, a construção composicional — sua forma de dizer, sua
152
organização geral que não é inventada a cada vez que nos comunicamos,
mas que está disponível em circulação social - e seu estilo verbal— seleção de
recursos disponibilizados pela língua, orientada pela posição enunciativa
do produtor do texto. Neste sentido, a apropriação de um determinado
género passa, necessariamente, pela vinculação deste com seu contexto só-
cio-histórico-cultural de circulação.
Cabe salientar que, quando estamos falando de géneros do discurso,
estamos nos referindo tanto aos géneros escritos como aos orais. A esse
propósito disso, vale dizer que uma outra vantagem da adoção da noção
bakhtiniana de géneros do discurso reside no fato de que esta possibilita
um melhor tratamento da linguagem oral, que também deve ser, como
bem salientam os PCNs, objeto de ensino/aprendizagem, possibilitando,
além disso, uma superação da dicotomia estabelecida pelos estudos
linguísticos entre escrita e oralidade. Os estudos linguísticos e psíco-
lingúísticos que se destinaram a pesquisar a natureza da linguagem escrita
serviram, em muito, para demonstrar a fragilidade de pressupostos mais
simplistas — como o associacionista — que consideravam a escrita como trans-
crição da fala e que se empenhavam em achar os correspondentes entre as
duas modalidades de linguagem e também promoveram uma melhor com-
preensão do objeto "escrita" e do processo de produção e compreensão de
textos. Entretanto, alguns desses estudos acabaram por promover uma frag-
mentação do objeto "linguagem verbal" ainda maior — entre modalidade
oral e modalidade escrita —, parecendo, por vezes, considerarem mais a
empiria das manifestações de linguagem do que as condições de produção
dos discursos.4
, 4 Parece haver, aqui, um deslocamento da questão, que pode ser flagrado quando ve-mos, em um bilhete escrito, "marcas de oralidade" ou quando vemos, em um seminárioou uma palestra, "marcas de escrita". Ora, isso indica que a questão não está exatamentena forma de materialização (oral ou escrita), nem em um suposto contexto geral de escritaou de fala, mas sim nas condições de produção de discursos mais ou menos monologízados,mais públicos ou mais privados, mais ou menos formatados socialmente, objetivando x, you z, etc.
153
Na perspectiva desses estudos, escrita e oralidade são tratadas com
modalidades diferentes de linguagem, o que aparece reíleddo em muitos
dos programas escolares, quando da definição de objetivos ou quando do
elenco de conteúdos.5 Tal consideração deu origem a algumas práticas
centradas na insistência em diferenciar a oralidade da escrita. Traduzidas
em alertas pedagógicos do tipo "não escrevemos como falamos" e em ativi-
dades que visavam aspectos dessa diferenciação, esta posição acaba geran-
do, quando muito, uma certa internalização da figura de leitores ausentes
no tempo e no espaço, para quem é preciso ser claro, contextualizar suas
ideias, explicar melhor, etc., sem, entretanto, dar pistas mais sólidas sobre
como fazê-lo. Ora, não se pode ensinar linguagem oral em geral, da mesma
forma que não se pode ensinar linguagem escrita em geral. Por essa razão,
a maioria das práticas escolares de trabalho com a oralidade acaba sendo
esvaziada, consistindo apenas em propostas genéricas de discussões coleti-
vas, trocas de opiniões ou, no máximo, tematizam questões normativas, de
registros ou de diferenças em relação à escrita. Essas práticas acabam sendo
pouco producentes porque, novamente, a questão aparece desfocada: o que
deveria estar em questão são as diferentes formas de dizer, determinadas
por diferentes situações comunicativas, e não simplesmente o fato da
materialidade do dito pertencer à modalidade oral ou escrita, regidas por
uma espécie de contexto de produção geral e indiferenciado.
Com isso, a escola acaba promovendo uma contradição básica: de-
manda e cobra algo que deveria ensinar, mas não ensina. É o caso dos inúme-
ros pedidos de realização de seminários por parte dos alunos e da exigência de
que sejam audiência qualificada em palestras e nas próprias aulas.
5 Vale dizer que a inclusão de um trabalho com oralidade nos programas curriculares járepresenta um grande avanço, posto que a oralidade muitas vezes ficou - e ainda fica - defora de muitas práticas escolares. Por trás disso, parece haver um pressuposto de que seaprende a usar a linguagem oral em situações cotidianas, sem necessidade de um ensinaformal, dado que se aprende a falar em casa, antes da escolaridade. Já o aprendizado daescrita, dependeria de um ensino formal, institucionalizado, sendo, portanto, obrigaçãomaior da escola. Para uma abordagem mais aprofundada da questão, que fugiria ao esco-po do presente artigo, ver Schneuwly (1994) e Dolz e Schneuwly (1996).
154
Assim, em vez de aulas que tematízem o falar ou a oralidade de
uma forma geral, pode-se e deve-se tomar os géneros orais públicos como
objetos de ensino, o que permitiria um maior desenvolvimento das capaci-
dades comunicativas dos alunos.6
Ainda em favor da adoção dos géneros do discurso como objeto de
ensino, poderíamos acrescentar o fato de que estes nos permitem circuns-
crever as formas de dizer que circulam socialmente, o que permite que o
professor possa ter parâmetros mais claros acerca do que deve ensinar e do
que deve avaliar e, por extensão, os alunos também podem ter uma maior
clareza do que devem saber ou do que devem aprender. Ora, classificações
muito genéricas e tipológicas do tipo "narração, descrição e dissertação1',
além dos problemas já levantados, não fornecem muitos critérios para o
professor decidir o que deve ensinar.
Tomemos a noção de "superestrutura", por exemplo, que foi, e ain^
da é, uma noção bastante orientadora das práticas escolares de LR Vários
autores (Labov, Van Dijk, entre outros) consideram que uma narrativa
canónica pode ser descrita estruturalmente como um tipo de texto que
apresenta, grosso modo, um cenário ou orientação (que inclui a descrição das
personagens, do lugar e a determinação do tempo, além da situação inicial
que servirá de base à criação do problema ou complicação); uma ou mais
complicações ou problemas; uma ou mais resoluções e, finalmente, um
desfecho ou coda, que pode ou não conter uma avaliação ou urna moral. Do
ponto de vista do ensino/aprendizagem de LP, pensava-se — e ainda se pen-
sa — que a (re)construção dessa estrutura geral por parte dos alunos forne-
ceria elementos para a apropriação do(s) discurso(s) narrativo(s). É bem
° Não estamos, com isso, desconsiderando a necessidade de se ensinar aspectos ineren-tes à oralidade ou à escrita, enquanto materializações específicas de linguagem. No casoespecífico da oralidade, há que se considerar o ritmo, a altura, as pausas, a entonação e osdemais elementos prosódicos, bem como outros elementos não verbais, como gestos, ex-pressões faciais, etc. O que estamos sugerindo é que esses aspectos devem ser focados nointerior do trabalho com um determinado género, já que a definição de padrões de usosadequados desses elementos dependem das características do género e de suas condiçõesde produção.
155
verdade que a percepção dessas categorias pode colaborar para uma certa
apropriação desse(s) discurso(s). Antes se trabalhar com essas categorias, do
que fazer referência a "começo, meio e fim", que são termos demasiada-
mente genéricos e que se mostraram e, ainda se mostram, inócuos para a
aprendizagem.
Ora, em uma fábula, um conto de fadas, urna crónica literária,
um romance policial, um romance de aventura, etc, até podemos re-
conhecer estas categorias ou algumas delas, ainda que nem sempre na
sua ordem canónica, mas, ao mesmo tempo, sabemos que estes géne-
ros possuem grandes diferenças entre si. Um conto de fadas, por
exemplo, apresenta uma ordem canónica e possui um determinado ce-
nário (tempo indeterminado, lugar e personagens típicos — floresta, bos-
ques, castelos, etc.; príncipes, princesas, reis, rainhas, camponeses, bru-
xas, etc.) — que é totalmente diferente do cenário de uma crónica literária
(lugar — cidade; tempo — contemporâneo; personagens — pessoas comuns
típicas dos centros urbanos), além dessa última não apresentar, muitas ve-
zes, uma ordem canónica. Isso porque esses géneros visam atingir propósi-
tos diferentes, refletindo/refratando suas sócio-histórias de constituição e
desenvolvimento.Dessa forma, não podemos ensinar um cenário em geral, um pro-
blema ou um tipo de resolução em geral e, no limite, não podemos ensinar
narrativa em geral, porque, embora possamos classificar vários textos como
sendo narrativos, eles se concretizam em formas diferentes — géneros —,
que possuem diferenças específicas.O mesmo ocorre quando pensamos acerca de uma disserta-
ção: um editorial de jornal, um artigo de opinião, uma resenha crí-
tica, um artigo científico e outros tantos géneros do discurso que
são, por vezes, colocados sob o rótulo dissertação.
A dissertação é apresentada, por alguns professores, em linhas
gerais, como um tipo de texto que tem uma introdução, um desen-
volvimento e uma conclusão. Ora, considerando apenas os exemplos
citados acima, vemos que um editorial e uma resenha crítica são textos
pertencentes a géneros da ordem do argumentar, enquanto que um artigo
156
científico, muitas vezes, é um texto pertencente a um género da ordem do
expor. O que é, enfim, dissertar? É defender uma opinião> sustentando-a
com argumentos, ou é discorrer articuladamente sobre um assunto? Ainda
que separemos estes dois grandes grupos — dissertação e dissertação
argumentativa -, defender uma opinião, sustentando-a com argumentos, é
algo realizado de uma mesma forma seja em uma carta de leitor, um edito-
rial, uma resenha crítica ou um debate? Evidentemente, não. Da mesma
forma que não se pode aprender e nem ensinar a narrar em geral, também
não é possível ensinar e aprender a dissertar, ou mesmo a argumentar,
em geral.
Assim, cada género traz em si mesmo conteúdos específicos de ensi-
no a ele relacionados. A esse respeito, vale tomar a consideração de Schneuwly
(1994) que, metaforicamente, atribui ao género a qualidade de megainstru-
mento, urna espécie de ferramenta complexa, que contém em seu interior
outros instrumentos, necessários para a produção de textos e, acrescenta-
mos nós, para a compreensão. Os géneros seriam, assim, um instrumento
que media, dá forma, viabiliza a materialização de uma atividade de
linguagem.
Além de conteúdos internos aos próprios géneros, a própria seleção
dos géneros que deverão ser abordados ao longo das séries ou ciclos escola-
res possibilita a elaboração de uma progressão curricular mais articulada,
algo praticamente inexistente nas escolas. A área de Português é uma das
áreas que apresenta maior abertura nas programações curriculares escola-
res. Geralmente, essas estabelecem objetivos gerais e conteúdos que se re-
petem ao longo de todas as séries escolares. Com exceção dos conteúdos
gramaticais, que aparecem mais delimitados por série, e de indicações ge-
néricas e equivocadas do tipo "primeiro narração, depois descrição e depois
dissertação", o restante, muitas vezes, não aparece delimitado7.
7 Voltaremos a esse ponto quando comentarmos critérios possíveis para a seleção degéneros.
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Se, por um lado, essa abertura curricular pode ser vista com bons
olhos, na medida em que permite uma maior mobilidade por parte do
professor, que tem espaço para construir sua programação e pode adequar
melhor os conteúdos ao seu grupo classe, por outro, essa abertura demasia-
da apresenta sérios riscos, dos quais destacaremos dois: o fato de se poder
repetir o mesmo conteúdo, focado da mesma forma, durante anos a fio, e o
fato de não se construir uma reflexão vertical acerca do currículo, o que o
torna fragmentado e desarticulado. Estes riscos, quando efetivados na prá-
tica, acabam por acentuar a ineficácia dos programas curriculares, algo que
uma seleção criteriosa de géneros e o consequente trabalho com eles pode-
riam ajudar a evitar.
Dessa forma, podemos então concluir que estabelecer como ponto
central, ao redor do qual se articulariam propostas curriculares da área de
Língua Portuguesa, o trabalho com diferentes géneros do discurso, um
contraposição a um trabalho baseado em diferentes tipos de texto, definidos
apenas por sua estrutura e função, é mais satisfatório, tendo em vista o
desenvolvimento das capacidades discursivas. Retomando o que foi dito até
aqui, a defesa da adoção dos géneros do discurso como objeto de ensino se
sustentaria pelas seguintes razões:
— os géneros do discurso permitem capturar, para além de aspectos
estruturais presentes em um texto, também aspectos sócio-históricos e cul-
turais, cuja consciência é fundamental para favorecer os processos de com-
preensão e produção de textos;
— os géneros do discurso nos permitem concretizar um pouco mais a
que forma de dizer em circulação social estamos nos referindo, permitindo
que o aluno tenha parâmetros mais claros para compreender ou produzir
textos, além de possibilitar que o professor possa ter critérios mais claros para
intervir eficazmente no processo de compreensão e produção de seus alunos;
— os géneros do discurso (e seus possíveis agrupamentos) fornecem-
nos instrumentos para pensarmos mais detalhadamente as sequências e
simultaneidades curriculares nas práticas de uso da linguagem (compreen-
são e produção de textos orais e escritos).
158
Por fim, resultados de pesquisa mostram que um trabalho baseado
em géneros do discurso acarreta uma melhoria considerável no desempe-
nho dos alunos, no que diz respeito à produção e compreensão de textos8.
Pistas a propósito do como se trabalhar com géneros do discurso
Muitas vezes, é até relativamente fácil estabelecer ou aceitar certos
princípios teóricos. O difícil é retirar disso todas as consequências possíveis
e implementar uma prática consistente e coerente com os pressupostos as-
sumidos. Essa parece ser a principal dificuldade atual que vêm enfrentando
as escolas que estão tomando para si o desafio de buscar uma transformação
da prática pedagógica de LP na direção da concretização de uma perspecti-
va de base enunciativa/discursiva, viabilizada pela adoção dos géneros como
objetos de ensino,
Muitos educadores vêm tomando a proposta de trabalho com géne-
ros, na perspectiva aqui explicitada, de forma indiferenciada dos trabalhos
que adotam tipologias textuais9, seja porque alguns relacionam essa pro-
posta com as explorações tipológicas estruturais que já realizam, supondo
ser a mesma coisa, seja porque não sabem exatamente o que propor no
lugar das práticas já consagradas, por não conseguirem realizar uma descri-
ção de género e uma transposição didática adequadas, por razões diversas —
falta de condições ideais de trabalho, de materiais didáticos e paradidáticos
nessa perspectiva, de formação para tal, ou por um não entendimento real
da perspectiva teórica em questão. Dessa forma, contradições entre a práti-ca e a teoria que se pretende assumir não faltam.
Um dos próprios materiais do MEC — Parâmetros em Ação (terceiro e
quatro ciclos) —, embora tomado como material de apoio para a formação de
multiplicadores dos PCNs de 3° e 4° ciclos, acaba contradizendo os pró-
prios PCNs, no enfoque pretendido no trabalho com produção e com-
8 Ver a esse respeito Schneuwly (1994), Rojo (neste volume).9 Ver a esse respeito Brait (2000), artigo desta coletânea, no qual a autora adverte parao risco dessa indiferenciação e pontua diferenças de enfoque.
159
preensão de textos. O trabalho proposto neste documento é muito mais
um trabalho de base textual, orientado por aportes teóricos da Linguística
Textual e da Psicologia Cognitiva, do que um trabalho de base enunciativa
ou discursiva, baseado nos géneros dos discurso. Prova disso é o uso siste-
mático da terminologia diversidade textual (por ex,, pp. 127, 165, 166, 167
e 170); as menções feitas a construtos teóricos como conhecimento prévio,
finalidades de leitura, estratégias de leitura — antecipaçãolchecagem, inferência,
etc. — e o tratamento proposto aos textos apresentados, que privilegia as-
pectos da ordem da textualidade e do cognitivo ao invés da ordem da enunciação.
Mesmo quando se fala em géneros do discurso, os aspectos destacados di-
zem respeito à estrutura interna dos textos, como é O caso do que se comen-
ta sobre notícia, à p. 182: "(...) o tema deve remeter a algum fato ocorrido
recentemente; o título deve apresentar uma síntese do aspecto mais rele-
vante da notícia; o primeiro parágrafo deve retomar e expandir a ideia
contida no título etc.". Ora, como saber qual o aspecto mais relevante a ser
destacado, sem levar em conta elementos das condições de produção, tais
como: em que jornal a notícia está ou será publicada; qual o tipo de leitor
suposto; qual o objetivo maior desse jornal; qual o posicionamento ideoló-
gico mais geral desse jornal; é possível relatar fatos de forma totalmente
neutra; quais fatos viram notícia e por quê; por que o lead adquiriu essa
forma padronizada, etc.Prova maior da contradição do material citado em relação aos prin-
cípios assumidos nos PCNs são os aspectos destacados para a avaliação, que
abordam o que deve ser ensinado, elencados a seguir:
160
ANÁLISE DOS TEXTOS PRODUZIDOS PELOS ALUNOS E INDICAÇÃO
DE CONTEÚDOS PARA ANÁLISE LINGUÍSTICA10
RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELOGÉNERO
Conteúdo temáticoAtende ao tema ou assunto proposto?Retoma as ideias de modo a apresen-tar unidade de sentido?Introduz informações novas, desenvol-vendo o texto de forma lógica?EstiloRealiza escolhas de elementos lexicais,sintáticos, figurativos... ajustados àscircunstâncias, à formalidade e aospropósitos do texto?Construção composicionalEstabelece a relevância das partes e dostópicos em relação ao tema é áòs pro-pósitos do texto?
RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELOSPADRÕES DA ESCRITA
Segmenta corretamente as palavras?Segmenta corretamente sílaba em fi-nal de linha?Organiza o texto em parágrafos?Grafa corretamente as palavras de altafrequência?Acentua corretamente as palavras?Pontua corretamente final de frases?Pontua corretamente elementos inter-nos à frase?Obedece às regras básicas de concor-dância?
O QUE O ALUNO
JÁ SABE?
O QUE O ALUNO
JÁ SABE?
O QUE O ALUNO PRECISA
APRENDER?
O QUE O ALUNO PRECISA
APRENDER?
Em primeiro lugar, cabe comentar o igual destaque dado a aspectos
textuais e aspectos relativos ao código e à gramática. Os próprios PCNs de
LP enfatizam a supremacia que deve ser dada a atividades de uso da lingua-
10 Retirado de Parâmetros em Ação — Terceiro e Quarto Ciclos do Ensina fundamental — Volu-me l, p. 183. Brasília, MEC/SEF, 1999.
161
gem em relação a atividades que visem conteúdos gramaticais. Ora, sabe-
mos que ainda hoje é comum encontrarmos programas de LP centrados em
questões gramaticais. Tal elenco de quesitos de avaliação colabora para a
manutenção dessa perspectiva equivocada de ensino de língua.
Em segundo lugar, há que se questionar se o elenco dos componen-
tes dos géneros sob o título "restrições impostas pelos géneros" não pode
colaborar para a construção ou cristalização de uma visão normativa e
prescritiva da questão, como se os géneros determinassem regras que de-
vem ser seguidas sempre. Se assim o fosse, a humanidade não teria saído
dos mitos e da retórica clássica. É sempre bom lembrar que os géneros, tal
como entendidos por Bakhtin, são formas oriundas de diferentes esferas de
comunicação e não formas estabelecidas aprioristicamete. No dizer de Brait,
neste volume:
Qualquer enunciado fatalmente fará parte de um género. Mas não de
uma forma pura e simplesmente determinista. Se vou me expressar em
um determinado género, meu enunciado, meu discurso, meu texto será
sempre uma resposta ao que veio antes e suscitará respostas futuras, o que
estabelece a profunda diferença entre intertextualidade (diálogo entre tex-
tos) e interdiscursividade (diálogo entre discursos). Assim, quando Homero
inicia no Ocidente uma tradição genérica com sua Odisseia, ele está recu-
perando géneros orais de uma tradição que o antecede e não unicamente
textos. E, na medida em que ele dá um novo tom ao conjunto, passa a ser
responsável não apenas por um novo texto, mas por um novo género
discursivo. Ao mesmo tempo ele está instaurando, motivando respostas
que constituirão, na esteira de sua obra, outras epopeias.
Assim, talvez fosse mais acertado focar a questão do ponto de vista
descritivo, procurando saber, a partir do que se pode verificar em um corpus
de textos pertencentes a um determinado género, o que é ou não adequa-
do, tendo em vista parâmetros dados por determinadas condições de pro-
dução e pela própria interdiscursividade, que pode ser, inclusive, responsá-
vel pela quebra intencional de alguma característica temporariamente es-
tabilizada do género.
162
Uma terceira crítica diz respeito ao fato de que os quesitos elencados
dizem mais respeito a aspectos da textualidade do que a elementos da
discursividade, o que descaracteriza o enfoque sócio-histórico bakhtiniano
de género. Esses últimos elementos aparecem em menor número (circuns-
tâncias, grau de formalidade, propósitos do texto) e estão ligados somente
a alguns componentes do género e não a ele de uma forma geral e a suas
condições de produção. Dessa forma, ficam de fora da análise aspectos como
saber se a seleçãõ de conteúdos é adequada aos objetivos e à situação de
comunicação como um todo (interlocutor, imagem que se quer passar de si
mesmo, posição enunciativa assumida, etc.). Além disso, alguns quesitos
são um tanto quanto imprecisos. O que vem a ser exatameute "retomar as
ideias de modo a apresentar unidade de sentido"? Isso teria relação com o
estabelecimento de coesão e manutenção da coerência? Se sim, por que não
explicitar, questionando, por exemplo, se o aluno utiliza coesivos próprios
de um determinado género em questão? Como o professor poderá avaliar
se o aluno "estabelece a relevância das partes e dos tópicos em relação ao
tema e aos propósitos do texto"? O que vem a ser exatamente isso?"
Até agora, ocupamo-nos em apontar as contradições entre teoria e
prática. Tentaremos, agora, apontar alguns caminhos na direção de um
trabalho focado em géneros do discurso. Primeiramente, faremos algumas
considerações gerais sobre como tal trabalho pode ser desenvolvido. Em
seguida, daremos algumas sugestões de trabalho possíveis. Para tanto, re-
lataremos uma experiência com formação de professores — Programa de
Educação Continuada — PEC— PÓLO 3, desenvolvido ao longo dos anos
de 1997/1998.n
1' Ainda a propósito dos quesitos de avaliação, parece haver um erro conceituai noquesito "Pontua corretamente elementos internos à frase?". A pontuação não diz respeitodiretamente a elementos, mas sim a relações entre elementos, tendo em vista o estabele-cimento de relações (dia)lógicas e os objetivos do produtor do texto.12 Tal projeto foi elaborado pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) em respostaa um edital publicado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que convida-va para a participação em um projeto de formação de educadores do Pólo 3. O Pólo 3abrangia as seguintes delegacias de ensino: 10% 11a, 21a, Itaquaquecetuba, Suzano e
163
Como forma de introduzir significativamente a proposta de traba-
lho que pretendíamos desenvolver, partimos de uma análise de práticas
que acreditávamos serem frequentes no cotidiano das salas de aula da rede
pública, tais como: atividades de leitura e produção de texto que
desconsideravam as condições de produção e as características dos géneros;
práticas de gramática desvinculadas de situações de uso, orientadas mais
pela normatização do que pela reflexão; etc. Essa análise permitiu que os
professores da rede fossem reconhecendo os limites dessas práticas e foi
preparando o terreno para a apresentação da perspectiva de trabalho pre-
tendida.
O próximo passo foi, então, a introdução da noção de géneros do dis-
cirno — em contraposição à noção de tipo de texto — e a discussão sobre crité-
rios de agrupamentos de géneros13.
A partir daí, passamos para a análise de uma sequência didática14
que enfocava o género narrativa de enigma, para que os professores da rede
pudessem perceber, a partir de um modelo concreto, formas de desenvol-
ver um trabalho com géneros do discurso.
Em seguida, passamos a trabalhar com o género notícia. Após
a leitura de várias notícias, exploramos as características do género,
analisando suas condições de produção, seu desenvolvimento sócio-
histórico, seu conteúdo temático, sua forma composicional e suas marcas
Mogi das Cruzes-. O Projeto como um todo envolvia os professores de 5a a 8" séries dasáreas curriculares de português, matemática, história, geografia e ciências e as liderançasdas escolas e das delegacias de ensino, o que perfazia um total de 6300 educadores. Aformação na área de português atingiu 1300 educadores e foi desenvolvida ao longo de 96horas. Relataremos apenas uma parte do trabalho desenvolvido, por uma questão de es-
paço e de pertinência para o presente artigo.'3 Esse último tópico será mais explorado no último item deste artigo.14 No presente caso, uma sequência didática deve ser entendida como um conjunto deatividades de leitura, produção e análise linguística em torno de algum género do discur-so. Estas atividades visavam explorar aspectos da sócio-história do género em questão,suas condições de produção, seu conteúdo temático, sua forma composicional e suas mar-
cas linguísticas.
164
linguísticas. A partir das discussões realizadas, elaboramos os quadros
sinópticos sobre o género notícia que constam nas próximas páginas.15
Depois do trabalho de descrição do género, os professores elabora-
ram um projeto de trabalho para o género notícia e elaboraram algumas
atividades que poderiam vir a fazer parte de uma sequência didática dogénero.
I - SITUAÇÃO DE PRODUÇÃO
a) Leitores múltiplos e desconhecidos (conhece-se apenas estatisticamente o perfil deleitor de um determinado jornal) que, na sua grande maioria, procedem a uma leitur;rápida, muitas vezes, transversal do jornal;
b) Em alguns casos, o redator é desconhecido (algumas notícias não trazem seus signa-tários). Em outros casos o redator aparece identificado. Ele obedece uma diretriz geraleditorial de um jornal. O redator está subordinado ao editor que pode alterar a notícia,cortar partes, etc. Uma notícia é frequentemente reescrita, condensada, traduzida, enfim,submetida a critérios de edição;
c) ohjeto — acontecimentos ou fatos do mundo (implica em um tipo de discursoreferencial). Uma notícia pretende-se afirmar como verdadeira;
d) objetivo (declarado pelos jornais) — informar os leitores, interessando-os pela matérifazendo-se entender por eles, o mais neutramente possível e com a maior fidedignidad
possível (compromisso ético-jornalístico);juiiitLiiaLim/,
e) sensacionalismo x imparcialidade: sensacionalismo — coleta de informação a qualquerpreço e de qualquer maneira, muitas vezes, sem nenhum critério de apuração e organização
J— '•" 1 - -* - - . - - . - - ,pu_
ípos
preço e e quaquer maneira, muitas vezes, sem nenhum critério de apuração e organizados fatos; imparcialidade — a busca do desenvolvimento de métodos de pesquisa para aração e tratamento da informação. Pode-se pensar que a distinção acima implica dois ti
f) imparcialidade: aspectos éticos e ideológicos envolvidos na seleção, coleta e divulga-ção de informação. Por mais que se tenha uma intenção de se ser imparcial, uma imparcia-lidade total é impossível, pois o redator tem que escolher como vai contar o fato, o queimplica em uma dada seleção lexical, em uma escolha do que se estabelece como tópico,etc.
g) notícia — "matéria-prima" do jornal. Por mais que os jornais tenham diversificadosuas sessões e tenham incorporado e desenvolvido diferentes géneros, a notícia ainda con-tinua sendo a "matéria-prima" dos jornais. Grande parte dos consumidores de jornais com-pram esse periódico por causa das notícias. Dessa forma, por essa óptica, a notícia pode serconsiderada um bem de consumo;
15 As descrições de género que se seguem não pretendem esgotar as características dogénero notícia e nem apresentam um rigor científico, não tendo sido elaboradas a partirde modelos teóricos prévios. Foram produzidas em função das discussões realizadas nosvários grupos de professores.
165
I - SITUAÇÃO DE PRODUÇÃO (continuação)
h) suporte material da notícia — jornal — periódico diário perecível, de duração fugaz• : " - . _ : I :
i) tipos de jornal: determinado pelo público alvo que se pretende atingit, o que impl
iferentes tratamentos à matéria jornalística;j) jornais — empresas privadas que, como quaisquer outras, visam o lucro, v.
dos ganhos de um jornal não advém de assinaturas ou da venda em bancas, mas sim <publicidade. Dessa forma, forma-se um circuito indireto: a notícia e demais informaçõ
disponibilizadas pelos jornais buscam atrair os leitores. Quanto maior a tiragem '
da.coes
de um
caro será seu espaço publicitário.1) jornal — além de um veículo de informação é também um veí
m) A instituição imprensa controla e manipula informações em escala industrial. Muito
do noticiário internacional é ditado para o mundo por algumas poucas agências de notícias
localizadas em países centraisn) A censura e os tipos de censura: a matéria jornalística, mesmo nos países que vivem
sob o regime democrático, está sujeita a vários tipos de censuras internas e externas deter-
minadas por interesses económicos e políticos.
II - CONTEÚDO DA NOTÍCIA:
Do ponto de vista do conteúdo, a notícia pode ser vista como o relato de trans-formações, deslocamentos ou enunciações observáveis no mundo e consideradas deinteresse para o público. Assim, as proposições essenciais da notícia dão conta detransformações (da otdem do fazer), deslocamentos (da ordem do ir) ou enunciações(da ordem do dizer). O universo da notícia são as aparências e não o conhecimentoessencial ou teórico (objeto das ciências e afins), a não ser que se necessite aplicar esses
conhecimentos a fatos concretos.
Seleção de temas - como selecionar o que "merece" ser notícia?Verbete Folha de S. Paulo — importância da notícia:"Importância da notícia — critérios elementares para definir a importância de uma notícia:a) ineditismo (a notícia inédita é mais importante do que a já publicada);b) improbabilidade (a notícia menos provável é mais importante do que a esperada);c) interesse (quanto mais pessoas possam ter sua vida afetada pela notícia, mais
importante ela é);d) apelo (quanto maior a curiosidade que a notícia possa despertar, mais impor-
tante ela é);e) empatia (quanto mais pessoas puderem se identificar com o personagem e a
situação da notícia, mais importante ela é).Ao levar em consideração esses critérios, não esqueça que as reportagens da Folha
devem atender às necessidades de informação de seus leitores, que formam um grupoparticular dentro da sociedade. Esses interesses mudam e o jornal participa de modo
ativo desse processo."
(Retirado do Novo Manual tia Redação —Folha de S. Paulo (1992))
166
III - FORMA DA NOTÍCIA E ALGUMAS MARCAS LINGUÍSTICAS:
a) Estruturação geral: na grande maioria das vezes, os eventos são ordenados não porsua sequência temporal, mas pelo interesse ou importância decrescente na perspectiva dequem conra e, sobretudo, na suposta perspectiva de quem ouve. O que implica urna sele-ção prévia de eventos, a determinação dos mais importantes em função do evento principale uma seleção de ordenação de eventos — exercício de organizar eventos. Inicia-se por umLEAD — primeiro parágrafo da notícia —, que deverá informar quem, fez o que, a quem,quando, onde, como, por que e para quê (no corpo da notícia também podem aparecer outrosleads). A estruturação geral visa, entre outras coisas, "mastigar" para o leitor a informação,tentando tornar a notícia mais compreensível e mais fácil e rápida de ser lida. Esta formataçãogeral se deve à intenção última de "capturar" o leitor;
b) existência de enunciados mais referenciais e inexistência de enunciados opinativos;
c) privilégio do modo indicativo;d) uso da terceira pessoa;e) marcas de impessoalidade (pronome oblíquo — se; uso de passivas sintética e analíti-
ca, etc.); . , • 'f) evita-se o uso de adjetivos testemunhais e subjetivos (alto, chocante, bela, próspero,
etc.) nas notícias. A ideia é fornecer dados para que o leitor faça sua própria avaliação;g) há uma grande presença de palavras que indicam precisão como números, numerais
(placa de carro, a hora exata, o números de desabrigados, etc.). Dessa forma, as aferiçõessubjetivas devem ser evitadas e, no lugar disso, são fornecidos dados objetivos como núme-ros das mais variadas ordens. Quando se supõe que a quantidade em questão (por ex. hertz,megawatts, etc.) não pode ser devidamente quantificada pelo leitor, usam-se comparações(ao invés de dizer simplesmente a capacidade de uma usina em megawatts, faz-se a equiva-
lência ao consumo de uma dada cidade);h) verbo principal do lead aparece quase sempre nos tempos perfectivos (perfeito — se a
notícia é de fato acontecido — ou futuro do presente — se a notícia anuncia fato previsto), oque dá mais especificidade ao fato, que é apresentado como concluído ou muito provávelde acontecer. A busca de exatidão na notícia fragmenta os acontecimentos duradouros,
apresentando-os, muitas vezes, como etapas concluídas;i) adequação e escolha lexical. Além dos léxicos de precisão, existem outras escolhas
lexicais que são devidas não só ao género em si, mas também a questões ideológicas e aoveículo em que o texto será impresso — tipo do jornal. Por exemplo, existe uma sinonímiaentre os termos corpo/defunto/presunto/cadáver. Em um jornal.tipo a, dificilmente encon-tra-se o termo "presunto", já em um jornal de tipo c, esse termo pode aparecer. Escolherentre usar "grande fazendeiro" ou "latifundiário" tem implicações ideológicas.
j) usa-se, muitas vezes, o tempo presente nas manchetes ou títulos da matéria, o que
causa um efeito de aproximação do leitor com o fato.1) linguagem utilizada tenta conciliai registros (combinações ou expressões possíveis no
registro coloquial e aceitas no formal). Isso porque busca-se uma comunicação eficiente e,
ao mesmo tempo, de aceitação social.Os itens a, j e l possuem uma relação mais direta com a consideração de um leitor,
enquanto que os itens b, c, d, e, f, g e h relacionam-se mais com o fato de que uma notíciapretende-se verdadeira. Esses últimos elementos acabam por produzir um efeito de reali-dade. Não basta uma notícia ser verdadeira, é preciso que ela pareça verdadeira.
167
Embora tanto os capacitadores, como a maioria dos professores da
rede tenham avaliado positivamente o projeto de formação e tenham la-
mentado a falta de uma continuidade do PEC, cabe comentar alguns dos
problemas enfrentados. Um deles diz respeito às dificuldades apresentadas
pelos professores da rede para a elaboração de um projeto de trabalho.
Parte dessa dificuldade deveu-se à introdução de um novo enfoque de tra-
balho que, como esperado, leva um certo tempo para ser internalizado.
Mas grande parte das dificuldades foi devida ao fato de que a grande
maioria dos professores da rede pública não tinha, e ainda não tem, a prá-
tica de elaboração de projetos de trabalho. O que eles têm internalizado é
uma prática de construção de uma programação geral anual ou semestral
que é demasiadamente genérica e desarticulada de um projeto de escola e
que é ditada, muitas vezes, pelo programa de um dado livro didático. Mui-
tos deles não sabiam justificar o projeto e não conseguiam estabelecer obje-
tivos específicos. Além disso, por vezes, não conseguiam decidir a qual ru-brica pertenceriam determinados itens, confundindo objetivos com justifi-
cativas ou conteúdos, conteúdos com metodologia, etc. Outra dificuldade
apresentada, também esperada, diz respeito à elaboração de atividades que
objetivavam trabalhar com o género notícia. Muitos professores ficaram
presos a uma abordagem mais estrutural, considerando apenas alguns dos
elementos do contexto de produção (intenção e/ou objetivo). Também aqui,
fez-se notar a forte influência dos livros didáticos mais tradicionais de
ensino de língua. Em razão das dificuldades apresentadas, e a título de
modelização, discutimos algumas atividades retiradas de um livro para-
didático sobre notícias. Em anexo, encontram-se alguns exemplos de ativi-
dades que foram apresentadas e discutidas com os professores.16
16 As atividades que se seguem foram retiradas de Barbosa, J. P. (no prelo) Notícias -Coleção Trabalhando com os Géneros do Discurso. Editora FTD. O livro apresenta aseguinte organização: parte l — diagnóstico do que os alunos sabem sobre o género; parte2 — sócio-história do género e exploração de elementos da situação de produção; parte 3 —exploração das marcas linguísticas e da forma de organização de uma notícia e parte 4 —encaminhamentos paia a elaboração de um projeto de escrita de notícias /produção de um
jornal.
168
Passemos agora para o último item de discussão do presente traba-
lho - seleção de géneros e critérios para a elaboração de progressõescurriculares.
Seleção de géneros e critérios para uma progressão curricular.
Quais géneros selecionar?
Dentro da perspectiva que vimos assumindo e dado que a explora-
ção de todos os géneros que circulam socialmente é impossível e seria pou-
co produtiva, é necessário estabelecer uma seleção variada de géneros que
oriente a elaboração de propostas curriculares, seja enquanto definição de
princípios, seja enquanto delimitação de objetivos, conteúdos e atividades.
A questão que se coloca então é "que géneros devem ser selecionados".
A resposta a esta questão, como já apontam os PCNs, depende, por
um lado, das necessidades dos alunos, estabelecidas pelas diretrizescurriculares gerais, pelo projeto educacional da escola, pelas programa-
ções de todas as áreas curriculares e pelos seus projetos de trabalho e,
por outro lado, das possibilidades de aprendizagem dos alunos, ditadas pe-
los graus de complexidade do objeto e pelo grau de exigência da tarefa (ver
Rojo, neste volume). Diante disso, o que os PCNs fazem é priorizar os
géneros utilizados em situações públicas de uso da linguagem e sugerir
uma listagem de géneros que podem e devem ser privilegiados para a prá-
tica de escuta e leitura de textos e para prática de produção de textos orais
e escritos.
Classificar os géneros a partir de critérios coerentes com os pres-
supostos adotados parece ser uma medida importante, sobretudo tendo-se
em vista a prática escolar. Isso dá parâmetros para que o professor
possa considerar diferentes capacidades de linguagem, diferentes esfe-
ras de comunicação, etc. Evita-se, assim, uma prática arraigada, ainda
hoje, de primeiro trabalhar-se com narração, depois descrição e de-
pois dissertação. Como espera-se que o aluno domine géneros argu-
mentativos públicos se isso só é introduzido nas últimas séries do ensino
fundamental?
169
Com essa intenção de classificação, pesquisadores ligados à Univer-
sidade de Genebra (Dolz e Schneuwly, 1996) propuseram agrupamentos de
géneros, elaborados com base em três critérios: 1) o domínio social da comu-
nicação a que os géneros pertencem; 2) as capacidades de linguagem envol-
vidas na produção e compreensão desses géneros; e 3) sua tipologia geral.
Dessa forma, propõem cinco agrupamentos, que supõem a aprendizagem
de capacidades e operações diferenciadas por parte dos alunos:
a) géneros da ordem do narrar — cujo domínio de comunicação social é
o da cultura literária ficcional, enquanto manifestação estética e ideológica
que necessita de instrumentos específicos para sua compreensão-e aprecia-
ção (exemplos destes géneros seriam: contos de fadas, fábulas, lendas, nar-
rativas de aventura, narrativas de ficção científica, romance policial, cróni-
ca literária, etc.)- Envolvem a capacidade de mimesis da ação através da
criação de uma intriga no domínio do verossímil;
b) géneros cia orâem do relatar — cujo domínio de comunicação social é
o da memória e o da documentação das experiências humanas vivenciadas
(exemplos destes géneros seriam: relatos de experiência vivida, diários, tes-
temunhos, autobiografia, notícia, reportagem, crónicas jornalísticas, relato
histórico, biografia, etc.). Envolvem a capacidade de representação pelo
discurso de experiências vividas e situadas no tempo;
c) géneros da ordem do argumentar — cujo domínio de comunicação
social é o da discussão de assuntos sociais controversos, visando um enten-
dimento e um posicionamento perante eles (seriam exemplos de géneros:
textos de opinião, diálogo argumentativo, carta de leitor, carta de reclama-
ção, carta de solicitação, debate regrado, editorial, requerimento, ensaio,
resenhas críticas, artigo assinado, etc.) Envolvem as capacidades de susten-
tar, refutar e negociar posições;
d) géneros da ordem do expor — que veiculam o conhecimento mais
sistematizado que é transmitido culturalmente — conhecimento científico e
afins (exemplos de géneros: seminário, conferência, verbete de enciclopé-
dia, texto explicativo, tomada de notas, resumos de textos explicativos, resu-
mos de textos expositivos, resenhas, relato de experiência científica, etc.). En-
volvem a capacidade de apresentação textual de diferentes formas dos saberes;
170
e) géneros da ordem do instruir ou do prescrever11 — que englobariam
textos variados de instrução, regras e normas e que pretendem, em diferen-
tes domínios, a prescrição ou a regulação de ações (exemplos de géneros:
receitas, instruções de uso, instruções de montagem, bulas, regulamentos,
regimentos, estatutos, constituições, regras de jogos, etc.). Exigem a
regulação mútua de comportamentos.
Essa não é a única possibilidade que poderíamos conceber para agru-
par géneros18, mas tal classificação possui a vantagem de tematizar o con-
texto social e histórico — pelo critério de domínio social de comunicação — e
de considerar aspectos relativos ao ensino/aprendizagem dos géneros — ca-
pacidades de linguagem envolvidas. O importante em uma classificação de
géneros, seja esta ou outra qualquer, é permitir que se possa efetivar uma
progressão curricular. Dessa forma, o interessante seria que, em todas as
séries do Ensino Fundamental, géneros orais e escritos pertencentes a dife-
rentes agrupamentos fossem trabalhados mais aprofundadamente. Isso
implicaria, por exemplo, trabalhar com géneros da ordem do argumentar
desde as séries iniciais e não somente nas séries finais do Ensino Fundamen-
tal. Pode-se, por exemplo, trabalhar com discussões e debates orais ou com
carta de solicitação nas séries iniciais e trabalhar com editorial ou com rese-
nha crítica nas últimas séries19. Assim, a diversificação de agrupamentos
deve ser um dos critérios de escolha de género.
Outros critérios para a seleção de géneros seriam: a) géneros da esfe-
ra pública, já que os géneros de domínio privado são, muitas vezes, apren-
didos sem a necessidade de uma situação formal de ensino; b) o projeto de
escola, tendo em vista o tipo de indivíduo que se pretende prioritariamente
l? Denominado originalmente pelos autores "descrever ações".18 Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, por exemplo, indicaracomo critério de agrupamento de géneros a esfera de circulação social a que cada génerose vincula, propondo, então, a seguinte classificação: géneros literários, de imprensa, dedivulgação científica e de publicidade.'9 Ver, a este respeito, os artigos de Brãkling e de Rosemblat, neste volume (nota daorganizadora).
171
formar (Um cidadão? Alguém apto para um vestibular? Alguém com for-
mação de nível médio técnica?); c) géneros necessários para a vida escolar e
académica, pois ajudam a garantir um certo sucesso escolar; d) programa-
ções de outras áreas — que podem pressupor o domínio de algum género20;
e) géneros necessários para o exercício da cidadania.21
Alguns critérios para o estabelecimento de uma progressão curricular
Além dos critérios já mencionados para seleção dos géneros, que
também devem ser considerados na elaboração de uma progressão de gé-
neros, acrescentaríamos mais dois: a) grau de familiaridade com o género e
com o tipo de conteúdo temático próprio desse género e b) tipo de ancora-
gem enunciativa.Como exemplo de aplicação do critério de ancoragem enunciativa
para a construção de uma progressão curricular, tomemos o agrupamento
do narrar e do argumentar. Um conto de fadas apresenta um narrador
onisciente que sabe de tudo e até facilita a vida do leitor esclarecendo fatos
e relações. Um narrador de um romance policial quase nunca pode ser
onisciente, por princípio — se assim o fosse, salvo construções mais sofistica-
das, não haveria um crime a solucionar. No romance policial há uma
pluralidades de perspectivas em jogo - do criminoso, da vítima, do investi-
gador etc. que não pode ser totalmente explicitada por um narrador. Ora,
20 Tal critério ajudaria a acabar com um jogo de acusação mútua. Os professores deterceiro e quarto ciclos acusam os professores de primeiro e segundo ciclos de não teremensinado os alunos a ler e a escrever. O mesmo ocorre entre os professores de terceiro equarto ciclos de outras áreas curriculares e o professor de Português. Em algum momentofoi trabalhado com os alunos que ingressam no terceiro ciclo géneros como o relato histó-rico, o artigo de divulgação científica, o resumo, etc.? Como se espera que esse possacompreender ou produzir textos pertencentes a esses géneros? Insucesso em atividades deleitura e produção de textos pertencentes a géneros não apropriados não significa que umaluno não saiba ler ou escrever. Significa apenas que esse aluno não domina um determi-
nado género em questão.21 Cabe dizer que um mesmo género pode ser focado em diferentes séries escolares,
desde que a abordagem se complexifique.
172
isso pode nos indicar que o género conto de fadas pode ser trabalhado em
séries mais iniciais do ensino fundamental e que o romance policial deve ser
trabalhado em séries mais mediais. Com relação ao agrupamento do argu-
mentar, podemos supor que, salvo interferência de cirscunstâncias ligadas
aos outros critérios, géneros que supõem textos mais monologizados se-
riam mais difíceis de serem apropriados. Assim, géneros que supõem a
capacidade de sustentação seriam mais facilmente apropriados do que gé-
neros que necessariamente supõem refutação e/ou negociação.Vale dizer que não estamos propondo que nenhum critério descrito
acima deva se sobrepor aos demais. Ao contrário, uma progressão curricular
adequada deve emergir da interação e confluência desses critérios.
À guisa de conclusão, a concretização de um trabalho que toma como
objeto de ensino os géneros do discurso supõem22:
a) seleção de géneros;
b) elaboração de uma progressão curricular;c) coleta de um corpus de texto pertencentes ao género em questão;d) análise de um corpus de textos pertencentes a um género em
questão. Isso porque a descrição de géneros não parte de um modelo teóricopreviamente formulado, mas sim da análise de textos efetivamente produzidos
e) Descrição do género, tendo em vista sua sócio-história de desen-
volvimento, seus usos e funções sociais, suas condições de produção, seu
conteúdo temático, sua construção composicional e seu estilo.f) Elaboração de um projeto de trabalho, levando em conta questões
relativas à transposição didática, decidindo que textos deverá selecionar e
que elementos da descrição irá privilegiar. Note-se que a definição do queserá tematizado em cada género junto aos alunos depende da articulação
curricular com as demais séries (ou ciclos, ou áreas) e da avaliação das capa-
cidades dos alunos e do que já sabem sobre o género em questão, algo a ser
avaliado em um primeiro momento diagnóstico. De qualquer forma, a
manutenção da coerência com os pressupostos enunciativos e discursivos
assumidos depende do fato do trabalho sempre incluir todos os componen-
22 A ordem de elenco das ações não necessariamente reflete a ordem em que podem edevem ser efetivadas.
173
tes da descrição expostos acima. Assim, pode-se até, e isso é adequado, não
se esgotar todos os elementos observados, frutos do trabalho de descrição.
Mas não se pode explorar apenas o conteúdo temático ou apenas a forma
composicíonal, pois isso descaracterizaria o trabalho com géneros tal como
vimos defendendo.
g) Elaboração de uma sequência didática do género.
Dada a urgência educacional do país e a realidade que os professores
enfrentam em seu dia-a-dia, por motivos conhecidos por todos vinculados
de alguma forma à educação, que não vem ao caso aqui explicitar, algo que
poderia e deveria ser proposto pelo governo é um projeto de descrição de
géneros (e de elaboração de materiais didáticos nessa direção) que poderia
ser implementado por especialistas da área, em conjunto com os professo-
res. De qualquer forma, projetos de educação continuada, como o PEC,
que, lamentavelmente, não continuou, ainda são .necessáriosparaa.forma-
ção do professor, pois somente a disponibilização de sequências didáticas
prontas, sem que o professor esteja implicado com o trabalho e preparado
para tal, é uma medida insuficiente.
A maioria dos professores de Língua Portuguesa existentes na rede
pública são ainda bastante distantes do professor pressuposto pelos PCNs.
Por essa razão, projetos de formação se fazem necessários. Sem isso, corre-
mos o risco de ver algo que, sem dúvida nenhuma, representou um avanço
em termos de políticas educacionais públicas em nosso país se transformar
em uma mera carta de intenções.
Referências bibliográficas
Bakhtin, M. (1979/1997). "Os géneros do discurso". In: M. Bakhtin. Esté-
tica da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes.
Brasil (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa — Tercei-
ro y e Quarto 4° Ciclos do Ensino Fundamental. Brasília, DF, MEC/SEF.
Dolz, J. e B. Schneuwly, B. (1996). Géneros e progressão em expressão oral
e escrita: elementos para reflexões sobre uma experiência suíça
(francófona).Tradução de R. H. R. Rojo. Enjeux, pp. 31-49.
174
Pasquier, A. e J. Dolz, J. (1996). Um decálogo para ensinar a escrever.
Tradução de R. H. R. Rojo. Cultura y Educación, n. 2, pp. 31-41.
Madri, Infância y Aprendizaje.
Schneuwly, B. (1994). Géneros e tipos de discurso: considerações psicológi-
cas e ontogenéticas. In: Y. Reuter (ed.). Lês interactions lecture-écriture.
Tradução de R. H. R. Rojo. Paris, Peter Lang.
Volochínov, V N. / Bakhtin, M. (Volochínov, V N.) (1929/1981). Marxismo
e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec.
ANEXO
/A - ATIVIDADES QUE VISAVAM. TRABALHAR COM A SITUAÇÃO
DE PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS
Atividade l - Os diferentes leitores e os diferentes tipos de jornal23
a. Leia as notícias abaixo. Uma delas foi retirada do jornal Folha de S.
Paulo e outra do jornal Notícias Populares. Considerando as diferenças exis-
tentes entre elas, diga qual notícia foi retirada de que jornal. Justifique.
(Foram dadas duas notícias sobre um mesmo fato, uma noticiada
pela Folha de S. Paulo e uma pelo jornal Notícias Populares)
b. Considerando os diferentes tipos de leitores dos dois jornais, re-
leia as notícias procurando marcas no texto que confirmem o tipo de leitor
pressuposto por cada jornal.
Atividade 2 — Neutralidade suspeita
Leiam os títulos de notícias abaixo, que foram retirados de jornais.
Considerem os fatos relacionados às notícias e procurem localizar, em cada
caso, o que se pede:
23 Essa atividade supõe um levantamento prévio anterior a respeito dos jornais conhe-cidos pelos alunos e uma discussão sobre diferentes tipos de jornal e leitores pressupostospor cada veículo.
175
A) Fatos: Em janeiro de 1998, um prédio desabou na Barra da Tijuca,
Rio de Janeiro, por problemas de construção, causando até a morte de al-
gumas pessoas. A justiça obrigou a construtora do prédio, de propriedade
de Sérgio Naya — que, na época, era um deputado federal —, a indenizar as
vítimas e a fornecer uma moradia provisória para elas. Muitas dessas famí-
lias passaram, então, a morar em hotéis, até que pudessem ter suas casas de
volta. Em abril de 1998, várias famílias vítimas do desabamento que esta-
vam morando em hotéis tiveram que sair de alguns destes hotéis, pois ha-
veria um congresso na cidade e alguns hotéis já haviam feito reservas para
pessoas que viriam de outras cidades. As reservas dos participantes do con-
gresso tinham sido feitas antes dos ex-moradores do Edifício Palace se ins-
talarem nos hotéis.
Qual dos títulos abaixo enfatiza mais a humilhação a que as famílias
moradoras do Palaee foram submetidas?
( ) "FAMÍLIAS DO PALACE l TÊM DE SAIR DE HOTÉIS"
(Folha de S. Paulo, 17/04/98)
( ) "MORADORES DO PALACE DEIXAM HOTÉIS"
(O Estado de S. Paulo, 18/04/98)
( ) "PALACE 1: MORADORES QUE ESTAVAM EM APART-
HOTEL SÃO DESPEJADOS" (Jornal da Tarde, 18/04/97)
B) Fatos: Um avião, que deveria pousar no aeroporto de Vitória,
pousa no aeroporto de Giiarapari, cidade distante cerca de 54 Km de Vitória.
Leiam os títulos de duas notícias sobre o mesmo fato, citado acima,
e diga qual a diferença entre eles?
AVIÃO DA TAM POUSA EM PISTA ERRADA E ASSUSTA PAS-
SAGEIROS NO ES (Folha de S. Paulo, 10/07/98)
PILOTO ERRA E POUSA AVIÃO EM AEROPORTO DE OU-
TRA CIDADE (O Estado de S. Paulo, 10/07/98)
C) Fatos: No dia 17/04/98, aconteceram várias manifestações do
Movimento Sem Terra (MST) nas ruas de São Paulo e do País.
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Qual dos títulos e chamadas abaixo passa uma visão menos negativa
do Movimento Sem Terra (MST):
( ) "No geral, ato é pacífico
MST REALIZA PROTESTOS EM 20 ESTADOS"
(Folha de S. Paulo, 18/04/98)
( ) "MILITANTES TOMAM AS RUAS DAS CAPITAIS DO PAÍS"
Dia Internacional da Reforma Agrária foi marcado por manifestações"
(O Estado de S. Paulo, 18/04/98)
( ) "MST E POLÍCIA ENTRAM EM CHOQUE"
Conflito ocorreu em São Paulo durante manifestação para lembrar massacre
em Eldorado .dos Carajás" (Jornal da Tarde, 18/04/98)
D) Fatos: O resultado da final da Copa do Mundo de 1998, dispu-
tada entre Brasil e França, foi 3 x O para a França.
As manchetes abaixo foram retiradas de jornais brasileiros e tam-
bém do jornal francês Lê Monde. Pensando no que significou o resultado
deste jogo para os dois países, coloque B à frente das manchetes que vocês
acharem que foram retiradas de jornais brasileiros e F à frente das manche-
tes que vocês considerarem que foram retiradas de um jornal francês:
( ) A FRANÇA EM JÚBILO CELEBRA SUA PRIMEIRA COPA
DO MUNDO
() BRASIL DEIXA ESCAPAR O PENTA E FRANÇA É CAMPEÃ
( ) MAIS DE UM MILHÃO DE PESSOAS FESTEJAM A VITÓ-
RIA NOS CAMPOS ELÍSEOS
( ) FRANÇA É CAMPEÃ DO MUNDO; BRASIL SOFRE SUA
PIOR DERROTA
Quando alguém vai contar algo, tem que escolher uma série de coi-
sas: as palavras que vai usar, a ordem destas palavras, os dados que vai usar,
etc. Ao fazer isso, muitas vezes, acaba-se privilegiando um dos lados envol-
vidos na questão. Querem ver outro exemplo?
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A partir dos dados das pesquisas eleitorais abaixo, você, juntamente
com um colega, vai ter que inventar uma manchete que, faremos de conta,
deverá ser publicada em um jornal de amanhã. Esta pesquisa traz dados
sobre as intenções de voto dos moradores de São Paulo para o primeiro
turno das eleições para o governo de São Paulo, em 1998.
Os dados são os seguintes:
Uma pesquisa, realizada pelo Datafolha — Instituto de Pesquisa li-
gado ao grupo Folha de S. Paulo — entre os dias 27 e 28/08/98, dava a
seguinte porcentagem de intenção de votos para o governo do Estado de
São Paulo:
Francisco Rossi
Paulo Maluf
Mário Covas
Marta Suplicy
27%
27%
14%
12%
Uma outra pesquisa, realizada entre O l e 02/09/98, dava seguinte
porcentagem de intenção de votos para o governo do Estado:
Francisco Rossi 25%
Paulo Maluf 25%
Mário Covas 17%
Marta Suplicy 14%
A tabela abaixo resume os dados:
Rossi
Maluf
Covas
PESQUISA de 27
e 28/08
27
27
14%
PESQUISA de 01
e 02/09
25
25
17%
Marta 12% 14%
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a) A partir desses dados, pensem e escrevam uma manchete que seja
mais favorável ao candidato Rossi.
b) A partir desses mesmos dados, pensem e escrevam uma manche-
te que seja mais favorável ao candidato Maluf.
c) A partir desses mesmos dados, pensem e escrevam uma manchete
que seja mais favorável ao candidato Covas.
d) Como vemos, embora o fato seja o mesmo, podemos contá-lo de
diferentes formas. Com base nas diferentes manchetes que vocês acabaram
de inventar, vocês diriam que é possível contar um fato político como esse
de uma maneira totalmente neutra? Justifique.
B - ATIVIDADES QUE VISAVAM TRABALHAR COM A FORMA
COMPOSÍCIONAL E COM AS MARCAS LINGUÍSTICAS DAS
NOTÍCIAS 24
Atividade l — Os tempos verbais utilizados nas manchetes
1) Imagine as seguintes manchetes publicadas em um jornal:
ACIDENTE DEIXA l MORTO E 5 FERIDOS NA RAPOSOTAVARES
ADOLESCENTE É BALEADO AO ASSALTAR PM
RONALDINHO MARCA GOL MAS INTER DE MILÃO PER-DE EM CASA
24 A discussão de algumas das atividades que se seguem tinham, além do objetivo jádado pelo título da atividade, o objetivo de ilustrar para o professor como o mesmo pode-ria fazer um trabalho de gramática aplicada ao texto, dado que, embora quase todos osprofessores advoguem em favor do ensino da gramática aplicada ao uso da língua, poucossabem como fazê-lo. Na grande maioria das vezes, o que se vê são propostas de atividadespara que o aluno procure no texto palavras pertencentes a uma determinada categoriagramatical, o que está longe de ser um trabalho orientado pelo uso da língua.
179
2) Essas manchetes se referem a fatos já acontecidos ou que estão
acontecendo?
3) Qual o tempo verbal dos verbos que aparecem nas manchetes
que você acabou de ler?
4) Pensando que um texto sempre deve levar em conta o seu leitor,
por que você acha que as manchetes lidas, embora digam respeito a algo já
acontecido, trazem verbos no presente?
Atividade 2 — Tornando O relato ainda mais preciso e objetivo
1) Além da determinação de lugar e tempo, há outras formas de
precisar dados em uma notícia. Leia a notícia abaixo e sublinhe tudo que
você considerar que sirva para dar maior precisão aos fatos.
MORRE AOS 34 ANOS AYRTON SENNA, TRICAMPEÃO
MUNDIAL DE FÓRMULA l
Flávio Gomes
Enviado especial a Imola
O brasileiro Ayrton Senna da Silva, 34, piloto profissional de Fór-
mula l, morreu ontem em Bolonha, Itália, em consequência de uma aci-
dente sofrido na sétima volta dó Grande Prémio de San Mãrino, terceira
etapa do Campeonato Mundial.
Senna bateu seu Willians a quase 300 km/h na curva Tamburello, a
primeira do circuito de Imola, às I4hl3 locais (9hl3 de Brasília). Foi leva-
do ao hospital Maggíorre, a 35 Km do circuito, de helicóptero.
Na batida, Senna sofreu fraturas múltiplas na base do crânio. No
trajeto para o hospital, teve uma parada cardíaca. Às 15h50, seu estado era
de coma profundo.
O piloto apresentava hemorragias internas e respirava por aparelhos.
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Recebeu uma transfusão de 4,5 litros de sangue, na tentativa dereativar a circulação.
O anúncio da morte foi feito às 18h42 locais pela médica Maria
Tereza Fandri, responsável pelo setor de reanimação do hospital Maggiore.
(Folha de S. Paulo, 07/01/1994).
2) Muitas vezes, uma notícia inclui o que alguém envolvido com o
fato relatado disse. Assim, podemos ter algo como no trecho abaixo:
(...) "Todos os dias ajudamos pessoas a encontrarem seus filhos per-
didos pela favela", diz Henrique de Souza, produtor e faz-tudo da emissora.
(...)
Esse mesmo trecho poderia ser dito da seguinte maneira:
(...) O produtor e faz-tudo da emissora, Henrique de Souza, conta que todos
os dias a rádio ajuda pessoas a encontrarem seus filhos perdidos pela favela. (...)
â. Que diferenças você nota entre essas duas formas de dizer?
b. O que é que marca que, em um determinado trecho, de uma
notícia há a fala de alguém citado na notícia?
relato?c. Qual dos dois trechos dá maior vivacidade e confiabilidade ao
3. Leia os trechos abaixo:
Trecho l ( )
Soubemos que Kurt Cobain, vocalista e líder da banda Nirvana, foi
encontrado morto ontem por volta das 9h da manhã em sua casa em Seatle,
Washington. Fomos informados de que Cobain, 27, cometeu suicídio comum tiro na cabeça.
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Trecho 2 ( )
Kurt Cobain, vocalista e líder da banda Nirvana, foi encontrado morto
ontem por volta das 9h da manhã em sua casa em Seatle, Washington.
Cobain, 27, cometeu suicídio com um tiro na cabeça.
a. Qual o trecho que apresenta um relato feito em 1a pessoa?
b. Qual dos dois trechos conta os fatos de forma mais objetiva?
c. Um desse trechos foi retirado da Folha de S. Paulo de 09/04/1999.
Releia os dois trechos e assinale aquele que você considerar que foi publica-
do pela Folha de S. Paulo.
d. Levando em conta que uma notícia deve parecer sempre bastante
confiável, você acha que notícias são escritas em 1a pessoa ou em 3a pessoa?
Justifique sua resposta.
A discussão das propostas apresentadas permitiu uma melhor ade-
quação do material produzido pelos professores à proposta acertada, fican-
do, porém, ainda longe do desejável.
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