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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O DANO EXISTENCIAL NO DIREITO DO TRABALHO Por: Tania de Oliveira Rosa Orientador Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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  • UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

    PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

    AVM FACULDADE INTEGRADA

    O DANO EXISTENCIAL NO DIREITO DO TRABALHO

    Por: Tania de Oliveira Rosa

    Orientador

    Prof. William Rocha

    Rio de Janeiro

    2016

    DOCU

    MENT

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    OTEG

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    ORAL

  • 2

    UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

    PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

    PROJETO A VEZ DO MESTRE

    O DANO EXISTENCIAL NO DIREITO DO TRABALHO

    Apresentação de monografia à Universidade

    Candido Mendes como condição prévia para a

    conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

    em Direito e Processo do Trabalho, por Tania de

    Oliveira Rosa.

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a Deus pelas infinitas

    oportunidades. Agradeço aos

    meus filhos e a todos que me

    apoiaram em mais um desafio.

  • 4

    RESUMO

    O presente trabalho monográfico apresenta uma pesquisa elaborada

    bibliograficamente sobre o dano existencial nas relações de trabalho, em seus

    aspectos mais relevantes, as suas características e as diferenças do dano

    moral puro. Conceitua este recente instituto jurídico como causador de prejuízo

    ao projeto de vida do trabalhador, decorrente da conduta do empregador, que

    impossibilita a fruição de atividades sociais, recreativas, afetivas, culturais,

    dentre outras. Analisa as conseqüências danosas no projeto de vida do

    trabalhador, sob a ótica do princípio da proteção e dos direitos fundamentais

    da pessoa humana.

    Mais especificamente, o estudo expõe o dano existencial como dano à

    vida de relação, evidenciando a responsabilização civil do ofensor para garantir

    a segurança e a integridade da pessoa humana. Apresenta, ainda, as

    possibilidades de reparação do dano existencial na justiça laboral, como a

    valoração mais adequada da quantia fixada pela indenização diante do

    sofrimento dos danos suportados pelos ofendidos, verdadeiro estigma em suas

    vidas.

  • 5

    METODOLOGIA

    A metodologia utilizada no presente trabalho é a pesquisa bibliográfica,

    com o suporte da pesquisa webgráfica, contando ainda com o estudo da

    jurisprudência e da legislação pertinente, procurando contextualizar o

    fenômeno do dano existencial como investigação de um fenômeno

    contemporâneo.

    Dessa forma, a abordagem sobre o tema foi estruturada em partes bem

    distintas, começando pela exposição dos direitos fundamentais da pessoa

    humana e da proteção da dignidade do trabalhador, assim como os seus

    reflexos na responsabilidade civil.

    Paralelamente, a legislação e a jurisprudência pesquisadas reforçaram o

    objetivo de demonstrar o tema como um fenômeno recente, que visa estimular

    a reflexão na evolução da ciência e, mais especificamente, tornar o dano

    existencial um instituto jurídico com respostas mais eficientes aos

    trabalhadores lesados no seu projeto de vida.

  • 6

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO 07

    CAPÍTULO I - Os Direitos Fundamentais da

    Pessoa Humana

    1.1 Princípio da proteção e a dignidade do trabalhador 08 CAPÍTULO II - O Dano Moral

    2.1 Conceito 11 2.2 Responsabilidade civil 14

    CAPÍTULO III – O Dano Existencial

    3.1 Evolução histórica 19 3.2 Princípios norteadores do dano existencial 23 3.3 Dano moral e dano existencial – Distinção 26

    CAPÍTULO IV – O Dano Existencial na

    Justiça Laboral

    4.1 O Dano existencial no projeto de vida do trabalhador 34 4.2 O dano existencial e a saúde do trabalhador 35 CAPÍTULO V – A Reparação ao Trabalhador Vitimado pelo Dano Existencial 5.1 Indenização por dano existencial 38 5.2 Casos Concretos – Sentenças judiciais de dano existencial 42 CONCLUSÃO 48

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50

    FOLHA DE AVALIAÇÃO 53

  • 7

    INTRODUÇÃO

    O dano existencial, espécie de dano extrapatrimonial, vem ganhando

    destaque no Direito do Trabalho, considerando a sua relevância e atualidade.

    Através do método bibliográfico pretende-se analisar o contexto de

    proteção da dignidade da pessoa humana, bem como o direito fundamental de

    personalidade na relação laboral. A proteção dos direitos fundamentais que

    garante ao trabalhador a dignidade humana como, por exemplo, o seu direito à

    felicidade e à saúde.

    O presente trabalho monográfico pretende apresentar, ainda, o dano

    moral e sua distinção do dano existencial, analisando a responsabilidade civil e

    tratando dos conceitos, fundamentos e sua evolução histórica.

    Como grande aliado dessa perspectiva mais humanitária do indivíduo,

    será analisado o instituto da responsabilidade civil, que ampara não somente

    os danos materiais como os imateriais.

    A responsabilidade civil pelo dano existencial no acidente de trabalho

    será apresentada, ainda, com a exposição das características do dano

    existencial, a diferenciação com o dano moral e a consequente caracterização

    do dano ao projeto de vida do trabalhador, vítima da exploração pelo

    empregador e de acidente de trabalho.

    O objetivo do trabalho é contribuir para o desafio da caracterização do

    dano existencial no Direito do Trabalho e a reparação do trabalhador vitimado.

  • 8

    CAPÍTULO I

    OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA

    As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são

    frequentemente utilizados como sinônimas. Segundo a sua

    origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte

    maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os

    povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-

    universalista); direitos fundamentais são os direitos do

    homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados

    espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da

    própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável,

    intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os

    direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

    (CANOTILHO, 2003)

    1.1 – O princípio da proteção e a dignidade do trabalhador

    Os Princípios são a base de todo o ordenamento jurídico; o alicerce

    sobre o qual se constrói a sistemática jurídica. A não observância desses

    princípios resulta, quase sempre, na ruptura do sistema legal positivado,

    especialmente quanto a não aplicação efetiva das normas legais, ocasionando,

    assim, a ruptura do Estado Democrático de Direito.

    No direito laboral o princípio da proteção é o guardião de todos os

    princípios fundamentais e da garantia dos direitos fundamentais dos

    trabalhadores. Este é o princípio que norteia todo o sentido da criação do

    Direito do Trabalho, é o princípio que deve proteger a parte mais frágil na

    relação jurídica – o trabalhador – que até o surgimento de normas trabalhistas

    se via desprotegido diante da imponência do jus variandi do empregador.

  • 9

    Ao longo dos séculos, historicamente, sempre ocorreu a dominação do

    mais forte sobre o mais fraco, a dominação do detentor do capital, o que

    submetia o trabalhador à condições quase desumanas no ambiente laboral.

    Portanto, a grande necessidade da intervenção do Estado nas relações de

    trabalho buscava assegurar condições razoáveis de dignidade ao obreiro.

    O Princípio da Proteção surgiu de normas imperativas de ordem

    pública que cuja intervenção do Estado nas relações de Trabalho impôs

    obstáculos à autonomia da vontade. Com isso têm-se a base do contrato de

    trabalho: a vontade dos contratantes, com um limitador: a vontade do Estado

    manifestada pelos poderes competentes que visam ao trabalhador o mínimo

    de proteção legal.

    Diferentemente do Direito Comum, onde se busca sempre a igualdade

    das partes, no direito do trabalho é notória a desigualdade econômica entre as

    partes, o que levou o legislador a pelo menos tentar igualar essa diferenciação.

    O princípio da proteção ao trabalhador é o princípio que instrui a

    criação e a aplicação das normas de direito do trabalho. A proteção do direito

    do trabalho destina-se á pessoa humana, conforme mostra o art. 1º, III, da

    CF/88. O direito do trabalho surgiu para proteger o obreiro, visando, assim, o

    equilíbrio entre o capital e o trabalho, gerando direitos e obrigações entre

    empregados e empregadores. O princípio protetor tem plena autonomia no

    mundo jurídico, o que inclui não só a ordem jurídica trabalhista, sendo

    subsidiado também por todo o ordenamento jurídico nacional.

    O Direito do Trabalho no Brasil tem um propósito de fundamental

    importância a cumprir, que é ser ‘... o amparo aos trabalhadores e a

    consecução de uma igualdade substancial e prática para os sujeitos

    envolvidos’ (ALVES; 2004).

    Como um dos princípios fundamentais da República (CF art. 1.º, III), a

    dignidade da pessoa humana reconheceu a obrigatoriedade da proteção

    máxima à pessoa através de um sistema jurídico-positivo formado por direitos

  • 10

    fundamentais e da personalidade humana, com o objetivo de garantir assim o

    respeito absoluto ao indivíduo, gerando-lhe uma existência plenamente digna e

    protegida de qualquer espécie de dano, seja praticado pelo particular, como

    pelo Estado.

    Dessa forma, ‘o Constituinte deixou transparecer de forma clara e

    inequívoca a sua intenção de outorgar a qualidade de normas embasadoras e

    informativas de toda a ordem constitucional aos princípios fundamentais,

    especialmente das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais,

    que igualmente integram (juntamente com os princípios fundamentais) aquilo

    que se pode – e nesse ponto parece haver consenso – denominar de núcleo

    essencial da nossa Constituição formal e material’ (SARLET; 2006).

    De acordo com a doutrina de José Afonso Silva, a dignidade da pessoa

    humana, sobretudo, ‘é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os

    direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida’ (AFONSO; 1990) e, se

    podemos definir existência como ‘o modo de ser do homem no mundo’, a

    dignidade da pessoa humana é o núcleo da existência humana, valor inato,

    imaterial, essencial, de máxima grandeza da pessoa (ABBAGNANO;1998).

  • 11

    CAPÍTULO II

    O DANO MORAL

    2.1 – Conceito

    Inicialmente, o dano moral surgiu nas teorias clássicas do Direito como

    a lesão imaterial ou invisível por excelência, e foi por muito tempo a única

    representação de dano extrapatrimonial conhecido, não havendo qualquer

    outro desdobramento senão o do conceito de dano moral, que era tratado

    como um sinônimo. Hoje esse entendimento está superado.

    No conceito de Pontes de Miranda, por exemplo, ele define o dano

    patrimonial como lesão que atinge o patrimônio do lesado, e o não patrimonial

    como o dano que alcança o ofendido como ser humano, mas não atinge o seu

    patrimônio (GARCIA; 2015).

    Neste mesmo sentido segue o entendimento de Pereira, segundo

    Garcia (2015), que avalia dano moral como sofrimento humano que não é

    causado por uma perda pecuniária, sendo a mesma concepção de Carlos

    Roberto Gonçalves (GARCIA; 2015), que admite a definição de dano moral

    exclusivamente para conceituar o ‘agravo que não produz qualquer efeito

    patrimonial’.

    Assim, o Direito contemporâneo tratou de normatizar diferenciações na

    classificação dos danos próprios à lesão imaterial, em que o dano

    extrapatrimonial tornou-se o gênero, e classificou o antigo conceito de dano

    moral como uma das espécies do gênero dano extrapatrimonial.

    Dessa forma, contemporaneamente, efetivou-se uma releitura do

    conceito de dano moral, não somente entendido como um dano que atinge o

    sujeito de direito e seus efeitos patrimoniais, mas como um dano

  • 12

    extrapatrimonial imposto à vítima, que causa reflexos subjetivos de dor,

    desgosto, humilhação e outros sentimentos negativos.

    Assim, a doutrina contemporânea de Venosa entende que o dano

    moral é um prejuízo que afeta, direta ou indiretamente, o campo imaterial do

    ofendido, causando-lhe lesões sobre o ‘ânimo psíquico, moral e intelectual’

    (GARCIA; 2015).

    Na mesma linha de entendimento segue Cavalieri Filho, cuja obra cita

    a Constituição de 1988, que reconheceu a possibilidade expressa (art. 5º, incs.

    V e X) de reparação do dano moral, mesmo sem atribuir preceitos objetivos

    para a avaliação de sua eventual ocorrência. Assim, para o autor, o dano moral

    é a ‘dor, o vexame, o sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade,

    interfere intensamente no comportamento psicológico do indivíduo’ (GARCIA;

    2015), que dão origem a sentimentos negativos e a um desequilíbrio no bem-

    estar da vítima.

    Por tais razões, a ação jurisdicional não se concentra no dano

    propriamente dito, e sim nos seus reflexos sobre a vítima, buscando pela

    restauração do status in natura ou quo ante da vitima, e pelo restabelecimento

    do estado em que ela se encontrava antes da ocorrência do dano que lhe deu

    a origem à dor, ao sofrimento e ao desequilíbrio na sua vida.

    Este curso da ação tornou-se possível através de noções de reparação

    do dano, divididas em critérios subjetivos e objetivos. Os critérios subjetivos

    levam em consideração as características subjetivas do ofendido e do ofensor

    da lesão, para avaliar e aferir os efeitos causados pelo dano e o animus

    leadere (ânimo de ofender) do ofensor.

    Essa precaução deve-se ao fato de que nem todo ofensor tem o

    ânimo de praticar o dano, exceto nos casos omissivos, em que este possui o

    dever de prevenir ou atenuar o dano, situação que deve ser levada em

    consideração. Por outro lado, os efeitos de um dano são sentidos

    diferentemente, conforme a vitima. Um mesmo dano moral pode repercutir de

  • 13

    diversas formas entre os envolvidos, especialmente se considerarmos a forma

    direta ou indireta em que o dano ofendeu a vítima.

    Já os critérios objetivos consideram a situação econômica do ofensor e

    da vítima, a repercussão e da gravidade do dano. De modo que assim,

    analisados os critérios, uma indenização é estabelecida (quantum debeatur),

    obedecendo à tríplice função desta pena: o caráter punitivo, o caráter

    compensatório e o caráter pedagógico.

    Pelo critério objetivo tem-se por meta, respectivamente:

    I. Punir o ofensor em valor suficientemente expressivo pelo ato

    omissivo, ou comissivo, que deu origem ao dano, para que este

    perceba a indenização como uma punição;

    II. Compensar integralmente a vítima pelo dano seus efeitos

    negativos, a fim de devolver o estado anterior à ocorrência do

    dano (status quo ante), proporcionando ao ofendido uma situação

    capaz de reparar os efeitos do dano; e

    III. Que a indenização sirva também para ensinar, pedagogicamente,

    o ofensor a não mais reincidir na prática que deu origem ao dano,

    buscando por atitudes futuras que evitem a sua recorrência.

    O dano moral pode ser materializado em inúmeras situações. A título

    de exemplo apresenta-se um falecimento em decorrência de um acidente de

    transito, uma inscrição indevida em órgãos restritivos de crédito, um

    cancelamento ou atraso de vôo, uma demissão por justa causa indevida e

    outros tantos, que podem ser admitidos como dano moral in re ipsa ou

    presumido.

  • 14

    2.2 – Responsabilidade civil

    A responsabilidade civil, ramo do direito civil, se preocupa com a

    obrigação de indenização de um dano. Vivendo em sociedade o homem

    relaciona-se com os demais, dessa convivência podem resultar

    comportamentos que ofendem os direitos de personalidade (RIGONI E

    GOLDSCHIMIDT; 2016).

    A responsabilidade civil, segundo a teoria clássica, se fundamenta em

    um dano, na culpa do autor do dano e o nexo causal entre o fato e o dano.

    Os direitos de personalidade têm por objeto a proteção das condições

    psíquicas, morais e físicas do homem, e a ofensa a tais direitos pode motivar a

    indenização por um dano moral ou patrimonial.

    O direito civil define no artigo 186 do Código Civil, que a pessoa, que

    por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

    causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Na

    responsabilidade civil o bem protegido é privado, e seu objeto é o patrimônio

    do ofensor; pode ser subdividida em responsabilidade subjetiva como regra e

    responsabilidade objetiva em situações mais restritas.

    No Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica. Se havia uma

    relação jurídica entre causador do dano e a vítima, a responsabilidade é

    contratual, pois houve o descumprimento de cláusula pactuada previamente.

    Entretanto, se não existia qualquer relação previamente pactuada entre as

    partes, até o momento do dano, a responsabilidade é extracontratual, pois o

    descumprimento foi de ordem legal, cujo princípio prevê o dever de não lesar

    ninguém e não de cláusula contratual.

    Dentre as distinções dos dois institutos ressalta-se que na

    responsabilidade contratual preexiste uma relação jurídica, o ofendido deve

    provar somente a existência da relação jurídica e o inadimplemento contratual,

  • 15

    e admite cláusula de exclusão, ou redução do valor da indenização; já na

    responsabilidade extracontratual inexiste uma prévia relação jurídica, o que

    existe é apenas o dever legal de não causar dano a outrem, nessa modalidade

    a vítima deve provar a conduta culposa do agente (RIGONI E

    GOLDSCHIMIDT; 2016).

    A responsabilidade civil pode ainda ser bipartida em subjetiva e

    objetiva, cujo critério de imputação do dever de reparação é que justifica tal

    bipartição. Será a conduta do agente causador do dano que definirá a

    modalidade de responsabilidade quanto ao aspecto ora em analise. Se a

    reparação do dano causado independe de dolo ou culpa, independente de

    necessidade de investigação para tanto, a responsabilidade será objetiva.

    Entretanto, se a reparação depender da verificação de culpa ou não da

    conduta a responsabilidade será subjetiva.

    A responsabilização civil subjetiva ocorre quando se dá a violação do

    dever de não violar direito alheio por conduta com culpa ou dolo do agente. Se

    o agente desejou o ato e suas consequências, diz-se que é doloso. Entretanto,

    se o agente ensejou o ato, mas não previu o resultado, ou suas

    consequências, diz-se que é culposo. A culpa, em sentido estrito, ocorre

    quando o agente não observa o dever de cuidado imposto ao homem. O

    comportamento culposo pode se dar por negligência, imperícia ou

    imprudência.

    O fundamento inicial da responsabilidade era somente subjetivo,

    fundado sobre a culpa. Porém as pressões das mudanças sociais causaram a

    mudança também na noção da responsabilidade, nascendo, assim, novo

    entendimento a respeito, a fim de não perpetuar mais situações de prejuízos

    suportadas exclusivamente pela vítima, em ações judiciais que não pudesse

    comprovar a culpa no agente causador do dano, através de provas

    testemunhais ou outras formas, e que restaria sem amparo na solução do dano

    sofrido.

  • 16

    Surgiram então teorias para justificar a existência da responsabilidade

    presumida. ‘No final do século XIX, surgem as primeiras manifestações

    ordenadas da teoria objetiva ou do risco. [...] quem, com sua atividade cria um

    risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda porque essa

    atividade de risco lhe proporciona um benefício’ (RIGONI E GOLDSCHIMIDT;

    2016).

    Em síntese, na responsabilidade subjetiva identificam-se três

    elementos: a) elemento material que consiste em uma conduta humana; b)

    elemento psicológico, que é a vontade que pode desviar o curso das coisas; c)

    elemento sociológico, fundado na reprovabilidade social da conduta do agente

    (RIGONI E GOLDSCHIMIDT; 2016).

    A responsabilidade civil poderá ser classificada em direta e indireta,

    quanto ao sujeito causador do dano e com a reparação do mesmo. Denomina-

    se direta quando a pessoa que arca com o dano é o agente que o causou. A

    responsabilidade será indireta se a pessoa que arcará com os valores

    indenizatórios não for o agente que causou o dano.

    Os pressupostos da responsabilidade são os requisitos indispensáveis

    para determinado instituto jurídico. Na responsabilidade civil são: ação, dano e

    conduta com respectivo nexo de causalidade. Prevê o artigo 186 do Código

    Civil que ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

    imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

    moral, comete ato ilícito’.

    Apreende-se do artigo citado que: conduta (aquele que por ação ou

    omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito); nexo de

    causalidade (e causar) e dano (dano a outrem ainda que exclusivamente

    moral, comete ato ilícito). E o elemento ação que engloba ação e omissão

    (RIGONI E GOLDSCHIMIDT; 2016).

    No direito do trabalho, a teoria clássica preconiza que para que o

    lesado tenha direito à indenização, é necessário que haja dano injusto, nexo

  • 17

    causal e culpa do causador do dano. Nexo causal é o vínculo existente entre a

    execução da atividade exercida e o acidente de trabalho, ou doença

    ocupacional. Uma vez que se demonstre que o empregado foi vítima de

    doença ou acidente, deve-se comprovar se existe nexo com a atividade

    laborativa por ele exercida, em caso positivo, efetiva-se prova de acidente do

    trabalho. Pode-se ainda constatar que o empregado é de fato vítima de

    acidente ou doença, porem não decorrentes do trabalho.

    Outra excludente do nexo de causalidade é o caso fortuito ou força

    maior, a legislação acidentária entende de forma exemplificativa o

    desabamento, inundação, incêndio.

    O fato de terceiro também é justificador da ausência de nexo quando

    não há interferência do empregador, mesmo em dano ocorrido no horário de

    trabalho. O terceiro na relação de trabalho para fins de definição de acidente

    de trabalho será considerado o agente que devidamente identificado cause

    acidente que vitime o empregado, no ambiente de trabalho ou em horário de

    trabalho, contudo, desde que não seja a própria vítima seu empregador ou

    preposto da empresa.

    A responsabilização civil do empregador na ocorrência de um acidente

    do trabalho ou de uma doença ocupacional, quando comprovado o nexo

    causal entre o acidente de trabalho e o prejuízo causado, deve abranger todas

    as áreas que foram abaladas na vida do empregado, não somente os danos

    patrimoniais como também os extrapatrimoniais: os danos morais e

    existenciais.

    Responsabilizar civilmente o causador do acidente de trabalho, garante

    à vítima o fim da situação que lhe é danosa, e especialmente o respeito a sua

    dignidade. Imputação essa que deve suplantar a esfera patrimonial, deve se

    fixar também aos danos causados ao equilíbrio do empregado, às prejuízos

    relativos a sua existência, ao seu direito de conviver e relacionar, de planejar e

  • 18

    realizar seus planos, bem como de praticar atividades que dão significado a

    sua existência.

    No direito do trabalho, a responsabilidade civil precisa então

    acompanhar essa evolução, para garantir não apenas o reconhecimento do

    dano existencial, mas também a sua reparação. Atenuar o sofrimento

    decorrente do trabalho e os abalos diretos na vida do obreiro, em seus

    relacionamentos e planos pela via indenizatória é uma forma de tutelar a

    dignidade humana.

    A valorização do ser humano e a consequente extensão da proteção

    de sua integridade física e moral vem evidenciando, historicamente, que não

    são apenas os aspectos econômicos os únicos atingidos em ocorrências de

    um evento danoso. Um dano pode causar uma série de insatisfações ligadas à

    existência do trabalhador.

  • 19

    CAPÍTULO III

    O DANO EXISTENCIAL

    3.1 – Evolução histórica

    O conceito do dano existencial originou-se certamente na Itália. No

    direito italiano, assim como no brasileiro, a responsabilidade civil decorre,

    genericamente, do Código Civil, sendo contemplada no Codice Civile Italiano,

    em seu quarto livro, onde são tratadas as obrigações (delle obbligazioni)

    (GARCIA; 2015).

    Neste mesmo livro do Código Civil Italiano, o dano extrapatrimonial e

    sua responsabilidade encontram-se no art. 2.059, prevendo, porém, que o

    dano não patrimonial deve ser ressarcido apenas nos casos previstos em lei

    (Art. 2.059: Il danno non patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi

    determinati dalla legge). Ou ainda, por previsão do Codice Penale Italiano, seu

    art. 185 menciona que todo crime que tenha causado um dano patrimonial ou

    não patrimonial obriga ao ressarcimento o culpado e as pessoas que, segundo

    as leis civis, devem responder pelos atos (GARCIA; 2015).

    Dessa forma, o dano extrapatrimonial somente seria passível de

    indenização quando a norma legal previsse a ocorrência do mesmo. Isto é, que

    o dano causado por uma conduta criminosa obrigava o culpado, ou o seu

    responsável, a indenizar a vítima.

    Santos explica essa hipótese de dano e fala da relevância da vida e do

    relacionamento dos indivíduos em sociedade. Segundo este doutrinador ‘o

    homem não vive em solidão, mas em contato com outras pessoas. Não é um

    Robson Crusoé, nem se compraz em viver distante da sociedade’ (GARCIA;

    2015).

  • 20

    Contudo, o dano à vida conquistou um papel bem mais importante,

    assemelhando-se conceitualmente da defesa da existência do individuo e de

    seu direito a uma vida digna.

    Já na década de 1980, no enfrentamento da sentença 184/86, ao

    discutir sobre a constitucionalidade do art. 2.059, em um caso de dano com

    consequência sobre a saúde da vítima, a Corte Constitucional Italiana

    sustentou a tese da existência de um dano não patrimonial, que passou a ser

    denominado de dano biológico ou dano à saúde.

    Aquela espécie de dano nasceu como hipótese acolhida pelo art. 32 da

    Constituição Italiana, que reconhece o direito à saúde como bem fundamental

    de todos os cidadãos jurisdicionados.

    Para Ottonello, foi nessa ocasião que a Corte Constitucional Italiana

    concebeu não a origem de uma nova categoria de dano, mas a possibilidade

    de reparação de um dano que constitui a própria essência de seu conceito. A

    autora acredita que nesta espécie de dano são considerados os efeitos

    produzidos na saúde do individuo, na sua capacidade laborativa e na sua vida

    social, podendo tal dano ser indenizável em decorrência das perdas

    patrimoniais e, especialmente, nas extrapatrimoniais (GARCIA; 2015).

    Com o reconhecimento do conceito de dano biológico pela Corte

    Constitucional Italiana, explica Ziviz, a nova doutrina permitiu o reconhecimento

    da proteção de todo e qualquer dano de origem extrapatrimonial, que

    ofendesse os direitos fundamentais (GARCIA; 2015).

    Assim, em 07.07.2000, a Corte de Cassação Italiana proferiu a

    sentença 7.713/00, por meio da qual se reconheceu o danno esistenzale (o

    dano existencial), como um dano extrapatrimonial que exige a proteção da

    dignidade da pessoa humana.

  • 21

    No entanto, essas regras não eram competentes para proteger o direito

    daqueles casos em que comprovasse a existência de ilícito civil e de dano, não

    havia ilícito penal.

    Em meio à lacuna normativa, a doutrina italiana desempenhou um

    especial e importante papel na orientação e formação da jurisprudência, desde

    a promulgação do Código Civil em 1942. Foi a jurisprudência italiana que

    historicamente auxiliou o intérprete do texto normativo na criação de hipóteses

    de ocorrência de danos extrapatrimoniais.

    Na década de 1950, houve o reconhecimento do ‘dano à vida de

    relação’, o qual obrigava o ofensor à indenização, independentemente da

    indenização devida pelo dano material sofrido pelo lesado (MONTENEGRO;

    1984).

    A partir da década de 1970, começaram a ser emitidos julgados

    determinando a necessidade de proteger a pessoa humana contra atos que,

    em maior ou menor grau, atingissem o terreno da sua atividade realizadora,

    embora naquela época não se empregasse explicitamente a denominação

    ‘dano existencial’. Desse modo, a jurisprudência italiana afirmou o direito à

    saúde como direito fundamental, e assim, qualquer dano à saúde da pessoa

    passou a ser considerado como ‘dano injusto’, suscetível de indenização,

    independentemente da existência de ilícito penal (SOARES; 2009).

    Na Itália, a partir desse amplo reconhecimento do dano biológico, a

    tutela dos interesses imateriais da pessoa evoluiu extraordinariamente.

    Diversos tipos de danos que dificilmente eram objeto de apreciação judicial

    passaram a ser analisados e reconhecidos, sob a denominação de dano

    biológico.

    Tratava-se de interesses imateriais que requeriam a tutela jurídica, mas

    não se enquadravam nos conceitos tradicionais de dano moral. Entretanto, o

    conceito de dano biológico foi sendo ampliado de tal modo que quase todas as

    violações ao direito de personalidade eram consideradas como danos

  • 22

    biológicos. Assim, a justiça italiana entendeu que nem todos os interesses

    imateriais da pessoa que fossem lesados seriam danos morais e não

    poderiam, também, ser considerados como danos biológicos.

    Destarte, foram traçados os primeiros conceitos de uma nova definição

    da responsabilidade civil, que incluía tais danos no contexto de uma categoria

    denominada ‘dano existencial’, baseada nas atividades remuneradas ou não

    remuneradas da pessoa, referente a interesses diversos da integridade

    psicofísica, tais como as relações de estudo, sociais, familiares, afetivas,

    culturais, artísticas, ecológicas etc., que eram afetadas negativamente por uma

    conduta lesiva (SOARES; 2009).

    Na doutrina brasileira, a obra de Flaviana Rampazzo Soares (2009)

    conceitua esta espécie de dano pelo que segue:

    O dano existencial é a lesão ao complexo das relações que

    auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do

    sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma

    afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária,

    seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a

    vitima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu

    cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar

    em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina.

    O dano existencial se consubstancia como visto, na alteração

    relevante da qualidade de vida, vale dizer, em um ‘ter que agir

    de outra forma’ ou em um ‘não poder mais fazer como antes’,

    suscetível de repercutir, de maneira consistente e, quiçá,

    permanente sobre a existência da pessoa (GARCIA; 2015).

    Dessa forma, o dano existencial é uma espécie do gênero dano

    extrapatrimonial e está intimamente relacionado com a proteção do direito

    fundamental da pessoa humana de criar para si um projeto de vida,

    caracterizando-se, pois, nas situações em que o obreiro obriga-se a modificar

    significativamente seu modo de vida.

  • 23

    Esclarece também Bebber (2009) que o dano existencial é uma lesão

    que compromete a liberdade de escolha e ‘frustra o projeto de vida que a

    pessoa elaborou para sua realização como ser humano’, apresentando-se

    como existencial, ‘exatamente porque o impacto gerado pelo dano provoca um

    vazio existencial na pessoa’. Para este autor, o dano existencial decorre da

    ‘frustração de uma projeção que impede a realização pessoal’, que impõe ao

    ofendido a obrigação de ‘relacionar-se de modo diferente no contexto social’,

    uma vez que o dano frustra a realização de seu projeto de vida, compelindo o

    ofendido a uma reformulação forçada do seu projeto de vida, em função de

    limitações que trazem consigo um nexo de causalidade com o dano sofrido.

    O dano existencial não depende de repercussão financeira ou

    econômica, como também não se fundamenta especificamente na esfera

    íntima (dor e sofrimento, características do dano moral). Diversamente do dano

    moral apresenta-se diretamente conectado a um dano de cunho psicológico,

    decorrente de um desgosto profundo ou de um decepcionante aborrecimento,

    que leva a um abalo na estrutura psicológica do individuo. Não obstante, o

    dano existencial define-se pela capacidade de comprometer profundamente o

    modo de ser e de viver da pessoa humana, deteriorando os valores e a forma

    com as quais o individuo mantém sua vida, além de contrariar a sua própria

    existência física, e o obriga a refazer seu modo de ser e de viver, degredado

    em sua dignidade de ser humano, forçando-o a adotar uma nova, porém

    depreciada, forma de vida.

    3.2 – Princípios norteadores do dano existencial

    Os princípios que norteiam a responsabilidade civil por dano existencial

    dispõem, indiretamente, sobre comportamentos capazes de desenvolver

    determinado estado de coisas que se consolida na necessidade de atender a

    quem sofre um dano injusto. Assim, o estado ideal é aquele em que as

    pessoas devem agir, preservando a dignidade das demais, fazendo o possível

    para não prejudicá-la ou os seus interesses, juridicamente relevantes,

    devendo, também, contribuir para a promoção do bem comum.

  • 24

    É possível associar diretamente à responsabilidade civil por dano

    existencial três princípios: o da dignidade da pessoa humana, o da

    solidariedade e o neminem laedere.

    Segundo Flaviana Rampazzo (2009), o primeiro e o segundo são os

    princípios com ‘raízes’ idênticas às da extrapatrimonialidade característica do

    dano existencial. Se a esfera existencial da pessoa é aquela que diz respeito

    às suas atividades realizadoras, então, o princípio da dignidade da pessoa

    humana e o princípio da solidariedade são as suas bases.

    Já o terceiro princípio é princípio genérico da responsabilidade civil, e

    se aplica a todos os tipos de danos, inclusive os patrimoniais, e também serve

    de base que sustenta a responsabilidade por dano existencial.

    O princípio da dignidade humana valoriza fundamentalmente a pessoa,

    que deve ser protegida das hostilidades da vida social, pois envolve a idéia de

    um ser capaz de agir livre e conscientemente sobre o mundo físico e de alterar

    o seu ambiente, de acordo com as circunstâncias que lhe convier, mas,

    sobretudo como titular de direitos que podem ser estabelecidos e exercitados,

    tanto de forma singular quanto de forma coletiva (SOARES; 2009).

    A dignidade é um valor peculiar característico do ser humano, pois ele

    detém razão e consciência particulares, com a típica capacidade de agir sobre

    o mundo, e de interagir com o meio em que vive, de acordo com as

    características que lhe sejam mais convenientes e segundo a sua vontade e

    capacidade. Alem disso, é o ser humano que tem a capacidade de identificar

    as suas próprias particularidades e reconhecer que os demais também as têm.

    O conceito de dignidade da pessoa humana nem por isso deixa de ser

    impreciso e de estar em permanente evolução, apesar de,

    inquestionavelmente existente e substancialmente fundado na ‘autonomia e no

    direito da autodeterminação da pessoa’ (SARLET; 2006).

  • 25

    A dignidade humana é um princípio fundamental consagrado no artigo

    1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, instituído como fundamento do

    Estado Democrático de Direito e dele refletem fenômenos com amparo

    jurídicos, especialmente relacionados à personalidade humana.

    A dignidade da pessoa humana estabelece a prioridade da tutela da

    vulnerabilidade humana, a garantia de direitos de liberdade, bem como o não

    emprego de meios nos quais a pessoa é tratada como objeto, sendo, também

    dever do Estado garantir a sua preservação, assim como estimular o seu

    respeito e desenvolvimento.

    O princípio da solidariedade humana é o princípio que detém a origem

    da proteção das manifestações da personalidade humana e da proteção dos

    interesses imateriais da pessoa humana, assim como, a necessidade de

    respeito à integridade física e psíquica, à intimidade, à vida privada, à imagem,

    à honra, à autodeterminação, entre outros.

    A solidariedade tem origem na fraternidade, cujo objetivo visa à mútua

    cooperação para obtenção do bem comum e a ordem social, proporcionando o

    desenvolvimento digno de todos, e é norma que tem como diretriz a garantia

    de condições adequadas ‘para uma existência livre e digna pela afirmação e

    desenvolvimento da própria personalidade’, os objetivos que devem estar

    presentes em todos os dispositivos reguladores da convivência social

    (SOARES; 2009).

    Desse modo, as normas do direito positivo contemporâneo devem

    priorizar as condutas humanas que visam ao bem-estar comum, visto que a

    existência digna determina que as pessoas, necessariamente, devem agir e

    também atuar de modo que favoreçam e não prejudiquem os outros, sempre

    que possível, assim como, estabelece, ao mesmo tempo, que ninguém deve

    sofrer um dano injusto sem ser indenizado.

    A solidariedade foi fator fundamental para que os denominados direitos

    sociais mudassem seu status para direitos fundamentais, e em determinadas

  • 26

    circunstâncias, foi fundamental para o reconhecimento pela sociedade de

    pessoas que, em razão de certas premissas, ela própria elegeu como capazes

    de serem beneficiadas por algum tipo de amparo social.

    Neminem laedere é o princípio que orienta a necessidade de proteção

    quanto às demais pessoas e seus interesses legítimos, cuja determinação é a

    essência da responsabilidade.

    De acordo com esse princípio, ninguém deve ser lesado, e o

    comportamento ideal é aquele em que a pessoa conduz os atos da sua vida na

    intenção de realizar os seus interesses legítimos e, também, fomentar os

    interesses dos demais.

    Com base nesse princípio, fazer o bem é uma obrigação que, se for

    descumprida, desequilibra a ordem moral e a ordem social, gerando

    desaprovação por parte da consciência pública, motivo para o direito agir e

    impor uma resposta à lesão, ‘contendo’ o ofensor, ‘nos limites da lei’

    (SOARES; 2009).

    3.3 – Dano moral e dano existencial – distinção

    De acordo com De Plácido Silva, a expressão dano deriva do latim

    damnum e significa todo mal ou ofensa que uma pessoa tenha causado a

    outrem, da qual possa resultar perecimento ou destruição a alguma coisa dele

    ou que tenha gerado um prejuízo a seu patrimônio (SILVA; 2009).

    Para Sergio Martins (2008), em sentido amplo, dano: é um prejuízo,

    ofensa, deterioração, estrago, perda. É o mal que se faz a uma pessoa. É a

    lesão ao bem jurídico de uma pessoa. O patrimônio jurídico da pessoa

    compreende bens materiais e imateriais (intimidade, honra etc.).

    Os danos podem ser classificados, assim, em patrimoniais (materiais)

    e extrapatrimonais. Quanto à proteção aos danos não patrimoniais, observa

    Flaviana Rampazzo Soares (2009) que a tendência contemporânea mundial é

  • 27

    a de maior proteção aos interesses imateriais da pessoa, não compreendendo

    somente os danos morais em si, mas todo e qualquer dano não patrimonial

    que seja juridicamente relevante ao livre desenvolvimento da personalidade,

    que tornam plena a existência da pessoa, tal como é o direito à integridade

    física, à estética e às atividades realizadoras do ser humano.

    Não obstante sejam espécies do gênero dano de natureza

    extrapatrimonial, dano moral e danos existenciais não devem ser confundidos.

    Não são expressões de sentido semelhante, como se poderia

    equivocadamente acreditar. O dano moral consiste na lesão sofrida pela

    pessoa no que diz respeito à sua personalidade, a sua intimidade. Envolve,

    portanto, um aspecto não econômico, não patrimonial, que atinge a pessoa no

    seu íntimo. Para Mauricio Godinho Delgado (ANO), o dano moral fere a esfera

    subjetiva de um indivíduo, atingindo os valores personalíssimos intrínsecos a

    sua condição de pessoa humana, tal qual a honra, a imagem, a integridade

    física e psíquica, a saúde etc., e provoca dor, angústia, sofrimento, vergonha

    (FILHO, 2016).

    A reparação por dano moral visa, portanto, ‘compensar, ainda que por

    meio de prestação pecuniária, o desapreço psíquico representado pela

    violação do direito à honra, liberdade, integridade física, saúde, imagem,

    intimidade e vida privada’ (FILHO, 2016).

    Por sua vez, o dano existencial não depende de repercussão financeira

    ou econômica, e não diz respeito à vida íntima do ofendido (dor e sofrimento,

    características do dano moral). Trata-se de um dano que provém de uma

    frustração ou de uma projeção negativa que impedem a realização pessoal do

    trabalhador (com perda da qualidade de vida e, consequentemente,

    modificação in pejus da personalidade). Embora pertencente ao mesmo

    gênero de dano, extrapatrimonial, mas diversamente do dano moral, o dano

    existencial refere-se a uma análise conceitual, com um caráter mais elevado e

    de natureza peculiar (BEBBER; 2009).

  • 28

    Desse modo, o dano existencial impõe a reprogramação e obriga o

    individuo a um relacionar-se de modo diferente no contexto social. O que

    distingue o dano existencial do dano moral é que este gera consequências na

    vida íntima (padecimento da alma, dor, angústia, mágoa, sofrimento, etc.) e a

    sua dimensão é subjetiva e não exige prova; enquanto o dano existencial é

    suscetível de comprovação objetiva (BEBBER; 2009).

    Para Flaviana Rampazzo Soares (2009), a distinção entre dano

    existencial e o dano moral reside no fato de este ser um sentimento na sua

    essência, e o dano existencial é uma limitação do desenvolvimento normal da

    vida da pessoa, é uma mudança imposta de agir. Nesse sentido, enquanto o

    dano moral incide sobre o ofendido, simultaneamente à consumação do ato

    lesivo, o dano existencial, geralmente, manifesta-se e é sentido pelo lesado em

    momento posterior, porque ele é uma sucessão de alterações prejudiciais na

    vida cotidiana, sequência essa que só o tempo é capaz de caracterizar.

    Assim, se no contexto da relação de emprego, houver a ocorrência de

    dano existencial e de dano moral, poderá haver a cumulação entre ambos,

    desde que sejam provenientes do mesmo fato. Do mesmo modo que é

    possível cumular o dano moral com o dano material. Com relação à cumulação

    do dano material com o dano moral, aduz a Súmula nº 37 do STJ: São

    cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do

    mesmo fato e, por conseguinte, também será possível cumular o dano moral

    com o dano estético, pela lesão à saúde do trabalhador, com o dano

    existencial.

    Desse modo, quando são afetadas as atividades inerentes do

    trabalhador, em função do dano a sua saúde física ou mental, que se originou

    pelo excesso de trabalho, poderá ocorrer a fixação de forma cumulada tanto do

    dano moral quanto do dano existencial. Essa cumulação ocorre não só pelo

    prejuízo ocasionado aos prazeres de vida e ao desenvolvimento dos hábitos de

    vida pessoal, social e profissional do empregado, mas também pelo dano à

  • 29

    sua saúde, ainda que a sequela resultante do acidente do trabalho não seja

    responsável pela diminuição da sua capacidade laborativa.

    Conclui-se, portanto, que ‘o reconhecimento do dano existencial, para

    figurar ao lado do dano moral, revela-se imprescindível para a completa

    reparação do dano injusto extrapatrimonial cometido contra a pessoa’ e ‘para a

    proteção total do ser humano contra as ofensas aos seus direitos

    fundamentais’ (NETO; 2005).

    Como visto anteriormente, o dano moral caracteriza-se pela alteração

    psicológica que se instala na entidade psíquica do individuo. Pode parecer,

    equivocadamente, que qualquer aborrecimento efêmero causa o dever de

    indenização.

    Contudo, embora exista um dever genérico de não prejudicar ninguém,

    traduzido no princípio alterum non laedere, existe um direito, também genérico,

    de ressarcimento, conquanto se possa provar que houve uma afronta em seus

    sentimentos.

    Esse princípio não é absoluto e, encontra limites no instituto da

    compensação do dano moral. Nesse sentido, o simples desconforto, traduzido

    pela idéia de dano moral puro, decorrente de acontecimentos triviais, não

    justifica indenização. Para que exista o dano moral é necessário que exista

    uma grandeza de importância e gravidade na ofensa sofrida. Há sempre que

    se verificar a intensidade da esfera espiritual da pessoa ofendida,

    considerando-se, entretanto, os casos de pessoas com suscetibilidade

    extrema, que devem ser analisados muito comedidamente. Veja-se que há de

    ser verificado o dano sempre de acordo com os sentimentos de um homem

    médio.

    Nesse sentido nos ensina Gabriel Stiglitz e Carlos Echevesti apud

    Antonio Jeová dos Santos: diferente do que ocorre com o dano material, o

    desamparo do bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa

    relevância para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de

  • 30

    pequena importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade

    que o individuo desenvolva, nunca configurarão o dano moral (SANTOS;

    2003).

    Portanto, é necessário um rol mínimo de inconvenientes, desgostos,

    incômodos e sensações desagradáveis que, em razão do convívio social no

    mundo contemporâneo, devem ser tolerados, e não justificam ser indenizados.

    O dano moral somente será devido, com a sua consequente indenização

    compensatória, se o evento danoso que o originou for realmente ofensivo ao

    direito de personalidade do indivíduo, e seja prolongado no tempo,

    caracterizando, assim, a lesão ao seu íntimo.

    Além dos elementos peculiares a qualquer forma de dano, como a

    existência de prejuízo, o ato ilícito do agressor e o nexo de causalidade entre

    as duas figuras, o conceito de dano à existência é integrado por dois

    elementos, quais sejam: a) o projeto de vida; e b) a vida de relações (FROTA;

    2010).

    O primeiro deles Júlio César Bebber (2009) associa a tudo aquilo que

    determinada pessoa decidiu fazer com a sua vida. O ser humano, por

    natureza, busca sempre extrair o máximo das suas potencialidades, o que o

    leva a projetar frequentemente o futuro e fazer escolhas no sentido da

    realização do projeto de vida. Por isso, qualquer fato injusto que frustre esse

    projeto, e impeça a sua plena realização e obrigue a pessoa a resignar-se com

    o seu futuro, deve ser considerado um dano existencial.

    Ainda sobre o mesmo elemento, Hidemberg Alves da Frota (2010),

    ensina que o direito ao projeto de vida somente é efetivamente exercido

    quando o indivíduo se volta à própria autorrealização integral, direcionando sua

    liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-

    temporal em que se insere, às metas, aos objetivos e às idéias que dão

    sentido à sua existência.

  • 31

    Quanto à vida de relação, o dano se caracteriza, na sua natureza, por

    ofensas físicas ou psíquicas que impeçam a pessoa da fruição total ou parcial,

    dos prazeres decorrentes das várias formas de atividades recreativas e

    extralaborativas, tais como a prática de esportes, o turismo, a pesca, o

    mergulho, o cinema, o teatro, as agremiações recreativas, entre tantas outras.

    Esse impedimento acaba por interferir decisivamente no estado de ânimo do

    trabalhador atingindo, portanto, o seu relacionamento social e profissional.

    Com isso suas chances de adaptação ou ascensão no trabalho são reduzidas,

    causando reflexos negativos no seu desenvolvimento patrimonial (ALMEIDA;

    2005).

    Em suma, o dano à vida de relação, ou dano à vida em sociedade,

    com bem observa Amaro Alves de Almeida Neto: ‘indica a ofensa física ou

    psíquica a uma pessoa que determina uma dificuldade ou mesmo a

    impossibilidade do seu relacionamento com terceiros, o que causa uma

    alteração indireta na sua capacidade de obter rendimentos’ (ALMEIDA; 2005).

    No exame de Hidemberg Alves da Frota (2010), o prejuízo à vida de

    relação, refere-se ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos

    ambientes e circunstâncias, que permite ao ser humano construir a sua história

    vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao desfrutar com seus

    pares a experiência humana, compartilhando ideais, sentimentos, emoções,

    hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, e evoluindo, através do

    relacionamento constante (processo de diálogo e de dialética) em torno da

    pluralidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e

    valores inerentes à humanidade.

    Não é difícil imaginar o dano causado à ‘vida de relação’ de determinado

    empregado em decorrência de condutas ilícitas rotineiras e regulares do

    empregador, como a constante utilização de mão de obra em horas

    extraordinárias, impedindo-o de desenvolver regularmente outras atividades

    sociais e culturais em seu meio social. Contudo, o dano à vida da relação

    poder ser causado por um único ato. Um bom exemplo seria o do empregador

  • 32

    que compele determinado empregado a terminar determinada tarefa, que

    poderia ser concluída por outro colega, no dia, por exemplo, de primeira

    eucaristia de um de seus filhos, impedindo-o de comparecer à cerimônia.

    Quanto às relações familiares insta ressaltar que a Constituição de 1988

    expressamente estatui que ‘a entidade familiar, base da sociedade, tem

    especial proteção do estado’ (art. 226, caput) e que ‘É dever da família, da

    sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com

    absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

    lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

    convivência familiar’ (art. 227). E como bem observa Maria Vittoria Ballestrero,

    a tutela da família não pode alhear-se das normas que impõe ao tomador dos

    serviços o reconhecimento ao trabalhador do direito que presume que ele saia

    do trabalho com tempo e energia para se dedicar à sua família. Em outras

    palavras, a idéia de proteção da família passa pela conciliação entre interesse

    do empregador de usar a força laborativa do trabalhador da forma que mais lhe

    convier e o interesse do trabalhador em satisfazer as necessidades de sua vida

    privada e familiar (FILHO; ALVARENGA; 2016).

    Como bem observa Eugênio Bonvicini, citado por Hidemberg Alves da

    Frota (2010), as atividades recreativas representam ‘uma fonte de equilíbrio

    físico e psíquico, tal a compensar o intenso desgaste peculiar à vida agitada do

    mundo moderno’. Ao discorrer sobre tais atividades, Guido Gentile, citado pelo

    mesmo autor nacional, assinala que ‘o incremento delas facilita o

    desenvolvimento da própria labuta profissional’ (NETO; 2005).

    O dano existencial obsta a efetiva integração do trabalhador à

    sociedade e o seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano. A realização

    efetiva de todas as suas potencialidades somente seria possível, com a fruição

    de todos os círculos de sua vida, a saber: cultural, afetivo, social, esportivo,

    recreativo, profissional, artístico, entre outros.

    No que diz respeito ao direito ao lazer, assinala Márcio Batista de

    Oliveira, que a eficácia da sua aplicação manifesta-se na garantia da

  • 33

    irrefutabilidade da dignidade da pessoa humana do trabalhador, pois, esse

    direito deve assegurar o desenvolvimento cultural, pessoal e social do

    trabalhador, e tem ainda por objeto a melhoria da qualidade de vida do

    trabalhador, a segurança de sua integridade física, intimidade e privacidade

    fora do ambiente do trabalho (ALMEIDA; 2012).

    É também através do direito ao lazer, que o trabalhador adquire o direito

    à desconexão, cujo direito relaciona-se com os direitos fundamentais relativos

    às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, descritas na

    Constituição Federal quanto à limitação da jornada, ao direito ao descanso, às

    férias, e à redução de riscos de doenças e acidentes de trabalho (art. 7º,

    incisos XIII, XV, XVII e XXII, da CF), e expressam a preocupação com a

    integridade física e psíquica, bem como com a restauração da energia do

    trabalhador (OLIVEIRA; 2012).

    Nesse sentido, ‘o reconhecimento da figura do dano existencial na

    tipologia da responsabilidade civil exsurge como a consagração jurídica da

    defesa plena da dignidade da pessoa humana’, tendo em vista que o dano

    existencial causa uma frustração no projeto de vida do ser humano, colocando-

    o em uma situação de manifesta inferioridade - no aspecto de felicidade e

    bem-estar – se comparada àquela anterior ao dano sofrido, sem

    necessariamente importar em um prejuízo econômico. Mais do que isso,

    ofende diretamente a dignidade da pessoa, dela retirando ou anulando uma

    aspiração legítima (...) (NETO, 2005).

  • 34

    CAPÍTULO IV

    O DANO EXISTENCIAL NA JUSTIÇA LABORAL

    4.1 – O dano existencial no projeto de vida do trabalhador

    Os direitos da personalidade têm por objeto garantir os elementos

    constitutivos da personalidade do ser humano, enquanto protetores da

    dignidade da pessoa humana, tomada nos aspectos da integridade física,

    psíquica, moral e intelectual. Além do que, são direitos que não desaparecem

    no tempo e nunca se separam do seu titular.

    Acentua Flaviana Rampazzo Soares (2009) que a tutela à existência da

    pessoa decorre da valorização de todas as atividades que a pessoa realiza, ou

    realizará, considerando que tais atividades promovam ao indivíduo o alcance

    da sua felicidade, exercendo, plenamente, todas as faculdades físicas e

    psíquicas. Ademais, a felicidade é, em última análise, a razão de ser da

    existência humana.

    Sendo assim, o bem-estar e a qualidade de vida ‘são a exteriorização de

    toda a potencialidade da personalidade da pessoa, representam a ação do ser

    humano, destinada a atingir a felicidade, a realização, a busca da razão de ser

    da existência’ (SOARES, 2009).

    O dano à existência do trabalhador implica, assim, em violação aos

    direitos da personalidade do trabalhador. A lesão ao projeto de vida e à vida de

    relação agrava as seguintes espécies de direitos da personalidade: direito à

    integridade física e à psíquica, direito à integridade intelectual, bem como o

    direito à integração social.

    Paulo Oliveira V. Oliveira (2010) trata do direito à integração como uma

    quarta espécie de direito da personalidade do trabalhador. Para o autor, o

    direito da personalidade à integração social visa assegurar ao trabalhador o

    direito de ‘ser essencialmente político, essencialmente social, a pessoa

  • 35

    humana tem direito ao convívio familiar, ao convívio com grupos intermediários

    existentes entre o indivíduo e o Estado, grupos a que se associa pelas mais

    diversas razões (recreação, defesa de interesses corporativos, por convicção

    religiosa, por opção político-partidária, etc.), direito do exercício da cidadania

    (esta tomada no sentido estrito [status ligado ao regime político] e no sentido

    lato: direito de usufruir de todos os bens de que a sociedade dispõe ou deve

    dispor para todos e não só para eupátridas, tais como, educação escolar nos

    diversos níveis, seguridade social (saúde pública, da previdência ou da

    assistência social’.

    Dessa forma, ‘o que se percebe, em última análise, é que onde não

    houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano,

    onde as condições mínimas para uma existência digna não forem

    asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a

    autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais

    não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para

    a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não

    passar de mero objeto de arbítrio e injustiças’ (SARLET, 2006).

    4.2 – O dano existencial e a saúde do trabalhador

    Como visto, ao submeter o trabalhador a exaustivo regime de trabalho, o

    empregador incide na formação do dano ao projeto de vida e à sua existência,

    pois retira-lhe o tempo para o lazer, para a família e para o seu próprio

    desenvolvimento pessoal, cultural, artístico e intelectual, afetivo, entre outros.

    Podendo também resultar em prejuízo para a saúde do trabalhador, motivo

    pelo qual deverá ser duplamente combatido.

    No que tange à proteção à saúde do trabalhador, Mauricio Godinho

    Delgado, em debate realizado sobre a redução da duração da jornada do

    trabalho para 40 horas semanais no Brasil, destacou que a extensão do tempo

    de disponibilidade humana oriunda do contrato laboral causa impactos no

    plano da sua saúde e da sua educação, além de intervir no plano de suas

    relações com a família e no convívio social. Nesse aspecto, assegura que a

  • 36

    ampliação da jornada, inclusive com a prestação de horas extras, acentua,

    radicalmente, a ocorrência de doenças profissionais, ocupacionais ou

    acidentes do trabalho, enquanto que sua redução diminui de maneira

    significativa tais probabilidades da denominada infortunística do trabalho, cuja

    ciência estuda os acidentes do trabalho e as doenças ocupacionais

    (DELGADO; 2010).

    Portanto, é a violação à existência do trabalhador, enquanto ser humano

    dotado de projetos de cunho pessoal, profissional e pessoal, que traduz como

    consequência o comprometimento da sua saúde, que será responsável pelo

    aparecimento de doenças ocupacionais do trabalho que podem colocar em

    risco a saúde física e mental do empregado. Quanto maior a agressão à saúde

    do trabalhador no ambiente de trabalho, maior também será a agressão ao seu

    sistema imunológico, ficando este cada vez mais vulnerável a doenças

    decorrentes do trabalho.

    Quando o trabalhador é vítima de lesão por esforços repetitivos, ele não

    sofre somente de um dano à sua saúde, mas também de um consequente

    dano existencial: a lesão por esforços repetitivos que atinge o sistema

    músculo-esquelético da pessoa, principalmente os membros superiores, pode,

    em estágio avançado, gerar a incapacidade para diversas outras atividades. A

    lesão por esforços repetitivos decorre de uma exposição descontrolada aos

    fatores que a desencadeiam, exposição essa que geralmente é deliberada por

    condições injustas de trabalho às quais o trabalhador pode ser submetido

    (SOARES; 2010).

    Nesse aspecto, ‘a dor intensa, o formigamento, a dormência, etc.,

    ocasionados pela lesão por esforços repetitivos é dano à saúde e atinge,

    negativamente, a pessoa que, em função de tais sintomas, não consegue

    manter a rotina de atividades mantida no período anterior à lesão’. Em razão

    disso, a L.E.R., em estágio avançado, obsta a pessoa de realizar não apenas a

    atividade profissional habitual, como também impede o exercício de tarefas

    singelas do dia-a-dia, como varrer a casa, tomar banho, cozinhar, ou atividades

  • 37

    de lazer, como tocar violão. Uma mudança danosa nos hábitos de vida,

    transitória ou permanente: eis o dano existencial (SOARES; 2010).

    O direito fundamental à saúde está diretamente relacionado à qualidade

    de vida dos trabalhadores no ambiente de trabalho e visa promover a sua

    incolumidade física e psíquica durante o desenvolvimento da sua atividade

    profissional, de modo que o trabalho possa ser executado de forma saudável e

    equilibrada e que o trabalhador possa de lá sair em condições de desenvolver

    outras atividades, desfrutando assim dos prazeres de sua existência enquanto

    ser humano.

  • 38

    CAPÍTULO V

    A REPARAÇÃO AO TRABALHADOR VITIMADO PELO

    DANO EXISTENCIAL

    5.1 – Indenização por dano existencial

    Além do dano emergente e do lucro cessante, hipóteses tradicionais de

    dano patrimonial que deve ser ressarcido, a doutrina de diversos países vem

    reconhecendo o direito à reparação pela perda de uma chance, quando esta

    for séria e real.

    O seu diferencial traduz-se justamente na probabilidade e não na

    certeza do resultado aguardado. Esta situação não se confunde com a dos

    lucros cessantes na qual o juízo quanto ao dano é um juízo de certeza. O

    evento danoso existe e o juízo de probabilidade limita-se à mensuração do

    quantum que a vítima deixará de perceber em decorrência do dano. Em ação

    de indenização por perda de uma chance há incerteza quanto ao fato

    supostamente danoso em si. O mesmo argumento pode ser utilizado para

    distingui-la da hipótese de dano emergente, em que o dano é real e

    quantificado.

    Como salienta Raimundo Simão de Melo, se a perda de uma chance for

    enquadrada como dano emergente ou lucro cessante, o autor da ação deverá

    comprovar inequivocamente que, não se não existisse o ato danoso, o

    resultado teria se consumado, com a conquista da chance pretendida, o que é

    impossível. Se a vitória não pode ser provada e confirmada rigorosamente, o

    mesmo ocorre em relação ao insucesso da obtenção do resultado esperado

    (MELO; 2007).

    Tampouco a indenização por perda de uma chance pode ser confundida

    com uma indenização de natureza exclusivamente moral; entretanto, pode ser

    possível que a perda de uma chance gere também um dano daquela natureza.

  • 39

    A perda de uma oportunidade real prejudica o próprio patrimônio da vítima e

    não apenas os seus atributos da personalidade. É possível afirmar que a perda

    de uma chance situa-se em uma zona intermediária entre o dano patrimonial,

    facilmente mensurável, e o extrapatrimonial, que precisa ser determinado por

    atingir bens valiosos, embora não econômicos. A despeito da chance perdida

    não possuir valor econômico preciso, é possível arbitrar o seu valor a partir do

    poderia ter auferido se a oportunidade não fosse prejudicada por outrem e o

    objetivo fosse plenamente alcançado.

    Não se mostra correta, por conseguinte, a seguinte decisão emanada do

    TRT da 3ª Região (FILHO, 2010) que reconheceu o direito de um trabalhador

    que fora deslocado pela empresa de sua Cidade para Cidade a uma

    indenização por dano moral pela Perda de uma Chance:

    EMENTA: TRABALHO/EMPREGO. PROCESSO SELETIVO. PERDA

    DE UMA CHANCE. NOVA MODALIDADE DE DANO MORAL.

    FIXAÇÃO DO QUANTUM. Um dos fundamentos da Constituição da

    República é o trabalho, art. 1º da CRF/88 e art. 170, caput, também da

    Constituição que dispõe que a Ordem Econômica funda-se na

    valorização do trabalho humano. Há de ser salientado, inclusive, que o

    trabalho é tão importante para o homem que a partir do momento em

    que se trava qualquer relacionamento, uma das primeiras perguntas

    que se faz é: em que você trabalha? Estando desempregado o homem

    deixa de responder a tal questionamento, sentindo que não contribui

    para os meios de produção, o que lhe retira sua dignidade enquanto ser

    humano, princípio, hoje, que norteia todo o Ordenamento Jurídico. In

    casu, embora a expectativa criada no reclamante, ao ser deslocado

    pela reclamada de sua Cidade para Cidade diversa e de ser contratado

    mediante carteira assinada atraia o pagamento de indenização por

    dano moral, pela Perda de uma Chance, ou seja, subtração de uma

    oportunidade, o valor da indenização deve observar determinados

    parâmetros. Como nos ensina Raimundo Simão de Melo, Procurador

    Regional do Trabalho, em artigo da LTr - 71-04/439, Abril/2007, "A

    Solução para se aferir o dano e fixar a indenização, dependendo da

    situação, não é tarefa fácil para o Juiz, que não pode confundir uma

    mera hipotética probabilidade com uma séria e real chance de

    atingimento da meta esperada. Mas, é claro, a reparação da perda de

  • 40

    uma chance não pode repousar na certeza de que a chance seria

    realizada e que a vantagem pretendida resultaria em prejuízo. Trabalha-

    se no campo da probabilidade. Nesta linha, consagrou o Código Civil

    (art. 402), o princípio da razoabilidade, caracterizando, no caso, o lucro

    cessante como aquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, o

    que se aplica a essa terceira espécie de dano, que para aquilatá-lo

    deve o Juiz agir com bom-senso, segundo um juízo de probabilidade,

    embasado nas experiências normais da vida e em circunstâncias

    especiais do caso concreto. A probabilidade deve ser séria e objetiva

    em relação ao futuro da vítima, em face da diminuição do benefício

    patrimonial legitimamente esperado", critérios que foram observados

    pela r. sentença. (TRT da 3ª Região, 10ª Turma. RO - 00709-2008-033-

    03-00-5. Decisão proferida em 08.07.09 -DEJT 15-07-2009 PG: 121.

    Relatora Convocada Taísa Maria Macena de Lima)

    Bastante interessante para ilustrar essa alegação, assim como para

    compreender melhor a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma

    chance, é a decisão proferida pelo STJ, que reduziu a indenização devida pelo

    SBT por frustrar a chance de uma candidata do ‘Show do Milhão’ de vencer o

    prêmio máximo de R$ 1 milhão, a qual foi apresentada uma pergunta mal

    formulada. A decisão final fixou a indenização em R$ 125 mil partindo do

    pressuposto de que não havia como se afirmar com precisão que a candidata

    acertaria a pergunta final de R$ 1 milhão caso ela fosse formulada

    corretamente, a quantia foi fixada com base numa probabilidade matemática’

    de acerto de uma questão que continha quatro itens. Fosse uma hipótese de

    dano material, o valor da indenização teria que corresponder ao do real

    prejuízo. Fosse uma hipótese de dano extrapatrimonial, o valor em questão

    seria imensurável e seria arbitrado pelo julgador a partir de critérios que não

    podem se afastar dos mais básicos princípios do bom-senso.

    Contudo, existe a possibilidade da vítima pode sofrer dano moral e

    prejuízos materiais por dano emergente propriamente dito cumulados com o

    prejuízo pela chance perdida. O exemplo apresentado por Raimundo Simão de

    Melo é o do atleta corredor que está a poucos metros da linha de chegada e do

    lugar mais alto do pódio quando é agarrado por alguém que o impede de

    continuar na disputa, perdendo, assim, a oportunidade de sagrar-se vitorioso.

  • 41

    Além do inequívoco prejuízo pela perda de uma chance e o abalo psíquico

    que, com quase toda certeza o abaterá, esse atleta pode ainda ficar

    traumatizado e doente, necessitando, por conseguinte de sério tratamento

    médico e psicológico para voltar a correr. Neste exemplo o autor do dano

    deverá indenizá-lo pela chance perdida, pela violação aos seus atributos

    morais e ressarci-los por todas as despesas médicas (FILHO; ALVARENGA;

    2016).

    No contexto do contrato de trabalho, são vários os exemplos de

    indenização por perda de uma chance que são sujeitos à identificação.

    Apresentam-se: a) do empregado que fora excluído do mercado de trabalho

    em razão de incapacidade provocada por acidente de trabalho ou por

    fornecimento de informações desabonadoras pelo ex-empregador; b)

    impossibilidade de conclusão de concurso público em razão de acidente por

    culpa do empregador; c) e perda da oportunidade de o empregador

    potencializar seus ganhos em razão de empregado em posição de destaque

    haver se desligado sem cumprir aviso-prévio.

    A distinção a ser feita entre o dano existencial e a perda de uma chance

    nasce do pressuposto de que, na perda real de uma chance, se perdeu uma

    oportunidade concreta e se sofreu um prejuízo mensurável, a partir da

    probabilidade de êxito na pretensão frustrada; e no dano existencial, o que

    deixou decorreu foi a perda da existência do direito a exercer uma determinada

    atividade e participar de uma forma de convívio inerente à sua existência, que

    não pode ser quantificado, nem por aproximação, mas apenas arbitrado. Os

    dois institutos podem, eventualmente, ser cumulados. Imagine-se o exemplo

    de um maratonista de alto nível que sofre um acidente de trabalho que o

    impossibilita de correr para o resto de sua vida às vésperas de uma corrida

    cuja premiação era de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Nesse caso se está

    diante de hipóteses de dano moral, existencial e perda de uma chance. O dano

    moral pela frustração, pelo desgosto e pela dor provocados pelo fato ocorrido,

    a perda da chance de aumento do patrimônio em R$ 50.000,00, resultante da

  • 42

    não participação da corrida, o dano existencial pelo impedimento de se dedicar

    novamente a essa atividade esportiva.

    Com relação à fixação do quantum indenizatório do dano existencial,

    José Felipe Ledur (2011) sugere alguns parâmetros, veja-se: a condenação em

    reparação de dano existencial deve ser fixada considerando-se a dimensão do

    dano e a capacidade patrimonial do agente que causou o dano. Perseguindo

    um efeito pedagógico e econômico, o valor fixado deve representar um

    acréscimo considerável nas despesas da empresa, desestimulando assim a

    reincidência, sem, contudo, deteriorar a sua saúde econômica, conforme a

    decisão RO 105-14.2011.5.04.0241 do TRT - Rio Grande do Sul. Relator Des.

    José Felipe Ledur, 1ª Turma, Diário eletrônico da Justiça do Trabalho, Porto

    Alegre, 3 jun. 2011.

    Júlio César Bebber (2009) também destaca determinados elementos

    que devem ser considerados pelo julgador para a aferição do dano existencial.

    Segundo o autor, deve-se levar como análise para fins de aferição do dano

    existencial: ‘a) a injustiça do dano. Somente dano injusto poderá ser

    considerado ilícito; b) a situação presente, os atos realizados (passado) rumo à

    consecução do projeto de vida e a situação futura com a qual deverá resignar-

    se a pessoa; c) a razoabilidade do projeto de vida. Somente a frustração

    injusta de projetos razoáveis (dentro de uma lógica do presente e perspectiva

    de futuro) caracteriza dano existencial. Em outras palavras: é necessário haver

    possibilidade ou probabilidade de realização do projeto de vida; d) o alcance

    do dano. É indispensável que o dano injusto tenha frustrado (comprometido) a

    realização do projeto de vida (importando em renúncias diárias) que, agora,

    tem de ser reprogramado com as limitações que o dano impôs. ’

    5.2 – Casos Concretos – Sentenças judiciais de dano

    existencial

    Esta espécie de dano embora seja reconhecida pela doutrina brasileira,

    sua adoção ainda é muito acanhada, e verifica-se a sua aplicação

    predominantemente na Justiça do Trabalho. Na maior parte dos casos

  • 43

    enfrentados por esta Justiça especializada, os magistrados singulares, de

    primeiro grau de jurisdição, ainda recebem as teses acerca dos danos

    existenciais com certa frieza e algum receio.

    Todavia, como ocorreu na Itália, a lentos passos os Tribunais Regionais

    do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) começam a

    recepcionar esse instituto em favor dos trabalhadores que reivindicam em

    reclamações trabalhistas indenizações por danos existenciais, cuja alegação

    de que as excessivas horas extras, os longos anos sem férias ou o

    comprometimento do tempo que impediu o acesso ao lazer, ao estudo e à

    família, prejudicaram o projeto de vida pessoal.

    Os tribunais nacionais entendem que o arbitramento de indenizações

    por danos existenciais deve submeter-se ao mesmo regime do dano moral,

    atendendo assim, igualmente, a critérios subjetivos, com a finalidade da tríplice

    função da indenização, quais sejam o caráter punitivo, o caráter compensatório

    e o caráter pedagógico. Nestes casos, portanto, insta ressaltar a importante

    relevância do caráter compensatório da indenização, uma vez que o ofendido _

    diferentemente do ofendido por dano moral _ experimentou danos que

    alteraram sua forma de vida.

    A título de exemplo e de ilustração da atuação jurisprudencial, em

    relação a este inovador instituto (dano existencial), observa-se a recente

    decisão prolatada em 10.07.2014, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª

    Região, enfrentando recurso ordinário que resultou em indenização favorável à

    trabalhadora, tal como se verifica na ementa do referido julgado:

    DANO EXISTENCIAL. As condições em que era exercido o

    trabalho da reclamante no empreendimento réu apontam

    ocorrências de dano existencial, pois sua árdua rotina de

    trabalho restringia as atividades que compõem a vida privada

    lhe causando efetivamente um prejuízo que comprometeu a

    realização de um projeto de vida. No caso, a repercussão

    nociva do trabalho na reclamada na existência da autora é

    evidenciada com o termino de seu casamento enquanto vigente

  • 44

    o contrato laboral, rompimento que se entende provado nos

    autos teve origem nas exigências da vida profissional da autora.

    Vistos, relatados e discutidos os autos. ACORDAM os

    Magistrados integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional do

    Trabalho da 4ª Região: por maioria. DAR PARCIAL

    PROVIMENTO AO RECURSO DA RECLAMADA para fixar

    indenização por dano existencial a R$20.000,00 (item “f”do

    decisum da origem) (TRT, 2014).

    No caso apreciado, uma trabalhadora de Porto Alegre ajuizou demanda

    em face do empregador, pleiteando, dentre seus pedidos, uma indenização

    reparadora dos danos extrapatrimoniais sofridos em decorrência de quase

    cinco anos de trabalho intensivo, no qual exercia cargo de confiança que a

    obrigava a longos períodos de horas extras diários, incluindo sábados e alguns

    domingos.

    Neste caso, a maior relevância surgiu em decorrência das sucessivas

    horas extraordinárias que a trabalhadora acabou por fazer contínuas e diárias,

    renunciando assim às horas de lazer em companhia de sua família, o que

    infelizmente desencadeou o fim de seu casamento.

    Ao analisar o referido caso, os desembargadores entenderam que o

    excesso de horas extraordinárias comprometeu e prejudicou o projeto de vida

    da trabalhadora, decorrendo inclusive com o fim de seu casamento, dando

    origem a danos existenciais.

    Em outras decisões sobre o tema, concedendo indenizações devido ao

    ‘dano existencial’, e, apesar de recente, o próprio TST (Tribunal Superior do

    Trabalho) já se manifestou sobre o tema em uma decisão sobre uma

    economista que trabalhou por nove anos sem usufruir férias. (ED-RR-727-

    76.2011.5.24.0002):

    RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. RELAÇÃO DE

    EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. FATO MODIFICATIVO.

    TRABALHO AUTÔNOMO. 1. Do registro fático disponibilizado

    no v. acórdão recorrido, verifica-se que a reclamada alegou fato

    http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/124459/estatuto-do-desarmamento-lei-10826-03

  • 45

    modificativo do direito da autora, visto que admitiu a prestação

    de serviços profissionais autônomos. 2. Nesse contexto, o

    Tribunal Regional, ao consignar que tocava à reclamada o ônus

    da prova da existência da prestação de serviço diversa da

    relação de emprego, decidiu em conformidade com dispositivos

    legais disciplinadores da distribuição subjetiva do ônus

    probatório (artigos 818 da CLT e 333 do CPC). Não

    caracterizada a alegada violação dos arts. 5º, XXXVI, da Carta

    Magna e 6º da LINDB. Revista não conhecida, no tema.

    DIFERENÇAS SALARIAIS. REAJUSTE. REFLEXOS.

    DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. Inservíveis para análise

    do tema os arestos transcritos, visto que oriundos de Turmas

    do TST, hipótese não elencada no art. 896, a, da CLT. Revista

    não conhecida, no tema. INDENIZAÇÃO POR DESPESAS

    COM CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. JUSTIÇA DO

    TRABALHO. Havendo previsão expressa na Lei n.º 5.584/70,

    quanto às hipóteses em que deferidos honorários advocatícios

    na Justiça do Trabalho, não há falar em indenização da verba

    com base nos arts. 389, 395, 402, 403 e 404 do Código Civil.

    Precedentes. Revista conhecida e provida, no tema. RECURSO

    DE REVISTA DA RECLAMANTE. MULTA. EMBARGOS DE

    DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. Não configurada a

    oposição de embargos de declaração com intuito protelatório,

    porquanto demonstrado o uso regular dos meios e recursos

    que a reclamante dispõe para a defesa dos seus interesses em

    juízo. Dessarte, o fato de a autora pretender a reanálise da

    questão referente ao pagamento do vale-transporte, a título

    indenizatório, longe de demonstrar suposta conduta desleal,

    retrata a boa-fé da reclamante que, em momento algum,

    pretendeu alterar a verdade dos fatos. Por outro lado, ainda

    que, em tese, seja possível a aplicação da multa em comento à

    parte, a intenção de retardar a entrega da prestação

    jurisdicional, em tais hipóteses, deve estar cabalmente

    demonstrada. E, in casu, não resulta evidenciado que a

    oposição de embargos declaratórios pela reclamante – maior

    interessada na rápida solução do litígio - teve a finalidade de

    retardar o andamento processual. Decisão regional proferida

    em afronta ao art. 538, parágrafo único, do CPC, em face da

    sua má-aplicação ao caso concreto. Revista conhecida e

  • 46

    provida, no tema. VALE-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA

    JURÍDICA. PRECLUSÃO. MOMENTO PROCESSUAL

    OPORTUNO. SÚMULA 393/TST. Consignado pelo Tribunal de

    Origem que o Juízo de primeiro grau de jurisdição examinou o

    pedido de pagamento de vale-alimentação, bem como

    reconheceu a natureza salarial da referida verba. Nesse

    contexto, a aludida questão merecia ser examinada pelo

    Tribunal Regional, nos termos do art. 515 do CPC, aplicado

    subsidiariamente, não havendo falar em preclusão. Decisão

    regional em conformidade com o entendimento cristalizado na

    Súmula 393/TST (O efeito devolutivo em profundidade do

    recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC,

    transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial

    ou da defesa, não examinados pela sentença, ainda que não

    renovados em contrarrazões. Não se aplica, todavia, ao caso

    de pedido não apreciado na sentença, salvo a hipótese contida

    no § 3º do art. 515 do CPC). Não configurada, portanto, as

    alegadas violações dos arts. 302, 303 e 458 do CPC. Recurso

    de revista não conhecido, no aspecto. DANO MORAL. DANO

    EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS.

    NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O

    PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA

    PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da

    Constituição Federal, a lesão causada a direito da

    personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das

    pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano

    decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à

    existência da pessoa, consiste na violação de qualquer um dos

    direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição

    Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do

    indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao

    projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão

    financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer.

    (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela

    da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São

    Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem

    elementos do dano existencial, além do ato ilícito, o nexo de

    causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto

    de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão

  • 47

    decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado

    de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de

    relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares,

    atividades recreativas e extralaborais), ou seja, que obstrua a

    integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de

    vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do

    trabalhador e constitui o chamado dano existencial. 4. Na

    hipótese dos autos, a reclamada deixou de conceder férias à

    reclamante por dez anos. A negligência por parte da reclamada,

    ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não

    conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico

    personalíssimo, por atentar contra a saúde física, mental e a

    vida privada da reclamante. Assim, face à conclusão do

    Tribunal de origem de que é indevido o pagamento de

    indenização, resulta violado o art. 5º, X, da Carta Magna.

    Recurso de revista conhecido e provido, no tema.

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    CONCLUSÃO

    O estudo apresentou o instituto do dano existencial como espécie

    autônoma do gênero ‘danos imateriais’, e demonstrou que este recente

    instituto jurídico possui contornos conceituais distintos e próprios.

    Analisou o princípio da proteção ao trabalhador e a sua importância na

    criação e na aplicação das normas de direito do trabalho, como princípio

    protetor que tem plena autonomia no mundo jurídico, o que inclui não só a

    ordem jurídica trabalhista, sendo subsidiado também por todo o ordenamento

    jurídico nacional.

    Demonstrou a distinção entre dano existencial e o dano moral, e

    evidenciou que o dano moral existe como um sentimento na sua essência;

    enquanto o dano existencial é uma limitação do desenvolvimento normal da

    vida da pessoa, que impõe uma mudança na sua própria vida e é sentida pelo

    lesado em momento posterior, pois se apresenta como uma sucessão de

    alterações prejudiciais na vida cotidiana.

    Em seguida, destacou a responsabilidade civil, como agente garantidor