dois anos para remodelar a casa do bosão de higgs - pÚblico

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  • 7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO

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    ANA GERSCHENFELD, NO CERN (FRONTEIRA FRANCO-SUA)

    Aps dois anos a fazer chocar protes uns contra

    os outros, que culminaram com a descoberta do

    boso de Higgs em meados de 2012 que, h dias,

    valeu o Prmio Nobel da Fsica a dois dos tericos

    que postularam a existncia dessa partcula h

    quase 50 anos , o LHC iniciou em Fevereiro a sua

    primeira paragem tcnica prolongada para uma

    reviso profunda. E, enquanto a grande mquina

    do CERN dorme, torna-se possvel descer a 100

    metros de profundidade para a ver ao perto

    Dois anos para remodelar a casa do

    boso de Higgs

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    Otnel, intensamente iluminado, inclina-se

    ligeiramente direita e vai desaparecendo de

    vista. nossa esquerda corre um tubo que

    nunca acaba, enquanto do outro lado passam

    por ns ciclistas de fato-macaco e capacete das obras, a

    caminho da luz do dia e do almoo. Sorriem ao ver onosso pequeno grupo de visitantes, de cabeas

    igualmente coroadas pelos obrigatrios mas inestticos

    capacetes de plstico, a ouvir as explicaes dos guias.

    Estamos debaixo de terra, a 100 metros de

    profundidade, mesmo por baixo da fronteira franco-

    sua, perto de Genebra, no chamado Ponto 4 do LHC, omaior acelerador de partculas do mundo. Este um dos

    oito pontos de acesso que balizam o tnel circular, com

    um permetro de 27 quilmetros, que alberga a grande

    mquina de fazer fsica das partculas construda pelo

    CERN (Laboratrio Europeu de Fsica de Partculas).

    Ao longo do percurso do acelerador esto instaladas as

    quatro principais experincias a decorrer no CERN,

    concebidas para registar os dados da avalanche de

    partculas produzidas quando se atiram uns contra os

    outros protes de alta energia e desvendar assim alguns

    dos mistrios do Universo. Chamam-se ATLAS, CMS,

    LHCb e ALICE. Foi aqui que, em Julho do ano passado,

    foi detectado o clebre boso de Higgs, a partcula queconfere massa a todas as outras partculas que

    compem a matria que nos rodeia.

    Se o LHC estivesse em funcionamento, no poderamos

    andar a passear pelo tnel. O acesso fica vedado

    quando, no interior do grande tubo ao nosso lado,

    dentro de dois tubos mais pequenos com cerca de cinco

    centmetros de dimetro cada um, circulam em sentidos

    opostos, num vcuo quase sideral - e quase velocidade

    da luz -, dois intensos feixes de protes. Isto porque,

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    quando atravessam uma das quatro gigantescas

    mquinas detectoras de partculas acima referidas, os

    feixes cruzam-se e os protes colidem frontalmente. E

    nessas ocasies, ao ritmo de 400 milhes de colises

    por segundo, tudo sua volta fica radioactivo.

    Mas desde Fevereiro que os feixes foramdesligados e que o LHC entrou em

    hibernao. Mais precisamente, entrou

    no seu primeiro perodo prolongado de

    paragem tcnica, oLong Shutdown 1.

    Durante dois anos (at incios de 2015),

    os componentes do acelerador e dos

    detectores das mais estranhas partculas -bem como o hardwaree o softwareque

    gerem e digerem a enorme massa de

    dados vindos desses detectores - vo ser

    consolidados ou actualizados, num

    gigantesco liftingtcnico-cientfico. Ao

    mesmo tempo, oLong Shutdown uma

    oportunidade rara para descer at grande mquina adormecida e ver de

    perto no apenas o prprio acelerador,

    em parte desmontado, como tambm as entranhas das

    experincias.

    Uma coisa evidente: com a excepo dos feixes de

    partculas, aqui nada parou. Bem pelo contrrio. Tantoc em baixo como l em cima, nas salas de controlo de

    cada experincia, todos esto muito atarefados - e

    alguns mais ainda do que de costume. Contudo, o

    ambiente parece descontrado. "Agora menos

    stressante", explica Clara Gaspar, informtica

    portuguesa que nos acompanha nesta parte da visita e

    trabalha no controlo da experincia LHCb, desenhadapara tentar explicar por que que o Universo feito de

    matria e no de antimatria (em que cada

    "antipartcula" tem a carga oposta da partcula

    (http://static.publico.pt/files/revista2/201

    10-20/cern/cern_06.jpg)

    O recm-nobelizado Peter Higgs foi,em 1964, um dos fsicos tericos a

    postular a existncia do boso com oseu nome e que foi detectado em2012 no LHC CLAUDIA MARCELLONI

    http://static.publico.pt/files/revista2/2013-10-20/cern/cern_06.jpg
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    A

    equivalente na matria normal). "Quando o LHC

    funciona, tudo mais urgente, telefonam-nos a

    qualquer hora do dia e da noite e temos de vir a correr

    resolver os problemas."

    Atrs de ns, um muro de beto barra o tnel. do

    outro lado, numa enorme caverna cavada na rocha, queest alojada a LHCb. Samos dessa caverna h instantes,

    regressando primeiro superfcie para depois

    tornarmos a descer at ao tnel por outro elevador. Um

    percurso vertical entrecortado pela passagem por

    checkpointsde segurana e de identificao high-tech- a

    lembrar o filmeAnjos e Demnios, baseado no livro de

    Dan Brown, onde malfeitores entram no CERN pararoubar uma substancial quantidade de antimatria com

    a qual tencionam fazer ir pelos ares o Vaticano. Vrias

    pessoas do CERN mencionam a histria, fazendo notar,

    entre outras coisas, que os dispositivos de identificao

    dos funcionrios do laboratrio atravs da ris s foram

    instalados depois da estreia do filme...

    A viagem dos protes

    ntes de entrarem no tubo de vcuo do LHC que

    corre ao nosso lado, os protes comeam por ser

    acelerados numa srie de aceleradores maispequenos do CERN - seguindo a lgica de uma

    caixa de velocidades - e, quando so injectados no

    grande acelerador, j possuem uma energia de 450 GeV

    (giga electro-volts), ou seja, j vo lanados a

    99,9998% da velocidade da luz. Depois, para os acelerar

    mais um pouco, at 99,9999991% da velocidade da luz,

    que o que o LHC foi construdo para fazer, vai serpreciso multiplicar a sua energia por mais de 15 vezes,

    at aos 7 TeV (tera electro-volts), a energia mxima

    prevista para cada feixe de protes. Assim, com dois

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    feixes a circular em sentido oposto, a energia das

    colises frontais atingir os desejados 14 TeV, a potncia

    mxima para a qual o LHC foi desenhado - e a

    velocidade relativa que cada feixe ter em relao ao

    outro corresponder nada mais nada menos do que a

    99,9999998% da velocidade da luz.

    Porqu acelerar os protes? Porque as

    colises so eventos extremamente

    raros: h umas 20 por cada "pacote" de

    100 mil milhes de protes atirados

    contra outro "pacote" de 100 mil milhes

    de protes! Portanto, para tornar as

    colises mais frequentes, preciso

    Quando o LHC funciona

    tudo mais urgente,

    telefonam-nos a qualquer

    hora do dia e da noite e

    temos de vir a correr

    resolver os problemas

    Clara Gaspar, informtica

    portuguesa

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    aumentar o mais possvel o nmero de vezes que os

    quase 900 "pacotes" (o termo tcnico bunches) de

    protes que compem cada feixe se iro cruzar. At

    agora, a energia mxima atingida no LHC foi de 8 TeV,

    mas isso bastou para detectar o Higgs dentro das

    experincias ATLAS e CMS. E espera-se que, aps esta

    paragem tcnica, seja possvel aumentar rapidamente apotncia da mquina, numa primeira fase, para 13 TeV.

    A tecnologia que deve permitir obter estas condies

    dentro do LHC tambm parece sada da fico cientfica.

    Os protes so acelerados por campos

    electromagnticos muito fortes, dentro de dispositivos

    supercondutores chamados "cavidades de rdio-frequncia", explica-nos Paulo Gomes, especialista

    portugus de criogenia do LHC, enquanto continuamos

    a seguir o interminvel tubo, uma colagem de

    elementos azuis, vermelhos, prateados, brancos. Ao

    todo, existem 16 cavidades dessas ao longo dos 27

    quilmetros do percurso, que devem ser mantidas

    temperatura de 4,5 graus acima do zero absoluto - ouseja, a 268,5 graus Celsius negativos.

    Mas ainda mais difcil focar e orientar os feixes neste

    tnel circular e, para isso, o LHC est equipado com

    grandes electromanes supercondutores, colocados em

    torno dos feixes, no interior do tubo de vcuo. Os mais

    poderosos - 1200 no total - tm 15 metros decomprimento e curvam os feixes, diz-nos Paulo Gomes,

    apontando para segmentos do tubo de cor azul.

    Funcionam a 1,8 graus acima do zero absoluto e devem

    ser arrefecidos com hlio superfluido. O hlio

    distribudo atravs de um outro tubo, que corre paralelo

    ao tubo de vcuo, indica Paulo Gomes. "O acelerador

    gasta mais electricidade do que a cidade de Genebra,sobretudo em sistemas criognicos", explica.

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    Foi um curto-circuito ao nvel de uma

    juno supercondutora desses manes

    azuis que, ao provocar uma fuga e

    consequente acumulao indevida de

    hlio dentro do tubo de vcuo, esteve na

    origem da exploso que, em Setembro de

    2008 (poucos dias aps da inauguraodo LHC), arrancou do cho um total de

    50 manes, de 35 toneladas cada um,

    danificando-os e obrigando o acelerador

    a uma paragem no programada de mais 14 meses. Uma

    das prioridades da actual paragem tcnica

    precisamente a substituio das mais de 10 mil junes

    do mesmo tipo que existem no LHC, bem como a

    colocao de vlvulas de escape capazes de lidar com

    eventuais fugas de hlio no futuro.

    Normalmente, o LHC acelera os seus protes 24 horas

    por dia, sete dias por semana - ou quase. Na realidade,

    os feixes de protes no so eternos e preciso renov-

    los periodicamente. Isso acontece todas as 10 a 12 horase significa, concretamente, que os feixes so desligados

    e novos protes injectados e acelerados. Este processo

    de beam dump("despejo dos feixes") dura duas a trs

    horas no total, mas no por isso que a actividade

    abranda volta das experincias, explicar-nos- mais

    tarde a portuguesa Ana Henriques, responsvel por um

    dos componentes (o "calormetro hadrnico") da

    experincia ATLAS. "Nunca sabemos quando os feixes

    vo parar, se vai ser de dia, de noite. No tem hora

    marcada", salienta. "Mas, durante essas horas, os fsicos

    da sala de controlo no param." O tempo aproveitado

    para fazer calibraes e testar o funcionamento dos

    detectores - algo de crucial para se ter a certeza de que

    as medies no esto a ficar enviesadas sob o efeito da

    radiao produzida pelas colises.

    (http://static.publico.pt/files/revista2/201

    10-20/cern/cern_07.jpg)

    O LHC est equipado com grandeselectromanes supercondutores CERN

    http://static.publico.pt/files/revista2/2013-10-20/cern/cern_07.jpg
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    E

    Assim, depois de terem percorrido mais de dez mil

    milhes de quilmetros, os protes "cansados" dos dois

    feixes acabam a sua vida de uma forma algo inglria,

    mas (como tudo aqui) extremamente bem sincronizada.

    Quando a corrente desligada, como deixam de ser

    orientados pelos manes, os dois feixes prosseguem o

    seu caminho a direito, sendo evacuados do LHC pordois tubos "de servio". No fim, os protes vo esmagar-

    se contra grandes blocos de grafite que, ao absorverem a

    sua energia, interrompem a sua viagem para sempre.

    Fsica com Monte Branco aofundo

    mergidos do tnel e aps um almoo apressado(na cantina principal do CERN, rodeados de

    fsicos a falar de fsica), um autocarro leva-nos

    para o ponto do percurso subterrneo do LHC

    mais distante da sede do grande laboratrio - que

    como uma pequena cidade, com restaurantes e hotis e

    perto de 3000 pessoas a trabalharem no recinto, entre

    engenheiros, cientistas, tcnicos, pessoal

    administrativo, operrios, estudantes e aprendizes.

    Depois, h os mais de 10 mil cientistas espalhados por

    laboratrios de mais de 110 pases que esto ligados

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    remotamente a esta grande Meca da fsica e a receber

    dados em contnuo - ou no fosse aqui, no CERN, que

    foi inventada a World Wide Web, h quase 25 anos.

    Alis, num dos corredores do labirntico edifcio central

    que temos de atravessar para irmos do refeitrio at ao

    local onde nos espera o autocarro - e no meio decartazes e folhas de papel com anncios vrios, afixados

    nas portas e paredes no mais puro estilo universitrio -

    h uma grande placa dourada, onde se l, em grandes

    letras: "Where the Web was Born" (Onde nasceu a

    Web). Era neste corredor que Tim Berners-Lee (o "pai"

    da WWW) tinha o seu gabinete, explicam-nos,

    enquanto improvisamos uma rpida sesso defotografias com placa em fundo antes de seguir

    caminho.

    O dia quente e soalheiro e o autocarro leva-nos para o

    lado francs da fronteira. Densos bosques verde-

    escuros ladeiam a estrada e, de vez em quando, prados e

    chals suos (embora em cimento e no de madeira),com os seus tpicos telhados de duas guas assimtricas

    que descem quase at ao cho. No horizonte dos Alpes,

    surge de repente o pico nevado do Monte Branco.

    no subsolo desta paisagem buclica

    que se esconde um dos colossos que

    permitiu, no ano passado, confirmar aexistncia do boso de Higgs: o CMS

    (Compact Muon Solenoid), cuja

    construo comeou em 2004. Vamos

    poder ver o CMS no seu covil e de to

    perto que seria quase possvel tocar-lhe.

    Aqui, na superfcie, o que vemos porenquanto apenas o gigantesco hangar

    onde foram inicialmente montados os

    diversos mdulos do CMS, um cilindro

    Neste momento, foram

    desligados muitos cabos

    para se poder aceder a

    determinadas partes do

    CMS. E, quando os cabos

    voltarem a ser ligados,

    vou ser responsvel por

    verificar que, cada vez que

    um cabo ligado, foi

    ligado no stio certo, quecorresponde pea certa

    Andr David, investigador portugus

    do CERN

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    com 15 metros de dimetro e 21 de comprimento, de

    milhares de toneladas. L dentro, na parede do fundo,

    ao p do enorme alapo (fechado) no cho que d

    directamente para o poo da caverna do CMS, h uma

    imensa fotografia a cores do interior da mquina. "A

    parte central amarela contm 13 camadas de deteco de

    traos de partculas carregadas", explica o nosso guia domomento, Joo Pela, estudante portugus de

    doutoramento no CERN, apontando sucessivamente

    para as diferentes componentes concntricas do CMS e

    explicando a funo de cada uma delas.

    " volta, o crculo prateado o magneto"

    (traduo literal de "magnet"). Para almdos electromanes supercondutores que

    j vimos no tnel, tambm no interior

    das mquinas detectoras de partculas, os

    "magnetos" servem para curvar as

    trajectrias das partculas

    electromagnticas, neste caso de forma a

    conseguir separ-las e determinar a suacarga. O "magneto" do CMS o que

    contm a maior quantidade de

    electricidade no planeta "e derreteria 11

    toneladas de cobre se descarregssemos

    instantaneamente essa energia", ilustra o

    jovem investigador. Trata-se de uma

    enorme bobine de cabos

    supercondutores de nibio e titnio que

    funciona a 271 graus Celsius negativos.

    "A zona azul dentro do magneto o

    calormetro, que permite parar as

    partculas e determinar a energia inicial

    das partculas neutras, como os fotes, e

    dos electres", prossegue Joo Pela. "A

    segunda camada da parte azul detecta

    protes e neutres e o resto do CMS serve para detectar

    (http://static.publico.pt/files/revista2/201

    10-20/cern/cern_20.jpg)

    http://static.publico.pt/files/revista2/2013-10-20/cern/cern_20.jpg
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    F

    as partculas que no foram paradas, como os mues, os

    primos pesados do electro", acrescenta. "As partes

    prateadas na zona exterior medem a trajectria dos

    mues a sair do detector, para determinar a sua carga e

    energia."

    Findas as explicaes tcnicas, estamos todosimpacientes por descer pelo elevador e ver finalmente a

    coisa. Mas, antes, h ainda uma passagem pela sala de

    controlo cheia de computadores, a partir de onde se

    monitoriza, em permanncia, o funcionamento da

    experincia. Normalmente, esto cinco pessoas de

    turno, 24 horas por dia, sete dias por semana - mas no

    necessariamente nesta sala, porque existem outras salasde controlo remoto, por exemplo no DESY de

    Hamburgo (Alemanha) e no Fermilab, nos EUA.

    Num canto, um equipamento destoa do resto e atrai o

    nosso olhar. Um grande "armrio" de metal cinzento, de

    aspecto vetusto, com grandes botes luminosos verdes

    e vermelhos, parecido com um painel de controlo deuma central nuclear da altura da Guerra Fria. "Ah, isso

    o sistema defail-safe", responde distraidamente algum

    nossa pergunta. Por outras palavras, o interruptor

    geral que permite parar tudo imediatamente, mo, se

    algo correr mesmo mal l em baixo, na caverna. A low-

    techdigital do dedo humano ao auxlio da high-techem

    perigo...

    O stio do Higgs

    inalmente l em baixo, a caverna parece pequena,

    tal o tamanho da mquina que a habita. E comoo CMS tem uma estrutura em acordeo e os seus

    trs principais segmentos se encontram

    separados, ela enche de facto o espao quase todo,

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    deixando apenas lugar para escadas e passadeiras em

    seu redor, toneladas de cablagem e inmeras prateleiras

    cheias de equipamento.

    A partir da varanda de um dos andares altos deste antro,

    temos vista directa para o interior do CMS. Tentamos

    lembrar-nos do que nos foi explicado l em cima, masno fundo o que interessa agora que foi nestes

    complexssimos circuitos que tudo aconteceu - foi aqui

    que o boso de Higgs foi finalmente avistado, 50 anos

    depois de a sua existncia ter sido postulada. O outro

    grande participante nesta descoberta, a experincia

    ATLAS, no vai estar visitvel durante a nossa estadia

    porque o elevador que d acesso sua caverna seencontra em manuteno.

    A prpria escavao da caverna do CMS, que decorreu

    de 2000 a 2004, foi pautada por uma srie de

    obstculos inesperados, como a descoberta de runas

    romanas. E foi preciso congelar um rio subterrneo,

    cuja existncia se desconhecia - e que impedia asoperaes de prosseguir. Para ultrapassar esta situao,

    foi encontrada uma soluo astuta: injectou-se azoto

    lquido em profundidade, atravs de pequenos furos no

    cho; quando a gua gelou, escavou-se o gelo, como se

    de rocha se tratasse, at camada rochosa seguinte, por

    baixo do rio - e a construo das paredes do poo pde

    ento continuar.

    Por cima do CMS h uma floresta de

    cabos verdes, todos to bem arrumados e

    organizados que parecem molhos de

    esparguete de espinafre gigantes. Os

    molhos de cabos so uma presena

    constante no CERN, tal como asbraadeiras de plstico que os mantm

    no seu lugar. Ficamos com a impresso

    de que o LHC no conseguiria funcionar

    (http://static.publico.pt/files/revista2/20110-20/cern/cern_11.jpg)

    Na sua caverna, a experincia CMSfoi aberta para um lifting tecnolgicoRUBEN SPRICH/REUTERS

    http://static.publico.pt/files/revista2/2013-10-20/cern/cern_11.jpg
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    sem estes adereos da nossa vida

    quotidiana.

    Para perceber a importncia desta arrumao quase

    militar, preciso ter em mente que o CMS, cujo

    funcionamento envolve cerca de 3000 pessoas, "uma

    enorme mquina fotogrfica com 80 milhes de pxeis",como nos explicaram, no autocarro, na ida para l. Ora,

    esses 80 milhes de pxeis tm de conseguir enviar os

    seus sinais, via outros tantos cabos, ao sistema

    informtico encarregado de seleccionar as colises

    interessantes e de armazenar os dados correspondentes

    para anlise. Bastaria um cabo ligado no stio errado

    para deitar tudo por terra...

    "Neste momento, foram desligados muitos cabos para

    se poder aceder a determinadas partes do CMS. E,

    quando os cabos voltarem a ser ligados, vou ser

    responsvel por verificar que, de cada vez que um cabo

    ligado, foi ligado no stio certo, que corresponde pea

    certa", esclarecer-nos-, no dia seguinte, o portugusAndr David, de 36 anos, durante uma longa conversa

    mantida sombra de uma rvore, na esplanada da

    cafetaria - e que descreve o CMS como um conjunto de

    "600 e tal mquinas fotogrficas cujos obturadores

    abrem todos exactamente no mesmo instante".

    Andr David investigador do CERN, onde responsvel por uma dessas "mquinas fotogrficas" - o

    calormetro electromagntico do CMS (experincia na

    qual participa desde 2006), "que v electres e fotes".

    Quanto tempo vai ser preciso para tornar a ligar esses

    cabos todos? "Se as coisas correrem bem, em duas

    semanas capaz de ficar resolvido", responde-nos,

    falando apenas da parte da experincia directamentesob a sua alada. Mas imagina-se que seja assim para

    todos os envolvidos, uma vez que nenhuma das partes

    da experincia pode funcionar sem as outras.

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    Mas ligar e desligar esses fios todos, para qu? "Lembra-

    se dos telemveis de 2004? Ns queremos ter a

    electrnica dos telemveis de hoje!", exclama o

    investigador. De facto, o upgradeda electrnica

    absolutamente fundamental, no apenas nos

    detectores, mas no equipamento que gere a seleco e

    armazenamento dos dados vindos dos detectores. Bastapara isso considerar que o hardwareque vemos nas

    dezenas de prateleiras instaladas em redor do CMS deve

    ser capaz de seleccionar, em apenas cinco

    microssegundos, as 100 mil colises "interessantes" em

    cada 400 milhes (por segundo) - ou seja, as colises

    durante as quais poder ter sido produzido um boso de

    Higgs ou alguma outra partcula indita. A seguir, numa

    segunda fase que dura uns milissegundos (e que

    decorre j fora da caverna), sero guardadas apenas mil

    colises, em mdia, dessas primeiras 100 mil, "para ver

    mais tarde", diz-nos Andr David. Os dados

    correspondentes a essas 1000 colises (por segundo,

    convm relembrar) "ficam prontas para anlise aps 48

    horas".

    Apago informativo

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    Afrrea disciplina cientfica e tcnica que sente

    quem visita o LHC e fala com pessoas do CERN

    sobre a sua forma de trabalhar foi

    particularmente palpvel na altura da divulgao

    da descoberta do boso de Higgs. Por incrvel que

    parea, antes do histrico anncio - que teve lugar a 4de Julho de 2012 -, os 3000 cientistas que trabalhavam

    na experincia ATLAS no sabiam ao certo o que os

    seus 3000 colegas da experincia CMS iriam anunciar e

    vice-versa.

    No seu gabinete do moderno edifcio 40 do recinto do

    CERN, Ana Henriques, da ATLAS, fala-nos do autnticoblackoutinformativo que antecedeu o acontecimento:

    "Este prdio de cinco andares alberga a principal parte

    das comunidades ATLAS e CMS", explica. "Portanto,

    ns partilhamos a cafetaria e cheirava-se o ambiente de

    excitao." Claro que houve algumas fugas de

    informao, porque " muito difcil manter a

    confidencialidade quando h milhares de pessoasenvolvidas", diz a cientista. Mas esta forma de funcionar

    "faz parte dos critrios de rigor cientfico que preciso

    respeitar" - e mais ainda quando se trata de experincias

    desta complexidade. "Tem de haver vrias equipas

    independentes a fazer a mesma anlise em paralelo",

    frisa Ana Henriques.

    "Quando o director-geral do CERN e os

    responsveis pelas duas experincias

    resolveram divulgar os resultados [aps

    vrias semanas de reunies entre eles],

    era evidente que isso significava que os

    resultados eram suficientemente slidos

    para anunciar uma descoberta. Mas, nodia do anncio, ns no sabamos o que

    os outros [os da experincia CMS]

    tinham. E surpreendeu-me que os

    (https://www.google.com/maps/views/strgl=us)

    Clique na imagem e faa uma visitavirtual ao LHC com o Google StreetView

    https://www.google.com/maps/views/streetview/cern?gl=us
  • 7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO

    16/20

    resultados da ATLAS e da CMS fossem to

    semelhantes", salienta ainda.

    Andr David, que esteve ligado de muito perto ao

    anncio, diz o mesmo a propsito dos resultados da

    "arqui-rival" ATLAS, como chama com humor

    experincia "irm" da CMS: "No dia 4 de Julho, quandofomos para o auditrio depois de termos estado at s

    duas da manh a rever a apresentao do Joe

    [Incandela, responsvel mximo pela experincia CMS],

    eu sabia o que o Joe ia dizer, mas no fazia a menor

    ideia do que a ATLAS tinha. Tinha ouvido uns zunzuns

    de que eles tambm tinham qualquer coisa - seno, no

    estaramos a fazer um anncio. Mas no queria que medissessem mais nada."

    Incandela foi o primeiro a falar, naquela

    manh, "perante mil milhes de pessoas

    no mundo". E a seguir "entra a Fabiola

    [Gianotti, responsvel mxima pela

    ATLAS]", recorda Andr David. "E decada vez que ela apresentava um

    diapositivo, a informao era

    completamente nova para mim. A dada

    altura, torna-se bvio que eles esto a ver

    a mesma coisa que ns, no mesmo stio e

    com a mesma intensidade. Esses outros

    3000 macacos com os quais eu no medou, utilizando detectores

    completamente diferentes, organizados de maneiras

    completamente diferentes, publicando de formas

    diferentes, utilizando softwarediferente, chegaram

    mesma concluso. Isto que foi para mim o momento

    da descoberta."

    Ainda se vem, por exemplo nas salas de controlo das

    experincias e na sala de comando central do LHC,

    vestgios do que foi essa grande festa: garrafas e garrafas

    A Natureza muito boa a

    destruir teorias. Na minha

    opinio, ns estamos aqui

    para fazer ccegas

    Natureza e ver o que ela

    tem para nos dizer. E at

    agora, o que ela nos disse

    que, se existe fsica para

    alm do Modelo Padro,

    no vai ser assim to

    simples de encontrar

    Andr David

  • 7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO

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    O

    de champanhe alinhadas em prateleiras ao longo das

    paredes. (s quais viro agora juntar-se as que foram

    abertas para festejar o anncio, na semana passada, do

    Prmio Nobel da Fsica a Peter Higgs e Franois Englert,

    apesar de o prprio CERN no ter sido contemplado

    pelo galardo.)

    Planos para o futuro

    que ir acontecer no fim desta primeira longa

    paragem tcnica, quando o LHC arrancar, em

    princpio em incios de 2015? "Vamos atingirrapidamente os 13 TeV, para podermos

    continuar a estudar o boso de Higgs e medir as suas

    propriedades", garante Rolf Heuer, director-geral do

    CERN. "Quanto aos 14 TeV de potncia mxima, iremos

    atingi-los um pouco mais tarde." Acontece, como

    explicou ainda, que os manes supercondutores do LHC

    foram "treinados" para atingir aquela potncia mximaprevista mas, entretanto, alguns deles "contraram

    Alzheimer" - isto , perderam essa memria e j no

    conseguem subir at esse patamar de energia. E a sua

    recuperao poder ser complexa e mais demorada

    devido ao elevado nmero de manes a funcionar em

    conjunto no LHC.

    Mais tarde, l para 2017-2018, est

    previsto umLong Shutdown 2de um

    ano, no fim do qual a "luminosidade" dos

    feixes de protes do LHC - ou seja, o

    nmero de partculas a colidir - ser

    aumentada e os detectores novamente

    actualizados. E depois haver ainda umLong Shutdown 3, talvez em 2022, onde

    se prev aumentar ainda mais essa

    luminosidade e tornar a actualizar o que

    (http://static.publico.pt/files/revista2/20110-20/cern/cern_30.jpg)

    Os investigadores portugueses AnaHenriques, da experincia ATLAS e

    Andr David, da CMS

    http://static.publico.pt/files/revista2/2013-10-20/cern/cern_30.jpg
  • 7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO

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    for preciso em funo dos resultados obtidos e das

    descobertas efectuadas at l. O tempo de vida previsto

    para as grandes experincias do LHC de 20 anos.

    Quanto ao boso de Higgs, " pouco provvel que haja

    novos resultados" at ao arranque em 2015, diz Heuer.

    "J analismos todas as colises" produzidas nsltimos trs anos, acrescenta.

    Uma das questes que ficam para 2015 a de saber se o

    boso de Higgs "o" boso previsto pelo chamado

    Modelo Padro da fsica das partculas, que descreve, ao

    nvel subatmico, o mundo que nos rodeia - ou se, pelo

    contrrio, um boso algo diferente, que permite terum cheirinho de uma nova fsica para l do Modelo

    Padro. Mas, por enquanto, o Higgs detectado pelo LHC

    parece ser totalmente compatvel com este modelo.

    Se o boso no for o do Modelo Padro, explicou-nos

    Andr David, tem de haver pequenos desvios

    detectveis nos resultados. "Mas, at agora, nadadesvia!" Isso pode estar a acontecer, acrescenta, "porque

    ainda no temos assim tantos dados". O aumento de

    potncia em 2015 poder ajudar nesse aspecto. Mas

    tambm pode ser porque as teorias "exticas" propostas

    at aqui para estender o Modelo Padro no funcionam.

    "A Natureza muito boa a destruir teorias", ironiza o

    investigador. "Na minha opinio, ns estamos aqui parafazer ccegas Natureza e ver o que ela tem para nos

    dizer. E at agora, o que ela nos disse que, se existe

    fsica para alm do Modelo Padro, no vai ser assim to

    simples de encontrar. Pode ser da prxima vez, quando

    recomearmos a 13 TeV em vez de oito. O LHC ainda

    tem muito sumo para espremer."

  • 7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO

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  • 7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO

    20/20

    Aprovados 1 Pendentes 0

    20/10/2013 18:19

    jose.luis.fino

    lhavo

    (/utilizador/perfil/7f806bd0-23fa-4a73-8d47-e7f49612cc59)

    Excelente, adorei ler e ver este trabalho, isto divulgaocientfica a srio.

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