dona gorete e seu luís: o poder da agroecologia

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Dona Gorete e Seu Luís: o poder da Agroecologia Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº 1160 Outubro/2013 Lagoa Nova - CE Eu quero uma casa no campo Onde eu possa ficar do tamanho da paz (Zé Rodrix e Tavito) Dona Gorete e seu Luís são um casal sexagenário e cheio de vida da Lagoa Nova, em Senador Pompeu, Sertão Central do Ceará. Para dona Gorete, agricultura é brincadeira, tudo que se planta dá, é só não descuidar, tratar com carinho, como se fosse gente. Quem disse que as plantas não podem nos ouvir? Dona Gorete conversa com elas, talvez esse seja o segredo da abundância e das inúmeras histórias de sucesso do casal. “Teve melão de pesar 16kg, não é mentira não, é verdade verdadeira. E era assim, nomonturo mesmo, no terreno de casa, que o povo diz que não dá nada”, conta orgulhosa dona Gorete. O casal passou 12 anos morando em Fortaleza, criou todos os 10 filhos na cidade grande, dona Gorete costurava e seu Luís trabalhava em firma. Um dos filhos foi vítima de violência urbana e acabou falecendo, dona Gorete já foi assaltada. Para a agricultora foram anos perdidos, sem poder plantar, tinha que comprar tudo fora. Voltando para o sertão tiveram a oportunidade de “sair do presídio” e começar uma vida nova. “Vim-me embora e tô aqui no meu cantinho sossegado, de tudo que eu quero comer aí dentro tem, é batata; macaxeira; banana. O que eu quiser comer eu tenho aqui em casa, vou pra rua mesmo só pra comprar arroz e a mistura”, afirma Gorete. O casal não sossega, está sempre fazendo planos para enriquecer o quintal que já se encontra com quase 100 espécies. É, o quintal é pequeno, mas a diversidade é grande. “Meu pé de caju, eu plantei quando cheguei aqui uma castanha, tá com três anos, eu já chupei caju e ele tá grossinho de cajuzinho novo. Daqui a uns dias vou tá fazendo polpa pra mandar pra vocês”, garante a agricultora. A prosa foi inundada pelo orgulho que o casal tem da sua propriedade, que apesar de pequena, é rica de diversidade, umaverdadeira agrofloresta. O cacho de banana que é quase do tamanho de dona Gorete, o mamão que dá e sobra e é vendido para outras localidades,o pé de pepino que já deu mais de 600 frutos, a alface que é verdinha e que tem clientela fiel. O quintal é a vida de seu Luís e dona Gorete, é através dele que os agricultores se sentem importantes – verdadeiros guardiões da biodiversidade do Semiárido. Em 2010, a família recebeu a cisterna-enxurrada do P1+2, (Programa Uma Terra e Duas Águas). A tecnologia dá uma força danada para o Seu Luís aguar tudo que tem, são 2,500 a 3,000 litros de água retirados da cisterna todos os dias.

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Page 1: Dona Gorete e seu Luís: o poder da Agroecologia

Dona Gorete e Seu Luís: o poder da Agroecologia

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº 1160

Outubro/2013

Lagoa Nova - CE

Eu quero uma casa no campoOnde eu possa ficar do tamanho da paz

(Zé Rodrix e Tavito)

Dona Gorete e seu Luís são um casal sexagenário e cheio de vida da Lagoa Nova, em Senador Pompeu, Sertão Central do Ceará. Para dona Gorete, agricultura é brincadeira, tudo que se planta dá, é só não descuidar, tratar com carinho, como se fosse gente. Quem disse que as plantas não podem nos ouvir? Dona Gorete conversa com elas, talvez esse seja o segredo da abundância e das inúmeras

histórias de sucesso do casal. “Teve melão de pesar 16kg, não é mentira não, é verdade verdadeira. E era assim, nomonturo mesmo, no terreno de casa, que o povo diz que não dá nada”, conta orgulhosa dona Gorete.

O casal passou 12 anos morando em Fortaleza, criou todos os 10 filhos na cidade grande, dona Gorete costurava e seu Luís trabalhava em firma. Um dos filhos foi vítima de violência urbana e acabou falecendo, dona Gorete já foi assaltada. Para a agricultora foram anos perdidos, sem poder plantar, tinha que comprar tudo fora. Voltando para o sertão tiveram a oportunidade de “sair do presídio” e começar uma vida nova. “Vim-me embora e tô aqui no meu cantinho sossegado, de tudo que eu quero comer aí dentro tem, é batata; macaxeira; banana. O que eu quiser comer eu tenho aqui em casa, vou pra rua mesmo só pra comprar arroz e a mistura”, afirma Gorete.

O casal não sossega, está sempre fazendo planos para enriquecer o quintal que já se encontra com quase 100 espécies. É, o quintal é pequeno, mas a diversidade é grande. “Meu pé de caju, eu plantei quando cheguei aqui uma castanha, tá com três anos, eu já chupei caju e ele tá grossinho de cajuzinho novo. Daqui a uns dias vou tá fazendo polpa pra mandar pra vocês”, garante a agricultora. A prosa foi inundada pelo orgulho que o casal tem da sua propriedade, que apesar de pequena, é rica de diversidade, umaverdadeira agrofloresta. O cacho de banana que é quase do tamanho de dona Gorete, o mamão que dá e sobra e é vendido para outras localidades,o pé de pepino que já deu mais de 600 frutos, a alface que é verdinha e que tem clientela fiel. O quintal é a vida de seu Luís e dona Gorete, é através dele que os agricultores se sentem importantes – verdadeiros guardiões da biodiversidade do Semiárido. Em 2010, a família recebeu a cisterna-enxurrada do P1+2, (Programa Uma Terra e Duas Águas). A tecnologia dá uma força danada para o Seu Luís aguar tudo que tem, são 2,500 a 3,000 litros de água retirados da cisterna todos os dias.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Realização

O casal já chegou a vender na feira da agricultura familiar em Senador Pompeu, mas a dificuldade em conseguir transporte e levar a mercadoria era e ainda é muito grande, daí os agricultores desistiram da feira e resolveram vender os seus produtos só pelas redondezas mesmo. Apesar de não ter dificuldades em vender os produtos, pois tem dia que dona Gorete e Seu Luís não têm nem tempo de merendar “despachando cheiro-verde”, o casal pretende alugar um ponto que fica próximo de casa e está disponível. O aluguel custa só R$ 40,00 e daria mais visibilidade ao negócio da família.“Tudo que tem aqui eu vendo bem porque todo mundo sabe que aqui é bem cuidado, não tem agrotóxico, tudo é limpinho”, assegura a agricultora.

O quintal bonito e cheio de diversidade do casal já recebeu agricultores e agricultoras de várias comunidades de Quixeramobim, que através do intercâmbio puderam ouvir e ver com os próprios olhos as inúmeras possibilidades de cultivar a terra de forma saudável, sem a utilização de agrotóxicos.

A reforma da casa, o computador, nenhuma dívida, conquistas que a família alcançou e ainda está alcançado através do quintal produtivo. Os pássaros cantam ao redor da casa que para dona Gorete é o seu paraíso na terra e ela confirma que é um paraíso através do canto dos passarinhos que encontram no quintal de dona Gorete um lugar de bem-viver: “Ao meio-dia, se você fosse dormir sentada aqui debaixo com a cantarola dos passarinhos, as sombras, as coisas, as comidas que tem pra eles, tem pra gente e pros bichos”. A família não é pequena, uma das filhas do casal tem sete filhos e para alimentar todas essas bocas, contando com a boca dos passarinhos, só um quintal diverso mesmo. Seu Luís se orgulha em dizer que também está trabalhando no quintal da filha, cultivando e cuidando para que no futuro os netos possam colher os frutos.

Dona Gorete é presidente da Associação da Comunidade de Lagoa Nova e espera conseguir no seu mandato mais cisternas de 16.000 litros para as famílias da região. No ano passado, o casal doava a água que tinha para outras famílias e quando menos percebeu o seu Luís estava indo buscar água de bicicleta. O agricultor percorria uma distância de 5km para não faltar água para a família.

A família de seu Luís e dona Gorete nunca vai ao posto de saúde da comunidade, até o médico pergunta por que a agricultora não vai ao posto aferir a pressão. Não vai porque não precisa, a alimentação à base de frutas, verduras e sem veneno garante a saúde de toda a família.

“É a promessa de vida no teu coração”A fé que o casal de agricultores deposita no que fazem inspiram a todos que estão ao seu

redor. Eles também foram inspirados por outros agricultores/as. Em um intercâmbio, dona Gorete viu uma produção de uva e ficou encantada. Antes ela dava ouvidos às pessoas que diziam que semente de uva e de maçã não vingavam no Semiárido. “Eu vou saber que nasce quando eu plantar, plantei e nasceu”, conta a agricultora. “Digo pra qualquer um, não tem vida melhordo que ter tudo que você precisa em casa. No dia emque você tiver um quintal com tudo que você precisa, você vai dizer que não quer outra vida porque quando você quer um pimentão, vai buscar no pé, o bichinho, bem fresquinho”, enfatiza dona Gorete.

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