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Documentação judicial e registros de língua falada
Nathalia Reis Fernandes5.11.2012
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Objetivo• Demonstrar que a documentação judicial
pode ser fonte confiável de registro da língua falada numa época em que não havia gravadores de voz.
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Documentação judicial• Particularidades que permitem valorização
do ponto de vista linguístico histórico:- Substrato da teoria do direito- Estrutura tradicional, mantida da mesma forma
já há muito tempo (tradicionalismo característico do Poder Judiciário)
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Conhecer o documento• “Historical linguistics can [...] be thought as
the art of making the best use of bad data” (Labov)
• Não conhecer as peculiaridades estruturais/históricas/sociais de um documento não permite que o aproveitemos em sua totalidade.
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Sistema processual brasileiro• Mais escrito do que oral• Consequência: tendência ao registro, em
detalhes, dos procedimentos orais, por meio da transcrição em papel
• Tentativas frágeis e esparsas de adoção da gravação de voz para registro
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Depoimento• Termo utilizado indistintamente para
designar o depoimento stricto sensu (informações prestadas pelas partes) e o testemunho (informações prestadas por pessoa que conhece os fatos alegados no processo).
• Este estudo foi desenvolvido com base em depoimentos stricto sensu e testemunhos.
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Prova• O depoimento é um meio de prova de
alegações em processo. • Para provar pode ser utilizado qualquer
“meio moralmente legítimo”, além das formas previstas na legislação processual.
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Prova• Com o tempo, a legislação e a tecnologia
mudaram, o que teve impacto nas possibilidades de prova.
• Porém, o depoimento sempre figurou entre as possibilidades viáveis de prova, variando apenas a forma de seu registro.
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Escrivão• Responsável pela transcrição do
depoimento, o que ocorre ao mesmo tempo em que a informação é prestada.
• A partir de meados do século XX, passou-se a fazer esse trabalho por meio de máquinas de escrever e programas de computador. Antes disso, as transcrições eram manuscritas.
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Escrivão• Por viver de sua escrita e por fazer parte
da Administração Pública, presume-se que atente à norma culta.
• O provimento dos cargos de escrevente/escrivão, atualmente, é feito por meio de concurso público que avalia o conhecimento da língua.
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Escrivão• Em períodos mais recuados no tempo, saber
ler e escrever era algo raro.• Quem estudava era naturalmente conduzido
aos usos e costumes da elite – dentre os quais estava a norma culta – de uma forma mais fácil do que nos dias de hoje.
• Ordenações Filipinas: o escrivão que lesse ou escrevesse mal deveria ser suspenso.
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Escrivão• Mesmo assim, não há garantias de que o
usuário da norma culta se utilizasse dessa variante em todos os momentos da vida, ao contrário do que pregam as telenovelas e filmes de época.
• Tendo em vista que a escrita era o único registro da linguagem, somos induzidos a esse tipo de pensamento.
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Escrivão• O trabalho do escrivão não se resume à
transcrição de depoimentos. Ele também deve certificar e apontar por escrito determinados fatos que ocorrem ao longo do processo.
• Todavia, na transcrição, o escrivão está sujeito a uma situação de pressão que, em nossa opinião, poderia fazer com que a norma culta não fosse rigidamente observada.
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Ordenações Filipinas (1593)• Procedimento dos “enqueredores”- Dar fé: o que for registrado pelo escrivão é
expressão da verdade- O escrivão deverá registrar tudo que a
testemunha disser, o que exige rapidez (o que pode ser especialmente difícil nos casos em que a transcrição é manuscrita)
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Código Criminal do Império (1832)
• O escrivão deveria ler o que foi escrito perante a testemunha, de forma que ficasse comprovado que o que foi registrado confere com o que ela disse – “lido e achado conforme”
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Consolidação das Leis do Processo Civil (1876)• O escrivão não poderia escrever o que
não tivesse relação com o caso: filtro a que deveriam ser submetidas as informações prestadas, ao mesmo tempo em que eram avaliadas e escritas.
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Código de Processo Penal (1941)
• Reprodução fiel das frases e das expressões utilizadas pelas testemunhas: exigência que demanda ainda maior atenção ao que é dito, por parte do escrivão
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Código de Processo Civil (1973)• Não há maiores pormenores sobre o
tratamento da informação pelo escrivão, mas no processo civil o tratamento tradicional ainda é mantido.
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Constituição Federal de 1988• A Administração Pública (dentro da qual
está inserido o Poder Judiciário) é civilmente responsável por danos causados por seus agentes.
• Sendo funcionário público, o escrivão deve cumprir seu trabalho de forma correta, sob pena de responder pelos danos.
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Nossa teoria• Em razão da pressão a que está
submetido em seu trabalho, o escrivão pode ser induzido a deixar de lado o uso da norma culta e trabalhar com base na língua que utiliza no cotidiano, mais internalizada.
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Nossa teoria• Nada impede que o depoimento contenha o
registro oral da testemunha (especialmente em vista do que dispõe o atual Código de Processo Penal).
• Porém, em nosso corpus, quase todos os documentos envolviam depoimentos prestados por testemunhas estrangeiras, e o texto, numa leitura apressada, parece bem apropriado para o português do Brasil.
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Nossa teoria• Testamos a aplicação da teoria em relação a
determinado fenômeno de sintaxe (perda do parâmetro do sujeito nulo).
• O português lusitano é língua que observa o parâmetro, e aceita-se que o português do Brasil tenha começado a rejeitá-lo em meados do século XX.
• Mas, no Brasil, a estilística tendia a considerar culta a omissão do sujeito.
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Nossa teoria• Observamos, todavia, indícios de
comportamento “moderno” em documentos do início do século XX, em relação à terceira pessoa, mais resistente à perda.
• Os estrangeiros que prestaram depoimento eram todos falantes de línguas de sujeito nulo. Logo, se ocorria alto nível de preenchimento, então estaríamos diante da fala do escrivão.
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Nossa teoria• Em outros registros nos quais o escrivão
não está submetido a pressão, há maior atenção ao parâmetro do sujeito nulo.
• Os escrivães possuíam modelos a serem seguidos em suas atividades. Mas não há como se prender a um modelo quando a prioridade é registrar a informação que está sendo passada pela testemunha.
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Nossa teoria• O escrivão pode, pois, ser induzido a fazer
uso da sua linguagem coloquial ao longo do processo de transcrição, deixando de lado as convenções de estilística e a norma culta.
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Exemplo • Situação de referente esperado, na qual a
expectativa é de que ocorra o preenchimento.
“Compromissada e inquirida, disse: [...] que o depoente
k
pode dizer que os factos por elle
k
narrados o foram em abril do corrente anno; que após esses factos o depoente
k
nada mais soube” [1928]
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Conclusão• O depoimento judicial pode ser uma fonte
muito interessante de oralidade, em tempos nos quais não havia gravação de voz.
• Isso é válido relativamente ao fenômeno sintático estudado: há indícios de que a fala já apresentava sinais de rejeição do sujeito nulo em época e situação em que isso não era esperado.
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Conclusão• O desafio, porém, é estender a validade
da teoria a outras instâncias da sintaxe e da linguagem como um todo.
• Desta forma, seria possível analisar o quanto ainda estamos distantes (ou não) de conhecer a língua falada no Brasil no passado – o que é de suma importância para o estudo linguístico diacrônico.