dor e saúde mental

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III © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA São Paulo • Rio de Janeiro • Ribeirão Preto • Belo Horizonte Editores JOÃO AUGUSTO BERTUOL FIGUEIRÓ Médico Psicoterapeuta GILDO ANGELOTTI Psicólogo Clínico. Professor de Psicologia Comportamental da Universidade São Marcos. Professor Convidado da Especialização em Medicina Comportamental pelo Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, e do Curso de Extensão em Terapia Cognitivo-comportamental do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Diretor Clínico do Instituto de Neurociência e Comportamento de São Paulo. CIBELE ANDRUCIOLI DE MATTOS PIMENTA Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Livre-docente do Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, USP. DOR SAÚDE MENTAL e

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O objetivo desta publicação é reunir conhecimentos atualizados da Psiquiatria, da Psicologia e da Enfermagem em um único volume que propicie ao leitor as informações necessárias ao aprimoramento da assistência a esse enorme contingente de pacientes portadores de condições dolorosas crônicas, permitindo a redução de muito sofrimento desnecessário. Psicólogos, enfermeiras, médicos e pacientes trabalhando unidos e em sintonia têm, evidentemente, uma chance bem maior de aliviar esse sintoma perturbador e promover uma vida mais digna de ser vivida.

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Page 1: Dor e Saúde Mental

III

© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

São Paulo • Rio de Janeiro • Ribeirão Preto • Belo Horizonte

Editores

JOÃO AUGUSTO BERTUOL FIGUEIRÓ

Médico Psicoterapeuta

GILDO ANGELOTTI

Psicólogo Clínico. Professor de PsicologiaComportamental da Universidade São Marcos.Professor Convidado da Especialização em MedicinaComportamental pelo Departamento de Psicobiologia daUniversidade Federal de São Paulo, UNIFESP, edo Curso de Extensão em Terapia Cognitivo-comportamentaldo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio deJaneiro, UFRJ. Diretor Clínico do Instituto de Neurociência eComportamento de São Paulo.

CIBELE ANDRUCIOLI DE MATTOS PIMENTA

Enfermeira. Doutora em Enfermagem. ProfessoraLivre-docente do Departamento de EnfermagemMédico-cirúrgica da Escola de Enfermagem daUniversidade de São Paulo, USP.

DOR

SAÚDE MENTALe

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IV

© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

EDITORA ATHENEU

PROJETO GRÁFICO/CAPA: Equipe Atheneu

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

1. Dor e saúde mental: Ciências médicas 616.0472

São Paulo — Rua Jesuíno Pascoal, 30Tels.: (11) 3331-9186 • 223-0143 •

222-4199 (R. 25, 28 e 30)Fax: (11) 223-5513E-mail: [email protected]

Rio de Janeiro — Rua Bambina, 74Tel.: (21) 2539-1295Fax: (21) 2538-1284E-mail: [email protected]

Ribeirão Preto — Rua Barão do Amazonas, 1.435Tel.: (16) 636-8950 • 636-5422Fax: (16) 636-3889E-mail: [email protected]

Belo Horizonte — Rua Domingos Vieira, 319 — Conj. 1.104

Dor e saúde mental/editores João Augusto Bertuol Figueiró,Gildo Angelotti, Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta. —São Paulo: Editora Atheneu, 2005.

Vários autores.

1. Dor 2. Dor – Aspectos psicológicos 3. Dor – Enfermagem4. Psiquiatria 5. Saúde mental I. Figueiró, João Augusto Bertuol.II. Angelotti, Gildo. III. Pimenta, Cibele Andrucioli de Mattos.

CDD-616.047204-6099 NLM-WB 176

FIGUEIRÓ, J.A.B.; ANGELOTTI, G.; PIMENTA, C.A.M.Dor e Saúde Mental

©Direitos reservados à EDITORA ATHENEU — São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2005

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V

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Colaboradores

ADRIANA JANZANTTE DUCCI

Enfermeira graduada pela Escola de Enfermagem da USP. Especialista emEnfermagem Oncológica pela UNIFESP.

CRISTINA M. A. BAPTISTA

Professora de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina dePetrópolis. Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social

EICOS/IP/UFRJ. Psicóloga da Clínica de Dor do Hospital Universitário PedroErnesto, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, HUPE/UERJ.

CARLOS LAGANÁ DE ANDRADE

Médico Psiquiatra. Psicanalista. Ex-presidente da Associação Brasileira deMedicina Psicossomática e da Sociedade Brasileira de Hipnose. Coordenador do

Serviço de Hipnoterapia do Serviço de Dor do Hospital das Clínicas da FMUSP.Coordenador do Ambulatório de Psicossomática da Universidade

de Santo Amaro, UNISA. Professor do Curso de Especialização em MedicinaComportamental (Módulo Hipnose e Imunologia) da UNIFESP.

CARMEN LUCIA ALBUQUERQUE SANTANA

Mestre em Psiquiatria pela FMUSP. Coordenadora do Serviço de Arte-terapia doInstituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.

CLAUDIO FERNANDES CORRÊA

Médico Neurocirurgião. Mestre e Doutor em Neurocirurgia pela UniversidadeFederal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, UNIFESP-EPM.

Chefe da Clínica de Dor do Hospital Nove de Julho, São Paulo.

DINÁ DE ALMEIDA LOPES MONTEIRO DA CRUZ

Enfermeira. Professora Livre-docente do Departamento de EnfermagemMédico-cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, USP.

DIRCE NAVAS PERISSINOTTI

Mestre em Ciências pela FMUSP. Psicóloga responsável pelo Serviço de MétodosPsicofisiológicos da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das

Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e pela Liga deAlgias Craniofaciais da Clínica Neurológica da FMUSP. Psicóloga da Clínica de

Dor do Hospital Nove de Julho.

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VI

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EDILAINE G. ROSSETTO

Enfermeira. Professora Mestre do Departamento de Enfermagem da UniversidadeEstadual de Londrina.

FRANCISCO LOTUFO NETO

Psiquiatra. Professor Associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdadede Medicina da USP.

JAMIR JOÃO SARDÁ JÚNIOR

Psicólogo. Professor do Curso de Psicologia da Universidade Vale do Itajaí,UNIVALI. Neurociências, Clínica de Dor.

LORENA CALEFFI

Psiquiatra com Curso de Especialização em Dor. Supervisora do PRODORdo HCPA.

LUCIANA MONTEIRO MENDES MARTINS

Enfermeira. Mestre em Enfermagem na Saúde do Adulto pela Escola deEnfermagem da USP.

LUIS DE MORAES ALTENFELDER SILVA FILHO

Médico Psiquiatra. Diretor do Centro de Reabilitação e Hospital-Dia do Institutode Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo. Encarregado do Hospital-Dia do Serviço dePsiquiatria do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira.

MARA SOLANGE GOMES DELLAROZA

Enfermeira. Professora Mestre do Departamento de Enfermagem da UniversidadeEstadual de Londrina.

MÁRCIA PAVAN DE ANDRADE

Médica Anestesiologista da Equipe de Controle de Dor da Disciplina deAnestesiologia do HC-FMUSP. Doutorado em Ciências pela Faculdade de

Medicina da USP. Título Superior em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira deAnestesiologia (SBA). Certificado de Atuação na Área de Dor pela AMB.Membro da Diretoria da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED)

(Gestão 2002-2004).

MARIA CLARA G. D. KRELING

Enfermeira. Professora Mestre do Departamento de Enfermagem da UniversidadeEstadual de Londrina.

MARIA CRISTINA DOTTO

Psicóloga Clínica. Diretora Técnica do Instituto de Neurociência eComportamento de São Paulo. Professora da Faculdade de Psicologia da

Universidade de Santo Amaro, UNISA.

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VII

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MARIA DE LOURDES BELDI DE ALCÂNTARA

Antropóloga. Doutora pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora doLaboratório de Estudos do Imaginário (LABI), Departamento de Psicologia daAprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade (PSA) do Instituto dePsicologia da Universidade de São Paulo. Membro e fundadora do Núcleo deEstudo Interdisciplinar do Imaginário e Memória da Universidade de São Paulo,

NIME-USP. Membro do Conselho Editorial e Editora da Revista Imaginário.

MARILDA EMMANUEL NOVAES LIPP

Psicóloga Clínica. Professora Titular da PUC-Campinas. Diretora do Laboratóriode Estudos Psicofisiológicos do Stress. Diretora do Centro Psicológico de

Controle do Stress.

NAIR DE OLIVEIRA PONTES LAGANÁ DE ANDRADE

Psicóloga Clínica. Psicoterapeuta. Hipnoterapeuta. Psicanalista. Psicossomatista.

NELSON FRANCISCO ANNUNCIATO

Professor Doutor pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidadede São Paulo, USP, e pela Universidade Médica de Lübeck (Alemanha).

Pós-doutorado em Programas de Reabilitação Neurológica, “Kinderzentrum”,Munique, Alemanha.

RUTH EBEL

Psicóloga e terapeuta corporal (Método Feldenkrais). Especializanda emPsicologia Médica, HUPE/UERJ.

ROBERTO MORAES CRUZ

Psicólogo Clínico. Professor do Departamento de Psicologiada Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC.

RODOLFO ARGÜELES

Psicólogo Clínico. Vice-diretor do Curso de Psicologia daUniversidade de Santo Amaro, UNISA.

ROGÉRIO WOLF DE AGUIAR

Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. Coordenador do PRODOR— Programa de Estudos sobre os Aspectos Psiquiátricos da Dor do Hospital das

Clínicas de Porto Alegre, HCPA.

ROSA BRONER WORCMAN

Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.Professora Supervisora do Curso de Especialização. Latu Sensu,

da Psicoterapia Psicoanalítica da USP.

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VIII

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SANDRA FORTES

Psiquiatra. Professora Assistente de Psicologia Médica da FCM/UERJ.Supervisora do Estágio de Psicologia Médica na Clínica de Dor do HUPE/UERJ.

SÉRGIO HENRIQUES

Médico Psiquiatra. Pós-graduando do Departamento de Psiquiatriada Faculdade de Medicina da USP.

SÉRGIO JACQUES JABLONSKI

Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, UNIDAVI eASSELVI. Professor de Pós-graduação do ICPG.

TÂNIA CORRÊA DE TOLEDO FERRAZ ALVES

Médica Psiquiatra. Mestre em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria daFaculdade de Medicina da USP.

VALBERTO DE OLIVEIRA CAVALCANTE

Especialista em Anestesiologia e Dor pela AMB/SBA. Membro da Clínica de Dordo Hospital Nove de Julho.

YUAN-PANG WANG

Doutor em Psiquiatria pela FMUSP. Médico Assistente do Instituto de Psiquiatriado Hospital das Clínicas da FMUSP. Professor Titular da Faculdade de Medicina

de Santo Amaro, UNISA.

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Prefácio

Há pouco mais de uma década, o interesse no Brasil da Psiquiatria, da Psicologia e daEnfermagem pela dor era bastante limitado, o número de publicações exíguo e aquantidade de profissionais destas áreas envolvidos na prática com o ensino e assistênciaera ainda muito pequena. No Brasil, como em outros países, mesmo naquelesconsiderados desenvolvidos, o conhecimento sobre dor e analgesia entre os profissionaisde saúde é escasso, tornando sua avaliação e seu controle bastante insatisfatórios.Felizmente, em decorrência da iniciativa de uns poucos, entre os quais nos incluímos,essa preocupação em nosso país cresceu e hoje podemos contar com um númerorazoável de interessados, muitas pesquisas, teses, artigos, publicações, cursos e inclusãodo tema no currículo de vários níveis de formação profissional com seus reflexos óbviosna assistência – fim necessário de nossas preocupações.

A dor representa um importante problema de saúde pública em decorrência da elevadaprevalência, dos altos custos para a comunidade e de ser a razão predominante deprocura do sistema de saúde. Dramático flagelo para o homem desde os mais remotostempos é a forma mais disseminada de stress humano e o sintoma físico maispropagado. As inevitáveis incapacidades, déficits e prejuízos sociais, funcionais eeconômicos associados às freqüentes alterações psicológicas e mentais fazem dascondições dolorosas um foco obrigatório das atenções dos profissionais de saúdeenvolvidos com a área mental e da enfermagem e um grande desafio assistencial aindapor ser vencido.

É intrínseca à vivência dolorosa a confluência entre os aspectos biológicos e emocionaiscom os relacionados à cognição. A dor crônica é um processo psicológico comcomponentes afetivos, cognitivos, motivacionais, interpretativos e somáticos. Envolve oindivíduo, sua família, os acompanhantes significativos e mesmo a equipe de saúde queo atende. É difícil fazer uma avaliação adequada do enorme sofrimento humano envolvidocom esse sintoma tão comum. Desse modo, a abordagem da pessoa com dor deveenvolver, no mínimo, três dimensões básicas: a assistência médica tradicional, areabilitação física e a recuperação e reintegração psicossocial. Seu caráter complexo esuas repercussões socioeconômicas justificam a necessidade de assistênciaespecializada e a organização de unidades multiprofissionais dedicadas especificamenteao seu tratamento, nas quais a atuação dos profissionais da área de saúde mental e daenfermagem é sempre muito relevante.

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As antigas visões dicotômicas – somático ou psíquico – em relação à dor se mostraram,nas últimas décadas, incompletas e inadequadas. Não há dúvidas de que fatores físicoscontribuem para os sintomas dolorosos e que fatores psíquicos também têm umaimportante contribuição na percepção, na interpretação, nas reações e no relato dessessintomas. Desse modo, os cuidados com os aspectos somáticos e psíquicos devem serassociados para que se alcance o alívio e a melhora da dor, bem como a promoção dareintegração funcional e a reabilitação física, psíquica e ocupacional propiciando aospacientes os melhores recursos existentes na atualidade. Entretanto, ainda faltava nanossa literatura uma publicação que cobrisse em profundidade as diferentespossibilidades de intervenções psicológicas e educativas e fornecesse informaçõesclínicas práticas relativas às diversas modalidades de tratamentos úteis aos pacientessofredores de dores crônicas. O livro Dor e Saúde Mental surge desse modo, dapercepção dos autores de que a literatura nacional sobre o tema ainda é pequena,embora nos quadros dolorosos crônicos os aspectos psicossociais sejam absolutamentefundamentais.

Apesar de a comunidade científica reconhecer esses fatos, a difusão de conhecimentose o uso de intervenções psicossociais para o tratamento das dores são ainda muitoreduzidos. Há muito a aprender, testar e aperfeiçoar nessa área, e esperamos que Dor e

Saúde Mental seja útil aos nossos leitores, e, em última instância, aos muitos pacientes.Os profissionais de saúde mental certamente devem ter um papel mais ativo no cuidadodesses pacientes, os quais também devem abandonar a habitual postura passiva dereceptores de intervenções terapêuticas oferecidas pela equipe de saúde e adotar umapostura bem mais ativa em seu tratamento. Avanços recentes no tratamento da dorcrônica incluem o diagnóstico e o tratamento da comorbidade psicológica, a aplicaçãode tratamentos psicológicos primariamente para a dor crônica e o desenvolvimento deesforços multiprofissionais para oferecer cuidados de saúde abrangentes, integrais eintegrados.

O objetivo desta publicação é reunir conhecimentos atualizados da Psiquiatria, daPsicologia e da Enfermagem em um único volume que propicie ao leitor as informaçõesnecessárias ao aprimoramento da assistência a esse enorme contingente de pacientesportadores de condições dolorosas crônicas, permitindo a redução de muito sofrimentodesnecessário. Psicólogos, enfermeiras, médicos e pacientes trabalhando unidos e emsintonia têm, evidentemente, uma chance bem maior de aliviar esse sintoma perturbadore promover uma vida mais digna de ser vivida.

Evidentemente, muitos outros aspectos também importantes não foram contemplados napresente publicação. Privilegiamos aqueles mais relevantes e/ou aquelas áreas em quepudemos encontrar profissionais com experiência no assunto e com disponibilidade pararedigir. Pretendemos, em futuras edições, incluir esses tópicos. Certos de que esta seráuma primeira edição, nossa expectativa é de que possamos no futuro perceber aslimitações que o tempo e as circunstâncias impuseram a este trabalho e lançarmos futurasre-edições e novas publicações.

O livro Dor e Saúde Mental está dividido em três partes: na primeira estão agrupados osaspectos relacionados à epidemiologia, fisiopatologia da dor e fisiologia da emoção,bases do tratamento e avaliação da experiência dolorosa. A segunda parte reúne temas

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diretamente afeitos ao aspecto cognitivo da dor como Dor e Cultura; Dor, Sexo e Gêneroe Dor e Religião. No último agrupamento estão apresentados diversos modelos e métodosde intervenção de natureza psíquica e educativa, a partir de diferentes linhas teóricas, úteisno controle da dor crônica.

Esta obra só foi possível pela generosidade dos diversos colaboradores que aceitaramdescrever sua experiência e reflexões. Escrever não é fácil e nem rápido. Rever a literatura,selecionar os aspectos que serão analisados, organizar as idéias e compor o textoconsome muito tempo, freqüentemente aquele destinado ao lazer e à família. Oscolaboradores foram selecionados em decorrência de suas contribuições clínicas eacadêmicas na área e aceitaram o desafio de escrever capítulos dirigidos aos profissionaisque atuam na clínica e carecem de informações sobre as formas mais eficazes e métodosempiricamente bem documentados de tratamento da dor que possam ser aplicados nocotidiano. Tivemos a felicidade de contar com um seleto grupo de colaboradores,escolhidos de acordo com a sua especialização acadêmica, especialidade clínica e peloreconhecido valor profissional na sua área de atuação que, de forma diligente, dedicaram-se com muito carinho ao desafio proposto. Isso resultou em maravilhosas e atuaiscontribuições que podem agora ser “degustadas” na presente publicação. Somosprofundamente gratos ao seu esforço e à seriedade com que se dedicaram a esta tarefa,bem como à paciência requerida para as freqüentes revisões e mudanças solicitadas peloseditores. Assim, nossos mais sinceros e profundos agradecimentos a todos que,entendendo a relevância da proposta, colaboraram conosco sacrificando seu preciosotempo em benefício da difusão do conhecimento e da comunidade.

Nossos agradecimentos também à Editora Atheneu na pessoa de seu diretor-médico,nosso querido amigo, Dr. Paulo Rzezinski, por sinal psiquiatra, sempre muito atento àsquestões mentais em nosso meio, fato facilmente verificável através do grande númerode publicações de sua editora nesta área. A Editora teve, mais uma vez, a sensibilidadede eleger para publicação um tema que nos tem sido tão caro e nos tem absorvidoprofundamente nos últimos anos, permitindo dessa forma a maior difusão desseconhecimento atualizado em todo o território nacional. Estendemos nossa gratidão àSuzana Venetianer, Alexandre Massa e Milena Viana, todos também da “Atheneu”, cujoconstante empenho e dedicação os tornaram valiosos parceiros em nosso trabalhoeditorial. Seus auxílios na organização desta obra foram muito importantes e, assim,desejamos que ela possa ser consultada por profissionais da saúde de diferentes áreas,de modo que os aspectos psíquicos da dor sejam mais bem compreendidos por todos.Esperamos que este livro traga importantes contribuições a todos os profissionais queatuem no atendimento clínico de pacientes com dor, reduza a lacuna existente entre aabordagem dos aspectos somáticos e psicológicos da assistência em nosso meio, possaser sugerido pelos professores das diferentes faculdades da área da saúde e que, nofinal, resulte em benefício aos muitos pacientes que, em diferentes regiões do país,aguardam e anseiam por uma assistência mais humana e adequada.

João Augusto Bertuol Figueiró

E-mail: [email protected]

Gildo Angelotti

E-mail: [email protected]

Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta

E-mail: [email protected]

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Sumário

PARTE 1 — ASPECTOS GERAIS DA DOR

1 Epidemiologia da Dor, 3Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta

Diná de Almeida Lopes Monteiro da Cruz

Edilaine G. Rosseto

Mara Solange Gomes Dellaroza

Maria Clara G. D. Kreling

2 Fisiopatologia da Dor, 23Valberto de Oliveira Cavalcante

3 Fisiologia da Emoção na Dor, 33Nelson Francisco Annunciato

4 Princípios do Tratamento da Dor, 41Claudio Fernandes Corrêa

Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta

5 Avaliação Psicológica da Dor, 51Gildo Angelotti

Jamir João Sardá Júnior

PARTE 2 — ASPECTOS SOCIOCULTURAIS

6 Dor e Cultura, 69Francisco Lotufo Neto

Carmen Lucia Albuquerque Santana

Yuan-Pang Wang

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7 Gênero e Dor, 79Márcia Pavan de Andrade

8 Religião e Dor (Crenças e sua Relação com a Dor), 85Luis de Moraes Altenfelder Silva Filho

Maria de Lourdes Beldi de Alcântara

PARTE III — TRATAMENTOS PSÍQUICOS

9 Psicoterapias: Indicação, Modalidades e Tratamentopara Doentes com Dor, 93Dirce Navas Perissinotti

João Augusto Bertuol Figueiró

10 Assim Caminha a Humanidade, 105Rosa Broner Worcman

11 Psicossomática, 111Carlos Laganá de Andrade

Nair de Oliveira Pontes Laganá de Andrade

12 A Relação Stress-Dor e o Uso do Relaxamentocomo Terapêutica Coadjuvante, 123Marilda Emmanuel Novaes Lipp

13 Hipnose e Dor, 131Gildo Angelotti

João Augusto Bertuol Figueiró

14 Programas Educativos Junto a Pacientes com Dor, 139Luciana Monteiro Mendes Martins

Adriana Janzantte Ducci

Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta

15 Tratamento Cognitivo-comportamental da Dor, 147Gildo Angelotti

Maria Cristina Dotto

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XV

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16 Sobre o Método de Biofeedback e sua Utilizaçãoem Doentes com Dor, 159Dirce Navas Perissinotti

17 Grupoterapia e Dor Crônica, 167Cristina M. A. Baptista

Ruth Ebel

Sandra Fortes

18 Aspectos Psicológicos da Dor, 181Rodolfo Argüeles

19 Dor Crônica e Déficits de Memória:Uma Abordagem Neurocognitiva, 187Jamir João Sardá Júnior

Roberto Moraes Cruz

Sérgio Jacques Jablonski

20 Psicofármacos e Dor, 197Sérgio Henriques

Tânia Corrêa de Toledo Ferraz Alves

21 Depressão e Dor Crônica, 203Rogério Wolf de Aguiar

Lorena Caleffi

Índice Remissivo, 209

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CAP›TULO 1 1© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Aspectos Geraisda Dor

1PARTE

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CAP›TULO 1 3© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

1CAPÍTULO

Epidemiologia da Dor

CIBELE ANDRUCIOLI DE MATTOS PIMENTA

DINÁ DE ALMEIDA LOPES MONTEIRO DA CRUZ

EDILAINE G. ROSSETTO

MARA SOLANGE GOMES DELLAROZA

MARIA CLARA G. D. KRELING

DOR CRÔNICA: PROBLEMA

DE SAÚDE PÚBLICA

A Epidemiologia conquistou uma posição es-sencial no meio científico por se encontrar qua-se sempre presente, de modo implícito ouexplícito, subsidiando as práticas de saúde. En-tende-se por Epidemiologia a disciplina que es-tuda a ocorrência e a distribuição de um fenômenoem um conjunto de pessoas, e procura os fatoresdeterminantes dessa distribuição encontrada, como intuito de preveni-los ou controlá-los44.

Didaticamente, Dever31 diferencia três princi-pais finalidades para a epidemiologia: etiológica,a que estuda a causalidade e o risco de doença;clínica, a que estuda a prevalência, a etiologia e oprognóstico; e a administrativa, que fornece osdados necessários para a administração e o pla-nejamento dos serviços de saúde, subsidiando atomada de decisão e avaliação. Por meio dosestudos epidemiológicos os administradores desaúde podem identificar quais doenças são asde maior importância em sua população e deter-minar prioridades, planejar, executar e avaliar pro-jetos nos serviços de saúde.

A dor crônica como uma doença, e não umsintoma, é considerada um problema de saúdepública e acarreta sérios prejuízos pessoais esocioeconômicos104. Urge a necessidade de di-

mensionar sua magnitude e mensurar seu custopara a sociedade; analisar as alterações nas re-lações interpessoais, a restrição dos papéis so-ciais, a limitação nas atividades de trabalho, naconvivência familiar e na vida social, visando ca-racterizar a demanda por ações de saúde.

O Nuprin Pain Report, estudo conduzido nosEstados Unidos, estimou que 500 milhões de diasde trabalho foram perdidos devido à dor, entre osindivíduos empregados92. Outro estudo america-no apontou a dor lombar como a causa de perdade 1.400 dias de trabalho por 1.000 habitantespor ano, o que demonstra ser um problema dealto custo médico e social.

Nos Estados Unidos, o custo da dor crônicafoi estimado em 40 bilhões de dólares por ano7.Na Europa, a dor crônica é a causa mais freqüen-te de limitação em pessoas com menos de 45anos e a segunda causa de consulta médica.Classificada como o maior problema de saúde,foi estimado que 25% a 30% da população dospaíses industrializados têm dor crônica87. Na Ho-landa, são registrados 10.000 casos novos, acada ano, de pacientes incapacitados para o tra-balho pela dor58.

Em trabalho de Kareholt47 as conseqüênciassociais da dor crônica e a importância de medi-das para seu controle e tratamento foram demons-tradas por meio do risco relativo de mortalidade

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4 CAP›TULO 1© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

relacionado à ocorrência de dor crônica. Nas do-res intensas de tórax, reto, abdômen e membrosinferiores, o risco relativo aumenta em 59%, 23%e 34%, respectivamente, comparado ao risco depessoas sem dor.

Nos adultos, apesar de insuficiente, dispõem-se algumas estimativas sobre o impacto da dorno indivíduo5,8,60,86. Em crianças, vários autoresbrasileiros referem ser a dor recorrente de alta fre-qüência nos consultórios e serviços de saúde,mas pouca informação foi encontrada no que serefere às conseqüências das dores crônicas re-correntes, os prejuízos às atividades escolares ede lazer, os desarranjos familiares e o custo parao sistema de saúde, razão pela qual a conside-ram um grande problema. Os conhecimentos defisiopatologia clínica e exames complementaressão freqüentemente necessários para convencere tranqüilizar a criança, seus familiares e o pró-prio profissional de saúde sobre a natureza doquadro, dada a baixa porcentagem de origemorgânica identificável. Nesses casos, é preocu-pante o alto custo das investigações e incerta suautilidade na resolução do problema.

ANÁLISE DE ESTUDOS

EPIDEMIOLÓGICOS SOBRE DOR

Com o objetivo de caracterizar a incidência ea prevalência de dor crônica na população, foirealizada uma revisão bibliográfica dos trabalhosepidemiológicos publicados até o ano de 1999.Nesse trabalho, Rosseto e cols.81 optaram pelaexclusão dos estudos epidemiológicos que inves-tigaram populações clínicas ou especiais. Popu-lações clínicas ou especiais podem ser definidascomo grupos de pacientes que estejam receben-do atenção médica por qualquer razão. Essa po-pulação é indicada para estudos que procuramavaliar o manejo da dor e a melhor compreensãoda dor nas várias condições clínicas, mas podemter características que inviabilizam generalizaçõespara a população em geral. Portanto, não são ade-quadas para determinar a incidência e a preva-lência de dor crônica na população em geral.

Os estudos realizados apresentam algumascaracterísticas que dificultam a comparação en-tre eles. As limitações metodológicas mais co-mumente encontradas são: a diversificação ounão explicitação dos critérios utilizados para adefinição, classificação e caracterização da dor;a seleção inadequada de populações para inves-tigações epidemiológicas, muitas vezes centra-

das em serviços de saúde; as técnicas de amos-tragem não representativas e, muitas vezes, nãoespecificadas; o predomínio de pesquisas em qua-dros álgicos especificados por local, e não dor emgeral; e a própria subjetividade inerente à dor.

Estudos epidemiológicos sobre dor nuncaserão tarefa fácil, pois é necessário unir o rigormetodológico da pesquisa ao respeito incondi-cional à subjetividade da dor.

Nas Tabelas 1.1 a 1.12 estão sintetizados al-guns aspectos sobre o método e os principaisresultados obtidos em estudos sobre a prevalên-cia de dor em crianças, adultos e idosos.

A presente revisão permitiu a compreensãode que a epidemiologia da dor crônica em crian-ças, adultos e idosos é insuficientemente conhe-cida no mundo e, em especial, no Brasil.

Teixeira e cols.97 realizaram um grande estudoatravés de entrevistas com doentes com dor, mé-dicos e profissionais de farmácia e enfermagem,com o objetivo de avaliar o conhecimento e cren-ças sobre dor em vários Estados do Brasil. Combase nessas considerações, nas evidências de quea dor crônica pode gerar incapacidades e na pou-ca disponibilidade de dados epidemiológicos deprevalência de dor crônica não especificada porlocal e em populações não vinculadas a serviçosde saúde, foi realizado o primeiro estudo brasileiroepidemiológico em população não vinculadas aserviços de saúde, que determinou a prevalênciade dor em crianças, adultos e idosos.

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO BRASILEIRO

Método e Casuística

A pesquisa foi realizada na cidade de Londri-na, ao Norte do Estado do Paraná, com, aproxi-madamente, 493.330 habitantes (IBGE, 2000).Antes da coleta de dados, o projeto foi submeti-do à avaliação e aprovação do comitê de Éticado Hospital Universitário Regional do Norte doParaná. O parecer foi favorável à realização dapesquisa, uma vez que cumpria os princípios docódigo de ética em pesquisa.

A coleta de dados ocorreu no período deagosto de1999 a janeiro de 2000, por meio deentrevistas realizadas por alunos de graduaçãoespecialmente treinados para esse fim. Para oestudo das crianças e adolescentes, efetuou-sea coleta de dados em escolas públicas e priva-das, por serem locais de maior concentração decrianças e representar diferentes estratos socio-econômicos. A população deste estudo foram

Page 18: Dor e Saúde Mental

CAP›TULO 1 5© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Tabela 1.1Dores M­ltiplas em Crian˘as e Adolescentes

Estudos de Múltiplas População Tempo de Ocorrência Método de Coleta Resultados Análise CríticaDores Recorrentes Estudada da Dor de Dados

Oster (1972)72 2.178 escolares Nıo especificado Exame clˇnico, 16,8% abd. recorrente Estudo longitudinal de oitoDinamarca 6 a 17 anos entrevista anual 20,6% cefal˚ia anos. Pesquisou faixa etÛria

com as crian˘as e 15,5% dor do crescimento com grande amplitude e sequestionÛrio para restringiu a uma ­nica escola.os pais Nıo especificou os crit˚rios

para diferentes tipos de dor.

Mikkelson e cols. 1.756 escolares Îltimos tr¸s meses QuestionÛrios Pelo menos Pesquisou a persist¸ncia da(1997)63 9 a 12 anos preenchidos pelas 1x/semana: dor semanal por um ano.Finl�ndia crian˘as 52,4% qualquer local Relacionou a dor com

30,5% cefal˚ia incapacidade causada na7,5% dor crian˘a. O questionÛrio foimusculoesquel˚tica submetido a testes de validade24,8% dor nos membros e confiabilidade. M˚todo12,7% dor na reg. dorsal detalhado e amostragem5,5% dor cervical representativa por idade.4,25% dor lombar

KristjÛnsdðttir (1997)53 2.193 escolares Nıo especificativo QuestionÛrio para 78,2% alguma dor M˚todo cuidadosamenteIsl�ndia da reg. urbana e Freq•¸ncia: crian˘as (mensal) detalhado, com amostragem de

rural semanalmente 40,4% alguma dor representatividade nacional.11 a 12 anos /mensalmente (semanal) Objetivo de pesquisar a15 a 16 anos Semanalmente: associa˘ıo entre os diferentes

15,5% cefal˚ia tipos de dor, mais do que a9,0% dor de estÞmago preval¸ncia de cada uma20,1% dor reg. dorsal delas. Nıo especificou os35,7% dores associadas crit˚rios para diferentes tipos

de dor.

Tabela 1. 2Dores Especˇficas em Crian˘as e em Adolescentes

Estudos de População Tempo de Ocorrência Método de Coleta Resultados Análise CríticaDor Abdominal Estudada da Dor de DadosRecorrente

Apley e Naish (1958)6 1.000 escolares Pelo menos 3 episðdios Entrevista com 12,3% (F) O m˚todo nıo foi bemInglaterra 3 a 15 anos em 3 meses durante mıes e crian˘as + 9,5% (M) detalhado, nem a propor˘ıo

o ­ltimo ano exame da idade.

Faull e Nicol (1986)33 494 escolares da Pelo menos 3 episðdios QuestionÛrio postal 26,9% (fem.) Partiu de uma popula˘ıo muitoPaˇs de Gales regiıo urbana de dor em 3 meses e entrevista com os 24,5% (masc.) restrita e estudou somente os

5 a 6 anos no ­ltimo ano pais e professores que tinham dor.

Mortimer e cols. 1.083 crian˘as Pelo menos 3 crises Convoca˘ıo postal 8,4% dor abdominal A associa˘ıo da dor com a(1993)64 da popula˘ıo de dor num perˇodo e telefÞnica para 2,4% migr�nea presen˘a de sinais e sintomasReino Unido em geral urbana mˇnimo de 3 meses os pais e entrevista abdominal foram considerados como

3 a 11 anos no ­ltimo ano pessoal com pais crit˚rios para classifica˘ıo ee crian˘as defini˘ıo da dor.

Abu-Arafeh e Russel 1.754 escolares Pelo menos 2 QuestionÛrio e 7,9% dor abdominal Foram bastante criteriosos na(1995)1 5 a 15 anos episðdios de dor de screening, intensa pelo menos 2x defini˘ıo da dor. O m˚todo foiAberdeen cabe˘a e/ou dor Entrevista de pais 4,1% migr�nea apropriado e detalhadamente

abdominal no ­ltimo e crian˘as + abdominal descrito. Os dados foramano exame clˇnico comparados com grupo

controle.

KristjÛnsdðttir (1996)51 2.161 escolares Nıo especificou QuestionÛrios para 6,7% dor no estÞmago Restringiu a faixa etÛriaIsl�ndia 11 a 12 anos crian˘as mais de 1x/semana pesquisada.

15 a 16 anos 18,4% dor no estÞmago M˚todo bem detalhado.semanalmente Os crit˚rios para definir a dor53,4% dor de estÞmago foram o local e a freq•¸ncia.independentemente dafreq•¸ncia

10,8%

25,7%}

}

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Tabela 1. 3Dores Especˇficas em Crian˘as e em Adolescentes

Estudos de Dor População Tempo de Ocorrência Método de Coleta Resultados Análise Críticanos Membros Estudada da Dor de Dados

Naish e Apley 791 crian˘as Dores diariamente num Entrevista com 4,2% Nıo especificou que tipo de(1951)67 perˇodo de pelo menos Crian˘as ìDor do crescimentoî popula˘ıo e amostragemInglaterra tr¸s meses utilizou, nem os crit˚rios para

a especifica˘ıo da dor.

Brenning (1960)23 257 escolares Nıo especificou Questionava os 13,6% (6 a 7 anos) Nıo detalhou a amostragem eSu˚cia (6 a 7 anos) responsÛveis no 19,8% (10 a 11 anos) o m˚todo de coleta de dados,

419 escolares exame anual nıo utilizou crit˚rio algum para(10 a 11 anos) rotineiro a classifica˘ıo da dor. Estudou

a ocorr¸ncia de dor tamb˚mnos pais.

Oster e Nielsen 2.178 escolares Nıo especificou Questionava os 15,5% A amostragem e o m˚todo nıo(1972)72 urbanos e rurais escolares durante ìDor do crescimentoî foram bem detalhados.Dinamarca 6 a 19 anos o exame anual de Nıo foram estabelecidos

rotina crit˚rios para a classifica˘ıoda dor.

Abu-Arafeh e Russel 2.165 escolares Pelo menos 2 episðdios QuestionÛrio para 2,6% Foram estabelecidos crit˚rios(1996)3 5 a 15 anos no ­ltimo ano screening Dor em membros rigorosos para defini˘ıo da dorReino Unido panor�mico e em membros.

entrevista clˇnica + Amostragem representativaexame fˇsico (10%) e o m˚todo foi

detalhadamente descrito.

Oberklaid e cols. 1.605 escolares Durante o ­ltimo ano Pais, crian˘as e 11,4% A amostra e o m˚todo de(1997)69 8 anos professores ìDor do crescimentoî coleta de dados foram bemAustrÛlia responderam ao explicados. Foi constituˇdo um

questionÛrio grupo-controle paracompara˘ıo dos achados.VÛrios fatores emocionais ecomportamentais foramestudados.

67.457 crianças, entre 7 e 14 anos, matriculadasnas escolas, o que representava, em 1999, apro-ximadamente, 95% da população urbana infantilresidente no município de Londrina, consideran-do-se essa faixa etária.

Para o sorteio dos escolares que fizeram par-te da amostra, utilizou-se a técnica de amostra-gem probabilista estratificada com partilhaproporcional por faixa etária, totalizando 915 cri-anças e adolescentes80.

O auto-relato foi a opção para a forma de in-vestigação da dor neste estudo. Nesse sentido,a faixa etária das crianças escolhida nesta pes-quisa, dos 7 aos 14 anos, é abrangente o sufici-ente para permitir a ocorrência das doresrecorrentes mais comuns na infância e adoles-cência, e, além disso, nessa faixa etária, criançase adolescentes possuem desenvolvimento cog-nitivo compatível com a compreensão do que sejador e capacidade de expressão verbal suficientepara descrevê-la.

Para crianças e adolescentes a dor crônicapesquisada é a recorrente, definida como qual-quer dor prolongada, que dure, no mínimo, trêsmeses, ou qualquer dor que ressurge dentro deum período mínimo de três meses61. As síndro-mes de dores recorrentes são classificadascomo condições crônicas, caracterizadas porum conjunto de sinais e sintomas, em que cri-anças saudáveis alternam períodos livres de-les com a vivência de episódios freqüentes dedor. O episódio doloroso, isoladamente, é decurta duração e, embora não seja contínuo, éforte o suficiente para fazer a criança mudar deatividade. A síndrome de dor recorrente é a quetem duração mais prolongada. Para este estu-do, foram utilizados critérios para síndromes do-lorosas específicas por local. Cada ficha deentrevista de escolar com dor foi avaliada pelaautora que, de acordo com os critérios adota-dos, classificou a queixa álgica como recorren-te ou não.

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questões. A importância dessa homogeneida-de é reforçada por estudos que comprovaramdiminuição na prevalência e intensidade da dorem idosos com prejuízo cognitivo73,88.

Com relação aos adultos, a amostra consti-tuiu 505 funcionários de uma universidade, comidade entre 22 e 69 anos. Por se tratar de traba-lhadores, considera-se baixo o risco de resulta-dos duvidosos relativos à imaturidade ou portadorde alterações cognitivas49.

Para adultos e idosos, considerou-se dorcrônica o relato verbal do indivíduo que sentiador há mais de seis meses num mesmo localdo corpo. Esse critério baseou-se na “Classi-fication of Chronic Pain” que, apesar de acei-tar como dor crônica aquela que dura mais detrês meses, recomenda, para fins de pesqui-sas populacionais, que se considere mais deseis meses como critério para caracterizá-la62.

Os instrumentos utilizados foram especi-almente construídos e validados para cadagrupo pesquisado. Os objetivos dos instru-

Tabela 1. 4Dores Especˇficas em Crian˘as e em Adolescentes

Estudos de Dor na População Tempo de Ocorrência Método de Coleta Resultados Análise CríticaRegião Dorsal Estudada da Dor de Dados

Salminen (1984)85 370 escolares Nıo especificado Entrevista com as 7,6% dor cervical e Associou vÛrios fatores de riscoFinl�ndia 11 a 17 anos crian˘as lombar no seu estudo. Estabeleceu

crit˚rios para defini˘ıo da dor,nıo especificou tempoconsiderado na pesquisa.

Balagu˚ (1988)10 1.715 escolares Nıo especificado QuestionÛrio para 5 a 7% dor lombar Nıo especificou os crit˚riosSu˚cia rural e urbana crian˘as na escola + cervical para defini˘ıo da dor.

7 a 17 anos e pais dos menores 33% dor lombar em Estudou tamb˚m vÛrios fatoresem casa algum momento da vida de risco para dor lombar.

10% associadas Úincapacidade

KristjÛnsdðttir 2.173 escolares Nıo especificado QuestionÛrios para 20,6% dor na regiıo Restringiu a faixa etÛria,(1996)52 rural e urbana crian˘as dorsal semanalmente por˚m diferenciou as ÛreasIsl�ndia 11 a 12 anos 10,7% mais do que urbana e rural pesquisadas.

15 a 16 anos uma vez por semanaou diariamente

Olsen (1992)70 1.242 escolares Alguma vez na vida/no QuestionÛrio para 30,4% algum dia Dados de uma ­nica escolaEUA 11 a 17 anos ­ltimo ano crian˘as 22% no ­ltimo ano urbana, utilizou questionÛrio

10% dor lombar modificado e especificouassociada Ú tempo de grande amplitude.incapacidade Pesquisou incapacidade fˇsica.

Taimela e cols. 1.171 escolares Îltimo ano; que QuestionÛrios 10,1% (M) Amostra nacionalmente(1997)96 urbana e rural interferisse nas para crian˘as, 9,4% (F) representativa (28,8%).Finl�ndia 7 a 16 anos atividades escolares respondidos na M˚todo e anÛlise dos dados

ou de lazer escola ou com a 8,3% dor em regiıo bem detalhados.ajuda dos pais dorsal

} dorlombar

Um estudo em idosos assumiu o conceitode idosos preconizados pela ONU e OMS, e uti-lizado no Brasil, ou seja, pessoas com mais de60 anos. A população de pesquisa constituiu-sede 531 idosos aposentados e da ativa da Prefei-tura Municipal de Londrina. Foram entrevistados451 idosos, o que significou uma perda de14,47%. O método de coleta de dados foi a en-trevista domiciliar e o idoso só era consideradonão localizado após seis tentativas de contatosem êxito29.

Para avaliar as condições cognitivas doidoso, utilizou-se o Miniexame do Estado Men-tal (MEEM) proposto por Folstein e cols.37. Osidosos pesquisados apresentaram escoresmédios do MEEM de 24,88, com médias de24,96 para idosos com dor crônica e 24,28 paraidosos sem dor, fato que reflete a homogenei-dade das condições cognitivas da população.Isso assegura a confiabilidade dos dados ob-tidos, já que deficiências cognitivas importan-tes poderiam interferir na compreensão das

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Tabela 1. 5Dores Especˇficas em Crian˘as e em Adolescentes

Estudos de Dor de População Tempo de ocorrência Método de Coleta Resultados Análise CríticaCabeça Estudada da dor de dados

Vahlquist (1955)102 1.236 crian˘as Pelo menos um Crian˘as e pais 4,5% enxaqueca O m˚todo e amostragem nıoSu˚cia 10 a 12 anos episðdio tˇpico em entrevistados foram especificados.

qualquer momento Os crit˚rios de enxaquecada vida foram estabelecidos. A origem

da popula˘ıo nıo foidetalhada.

Bille (1962)14 9.059 crian˘as Nıo foi estabelecido Crian˘as 3,9% enxaqueca Amostragem aleatðriaSu˚cia da popula˘ıo entrevistadas 6,8% cefal˚ias probabilista bem detalhada.

em geral urbana freq•entes7 a 15 anos

Dalsgaard 2.027 escolares Nıo foi estabelecido Pais e crian˘as 7,1% enxaqueca T˚cnica de amostragemNielsen e cols. 7 a 18 anos entrevistados em cuidadosamente descrita.(1970)28 diferentes ocasiþes Utilizaram os crit˚rios deDinamarca enxaqueca (Ad Hoc

Committee, de 1962).

Sparks (1978)91 15.785 escolares Nıo foi estabelecido Crian˘as 2,5% (M) 2,9% cefal˚ia M˚todo questionÛvel:Grı-Bretanha 10 a 18 anos entrevistadas 3,3% (F) + enxaqueca cartaz divulgando crit˚rios

para enxaqueca, convidandoos alunos que fizessem oautodiagnðstico para participar.

Deubner (1977)30 600 escolares Îltimo ano Pais e crian˘as 15,5/% (M) 18,8% A extensıo da faixa etÛriaPaˇs de Gales 10 a 20 anos entrevistados em 22,1%(F) enxaqueca pesquisada pode ter interferido

casa na preval¸ncia encontrada;o questionÛrio utilizado foidesenvolvido originalmentepara adultos. Os crit˚riosutilizados foram de Vahlquist.

Silanpˆ ̂(1983)90 3.784 escolares Îltimo ano QuestionÛrio para 17% cefal˚ia As preval¸ncias variaram muitoFinl�ndia 13 anos crian˘as e mıes 14,5% (F) 11,3% de acordo com a freq•¸ncia de

8,1% (M) enxaqueca dor de cabe˘a, que nıo foipreviamente estabelecida.

Sillanpˆ ̂(1983)89 2.921 escolares Îltimos 7 anos QuestionÛrios 9% - cefal˚ia Estudo longitudinal numa dadaFinl�ndia 14 anos preenchidos pelas 6,6% - enxaqueca escola, por acompanhamento

crian˘as clˇnico de todas as crian˘as.

Passchier e Orlebeke 2.286 crian˘as 4 semanas Crian˘as 9-12% (M) Amostragem populacional(1985)74 oriundas da entrevistadas 11% (F) aleatðria e representativa (4%).Holanda popula˘ıo urbana10 a 17 anos

Linet e cols. (1989)57 3.158 A dor de cabe˘a Entrevista 3,8% meninos Utilizaram crit˚rios deUSA adolescentes da mais recente nas telefÞnica em 6,6% meninas enxaqueca modificados da HIS

popula˘ıo em ­ltimas 4 semanas duas etapas (1988) e determinaram asgeral 4,5% meninos preval¸ncias de dor de cabe˘a12 a 17 anos 9,4% meninas de acordo com a freq•¸ncia da

dor. M˚todo detalhadamentedescrito.

Brattb˚rg e Wickman 1.245 escolares Freq•entemente QuestionÛrios 48% de dor de cabe˘a M˚todo detalhadamente(1992) 20 8, 11, 13 e preenchidos pelas 19% de dores definido e amostragemSu˚cia 17 anos crian˘as e pais associadas representativa. Considerou a

(no caso dos dor como sintoma.menores)

KristjÛnsdðttir 2.140 escolares Nıo especificado QuestionÛrio para 51,4% dor de cabe˘a M˚todo e amostragem(1993) 53 11-12 anos crian˘as pelo menos mensalmente detalhadamente descritos.Isl�ndia 15-16 anos 21,9% dor de cabe˘a pelo As preval¸ncias foram

menos semanalmente determinadas de acordo com2,5% quase diariamente a freq•¸ncia da dor.

Faixa etÛria limitada.

Abu-Arafeh e Russel 1.754 escolares Îltimo ano QuestionÛrio para 10,6% enxaqueca M˚todo e amostragem bem(1994)2 5-15 anos crian˘as e pais 4,1% enxaqueca detalhados; crit˚rios paraEscðcia em casa abdominal defini˘ıo de dor bem definidos

(HIS-1988 modificados).

}

}

}

} 10,5%cefal˚ia

}

}

enxaque-ca

Dor decabe˘afreq•ente

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Tabela 1.6Sˇntese de Estudos Epidemiolðgicos sobre Dores M­ltiplas em Adultos

Estudo Origem da População Método de Coleta Critérios de Tempo de Resultado Análise CríticaPopulação Pesquisada de Dados Definição de Dor Ocorrência

Crônica da Dor

Strauss Urbana 265 famˇlias Pesquisa telefÞnica Nıo especificado Duas ­ltimas 19,1% Apesar da palavrae cols. 614 indivˇduos posteriormente semanas reg. lombar: 33% ìfreq•entementeî(1998)95 maiores de questionÛrio cabe˘a e pesco˘o: fazer parte doAustrÛlia 15 anos individual 24% questionÛrio, devido

perna: 22% ao tempo deocorr¸ncia da dor(2 ­ltimas semanas),podemos considerara preval¸ncia paradores aguda e crÞnica.

Brattberg Urbana 827 QuestionÛrio postal Mais de 6 meses Menos de um m¸s 65% - dor aguda Este estudo propicioue cols. 18-84 anos entrevista de um a seis meses e crÞnica a verifica˘ıo da(1989)19 telefÞnica mais de 6 meses 40% - dor crÞnica: preval¸ncia das doresSu˚cia - ombros e aguda e crÞnica

MMSS - 23,2% devido ao tempo de- Lombar - 20,3% ocorr¸ncia de dor- MMII - 20,1% pesquisado.- Pesco˘o - 19,3%

Crook urbana 372 famˇlias: Entrevista telefÞnica Nıo especificado Duas ­ltimas 11% - dor Os resultadose cols. 822 pessoas e pessoal semanas persistente provavelmente foram(1984)27 5% - dor temporÛria influenciados peloCanadÛ tempo de ocorr¸ncia

da dor.

Sternbach Popula˘ıo 1.254 Entrevista Mais de 101 dias No ­ltimo ano A queixa mais A defini˘ıo de dor(1986)92 geral Acima de 18 telefÞnica freq•ente foi crÞnica ˚ bemEstados anos cefal˚ia 73% explˇcita, bem como aUnidos Dor mais comum localiza˘ıo da dor, o

nos ­ltimos 3 que faz com que omeses: articula˘ıo questionÛrio, apesare regiıo lombar de realizado por

telefone, forne˘adados confiÛveis.

James Popula˘ıo 1.498 Entrevista pessoal Nıo especificado No curso da vida 81% com dor O tempo de(1991)46 urbana 18 a 64 anos Local mais comuns ocorr¸ncia utilizado eNova Zel�ndia articula˘þes, dorsal, a nıo especifica˘ıo

cefal˚ia, abdÞmen da dura˘ıo da dorlevam a umapreval¸ncia que podeincluir dor aguda.

Von Korff Popula˘ıo 1.016 QuestionÛrio postal Nıo especificado Îltimos seis meses Regiıo lombar - Amostra significativa,e cols. geral 18 a 75 anos 41% preval¸ncia(1990)104 Cefal˚ia - 26% especificando osEstados Abdominal - 17% locais de dor, por˚mUnidos TorÛcica - 12% nıo especificou os

Facial - 12% crit˚rios de defini˘ıode dor crÞnica.

mentos eram caracterizar a população pes-quisada nos aspectos socioeconômicos e de-mográficos, e obter informações sobre ascaracterísticas da dor vivenciada (intensidade,

local, recorrência, duração, qualidade, perío-do do dia, fatores desencadeantes e fatoresde piora) e descrever o impacto da dor nasatividades de vida diária.

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Tabela 1.7Sˇntese de Estudos Epidemiolðgicos sobre Dores Especˇficas em Adultos

Estudo Origem da Método de Critérios População Tempo de Resultado Análise CríticaPopulação Coleta de Definição Pesquisada Ocorrência

de Dados de Dor da Dor

DOR NO PESCOÿO

Bovim G Geral QuestionÛrio Dura˘ıo mais 9.918 pessoas 1 ano 13,8% Amostrae cols. postal de 6 meses 18-67 anos representativa(1994)18 e crit˚riosNoruega metodolðgicos

definidos.

DOR DE CABEÿA

Nikiforow R, Geral QuestionÛrio Nıo especificado 3.067 1 ano Cefal˚ia Relaciona cefal˚iaHokkanen E, rural e postal 15 e mais anos 73,1% Mulher com outras variÛveis.(1978)68 urbana 57,6% Homem Nıo hÛ dura˘ıoFinl�ndia temporal da cefal˚ia,

o que a diferenciariaentre crÞnica e aguda.

Sachs H Rural QuestionÛrio e Especificado 1.113 pessoas Nıo especificado Cefal˚ia Amostra populacionale cols. avalia˘ıo 0 a mais de 60 25,7/1.000 - homens com faixa etÛria(1985)86 neurolðgica 108,9/1.000 - mulheres ampla, conduta nıoEquador 95,5/1.000 - idosos especificada com

Enxaquecas indivˇduos11/1.000 - homens impossibilitados61,5/1.000 - mulheres de informar.

Idosos57,1/1.000 -mulheres15,5/1.000 -homens

Zhao F Geral (22 Entrevista Especificado 246.812 pessoas Nıo especificado Enxaqueca Amostrae cols. comunida- domiciliar e 4-75 anos 690/100.000 preval¸ncia representativa com(1988)110 des rurais) exame 37/100.000 incid¸ncia ampla faixa etÛria,China neurolðgico conduta nıo

especificada emcasos especiais; nıodetermina o tempo deocorr¸ncia da dor.

Stewart WF Geral QuestionÛrio Especificado 20.468 indivˇduos 1 ano Enxaqueca Crit˚riose cols. postal e 12-80 anos 17,6% - mulher metodolðgicos(1992)93 entrevista 5,7% - homem claros e amostraUSA domiciliar representativa.

Dor nas Crianças e nos Adolescentes

No planejamento da assistência integral àcriança e a sua família devem ser conhecidas assituações de desconforto, ansiedade, prejuízospessoais e econômicos causados pela dor dascrianças, objetivando o melhor nível de saúde ebem-estar dessas famílias. Estudos epidemioló-gicos podem ser o suporte básico para a com-preensão do complexo processo de saúde edoença para o delineamento da assistência quese deseja oferecer à sociedade, provendo de

instrumentos as tomadas de decisões na assis-tência, ensino e pesquisa.

A diversidade e a não-explicitação dos critériosutilizados para definir, classificar e caracterizar ador recorrente são as dificuldades metodológicasmais comumente encontradas, uma vez que inter-fere diretamente na prevalência encontrada. Trata-se do primeiro estudo brasileiro epidemiológicocom cuidados rigorosos com a amostragem e es-tabelecimento de critérios para a definição de dorrecorrente em crianças e adolescentes.

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Tabela 1.8Sˇntese de Estudos Epidemiolðgicos sobre Dores Especˇficas em Adultos

Estudo Origem da População Método de Critérios de Tempo de Resultado Análise CríticaPopulação Pesquisada Coleta de Dados Definição de Dor Ocorrência

da Dor

DOR EM MMII

Gibson TK Geral 4232 adultos Entrevista Dura˘ıo de N ıo 6,6% e 5% Compara a preval¸nciae cols. 15 e + anos domiciliar 4 semanas especificado em popula˘þes de(1996)38 classe econÞmicaPaquistıo diferentes. Apresenta

crit˚rios claros dedefini˘ıo de dor crÞnica,por˚m nıo especificoutempo de ocorr¸ncia dador.

DOR DIFUSA

Croft P Geral 2034 adultos QuestionÛrio Mais do que Îl t imo m¸s 11,2% (os sintomas Amostra significativa,e cols. 18-85 anos postal 3 meses eram associados com crit˚rios de defini˘ıo de(1993)26 326 pessoas queixas somÛticas, dor bem estabelecidos,Norte da acima de depressıo e o m˚todo de coleta deInglaterra 65 anos ansiedade) entre os dados criterioso,

idosos: 16,2% resgatando os nıorespondentes com novoquestionÛrio.

DOR LOMBAR

Nagi SZ Urbana 1135 Entrevista Nıo especificado N ıo 18% Apesar de nıo see cols. 18-64 anos especificado explicitar o crit˚rio de(1973)66 dor crÞnica as palavrasEstados ìfreq•entementeî ouUnidos ìsempreî contribuem

para a caracteriza˘ıoda dor comopersistente.

Walsh K. Urbana e 4502 QuestionÛrio Nıo especificado Algum dia 58,3% Associa˘ıo entre dore cols . rural 20-59 anos postal na vida lombar e incapacidade(1992)106 de idade fˇsica.8 Ûreas ñ Nos ­ltimos 36,1%Inglaterra 12 meses

FRIBROMIALGIA

Wolfe F Urbana 3006 QuestionÛrio Especificado Dor no dia da 2% Amostra significativa,e cols. postal entrevista m˚todo de coleta de(1995)108 entrevista dados minucioso, hÛWichita, RS telefÞnica crit˚rio para a defini˘ıo

entrevista e da dor.exame fˇsico

No trabalho em questão, dos 915 escolaresentrevistados, 263 (28,75%) referiram pelo me-nos uma dor recorrente que atendeu aos critéri-os estabelecidos. Considerando-se que ointervalo de confiança adotado foi de 95%, essaprevalência pode variar entre 25,85% e 31,82%.Na presente pesquisa, a dor de cabeça foi a queapresentou maior prevalência (15,96%), segui-

da da dor nos membros (6,99%) e dor abdomi-nal recorrente (6,78%)80.

Poucos estudos epidemiológicos sobre a pre-valência geral de dor nas crianças foram encon-trados50,63,72 e nenhum inquérito populacionalepidemiológico para dor não-específica por local,anteriormente realizado, utilizou critérios seme-lhantes aos do presente estudo para definir e

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Tabela 1.9Sˇntese de Estudos Epidemiolðgicos sobre Dores M­ltiplas em Idosos ComunitÛrios

Estudo Origem da População Método de Critérios de Tempo de Resultados Análise CríticaPopulação Pesquisada Coleta de Dados Definição de Dor Ocorrência

da Dor

Roy e Idosos 205 pessoas Entrevista N ıo N ıo 70% - pop. geral O estudo nıo encontrouThomas, comunitÛrios mais de 60 telefÞnica especificado especificado 78% - 60 a 69 anos rela˘ıo entre dor e(1987)82, de associa˘ıo anos 68% - 70 a 79 anos incapacidade devido ÚCanadÛ social 64% - 80 a 89 anos origem da popula˘ıo,

71% - 90 e mais nıo especificou crit˚riosde dor e estrat˚giasmetodolðgicas quepodem interferir napreval¸ncia.

Moss, Idosos 200 idosos Entrevista com N ıo 12 meses 37% tinham dor no Atrav˚s de metodologiaLawton e comunitÛrios (falecidos) cuidador especificado antes do ðbito ­ltimo ano de vida adequada, o estudoPlickman, 66% tinham dor no m¸s inclui tanto dor aguda(1991)65, antecedente Ú morte como crÞnica.Filad˚lfia 50% tiveram aumento

da sua dor neste perˇodo

Brattberg, Idosos 537 com 77 e Entrevista com N ıo 1 ano Dores m­ltiplas Um dos poucos estudosParker & muito idosos mais anos idoso e especificado 47% dos idosos com dores m­ltiplas daThorslund, comunitÛrios procurador 46% dos mais idosos popula˘ıo em geral de(1996)21, 73% dor moderada e idosos. Utilizou, al˚m doSu˚cia intensa idoso, o procurador/

cuidador comoinformante.

Helme e Idosos 990 Entrevista Especificado 12 meses 66% em cada grupo Base populacional, comGibson, comunitÛrios mais de 65 pessoal e aguda < 3 meses nıo referiu dor crÞnica crit˚rios metodolðgicos(1997)42, anos exame fˇsico crÞnica > 3 meses 51% de jovens idosos claramente definidos.AustrÛlia 48% de idosos Determina preval¸ncia

55% dos mais idosos de dores agudas ecrÞnicas.

Tabela 1.10Sˇntese de Estudos Epidemiolðgicos sobre Dores M­ltiplas em Idosos Institucionalizados em Londrina, 1999

Estudo População Método de Critérios de Tempo de Resultados Análise CríticaPesquisada Coleta de Dados Definição de Dor Ocorrência da Dor

Roy e 132 QuestionÛrios Nıo especificado Nıo especificado 83% referiram algum Nıo-determina˘ıo deThomas, tipo de dor: crit˚rios metodolðgicos(1986)82, 50% dor leve dificultam compara˘ıo dosCanadÛ 32% dor moderada resultados.

18% dor intensa

TIng e 375 idosos Entrevista + Nıo especificado Nıo especificado 49% tiveram dor T˚cnica de amostragemPhoon, acima de 60 exame fˇsico associada Ú artrite adequada, nıo especificando(1988)100, anos crit˚rios metodolðgicos.Singapore

Parmelee, 758 idosos Entrevista Nıo especificado Nıo especificado 79,9% dor em, no Nıo especifica algunsSmith e mˇnimo, 1 local crit˚rios metodolðgicos.Katz, 46,8% dor em 3 ou Procura relacionar a(1993)73 mais locais ocorr¸ncia da dor com

diferentes nˇveis deincapacidades fˇsica ecognitiva.

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Tabela 1.11Sˇntese de Estudos Epidemiolðgicos sobre Dores Especˇficas em Idosos

Estudo Origem da População Método de Critérios de Tempo de Resultados Análise Críticapopulação Pesquisada Coleta de Dados Definição de Dor Ocorrência

CEFAL⁄IA

Cook, Idosos 3.811 pessoas Entrevista Especificado 1 anos Cefal˚ia Popula˘ıo base(1989)21, comunitÛrios 65 anos e mais 53% mulheres comunitÛria; anÛliseUSA 36% homens dos resultados

relacionado a diversasvariÛveis.

Wang Idosos 1.533 Entrevista + Especificado 1 ano 38% - 1 episðdio cefal˚ia Amostra representativae cols., comunitÛrios 65 anos e mais exame clˇnico 3% - enxaqueca de base populacional.(1997)107, 35% - cefal˚ia tensional M˚todo de coleta deChineses 10% - cefal˚ia dados eficaz.

incapacitante

DOR ABDOMINAL

Kay, Idosos 736 idosos Entrevista Nıo especificado 1 ano 28% - mulheres Amostra representativaJorgensen comunitÛrios 70 anos 17% - homens e m˚todo de coletae Schultz- entrevista. A preval¸nciaLarsen, pode incluir dor aguda.(1992)48,Dinamarca

classificar as síndromes dolorosas recorrentes.As diferenças na prevalência entre os estudos,provavelmente, são explicadas pelas diferençasmetodológicas utilizadas. As prevalências encon-tradas nos outros estudos foram maiores que asobservadas na presente pesquisa. Saliente-seque, no estudo em questão, para serem classifi-cadas como dores recorrentes, as queixas dolo-rosas deveriam atender a um conjunto de critériosespecíficos para cada local e tempo de recorrên-cia da dor de, no mínimo, três meses. Esses cui-dados adotados, provavelmente, contribuírampara o refinamento dos dados de prevalência, fatoque possivelmente justifique as prevalências in-feriores encontradas na presente pesquisa.

Das 297 queixas de dor mencionadas,49,16% localizavam-se na cabeça, 21,55% nosmembros e 20,87% no abdômen. Dores nas re-giões dorsal e torácica anterior foram muito poucofreqüentes (6,06% e 2,36%) na amostra estudada.

Dentre os 263 escolares com dor, 54,75%eram do sexo feminino e 45,25%, do sexo mas-culino, estabelecendo-se uma proporção de 1,2:1menina para menino com dor. Entretanto, essadiferença não foi estatisticamente significativa(p = 0,07), conforme apresentado na Tabela 1.8.Talvez as diferenças estejam relacionadas àsquestões de gênero e devam-se às divergênciasna expressão e percepção da dor, que sofrem in-

fluências de fatores socioculturais. No entanto, es-ses aspectos são controversos e não completa-mente conhecidos.

O presente estudo não encontrou associa-ção entre dor em geral, classe social e escolari-dade do chefe de família, conforme demonstradona Tabela 1.8. Entretanto, encontrou-se prevalên-cia menor de dor nos membros de classes soci-ais mais baixas (D e E) e nenhuma dor nosmembros naquelas crianças cujo chefe da famí-lia tinha pequeno ou nenhum grau de escolarida-de (p = 0,017 e p = 0,004). Não se conhece, atéo momento, algo que justifique esse achado. Va-riáveis socioeconômicas e de educação dos paissão de especial interesse em estudos de saúdeinfantil, uma vez que várias pesquisas realizadasem muitos países mostram diferenças importan-tes nos indicadores de saúde, morbimortalidadeinfantil, utilização dos serviços de saúde e condi-ções socioeconômicas. Investigações mais de-talhadas sobre a associação dor nos membros,escolaridade dos pais e classe socioeconômicadevem ser realizadas. Poucos estudos epidemi-ológicos pesquisaram a associação entre classesocial e dor nos membros, e a maioria não en-controu tal associação23,69.

Assim como na presente pesquisa, vários es-tudos não encontraram associação estatística en-tre a ocorrência das síndromes dolorosas e aspectosrelacionados à organização familiar6,33,56,69,94.

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Tabela 1.12Sˇntese de Estudos Epidemiolðgicos de Dores Musculoesquel˚ticas

Estudo Origem da População Método de Critérios de Tempo de Resultados Análise CríticaPopulação Pesquisada Coleta de Dados Definição de Dor Ocorrência

da Dor

DOR LOMBAR

Lavsky- Popula˘ıo 3.097 Entrevista Nıo especificado 1 ano 23,6% das mulheres AmostragemShulan, rural idosos 18,4% dos homens significativa. Ae cols. tinham dor lombar preval¸ncia pode incluir(1985)54, dor aguda e crÞnica.Towa

DOR MMII

Herr, Idosos zona 3.097 idosos Entrevista Nıo especificado 1 ano 64% dor em MMII Representativa amostraMobily e rural 21% - enquanto de base comunitÛria.Wallace, caminhava Nıo-explicita˘ıo dos(1991)43, 56% - Ú noite e com crit˚rios para definir dorTowa c�imbra crÞnica nıo permite

14% - ao caminhar e Ú assegurar que anoite preval¸ncia nıo inclui

dor aguda.

Benvenutti, Idosos 459 idosos Entrevista Nıo especificado N ıo Dor nos p˚s 31,4% O uso do cuidador comoe cols., comunitÛrios domiciliar com especificado informante pode199512, idoso ou cuidador interferir nos achados.ItÛlia exame clˇnico Nıo hÛ explicita˘ıo dos

crit˚rios de classifica˘ıoda dor entre crÞnica eaguda, e do tempo deocorr¸ncia da dor.

Leveille, Idosas 1.002 idosas Entrevista Especificado 1 ano Dor severa nos Classificae cols., comunitÛrias p˚s 14% criteriosamente a dor e(1998)55, a relaciona com outrasBaltimore variÛveis.

DOR MUSCULOESQUEL⁄TICA (M ÎLTIPLOS LOCAIS)

Bergstr½m Idosos 3.235 idosos Entrevista Nıo especificado N ıo 38% referiram dor em T˚cnica de amostrageme cols., comunitÛrios 70, 75, 78 exame clˇnico especificado regiıo dorsal cuidadosamente(1986)13, anos 40% referiram queixas descrita. NıoSu˚cia em articula˘þes especificado quanto das

57% em m˚dia queixas em articula˘þesqueixaram-se de dor referem-se Ú dor.em vÛrios locais

Woo, Lau Idosos 2.032 idosos QuestionÛrio e Nıo especificado 1 ano 37-41% das mulheres T˚cnica de amostrageme Leune, aposentados acima de 70 entrevista tiveram prejuˇzos nas adequada.(1994)109 anos atividades diÛrias Nıo-defini˘ıo deChina 19-20% dos homens crit˚rios da dor nıo

tiveram prejuˇzos das permite assegurar se aatividades de vida diÛria preval¸ncia nıo inclui

dores agudas.

Rajala Idosos 1.008 idosos QuestionÛrio N ıo 1 ano Local mais freq•ente de Nıo determina ose cols., comunitÛrios > 55 anos postal especificado dor: crit˚rios para defini˘ıo(1995)77, 56,5% a 65,4% de dor da dor. A preval¸nciaFinl�ndia no pesco˘o em pessoas pode incluir dor aguda e

deprimidas crÞnica. Avalia vÛrios35,2% a 45,5% de dor locais de dor e suano pesco˘o em pessoas rela˘ıo comnıo deprimidas incapacidades.

Isacsson Idosos 500 homens QuestionÛrio Especificado 1 ano 15,6% dores cervical e Crit˚rio de dor nıoe cols., comunitÛrios 68 anos entrevista lombar diariamente permita diferenciar dor(1995)45, aguda de crÞnica.Su˚cia Associa dor com

suporte e atividadessociais.

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Outra investigação realizada na presente pes-quisa foi a quem a criança costumava reclamarda dor; em 88% das vezes, a mãe foi a pessoaindicada. Como culturalmente é a mãe quem pres-ta a maior parte dos cuidados na família, essaconcentração na figura materna era um dado es-perado. Na presente pesquisa foi encontrada as-sociação estatisticamente significativa entre dorrecorrente nos escolares e presença de dor nosseus familiares (p = 0,001), isto é, observou-seprevalência maior de dor nos escolares de famili-ares com dor (74,52%) do que em escolares defamiliares sem dor (25,48%). As razões para essaassociação podem ser de ordem cultural e bioló-gica. As crianças observam o comportamento dosadultos e aprendem com eles a lidar com situa-ções de vida, saúde e dor. Adquirem padrões decomo queixar-se, interpretar e lidar com a dor.Podem aprender que a queixa dolorosa é ummodo de adquirir alguns privilégios e vantagens,como evitar situações desagradáveis, executartarefas domésticas ou escolares, receber maioratenção, entre outros. As dores são, também,manifestações do padrão cultural aprendido noambiente familiar e social circundante, e a impor-tância desse aprendizado não pode ser descon-siderada71,72,76.

Alguns autores apontaram a necessidade dese mensurarem os custos e danos causados pelador recorrente à família e à sociedade39. Na pre-sente pesquisa, cerca de 40% das dores levaramos escolares a procurar o médico. As dores quemais levaram as crianças até o médico foram aslocalizadas na cabeça (51,37% das vezes), se-guidas das dores de localização abdominal(38,71%) e nos membros (29,69%). A diferençade assiduidade da procura pelo médico por localde dor foi estatisticamente significativa (p = 0,02),isto é, crianças com dores na cabeça procura-ram ajuda médica com mais freqüência.

Se analisarmos o significado da utilização dosserviços de saúde em uma dimensão mais abran-gente, considerando-se não só a procura pelomédico, mas também os exames, os gastos commedicamentos, horas perdidas de serviço dospais e o stress da família, entre outros, talvez assíndromes dolorosas deixem de ser considera-das pequenos problemas de saúde pública.

Para a mensuração do prejuízo causado pelador, fez-se um levantamento prévio com os esco-lares, por meio de uma questão aberta, sobre asatividades de que mais gostavam. A partir desselevantamento, categorizaram-se as atividadesmais comumente realizadas na vida diária deles,por meio de uma questão fechada. Considerou-

se prejuízo quando houve alguma limitação ourestrição para a realização das atividades diárias.Organizaram-se os dados de modo a se analisara concordância entre o que as crianças mais gos-tavam de fazer e o prejuízo causado pela dor. Sobessa óptica, a prática de esportes foi a atividademais prejudicada (77,78%), seguida da de brin-car (cerca de 67%) e a de passear (65,71%). Asatividades mais prejudicadas, independentemen-te da concordância individual com a que maisgostavam de realizar, na maioria das vezes, fo-ram aquelas que envolviam algum tipo de esfor-ço físico, como o esporte (74,91%), a brincadeira(70,73%), o jogo de bola (63,87%) e a concentra-ção (63,12%). Na seqüência, as outras atividadesprejudicadas foram passear/sair (58,56%) e fre-qüentar a escola (55,51%), já que requerem dis-posição, deslocamento e movimento físico pararealizá-las. O fato de mais da metade dos escola-res com dor referirem que ela interfere na freqüên-cia escolar é um impacto que merece serconsiderado. As três atividades menos prejudi-cadas pela dor foram: nadar (22,81%), dormir(27,64%) e jogar videogame (31,56%).

Especula-se que a dor possa levar as crian-ças a evitar certas atividades, aumentando o im-pacto da dor na vida normal e também criandoos chamados “ganhos secundários”. Os ganhossecundários podem prolongar os episódios de dorou desenvolver novas crises, principalmentequando as crianças se encontram em situaçõesde stress. Por exemplo, as crianças aprendem aexagerar suas queixas ou a desenvolver novossintomas para obter maior atenção dos pais ouporque tal situação lhes permitirá faltar à provana escola.

Embora o presente estudo seja epidemioló-gico, de natureza essencialmente descritiva, al-gumas recomendações gerais poderiam serdadas aos pais, professores e profissionais desaúde. Uma criança com dor precisa de apoio. Aausência de causas definidas e conhecidas paraa doença não significa que não deva existir es-clarecimento e controle do sintoma. Uma vezconstatada a síndrome da dor recorrente, algunscuidados podem ser tomados. Síndrome de dorrecorrente é um rótulo genérico que denota umconjunto variável de fatores comuns e únicos.Fatores comportamentais, emocionais, situacio-nais e familiares, que possam contribuir para aocorrência, agravamento ou manutenção do qua-dro, devem ser identificados, analisados e consi-derados individualmente na proposição de umtratamento. O manejo da dor requer a identifica-ção dos fatores desencadeantes, de melhora e

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de piora. Em geral, os medicamentos aliviam umepisódio de dor, mas não a síndrome. As ativida-des não devem ser restringidas, a não ser quehaja uma razão específica. Os mecanismos de“ganhos secundários” devem ser evitados. A cri-ança precisa de sugestões alternativas para o quefazer e instruções de como relaxar e como fazerexercícios quando a dor aparecer. Não se devehesitar em contatar as pessoas que convivem coma criança para esclarecer o problema e uniformi-zar as condutas. A formação adequada de todosos profissionais de saúde sobre dores recorren-tes na infância e adolescência deve ser estimula-da, visando proporcionar conforto e bem-estar aosescolares e seus familiares, minimizar os prejuí-zos às atividades, em especial as escolares, evi-tar preocupações e conflitos desnecessários, eauxiliar os profissionais e familiares na decisãosobre gasto com exames e tratamentos.

Dor nos Adultos

A prevalência obtida no presente estudo foide 61,38%, sendo mais alta do que no estudorealizado por Birse e Lander15. Esses autores tam-bém consideraram dor crônica aquela com dura-ção maior que seis meses, estudaram 410indivíduos adultos, com idades entre 18 e 75 anosou mais, selecionados randomicamente e entre-vistados por telefone, e obtiveram uma prevalên-cia de 44%.

Talvez o motivo mais evidente dessa diferen-ça de prevalência seja o fator idade, pois, nesteestudo, a idade dos funcionários da amostra foide 22 a 69 anos, e apenas um funcionário referiuidade acima de 65 anos. A prevalência de doraumenta conforme aumenta a idade dos indiví-duos, e, normalmente, o pico de prevalência ocor-re na faixa dos 30 aos 50 anos, faixa em que seencontrava cerca de 67% da amostra estudada.

Brattberg e cols.19, em trabalho de prevalên-cia de dor na população em geral, em uma cida-de da Suécia, pesquisaram 1.009 indivíduosselecionados aleatoriamente, com idades de 18a 84 anos, e detectaram que 40% desses indiví-duos apresentavam dor havia mais de seis me-ses. Porém, quando se analisou apenas a faixaetária de 45 a 64 anos, a prevalência aumentoupara 50%.

Os estudos de prevalência de dor na popula-ção em geral apresentam resultados discrepan-tes. Essas discrepâncias, segundo Brattberg ecols.19, ocorrem de acordo com a questão utiliza-da na entrevista, especialmente quanto à pergunta

que se refere ao tempo e à intensidade da dor.Em estudo epidemiológico de dor geral na Sué-cia, a prevalência foi de 66% quando se questio-nou a presença de alguma dor ou desconforto,mesmo de curta duração. Quando se questionoua presença de dor que afetava os entrevistadosseveramente nos últimos seis meses por ocasiãodo estudo, a prevalência foi de 40%19. A impor-tância da questão utilizada na entrevista pode serexemplificada por outros dois estudos. Um de-les, realizado na Nova Zelândia, com pessoasde 18 a 64 anos, cuja questão feita ao entrevis-tado foi sobre a presença de dor em algum mo-mento da vida, obteve uma prevalência de81,7%46. No outro estudo, com característicassemelhantes (população em geral e faixa etá-ria), as pessoas foram indagadas sobre a pre-sença de dor por mais de três meses e o resultadofoi uma prevalência de 50,4%31.

As discrepâncias encontradas nos estudosepidemiológicos de dor, de um modo geral, sãodevidas às diferenças de métodos de pesquisa edefinições dos casos utilizados31.

Os resultados de pesquisas de populaçõesdiversas com dores específicas ou não sugeremque as variáveis sexo, idade e local de dor estãomutuamente associadas à prevalência de dor.Neste estudo, para estudar as associações entredor crônica e essas variáveis, foram aplicadostestes de quiquadrado e Fischer. Estabeleceu-secomo significativos os valores de p ≤ 0,05.

Os locais de dor de maior prevalência, nesteestudo, foram cabeça, face e boca (26,73%); es-pinha lombar, sacro e cóccix (19,40%) e mem-bros inferiores (13,26%), e cada indivíduo poderiareferir mais de um local de dor. As dores nosombros e membros superiores e na região abdo-minal ocorreram para 8,11% e 7,52%, respectiva-mente. A dor de menor prevalência foi a dorgeneralizada. Apenas 0,79% com dor crônica re-feriram este tipo de dor.

Os estudos epidemiológicos que pesquisamdores crônicas não específicas apresentam emgeral a dor lombar como sendo o local de maiorprevalência na população adulta11,19, 24,26, 32,104.

A dor de cabeça também se apresenta commaior prevalência em alguns estudos. Um exem-plo dessa alta prevalência pode ser verificada notrabalho de Rasmussem e cols.78 na populaçãoem geral com idade de 25 a 64 anos em que seidentificou uma prevalência de dor de cabeça de96%. Strauss e cols.95, por exemplo, referem queambas, dores lombar e de cabeça, manifestam-se com mais freqüência na população de mais

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de 15 anos de idade, considerando-se a presen-ça dessas dores nas duas últimas semanas an-tes da pesquisa. Sternbach92, quando pesquisoua ocorrência de dor geral durante o ano anterior àcoleta de dados, em pessoas com 18 anos oumais, identificou a dor de cabeça como o localde maior prevalência (73%); em seguida, a dorlombar foi identificada em 56%. Apesar dessesresultados apresentarem diferenças com relaçãoàs freqüências relativas encontradas no presenteestudo, as dores de cabeça e lombar ocupam amesma posição, ou seja, a dor de cabeça é amais freqüente, seguida da dor lombar. Ainda VonKorff e cols.104 apresentam as dores lombar e decabeça como os locais mais prevalentes.

Outros estudos epidemiológicos de dorgeral também apresentam a dor nos membrosinferiores como o terceiro local de dor mais pre-valente11,19,95.

Quanto à prevalência de dor em relação aosexo, constatou-se que a dor crônica estavapresente em 69,23% dos funcionários do sexofeminino e em 52,15% do sexo masculino, ou seja,foi estatisticamente significativo o fato de que émaior o número de mulheres que relatam doresdo que os homens. Em uma revisão literária rea-lizada por Verhaak e cols.103, observou-se que,em sete estudos, as mulheres eram mais repre-sentadas do que os homens e, em dois estudos,a freqüência de dor crônica era igual para o ho-mem e para a mulher. Em algumas pesquisasepidemiológicas de dor geral as diferenças dasfreqüências de dor crônica entre os sexos nãoforam significativas4,19,32. Em nenhuma foi men-cionada maior representação de homens.

Verifica-se, portanto, que há consistênciaquanto à grande probabilidade de maior númerode mulheres experimentarem dor crônica em re-lação aos homens9,11,15,17, 27,92. Vários estudos, natentativa de explicar esse resultado, abordaramvários aspectos que podem contribuir para essadiferença como: os efeitos do gênero; o ciclo re-produtivo; as normas sociais e culturais que, con-forme Feine e cols.34, permitem à mulher aexpressão ou a manifestação de dor, enquantoencorajam os homens a desconsiderá-la, lem-brando que a insensibilidade ou firmeza dianteda dor pode servir para o homem como medidaou parâmetro de virilidade101.

A faixa etária de maior prevalência de dor foia de 30 a 50 anos, e dos funcionários que referi-ram dor crônica, 71,6% eram dessa faixa etária,havendo um declínio a partir dos 50 anos. Con-forme Teixeira e cols.98, a média das idades dos

indivíduos que procuram o Centro de Dor do Hos-pital das Clínicas da Universidade de São Paulo éde 40,6 anos. Vários estudos de prevalência dedor crônica não-específica apresentam resultadossemelhantes a esses, ou seja, há um aumento nafreqüência da dor com o aumento da idade, e, apartir de uma determinada faixa etária, há umapequena regressão que varia de 4 a 6 anos.

Por outro lado Roy e Thomas82 relatam que80% a 85% dos indivíduos com mais de 65 anosapresentam pelo menos um problema significati-vo de saúde que os predispõe à dor. Essa afir-mação faz supor que a freqüência de dor sejamais alta em faixas etárias mais elevadas. Birse eLander15, em seu estudo de dor geral em indiví-duos, na faixa etária de 25 a 75 anos e mais, con-firmam esse aumento da freqüência da dor coma idade, que foi maior nos indivíduos com maisde 75 anos. No entanto, Von Korff e cols.105, emestudo de comparação epidemiológica, observa-ram que a cefaléia, a dor abdominal e a dor facialsão menos freqüentes entre as pessoas com ida-des mais avançadas.

Pode-se afirmar, portanto, a existência decontrovérsias relacionadas à associação entrea idade e a freqüência de dor. Um aspecto, po-rém, é evidente: as faixas etárias em que as fre-qüências de dor crônica são mais elevadaspodem ser distintas, considerando-se diferenteslocais de dor.

Em se tratando de associação entre classesocial e prevalência de dor crônica, neste estu-do houve um discreto aumento da prevalênciade dor crônica em classes sociais menos favo-recidas, porém, estatisticamente, não houve di-ferença significativa. Os estudos de prevalênciade dor que avaliaram esse aspecto apresenta-ram resultados contraditórios. Nota-se, também,uma diversidade no estabelecimento de indica-dores de classes sociais entre os estudos, o quepode estar interferindo nos resultados apresen-tados. Talvez o uso de indicadores de classessociais mais precisos, num estudo voltado maisespecificamente para essa análise, possa trazermais contribuições.

Conforme Gureje e cols.40 e Pimenta75, a ava-liação de doentes com dor crônica não deve serfeita somente em relação ao diagnóstico e alíviodos sintomas, mas também pelas interferênciasnas atividades diárias, por causar irritação e stressemocional. Portanto, este estudo epidemiológicode dor crônica em adultos apresenta dados refe-rentes à magnitude do prejuízo nas situaçõescomo: sono, humor, alimentação, movimentação,

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vida sexual, vida familiar, lazer e disposição parafazer o que gosta. Como meio para medir o pre-juízo dessas situações, utilizou-se uma escala de0 a 10, onde 0 significava nenhum prejuízo e 10significava prejuízo total.

A situação diária prejudicada pela dor referi-da com mais freqüência foi o humor. O sono foi asegunda situação de vida mais afetada, em se-guida o lazer e a disposição para fazer as coisasde que se gosta, e, posteriormente, a atividadesexual. A alimentação foi a situação menos cita-da como prejudicada devido à dor.

O trabalho faz parte da vida do indivíduo, es-pecialmente na fase adulta, tanto para a sua so-brevivência e a de sua família, quanto para a suarealização pessoal. Neste estudo, considerou-se,pois, relevante a análise desse aspecto e, paramedi-lo, utilizou-se o mesmo critério aplicado paraas atividades diárias.

Verificou-se, portanto, que, nas regiões espi-nha lombar, sacra e cóccix, ombros e membrossuperiores e abdômen, houve maior freqüênciade funcionários que atribuíram notas de 1 a 5 paraprejuízo no trabalho causado pela dor. Na regiãodos membros inferiores e cabeça, houve maiorfreqüência de funcionários que referiram nenhumprejuízo ao trabalho por causa da dor.

Nagi e cols.70, em estudo sobre epidemiolo-gia social da dor lombar na população em geral,avaliaram a limitação no trabalho por causa dador, utilizando três categorias: sem limitações, li-mitações moderadas e limitações severas. Detec-taram que 32,2% não apresentavam limitações,40% apresentavam limitações moderadas e 27,8%apresentavam limitações severas.

Gureje e cols.40 detectaram que, entre os in-divíduos que recebiam cuidados primários desaúde em 15 centros de saúde, em diferentespaíses, 31% dos que possuíam dor persistenteapresentavam interferências de moderadas a se-veras no trabalho. Portanto, pode-se notar que,em pesquisas epidemiológicas de dor, em po-pulações não vinculadas a clínicas de dor, émenor a freqüência de relatos de prejuízos se-veros ou intensos ao trabalho do indivíduo comdor. Isso sugere que um dos motivos dessesresultados se repetirem no presente estudo sejao fato de se pesquisar trabalhadores que neces-sitam manter suas atividades normais para cum-prir seus compromissos. Nesse sentido,considerou-se que os funcionários com dor crô-nica poderiam estar utilizando estratégias de co-ping para minimizar a interferência da dor sobre o

seu trabalho. Rosenstiel e Keefe79 definem estra-tégias de coping como esforços feitos por indiví-duos para lidar com sua dor, desenvolvendomeios para reduzi-la e tolerá-la.

Os resultados deste estudo mostram que,apesar da alta prevalência, de um modo geral oimpacto que a dor crônica causa sobre os traba-lhadores é moderado, e medidas adequadas deprevenção e de controle da dor poderão melho-rar as condições de vida e de trabalho dessesindivíduos.

Dor nos Idosos

O aumento da população de idosos em todoo mundo e no Brasil reforça a importância de in-vestimento nos serviços de saúde visando asse-gurar recursos físicos adequados e profissionaiscapacitados para o controle da dor.

Muitas vezes a dor é considerada pelos ido-sos e profissionais de saúde como algo naturaldo processo de envelhecimento. Essa idéia pro-voca um inadequado controle da dor, impondoà população idosa sofrimento desnecessário einaptidão.

Foi observada a prevalência de dor crônicade 51,44% nos idosos pesquisados; ou seja,aquela dor com duração igual ou superior a seismeses. Dor com duração inferior a seis meses foiobservada em 11,53% dos idosos.

A prevalência de 51,44% de dor crônica emidosos alerta para a necessidade de novos estu-dos que aprofundem a determinação da etiolo-gia dessas dores. O delineamento das etiologiasenvolvidas possibilitará a escolha terapêutica cor-reta a ser usada no controle da dor, além de per-mitir a implantação de programas de prevençãodessas etiologias desde a fase adulta.

Diferentes delineamentos de pesquisa e cri-térios variados para a definição de dor crônicadificultam a comparação com outros estu-dos35,42,79. Prevalências mais elevadas são encon-tradas quando se utiliza, como população depesquisa, idosos institucionalizados e vinculadosa serviços de saúde. Essa diferença parece justi-ficar-se, visto que tais idosos apresentam morbi-dades associadas importantes35.

Os locais de dor mais prevalentes foram: re-gião dorsal, 21,73%; membros inferiores, 21,50%;cabeça e face 7,09%; e 4,43% no abdômen e nosmembros superiores. Tais achados coincidem comestudos que também encontraram dor em regiãodorsal e em membros inferiores como as maisprevalentes na população idosa42. Von Korff105,

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entretanto, não encontrou relação entre idade edor no dorso.

Muitos estudos especificam a prevalência dedor lombar, já que este é o segmento da regiãodorsal mais afetado pela dor. Existe uma grandevariação na prevalência de dor lombar em ido-sos. Em vários estudos observou-se que, com oaumento da idade, a prevalência de dor em re-gião dorsal tende a diminuir, quando comparadacom outras faixas etárias4,41,92,99. Tal fato deve-se,possivelmente, aos diferentes desenhos de pes-quisa, ao método de coleta de dados, à idadepesquisada, e, principalmente, à indeterminaçãode critérios para a definição de dor lombar.

Na presente pesquisa a prevalência de dorcrônica em membros inferiores foi de 21,50%. Amaioria dos estudos demonstrou que a freqüên-cia de dor nas pernas e nos pés aumenta com aidade6,7,41,43,115.

Os estudos até hoje realizados comprovamque os idosos sofrem freqüentemente de dor crô-nica em região dorsal, articulações, pernas e pés,e de menos dores viscerais e cefaléia do quejovens adultos. Tais afirmações vão ao encontrodo observado na presente pesquisa, que encon-trou dor em região dorsal e em membros inferio-res em cerca de 1/5 dos idosos; em torno de 7%das vezes a dor foi de cabeça e face, e, emmenos de 5% dos casos, em abdômen e mem-bros superiores.

Para análise da associação da dor crônicacom variáveis sociodemográficas e cognitivas, apopulação pesquisada foi dividida em dois gran-des grupos: sem dor crônica, que incluiu idosossem dor e com dores com duração até seis me-ses, e com dor crônica, que incluiu todos os ido-sos com dor crônica, no mínimo em um local.

Não se observaram associações entre dor efaixa etária, categoria profissional, situação ocu-pacional, escolaridade, estado conjugal, classesocial e renda familiar e renda per capita. Dasvariáveis sociodemográficas analisadas, somen-te o sexo associou-se à presença de dor.

A prevalência de dor crônica entre mulhe-res foi de 57,24% e entre homens de 48,28%.Essa diferença foi estatisticamente significativa(p = 0,042), ou seja, as mulheres relataram maisdor crônica do que os homens. A literatura com-prova uma maior prevalência de dor em mulhe-res em qualquer idade estudada. Há que secomprovar as razões de tal fato.

Observou-se maior prevalência da dor emmembros inferiores entre as mulheres. Os homens

relataram maior prevalência de dor em regiãodorsal. Não foi possível comprovar estatisticamen-te essa diferença por não se tratar de amostrasindependentes.

Visando avaliar o impacto das dores crôni-cas em alguns aspectos da vida, os idosos fo-ram indagados sobre quais atividades de vidadiária e de vida instrumental eram prejudicadaspela dor e qual a magnitude desse prejuízo. Ava-liou-se a interferência da dor no sono, no apetite,no humor, no lazer, na atividade sexual e na vidafamiliar e profissional. Observou-se que o sono(40%), o humor (39,07%) e o lazer (36,74%) fo-ram os mais freqüentemente referidos. Para ava-liar a magnitude da interferência da dor,utilizou-se escala de seis copos adaptada pelasubstituição dos descritores verbais do primeiroe último copos (sem dor e a pior dor imaginável)por não-piora e piora totalmente. Ao avaliarmosa magnitude da interferência, considerando-sea graduação moderada e a intensa, observou-se que a atividade sexual (76,81%), o sono(55,50%), o lazer (55,12%) e o humor (52,44%)foram os mais prejudicados. Ao analisarmos asmédias de interferências, observou-se que osmesmos itens, apenas modificando-se a ordem,mostraram-se como os mais prejudicados: ativi-dade sexual (3,51%), lazer (2,94%), sono (2,88%)e humor (2,71%).

Vários estudos confirmam a interferência dador nas atividades de vida diária (AVD) e ativi-dades instrumentais de vida diária (AIVD) emdiferentes magnitudes4,9,12,35, 43, 54, 55, 59,73, 82,109.

As atividades de vida diária foram avaliadaspor meio de instrumento baseado no “OlderAmerican Resources and Services”36, utilizadomundialmente e validado para a Língua Portu-guesa por pesquisadores brasileiros16. Não seencontraram diferenças estatisticamente signifi-cativas entre a interferência da dor nas ativida-des de vida diária entre os grupos com dorcrônica e sem dor crônica. Entretanto, compa-rando-se os indivíduos com dor crônica na situ-ação “sem dor” ou com “dor normal” com asituação “episódio ou exacerbação da dor”, nodesempenho das atividades instrumentais, obser-vou-se que a dor prejudicou, e esse prejuízo foiestatisticamente importante para atividades comoviajar, fazer compras, realizar trabalhos domésti-cos. Cabe ressaltar que para as atividades comoalimentar-se, caminhar próximo da casa e lidarcom dinheiro, o valor de “p” observado (0,07) foipróximo ao considerado estatisticamente diferen-te (p < 0,05). Considerando que foram avalia-das 13 atividades, cinco (1,11%) dentre todos

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os idosos pesquisados tiveram interferência em50% ou mais das atividades avaliadas.

Pode-se observar que, embora uma signifi-cativa parcela de idosos tenha referido que a dorprejudicou as atividades de vida diária e instru-mental, esse prejuízo não foi de grande magnitu-de. Observou-se diferença estatisticamenteexpressiva no grau de dependência para a reali-zação de algumas atividades instrumentais. A ob-servação de prejuízo das atividades instrumentaise não de vida diária parece coerente, conside-rando-se que a pessoa com dor deixa de realizarinicialmente atividades de vida instrumental, masapenas em situações limites deixa de realizar asatividades de vida diária. Além disso, a maior par-te da população do presente estudo possuía ida-de até 75 anos e, dos 451 idosos avaliados, 133eram economicamente ativos.

O presente estudo permitiu determinar a pre-valência de dor por local, sexo e faixa etária deidosos brasileiros oriundos da comunidade. Foipossível caracterizar a dor e analisar possíveisassociações entre dor e variáveis sociodemográ-ficas. Tais dados são originais em nosso meio esubsidiarão clínicos, pesquisadores e administra-dores de saúde nas definições sobre o atendi-mento a essa população.

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2CAPÍTULO

Fisiopatologia da Dor

VALBERTO DE OLIVEIRA CAVALCANTE

Uma das mais importantes funções do siste-ma nervoso é a de nos fornecer informações so-bre uma potencial lesão corporal. A dor édefinida pela Associação Internacional para oEstudo da dor (IASP) como “uma experiênciasensorial e emocional desagradável associa-da a lesões reais ou potenciais, ou descrita emtermos de tais lesões”. A percepção da dor pelocorpo é chamada de nocicepção, uma complexasérie de eventos eletroquímicos que ocorrem en-tre o local da lesão tecidual e a percepção da dor.O termo nocicepção vem do latim noci, que sig-nifica lesão, dano. Toda nocicepção produz dor,mas nem toda dor é resultado da nocicepção.Muitos pacientes apresentam dor na ausência deestímulo nociceptivo. Em vista disso, é comumdividir clinicamente a dor em duas categorias: doraguda, devido, primariamente, à nocicepção, edor crônica, que pode ser devido à nocicepção,mas na qual fatores comportamentais e psicoló-gicos freqüentemente desempenham o papelmais importante.

A dor pode ser também classificada de acor-do com a fisiopatologia (nociceptiva ou neuro-pática), etiologia (pós-operatória, dor oncológica)ou área afetada (dor de cabeça, dor lombar, dorvisceral).

O sistema corporal de percepção de dor en-volve quatro estruturas anatômicas:

1. Nociceptores, que são estruturas especializa-das do sistema nervoso periférico que detec-tam os estímulos nociceptivos. As fibrasaferentes primárias nociceptivas são represen-tadas pelas fibras A-delta (Ad) e C, que, quan-do estimuladas, transmitem o estímulo para ocorno dorsal da medula espinhal.

2. Tratos nociceptivos ascendentes, como, porexemplo, os tratos espinotalâmico e espinohi-potalâmico, que transmitem os estímulos docorno dorsal da medula espinhal até os cen-tros superiores localizados no sistema nervo-so central.

3. Centros superiores no sistema nervoso cen-tral, que são estruturas envolvidas na discrimi-nação da dor, incluindo o seu componenteafetivo da memória e do controle motor relati-vo ao mecanismo de defesa representado peloato de fuga do estímulo doloroso.

4. Sistemas descendentes que permitem aoscentros superiores do sistema nervoso centralmodificar a informação nociceptiva em diver-sos níveis.

Outros fatores também contribuem para apercepção da experiência dolorosa, porém umentendimento básico da nocicepção é de vitalimportância para o manejo clínico da dor. Portan-to, a nocicepção é composta de quatro proces-sos fisiológicos:

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• Transdução: O estímulo doloroso, que pode seruma queimadura, um corte, um traumatismo, étransformado em atividade elétrica (potencial deação) nas terminações sensitivas dos nervos,os nociceptores.

• Transmissão: Os impulsos são propagadosatravés do sistema sensorial até o corno poste-rior da medula espinhal.

• Modulação: A transmissão nociceptiva é modi-ficada no corno posterior da medula espinhalpor várias influências neurais, antes de ascen-der aos níveis superiores do sistema nervosocentral.

• Percepção: A transdução, a transmissão e amodulação são integradas e percebidas comodor (Fig. 2.1).

A TRANSDUÇÃO

Durante a transdução, o estímulo nocicepti-vo é transformado em atividade elétrica nas ter-minações nervosas periféricas chamadosnociceptores. Os nociceptores são terminaçõesnervosas livres que respondem a estímulos quí-micos, térmicos e mecânicos. Estão presentes em

estruturas corporais e viscerais, incluindo a cór-nea, polpa dentária, músculos, articulações, nossistemas cardiovascular, respiratório, digestivo eurinário, meninges e pele.

Os nociceptores podem ser divididos em doistipos, de acordo com três critérios: grau de mieli-nização, tipo de estímulo que evoca a resposta ecaracterísticas das respostas. Usando o critériodo grau de mielinização, que está relacionado àvelocidade de condução, os nociceptores podemser divididos em duas categorias: a) fibras A-del-ta, pouco mielinizadas e que conduzem o estí-mulo a uma velocidade de 2 a 30 metros/segundo;e b) fibras C, amielínicas, que conduzem o estí-mulo em velocidades menores que 2 metros/se-gundo. Os nociceptores A-delta e C podem aindaser divididos de acordo com os tipos de estímu-los a que são capazes de responder. Os noci-ceptores de fibras A-delta respondem a estímulosmecânicos (mecanonociceptores) e térmicos (ter-monociceptores). Os nociceptores de fibra C res-pondem a estímulos térmicos, mecânicos equímicos, sendo chamados de polimodais. Háuma outra classe de aferentes primários amielini-zados que normalmente não são sensíveis a estí-mulos mecânicos e térmicos intensos; no entanto,

PERCEPÿ�O

Cðrtex

Proje˘þestalamocorticais

Talamo

MODULAÿ�O

TRANSMISS�O

TRANSDUÿ�O

NoaceptoraferenteprimÛrio

Tratoespinotal�mico

Fig. 2.1 – Os quatro processos que caracterizam a nocicepção: transdução, transmissão, modulação e percepção.

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em situações de trauma e/ou inflamação, tornam-se responsivos, despolarizando-se vigorosamen-te, mesmo durante movimentos normais. Essesnociceptores foram identificados em diversas es-pécies animais e são denominados receptoressilentes.

As fibras A-delta primariamente transmitema dor inicial rápida, ou epicrítica, que viaja por viasoligossinápticas, informando rapidamente ao or-ganismo que já existe lesão ou está prestes aexistir, enquanto a fibra C transmite a chamadador lenta, ou protopática, que trafega por viaspolissinápticas, informando aos centros superio-res sobre as características da dor. Outra carac-terística dos nociceptores é apresentar um limiarde estímulo alto, sendo necessário um estímulointenso para originar um potencial de ação.

Os Nociceptores Viscerais

As vísceras geralmente são formadas por te-cidos insensíveis que, na maior parte das vezes,contêm nociceptores silentes. Alguns órgãos pa-recem ter nociceptores específicos, como cora-ção, pulmão, testículos e ducto biliar. Outrosórgãos, como o intestino, são inervados por no-ciceptores polimodais que respondem a espas-mos, à isquemia e à inflamação. Esses receptoresnormalmente não respondem ao corte, à queima-dura, à tração ou a torção, como ocorre durantecirurgias. Alguns órgãos como o cérebro não pos-suem nociceptores; no entanto, as meninges oscontêm.

Como os nociceptores somáticos, os noci-ceptores viscerais são terminações nervosas li-vres dos aferentes primários, cujos corposcelulares se abrigam no gânglio da raiz dorsal.As suas fibras aferentes, no entanto, freqüente-mente viajam com as fibras nervosas simpáticaseferentes que deixam as vísceras. A atividade afe-rente desses neurônios entram na medula entreT1 e L2. Fibras nociceptivas provenientes do esô-fago, laringe e traquéia viajam com o nervo vago.Fibras aferentes da bexiga, próstata, reto, colouterino, uretra e genitália entram na medula vianervos parassimpáticos sacrais (S2-S4).

Mediadores da Dor e ModulaçãoPeriférica

Parte da resposta inflamatória que se se-gue ao trauma é devida à liberação do conteúdodas células lesadas, como também do conteú-do de células inflamatórias, tais como os macró-

fagos e leucócitos polimorfonucleares. O estímu-lo nociceptivo causa ainda uma resposta neurogê-nica inflamatória, com a liberação de substânciaP, neuroquinina A, e a calcitonina gene relacio-nada. A liberação desses peptídeos resulta emmudanças na excitabilidade dos receptores e dasfibras simpáticas, resultando em vasodilataçãoe extravasamento de proteínas plasmáticas. Amembrana celular lesada libera fosfolipídios que,sob a ação da fosfolipase A, dá origem ao ácidoaracdônico. Sob a ação da ciclooxigenase, o áci-do aracdônico origina prostaciclinas, prostaglan-dinas e tromboxano. A lipooxigenase transformao ácido aracdônico em eucosanóides.

Essas interações induzem a liberação de umasopa de mediadores inflamatórios, tais como po-tássio, serotonina, bradicinina, substância P, his-tamina, citocinas, óxido nítrico e produtosresultantes da ação da ciclooxigenase e lipooxi-genase sobre o ácido aracdônico. Essas subs-tâncias sensibilizam os receptores de limiar alto,o que resulta no fenômeno de sensibilização pe-riférica. Após a sensibilização, um estímulo me-cânico de baixa intensidade, e que normalmentenão causaria dor, agora é percebido como dolo-roso. Há também um aumento na resposta aosestímulos térmicos no local da lesão. Esse esta-do é conhecido como hiperalgesia. Hiperalgesiaprimária é a hiperalgesia no local da lesão. Hipe-ralgesia secundária é a hiperalgesia que circun-da o local da lesão. De forma interessante, o calore os estímulos mecânicos produzem dor na áreade hiperalgesia primária, mas somente o estímu-lo mecânico produzirá dor na área de hiperalge-sia secundária. Em adição à hiperalgesia, épossível observar um estado pós-lesão, no qualestímulos inócuos são percebidos como dor. Essefenômeno é denominado Alodínea. Como a hi-peralgesia, a alodínea é provavelmente causadapor mudanças plásticas ocorridas nos nocicep-tores e nos neurônios medulares.

Antiinflamatórios não esteroidais (AINEs)são drogas comumente usadas para reduzir aresposta inflamatória e, portanto, promover anal-gesia. Os AINEs provêem a sua ação antiinfla-matória mediante o bloqueio da ciclooxigenase(COX). As prostaglandinas têm vários efeitos. Osefeitos terapêuticos e tóxicos dos AINEs devem-se a sua capacidade de inibir a síntese das pros-taglandinas e tromboxano. As prostaglandinasnão são importantes mediadores químicos dador, porém elas causam hiperalgesia por sensi-bilizarem os nociceptores periféricos aos efeitosde outros mediadores químicos da dor e infla-mação, tais como a somatotastina, bradicinina

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e histamina. Portanto, os AINEs são usados pri-mariamente para tratar a hiperalgesia ou dor se-cundária, como resultante dos processosinflamatórios.

Na última década, duas isoformas de COXforam descobertas: uma isoforma indutível (COX2)e uma isoforma constitutiva (COX1). A COX1 éexpressada na maioria dos tecidos mediante con-dições fisiológicas, enquanto a COX2 é induzidapelos mediadores da inflamação, sob condiçõespatológicas. Investigadores estudaram os efeitosrelacionados à inibição das duas formas de ci-clooxigenase. Sabe-se hoje que o risco do apa-recimento de efeitos colaterais decorrentes do usodos AINEs deve-se à capacidade dessas subs-tâncias em inibir a COX1, enquanto seu efeitoantiinflamatório resulta da inibição da COX2. Issorepresentou uma oportunidade para o desenvolvi-mento de agentes seletivos para a COX2, sem osefeitos sobre a mucosa gástrica, os rins e coagu-lação. Além de sua ação periférica, os AINEs exer-cem também um efeito central, através da inibiçãoda síntese das prostaglandinas no SNC, exercen-do o seu efeito antipirético (Fig. 2.2).

A TRANSMISSÃO

Para simplificar, a dor é conduzida ao longode uma via composta de três neurônios, que trans-mitem o estímulo nociceptivo da periferia até ocórtex cerebral. Os neurônios primários aferentesestão localizados no gânglio da raiz dorsal donervo sensitivo. Cada neurônio tem um único axô-nio, que se bifurca, mandando um ramo para ostecidos periféricos (nociceptor) e o outro para ocorno posterior da medula espinhal. Ali, o primá-rio aferente faz a sinapse com o neurônio de se-gunda ordem, cujo axônio cruza a linha média eascende pelo trato espinotalâmico contralateralaté encontrar o tálamo. Os neurônios de segun-da ordem fazem sinapses nos núcleos talâmicoscom os neurônios de terceira ordem, que, por suavez, mandam projeções ao giro pós-central docórtex cerebral. Os impulsos originados pelos re-ceptores são transmitidos pelos nervos aferentesprimários até a raiz dorsal da medula espinhal oupelos nervos cranianos até o tronco cerebral, seo estímulo vem do pescoço ou cabeça. Em 30%dos casos, o estímulo doloroso pode entrar namedula através do corno anterior, dirigindo-se aocorno posterior, usando a raiz ventral motora comocaminho. Isso explica o fato de muitos pacientescontinuarem a sentir dor mesmo após a secçãoda raiz dorsal do nervo sensitivo (rizotomia). Umavez no corno posterior, além das sinapses com

os neurônios de segunda ordem, os axônios dosneurônios de primeira ordem podem fazer sinap-ses com interneurônios, neurônios simpáticos eneurônios motores localizados no corno ventral.As fibras de dor originadas da cabeça são leva-das pelo nervo trigêmeo (V), facial (VII), glossofa-ríngeo (IX) e vago (X). As fibras aferentes primáriasdos nervos cranianos sensitivos (V, VII, IX e X) têmos seus corpos celulares em seus respectivosgânglios.

A MODULAÇÃO

É o processo pelo qual a transmissão noci-ceptiva é modificada mediante um sem-númerode influências neurais. Embora esse processoseja completado em vários locais no sistema ner-voso central, a discussão sobre modulação co-meça com o processo da chegada do estímulodoloroso ao corno posterior da medula espinhal.

O corno posterior da medula espinhal é umimportante local onde ocorre o processamento ea integração das aferências dolorosas. É ali queo estímulo nociceptivo é encaminhado aos cen-tros superiores ou pode também ser o local ondea informação nociceptiva é inibida por sistemasinibidores descendentes. Essa região é formadapor camadas de neurônios, diferenciadas morfo-logicamente e funcionalmente, como originalmen-te as descreveu Rexed em 1954. São dez lâminas,de I a X, sendo a lâmina I a mais externa (lâminade Rexed).

As fibras A-delta provenientes da periferia fa-zem sinapses preferencialmente nas lâminas I, II,V e X; as fibras C o fazem nas lâminas I, II e V.Antes de penetrar no corno posterior da medulaespinhal, essas fibras ascendem ou descendemum ou dois segmentos na medula espinhal, cons-tituindo o chamado Trato de Lissauer. A secçãodo trato de Lissauer muitas vezes é usado comotratamento neurocirúrgico para algumas dores dedifícil controle clínico. A lâmina I é o centro derecepção da informação que chega da periferia.Seus neurônios fazem sinapses com os neurô-nios da lâmina II, denominada substância gelatino-sa, devido ao aspecto macroscópico translúcidoque ela apresenta. Na lâmina II chegam os estí-mulos descendentes que têm função inibitória.Dessa lâmina, os sinais são transmitidos atravésdos neurônios da lâmina V em direção ao tálamoe ao córtex cerebral. Após deixarem a lâmina V,as fibras nervosas cruzam a linha média e se diri-gem para os centros superiores através de tratossituados no quadrante anterolateral oposto da

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medula espinhal: tratos espinotalâmico, espinor-reticular e espinomesencefálico.

O trato espinotalâmico é a mais importantevia para a transmissão do estímulo nociceptivo.Lesões que interrompem o trato espinotalâmicocausam perda da sensibilidade dolorosa no ladocontralateral do corpo, abaixo do nível da lesão.Essas lesões também podem interromper os tra-tos espinorreticular e espinomesencefálico. Oscorpos celulares desses tratos situam-se na lâ-mina I e V a VIII no corno posterior da medulaespinhal. Os axônios provenientes das lâminas Ie V fazem sinapses no núcleo póstero-ventrola-teral do tálamo e tálamo póstero-medial, de ondeenviam projeções para o córtex somatossensitivo.

As lâminas VI a VIII projetam fibras até a for-mação reticular, ponte, cérebro médio, substân-cia cinzenta periarquedutal, hipotálamo e núcleostalâmicos mediais e intralaminares. Este últimoenvia projeções para o sistema límbico por meiode conexões corticais difusas. Essas conexõescom o sistema límbico dão o caráter motivacionale emocional da dor, incluindo-se aí os aspectosrelacionados ao humor e a experiências anterio-res de dor.

Como o trato espinotalâmico ascende cefali-camente, novas fibras são adicionadas antero-medialmente, produzindo uma típica organizaçãosomatotópica. Segmentos sacrais do corpo têmsuas fibras localizadas dorsolateralmente; seg-mentos cefálicos localizam-se antero-medialmen-te. A informação nociceptiva e não nociceptivaproveniente do corno posterior da medula espi-nhal é conduzida diretamente a estruturas dien-cefálicas, como o hipotálamo, por meio de umavia descoberta recentemente, o trato espinohipo-talâmico. O hipotálamo está envolvido em funçõesautonômicas, tais como sono, apetite, regulaçãoda temperatura e resposta ao stress. Dessa for-ma, presume-se que o trato espinohipotalâmicotenha um importante papel na resposta autonô-mica e neuroendócrina ao estímulo nociceptivo.Algumas de suas conexões (por exemplo, para onúcleo supraquiasmático, o qual particularmentecontrola o ato de adormecer/acordar) são respon-sáveis por comportamentos como a dificuldadeem adormecer na vigência de condições doloro-sas, especialmente na dor crônica.

A Modulação Central da Dor

As Figs. 2.3 e 2.4 mostram as vias envolvidasna modulação da dor. A evidência da existênciade um sistema descendente interferindo no con-

trole da dor veio de duas observações básicas. Aprimeira ocorreu nos anos 60, quando observou-se que os neurônios do corno posterior da me-dula espinhal são mais responsivos aos estímulosdolorosos nos animais descerebrados. A segun-da observação veio nos anos 80, ao se constatarque a estimulação elétrica da substância periar-quedutal cinzenta produzia alívio profundo da dorem animais.

Esses estudos foram fundamentais para de-monstrar as bases anatômicas da existência deum sistema endógeno supressor da dor. Estudosposteriores demonstraram que a injeção de pe-quenas quantidades de morfina na substânciaperiarquedutal cinzenta produzia analgesia signi-ficativa em humanos. A transmissão do estímulonociceptivo para a medula espinhal pode ser ini-bido pela atividade segmentar da própria medu-la, bem como por atividade neural descendente,proveniente dos sistemas supra-espinhais.

Numerosos centros cerebrais estão envolvi-dos na modulação intrínseca do estímulo noci-ceptivo. Pode-se citar o córtex somatossensitivo,locus caeruleus, o hipotálamo, a substância peri-arquedutal cinzenta e o núcleo magno da rafe. Aestimulação elétrica dessas estruturas produzanalgesia tanto em humanos como em animais.As fibras provenientes dessas estruturas descen-dem através do funículo dorsolateral da medula eenviam projeções para as lâminas I e V. Esse sis-tema exerce a sua ação antinociceptiva atravésde três sistemas: adrenérgico (alfa-2), serotoni-nérgico e receptores opióides.

As substâncias opióide-precursoras e seusrespectivos peptídeos (beta-endorfinas, encefali-nas e dinorfinas) estão presentes na amídala, nohipotálamo, na substância periarquedutal cinzen-ta, no núcleo magno da rafe e no corno posteriorda medula espinhal. No sistema noradrenérgico,neurônios fazem conexões com a medula e pon-te a partir do locus caeruleus. A estimulação des-sas áreas produz analgesia, como a observadaquando se administram substâncias alfa-2 ago-nistas, como a clonidina e a dexemeditomidina.

No sistema serotoninérgico, neurônios pre-sentes no núcleo magno da rafe enviam proje-ções para a medula via funículo dorsolateral. Obloqueio farmacológico ou a lesão desse núcleoreduz os efeitos da morfina. Medidas terapêuti-cas que estimulem esse sistema descendente,aumentando a descarga de neurotransmissoresque compõem esses tratos nervosos, reforçam asua eficácia e contribuem para a analgesia. Algu-mas drogas antidepressivas, principalmente

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EST›MULOFISIOL‰GICO

EST›MULOINFLAMAT‰RIO

COX1

CONSTITUTIVAMacrðfagos/outras c˚lulas

COX2

INDUZIDA

TromboxanoA2

Plaqueta

ProstaglandinaI2

Mucosa doestÞmago endot˚lio

ProstaglandinaE2

Rim

Proteases Prostaglandina Outros mediadoresinflamatðrios

INFLAMAÿ�O

Fig. 2.2 – As duas formas de ciclooxigenase.

Fig. 2.3 – Esquema simplificado das vias aferentes sensoriais (esquerda) e vias moduladoras descendentes (direita).

C ‰ RTEX

T�LAMO

MODULAÿ�ODESCENDENTE

Subst�ncia periarquedutal cinzenta (encefalina, Gaba)

Locus caeruleus (nor-epinefrina)

N­cleo reticular gigantocelular

N­cleo reticular paragigantocelular(encefalina, serotonina)

Funˇculodorso lateral

Subst�ncia PProstaglandinasHistaminaSerotoninaBradicinina

MEDULAESPINHAL

Subst�ncia P, SHT, norepinefrina,encefalina, neurotensina,acetilcolina, colecistoquinina,glutamato, ðxido nˇtrico,prostaglandinas

Trato espinotal�mico(fonˇculo antero-lateral)

N­cleo magno da rafe(serotonina - SHT)

PONTE

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aquelas que bloqueiam a recaptura da noradre-nalina e serotonina, atuam dessa forma. A acu-puntura aumenta a liberação dessas substâncias,enquanto a estimulação elétrica transcutânea(TENS) agiria estimulando as fibras grossas dofunículo dorsolateral.

Numerosos neurotransmissores e outrosmediadores bioquímicos são liberados no cornoposterior da medula espinhal. Essas substânciassão derivadas de três principais fontes: fibras afe-rentes primárias, interneurônios e fibras do siste-ma intrínseco supressor da dor.

Alguns mediadores podem ser classifica-dos como excitatórios ou inibitórios, mas al-guns possuem uma função complexa e servemàs duas funções. A dinorfina, por exemplo, umopióide endógeno, tanto pode ser excitatóriocomo inibitório, dependendo do estado do sis-tema nervoso.

São exemplos de neuromediadores excita-tórios: glutamato e aspartato, neuropeptídeoscomo a substância P, calcitonina e o fator decrescimento.

Entre os neuromediadores inibitórios, temos:opióides endógenos, como as encefalinas eβ-endorfinas, ácido gama-aminobutírico (GABA)e a glicina.

As células do CPME possuem receptoresespecíficos para essas substâncias, bem comoreceptores para uma grande variedade de outrassubstâncias, muitas ainda sequer descobertas.Têm importância particular os neurotransmissoresglutamato e aspartato, que podem ativar os cha-mados receptores N-Metil-D-Aspartato (NMDA) enão-NMDA, que estão largamente distribuídos nocorno posterior da medula espinhal. Extensos ex-perimentos têm implicado os receptores NMDA nageração e manutenção de determinados estadosdolorosos. Em condições fisiológicas, somente osreceptores não-NMDA são ativados no processa-mento da dor fisiológica. Entretanto, o estímulodoloroso repetitivo ou cronificado leva à ativaçãodos receptores NMDA, caracterizando um pro-cesso conhecido como sensibilização central. Aativação dos receptores NMDA aumenta a concen-tração intracelular do cálcio e ativa a fosfolipase C.O cálcio intracelular aumentado também ativa a

N­cleos tal�micos

Amˇdala

Hipðfise

Cðrtex frontalSistema lˇmbico

N­cleos hipotal�micos

N­cleo arqueado

Betaendorfina

Locus caeruleus

Subst�ncia periarquedutal cinzenta

Fig. 2.4 – Projeções rostrais do processamento nociceptivo. Projeções ascendentes (esquerda) chegam ao cérebro vindas da medula, atravésdo funículo ântero-lateral. Fibras descendentes (direita) inibem a transmissão da informação nociceptiva entre os aferentes primários e asprojeções neuronais no corno posterior da medula espinhal.

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fosfolipase A2, catalisa a conversão da fosfati-dilcolina em ácido aracdônico e induz a forma-ção de prostaglandinas.

A fosfolipase C catalisa a hidrólise do fosfati-dillinositol 4,5-bifosfato para produzir o inositol tri-fosfato e diacilglicerol, que funcionam comosegundo mensageiros. O diacilglicerol, por suavez, ativa a proteinoquinase C. A ativação dosreceptores NMDA também induz a NO-sintetase,resultando na formação de ácido nítrico. Esseácido, quando liberado, comporta-se como umneurotransmissor, sofre difusão retrógrada pelafenda sináptica e leva à liberação de mais gluta-mato, estabelecendo uma alça de retroalimenta-ção positiva entre o aferente primário e o neurôniode segunda ordem, localizado no corno posteriorda medula espinhal. Tanto as prostaglandinascomo o ácido nítrico facilitam a liberação de ami-noácidos excitatórios na medula espinhal. Dessaforma, o óxido nítrico comporta-se como umasubstância álgica. O estímulo doloroso que nãoé adequadamente controlado produz alteraçõesna plasticidade neuronal no sistema nervoso cen-tral. Os neurônios têm capacidade de transmitir,inibir e avaliar informações, como também de ar-mazená-las por períodos longos. Nas condiçõesdescritas anteriormente, eles tornam-se mais res-ponsivos a novos estímulos vindos da periferia,amplificando a dor do paciente. Dessa forma, nãoexiste uma resposta simples a um estímulo sim-ples, mas uma amplificação (wind-up) na respos-ta. A administração de antagonistas do receptorNMDA evita o desenvolvimento de sensibilizaçãocentral como resposta a estímulos que normal-mente o provocariam. O conhecimento dessesmecanismos tem levado muitos pesquisadores adescobrir técnicas que minimizem o fenômeno,através da chamada analgesia preventiva ou pre-emptiva. Esse tipo de manuseio farmacológicoinduz um efetivo estado de analgesia após o trau-ma cirúrgico. Isso pode envolver a infiltração daferida cirúrgica com anestésico local, a execu-ção de bloqueios anestésicos centrais ou a ad-ministração de doses efetivas de opióides, AINEse cetamina.

Evidências experimentais sugerem que aanalgesia preventiva pode efetivamente atenuara sensibilização periférica e central à dor. Emboraalguns estudos tenham falhado em demonstrar aanalgesia preventiva em humanos, numerosospesquisadores relatam importantes reduções noconsumo pós-operatório de analgésicos cujospacientes receberam analgesia preventiva.

A Dor Neuropática

A integridade das vias de transmissão no sis-tema nervoso central e periférico, bem como doscentros de processamento e modulação da dor,são fatores fundamentais para que o fenômenonociceptivo se processe normalmente. Quandoocorre uma lesão aguda de um nervo periférico,raramente observa-se o imediato aparecimentode dor. A lesão origina potenciais de grande am-plitude nos aferentes primários, que eventualmen-te podem ser sentidas como um choque forte. Ocoto proximal dos axônios seccionados é a se-guir selado e a bainha de mielina adjacente, bemcomo os axônios, degenera por alguns milíme-tros. Depois de algum tempo, grupos de axôniosbrotam desses cotos proximais e, sob condiçõesideais, alcançam as terminações nervosas nostecidos, restabelecendo assim a função normaldos nociceptores. Se esse padrão de regenera-ção é interrompido por algum motivo, ocorre aformação de neuromas. Esses neuromas podemser extremamente sensíveis a estímulos mecâni-cos. Portanto, qualquer pressão ou movimentopode desencadear paroxismos de dor. Dadosexperimentais também mostraram que esses neu-romas também tornam-se sensíveis às catecola-minas exógenas e endógenas. Foram registradospotenciais espontâneos nos neuromas em fibrasA-delta e C, que alcançam o corno posterior damedula espinhal. A dor neuropática é, portanto,decorrente da lesão do sistema nervoso centrale, em contraste com a dor aguda, benéfica nosentido de resguardar a nossa integridade teci-dual, ela é patológica e pode produzir deficiênci-as físicas graves.

A hiperexcitabilidade neuronal deve-se aosurgimento de marca-passos nos nervos periféri-cos em regeneração e são resultantes de altera-ções na permeabilidade da membrana axonal edo número, distribuição e cinética dos canais desódio, cálcio e potássio. Após a lesão de um ner-vo, os canais de sódio começam a se acumularno neuroma e ao longo do axônio, gerando focosde hiperexcitabilidade e potenciais de ação ectó-picos. Isso explica o quadro clínico da dor e tam-bém o mecanismo de melhora que se obtémquando o tratamento com bloqueadores de ca-nal de sódio é instituído (anticonvulsivantes eanestésicos locais)

A lesão periférica resulta em alterações tan-to no local da lesão como também no corno pos-terior da medula espinhal. Foi constatadohiperatividade neuronal na lâmina V do cornoposterior da medula espinhal após rizotomia

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espinhal e avulsão de raízes espinhais. O mes-mo ocorre no núcleo do trato espinhal do nervotrigêmeo, após rizotomia trigeminal. Após umarizotomia, os neurônios do corno posterior damedula espinhal desenvolvem atividade espon-tânea irregular e os campos sensoriais recepti-vos se reorganizam de maneira anômala. Depoisde alguns meses, atividade anormal pode serdetectada no tálamo, evidenciando que a anor-malidade é retransmitida para o sistema nervo-so central. Quando as vias de transmissão dosimpulsos nociceptivos estão íntegras, os neu-rônios do corno posterior da medula espinhalrecebem estímulos dos aferentes primários. Aprogressão do estímulo vai depender do equilí-brio entre as aferências excitatórias e inibitórias.Quando há lesão das vias excitatórias, haveráum desequilíbrio, com predominância de fenôme-nos inibitórios, diminuindo a atividade no cornoposterior. Em conseqüência, pode-se observara diminuição na população dos receptores GABAe opióides, o aumento da atividade da colecis-toquinina e o aumento da atividade dos canaisde cálcio voltagem dependentes. Ocorrem tam-bém alterações histológicas, com morte dosneurônios inibitórios da lâmina II de Rexed.

A Dor Mantida pelo Simpático

O termo síndrome da dor regional comple-xa (SDRC) foi criado para descrever síndromesdolorosas que são freqüentemente caracteriza-das pela evidência de disfunção no sistemanervoso simpático. SDRC tipo I e SDRC tipo IIsão dois tipos clássicos de síndromes neuro-páticas dolorosas, conhecidas anteriormentecomo distrofia simpático-reflexa e causalgia,respectivamente.

Numerosas teorias foram lançadas para ex-plicar a fisiopatologia da SDRC tipos I e II, mas oexato mecanismo ainda permanece obscuro. To-das as teorias, no entanto, postulam que a dis-função simpática exerce um significativo papel nodesenvolvimento e manutenção dessas síndro-mes. De fato, os conceitos de SDRC e dor manti-dos pelo simpático são relatados hoje como umasó entidade.

A SDRC envolve mecanismos periféricos ecentrais. Perifericamente, eventos que ocorremapós a lesão nervosa levam a alterações em lon-go prazo no processamento neuronal. Em mo-delos animais, após ligação ou lesão do nervo,as alterações começam a aparecer após dias

ou semanas e podem ser evidenciadas pelo de-senvolvimento de neuromas no gânglio da raizdorsal. Os brotamentos neuronais formam co-nes que têm sensibilidades química e mecânicanão observadas originalmente nos neurônios.Esses cones têm, inclusive, um aumento no nú-mero de canais de sódio, levando a um incre-mento na condutância iônica e, por conseguinte,um aumento na atividade espontânea. Esses co-nes em torno dos corpos celulares de neurôniossensoriais podem constituir o mecanismo peloqual a atividade simpática estimula as fibras sen-sorias normais.

Centralmente, modificações na morfologia docorno posterior ipsilateral à lesão do nervo perifé-rico podem ser secundárias a mecanismos intrín-secos que aparecem em resposta ao bloqueiocrônico dos impulsos ou ao transporte retrógra-do de fatores químicos provenientes da área dalesão. Simpatectomia química ou cirúrgica podetransitoriamente aliviar ou eliminar a dor, enquan-to a administração periférica de norepinefrina re-ativa a dor.

CONCLUSÃO

A dor, portanto, pode ser gerada por exces-so de estímulos nociceptivos, bem como por hi-poatividade do sistema supressor, como ocorrenos casos de neuropatias periféricas e centrais.Em muitos casos, há a participação de outrosmecanismos, muitos deles envolvendo o sistemanervoso simpático, como ocorre na SDCR.

Vários autores demonstraram que o medo, adepressão, a ansiedade, o stress, a intensidadee a duração da dor interferem no mecanismo fi-nal de percepção do fenômeno doloroso, tornan-do-o extremamente complexo e variável.

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3CAPÍTULO

Fisiologia da Emoçãona Dor

NELSON FRANCISCO ANNUNCIATO

Tudo o que somos e fazemos depende donosso Sistema Nervoso (SN). Nossos pensamen-tos, atos, ações, reações, análise e julgamentodo passado, observação do presente, planos parao futuro, medos, frustrações, amores, alegrias,dores etc., dependem conspicuamente do nos-so SN.

Ainda que inúmeros cientistas tentassem,durante décadas, delimitar e localizar determina-das funções no SN, esse conceito “localizacio-nista” tem dado lugar a um SN mais dinâmico eresponsivo, onde diferentes estruturas com dis-tintas funções conectam-se de uma maneira ad-mirável, para nos agraciar com uma harmoniainigualável no controle de todas as nossas fun-ções nervosas, neuro-hormonais, neuroimunoló-gicas e orgânicas. Esse SN se desenvolve comoum todo; sua cisão se faz puramente com finali-dades didáticas e, em sua evolução, determina-das áreas acabaram por se especializar efacultar-nos uma cognição, uma linguagem arti-culada, memória, percepção sensorial, intençãoe planejamento dos movimentos voluntários, pen-sar, filosofar e/ou compor uma sinfonia.

Todos esses fenômenos são, inquestionavel-mente, um somatório de distintas subfunçõesespraiadas por todo o SN.

O SN é responsável pelo controle da homeos-tase de si mesmo e de todos os outros sistemas

de nosso corpo. É fascinante poder observar queo ser humano pode viver nas montanhas ou naplanície, no deserto ou na floresta, no frio ou nocalor e, tudo isto porque seu meio interno se man-tém, admiravelmente, constante. Essa homeos-tase está à mercê do controle do SN vegetativo,do sistema neuroendócrino e neuroimunológico.É, também, graças a esse SN que aprendemos,adquirimos lembranças e uma carga emocionalno que tange a todos os assuntos, pensamen-tos, lembranças, imaginações e pessoas. Nãoconseguimos, destarte, manter uma conversa,mesmo que seja de negócios, sem ter, concomi-tantemente, uma carga emocional associada.

Muitos aspectos do comportamento emocio-nal são inconscientes e controlados por sistemasneurais. Elementos cognitivos nas emoções sãomediados por vias, as quais conectam estruturasantigas do ponto de vista filogenético e posicio-nadas em regiões subcorticais cerebrais.

EMOÇÃO E SENSAÇÕES

Para que possamos compreender a fisiolo-gia da Emoção na Dor, devemos abordar, inicial-mente, a emoção em si. Vários são os nossosestados emocionais como, por exemplo, prazer,tristeza, depressão, alegria e euforia, dentre ou-

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tros. Esses estados emocionais são divisíveis emdois componentes, a saber: (1) sensação físicacaracterística e (2) sensação consciente. Em ou-tras palavras, a emoção se refere ao “estado cor-poral”, enquanto a sensação é utilizada,comumente, para se referir à “sensação consci-ente” como, por exemplo, sentir o pulsar do cora-ção quando estamos com medo ou raiva. Assim,emoção subentende ativação do córtex cerebralacompanhada de reações psicofisiológicas (mu-danças no diâmetro pupilar, mudanças de pres-são arterial, modificações da freqüência eprofundidade respiratória e mudanças de tônusmuscular, dentre outras) e comportamentais (sor-rir, chorar, agredir, acariciar etc.), culminando emum estado afetivo de prazer ou desprazer.

As sensações conscientes são mediadasatravés do córtex cerebral, em particular pelo cór-tex do giro do cíngulo (do latim cingullu, cinta) —assim denominado por se encontrar como umaverdadeira cinta ao redor do corpo caloso — epelos lobos frontais. Estes últimos são extrema-mente importantes nos processos de consciên-cia, pensamentos e emoções.

Uma classificação das emoções não é tarefafácil, haja vista que podemos, por vezes, identifi-car emoções opostas (amor-ódio, alegria-triste-za). Todavia, não encontramos, outras vezes, osantagonistas diretos e específicos de, por exem-plo, encantamento, agonia, inveja, pânico, des-prezo etc. Quiçá facilite a classificação simplesentre valores emocionais positivos (prazerosos)e negativos (desagradáveis). Torna-se, assim, fá-cil imaginar que os indivíduos tendem, em condi-ções psicológicas normais, a buscar as emoçõespositivas, tentando se afastar daquelas situaçõesnegativas, como acontece também na dor.

TEORIA DAS EMOÇÕES

Em 1894 o psicólogo e filósofo americanoWilliam James e o psicólogo dinamarquês CarlLange propuseram, independentemente, teo-rias sobre as emoções. Essas teorias se as-semelhavam em inúmeros aspectos e secomplementavam em outros. Foram posterior-mente denominadas Teoria de James-Lange, quesupunha que experimentamos a emoção em res-posta a modificações fisiológicas em nosso or-ganismo. Por exemplo, ao participar do enterrode um ente querido, afloram lágrimas nos nos-sos olhos e, por isso, sentimo-nos tristes. Emoutras palavras, nossos sistemas sensoriais or-gânicos do meio interno enviam informações acer-

ca de nossa situação para o nosso encéfalo, oqual, por sua vez, decodifica-as e envia sinais parao organismo, modificando uma série de suas fun-ções, como aumento ou diminuição da freqüên-cia cardíaca, aumento ou diminuição da sudorese,secreção salivar etc. De acordo com esses auto-res, se pudéssemos remover as modificações fi-siológicas, a emoção desapareceria com elas.Exemplificando: quando encontramos o grandeamor de nossas vidas, nossas pupilas se dilatam,nossos corações batem com uma freqüênciamaior, a pressão arterial aumenta, a respiraçãose faz mais profunda e rápida etc. Porém, se en-contrarmos uma pessoa, que, pretensiosamen-te, deveria ser o amor de nossas vidas e, nessemomento, não ocorressem as modificações fisi-ológicas do coração, da respiração etc., ela, pes-soa, com certeza não seria a nossa musainspiradora.

Embora a teoria acima tenha-se tornado po-pular, em 1927 ela foi contestada pelo brilhantefisiologista americano Walter Cannon, que propôsuma nova teoria. Essa nova teoria foi modificadadepois por Philip Bard e ficou sendo conhecidacomo a Teoria de Cannon-Bard. Nesta última, umaexperiência emocional pode ocorrer independen-temente de uma “expressão emocional”. Em ou-tras palavras, Cannon afirmava que é possívelvivenciar emoções sem que as mesmas, neces-sariamente, tenham que ser, primeiramente, sen-tidas em nossas vísceras. Como exemplo, sãocitados estudos em que animais tiveram sua me-dula espinal seccionada e, mesmo deixando deexperienciar as sensações do organismo abaixodo nível da lesão, não tiveram suas emoções abo-lidas. De forma semelhante, argumentava ele, se-res humanos com lesões medulares cervicais altasnão deixam de ter suas emoções. Essas argumen-tações foram, entretanto, contestadas através deestudos ulteriores, nos quais se pôde verificar umacorrelação grande entre a perda sensorial e asdiminuições das experiências emocionais relata-das por homens adultos lesados medulares.

Outro fato que se apresenta é o de que, porvezes, reações dos mesmos órgãos podem es-tar vinculadas a mais de uma emoção. Exemplifi-cando, quando sentimos dor, temos, dentre outrasreações, inibição da digestão, sudorese, aumen-to de pressão arterial; ou seja, reações da partesimpática do nosso Sistema Nervoso Autônomo(o qual deveria ser mais corretamente denomina-do pela Terminologia como “Sistema NervosoVegetativo”). Outrossim, essas mesmas reaçõesse fazem presentes por ocasião do medo ou da

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raiva ou em outras circunstâncias como a febrealta, ou seja, elas (reações) não são exclusivasde uma só emoção.

Assim, poder-se-ia resumir as duas teorias naFig. 3.1.

bico. Naquela oportunidade, porém, o autor nãofez relações entre o lobo límbico e as emoções.Pensou-se, por algum tempo, que essas estrutu-ras estivessem vinculadas ao Sistema Olfatório,fato que o tornou conhecido como Rinencéfalo.Essas estruturas, em forma de borda, são: o girodo cíngulo, à frente e acima do corpo caloso, es-tendendo-se até o esplênio do mesmo, como sefosse um verdadeiro “cinto”, o que lhe valeu onome (do latim cingullo, cordão, cinta), giro pa-rahipocampal (face medial do lobo temporal, la-deando o hipocampo), únco (outrora denominadoúncus, do latim, uncus, gancho, garra) e giro den-teado (do hipocampo).

O CIRCUITO DE PAPEZ E AS EMOÇÕES

Em 1937 o neurologista americano JamesPapez publicou um fascinante trabalho relacio-nando as estruturas límbicas, outrora descritaspor Broca, com as emoções, denominando-as,na ocasião, de Sistema da Emoção. Além deidentificar as estruturas límbicas acima descri-tas pelo neurologista francês, Papez amplioubrilhantemente e de maneira ímpar os seus cir-cuitos, incorporando estruturas, hoje sabidamen-te de crucial importância dentro das emoções,quais sejam: corpo amigdalóide (complexo neu-ral em forma de amêndoa), hipotálamo, corposmamilares, núcleos anteriores do tálamo e neo-córtex. Essas estruturas se conectam através devias axonais, dentre elas o fórnice e o fascículomamilotalâmico.

O corpo amigdalóide (conhecido mais co-mumente como “amígdala cerebral” ou simples-mente “amídala”) possui significativas conexõescom o hipotálamo e tronco encefálico. Essas co-nexões fomentam, assim, respostas vegetativas,automáticas, endócrinas e motoras inconscien-tes, que ganham importância por prepararem ocorpo do indivíduo para ações e ou reações,embutidas de diferentes, mas com inerentes,cargas emocionais.

Dentre as estruturas citadas no penúltimoparágrafo, convém, para o presente capítulo, sa-lientar, principalmente, um importante papel dohipocampo, qual seja, o do seu vínculo com aaquisição da memória. Graças à memória de-senvolvemos, também, o medo aprendido vin-culado à dor ou estados emocionais negativos(veja adiante).

Outro aspecto importante foi a inclusão doneocórtex, fato este extremamente apropriado, jáque lesões em certas áreas corticais levam a al-

Estˇmulo fˇsico(p. ex., inc¸ndio)

Receptores ñ ðrgıos dos sentidos(visuais, t˚rmicos, auditivos etc.)

Expressıo emocional(rea˘þes viscerais e somÛticas)

Experi¸ncia emocional(c˚rebro)

Fig. 3.1 – Comparação entre as Teorias da Emoção de acordo comJames-Lange e Cannon-Bard.

Na primeira, de James-Lange, após a recep-ção de um estímulo físico por distintos receptores,as informações são transportadas, primeiramen-te, para as vísceras (seta pontilhada), as quais re-agem. Essas respostas viscerais são, então,encaminhadas ao cérebro, que as decodifica e temuma experiência emocional, por exemplo, medo.

Na segunda teoria, de Cannon-Bard, apósa recepção dos estímulos físicos pelos recepto-res, as informações são transportadas direta-mente ao cérebro (seta cinza), que, apósdecodificá-las e interpretá-las, gera uma experi-ência emocional. Esta última será, agora, enca-minhada às vísceras. Com isto, temos nossasreações psicofisiológicas.

IDENTIFICANDO ÁREAS NERVOSAS

VINCULADAS ÀS EMOÇÕES

Há mais de 100 anos, precisamente em 1878,dois anos antes de sua morte, o famoso neurolo-gista francês Pierre Paul Broca descreveu, na su-perfície medial do cérebro de mamíferos, umgrupo de áreas corticais, as quais formavam umaverdadeira “borda” ao redor do tronco encefáli-co, mais precisamente do mesencéfalo. Assimsendo, Broca evocou, pela primeira vez, paradescrever aquelas estruturas, a palavra latina lim-bus, que, em Português, significa “borda”, “anel”.

A partir daquela publicação essas estruturasforam denominadas, no seu conjunto, de lobo lím-

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terações dramáticas na expressão emocional,mesmo que não comprometam significativamen-te a inteligência e/ou a percepção. Aqui, incluem-se também os lobos frontais.

O termo Sistema Límbico só passou a serpopularizado a partir de 1952, quando o fisiolo-gista Paul MacLean o relacionou com a evoluçãodas espécies e com as emoções vivenciadaspelos animais. Fato interessante, conforme vere-mos a seguir, é a relação de estruturas muito an-tigas do ponto de vista filogenético, que mantêm,também, fortes e inegáveis conexões com a dor.

DOR E MEDO

Pudemos verificar, acima, como as teorias edescobertas sobre a emoção tomaram corpo. Éfascinante observar que estruturas nervosas, porvezes tão minúsculas, possam participar dogrande fenômeno da regulação de nossos pen-samentos, atos, reações, prazeres, angústias, so-frimentos, medos e dores. Visto isto, torna-senecessário observar como estruturas do anterior-mente citado e definido Sistema Límbico partici-pam dos fenômenos do medo e da dor.

As sensações de dor e medo ajudam ho-mens e animais a identificar ameaças à sua inte-gridade e reagir contra essas mesmas ameaças.Estudos realizados nas últimas décadas sobreas estruturas e os processos cerebrais envolvi-dos nas respostas do organismo à dor e ao medovêm possibilitando o conhecimento mais detalha-do de como o cérebro decodifica e regula essesfenômenos.

O medo se origina do contato do organismocom dois tipos de sinais de perigo: os inatos e osaprendidos. Os inatos dizem respeito àquelas si-tuações nas quais, ao longo da evolução filoge-nética, foram selecionadas como fontes deameaça à sobrevivência da espécie. A presençade um predador natural a uma espécie animal ouapenas o seu cheiro torna-se um sinal de perigo,mesmo que esses animais jamais tenham tidocontato prévio com outro membro da família des-se predador. O mesmo ocorre com macacos pe-rante cobras e com bebês humanos expostos aruídos intensos ou postos em lugares altos. Ou-tros estímulos podem passar a sinalizar perigoatravés de um processo de aprendizagem cha-mado “condicionamento clássico de medo”. Istoacontece quando estímulos, em geral inofensivos,são associados a estímulos aversivos, em espe-cial aqueles que causam dor. Um exemplo clás-sico é o de uma criança que tenha sido alertada

várias vezes para não colocar a mão no fornoquente e, mesmo assim, não prevendo as suasconseqüências, teima por fazê-lo. A dor sentidaficará na memória como algo perigoso (nocicep-tivo), que deverá ser sempre evitado.

Quando nos lembramos dos parágrafos an-teriores, em particular sobre uma das funções dohipocampo, logo vemos a relação entre ele (hi-pocampo), emoções, memória, medo (medoaprendido por meio da própria memória) e dor.

Devemos, neste caso, acrescentar outrasestruturas nervosas importantes, que tambémparticipam da dor, quais sejam: formação reti-cular (albergada ao longo de todo o tronco en-cefálico), substância cinzenta periaquedutal(atualmente denominada pela Terminologia Ana-tômica substância cinzenta central), posicionada,como o nome sugere, ao redor do aqueduto me-sencefálico, o qual conecta o III ao IV ventrículo.

Sabe-se que a estimulação elétrica dessasáreas, bem como do corpo amigdalóide e do hi-potálamo, leva a padrões de comportamento de-fensivo (de acordo com cada espécie) emanifestações comportamentais e subjetivas demedo e ansiedade em humanos.

Retrocedendo à Fig. 3.1, vemos que o cami-nho neural do medo começa nos órgãos dos sen-tidos, os quais captam os estímulos físicos(ambientais) de perigo e os encaminham ao tála-mo, que, por sua vez, redireciona as informaçõespara níveis corticais cerebrais. Porém, uma outravia, agora pertencendo ao Sistema Límbico, car-rega essas informações para os núcleos lateraisdo corpo amigdalóide. A partir da decodificaçãodos núcleos laterais, as informações de perigosão enviadas aos núcleos mediais, por meio dosquais comandos chegam ao hipotálamo e à subs-tância cinzenta periaquedutal, que, dentre outrasfunções, produz endorfinas (substância seme-lhante à morfina e, por ser produzida pelo próprioorganismo, recebeu a denominação de “opióideendógeno”). As endorfinas participam de uma cir-cuitaria essencial com a formação reticular, atra-vés da qual elas (endorfinas) atuam na regulaçãodescente da dor. Isto nos esclarece porque esti-mulações elétricas da substância cinzenta peria-quedutal podem produzir uma profundaanalgesia, como veremos mais adiante.

No caso da dor, e do ponto de vista neuroa-nátomo funcional, a substância cinzenta periaque-dutal participa, ainda, do controle das reaçõescomportamentais imediatas de defesa, enviandodetalhes aos núcleos motores de nervos ence-

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fálicos como núcleo do oculomotor, troclear eabducente (movimentos oculares), nc. motor dotrigêmeo (abertura e fechamento de boca), nc.motor do facial (expressão mímica), nc. do aces-sório (movimento e reposicionamento de cabe-ça), nc. do hipoglosso (movimentos de língua),nc. motor do vago (vocalização) etc.

O hipotálamo representa, aproximadamente,apenas 1% do volume total do cérebro e, por suavez, é povoado por núcleos pertencentes ao Sis-tema Neuroendócrino, através dos quais direcio-na informações para as glândulas supra-renais,culminando na liberação de adrenalina, elevandoo ritmo de vários órgãos, como coração e pul-mões. Acrescente-se a essa maravilhosa circui-taria as importantes projeções do hipotálamo eda substância cinzenta periaquedutal sobre a for-mação reticular.

FORMAÇÃO RETICULAR E ORGANIZAÇÃO

DE QUADROS COMPORTAMENTAIS

Nos itens precedentes analisamos importan-tes estruturas envolvidas nas emoções e nas rea-ções comportamentais envolvidas com a dor.Assim, os dados anatômicos e fisiológicos resu-midos nos parágrafos anteriores indicam clara-mente que todos esses fenômenos devam serorquestrados de maneira majestosa. Nesse con-texto faz-se mister discorrer algo mais sobre aFormação Reticular (FR).

Esta estrutura se encontra alojada dentro detodo o tronco encefálico e possui inúmeros axô-nios, os quais têm projeções tanto ascendentescomo descendentes. A FR tem, dentre incontá-veis funções, a capacidade de ativar o mantocortical através de um Sistema Ativador ReticularAscendente (SARA), pertencente, predominante-mente, aos territórios mesencefálicos. A ativaçãocortical, com o conseqüente estado de vigília,como se sabe, é de suma importância para quevários processos mentais humanos sigam o seucurso correto. Destarte, os estímulos dolorososdevem ter acesso rápido e maciço às estruturasreticulares, para que as mesmas possam “des-pertar” o córtex cerebral e ou (re)direcionar suaatenção para o que se passa, no sentido de queeste possa assumir decisões importantes paracom suas respostas. Por exemplo, se durante umadiscussão carregada de raiva, alguém lhe quei-ma com a ponta de um cigarro, isto poderá ser omotivo para se decidir por uma agressão física.Todavia, quando alguém conhecido e de papelimportante em sua vida, como, por exemplo, seu

chefe, encosta a ponta acesa do cigarro no mes-mo ponto da pele do exemplo acima, provocan-do o mesmo grau de dor, seu córtex tem queestar atento ao fenômeno da dor, mas tem que sa-ber distinguir entre uma situação e outra, ou seja,entre a agressão física e o “sorriso amarelado edócil” para seu chefe, haja vista que isto podeser decisivo na sua permanência ou não no mes-mo emprego.

Através das conexões mesencefálicas ativa-doras do córtex cerebral (SARA), pode-se tam-bém entender o porquê de não se conseguirdormir ou mesmo prestar atenção em algo queesteja acontecendo, se o nível de dor for umpouco mais elevado. O SARA não deixará, comcerteza, o manto cortical descansar, enquanto per-durar dores mais incisivas.

Outrossim, em várias das teorias correntessobre mecanismos neurais dos fenômenos dedor, vislumbra-se a participação da FR, à qual éconferida uma situação de controle eferente dasensibilidade. Um exemplo de particular interes-se clínico é representado pelo fato de que a anal-gesia, a qual é obtida inclusive em sereshumanos, pode ser atingida através da estimula-ção elétrica da substância cinzenta periaquedu-tal.

Esse fenômeno é mediado, pelo menos emparte, por projeções da própria substância cin-zenta periaquedutal para o núcleo magno da rafeposicionado no bulbo. Este núcleo, por sua vez,envia fibras para as regiões do corno dorsal damedula espinal, a qual está envolvida na trans-missão ascendente de informações dolorosas.Assim, as fibras provenientes da FR inibirão asinformações ascendentes de dor. Esse tópicoserá retomado mais abaixo por ocasião da dorcrônica.

Voltemos ao hipotálamo. Observamos que,ainda que estudos passados tenham demonstra-do a existência de vias descendentes do hipo-tálamo, e que se distribuem para neurôniosautonômicos (vegetativos) pré-ganglionares dotronco encefálico e da medula espinal, essas pro-jeções diretas parecem ser pouco numerosas.Muito mais importante, no contexto do sistemavisceromotor central, são as vias provenientes dohipotálamo e que terminam na FR mesencefáli-ca. A partir desta última, passando por sucessi-vas sinapses ao longo da dimensão longitudinaldo tronco encefálico, os impulsos hipotalâmicossão, finalmente, transmitidos aos neurônios auto-nômicos pré-ganglionares simpáticos e parassim-páticos. Esses dados indicam claramente que

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devemos esperar por uma participação importan-te da FR na integração e no controle de mecanis-mos homeostáticos vegetativos e endócrinos, eé realmente isso que se verifica em investigaçõesfisiológicas. Assim, informações de dor, ao atin-gir a FR, levam, também, às reações dos siste-mas simpático e parassimpático.

Ainda albergados no seio da FR, estão o im-portante Centro Cardiovascular Bulbar e o Com-plexo Reticular Respiratório Pontinobulbar, osquais são acionados quando de estímulos dolo-rosos. Estes dados fortalecem mais ainda o im-portante papel da FR como integradora deinformações sensoriais e controladora de reaçõesamplas devido a quadros de dor aguda ou crôni-ca (veja mais adiante).

INTEGRAÇÃO DE QUADROS

COMPORTAMENTAIS VINCULADOS À DOR

Ainda que tenhamos, por motivos didáticos,discutido separadamente os vários mecanismosemocionais, neuroendócrino e psicossomáticosassociados à dor, não devemos perder de vista ofato de que o SN é um todo, único e indivisível.Assim, no indivíduo como um todo há situaçõesnas quais muitos desses mecanismos são, emverdade, mobilizados conjuntamente como com-ponentes de quadros comportamentais específi-cos e gerais.

Ilustração clara é a chamada reação de aler-ta, fortemente presente durante os estados de dor,mormente aguda. Essas reações foram muitoestudadas pelo já citado fisiologista Cannon. Es-sas reações comportamentais são produzidas,em maior ou menor grau, por vários tipos de estí-mulos ambientais, os quais têm em comum o fatode serem, pelo menos potencialmente, dotadosde significado biológico para o animal, como é ocaso, por exemplo, de estímulos de natureza do-lorosa ou da visão de um predador natural (medo).

A experiência mostra que, quando de umestímulo deste tipo (dor ou medo), o animal nor-mal responde com um padrão comportamentalextremamente complexo, o qual pode resultar ematividade muscular somática incrementada, pormeio da qual o animal se prepara para “fugir oulutar”. A ativação muscular esquelética é acom-panhada, tipicamente nesses casos, por um am-plo espectro de manifestações, incluindo, dentreoutros fenômenos, ativação do córtex cerebral,midríase (aumento do diâmetro pupilar), aumen-to da ventilação pulmonar, aumento da freqüên-cia cardíaca, aumento do débito cardíaco,

elevação da pressão arterial, vasodilatação dasartérias da musculatura esquelética, concomitantea uma constrição em outros territórios vasculares(como na pele, por exemplo), liberação de hor-mônios supra-adrenais, aumento do débito he-pático de glicose e da liberação de ácidos graxosa partir do tecido adiposo.

Evidentemente, todo esse conjunto de mani-festações pode ser concebido como correspon-dendo a um padrão útil de adaptação biológicado organismo que se prepara para uma atividadede “luta ou fuga”, já que estamos, basicamente,diante de fenômenos (dor e medo), os quais, atra-vés de um alerta comportamental geral, visam àpreservação do indivíduo, tentando afastá-lo dosagentes dolorosos. Dentre todos os mecanismosdescritos acima, muitos têm acesso ao nível daconsciência e impregnam-nos com emoções,medos e memórias.

MECANISMOS NEURONAIS PLÁSTICOS

DE ADAPTAÇÃO À DOR CRÔNICA

Partindo-se da definição de dor, qual seja,uma experiência sensorial e emocional desa-gradável, descrita como conseqüência de danotecidual, real ou potencial e, sabendo-se, con-forme vimos no parágrafo anterior, que a doraguda desencadeia várias reações típicas, den-tre as quais, “luta ou fuga”, torna-se interessantea constatação de que a dor crônica, por sua vez,ao contrário da dor aguda, culmina, geralmente,em modificações emocionais, tais como letargia,depressão etc. Quais seriam, então, os mecanis-mos neuronais envolvidos em tal fenômeno?

Já salientamos neste capítulo que o SN é umtodo, único, indivisível, cindido apenas com fi-nalidades didáticas. Assim, durante o processode cronicidade da dor, não há apenas uma áreaou apenas uma substância química que possadesencadear e promover os estados de adap-tação a esta nova modalidade (dor crônica). Oque se observa, outrossim, é a participação ati-va e dinâmica de várias áreas e substânciasquímicas distribuídas ao longo da parte periféri-ca e central do SN, ao mesmo tempo em queoutras são inibidas.

Acima vimos que, em um caso de dor agu-da, o córtex cerebral deve ser ativado o mais bre-ve e eficazmente possível para que o indivíduopossa ter a consciência de tal fato e possa tomaras providências cabíveis ao caso. Por outro lado,quando o processo álgico se torna crônico, den-tre os mecanismos de adaptação à dor, o córtex

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cerebral, por exemplo, deve-se tornar menos aten-to no que se refere à dor, pois ele, o córtex, devese ocupar de outras funções nervosas denomi-nadas superiores. Dessa forma, a FR já referidaacima deverá lançar mão de mecanismos quími-cos (neurotransmissores, como, por exemplo, se-rotonina) e hodológicos (vias nervosas) paradiminuir a atividade do SARA sobre o manto cor-tical cerebral, primordialmente no que se refere àpassagem de informações dolorosas. Esses ajus-tes ocorrem graças à capacidade intrínseca dascélulas nervosas em modificar suas atividadesquando da necessidade de se adaptar ao ambi-ente externo e/ou interno, como no caso da dor.Este é um dos fenômenos característicos da Plas-ticidade do Sistema Nervoso.

Vimos acima uma possibilidade elegante daFR controlar a transmissão ascendente de infor-mações dolorosas através do núcleo magno darafe. Esse núcleo, assim como os demais nú-cleos da rafe, produz grandes quantidades de se-rotonina, a qual é encaminhada para as regiõesdo corno dorsal da medula espinal, como já men-cionado, envolvidas no fenômeno da dor. Esta se-rotonina, por sua vez, inibe as informações de dororiundas da periferia. Constata-se, assim, umadas possibilidades adaptativas do organismo àdor crônica, onde a FR tenta minimizar o caráteragudo e apunhalante da dor.

Pelo exposto, mudanças na quantidade daprodução de determinados neurotransmissorese/ou neuromoduladores, bem como ajustes nonúmero de receptores da membrana pós-sináp-tica, ajudam-nos a compreender também asoscilações de humor, depressão, letargia e aten-ção, já que nossas sensações e emoções nãodependem tão e puramente das vias nervosas,mas também, e, fundamentalmente, de substân-

cias químicas.Todos esses detalhes resumidos anteriormen-

te facultam-nos a idéia da complexidade desseSN. Experiências emocionais mostram o graucomplexo das relações dos centros corticais ce-rebrais com outras áreas subcorticais como hi-potálamo e corpo amidalóide.

Emoções ímpares como amor e amizade tor-nam-nos muito mais humanos por serem dificil-mente comprovadas em outras espécies animais.Esse ser humano, com suas necessidades bioló-gicas, sociais, intelectuais, espirituais e emocio-nais, consegue dar origem a religiões e crenças,desenvolve tecnologia e ciência, e cria civiliza-ções, mas, muitas vezes, por não saber controlarsuas emoções, por medo, amplia a dor e o sofri-mento, chegando, até mesmo, a destruir a civili-zação por ele mesmo criada.

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4CAPÍTULO

Princípios doTratamento da Dor

CLAUDIO FERNANDES CORRÊA

CIBELE ANDRUCIOLI DE MATTOS PIMENTA

As bases que norteiam o tratamento do do-ente portador de dor são o alívio da dor e do so-frimento e a busca da melhora física, psíquica esocial. Devem ser incluídas, além da orientaçãodirigida ao paciente, informações úteis aos fami-liares e cuidadores. Essas condutas facilitam aadesão aos programas de tratamento.

Como base devemos procurar remover acausa determinante da dor. Não sendo possível,condutas paliativas envolvendo o uso de medi-das farmacológicas, físicas, cognitivo-compor-tamentais, devem ser empregadas. Nos casosmais complexos pode haver a necessidade debloqueios anestésicos e procedimentos neuroci-rúrgicos. É fundamental a abordagem multipro-fissional e multidisciplinar, que seguramenteampliam a chance de uma resposta analgésica1.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

Os fármacos utilizados na terapia analgésicapodem apresentar diferentes efeitos indesejáveise o ajuste da dose é individual e pode requerervários dias. Os doentes e seus cuidadores de-vem ser orientados adequadamente, objetivan-do a adesão ao tratamento, mesmo antes que asdoses e os efeitos ideais não tenham sido alcan-çados. É necessário esclarecê-los de que medi-camento para alívio da dor deve ser ingerido a

intervalos regulares e não apenas quando a dorse manifesta ou se torna insuportável. Conceitosde tolerância, dependência física e psíquica, mi-tos sobre o uso de morfina, são também objetosde esclarecimentos.

É importante lembrar aos doentes e cuida-dores que alguns medicamentos utilizados parao controle da dor crônica, como, por exemplo,antidepressivos, neurolépticos e anticonvulsivan-tes, não são primariamente analgésicos, maspossuem efeito analgésico e que, em alguns de-les, o efeito analgésico só ocorre após vários diasde uso. A utilização de tabelas que organizem,por horário, os nomes e as doses dos medica-mentos a serem ingeridos, facilita a adesão à te-rapêutica. Orientação para que sejam relatadospor escrito os efeitos colaterais contribui paramelhorar a titulação da dose. Transmitir otimismo,esperança e confiança assegura adesão ao tra-tamento e atua visando à melhoria da qualidadede vida.

PRINCIPAIS GRUPOS DE MEDICAMENTOS

UTILIZADOS PARA O CONTROLE DA DOR

Na dor aguda os principais agentes são osAINEs (analgésico antiinflamatório não esteroidal),opióides e ansiolíticos; na dor crônica podem serusados, além desses, os antidepressivos, os an-

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ticonvulsivantes e os neurolépticos, dependendoda sintomatologia.

Os AINEs representam o maior grupo de anal-gésicos, com compostos que diferem quanto àestrutura química, à expressão dos efeitos tera-pêuticos, à farmacocinética, aos efeitos indese-jados e ao valor monetário. Apresentam potênciaanalgésica moderada. São largamente utilizadospara o controle da dor pós-operatória, de modopreventivo e/ou terapêutico, especialmente asso-ciados aos agentes morfínicos.

Os opióides, opiáceos e morfínicos represen-tam um grupo de fármacos naturais e sintéticoscom estrutura química e efeitos semelhantes aosdos alcalóides do ópio, com ação analgésica,euforizante e ansiolítica.

São classificados, quanto à relação dose eeficácia analgésica, em fortes (morfina, meperidi-na) e fracos (tramadol, codeína, d-propoxifeno),e quanto à afinidade pelos receptores opióidesem agonista puro (morfina, codeína), agonistaparcial (tramadol, buprenorfina) e agonista-anta-gonista (nalbufina, nalorfina).

Os ansiolíticos (benzodiazepínicos), antide-pressivos, neurolépticos e anticonvulsivantes sãomedicamentos formulados primariamente paraoutras finalidades terapêuticas que não a analgé-sica, mas possuem ação analgésica; são os agen-tes adjuvantes.

Os benzodiazepínicos são pouco utilizadosna prática clínica para o tratamento da dor agu-da. Na dor crônica devem ser evitados, pois acen-tuam a hostilidade, pervertem o ritmo do sono eaumentam a percepção da dor.

Os antidepressivos normalizam o ritmo dosono, melhoram o apetite e o humor. São especi-almente importantes para o tratamento da dorneuropática. O efeito analgésico dos antidepres-sivos pode independer da modificação do humor.O efeito analgésico manifesta-se geralmente en-tre o quarto e quinto dias de uso, e o efeito anti-depressivo após a terceira semana.

Os anticonvulsivantes constituem um grupode drogas com toxicidade e farmacocinética dis-tintas, capazes de aliviar a dor crônica decorren-te de certos tipos de lesões nervosas, tais comoa lesão abrupta de um nervo (dor aguda e inten-sa) e a lesão insidiosa e progressiva em estrutu-ras do sistema nervoso periférico e central (dorem queimação e formigamento) sobre a qual po-dem sobrepor-se sensações de choque.

Os neurolépticos integram um grupo de dro-gas bastante controvertido em relação ao uso na

terapia antiálgica. Parecem modificar a dor pormeio da alteração do componente afetivo, atribu-indo certo grau de indiferença ao componente de-sagradável da dor. Quando associados aosantidepressivos parecem aumentar a biodisponi-bilidade destes.

EFEITOS COLATERAIS

Os efeitos colaterais dos analgésicos ou dosadjuvantes ocorrem em doses terapêuticas e sãonormalmente decorrentes do próprio mecanismode ação das drogas. Na associação entre analgé-sicos e adjuvantes é freqüente o surgimento deefeitos indesejados comuns, condição que poderesultar no aumento da toxicidade das drogas.

Os efeitos colaterais mais temidos pelos usu-ários e profissionais de saúde que manuseiam osmorfínicos são a tolerância e as dependênciasfísica e psíquica, em parte pelo desconhecimen-to de que se trata de efeitos diferentes.

A tolerância e a dependência física são efei-tos que podem ocorrer quando da administraçãorepetida desses agentes, mas não constituem li-mitação ao uso clínico. A tolerância significa anecessidade de aumento da dose para obten-ção do mesmo efeito. É tratada pela elevaçãoda dose e da freqüência da administração. Apossibilidade de dependências psíquica e físicavaria de acordo com a droga e o doente. A sín-drome de abstinência, que representa a depen-dência física, ocorre quando se interrompeabruptamente a administração da droga e podeser prevenida pela sua redução gradual. Os si-nais de abstinência são agitação psicomotora,cólicas, febre e anorexia, entre outros.

O risco de dependência psíquica (vício) temsido considerado pequeno nas situações de usopara controle da dor oncológica em doentes nãoanteriormente usuários de droga, e nos casos deuso para o alívio da dor aguda intensa.

VIAS DE ADMINISTRAÇÃO

Via Sublingual

É indicada para agentes lipossolúveis. Promo-vem efeito rápido pelo fato de o princípio ativo atin-gir prontamente a circulação venosa e não sofrera ação de enzimas hepáticas. Não existem dis-poníveis, até o momento, formulações de AINEs,benzodiazepínicos, antidepressivos, anticonvulsi-vantes, neurolépticos ou outros morfínicos, que nãoos citados, para a administração via sublingual.

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Via Oral

É considerada segura, econômica e confor-tável para os pacientes colaborativos e que nãoapresentam problemas relacionados ao sistemadigestivo. As formulações podem ser líquidas, emcápsulas e comprimidos. Alguns anestésicospossuem formulação de liberação lenta capazesde graduar o processo de liberação e aumentar apermanência/efeito da droga no organismo, pelamanutenção de concentrações séricas estáveis.

O tratamento deve ser iniciado com dosesbaixas, devendo ser elevadas de acordo com anecessidade do doente, especialmente nos ido-sos e nos portadores de distúrbios hepáticos ourenais. A administração de fármacos por via oralrequer doses maiores do que as utilizadas porvias parenterais, em grande parte devido ao efei-to da passagem da droga pelo fígado. Os anal-gésicos devem ser administrados a intervalos fixose não sob demanda, e as doses de reforço (senecessário) são administradas quando houverescape de dor ao programa-padrão. A dose no-turna pode ser elevada em 50% ou duplicada paraevitar que o doente acorde devido à dor.

Via Transdérmica

A administração de opióides por essa via éindicada para os tratamentos crônicos e quandoocorre intolerância a drogas por outras vias. Pro-movem conforto e facilitam a adesão. Nesse tipode sistema a absorção ocorre através da pele, ea adoção dessa via deve ser acompanhada pelomonitoramento rigoroso do doente em relação àdose/resposta e deve-se considerar o custo.

Via Parenteral

A administração de analgésicos e adjuvan-tes por essa via pode ser realizada através dotecido subcutâneo, muscular, depositada direta-mente na circulação venosa e por meio da infu-são dos fármacos no sistema nervoso (peridurale intratecal).

Na via subcutânea a absorção costuma serboa e constante, e está permitida a injeção degrandes volumes de soluções. O tecido subcutâ-neo é pouco vascularizado e em algumas situa-ções tal fato pode ser limitante, pois a absorçãopode ser tão lenta a ponto de não resultar em efei-to terapêutico.

A via intramuscular é indicada para tratamen-tos de curta duração e é contra-indicada nas do-

res prolongas e crônicas, pois a administraçãorepetida causa dor e lesão muscular. A taxa deabsorção depende das condições locais de irri-gação sangüínea e movimentação, e do grau delipossolubilidade da droga.

A via intravenosa proporciona efeito imedia-to, propicia a infusão de grandes volumes e ainfusão de agentes irritante diluídos. A adminis-tração crônica pode resultar em irritação do en-dotélio vascular.

Vias Peridural e Intratecal/Subdural ouSubaracnóidea

Algumas opções à administração de opiói-des por via sistêmica são as vias epidural e intra-tecal/subdural através de sistemas semi outotalmente implantáveis. A administração peridu-ral ou intratecal é utilizada para o tratamento dador abdominal, pelviperineal e de membros infe-riores, quando houver melhora significativa da dorcom a medicação por via sistêmica; há impossi-bilidade do uso da via oral ou parenteral e os efei-tos adversos destes fármacos não estão sendotolerados. Proporcionam analgesia com doses in-feriores às da via sistêmica e, portanto, menorocorrência de efeitos colaterais. Nos sistemassemi-implantáveis uma das pontas do cateterencontra-se sobre a dura-máter e a outra estáexteriorizada. Através da ponta exteriorizada, odoente e seu cuidador administrarão, por meiode seringa e de modo asséptico, a droga anal-gésica, geralmente uma solução de morfina outramadol. Do espaço peridural, a solução anal-gésica difunde-se para o espaço subaracnóideoe liga-se a receptores morfínicos existentes namedula espinhal, produzindo analgesia sem blo-queio motor. O sistema implantado é constituí-do de reservatório (implantado no subcutâneo)e de um cateter, que liga o reservatório os espa-ço subaracnóideo. Nesse sistema o doente e seucuidador acionam, por pressão digital, botõesque retiram parte da droga do reservatório e alançam no espaço subaracnóide. O sistemapode ser eletrônico e, nesse caso, não há acio-namento manual.

Para a indicação de procedimentos analgé-sicos que utilizam alta tecnologia, como catete-res e bombas no domicílio ou em casas derepouso, as condições cognitivas, de humor e osuporte social do doente e de seu cuidador de-vem ser considerados. Se os mesmos não têmcondições de cuidar adequadamente dos siste-mas, seu uso é contra-indicado.

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Analgesia Controlada pelo Paciente

Consiste de bomba de infusão programávelque pode liberar a droga de modo contínuo e embolo. Quando o doente sente dor, aciona o siste-ma que libera dose extra da droga (previamentecalculada). É possível programar a dose de infu-são contínua, as doses de resgate e fixar o inter-valo de tempo entre as doses extras. Esse sistemapode ser utilizado por via subcutânea, intraveno-sa e peridural, mas, para uso domiciliar, a via sub-cutânea é a mais segura. Deve ser utilizada noscasos em que a maturidade cognitiva, a capaci-dade de compreensão e o alerta dos doentessejam suficientes para o uso do método de modoseguro e eficiente.

INTERVENÇÕES NÃO FARMACOLÓGICAS

A vivência dolorosa interfere no bem-estar fi-siológico, emocional, social e espiritual. O con-trole da dor é mais efetivo quando envolveintervenções múltiplas, farmacológicas e não far-macológicas, que atuem nos diversos componen-tes da dor.

Técnicas não-invasivas para o controle da dorcompreendem um conjunto de medidas de or-dem educacional, física, emocional e comporta-mental. São, em sua maioria, de baixo custo e defácil aplicação. Uma significativa parcela pode serensinada aos doentes e a seus cuidadores parauso domiciliar de modo eficiente e seguro, pois orisco de complicações e de efeitos colaterais épequeno. Algumas medidas estão mais bem esta-belecidas na literatura, como as de ordem física.Em outras situações, há dúvidas sobre a real efi-cácia e sobre os mecanismos de ação das inter-venções. Deve-se avaliar a opinião, as crenças,os valores e a preferência do doente/cuidadorpara a seleção das intervenções, pois a colabo-ração deles é condição indispensável para a im-plementação das propostas.

MÉTODOS FÍSICOS

Compreendem técnicas que os doentes po-dem utilizar em sua residência para o controlepaliativo da dor, sob orientação de um profissio-nal de saúde. Abrangem manobras como a apli-cação de calor e frio superficial, de técnicas deestimulação elétrica aplicadas à pele (transcutâ-nea), o uso de massagens, de técnicas de acu-pressão (“do-in”), o uso do repouso, exercícios ealongamentos suaves, entre outras. São eficazesem diversas síndromes álgicas. Para a seleção

das técnicas não-invasivas é fundamental conhe-cer a etiologia da dor, o local e as estruturas en-volvidas (pele, músculos, nervos, ossos ouvísceras).

Calor

Acredita-se que o calor reduza a dor por di-minuir a isquemia tecidual por meio do aumentodo fluxo sangüíneo e do metabolismo da região ediminuição do tono vasomotor. O calor melhoratambém as propriedades viscoelásticas do teci-do conectivo (aumenta a elasticidade do tecido),produz alívio da rigidez articular, alivia o espasmomuscular e auxilia na resolução de inflamaçãosuperficial localizada.

O calor é aplicado sobre o local da dor, pormeio de bolsas de água quente, compressas epela imersão da área em água quente, com tem-peratura entre 40oC a 45oC durante 20 a 30 minu-tos, algumas vezes ao dia (geralmente entre trêse quatro vezes).

Frio

Considera-se que a ação analgésica do frioesteja relacionada ao espasmo vascular, diminui-ção do fluxo sangüíneo local e resultante dimi-nuição do edema que advém de seu uso. O frioreduz a velocidade de condução nervosa, dimi-nuindo a chegada de estímulos nociceptivos àmedula espinhal e elevando o limiar da dor. O frioalivia o espasmo muscular pela redução da ativi-dade do fuso muscular e da velocidade de condu-ção dos nervos periféricos. As ações decorrentesdo uso do frio, geralmente, são mais duradourasque as advindas do calor, pois a vasoconstriçãose mantém por algum tempo, após a retirada dofrio. Frio superficial, em torno de 15o C, durantecerca de 10 a 15 minutos, duas a três vezes aodia, pode ser aplicado por meio de bolsas de águafria, bolsas de hidrocolóides, sacos com misturade água e gelo picado, imersão em água fria, com-pressas frias e gelo “mole” (mistura congeladade três partes de água e uma parte de álcool).

Massagem

Massagem manual pode ser entendida comoa aplicação de toque suave ou de força em teci-dos moles, usualmente músculos, tendões e li-gamentos, sem causar movimento ou mudançade posição da articulação. A massagem para oalivio da dor é um método intuitivo, de prática

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muito antiga. Acredita-se que a melhora da circu-lação (aumento do fluxo sangüíneo e linfático)relaxa a musculatura no local de sua aplicação,traz sensação de conforto e de bem-estar ao do-ente e alivia a tensão psíquica. Como em todatécnica de estimulação cutânea, há ativação defibras do sistema proprioceptivo, estimulação dosistema supressor de dor e inibição da conduçãodo impulso nervoso em nível medular. Qualquertécnica que utiliza as mãos reforça a confiançado doente. Existem diversos movimentos quepodem ser utilizados na massagem como desli-zamento, amassamento, fricção, percussão, com-pressão e vibração. O uso de óleos ou cremesauxilia o deslizamento das mãos na realização dosmovimentos. A massagem não deve ser realiza-da se o doente não deseja, quando há lesão dapele, óssea e se causa dor.

Vibração

É um modo de massagem elétrica, que podeser vigorosa ou não. Os possíveis mecanismosde ação assemelham-se aos da massagem e deoutros métodos de estimulação cutânea. Podemser utilizados para diversos tipos de dor, especi-almente nas musculares. O vibrador pode seraplicado durante 25 a 45 minutos, cerca de duasvezes ao dia, ou na região da dor, sobre pontosdolorosos e em regiões contralaterais à dor. A vi-bração não deve ser dolorosa.

Terapias Cognitivo-comportamentais

O uso desse tipo de terapia é baseado nosprincípios de que dor é, também, um comporta-mento socialmente aprendido e reforçado, ou não,pela interação do indivíduo com o meio ambien-te; que o indivíduo não é receptor passivo de in-formações e pode aprender ou reaprendercomportamentos mais adaptativos, isto é, quetragam maior funcionalidade e bem-estar. Acre-dita-se que os pensamentos podem afetar osprocessos psicológicos, influenciar o humor, de-terminar comportamentos e ter conseqüênciassociais. Por outro lado, o humor, o ambiente soci-al e os comportamentos podem influenciar osprocessos de pensamento. A partir de concep-ções sobre interação entre os pensamentos,emoções, ambiente e comportamento do indiví-duo na vivência e expressão da dor, procura-sepromover mudanças nos pensamentos, senti-mentos, crenças e comportamento dos doentesvisando ao melhor manejo da dor. O mecanismo

de atuação dessas terapias, bem como sua efi-cácia, não está completamente estabelecido.Não há critérios bem firmados sobre suas indi-cações. Muitas das técnicas utilizadas são deautocontrole e auto-regulação e são tradicional-mente utilizadas para o manejo do stress. Po-dem ser ensinadas aos doentes e cuidadorespara que eles a desenvolvam em instituições desaúde ou no domicílio.

Relaxamento

Pode ser definido como o estado de relativaausência de ansiedade e tensão muscular; a se-renidade da mente e dos músculos. Há diminui-ção do consumo de oxigênio, do tônus muscular,da pressão arterial, da freqüência respiratória ecardíaca, aumento da freqüência de ondas tipoalfa, entre outras ondas do traçado eletrence-falográfico. Técnicas de relaxamento podem seragrupadas de acordo com o procedimentoinicialmente utilizado: relaxamento respiratório,relaxamento progressivo, auto-relaxamento, ima-ginação dirigida e meditação. Tais estratégiasnão são excludentes e podem ser utilizadas emassociação.

Técnicas de Distração

Podem ser compreendidas como a focaliza-ção da atenção em outro estímulo que não a dor.É o aumento da estimulação de outros canaissensoriais como a audição, a visão e o tato. Aatenção à dor é prejudicada pela atenção a outroestímulo. O estímulo pode ser externo (ouvir mú-sica por fone de ouvido) ou interno (cantar). Ouso da distração pode aumentar a tolerância àdor e a sensação de controle. A imaginação diri-gida envolve o uso de imagens mentais e é fre-qüentemente referida com a criação de cenasagradáveis, visualização, sonhar acordado ou fan-tasia. O objetivo é produzir relaxamento, experi-mentar sensação de bem-estar, retirar o foco dador e diminuir a percepção da dor.

Biofeedback

Utiliza aparelhos para ajudar o indivíduo aaprender ou reaprender a controlar funções fisio-lógicas. Aplicam-se eletrodos no indivíduo, e umcomputador traduz as reações fisiológicas quandoela é submetida a certos estímulos. O biofeedbackpermite que o indivíduo se conscientize da rela-ção entre o estado físico e as ondas cerebrais, eassim aprenda a controlá-las.

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TRATAMENTO NEUROCIRÚRGICO

O tratamento neurocirúrgico da dor está indi-cado quando a farmacoterapia, a psicoterapia, otratamento fisiátrico e os bloqueios anestésicosnão proporcionam melhora satisfatória dos sinto-mas ou causam efeitos adversos de grande ex-pressão clínica.

PROCEDIMENTOS NEUROABLATIVOS

Os procedimentos neuroablativos são indica-dos, na maioria das vezes, para o tratamento dador oncológica.

Neurotomias

Para o tratamento da dor perineal está indi-cada a neurotomia do nervo pudendo. Consistena introdução percutânea de um eletrodo na re-gião perineal posterior e da estimulação seguidade lesão por radiofreqüência do tronco do nervopudendo. O procedimento bilateral é causa deincontinência urinária. A neuralgia occipital temindicação da neurotomia dos nervos occipitais, aneuralgia genitofemoral da neurotomia do geni-tofemoral e, em casos de meralgia parestésica,da neurotomia do nervo femorocutâneo. Já a neu-rotomia dos nervos recorrentes posteriores estáindicada para o tratamento da lombalgia resul-tante de síndrome dolorosa miofascial lombar,dorsal ou cervical rebelde aos procedimentosconservadores. Resulta em melhora expressivaimediata da dor em, aproximadamente, 80% dosdoentes2.

Simpatectomias

Simpatectomias estão indicadas para o tra-tamento da dor visceral abdominal, pélvica etorácica.

A neurólise do plexo celíaco está indicadapara o tratamento da dor visceral inflamatória ouneoplásica, especialmente das afecções pancre-áticas, gástricas, hepáticas, esofágicas caudais,duodenais, da pelve renal, da glândula supra-re-nal e dos linfonódios retroperitoneais3. Consistena punção percutânea sob controle tomográfi-co ou radioscópico do quadrante ântero-lateralda primeira vértebra lombar e da injeção no teci-do areolar perivertebral lombar de 20 a 25 mL deálcool absoluto. A punção a céu aberto duranteato de laparotomia é outra opção. Hipotensãopostural, diarréia e derrame pleural podem ocor-

rer, sendo geralmente controlados com medidassintomáticas2,3,4.

A simpatectomia do gânglio estrelado estáindicada para o tratamento da causalgia que aco-mete os membros superiores. Pode ser realizadapor punção percutânea e injeção de 5 mL de ál-cool no gânglio na região supra-esternal5. A sim-patectomia do segundo e terceiro gângliossimpáticos da cadeia lombar quer percutânea,com álcool ou fenol, quer cirúrgica, está indicadapara o tratamento da causalgia dos membros in-feriores4. A simpatectomia torácica é utilizada parao tratamento da dor visceral do tórax. Consistena administração percutânea de agentes líticosao longo da cadeia simpática torácica.

A neurectomia pré-sacral consiste na interrup-ção do nervo hipogástrico inferior visando ao tra-tamento da dor visceral pélvica.

Rizotomias

Estão indicadas nos casos de dor em áreasrestritas, especialmente na face, o crânio, nas re-giões cervical, torácica, lombar e perineal. A rizo-tomia percutânea por radiofreqüência do nervotrigêmeo ou do glossofaríngeo está indicada parao tratamento, respectivamente, da dor na face ena faringe, loja amigdaliana, base da língua e ore-lha6. A rizotomia do nervo intermediário é realiza-da por craniectomia retromastóidea e é indicadapara o tratamento da dor da orelha externa. A ri-zotomia cervical, torácica e sacral a céu abertoou percutânea é eficaz em casos selecionadosde dor restrita às regiões superficiais do corpo erestrita a poucos dermatômeros7.

Segundo Corrêa e Teixeira (1998)8, a com-pressão do gânglio de Gasser com um balão parao tratamento da neuralgia do trigêmeo foi intro-duzida em 1978 e publicada em 1983 por Mullane Lichtor9. Esse procedimento foi originalmenterecomendado quando outras técnicas foram con-sideradas falhas para o alívio da dor trigeminal.Atualmente, esta técnica tem sido proposta, comvantagens, para o tratamento da neuralgia do tri-gêmeo, qualquer que seja a divisão afetada, tan-to pela simplicidade quanto pela segurança. Atécnica de punção é similar à empregada quan-do se usa a técnica da radiofreqüência. Com umaagulha 15 G atingimos o gânglio trigeminal. Umcateter tipo Fogarty 4 F é introduzido na regiãodo gânglio. A seguir, o balão é inflado com 0,65 a1 mL de contraste iodado por 45 a 60 segundos.É, a seguir, desinsuflado e removido junto com aagulha. Pode ser realizado sob bloqueio troncu-

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lar do gânglio trigeminal com 0,2 a 0,4 mL de li-docaína a 1%, sob sedação com propofol ouneuroleptoanalgesia. Mortalidade não é descrita.A paresia dos músculos mastigatórios é freqüen-te, sem repercussões clínicas e sempre regressí-vel em até dois meses após a realização doprocedimento operatório. Todos os doentes re-ferem alguma grau de parestesia que regride sig-nificativamente em cerca de 30 a 60 dias; noentanto, 15% dos casos podem permanecer comalgum grau de parestesia na hemiface tratada.Hoje é uma das técnicas preferidas para o trata-mento da neuralgia essencial do nervo trigêmeo.

A rizotomia do nervo intermediário é realiza-da após exposição dessa estrutura nervosa pelacraniectomia retromastóidea.

Lesão do Trato de Lissauer e do CornoPosterior da Medula Espinal (DREZ)

Consiste na lesão, por radiofreqüência, dotrato de Lissauer e da substância cinzenta docorno posterior da medula espinal, onde há hi-peratividade neuronal em casos de dor por de-saferentação. Essa técnica é realizada para otratamento da dor no membro fantasma, da dorresultante de neuropatias plexulares actínicas,oncopáticas e traumáticas, neuralgia pós-her-pética e dor mielopática e por lesão da caudaeqüina.

Para o procedimento espinal há necessida-de de anestesia geral e de laminectomia, visandoexpor a zona de penetração, na medula espinal,das raízes correspondentes à inervação das áre-as onde a dor é referida, assim como dos derma-tômeros rostrais e caudais vizinhos. A dura-máteré aberta na linha mediana e a exposição da zonade entrada da raiz é realizada como emprego demicroscópio cirúrgico. A localização dos derma-tômeros é realizada mediante estimulação elétri-ca monopolar das raízes motoras. Eletródios detungstênio ou aço inoxidável, com 0,5 mm de di-âmetro e 2 mm de superfície de contato, dirigidoscom inclinação de 25º de fora para dentro e detrás para frente, no plano transversal, são intro-duzidos e penetrados por 2 mm na profundidadeem cada segmento. A seguir, lesões térmicasgeradas por radiofreqüência a cada 2 mm sãorealizadas com correntes de 50 mA, durante 15segundos ou a 70ºC durante 60 segundos, nazona de penetração das raízes correspondentesaos locais onde a dor é referida e no terço proxi-mal das raízes justapostas. Em casos de mielo-patia traumática são realizadas na zona de entrada

das três raízes situadas acima do segmento ana-tomicamente anormal10.

Nucleotomia Trigeminal Pontina

É um procedimento eficaz para o tratamentoda dor facial por desaferentação que não apre-sentou melhora após a nucleotratotomia caudal11.Resulta em melhora de, aproximadamente, 60%dos doentes com dor facial atípica12.

Consiste na fixação do equipamento de es-tereotaxia ao segmento cefálico dos doentes eda realização de estereotomografia e a delinea-ção do quarto ventrículo cerebral. Após fusão dasimagens radiográficas com as dos atlas de este-reotaxia, o alvo é delineado e a indução de le-sões por radiofreqüência na porção oral do núcleodo trato espinal do nervo trigêmeo é realizada12.

Cordotomia

É o método ideal para o tratamento da doroncológica que acomete unilateralmente segmen-tos distais dos membros superiores e inferiores.Consiste na interrupção do trato espinotalâmicono quadrante ântero-lateral da medula espinaloposto ao lado em que a dor é referida.

A cordotomia cervical percutânea é realizadasob anestesia local, com a cabeça apoiada nofixador de Rosomoff. Após procedimento perimi-elográfico para delineação da medula espinal edo ligamento denteado, efetua-se introdução, porvia lateral entre a primeira e segunda vértebrascervical, de um eletrodo no quadrante ântero-la-teral da medula espinal. Após certificação da suacorreta posição através da impedância tecidual ede estímulos elétricos, realiza-se a lise do tratoespinotalâmico por radiofreqüência13.

Mesencefalotomia

Tem como propósito interromper as vias es-pinorreticulotalâmicas que estão envolvidas nasensação parestésica e disestésica nos doentescom dor neuropática. O procedimento consistena fixação, sob anestesia local, de um aparelhode estereotaxia ao segmento cefálico dos doen-tes. Após a realização de estereotomografia ouestereorressonância magnética, os alvos anatô-micos são identificados. Através de uma perfura-ção localizada na região frontal ou occipital, umeletrodo é introduzido e dirigido para o alvo de-terminado. Através dele é realizado o registro daatividade celular encefálica profunda e, a seguir,

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a estimulação elétrica para delinear a estrutura aser tratada operatoriamente. Por radiofreqüência,lesões térmicas são a seguir induzidas14.

Sonolência e dissinergia da motricidade ocu-lar temporárias são as complicações mais co-muns. A mesencefalotomia apresenta comocomplicação mais freqüente a paresia do olharconjugado para cima que se manifesta de modopermanente em cerca de 30% dos doentes. Di-sestesias ocorrem na freqüência de 4,3% a 50%dos casos15,16.

Talamotomia

A talamotomia é indicada para o tratamentoda dor resultante de lesões do sistema nervosoperiférico, da medula espinal e do encéfalo. Ali-via temporariamente 40% a 70% dos casos. Osresultados, entretanto, freqüentemente são insa-tisfatórios em longo prazo. Os procedimentosobedecem aos princípios da cirurgia estereotáxi-ca. Em 1981, Hitchock e Teixeira15, num estudocomparativo entre lesões no núcleo centromedi-ano e talamotomia basal para alívio imediato dador em doentes com dor por lesão encefálica,neuralgia pós-herpética, dor pós-cordotomia, dorpós-tratotomia e dor decorrente de mielopatia poresclerose múltipla, obtiveram uma taxa final demelhora de 82,4%, tendo ocorrido 48% de com-plicações, em geral temporárias. Houve 18% decomplicações permanentes, especialmente apósa talamotomia basal. Anormalidades cognitivasocorreram em 36% dos casos e anormalidadesoculomotoras em 52%. Em 16% dos casos forampermanentes.

Psicocirurgias

A hipotalamotomia póstero-medial, a cingu-lotomia e a capsulotomia anterior são indicadasem doentes que apresentam componentes an-siosos, depressivos e obsessivos incapacitan-tes não controlados com medicação psicotrópicae psicoterapia7. Os procedimentos obedecemaos princípios da cirurgia estereotáxica. As com-plicações são raras7. Proporciona bons resulta-dos em casos de dor mielopática, lesão damedula espinal e da cauda eqüina e avulsão deraízes nervosas7.

PROCEDIMENTOS ENDOCRINOLÓGICOS

A hipofisectomia microcirúrgica por via trans-frontal ou transesfenoidal microcirúrgica, estere-

otáxica transnasal por radiofreqüência ou poragentes químicos ou por radiação ionizante pro-porciona alívio da dor por neoplasias hormônio-dependentes e não dependentes, como tambémda dor por desaferentação7. Supressão hormo-nal, privação do efeito neurotransmissor do hor-mônio antidiurético nas unidades nociceptivas ea liberação da atividade do sistema nociceptivotonicamente inibido por algum fator hipofisário sãoas justificativas para a melhora da dor após a hi-pofisectomia7.

PROCEDIMENTOS NEUROAUMENTATIVOS

Os procedimentos neuroaumentativos sãoindicados, na maioria das vezes, para o tratamentoda dor por desaferentação.

Estimulação do Sistema NervosoPeriférico

A estimulação elétrica do sistema nervosoperiférico visa à ativação das vias supressorasda dor e ao bloqueio eletrofisiológico das unida-des receptivas. Consiste na implantação de umeletrodo sobre troncos nervosos periféricos quese distribuem ao longo do território desaferenta-do e de um gerador de pulsos, com parâmetrosmodulados por radiofreqüência, no tecido celu-lar subcutâneo regional. Está indicado em ca-sos de dor mononeuropática14. O resultado daestimulação das estruturas do sistema nervosoperiférico, mediante técnica transcutânea ou poreletródios implantados ao longo das fibras ner-vosas é freqüentemente satisfatório nas fasesiniciais do tratamento7.

Estimulação da Medula Espinal

A estimulação elétrica da medula espinal, comfinalidade de proporcionar alívio da dor, foi pro-posta por Shealy e cols.17, em 1967.

O caráter pouco agressivo da estimulaçãoelétrica medular torna essa a técnica de esco-lha para doentes com preservação da funçãoneurológica e, especialmente, para o tratamentode algumas entidades em que há zonas restri-tas de desaferentação, tal como ocorrem emcasos de distrofia simpático-reflexa, radiculopa-tia isolada e mielopatia sem comprometimentototal da medula espinal.

A técnica de estimulação elétrica medularepidural percutânea é realizada sob anestesia lo-cal. Quando é empregada a técnica de estimula-

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ção medular a céu aberto, os doentes são manti-dos com anestesia geral e operados em decúbi-to ventral horizontal.

A técnica de implante a céu aberto é utilizadaapenas quando, por razões técnicas, o implantepercutâneo não pode ser realizado, tal como ocor-re em doentes que se submeteram a amplas la-minectomias e a punção do espaço periduralpode tornar-se impossível.

Estimulação Elétrica Encefálica

Compreende a estimulação encefálica pro-funda e estimulação cortical abaixo descritas.

Estimulação Encefálica Profunda

Ainda não foi esclarecido o mecanismo peloqual há melhora da dor com a estimulação ence-fálica profunda. Alguns autores demonstraramque há liberação de neurotransmissores morfíni-cos no líquido cefalorraquidiano após a estimula-ção da substância periaquedutal mesencefálicae substância cinzenta periventricular.

Foram descritos casos isolados de melhorade doentes com dor mielopática e por lesão dacauda eqüina tratados pela estimulação dos nú-cleos talâmicos sensitivos, lemnisco medial esubstância periaquedutal mesencefálica.

O ato operatório consiste, sob anestesia lo-cal, na fixação do aparelho de estereotaxia aosegmento cefálico. É realizada trepanação sobrea sutura coronária, a 2 cm da linha mediana, nolado contralateral àquele em que a dor é referida.Baseado nas imagens obtidas com a estereoto-mografia são realizados cálculos estereotáxicos.Pelo orifício de trepanação, um eletrodo é intro-duzido para permitir a estimulação elétrica dasestruturas nervosas. O eletrodo é conectado a umgerador de pulsos, programado para gerar estí-mulos a 130 Hz, durante cerca de 60 segundos,a cada dez minutos.

Aproximadamente 20% dos doentes apresen-tam complicações após a estimulação cerebralprofunda. Porém, em apenas 4% são permanen-tes. Em menos de 1% há incapacidade perma-nente ou morte.

Estimulação Cortical

A estimulação cortical proporciona melhoraimediata em considerável número de casos dedor neuropática. A recorrência ocorre em 30%

dos doentes. A melhora da dor por desaferenta-ção está relacionada, provavelmente, à supres-são da atividade talâmica pelos neurônios daárea motora.

Consiste na realização, sob o controle este-reotomográfico, de uma trepanação na região dovértex contralateral ao lado da dor e da aplicaçãode um eletrodo em placa sobre o espaço epidu-ral que cobre o giro pré-central. O controle doposicionamento é realizado pelo registro da ativi-dade sensitiva gerada pela estimulação elétricada região ou pelo potencial evocado pela esti-mulação do nervo mediano contralateral. Após pe-ríodo de testes, com duração de uma a duassemanas, um gerador de pulsos é implantado notecido celular subcutâneo da região peitoral.

Sistemas de Infusão de Drogas

Dor gerada por neoplasia, dor miofascial eneuropática podem ser tratadas por dispositivosprovidos de câmaras carregáveis com agentesanalgésicos, conectados por cateteres com ocompartimento peridural e subaracnóideo espi-nal ou ventricular encefálico, especialmentequando a administração sistêmica ou através decateteres epidurais de agentes morfínicos aliviapreviamente o desconforto, mas resulta em de-senvolvimento de tolerância, perda da efetivida-de ou na ocorrência de adversidades. Osagentes mais utilizados são o sulfato de morfi-na, tramadol, clonidina e baclofeno. As câmarasnecessitam ser puncionadas para que os agen-tes analgésicos sejam injetados periodicamen-te. As bombas contêm reservatórios que sãocarregados periodicamente a intervalos de tem-po longos.

As cirurgias são realizadas sob anestesiageral. Consistem na implantação, por punçãopercutânea, no compartimento subaracnóideo, decateter com a extremidade posicionada na regiãodo nono segmento espinal dorsal em casos dedor nos membros inferiores e no tronco, e no quar-to segmento dorsal em casos de dor acometen-do os membros superiores e a região cervical. Ocateter raquidiano é conectado à bomba implan-tada no tecido celular subcutâneo que cobre ogradeado torácico ou no tecido celular subcutâ-neo dos hipocôndrios. Em casos de dor no seg-mento cefálico ou cervical, está indicado oimplante após trepanação frontal, de um cateterno interior do ventrículo cerebral, que é conecta-do a uma bomba, sepultado como descrito emcasos de implante no compartimento espinal.

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5CAPÍTULO

AvaliaçãoPsicológica da Dor

GILDO ANGELOTTI

JAMIR JOÃO SARDÁ JR.

INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA DOR

A raiz latina da palavra dor é dolor, que sig-nifica sofrimento. No cotidiano, o termo dorestá vinculado ao sofrimento físico e/ou men-tal. Outras definições referem-se à dor como so-frimento moral, mágoa, pesar, desconforto,sensação desagradável. A dor crônica é expres-sa inicialmente através de numerosas afecçõesorgânicas e funcionais, sendo a razão maior deincapacidade em diversas afecções clínicas.Apesar do desconforto existente, a função inici-al da dor é informar sobre um perigo potencialou real, bem como da quebra da homeostaseorganísmica* . Entretanto, a dor crônica, em al-gumas situações, proporciona sofrimento des-necessário, nocivo tanto ao estado físico quantoemocional do indivíduo2-4.

Segundo a IASP (Associação Internacionalpara o Estudo da Dor), a dor é uma experiênciadesagradável, sensitiva e emocional, associadaa uma lesão real ou potencial dos tecidos ou des-crita em termos dessa lesão. A dor é a causa maiscomum para que um paciente procure um médi-co; e cerca de 75% das pessoas que o fazem

referem estar com algum tipo de dor. A dor é umsintoma freqüente, presente tanto em doençasagudas quanto crônicas.

Segundo Pimenta (1999)22, a prevalência dedores crônicas na população em geral varia entre7% e 40%, embora mais recentemente estima-seque este número seja um pouco maior.

A experiência dolorosa é um fenômeno com-plexo e multidimensional determinado não apenaspela área lesada, mas também por experiênciasprévias com eventos dolorosos, estado emocio-nal, história familiar, ganhos secundários, dentreoutros aspectos. Dada a suas características, aavaliação da dor deve compreender, além dosaspectos da lesão nos tecidos, fatores que abar-quem as emoções experimentadas pelo sujeito,aspectos culturais, relações com o ambiente erespostas advindas do quadro álgico.

Embora cada vez mais estudos especializa-dos tenham contribuído para a compreensão darelação mente-corpo, conhecemos empiricamen-te apenas a relação entre alguns padrões psico-lógicos e estados emocionais e a etiologia emanifestação de certas doenças** .

*Refere-se à condição de estabilidade orgânica ou estado saudávelde um organismo.

**Goleman e Gurin, em Equilíbrio Mente e Corpo, fazem uma revisãocuidadosa e de fácil acesso ao leitor sobre a relação entre diversasdoenças e aspectos psicológicos.

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Durante o século XX diversos modelos teóri-cos abordaram com mais propriedade os fenô-menos dolorosos. Coincidentemente, a difusãode modelos explicativos teóricos irá perpassarduas das principais questões centrais na cons-trução da ciência psicológica: como descrever arelação entre mente e corpo em termos estrutu-rais? Como acessar os fenômenos psicológicosvivenciados subjetivamente com precisão?

A forma como a dor se manifesta é influenci-ada por diversos fatores biológicos, sociais, cul-turais e psicológicos. De acordo com McDowell(1996)16, diversos aspectos individuais e cultu-rais, incluindo sexo, idade e personalidade sãoapontados como mediadores da manifestaçãoe expressão de dores. Variáveis como sexo, ida-de e cultura têm sido investigadas em diversosestudos1,27, mostrando-se presentes na instala-ção e manifestação de síndromes dolorosas.Aspectos cognitivos como valoração* e estra-tégias de enfrentamento parecem também influ-enciar respostas à dor. Dentre diversos sintomaspsicológicos, a depressão, a ansiedade e ostress têm sido reconhecidos como importantesaspectos moduladores da manifestação de sín-dromes dolorosas.

A compreensão da dor como um fenômenomultidimensional é predominantemente funda-mentado nas teorias desenvolvidas a partir demeados do século XX** . De acordo com Melzack(1975)18, Beecher, em 1950, já descrevera a pre-sença de dois componentes distintos da dor: ocomponente sensorial e o componente reativo,este último considerado por ele uma função dapersonalidade e dos fatores sociais e emocionais.

Posteriormente, Melzack e Wall, em 1965,contribuíram significativamente para a identifica-ção de alguns fatores presentes na instalação emanifestação de dores, através da construção daTeoria do Controle de Portais (Gate Control The-

ory), que se propôs a ser um modelo de compre-ensão multidimensional mais efetivo da dor. Paraa Teoria do Controle dos Portais, a estimulaçãoda pele ou de outros órgãos evoca impulsos ner-vosos transmitidos a três sistemas da espinha dor-sal: as células da substância gelatinosa, as fibrasda coluna vertebral que se projetam em direçãoao cérebro e os transmissores centrais.

A Fig. 5.1 descreve, de forma ilustrativa, omecanismo de portais envolvidos na mediaçãode estímulos dolorosos***.

*Appraisal.**Embora Aristóteles, Descartes, Muller, Von Frey, Fordyce, dentreoutros, já houvessem apresentado modelos teóricos sobre a dor.

Fig. 5.1 – Diagrama esquemático da Teoria de Controle de Portais.

Sistema de controle do portıo

+

+

+

_

_

_

SG

P

G

INPUT

Controlecentral

TSistemade a˘ıo

Para Melzack e Wall (1965)17, a substância ge-latinosa funciona como um sistema de controlede portal, modulando os padrões aferentes an-tes desses influenciarem as células “T”. Os pa-drões aferentes na coluna dorsal atuam em partecomo um controle central de disparo, que ativadeterminados processos neurais, tais como a li-beração de neurotransmissores e outras substân-cias, influenciando as propriedades modulatóriasdo sistema de portal. As células “T”, por sua vez,ativam mecanismos neurais que compreendemo sistema de ação responsável por respostas epercepção de estímulos.

A Teoria do Controle de Portais enfatiza a im-portância da modulação de estímulos dolorososrealizada pela espinha medular, pelo sistema ner-voso central e pelo hipotálamo. Nesse sentido,diversos aspectos cognitivos, emocionais e com-portamentais acima descritos podem participardesse processo de modulação da dor à medidaque podem interferir na percepção e resposta aestímulos dolorosos.

Atualmente, há um certo consenso na litera-tura especializada sobre o reconhecimento daparticipação de diversas estruturas fisiológicasnos processos de dor, bem como a existência devariáveis emocionais e da aprendizagem socialintervenientes neste processo. A IASP comparti-lha do modelo teórico de Melzack e Wall ao re-

***Diagrama esquemático gentilmente cedido por Ronald Melzack.

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ferendar, no seu core curriculum* , a importân-cia da investigação de diversos aspectos naavaliação de pacientes com dor, a saber: apren-dizagem e experiência na infância; aspectos cul-turais; ambiente familiar e social; aspectoslaborais; história da doença atual, pregressa efamiliar; utilização de medicação; alimentação;estrutura de personalidade; afetividade; ganhossecundários; imagem corporal; e representa-ções, expectativas e crenças, já que estes po-dem ser fatores mediadores da instalação emanifestação da dor crônica.

O DIAGNÓSTICO DA DOR

A dor é considerada uma das experiênciasmais antigas vivenciadas pelo homem. Existemevidências científicas sobre a participação de va-riáveis biológicas e psicológicas na dor, emboraum diagnóstico preciso nem sempre seja umatarefa fácil, dada as características e condiçõespeculiares da etiologia e manifestação das sín-dromes dolorosas nas pessoas e a subjetividadeda dor.

Para Tollison e Langley (1995)24, os métodosde intervenção e de diagnóstico de processosdolorosos desenvolvidos até o momento, tendema medir indiretamente a dor. Em função da dorser um fenômeno subjetivo e individualizado, exis-tem dificuldades para mensurá-la. Apesar da ine-xistência de métodos que demonstrem o tipo deexperiência nociceptiva da dor, temos a capaci-dade de obter informações que representam ainterpretação do indivíduo sobre a experiência,modificada por aquilo que a pessoa deseja quenós saibamos sobre ela. Por outro lado, avalia-mos a dor de um sujeito pela nossa própria expe-riência ou com base em observações realizadasem outrem, em situações similares. Na avaliaçãodo quadro álgico, podemos medir a sensibilida-de à dor induzida em ambiente de laboratório ouem nossa própria clínica ou mensurarmos o nívelda sua espontaneidade em função de uma lesãoou comportamentos disfuncionais6. O grandedesafio, portanto, consiste em compreender osistema de variáveis fisiológicas, emocionais ecomportamentais envolvidas nesse processo,bem como os mecanismos psicológicos envolvi-dos na modulação da dor.

Para os profissionais que tendem a abordaro paciente como um todo e não apenas comoum local dolorido, sempre que possível o diag-nóstico da dor deve ser clínico, radiológico e la-boratorial, o que implica a participação dediversos profissionais. Dentro deste trabalhoestaremos focalizando mais especificamente odiagnóstico e/ou a avaliação das dimensões psi-cológicas da dor.

Para Pimenta (1999)22, os objetivos da avali-ação da experiência dolorosa são estabeleceros elementos determinantes ou contribuintespara o quadro fisiopatológico, aquilatar as limi-tações e sofrimentos advindos da dor e norteara escolha das intervenções implementadas. Se-gundo a autora (1999), a avaliação da experiên-cia dolorosa é fundamental para se compreendera origem e magnitude da dor, e para implemen-tar e avaliar intervenções. A necessidade dequantificar e qualificar a sensação dolorosa e demedir o alívio obtido com as terapias levou aodesenvolvimento de instrumentos de avaliaçãode dor que facilitam a comunicação com o do-ente e permitem comparações individuais e gru-pais, possibilitando uma maior compreensãoda experiência dolorosa e suas repercussõesna vida do doente, auxiliando no diagnóstico e naescolha terapêutica.

De acordo com Tollisson (1996)25, o principalpropósito da avaliação psicológica de pacientescom dor é detectar fatores emocionais/compor-tamentais que possam estar complicando ou per-petuando a síndrome dolorosa. Podemosconsiderar que o objetivo principal do diagnósti-co é identificar fatores intervenientes em quadrosde dor crônica, proporcionando subsídios para aintervenção.

Apesar das evidências já citadas entre a as-sociação de diversos fatores psicológicos e do-res crônicas e a importância do diagnóstico, nãoé necessário que todo paciente realize uma ava-liação psicológica. Neste sentido existem algunscritérios norteadores que justificam a solicitaçãode uma avaliação psicológica:

• Quando os sintomas ou queixa trazidos pelopaciente são maiores que os esperados pelaavaliação clínica ou exames.

• Quando houver percepção ou dúvida sobre apresença de sintomas emocionais e/ou com-portamentais (ex: depressão, stress, uso dedrogas).

• Quando o paciente estiver fazendo uso exces-sivo do sistema de saúde.

*Indicador da Internacional Association for the Study of Pain, referindoa importância de diversos aspectos a serem investigados naavaliação da dor.

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• Quando os sintomas ou dores crônicas persis-tirem por muitos anos.

• Quando houver evidências de estratégias de en-frentamento inadequadas ou não efetivas porparte do paciente.

Podemos constatar que existem diversosmodelos teóricos e várias evidências científicasque descrevem a participação de diversas variá-veis intervenientes em quadros álgicos passíveisde atuar como moduladores de estímulos dolo-rosos. Em contrapartida a isto, uma das maioresdificuldades dos profissionais da área consiste emoperacionalizar o acesso a essas variáveis.

DIMENSÕES DA AVALIAÇÃO

PSICOLÓGICA EM PACIENTES COM DOR

Tanto a amplitude quanto o foco da avaliaçãoda dor podem privilegiar aspectos distintos, asaber: sensações de dor, limitações impostaspelos sintomas, estratégias de enfrentamento,estados emocionais associados à dor, dentre umainfinidade de outros aspectos. Dessa forma, amultidimensionalidade de aspectos presentes nainstalação de quadros dolorosos obriga os pro-fissionais da área a abordar as diversas dimen-sões da dor.

De acordo com Craig (1994)13, a avaliação dador deve abordar duas dimensões: os aspectossensoriais da dor e a resposta emocional do indi-víduo à experiência dolorosa, ou seja, as dimen-sões sensoriais e emocionais. Embora o esquemaproposto por Craig aborde aspectos relevantesna avaliação da dor, o modelo tridimensional en-fatiza com mais propriedade e distinção as trêsdimensões da dor. Segundo esse modelo, ado-tado por diversos centros de excelência na avali-ação e tratamento da dor, a avaliação da dor deveincluir três dimensões: sensório-discriminativa,motivacional-afetiva e cognitivo-avaliativa.

A dimensão sensório-discriminativa diz res-peito aos componentes físicos da dor e concerneà percepção da dor no que se refere à nocicep-ção, aos estímulos eliciadores deste processo eaos aspectos mecânicos, térmicos e espaciais.A dimensão motivacional-afetiva refere-se à inter-pretação da dor. Envolve aspectos como tensão,respostas neurovegetativas, medo, punição eoutros sentimentos. A dimensão cognitivo-avali-ativa compreende os aspectos relacionados àcompreensão da experiência dolorosa e inclui ovalor atribuído pela pessoa a esse evento, a partirdas características sensoriais e afetivas, e em fun-

ção de suas experiências prévias, significado dasituação, representações dos sintomas e outrosaspectos cognitivos.

De um modo geral, os especialistas na áreaconcordam que a avaliação dessas três dimensõesdeve, sobretudo, abordar três questões centrais:a. Qual a extensão e a magnitude da doença ou

sintoma?b. Como a dor interfere na vida do paciente e

quais as limitações impostas por ela?c. Quando e como os sintomas podem estar sen-

do alterados por aspectos sociais, emocionaisou comportamentais?

Partindo desses pressupostos, podemosperceber que existe uma tendência atual em en-focar a avaliação da dor sobre os aspectos inter-venientes nesse processo, em contrapartida àsabordagens anteriores que priorizavam a compre-ensão de aspectos etiológicos da dor. É de sumaimportância que tenhamos clareza de que, dadaa multidimensionalidade deste fenômeno, existeminúmeros enfoques.

Nesse sentido, o modelo proposto por Cruz(2001)9 sobre as áreas de conhecimento da ava-liação enfatiza a necessidade de compreenderas características do objeto/fenômeno ou pro-cesso a ser avaliado, o objetivo da avaliação, osistema conceitual ou modelo teórico utilizado eo método.

Partindo desse pressuposto, podemos cons-tatar que existem diversos fenômenos ou aspec-tos a serem compreendidos na avaliação dopaciente com dor crônica, ou seja, o objeto deavaliação é mutidimensional. Além disso, existeminúmeros modelos teóricos* ou teorias sobre dor.Em função dessas duas dimensões anteriorespodem existir objetivos bastante distintos numprocesso de avaliação em função do modelo te-órico adotado e do objeto a ser avaliado. Umavez que os problemas anteriores sejam resolvi-dos/definidos, cabe ao profissional escolher ométodo mais adequado à avaliação do fenôme-no definido.

Ao longo deste capítulo pretendemos ofere-cer subsídios para que o acadêmico ou profissi-onal dessa área tenha claros as possibilidades eos limites na área de avaliação psicológica dedores crônicas.

*Os modelos teóricos sobre dor, segundo Turk, podem serclassificados em: dualismo mente-corpo; teorias padrão, psicológica,comportamental operante-radical, cognitiva radical; a teoria docontrole de portais, a comportamental-operante não-radical e a teoriacognitivo-comportamental.

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No que se refere aos objetos de compreen-são da avaliação, estes podem ser classificadossegundo as três dimensões anteriormente des-critas. Já o objetivo da avaliação pode se con-templado quando falamos das questões centraisa serem avaliadas, ou ainda quando enfatizamosque um dos objetivos da avaliação é identificarquais os aspectos intervenientes em quadros dedor crônica. No tocante ao método, iremos ater-nos a essa questão posteriormente.

MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO DA DOR

E SEUS INSTRUMENTOS

No que concerne o método, a avaliação dador pode ser divida em três grandes categorias:medida de respostas fisiológicas da dor, obser-vações de comportamentos relacionados à dor edescrições verbais ou escritas da dor e variáveisassociadas a esta.

As medidas de respostas fisiológicas da dorgeralmente são realizadas em laboratórios ou clí-nicas médicas e consistem em medir o limiar fisi-ológico, o limiar de tolerância e a resistência ador. Segundo Lobato (1991)15, o limiar fisiológicopode ser definido como o ponto em que um dadoestímulo é percebido como doloroso, e é estávelde um indivíduo para outro. O limiar de tolerânciaé o ponto em que o estímulo não pode mais seraceitavelmente suportado, difere do limiar fisioló-gico porque varia individualmente e em diferen-tes situações, e é influenciado por aspectosculturais e psicológicos. A resistência à dor é adiferença entre o limiar fisiológico e o limiar detolerância e indica a capacidade do indivíduo detolerar um estímulo doloroso, sendo também in-fluenciado por aspectos psicológicos e culturais.

Deve-se observar que certos requisitos sãonecessários para se obter limiares confiáveis quenos permitam relacioná-los a outros fatores, taiscomo os efeitos produzidos pelo meio ambiente,personalidade e antecedentes étnicos.

As características para se obter estímulos ide-ais podem ser vistas a seguir:

1. Uma amplitude de variação de força suficientepara se conseguir os limiares descritos.

2. Uma reprodutibilidade fiel.

3. Uma facilidade de controle e segurança no uso,não causando lesão tissular excessiva.

4. Uma qualidade claramente definida que per-mita ao sujeito fazer uma avaliação fiel dos ní-veis limiares.

O intervalo entre os limiares é uma medidado grau de tolerância individual para a dor, quepode variar conforme fatores pessoais e sociais.No sexo feminino o limiar e a tolerância, quandocomparados com o sexo masculino, tendem a serinferiores, bem como em sujeitos mais emotivos,em ambos os sexos. Sujeitos com transtornos deansiedade e humor apresentam limiares e tole-rância mais baixos, devido à preocupação comassuntos relacionados à saúde em geral. Podemtambém ocorrer elevações nos limiares em fun-ção do uso de analgésicos e tranqüilizantes, ape-nas nos casos de ansiedade, sendo esta outrofator importante na alteração.

As observações de comportamentos relaci-onados à dor permitem a compreensão da mani-festação da dor no que se refere à interpretaçãoe resposta a estímulos dolorosos. As observaçõespodem ser definidas como medidas comporta-mentais da dor e as abordagens mais comunssão o registro de limitações funcionais em funçãoda dor, bem como a observação de respostasvoluntárias e involuntárias à dor. Freqüentementeno estudo da dor em recém-nascidos utiliza-sedesse método para a compreensão do fenôme-no doloroso, já que nessa população a compre-ensão deste fenômeno por meio de entrevistasou relatos escritos é inviável.

As descrições verbais ou escritas da dor sãocom freqüência os métodos mais utilizados. Es-calas de dor, entrevistas, testes psicológicos, téc-nicas projetivas e diários de dor permitem acompreensão da subjetividade do paciente e dediversas outras variáveis não acessadas pelosdois outros métodos acima descritos. Atravésdesses métodos podemos acessar os compo-nentes motivacional-afetivo, sensório-discrimina-tivo e cognitivo-avaliativo.

As escalas mais utilizadas para a avaliaçãoda dor como forma subjetiva de descrever os sen-timentos são as Escalas Analógicas Visuais, Gráfi-cas verbais e Alfanuméricas. Apresentaremos algunsmodelos de escalas, descritas na Tabela 5.1.

Essas escalas possuem uma medida idênti-ca, com 10 cm na horizontal, diferenciadas ape-nas no modo de apresentação. Devem serutilizadas no início e no final de cada consulta, eo crivo para avaliação serve para identificar o li-miar de dor referido pelo cliente e se esta é “su-portável” ou “insuportável”. Estas podem consistirde apenas um pequeno risco na vertical, no casoda EAV, e nas demais o sujeito pode circular apalavra ou o número que descreve a dor que está

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sentindo no momento em que é avaliado. Acimade 5 cm indica 50% da dor que o sujeito sente, eabaixo de 5 cm, indica a proximidade da dor quesente, ou seja, mais próxima de uma dor consi-derada “suportável”, observada apenas na EAV ena EAN.

No caso da EGV o crivo para avaliação con-siste na resposta que o sujeito circula. São esca-las de fácil apresentação e que o sujeito, apósalgumas consultas, informa ao clínico como estáse sentindo naquele exato momento, sem a ne-cessidade de registrar tais eventos. Essas esca-las são utilizadas como registros diários, emsituações que o sujeito relata ao clínico sobrecomo enfrenta e manuseia a dor diariamente.

Tais registros servem para o clínico identificaro progresso do tratamento e as possíveis tarefasque deve prescrever ao sujeito, no intuito de pro-por metas específicas a cada indivíduo (Tabela 5.1).Existem outras formas de medir a dor, por meio deinventários ainda não validados pela literatura bra-sileira, mas muito utilizados em clínicas especiali-zadas no tratamento e manutenção da dor.

As técnicas projetivas de certa forma se as-semelham aos testes psicológicos em algunsaspectos, com a vantagem de fornecerem infor-mações qualitativas em um nível pré-conscientee inconsciente. Porém, existem problemas em suapadronização, fidedignidade, normatização e afe-rição, e, em populações com dor crônica, nãoexistem muitos estudos com essas técnicas, sal-vo alguns trabalhos* .

A técnica do diário de dor consiste em pedirao paciente que anote diariamente suas ativida-des, intensidade da dor durante o dia, fatoresintervenientes na dor e outros aspectos importan-tes. Essa técnica nos possibilita compreenderaspectos relevantes no que se refere à compre-ensão de variáveis intervenientes na dor, bemcomo padrões de comportamento relevantes.

Um dos tipos de medida utilizada por clíni-cos que possuem ampla experiência em TerapiaCognitivo-Comportamental são denominadosRegistros Diários de Pensamentos Disfuncionais— RDPD (Beck, 1997)5. São registros simples,sobre o que o sujeito faz diariamente, utilizadosna psicoterapia individual e/ou grupal, visandoidentificar os pensamentos disfuncionais e emo-ções correspondentes, bem como respostas ra-cionais emitidas em forma de tentativas deenfrentamento. A Tabela 5.2 apresenta o RDPD.

Talvez uma das maiores vantagens dessa téc-nica seja o aumento da percepção do pacientesobre os aspectos intervenientes na dor.

A entrevista semi-estruturada é freqüentemen-te a técnica mais utilizada na avaliação. Sua abor-dagem talvez permita uma melhor compreensãoda história de vida do sujeito, sua singularidade,subjetividade, nuanças e peculiaridades. Todavia,pode deixar a desejar quando existe a necessi-dade de estabelecer padrões de comportamentoe comparações entre indivíduos ou grupos.

Os testes psicológicos, técnicas eminente-mente quantitativas, visam compreender objeti-vamente determinadas variáveis, traços e estadosemocionais. Sua abordagem de alguns aspectosfacilita a comparação dos resultados do indivíduo

Tabela 5.1Escala EVA, EGV e EAN

Marque, na linha abaixo, onde estÛ a dor que voc¸ estÛ sentindo agora.

EAV

Sem Dor Dor tıo severa quanto possˇvel

EGV

Nıo sinto nenhuma dor Sinto dor leve Sinto dor moderada Sinto dor intensa Minha dor nıo poderiaser pior

EAN

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

*Cruz RM tem realizado algumas pesquisas em Santa Catarinautilizando a técnica de Rorschach na avaliação de transtornos afetivosem pacientes com dor crônica.

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avaliado com outros, bem como a comunicaçãodos resultados. Além disso, o pouco tempo des-pendido para a realização de um teste é um outrofator vantajoso.

Existem indicações específicas para cadatécnica ou instrumento, e obviamente não deve-mos nos utilizar apenas de uma técnica ou abor-dar apenas uma dimensão da dor. A existênciade diversas técnicas e instrumentos de avaliaçãodemandam uma análise prévia criteriosa quantoà validade e fidedignidade das técnicas e instru-mentos e a sua aplicabilidade na avaliação dedeterminados aspectos emocionais e comporta-mentais relacionados à dor.

Nesse sentido, utilizamo-nos dos conceitosde validade e fidedignidade com o intuito de nosreferirmos às propriedades que uma determina-da técnica ou instrumento possui para acessardeterminadas variáveis e com que precisão estaacessa um fenômeno. Por exemplo: com que pro-priedade e qual a precisão da entrevista em ava-liar a intensidade da depressão e compará-la comoutros pacientes, e se seus índices são passíveisde colaborarem significativamente para a mani-festação de dores crônicas. Dessa forma, é oobjetivo da avaliação que vai determinar a esco-lha do método.

TESTES PSICOLÓGICOS NA AVALIAÇÃO

DA DOR

Especificamente, no caso dos pacientes comdores crônicas, existe a necessidade de compa-rar os resultados destes com outros portadoresde dores crônicas, uma vez que determinadosníveis de depressão, ansiedade, somatização eoutros aspectos estão freqüentemente associa-dos à dor, ainda que, apenas a partir de determi-nados níveis, estes estados emocionais possamatuar como cofatores em quadros álgicos.

Dada a importância dos testes psicológi-cos na avaliação de pacientes com dores crô-nicas, estaremos nos atendo a uma discussãosobre a utilização desses instrumentos e suaspropriedades.

Diversos profissionais têm se dedicado à cria-ção de testes psicológicos para avaliar diversas di-mensões da experiência dolorosa. Turk e Melzack26

desenvolveram importantes instrumentos comeste propósito, além de revisarem diversos ou-tros instrumentos. McDowell e Newell (1996)16 fa-zem uma revisão dos principais instrumentosutilizados na avaliação da dor, enquanto Tollisone Hinnant (1996)25 discorrem sobre os 13 testespsicológicos utilizados com mais freqüência naavaliação de aspectos emocionais e comporta-mentais associados a síndromes dolorosas.

Descreveremos os principais instrumentosrevisados pelos autores acima citados, enfatizan-do o objetivo principal do instrumento e sua ade-quação na avaliação de pacientes com dor.

Um instrumento bastante usado na avaliaçãode pacientes com dor crônica é o QuestionárioMcGill de dor. Esse instrumento foi desenvolvidopor Melzack em 1975 e talvez seja o instrumentomais utilizado na avaliação de pacientes com dor.É normatizado para adultos em diversos países,e, embora no Brasil ainda não esteja validado, oMPQ foi adaptado para a Língua Portuguesa porPimenta & Teixeira em 1996. O questionário com-preende 20 categorias de descritores verbais dedor e um desenho da dor, e visa acessar as di-mensões sensoriais, afetivas e avaliativas da dor,formando um índice de dor. Compreende 78 des-critores organizados em grupos que descrevemos componentes sensorial, afetivo e avaliativo dador. A dimensão sensitivo-discriminativa avaliaaspectos temporal-espaciais, mecânicos (ponta-da, incisional, constricção, tração), térmicos e avividez da dor. Já a dimensão afetivo-motivacio-nal envolve aspectos de tensão, respostas neu-rovegetativas, medo e punição. A dimensãoavaliativa reflete a avaliação do sujeito da situa-ção global e representa um julgamento baseadonas características afetivas e sensoriais, na expe-riência prévia e no significado da situação. Apre-sentamos este instrumento na Tabela 5.3.

O MMPI — Inventário Multifásico de Perso-nalidade Minnesota10 — foi inicialmente norma-tizado nos Estados Unidos para populaçõespsiquiátricas com idade superior a 18 anos.

Tabela 5.2Registro DiÛrio de Pensamentos Disfuncionais ñ RDPD

DATA HORAS SITUAÿ�O EMOÿ�O PENSAMENTO RESPOSTA RESULTADORACIONAL

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Possui 566 itens, que formam diversas escalas:histeria, depressão, hipocondria, masculinidade-feminilidade, psicastenia, paranóia, fobia, esqui-zofrenia, mania, introversão. No que se refere àpopulação com dor sua aplicabilidade consisteem avaliar a presença de traços psicopatológi-cos como fatores importantes na etiologia da dor.

O MMPI é um instrumento bastante utilizadoem pesquisas, embora seja criticado por diver-sos profissionais. Além disso, a versão brasilei-ra do teste possui diversos problemas depadronização e validade. Nos Estados Unidos oteste possui uma versão revisada e resumidacom 399 itens (MMPI-2), disponível em papel oucomputador. Esses escores variam nos sujeitoscom dor aguda e crônica. No último caso, osescores maiores são encontrados na hipocon-dria, na depressão e na histeria, enquanto os

sujeitos com dor aguda apresentam escoresmenores na hipocondria e na histeria, porémmaiores na agitação.

O Behavioral Assessment of Pain — BAP (Ava-liação Comportamental da Dor) foi desenvolvidoa partir do modelo biopsicossocial. É normatiza-do para adultos. Possui 17 itens, subdivididos emnove escalas: demográfica, evitação, interferên-cia em atividades, influência familiar, influência equalidade física, crenças sobre a dor, conseqüên-cias percebidas, estratégias de enfrentamento.Segundo Tollison, é um dos instrumentos maiscompletos na avaliação da dor por avaliar diver-sas dimensões da dor.

O questionário 16 PF, desenvolvido por Cat-tell, é um instrumento multidimensional que visaacessar os 16 traços primários de personalida-

Tabela 5.3QuestionÛrio para Dor McGill

Escolha dentre as expressþes que melhor descrevam sua dor atual.Assinale, no mÛximo, uma expressıo de cada grupo. Nıo assinale expressþes que nıo se aplicam.

Descritores: Sensitivos (1-10) Afetivos (11-15) Avaliativos (16) Miscel�nea (17-20)

1 6 11 16( ) 1 ñ vibra˘ıo ( ) 1 ñ fisgada ( ) 1 ñ cansativa ( ) 1 ñ chata( ) 2 ñ tremor ( ) 2 ñ puxıo ( ) 2 ñ exaustiva ( ) 2 ñ que incomoda( ) 3 ñ pulsante ( ) 3 ñ em tor˘ıo ( ) 3 ñ desgastante( ) 4 ñ latejante ( ) 4 ñ forte( ) 5 ñ como batida ( ) 5 ñ insuportÛvel( ) 6 ñ como pancada

2 7 12 17( ) 1 ñ pontada ( ) 1 ñ calor ( ) 1 ñ enjoada ( ) 1 ñ espalha( ) 2 ñ choque ( ) 2 ñ queima˘ıo ( ) 2 ñ sufocante ( ) 2 ñ irradia( ) 3 ñ tiro ( ) 3 ñ fervente ( ) 3 ñ penetra

( ) 4 ñ em brasa ( ) 4 ñ atravessa

3 8 13 18( ) 1 ñ agulhada ( ) 1 ñ formigamento ( ) 1 ñ amedrontadora ( ) 1 ñ aperta( ) 2 ñ perfurante ( ) 2 ñ coceira ( ) 2 ñ apavorante ( ) 2 ñ adormece( ) 3 ñ facada ( ) 3 ñ ardor ( ) 3 ñ aterrorizante ( ) 3 ñ repuxa

( ) 4 ñ punhalada ( ) 4 ñ ferroada ( ) 4 ñ espreme( ) 5 ñ em lan˘a ( ) 5 ñ rasga

4 9 14 19( ) 1 ñ fina ( ) 1 ñ mal localizada ( ) 1 ñ castigante ( ) 1 ñ fria( ) 2 ñ cortante ( ) 2 ñ dolorida ( ) 2 ñ atormenta ( ) 2 ñ gelada( ) 3 ñ estra˘alha ( ) 3 ñ machucada ( ) 3 ñ cruel ( ) 3 ñ congelante

( ) 4 ñ doˇda ( ) 4 ñ maldita( ) 5 ñ pesada ( ) 5 ñ mortal

5 10 15 20( ) 1 ñ beliscıo ( ) 1 ñ sensˇvel ( ) 1 ñ miserÛvel ( ) 1 ñ aborrecida( ) 2 ñ aperto ( ) 2 ñ esticada ( ) 2 ñ enlouquecedora ( ) 2 ñ dÛ nÛusea( ) 3 ñ mordida ( ) 3 ñ esfolante ( ) 3 ñ agonizante( ) 4 ñ cðlica ( ) 4 ñ rachando ( ) 4 ñ pavorosa( ) 5 ñ esmagamento ( ) 5 ñ torturante

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de. Apesar de ser um instrumento bastante utili-zado no Brasil e em diversos países, sua valida-de é bastante contestada na avaliação por nãoabordar as diversas dimensões da dor.

O Inventário de Depressão Beck possui 32itens que avaliam a depressão. Foi desenvolvi-do para diagnosticar a depressão em pacientespsiquiátricos e na população em geral com ida-de entre 17 e 80 anos. Recentemente foi valida-do no Brasil por Cunha JA (2001)28. Embora suaamostra não visasse validar este instrumentopara este tipo de população, inclui uma amos-tra bastante significativa de pacientes com dorcrônica.

O Eysenck Personality Test — EPT (Bond,1986)6 mede a estabilidade ou o neuroticismo ea introversão ou extroversão. Este teste indica,basicamente, a estabilidade da reação do sujei-to ao stress e sua tendência a ceder ao mesmo.Um N elevado não indica neuroticismo, maspode indicar susceptibilidade e introversão. Osextrovertidos queixam-se mais livremente do queos introvertidos, mas possuem um maior limiarde dor. O EPT não é de grande ajuda na terapia,mas o é na avaliação da susceptibilidade dosujeito de descompensar sob stress.

Outro inventário muito utilizado e validadopara a população brasileira é o Inventário de Ati-

tudes Disfuncionais — IAD — breve, validado porPimenta em 1999. Consta de 30 itens correspon-dentes a sete domínios de atitudes frente à dor(cura médica, controle, solicitude, incapacidade,medicação, emoção e dano físico). A Tabela 5.4apresenta a IAD.

O presente instrumento tem-se mostrado im-portante na avaliação da dor, uma vez que abor-da mais as dimensões cognitivo-avaliativa; deveser utilizado em conjunto com outros instrumen-tos ou técnicas.

O SCL 90-R (Inventário de Sintomas) foi de-senvolvido para identificar sintomas psicológicos.É composto de 90 itens, que compõem nove es-calas e três índices gerais: somatização, sensibi-lidade interpessoal, obsessão-compulsão,depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fó-bica, ideação paranóide e distúrbio psicótico. Énormatizado para pacientes psiquiátricos interna-dos ou não, adultos e adolescentes. Apesar deavaliar importantes aspectos da dor, como soma-tização, depressão e ansiedade aborda apenasa dimensão afetiva da dor e ainda não é normati-zado no Brasil* .

O Pain Patient Profile (Perfil do Paciente comDor) foi desenvolvido em 1995 por Tollison e Lan-gley. É normatizado no Estados Unidos** parapacientes com dor, com idade superior a 17anos. Visa identificar o stress associado à dor,os graus de stress e a influência de aspectospsicológicos na dor. Possui quatro escalas, de-pressão, ansiedade, somatização e validade, eé composto de 44 itens. Embora seja um instru-mento multidimensional com fortes característicaspsicométricas, não acessa, como outros instru-mentos, outras dimensões da dor.

Um dos inventários mais utilizados é o West-Haven-Yale Multidimensional Pain Inventory —WHYMPI14. As medidas, baseadas na teoria cog-nitivo-comportamental, são breves e munidas deuma visão compreensiva da experiência subjeti-va da dor crônica. Possui 52 questões, divididasem três dimensões. A primeira consiste em cin-co subescalas, avaliando: a. a percepção da in-terferência da dor nas atividades diárias; b. oapoio que os pacientes recebem de pessoas sig-nificativas; c. a severidade da dor; d. a percep-ção como autocontrole sobre os problemas e asua vida; e. o humor negativo. A segunda dimen-são mede três respostas, as quais verificamcomo o paciente se percebe em relação ao ou-tro e a si próprio: a. respostas de punição; b.respostas solícitas; e c. respostas distrativas. Asescalas visam medir principalmente o impactoda dor na vida do paciente e a participação dopaciente em atividades rotineiras. O presente ins-trumento está representado na Tabela 5.5.

O West-Haven-Yale Multidimensional Pain In-ventory — WHYMPI aborda principalmente as res-postas do paciente à dor e, segundo a revisão deTollison, deve ser utilizado em conjunto com ou-tros instrumentos. Tem sido referido por algunsprofissionais como um instrumento bastante útilna implementação de tratamentos adequados.

Através desta breve revisão pretendemos pro-porcionar ao leitor uma compreensão sobre oescopo, a validade e as dimensões acessadaspelos instrumentos mais utilizados na avaliaçãode pacientes com dor. É relevante ressaltar que,embora haja um número razoável de instrumen-tos utilizados na avaliação psicológica de paci-entes com dor, existem diferenças significativasquanto a sua fundamentação teórica, metodolo-gia e padronização.

*Sardá JJJ realizou um estudo-piloto com este instrumento,adaptando-o à Língua Portuguesa e avaliando 120 pacientes comdores crônicas. Posteriormente Cruz RM e Almeida RC utilizaram omesmo instrumento em sua tese e dissertação, respectivamente.**Sardá JJJ e colaboradores têm feito algumas pesquisas com esteinstrumento desde 2000.

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Tabela 5.4InventÛrio de Atitudes frente Ú Dor ñ IAD (Tradu˘ıo e Avalia˘ıo ó Pimenta, CAM, 1999)

InventÛrio de Atitudes frente Ú Dor ñ IAD ñ breve

Totalmente Quase Nem Quase Totalmentefalso falso verdadeiro verdadeiro verdadeiro

nem falso

1. Muitas vezes eu consigo influenciar a intensidade da dor que sinto. 0 1 2 3 4

2. Provavelmente eu sempre terei que tomar medicamentos para dor. 0 1 2 3 4

3. Sempre que eu sinto dor eu quero que a minha famˇlia me trate melhor. 0 1 2 3 4

4. Eu nıo espero cura m˚dica para minha dor. 0 1 2 3 4

5. O maior alˇvio da dor que eu tive foi com o uso de medicamentos. 0 1 2 3 4

6. A ansiedade aumenta minha dor. 0 1 2 3 4

7. Sempre que eu sinto dor as pessoas devem me tratar com cuidado e 0 1 2 3 4preocupa˘ıo.

8. Eu desisti de buscar a completa elimina˘ıo da minha dor atrav˚s do 0 1 2 3 4trabalho da medicina.

9. ⁄ responsabilidade daqueles que me amam ajudarem-me quando 0 1 2 3 4eu sentir dor.

10. O estresse na minha vida aumenta a minha dor. 0 1 2 3 4

11. Exercˇcio e movimento sıo bons para o meu problema de dor. 0 1 2 3 4

12. Concentrando-me ou relaxando-me consigo diminuir a minha dor. 0 1 2 3 4

13. Rem˚dio ˚ um dos melhores tratamentos para a dor crÞnica. 0 1 2 3 4

14. A minha famˇlia precisa aprender a cuidar melhor de mim quando 0 1 2 3 4eu estiver com dor.

15. A depressıo aumenta a dor que sinto. 0 1 2 3 4

16. Se eu me exercitasse poderia piorar ainda mais o meu problema de dor. 0 1 2 3 4

17. Eu acredito poder controlar a dor que sinto mudando meus pensamentos. 0 1 2 3 4

18. Muitas vezes quando eu estou com dor eu preciso de mais carinho 0 1 2 3 4do que estou recebendo agora.

19. Alguma coisa estÛ errada como meu corpo que impede muito 0 1 2 3 4movimento ou exercˇcio.

20. Eu aprendi a controlar a minha dor. 0 1 2 3 4

21. Eu confio que a medicina pode curar a minha dor. 0 1 2 3 4

22. Eu sei com certeza que posso aprender a lidar com a minha dor. 0 1 2 3 4

23. A minha dor nıo me impede de levar uma vida fisicamente ativa. 0 1 2 3 4

24. A minha dor fˇsica nıo serÛ curada. 0 1 2 3 4

25. HÛ uma forte liga˘ıo entre as minhas emo˘þes e a intensidade 0 1 2 3 4da minha dor.

26. Eu posso fazer quase tudo tıo bem quanto eu podia antes 0 1 2 3 4de ter o problema da dor.

27. Se eu nıo fizer exercˇcios regularmente o problema da 0 1 2 3 4minha dor continuarÛ a piorar.

28. O exercˇcio pode diminuir a intensidade da dor que sinto. 0 1 2 3 4

29. Estou convencido de que nıo hÛ procedimento m˚dico que 0 1 2 3 4ajude a minha dor.

30. A dor que sinto impediria qualquer pessoa de levar uma vida ativa. 0 1 2 3 4

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Tabela 5.5West-Haven-Yale Multidimensional Pain Inventory ñ WHYMPI

H.D. Kerms, D.C. Turk, T.E. Rudy, 1985

1a EscalaPretendemos conhecer melhor sua dor e saber como ela afeta a sua vida. Abaixo de cada pergunta estÛ uma escala para registrar sua resposta.Leia cada questıo cuidadosamente e fa˘a um cˇrculo no n­mero que melhor corresponde ao modo como essa pergunta se aplica a voc¸. Umexemplo vai ajudÛ-lo a entender melhor como deve responder.

Exemplo: Quando voc¸ vai ao dentista, quanto voc¸ fica nervoso?0 1 2 3 4 5 6

Nada nervoso Extremamente Nervoso

Se voc¸ nıo fica nervoso quando vai ao dentista, deve fazer um cˇrculo em torno do n­mero 0. Se, quando voc¸ vai ao dentista, ficaextremamente nervoso ou o mais nervoso que voc¸ pode imaginar ou suportar, deve fazer o cˇrculo em torno do n­mero 6. Os n­meros maisbaixos indicam: 1 ñ se fica muito pouco nervoso, 2 ñ se fica um pouco nervoso. O n­mero intermediÛrio 3 deve ser escolhido se voc¸ fica maisou menos nervoso. Os mais altos 4 ñ se voc¸ fica bastante nervoso e 5 ñ se voc¸ fica muito nervoso.

1. Avalie a intensidade da sua dor no momento presente.

0 1 2 3 4 5 6Sem dor Dor muito intensa

2. De um modo geral, at˚ que ponto a sua dor interfere com as atividades do seu dia-a-dia?

0 1 2 3 4 5 6Nıo interfere Interfere muito

3. Desde que a sua dor se iniciou, at˚ que ponto as dores alteraram as suas capacidades de trabalho? Assinale este item caso tenha se aposentado por razþes que nıo t¸m a ver com a dor.

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

4. At˚ que ponto a sua dor alterou a satisfa˘ıo e o prazer que tem em participar em atividades sociais e recreativas?

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

5. At˚ que ponto o seu cÞnjuge (ou outra pessoa significativa) ˚ compreensivo ou o ajuda em rela˘ıo Ú sua dor?

0 1 2 3 4 5 6Nada compreensivo Extremamente compreensivo

6. Avalie de um modo gen˚rico o seu humor (disposi˘ıo) durante a ­ltima semana.

0 1 2 3 4 5 6Extremamente triste Extremamente alegre

7. Avalie a intensidade m˚dia da sua dor durante a ­ltima semana.

0 1 2 3 4 5 6Nada intensa Extrema intensa

8. At˚ que ponto a sua dor alterou a sua capacidade de participar em atividades sociais ou recreativas?

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

9. At˚ que ponto a sua dor alterou a satisfa˘ıo que tem em participar nas atividades da vida familiar?

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

10. At˚ que ponto o seu cÞnjuge (ou outra pessoa significativa) estÛ preocupado com voc¸ devido Ú suas dores?

0 1 2 3 4 5 6Nada preocupado Extremamente preocupado

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11. Durante a ­ltima semana at˚ que ponto sentiu que controlava as coisas que aconteceram na sua vida?

0 1 2 3 4 5 6Nenhum controle Extremo controle

12. Avalie o seu sofrimento devido Ús dores.

0 1 2 3 4 5 6Nenhum sofrimento Extremo sofrimento

13. At˚ que ponto a sua dor alterou o seu relacionamento com o seu cÞnjuge, famˇlia ou outra pessoa significativa?

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

14. At˚ que ponto a sua dor alterou sua satisfa˘ıo ou prazer que tem com o seu trabalho? Fa˘a uma cruz no quadrado se nıo trabalha atualmente.

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

15. At˚ que ponto o seu cÞnjuge (ou outra pessoa significativa) lhe dÛ aten˘ıo devido Ú sua dor?

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

16. Durante a ­ltima semana at˚ que ponto se sentiu capaz de lidar com os seus problemas?

0 1 2 3 4 5 6Nada capaz Extremamente capaz

17. At˚ que ponto a sua dor alterou as suas capacidades de executar as tarefas dom˚sticas?

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

18. Durante a ­ltima semana at˚ que ponto se sentiu irritÛvel?

0 1 2 3 4 5 6Nada irritÛvel Extremamente irritÛvel

19. At˚ que ponto sua dor alterou as suas rela˘þes de amizade com as pessoas que nıo sıo da famˇlia?

0 1 2 3 4 5 6Nenhuma altera˘ıo Extrema altera˘ıo

20. Durante a ­ltima semana at˚ que ponto andou tenso ou ansioso?

0 1 2 3 4 5 6Nada tenso ou ansioso Extremamente tenso ou ansioso

2a Escala

Pretendemos, agora, conhecer como o seu cÞnjuge (ou outra pessoa significativa) se comporta quando ele(a) sabe ou nota que voc¸ estÛ comdores. Na escala abaixo de cada pergunta, assinale com um cˇrculo o n­mero que melhor indica o modo como o seu cÞnjuge (marido, esposa,companheiro ou outra pessoa significativa como seu pai, sua mıe ou pessoa com quem more) reage quando voc¸ tem dores. Por favor,responda a todas as 14 perguntas. Por favor, identifique o grau de relacionamento entre voc¸ e a pessoa em que estÛ pensando para responderÚs questþes abaixo: _________________________________.

1. Ignora-me.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

2. Pergunta o que pode fazer para me ajudar.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

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CAP›TULO 5 63© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

3. L¸ alguma coisa para mim.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

4. Irrita-se comigo.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

5. Faz o meu trabalho ou minhas obriga˘þes.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

6. Fala comigo para afastar a minha mente das dores.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

7. Mostra-se frustrado.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

8. Tenta fazer-me descansar.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

9. Tenta fazer com que eu me envolva em alguma atividade.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

10. Mostra-se com raiva.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

11. DÛ-me rem˚dios para as dores.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

12. Encoraja-me para que me dedique aos meus passatempos.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

13. DÛ-me alguma coisa para comer ou beber.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

14. Liga a televisıo para afastar a minha mente das dores.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

3a Escala

Dezoito atividades comuns, do dia-a-dia, sıo descritas abaixo. Indique com que freq•¸ncia voc¸ realiza essas atividades, assinalando com umcˇrculo o n­mero da escala que melhor responde ao seu grau de atividade.

1. Lavar lou˘a.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

2. Cortar a grama. Fa˘a uma cruz no quadrado se voc¸ nıo tem grama para aparar.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

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64 CAP›TULO 5© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

3. Comer fora.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

4. Jogar cartas ou outro jogo.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

5. Ir Ús compras.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

6. Trabalhar no jardim ou no quintal. Fa˘a uma cruz no quadrado se nıo tem jardim ou quintal.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

7. Ir ao cinema.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

8. Visitar amigos.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

9. Ajudar na limpeza da casa.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

10. Trabalhar no carro. Fa˘a uma cruz no quadrado se nıo tem carro.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

11. Passear de carro ou Þnibus.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

12. Visitar familiares. Fa˘a uma cruz no quadrado, se nıo tem familiares no espa˘o de 50 km.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

13. Cozinhar.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

14. Lavar carro. Fa˘a uma cruz no quadrado se nıo tem carro.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

15. Fazer viagens.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

16. Ir Ú praia ou a parques.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

17. Lavar roupa.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

18. Fazer consertos necessÛrios em casa.

0 1 2 3 4 5 6Nunca Com muita freq•¸ncia

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Um dos primeiros aspectos importantes aenfatizar é que, embora o Questionário McGill, oP-3, o SCL 90-R, MPI e o BAP sejam instrumentosadequados para a avaliação de pacientes comdor, apenas o 16 PF, o Inventário Beck, o EVA, oBDI (Escala Beck), o IAD e o MMPI são validadose normatizados no Brasil. O que nos leva a cons-tatar que o Brasil está extremamente carente deinstrumentos apropriados para esse tipo de ava-liação, o que justifica a necessidade de implemen-tarmos a produção de conhecimento nessa área.

Além disso, dentre os instrumentos descritos,apenas o Questionário McGill e o Behavioral As-sessment of Pain — BAP investigam as três di-mensões da dor, o que nos remete a uma reflexãosobre a validade dos instrumentos utilizados naavaliação de pacientes com dor e a amplitude doinstrumento utilizado. No que concerne esse as-pecto, podemos perceber que o número de ins-trumentos que aborda as três dimensões da doré bastante reduzido, o que a princípio nos remetea duas questões: a multidimensionalidade destefenômeno e a necessidade de utilizarmos diver-sos métodos de diagnóstico.

Em primeiro lugar, é importante conhecer omodelo teórico sobre o qual o instrumento deavaliação foi fundamentado, uma vez que dife-rentes teorias compreendem e abordam a dorsobre diferentes óticas, priorizando diferentes di-mensões da dor na compreensão desse fenôme-no. Num segundo momento, temos que pensarquais dimensões da dor necessitamos avaliar.

Partindo desses pressupostos, gostaríamosde enfatizar que, mais importante que o métodoutilizado na avaliação, é o objetivo dela. A ilusãode que apenas um instrumento ou técnica é sufi-ciente para dar conta da mutidimensionalidadedesse fenômeno pode ser uma das ilusões doavaliador. Neste sentido, um dos cuidados a sertomado, visando garantir a realização de umaavaliação eficaz e de qualidade, é a escolha cri-teriosa de métodos que dêem conta da singulari-dade do sujeito e que ao mesmo tempo ouparalelamente possam possibilitar algumas com-parações entre indivíduos com dor crônica.

A avaliação psicológica tem sido realizada deforma a colaborar para uma compreensão maisobjetiva de aspectos psicológicos associados àssíndromes dolorosas passíveis de alterá-la. A es-colha do instrumento adequado deve ser partedesse processo de avaliação, ampliando nãosomente a qualidade da avaliação dos sintomas,mas também o tratamento da dor.

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AspectosSocioculturais

2PARTE

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6CAPÍTULO

Dor e Cultura

FRANCISCO LOTUFO NETO

CARMEN LUCIA ALBUQUERQUE SANTANA

YUAN-PANG WANG

A cultura denota um padrão de significadosque é transmitido historicamente, de geração ageração, incorporado simbolicamente, e por meiodo qual os homens que compartilham da mesmaidentidade se comunicam e desenvolvem ativida-des e hábitos do seu cotidiano. A construção designificados ou mecanismos sociais de controledo comportamento decorrentes da cultura vai in-fluenciar a vida de determinada população.

A expressão cultura deve ser entendida comocaracterísticas e aspectos não-biológicos de umcerto agrupamento humano, como a prática decriação, sistemas de crença, hábitos de diagnós-tico e prescrição etc.

O relacionamento Medicina-Cultura se inte-ressa pelos aspectos culturais de etiologia, fre-qüência e natureza das doenças e o cuidado eseguimento dos doentes dentro de uma determi-nada unidade cultural. Preocupa-se com o relaci-onamento entre as doenças e a matriz criada pelojogo entre sociedade, cultura e ambiente. Diver-sas são as disciplinas estudadas:

A abordagem transcultural preocupa-secom uma análise comparada acerca do queacontece em outras culturas. Um observadorsai de sua unidade cultural e observa cientifi-camente a prática médica da outra cultura, o quetraz imediatamente à tona um debate controver-so: a universalidade versus a especificidade cul-

tural das doenças. Nessa dicotomia surgem duasmaneiras de se estudar o tema: etic e emic. Naabordagem etic o objeto é definido pelo obser-vador, que passa a procurá-lo no campo que estásendo estudado (partindo-se, assim, do pressu-posto que este objeto tem características univer-sais). Refere-se à classificação e conceitualizaçãodo observador sobre o que é observado. O ob-servador cria a estrutura de interpretação e a usapara observar a realidade. Já na abordagem emico objeto de estudo surge da observação do cam-po (sendo esta descrição válida apenas para ocampo em que foi descrito). Focaliza o ponto devista do informante, o significado que ele atribuiao seu comportamento, pensamentos, atitudes emotivações. O investigador abandona sua manei-ra estereotipada e preconcebida, de modo a com-preender a realidade como percebida peloinformante. Assim, na abordagem etic um instru-mento para avaliar ou diagnosticar um tipo de doré criado no Ocidente e aplicado em outra cultura.Na abordagem emic, o pesquisador procura sedespir dos seus pressupostos, imerge na outracultura e observa como se descreve, denomina,classifica, como é a experiência da dor.

Procura-se, assim, estudar os aspectos se-melhantes e contrastantes da dor em diferentesculturas, e se sua apresentação clínica é diferen-te. Pode também estudar a influência de variá-

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veis sociais e culturais (classe, mudança social,práticas de socialização, marginalidade, atitudesgrupais) na etiologia, apresentação e evoluçãodas doenças.

Outro ponto de interesse é examinar as con-seqüências da doença ou da dor sobre a socie-dade e os aspectos sociais dos serviços eprofissões ligadas à saúde. A comparação pro-cura, através do estudo de semelhanças e dife-renças, descobrir regularidades universais naforma e no processo, compreendendo as rela-ções funcionais básicas entre variáveis biopsicos-sociais e socioculturais nas doenças.

A Etnomedicina estuda a interrelação entre ocomportamento e a cultura de origem do pacientee de seu terapeuta. Assim, sabe-se que diferen-ças étnicas e de gênero influenciam o diagnósti-co e a conduta médica. Nos Estados Unidos, porexemplo, pacientes afro-americanos ou do sexofeminino com dor toráxica recebem diagnósticode infarto com menor freqüência e são menosencaminhados a unidades de terapia intensiva.

A Etnofarmacologia procura estudar a influ-ência étnica sobre o uso e efeito das medicações.

Os fármacos são largamente utilizados emdiversas culturas, e um consenso da sua eficácianas diversas etnias acompanhou descrições devariações nas doses, efeitos colaterais e respos-ta a praticamente todas as classes de medica-mentos. Os mecanismos responsáveis por estasdiferentes respostas são: a farmacocinética, afarmacodinâmica e os fatores não biológicos.

As enzimas metabolizadoras de drogas noprocesso de biotransformação sofrem influênciagenética e apresentam diferenças interétnicas.Como exemplo: asiáticos e caucasianos diferemem termos farmacocinéticos e farmacodinâmicosna sua resposta ao haloperidol. Os primeiros têmconcentração plasmática 50% maior. Japonesese asiáticos podem, eventualmente, se beneficiarde dosas menores de lítio. O metabolismo dosbenzodiazepínicos é mais lento nos asiáticos.

Os fatores não biológicos exercem influênciasignificativa na resposta ao tratamento medi-camentoso. Estes incluem aderência ao trata-mento, efeito placebo, stress, suporte social,personalidade do paciente, crenças do pacien-te, expectativas, bem como a maneira como amedicação é prescrita. Consumo de diversosalimentos ou drogas como grapefruit, ervas me-dicinais, cafeína, tabaco, carne grelhada em car-vão vegetal, podem inibir ou induzir enzimas docitocromo P450.

A percepção e a descrição dos efeitos cola-terais são fortemente influenciadas pelas crençase expectativas determinadas pela cultura. As cren-ças e as expectativas do paciente determinam suaatitude, comportamento e aderência ao tratamen-to. Discrepância nas crenças sobre a medicaçãoentre clínicos e pacientes aliada a problemas decomunicação são as maiores razões de dificul-dades de aderência ao tratamento ligadas a mo-tivos étnicos.

Resumo de algumas das preocupações des-sas áreas de estudo:

• Em que medida a doença é influenciada pelacultura do paciente?

• Uma determinada doença se apresenta da mes-ma forma em todo o mundo?

• Os sintomas são os mesmos ou são expres-sos de forma diferente?

• A freqüência e gravidade das doenças sofreminfluência da cultura?

• O tratamento varia em diferentes culturas?

• O prognóstico sofre influência do meio cultural?

• Como fazer estudos multicêntricos em paísescom língua, costumes e tradições diferentes?

• Como tratar um paciente de cultura, gênero ouetnia diferentes?

• Existem quadros clínicos específicos para de-terminadas culturas?

Os pesquisadores desta área procuramestudar:

• A freqüência total e relativa das doenças emdiferentes culturas e estabelecer correlaçãodessa freqüência com fatores culturais estres-santes.

• As diferenças no diagnóstico e a natureza dossintomas.

• Os estudos comparativos do processo diagnós-tico.

• Os modos diversos de expressar os sintomas,particularmente a dor e os psiquiátricos.

• Instrumentos transculturais para diagnóstico eavaliação.

• O relacionamento de fatores culturais com trans-tornos específicos.

• O relacionamento das doenças com gênero eetnia.

• Síndromes e tratamentos ligados à cultura.

• O cuidado do doente, as formas e a eficáciados tratamentos em diferentes culturas.

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• A evolução e o curso das doenças em diferen-tes culturas.

• As atitudes da comunidade em relação àqueladoença ou sintoma.

• A relação da Medicina com outras disciplinas:Epidemiologia, Antropologia, Sociologia, Histó-ria, Artes e Teologia.

• A saúde da população indígena (aborígenes),minorias etnoculturais, imigrantes e refugiados.

• Crítica cultural das teorias e práticas médicas.

FORMAS CULTURAIS DE EXPRESSÃO

EMOCIONAL

Assim como cada cultura apresenta o seumodo peculiar de expressar idéias e conceitos, aexpressão das emoções também pode ser cultu-ralmente idiossincrática. Esse fato pode gerarconfusão na comunicação, perplexidade e mes-mo animosidade entre pessoas de culturas dife-rentes, quando as reações não estão conformeas expectativas. Exemplos podem ser o discursofleumático dos anglo-saxões, a fala inflamada doslatinos, a exasperação apaixonada dos francesese a impassividade dos orientais.

Mesmo na expressão de uma sensação fun-damental como a dor, os médicos em comuni-dades multiculturais sabem que a resposta dediferentes grupos étnicos pode ser muito dife-rente3,9,27,36.

Klineberg (1938)38 estudou textos da literatu-ra clássica chinesa e mostrou como os chinesespercebem e expressam os seus sentimentos,usando várias partes do corpo, olhos, língua,mãos etc., para mostrar estados emocionais demodo essencialmente diferente do Ocidente. Hin-dus conversam balançando a cabeça de um ladoa outro, para expressar concordância. Um ociden-tal desavisado pode interpretar tal gesto comodiscordância.

Leff17 apontou que, muitas vezes, as diferen-tes gradações emocionais descritas por uma cul-tura estão na dependência de palavras ouexpressões idiomáticas disponíveis para cada es-tado afetivo. Algumas línguas têm um rico reper-tório de palavras para descrever os diferentesestados de sentimento. Quanto maior este voca-bulário, maior as diferenças em sintomatologia enos transtornos específicos para aquela cultura.

A cultura ocidental muitas vezes privilegia opsicológico. Para o diagnóstico de depressãoespera-se que estejam presentes a anedonia, adesesperança, os sentimentos de culpa. Entre-

tanto, para a maior parte da população da Terra,a depressão é manifesta somaticamente, comqueixas de cansaço, dor, formigamentos, vazio,palpitações etc. Algumas culturas não possuempalavras para definir depressão ou ansiedade,sendo estas descritas por expressões do tipo“meu coração está cansado” ou “meu coraçãobate depressa demais”.

Os Ainu, em Hokaido, no Norte do Japão,sofrem diferentes tipos de cefaléia: do urso, doveado e do pica-pau. A do urso se assemelha aopisar pesado do urso, a segunda é mais leve e aterceira latejante. Podemos até nos identificar comestas descrições, mas os Ainu vivem em um mun-do animista, onde estes animais pertencem a ummundo espiritual habitado por deuses, ancestraise forças demoníacas. Por isso, o significado dador será totalmente diverso.

DIFERENÇAS CULTURAIS NA

PERCEPÇÃO DA DOR

Em cerimônias hindus uma pessoa é esco-lhida para representar o poder dos deuses, aben-çoando as crianças e a colheita em vilarejos. Oritual consiste em prender ganchos na pele emúsculos da região lombar e suspender a pes-soa através de cordas, de modo que ela fiquebalançando dependurada. Não há evidência dedor durante o ritual; ao contrário, há um estadode exaltação. Após a remoção dos ganchos aferida cicatriza rapidamente e duas semanas de-pois não há sinais visíveis20. Cerimônia semelhanteocorria entre os Índios das planícies da Américado Norte. Duas incisões são feitas em cada ladodo peito e um tambor é preso no ombro esquer-do. O jovem abraça um poste, afasta-se até quea pele se estenda e dança até a pele se lacerar ecair. Pega o tambor e o arranca do ombro, e éaplaudido pelos circundantes.

Fatores culturais podem ter influência sobreo limiar da dor, mesmo que em estudos controla-dos não tenha havido diferença. Uma fonte decalor pode ser descrita como muito desconfortá-vel para pessoas da região do Mediterrâneo ouser apenas um calor para os norte-europeus. Emexperimento nos Estados Unidos, mulheres deorigem italiana toleravam menos a dor que an-glo-saxãs ou judias. Anglo-saxãs têm uma atitu-de de maior aceitação da dor, como se ela fossenatural. Retraem-se quando a dor é intensa e gri-tam ou choramingam quando estão sós. Italianase judias queixam-se intensamente e buscam aber-tamente ajuda e atenção. As primeiras buscam

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mitida para mulheres adolescentes dentro de umasociedade altamente repressiva, paternalista,machista e hierárquica.

No interior do Brasil, onde o acesso aos ser-viços de saúde é muito difícil e trabalhoso, osmédicos e médicas valorizam as “crises histéri-cas”, pois pode ser o único modo de chamar aten-ção da família e ser levado a tratamento pormal-estar ou dor. A expressão dramática de dorou sofrimento indica a presença de algum pro-blema sério de saúde. Um dos autores presen-ciou, há poucos dias, em cidade da regiãoAmazônica, um familiar queixando-se dos médi-cos de um pronto–socorro local e protestandoatravés de anúncios veiculados por alto-falantesde um veículo em movimento percorrendo a cida-de. Sua esposa havia falecido porque seu com-portamento havia sido interpretado como um “piti”,pois chorava e gritava intensamente. Na verdadeestava sofrendo um infarto do miocárdio.

O mesmo ocorre na Índia Setentrional43,onde uma grande proporção de pacientes diag-nosticados e tratados com depressão apresen-taram inicialmente sintomas físicos. Os autorespostularam que esses pacientes poderiam quei-xar-se inicialmente de sintomas somáticos paratentar estabelecer a necessidade de consultarum médico. Justificavam sua solicitação atravésde uma série de queixas universalmente reco-nhecidas como do domínio dos médicos espe-cializados.

Esse conceito tem particular importância naabordagem da dor crônica, onde a interpretaçãodas queixas pelo paciente e família têm impor-tância na melhora ou piora do quadro clínico.

Pacientes com dor crônica são vistos comsuspeição, pois não se contorcem, gritam oumanifestam constantemente sua sensação de dor.Chegam à clínica calmos, sentam-se, enquantoaguardam sua consulta. Logo descobrem quesuas queixas afastam, alienam, exaurem e frus-tram familiares, amigos, enfermeiros e enfermei-ras, e médicas e médicos.

A resposta à dor na cultura Ocidental podeser o silêncio23.

Kleinman (1992)15 sugeriu que os sobreviven-tes da Revolução Cultural Chinesa apresentavamdor crônica como um modo de se queixar e resis-tir ao controle do Estado comunista.

O ETNOCENTRISMO

O médico geralmente vai-se comunicar den-tro do modelo saúde-doença aprendido por ele.

um significado para sua dor e as últimas queremalívio imediato.

Na África Ocidental homens e mulheres sub-metem-se a cirurgias sem anestesia ou drogas.O escalpo e os músculos são cortados, expon-do os ossos do crânio, que são raspados. A pes-soa permanece sentada calmamente,segurando uma panela debaixo do queixo paracoletar o sangue. Pessoas que assistem um fil-me sobre esse ritual têm intensas reações emo-cionais, que contrastam com a calma dos queestão sendo a ele submetido.

A DOR VARIANDO DE ACORDO COM O

SIGNIFICADO ATRIBUÍDO AO CONTEXTO

Uma palmada numa brincadeira é ignoradaou produz risada. Em outro contexto, pode levaràs lágrimas e eliciar queixas de dor. Uma dor ab-dominal pode ser ignorada como sinal de gazesou ser motivo de grande preocupação após setomar conhecimento de que um amigo ou famili-ar está com câncer. Dentistas descrevem pacien-tes que chegam com dor intensa que não osdeixou dormir de madrugada. Experimentam talalívio ao chegar ao consultório que não conse-guem identificar o dente que estava doendo20.

Crianças são influenciadas pelo modo comosua família reage à dor. Algumas têm reações in-tensas a pequenos ferimentos e outras mostramapenas pequena simpatia.

Durante a Segunda Guerra Mundial solda-dos feridos em batalha não se queixavam de dor,apesar da gravidade dos ferimentos. Entretanto,queixavam-se muito da picada para injeção intra-venosa. Civis com ferimentos semelhantes quei-xavam-se intensamente e solicitavam morfina paraalívio.

A auto-imolação de viúvas na Índia e as cirur-gias espirituais realizadas no Brasil são outrosexemplos da importância do contexto sobre apercepção da dor.

OS SINTOMAS COMO COMUNICAÇÃO

Os sintomas podem ter um significado paraas pessoas próximas do paciente, isto é, são for-ma de comunicação e provavelmente expressama psicodinâmica de um relacionamento. Umexemplo foi dado por Teoh e Tan (1976)33, des-crevendo um surto de histeria epidêmica entreadolescentes da Malásia. Tais comportamentospareciam ser a única forma de comunicação per-

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O paciente, por outro lado, nem sempre compar-tilha deste modelo. Quanto maior a diferença cul-tural entre o médico e o paciente, maiores aschances de erros de comunicação que podemdificultar ainda mais a avaliação diagnóstica.

A importância de se levar em conta fatoresculturais ao se entrevistar os pacientes e fazer odiagnóstico tem como maior objetivo fugir do Et-nocentrismo. Este é um fenômeno bem conheci-do em todas as culturas. É aquela convicção,geralmente inconsciente, de que as aquisições eos valores da própria cultura são os melhores, osúnicos corretos, e que qualquer diferença é con-siderada “primitiva”. Se o modelo do paciente nãofor levado em consideração, não haverá bom re-lacionamento médico-paciente, a comunicaçãoserá falha e não compreendida, e grande a pro-babilidade da orientação não ser seguida.

DIFERENÇAS CULTURAIS ENTRE

PACIENTE E TERAPEUTA

Não podemos nos esquecer que o compor-tamento frente à doença é fortemente influencia-do pela cultura. Por exemplo, um etíope que sesinta doente deve demonstrar abundantementesua doença. Deve ser levado carregado por pa-rentes ao consultório médico mesmo que possaandar normalmente. O médico em nossa culturapode facilmente considerar esse comportamen-to como exagerado e teatral, diagnosticando-ocomo comportamento histriônico. A partir desseexemplo, observamos que, no campo da diag-nose dos Transtornos de Personalidade, o riscodo viés etnocêntrico é ainda maior. Estudos so-bre gênero e diagnóstico psiquiátrico demonstramque uma mulher tem maior probabilidade de re-ceber um diagnóstico de histeria. Estudos sobrediferenças étnicas entre médico e paciente mos-tram que nos Estados Unidos um paciente afro-americano tem maior probabilidade de receberum diagnóstico de esquizofrenia.

Um cuidado maior é necessário no atendi-mento a pessoas de outra etnia ou língua. É maisdifícil para o médico interpretar o significado dasqueixas e discernir sua pertinência e gravidade.A crença do médico sobre o modo como deter-minada etnia reage à dor influencia a quantida-de de analgésico que é prescrito a pacientescirúrgicos.

Diversos estudos demonstraram que pacien-tes afro-americanos recebem diagnósticos psiqui-átricos mais graves e que são freqüentementetratados com neurolépticos. Recebem mais me-

dicação de depósito do que oral, o que pode re-fletir a experiência clínica de falta de aderência.Também são prescritas doses significativamentemais elevadas de neurolépticos. Como não pare-ce haver diferenças farmacocinéticas quanto aagentes neurolépticos neste grupo, essas des-cobertas demonstram o efeito de um viés do clí-nico na prescrição.

Pacientes afro-brasileiros são mais contidosem seus leitos durante uma internação que os deoutras etnias.

Na Inglaterra do século XVIII, doentes men-tais eram trancados nus em celas úmidas, pormédicos que achavam que eles não sentiam dor.No século XIX, médicos americanos faziam cirur-gias em mulheres afro-americanas sem aneste-sia, com a mesma justificativa. Crianças foramoperadas no século XX sem analgesia, pela cren-ça de que não sentiam dor por não terem seusistema nervoso plenamente desenvolvido.

SIGNIFICADOS DA DOR PARA

O MÉDICO E O PACIENTE

As escolas médicas não têm em seu currí-culo o tema dor. Os médicos não são treinados,recebendo poucas aulas ou palestras sobre oassunto. Os livros sobre dor demonstram em seutítulo: Conquista, Desafio, Quebra-cabeça da dor.Entretanto, é pela dor que muitas vezes o paci-ente procura os serviços de saúde, não sentin-do suas necessidades serem satisfeitas. Omédico se aproxima da dor como se ela fosseum desafio.

Para os pacientes ela é um mistério. Por seruma experiência subjetiva, o médico não podeignorar o que ela significa para o paciente. Nopassado e em muitas culturas atuais a dor preci-sa ser interpretada. Ela possui um significadoespiritual, carrega um ensinamento que, parao paciente e sua família, é fundamental enten-der. A dor pode ser interpretada como uma pu-nição divina ou um ato de penitência ouexpiação. A prática pré-histórica da trepanaçãotinha por objetivo aliviar a dor causada por mausespíritos. Um texto babilônico diz: “Alguém quenão tenha um Deus, ao andar pelas ruas, éenvolvido por cefaléia, como se esta fosse umacapa”23. Tolstoi ilustra isso quando descreve aentrada impiedosa da dor na vida de Ivan Ilich. Ador, por mínima que seja, se duradoura, nos co-loca a pensar. Os acontecimentos passam a serinterpretados em função dela. A dor nos colocapróximos da morte.

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A dor sempre se associa a um significado.Por toda espécie humana, em todas as culturas eépocas a dor é um evento que exige interpreta-ção. A cultura ocidental entregou esta tarefade explicar a dor à medicina e à religião. Nun-ca a Medicina teve tanto conhecimento sobrea dor, sua anatomia, fisiologia e farmacotera-pia. Apesar disso, a dor crônica ganha propor-ções epidêmicas e não conseguimos preveni-laou debelá-la23.

Para os senhores de escravos o negro e oíndio eram incapazes de sentir dor, apesar deinflingi-la ter sido o método utilizado para tentarsubjugá-los. Ao longo da história, o negro, o ín-dio, a mulher, o louco, a criança, o pobre, enfimo outro foi encarado como ninguém. A dor queporventura sentia não contava. “Não sente dorcomo eu”.

No Ocidente, parto está associado à dor. Oparto é um momento de perigo. Compara-se ador por cálculo renal à “Dor de Parto”. Em outrasculturas a mulher não apresenta quase nenhumsofrimento; continua seu trabalho no campo atéo momento de dar à luz. Em outras, ainda, o ho-mem deita na cama e geme como se estivessesentindo grande dor. Em alguns casos extremoso homem fica na cama com o bebê, recuperan-do-se, enquanto a mulher volta imediatamente aotrabalho20.

Idosos podem atribuir significados distintosà dor, alguns a consideram sinal de doença gra-ve, outros uma conseqüência natural do envelhe-cimento.

CULTURA E PERSONALIDADE

A Escola “Culturalista” ou de “Cultura e Per-sonalidade”, nos Estados Unidos, a partir de 1930,representada, entre outros, por M. Mead, R. Be-nedict, R. Linton, A. Kardiner, desenvolveu diver-sos conceitos importantes e polêmicos. Um delesfoi o de caráter nacional que sugere que cadacultura está associada a uma estrutura de perso-nalidade comum. Segundo esta escola a hetero-geneidade de comportamento observado nasdiversas culturas permitiria formar tipologias cul-turais. Os trabalhos deste período foram critica-dos como reducionistas por atribuírem à culturaum papel causal e não complementar na forma-ção da personalidade.

As descrições do culturalismo americano eos conceitos como os de caráter nacional aindainfluenciam o médico brasileiro. Não é raro ouvir-mos em nosso meio citações sobre a “latinida-

de”, o comportamento do paulista, do carioca oudo nordestino ou a “negritude” ou “o brasileiro éassim”. Precisamos estar atentos, pois as gene-ralizações sobre o caráter nacional podem serutilizadas para embasar atitudes políticas, ideo-lógicas ou discriminatórias. Laplantine (1998) aler-ta: “Proveniente de um procedimento empírico,tende a efetuar uma redução dos comportamen-tos humanos a tipos e a esboçar tipologias quedevem muito mais à intuição e à própria persona-lidade do pesquisador do que a uma rigorosaconstrução de um objeto científico.”

O consenso atual é de que um diagnósticoou prognóstico significativo da personalidade deuma pessoa não deve ser feito somente com basena sua nacionalidade, mas existem particularida-des em cada cultura a partir das quais os diferen-tes processos patológicos se elaboram.

Zborowski, após a Segunda Guerra Mundial,estudou a atitude sobre a dor dos veteranosde guerra internados. Identificou quatro gru-pos segundo a origem étnica. Judeus e italianosqueixavam-se da dor de modo desinibido e ex-pressivo. Irlandeses e americanos escondiam suador, evitavam companhia e engajavam-se emestratégias de silêncio e negação. Para os irlan-deses a dor era fonte de orgulho, algo pelo qualse deveria lutar. Para os judeus era uma puniçãopelos pecados, um teste de fé, um modo de re-denção. Estes estereótipos não são válidos hoje,pois o mundo mudou e as pessoas seguramenteexperimentam a dor de forma diferente.

INFLUÊNCIA DOS FATORES CULTURAIS

SOBRE O DIAGNÓSTICO, PROGNÓSTICO

E TRATAMENTO

Como descrevemos anteriormente, as ma-nifestações clínicas são resultantes da interaçãode um sistema complexo que envolve fatores bi-ológicos, psicológicos e socioculturais. Ao elabo-rarmos uma proposta terapêutica, devemos,portanto, contemplar todas essas instâncias.

No Brasil, alguns diagnósticos carregam sig-nificado especial. É muito comum entre nós cul-par a “pressão” como a origem de múltiplosmales. O médico irá ouvir diariamente que a pres-são está alta ou que abaixou demais. O “fígado”é fruto de outras tantas queixas, determinados ali-mentos fazem mal a ele, e o consumo de hepato-protetores elevado. As professoras recomendamaos pais que o filho faça um eletroencefalogra-ma, pois seu comportamento sugere “disritmia”.Detemos o recorde mundial de consumo de an-

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fetaminas e seus derivados graças às fórmulaspara emagrecer, que tratam “excesso de peso”em mulheres com Índice de Massa Corpórea de20 a 25. São maneiras de expressar, através dequeixas físicas, problemas sociais e psicológicos,e stress.

Para o paciente a dor é a doença. Nos tem-pos hipocráticos e durante boa parte da Históriada Medicina a dor foi um sintoma, mas agora elase tornou uma questão diagnóstica das clínicasespecializadas em dor. Especialmente a dor crô-nica, para a qual a causa não precisa mais serdescoberta. Na Inquisição, procurava-se a mar-ca do diabo. Espetando-se agulhas procurava-se uma área insensível à dor. Isto era umaevidência infalível de bruxaria. No século XVIII ador era um sentimento, uma emoção, portanto,sua realidade não era questionada. No século XIX,positivista, dor era fruto de uma lesão do sistemanervoso. Se não estava de acordo com o conhe-cimento da época, era histeria, ou seja, imagina-ção. Não havia doença, só histeria, e o tratamentopreconizado era o descanso. A paciente perma-necia na cama, isolada de amigos e da família,sua dieta era gordurosa e ingerida a cada hora.Qualquer atividade era proibida, inclusive ler ecosturar. Ouvia palestras edificantes sobre osdeveres e obrigações morais da mulher em casa.Após algumas semanas deste tratamento, qual-quer uma voltava a sua rotina de vida, por maisinsatisfatória que ela fosse. As instruções finaiseram: “Viva uma vida a mais doméstica possível.Tenha as crianças perto de você o tempo todo,deite-se uma hora após as refeições, tenha sóduas horas de atividade intelectual por dia, nun-ca toque uma caneta, pincel ou lápis até o finalde sua vida (Gilman em autobiografia sobre suaexperiência de tratamento intitulada “The yellowpaper”, 1891).

Na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX a Gotaera considerada conseqüência de falha moral,sinal de vida devassa e preguiçosa. Assim comouma doença venérea ou o alcoolismo entre nóshoje.

No Brasil, México, Costa Rica, Argentina eEspanha, a probabilidade de um paciente comcâncer receber morfina é muito pequena, se com-parado com um paciente da Inglaterra, Canadáou Estados Unidos. O problema não é o custo,mas a associação feita entre uso de morfina edependência de drogas ilícitas.

A burocracia envolvida no processo de recei-tar certos analgésicos, receituário especial e pa-gamento para obtê-lo, medicação trancada e de

acesso rotineiro difícil, além da ausência do res-ponsável pela chave, dificultam e diminuem a pro-babilidade de prescrição. Essas restrições sãofruto de crenças estabelecidas pela cultura, quedão origem à legislação e rotinas inadequadas,despertam medo no médico, fazendo com que elenem considere esta possibilidade como alternati-va, impedindo-o de prescrever adequadamente.

DOR, GÊNERO E ETNIA

Nos Estados Unidos, 51% dos homens ne-gros procuram um médico após sentir dor nopeito, enquanto o percentual dos caucasianos éde 73%. Seguramente raça, acesso a serviços desaúde e crenças sobre a dor explicam essas di-ferenças.

As mulheres formam a maioria dos pacientescom dor crônica e usam os serviços de saúdecom maior freqüência. Experimentam dores maisrecorrentes e freqüentes, relatam níveis de dormaiores e com maior duração34.

TERAPIAS COM INFLUÊNCIA RELIGIOSA

PRATICADAS NO BRASIL

O cadinho religioso que é o Brasil reflete-sena prática médica. Diversas são as terapias cominfluência religiosa, algumas aqui criadas, outrasimportadas, mas com grande penetração; algu-mas praticadas por profissionais, outras por lei-gos. Alguns exemplos:

Terapia Noossofrológica

Mais conhecida pelo nome da clínica ondeé praticada, Mens Sana, e pelo seu criador FreiAlbino Aresi, já falecido. Associa métodos psi-quiátricos e psicológicos convencionais e po-deres paranormais para diagnóstico e cura. Usao psico-relax e o psico-tron, manejados por sen-sitivas.

Trilogia Analítica

Fundada por Norberto Keppe, recebeu pri-meiro o nome de psicanálise integral. Depois Tri-logia, porque pretende a união da ciência, dafilosofia e da espiritualidade. Analítica, pois sãoanalisadas todas as partes ou fatos para corrigiros erros de cada campo e promover o desenvol-vimento de uma ciência mais completa. A TrilogiaAnalítica, segundo o seu criador, unifica a ciên-cia, a filosofia e a teologia; o sentimento, o pen-

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samento e a ação, visando à unificação de ho-mens, raças e nações.

Psicotranse

Fundada pelo médico Eliezer Mendes, pro-põe a cura do equilíbrio energético utilizando osprocessos mediúnicos. Prega conhecer o manan-cial incalculável de psicoterapia das religiõesmediúnicas. Adaptou técnicas de hipnose, Parap-sicologia, Terapia Reichiana, regressão da memó-ria e a vidas passadas e Terapia Primal. Tem forteinfluência da Umbanda, usando técnicas de in-dução de transe. Utiliza, também, sensitivos, quecaptam, identificam e transmutam os problemasde saúde do paciente (energias que perturbam opaciente). Por este processo o doente é libertodos males que o acometem. Eliezer Mendes pro-põe também uma ação profilática, uma vacina-ção energética para todo tipo de doença.

Terpsicore-transeterapia

Criada por David Akstein, Médico Psiquia-tra, estudioso do fenômeno de transe dos cul-tos afro-brasileiros. Não usa o aspecto místicoou religioso. Através do transe cinético ocorre aliberação emocional e pela dessensibilização,uma restruturação da personalidade e harmoni-zação psicobiossocial. Terpsicore, deusa mito-lógica da dança, foi o motivo da denominação.Usa de técnicas de indução de transe e musico-terapia, integrando-as no tratamento que é emi-nentemente não-verbal39.

Nova Era

A “Nova Era” é a herdeira atual dos movimen-tos gnósticos. Algumas ênfases do movimentosão as idéias de que a humanidade está próximade uma transformação econômica, militar e soci-al, e que problemas políticos serão solucionadosatravés da liberação do potencial humano. As idéi-as em geral são monistas ou panteístas. Propõemo abandono de uma visão materialista e a vivên-cia de uma nova consciência. Esta pode ser ad-quirida ou desenvolvida através da meditação, deartes marciais, de hipnose, de drogas, de traba-lhos corporais etc. O sobrenatural é herdado epode ser detectado ou utilizado através de tele-patia, percepção extra-sensorial, transmigraçãode almas, profecias, cura pela fé, energias, vibra-ções, toques terapêuticos, astrologia, tarô, búziosetc. As relíquias e objetos sagrados têm grande

importância, colecionando-se amuletos, pirâmi-des, cristais etc.41,42.

Diversos são os terapeutas que procuraramintegrar seus conhecimentos psicológicos comessas práticas, o que motivou a tomada de posi-ção desfavorável dos Conselhos Federais deMedicina e Psicologia.

Terapia de Vidas Passadas

Originária dos Estados Unidos é, talvez, amodalidade que mais se desenvolveu entre nós,pela grande penetração das religiões mediúnicasem nosso meio. É a mais bem organizada, comassociações, publicações periódicas, treinamen-to de terapeutas. Pesquisa não só as memóriasda vida atual, mas também as reminiscências davida intra-uterina e de vidas pregressas. Nessasmemórias surgiriam as causas e os porquês dossintomas e das patologias.

Cura Interior

Fundado por Ruth Carter Stapleton, irmã doex-presidente americano Jimmy Carter, tem gran-de penetração entre nós, no meio evangélico,mas principalmente no carismático católico. En-fatiza o papel da oração e da influência do Espí-rito Santo e a importância da cura para acomunidade cristã.

Aconselhamento Noutético

Fundado por Jay Adams, pastor fundamen-talista americano, tem grande penetração entreos pastores evangélicos brasileiros, que adotamsuas idéias e seus métodos para realizar acon-selhamento. Os pressupostos são:— A Bíblia, Velho e Novo Testamento, contém tudo

o que é necessário para a vida e para o bem.— O objetivo do tratamento é mudar o modo

como as pessoas vivem suas vidas, e o pa-drão para a mudança é a Bíblia.

Cientologia

Fundada por L. Ron Hubbard, escritor de fic-ção científica nos Estados Unidos, está presenteentre nós, mas com pequena influência. Iniciou-se como uma técnica de tratamento, denomina-da “Dianética — A ciência moderna da saúdemental”, mas passou, para evitar a pressão daFDA (Food and Drug Administration), a ser um

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movimento religioso. Clínicas se tornaram tem-plos, terapeutas, sacerdotes etc.

As pessoas devem passar por uma audito-ria, inicialmente um questionário, depois um apa-relho, denominado e-meter. A infelicidade seriaderivada de aberrações mentais (engramas) pro-vocadas por traumas precoces. Humanos seri-am constituídos por espíritos (Thetans) expulsosda Terra há 75 milhões de anos por um governan-te galáctico chamado Xenu. O aconselhamentoatravés do e-meter pode quebrar os engramas,melhorando a inteligência e a aparência.

Como este sincretismo terapia e religião deveser avaliado? Proponho adotar os seguintes cri-térios40:— Critério científico (avaliação dos resultados e

do processo): descrição do tratamento, sepossível, com um manual, para especificar osfatores clínicos que serão afetados. Se o trata-mento funciona usando desenhos de pesqui-sa adequados? Como o tratamento comparacom os outros? Quais são os ingredientesclínicos fundamentais? Como interage com va-riáveis do tipo qualidades do terapeuta, condi-ções interpessoais? Qual a população-alvo?Como medir as mudanças? etc.

— Critério epistemológico (se a terapia estáaberta a críticas e evolução, se dialoga comas neurociências e a psicologia, se a análiseteórica é baseada nos conhecimentos médi-cos e psicológicos).

— Critério ético (se há controle dos terapeutas,se é possível averiguar fatos apregoados, seo tratamento é patenteado, se está envolvidoem problemas legais, se funciona como cultototalitário, se explora pacientes e terapeutas).

— Critério administrativo e organizacional (preparoe formação dos terapeutas, financiamento).

— Critério psicopatológico (sistema teórico pa-ranóide, explicações delirantes sobre o gru-po, saúde mental de liderança).

— Critério cultural (sensibilidade cultural, não eli-tista, respeito ao conceito de self da comuni-dade, linguagem simbólica adequada,cuidados com o popularesco).

— Critério teológico (insere-se numa tradiçãoteológica).Nenhuma dessas práticas passa incólume

por estes crivos. Entretanto, as práticas psicote-rápicas convencionais aceitas pelas academiase conselhos regionais e federais também nãopassam. São aceitas como científicas porque acultura acadêmica assim o determinou.

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7CAPÍTULO

Gênero e Dor

MÁRCIA PAVAN DE ANDRADE

A dor é uma experiência complexa e pes-soal, esculpida por uma multiplicidade de fatoresinternos e externos ao organismo. Nos últimos 30anos, o reconhecimento da natureza multidimen-sional da dor levou a um maior interesse nacompreensão das diferenças individuais que po-dem influenciar o processamento da informaçãodolorosa, permitindo que se considerasse o sexoe o gênero como potenciais variáveis envolvidas.

A propalada igualdade entre os sexos, quecaracterizou as décadas anteriores à de 1980,cedeu lugar a um discurso mais construtivo ondese destacaram as potenciais diferenças entrehomens e mulheres. A par disso, importantesavanços na pesquisa experimental em dor e amudança de atitudes culturais frente às diferen-ças entre os sexos revolucionaram o modo comose enfocava a questão dor e gênero.

Atualmente, há evidências substanciais queindicam que homens e mulheres diferem ampla-mente entre si não apenas no processamentonociceptivo, mas também em resposta à terapêu-tica com analgésicos e em sua experiência clíni-ca de dor. A propósito disso, uma recentepesquisa conduzida pelo Instituto Gallup, na Amé-rica do Norte, constatou que as mulheres têmmaior probabilidade que os homens de apresen-tarem dores diariamente (46% versus 37%), bemcomo apresentam probabilidade maior que os

homens em 50% de virem a perder dias de traba-lho por apresentarem algum tipo de dor.

A experiência de sermos homens ou mulhe-res depende de uma complexa interação entremúltiplas variáveis endógenas e exógenas, queincluem: diferenças anatômicas óbvias (tamanhocorporal, órgãos genitais e massa muscular, den-tre outros); diferentes níveis e padrões de expres-são temporal de hormônios gonadais; fatorespsicossociais, como experiência emocional pré-via e expectativa do papel a ser desempenhadona sociedade, além de múltiplas influências am-bientais e culturais. Estas e outras variáveis sãoresponsáveis por determinar diferenças substan-ciais entre os sexos, que passaremos a discutirneste capítulo.

HISTÓRICO

No campo da pesquisa em dor, como emoutras áreas, as mulheres sempre foram tradicio-nalmente “rechaçadas” como sujeitos da pesqui-sa, parcialmente devido ao fato de se assumir queos resultados derivados dos experimentos com osexo masculino pudessem ser generalizados e aelas estendidos. Quando tal assertiva se mostrouinválida, a presença de um ciclo menstrual paraas humanas (ou de um ciclo estral para as roedo-ras), bem como a possibilidade de estarem no

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período gestacional, foi usada como óbice paranão se incluir o sexo feminino em pesquisas clíni-cas e/ou experimentais.

Em 1992, Karen Berkley3 levantou esta ques-tão num breve, porém provocante, artigo, ondeenfatizava a importância das questões relaciona-das ao sexo na pesquisa em neurociências. Numapesquisa em mais de 100 artigos publicados emrenomadas revistas da área, a autora constatouque 45% eram omissos em descrever o sexo dossujeitos envolvidos no estudo e que, em verda-de, mais que um obstáculo, esta era uma oportu-nidade experimental única para avaliarem-se asdiferenças no fenômeno doloroso apresentadaspor homens e mulheres. Logo após, Ruda escre-veu um editorial da revista Pain, onde discutia aimportância de se estudarem as questões con-cernentes a este tópico, que se tratava de umassunto em declínio devido à ênfase dada nadécada de 1980 à igualdade entre os sexos. Es-sas duas publicações renovaram o interesse naquestão das diferenças relacionadas ao sexo eao processamento doloroso.

Em agosto de 1996, durante o VIII Congres-so Mundial de Dor em Vancouver, houve uma reu-nião entre pesquisadores interessados em comosexo, gênero e dor se relacionariam. Este encon-tro levou à criação do Special Interest Group (SIG)on Sex, Gender and Pain, da International Associ-ation for the Study of Pain (IASP), um grupo a quetodos os membros desta conceituada associa-ção internacional podem afiliar-se, visando atuali-zar-se nessa questão2.

A partir de então, seguiram-se inúmeros arti-gos discutindo este tópico, até que, em 1997, oNational Institute of Health, nos Estados Unidos,promoveu dois importantes debates sobre o as-sunto intitulados: “Sex and Gender-Related Diffe-rences in Pain and Analgesic Responses” e“Gender and Pain: A Focus on How Pain ImpactsWomen Differently Than Men”, congregando pes-quisadores e clínicos, e que repercutiram de modobastante positivo junto ao público e à mídia2. Destaforma, a década de 1990 testemunhou diversoseventos que influenciaram o modo como essaquestão vinha sendo tradicionalmente abordada,abrindo fronteiras para que se considerassem osaspectos referentes ao sexo e ao gênero capa-zes de influenciar o fenômeno doloroso.

SEXO E GÊNERO

Nas discussões sobre as diferenças mascu-lino-feminino no que tange ao comportamentodoloroso, sobrepõem-se, ainda, problemas con-

ceituais que necessitam ser revistos. A práticacomum de empregar-se os termos “sexo” e “gê-nero” de modo indistinto ilustra esta questão. Paraalguns autores7,34, “sexo” refere-se a aspectosbiologicamente determinados da feminilidade oumasculinidade, enquanto “gênero” refere-se aocomportamento socioculturalmente modificável eadaptável que reflete e incorpora traços de femi-nilidade ou masculinidade. Estes conceitos se-rão adotados e mantidos ao longo deste texto.

MECANISMOS ENVOLVIDOS NAS

DIFERENÇAS ENTRE OS SEXOS

Fillingim e Maixner10, Berkley4 e Fillingim14

propuseram algumas hipóteses para explicar asdiferenças entre os sexos que emergiram de es-tudos clínicos e experimentais, dividindo-as empsicossociais e neurofisiológicas. A distinção en-tre ambas, enquanto conveniente, é bastante ar-tificial, porque fatores psicossociais produzem osseus efeitos por mecanismos neurofisiológicos,do mesmo modo que influências neurofisiológi-cas afetam, inevitavelmente, os aspectos psicos-sociais. Desta forma, parece mais adequadoadotar-se uma abordagem biopsicossocial, coma proposta por Fillingim, que prevê ser a experi-ência dolorosa esculpida por uma dinâmica ecomplexa interação entre fatores biológicos (as-pectos genéticos, hormônios gonadais, mecanis-mos endógenos de supressão de dor), fatorespsicológicos (ansiedade, depressão, fatores cog-nitivos) e fatores socioculturais (idade, etnia, his-tória familiar, papel a ser desempenhado).

Muitos pesquisadores têm dado maior ênfa-se aos fatores biológicos, notadamente aquelesdeterminados pelos hormônios sexuais, comosendo de maior importância que os demais as-pectos psicossociais. Ao mesmo tempo, outrosautores ressaltam que estes últimos aspectos sãode crucial importância, a exemplo de Riley e cols.29

que descreveram, entre pacientes mulheres quese apresentaram para tratamento numa clínica dedor facial, dor de maior intensidade nas pacien-tes que relataram história prévia de abuso sexual.Neste contexto, talvez não seja tão importanteidentificar-se qual o aspecto de maior peso a serconsiderado, mas sim determinar a contribuiçãorelativa de cada um destes fatores.

TEORIAS PSICOSSOCIAIS SOBRE AS

DETERMINAÇÃO DO GÊNERO

A teoria de aprendizagem sociocognitiva1,29

e a teoria de desenvolvimento cognitiva21 propõem

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que as crianças, desde tenra idade, desenvolvemuma percepção de si mesmas como masculinasou femininas (identidade de gênero) através dosmesmos processos envolvidos na aprendizagemem geral. Esses processos incluem imitação, re-forço e punição. A teoria do esquema de gênero2

integra elementos advindos de ambas as teoriasacima citadas, pois se propõe a explicar comomeninas e meninos adquirem traços femininos e/ou masculinos na medida em que se amoldamaos estereótipos culturalmente aceitos para es-tas condições.

DIFERENÇAS RELACIONADAS AO SEXO E

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

A subjetividade da experiência dolorosa im-plica que as crenças do indivíduo, bem como assuas estratégias de enfrentamento, possam vir acontribuir para a manutenção, exacerbação ouatenuação da percepção da dor ou do compor-tamento expresso em resposta à dor. Além disto,estas forças podem vir a interagir entre si por al-ças de retroalimentação positivas e recíprocas,de tal forma que os efeitos possam vir a se trans-formar, posteriormente, em causas.

Se cada indivíduo desenvolve a sua própriaestratégia para lidar e enfrentar a sensação dolo-rosa, e se homens e mulheres experimentam ador de modo diferente (quanto à freqüência, in-tensidade, padrão de expressão temporal, locali-zação etc.), então homens e mulheres devem vira desenvolver diferentes estratégias de enfrenta-mento. As evidências mais recentes indicam, defato, que homens e mulheres lidam de modo di-ferente com o stress, e a dor pode, certamente,ser definida com um agente estressor. Saber li-dar com este agente pode ser definido como umatentativa intencional de gerenciar uma situaçãoestressante24.

Vingerhoets e Van Heck37 correlacionaramos sexos com as estratégias de enfrentamentoapresentadas em resposta a sintomas psicoló-gicos e somáticos. Os homens mostraram-semais inclinados a usar estratégias de enfrenta-mento ativas, centralizando-se no problema. Emcontraste, as mulheres tenderam a utilizar estra-tégias de enfrentamento centralizadas na emo-ção, e a expressar mais estas emoções, bemcomo buscar com maior freqüência suporte so-cial e a culpar-se. Diversos trabalhos neste sen-tido têm sugerido que as estratégias deenfrentamento social parecem ser mais limita-

das, em geral, para os homens que para asmulheres. Quando avaliados globalmente, osestudos sobre modos de enfrentamento suge-rem que as mulheres tendem a focalizar-se pre-ferencialmente nos aspectos emocionais einterpessoais de uma situação, enquanto oshomens se concentram em estratégias para so-lucionar o problema propriamente dito.

DIFERENÇAS RELACIONADAS AO SEXO

NA UTILIZAÇÃO DOS SISTEMAS DE

ATENDIMENTO DA SAÚDE

Diversos estudos têm documentado maioruso per capita dos serviços de atendimento dasaúde por mulheres, comparativamente aos ho-mens, para todos os tipos de morbidades. Un-ruh36, numa excelente revisão a respeito, concluiuque tal fato também se mostrou verdadeiro paraos serviços de saúde relacionados ao tratamentoda dor.

As possíveis explicações aventadas paratanto incluem: diferenças entre homens e mu-lheres em seu estado de saúde e no comporta-mento de procura pela saúde como entidade aser cuidada; diferenças na disponibilidade des-tes serviços e diferenças na mortalidade. Outrosestudos mostram que demais fatores tambémpodem ser arrolados, tais como: diferenças noconhecimento sobre as doenças, na percepçãodos sintomas, na acepção da responsabilidadeem cuidar do outro, na capacidade de aceita-ção da doença e vontade de buscar auxílio mé-dico18. Neste estudo, demonstrou-se que asmulheres apresentam maior preocupação coma saúde e maior percepção da severidade dossintomas. Meininger27 relatou que homens emulheres apresentam diferente freqüência naprocura por consultores de saúde não médicos,e que esta diferença entre os sexos relaciona-secom o status socioeconômico. Klonoff e Landri-ne20 descreveram que as mulheres são muitomais propensas que os homens a interpretar adoença como uma forma de punição.

Um fator não menos importante a ser consi-derado é que existem também diferenças na in-teração entre os profissionais de saúde e ospacientes, de acordo com o seu sexo. Safran ecols.30 descreveram que as mulheres apresentam3,6 vezes maiores chances de lhes serem pres-critos repouso e restrição de atividades, mesmoquando o nível de sintomas apresentados foi equi-valente aos dos homens.

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CONEXÕES EMPÍRICAS ENTRE SEXO,

GÊNERO E COMPORTAMENTO DOLOROSO

Mechanic26 avaliou a relação existente entreidade, sexo e atitude das crianças quanto ao ris-co de negação da dor, com o objetivo de detec-tar alguma “conformidade social” com o papelimputado aos garotos de “ter que passar por cimadisto”. Neste aspecto, tanto os mais jovens comoos mais velhos se mostraram significativamentemais propensos que suas companheiras femini-nas a relatar que não tinham medo de se ferir eque não “se importavam” com a dor. Savedra31

descreveu que as meninas hospitalizadas seamoldavam muito bem ao estereótipo femininode maior expressividade emocional, pois utiliza-vam maior número de descritores afetivos para ador que os meninos de sua mesma idade.

Outro aspecto interessante a ser estudado éa influência da presença de uma história de quei-xa dolorosa na família do indivíduo. Edwards ecols.8 descreveram uma correlação positiva entreo número de familiares com queixas de dor e afreqüência de queixas semelhantes entre adultosjovens, que foi mais significativa para as mulhe-res que para os homens. Koutantji e cols.22 des-creveram que o sexo do indivíduo e uma históriafamiliar de dor associaram-se a aumento não ape-nas das queixas de dor, mas também do estaratento para este tipo de queixa vinda de demaisindivíduos.

Levine e De Simone25 descobriram que oshomens relatam dor menos intensa durante umteste experimental para a dor (cold pressor task)que é aplicado por uma mulher atraente e vestidade modo a acentuar a sua feminilidade, em rela-ção ao mesmo teste quando aplicado por umexperimentador do sexo masculino. Esta respos-ta, no entanto, não foi verificada quando não hou-ve acentuação das características de feminilidadeda experimentadora. Estes estudos sugerem queos padrões estereotipados definidos para cadagênero possam exercer um importante efeito so-bre o comportamento de resposta à dor.

DIFERENÇAS RELACIONADAS AO SEXO

NO CONTROLE DA DOR

Buckelew e cols.6 estudaram o ajustamentoà dor persistente em 160 indivíduos (67 homense 93 mulheres) inseridos num programa de reabi-litação. Os resultados encontrados sugeriram queambos os sexos se acomodam em subgruposde perfis diferentes no que diz respeito ao con-

trole sobre a própria dor, e, para as mulheres,encontrou-se maior freqüência de uso das estra-tégias de enfrentamento. Strong e cols.32 avalia-ram pacientes com dor lombar crônica edescreveram que maior número de homens, emrelação às mulheres, classificaram-se como “es-tando no controle” da dor, o que se evidencioupor menores registros de intensidade de dor, umaatitude estóica de que é possível controlar-se ador e menor incidência de lastimar-se pela situa-ção em que se encontram. No entanto, mais mu-lheres que homens se encontravam no grupoque lidava ativamente com o problema, no qualse encontravam pacientes com queixa de dormais intensa e uso de maior número de estraté-gias de enfrentamento cognitivas (reinterpretaçãoda queixa dolorosa, negação e técnicas de dis-tração de atenção).

DIFERENÇAS RELACIONADAS AO SEXO E

CATASTROPHIZING

Catastrophizing pode ser definido como apercepção da falta de controle sobre determina-da situação, preocupação excessiva com o futu-ro e uma tendência a ver a vida como um fardo,sendo considerado um fator crucial na relaçãoexistente entre a dor crônica e as emoções nega-tivas27, bem como uma importante variável naavaliação e no tratamento da dor33. Poucos estu-dos correlacionaram as diferenças entre os se-xos neste aspecto. Jensen e cols.19 relataram quemulheres com dores crônicas apresentam estesentimento em maior proporção que os homensna mesma situação. Harkapaa17 não encontroudiferenças entre os sexos neste aspecto em suaamostra de pacientes (finlandeses) portadores dedor lombar crônica. Unruh35, num estudo maisrecente, não descreveu diferenças na magnitudedo catastrophizing entre homens e mulheres, masrelatou diferenças relacionadas aos sexos entreeste sentimento e a avaliação da ameaça repre-sentada pela situação de dor.

DIFERENÇAS RELACIONADAS AO SEXO,

À DEPRESSÃO E À ANSIEDADE

As diferenças relacionadas ao sexo na res-posta emocional de um indivíduo à dor podem vira influenciar a sua queixa clínica. Os estudos queempregam amostras populacionais da comuni-dade, no entanto, têm provido evidências limita-das sobre o fato de que as mulheres queexperimentam dor apresentem maior angústia

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emocional que os homens. Num estudo em paci-entes portadores de dor lombar, Bolton5 descre-veu para as mulheres um aumento dos sintomasdepressivos e maior atenção (estado de alerta)para os sintomas somáticos de qualquer nature-za. A autora sugere que “parece ser mais aceitá-vel socialmente para a mulher admitir a angústiaque o homem, e que as mulheres apresentammaior percepção de seus sintomas corporais queos homens”. Mais recentemente, Edwards e cols.9descreveram que homens e mulheres, numa po-pulação heterogênea portadora de dores crôni-cas, apresentavam níveis equivalentes deansiedade relacionada à dor. No entanto, altosíndices desta ansiedade associavam-se a maiorintensidade de dor e atividade diária reduzidaentre os homens, mas não dentre as mulheres.

Num estudo em pacientes que sofriam decefaléia, Lacroix e Barbaree23 descreveram queas mulheres apresentavam maiores índices queos homens numa lista de checagem de sintomas,e mais freqüente prejuízo na vida social e familiar.Gilbar e cols.16 relataram dados consistentes coma hipótese de que o sexo é, per se, um fator derisco para angústia psicológica secundária à ce-faléia. Neste estudo, foram comparados os sinto-mas psicológicos apresentados por 26 homensjovens e 65 mulheres jovens que se dirigiram auma clínica neurológica para consulta devido àcefaléia. As mulheres apresentaram maior núme-ro de sintomas psicológicos que os homens, emavaliações de medidas de somatização e depres-são. Os autores sugeriram que as pacientes quedesempenham múltiplos papéis (donas de casa,mães, empregadas) poderiam estar sobrecarre-gadas com conflitos advindos desta multiplicida-de de papéis.

Em estudos em pacientes com artrite reu-matóide, as mulheres descreveram maior fre-qüência de depressão12 e maior incidência desentimentos negativos que os homens13.

CONCLUSÕES

Os resultados dos estudos apresentadosacima devem ser vistos com bastante cautela,pois parece existir na literatura uma tendência emse superestimarem as diferenças relacionadas aosexo no que diz respeito aos fatores psicossoci-ais. Por um lado, devemos considerar que a amos-tra de indivíduos com dor utilizada em trabalhosclínicos pode ser “viciada”, na medida em quedepende do indivíduo buscar cuidado e atençãoespecializados. Conseqüentemente, existe uma

potencial interação entre a condição dolorosa deum indivíduo e a sua resposta emocional à dor,que se torna preditiva no sentido de procurar osistema de saúde, e que pode tornar-se, então,causa ou efeito das diferenças relacionadas aosexo descritas na literatura.

Além disto, as diferenças relacionadas aosexo, no que tange à avaliação de um determina-do tipo de comportamento, são multifatoriais, po-dendo ser mais complexas que os modelos quehabitualmente vêm sendo avaliados. Neste aspec-to, no que diz respeito ao comportamento dolo-roso, um dos problemas em se determinar oucompreender a verdadeira natureza das diferen-ças entre os sexos seria a falta de modelos multi-fatoriais que incluam, além da sensação dolorosa,as estratégias de enfrentamento, as emoções eas influências socioculturais vigentes, para orien-tar melhor a nossa metodologia ao testar nossashipóteses.

De qualquer forma, há um corpo de evidên-cias sugerindo que, em âmbito experimental, ho-mens e mulheres diferem, em geral, no seu relatode dor induzida por diversos tipos de estimula-ção e também em testes psicofísicos. Parece cla-ro, em estudos epidemiológicos, que as mulheresrelatam maior número de sintomas e que tambémutilizam as clínicas de dor com maior freqüência.O foco da maioria das pesquisas que estuda dore sexo tem sido a identificação dos determinan-tes anatômicos e fisiológicos de tais diferenças.Os dados respaldando as contribuições biológi-cas neste aspecto são bastante atraentes; noentanto, deve-se ter em mente que as influênciaspsicossociais não foram ainda adequadamenteavaliadas. O milieu social do ambiente de labora-tório pode ser significativamente diferente parahomens e mulheres, afetando o modo como cadasexo efetivamente se comporta.

Além disso, expressar dor em público é umaexperiência provavelmente bastante diferente parahomens e mulheres, e que pode ser mais bemexplicada pela influência de fatores sociais, maisque biológicos. É razoável admitir-se, portanto,que as normas socioculturais que regem o com-portamento de cada sexo na sociedade estejampresentes e interferindo quando se avalia a res-posta a um estímulo doloroso aplicado a homense mulheres em ambiente de laboratório.

No tocante à utilização dos sistemas de saú-de, as pesquisas sugerem que, de modo geral,homens e mulheres diferem quanto ao significa-do que atribuem aos seus sintomas, e em suapercepção da severidade destes sintomas. Am-

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bos ainda empregam diferentes estratégias deenfrentamento para lidar com a dor em âmbitoclínico. Homens e mulheres ainda diferem, reco-nhecidamente, quanto ao modo de expressaremas suas emoções negativas.

Parece haver, até o presente, uma força deevidências sugerindo que, quando se pretendeestudar este assunto, deve-se considerar fatorespsicossociais que incluem a socialização dosgêneros, o modo de aprendizagem e fatores cog-nitivos e afetivos, dentre outros.

A atribuição das diferenças existentes entrehomens e mulheres apenas ao sexo cromossô-mico parece, portanto, ser bastante simplista, poisignora, na realidade, a grande contribuição dadiferença entre os sexos representada pela dimen-são social em que se inserem homens e mulhe-res, enquanto percebendo e expressando asensação dolorosa.

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8CAPÍTULO

Religião e Dor(Crenças e sua Relação

com a Dor)

LUIS DE MORAES ALTENFELDER SILVA FILHO

MARIA DE LOURDES BELDI DE ALCÂNTARA

A Associação Internacional para o Estudo daDor (IASP) define a dor como uma sensação de-sagradável intrusiva e uma experiência emocio-nal desprazível decorrentes de lesão real oupotencial dos tecidos do organismo. Trata-se deuma manifestação subjetiva, variando, portanto,sua apreciação de indivíduo para indivíduo. To-das as pessoas em alguma ocasião já experimen-taram esta sensação que envolve mecanismostanto físicos quanto psíquicos e culturais. Comoa morte, a dor é um evento universal e ninguémdela escapa, surge das mais variadas formas nocurso da existência e independe da vontade dohomem. A dor, além de um acontecimento fisio-lógico, é um acontecimento existencial. Não ésomente o corpo que sofre, e sim o indivíduo emtodo o seu ser.

Aristóteles considerava a dor uma experiên-cia emocional, uma forma particular de emoção,distinta dos cinco sentidos, pois nem sempre re-presentava resposta a um estímulo. Esta crençaperdurou até o século XVII, quando René Descar-tes, com sua filosofia mecanicista, distinguiu ocorpo da mente, percebendo a dor como umasensação, um efeito mecânico de saturação, con-seqüência de um excesso de solicitação dos sen-tidos, assinalando, então, que a dor era sentidano cérebro através da transmissão do impulsodoloroso pelos nervos.

A biologia privilegiava estudar o mecanismodos influxos dolorosos e tinha como meta des-crever, com objetividade, a origem, o percurso eo ponto de localização resultante da estimulação.Entretanto, a teoria de Descartes não conseguiaexplicar duas observações paradoxais: uma se-vera lesão tissular pode ocorrer sem dor e umador pode ocorrer sem lesão.

Muitos cientistas dedicaram-se a este es-tudo. Em 1965, Patrick Wall e Ronald Melzackdescreveram a Teoria do Portão do Controleda Dor (Gate Control Theory), segundo a qualos impulsos nervosos evocados por lesões sãoinfluenciados na medula espinal por outras cé-lulas nervosas que atuam como portões, impe-dindo ou facilitando a passagem dos impulsos.Para esses autores o controle da dor se dá porsinais ascendentes e projeções descendentesque determinam quais sinais de dor ascendemà consciência. Numerosos intermediários se in-terpõem entre o foco e a dor experimentada.Esses filtros acentuam ou diminuem sua inten-sidade. Os caminhos da dor passam por estasportas que a modulam, diminuindo ou acele-rando sua passagem. Outras percepções sen-soriais entram em ressonância com ela econtribuem para essa modulação (calor, frio,massagem etc.). Certas condições inibem (con-centração, relaxamento, diversão etc.), outras

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86 CAP›TULO 8© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

aceleram sua difusão e a aumentam (medo,fadiga, contração etc).

Teixeira (1999)10 interpreta didaticamente estateoria: “mecanismos modulatórios sensibilizam ousuprimem a nocicepção em todas as estaçõesonde ela é processada. Há considerável integra-ção da nocicepção –– (nocicepção é a detecçãode um estímulo agressivo por terminais senso-riais e a transmissão de informações sobre a pre-sença desse estímulo pelas conexões sinápticasdas células nervosas transmissoras, do local es-timulado até o cérebro) –– nos tecidos e no siste-ma nervoso central (SNC). À medida que ascendeno neuroeixo, a redundância anatômica das viassensitivas aumenta de modo significativo e a es-pecificidade se reduz.

A ação dos neurotransmissores excitatóriosliberados na medula espinal pelos aferentes pri-mários nociceptivos sofre influência de sistemasneuronais excitatórios e inibitórios em várias re-giões do sistema nervoso. Provavelmente, na de-pendência da modulação da nocicepção namedula espinal, a informação nociceptiva seja ounão transferida pelos neurônios de segunda or-dem para os centros rostrais do neuroeixo. O en-céfalo não é passivo às mensagens coletadas nosmeios exterior e interior. Na teoria de Wall e Melza-ck uma lesão tissular sem dor ocorre porque ossinais descendentes “fecham o portão” da per-cepção da dor. Aspectos da vida pregressa e pre-sente, e experiências pessoais interagem demodo significativo com a percepção da dor.

Do mesmo modo que a teoria do portão decontrole explica a lesão tissular sem dor, ela nãoconsegue explicar a percepção da dor sem le-são, como ocorrem nos casos da dor no mem-bro amputado. Observações como estas nosfazem focalizar a atenção nas representações in-ternas do cérebro e estudar como ele percebe ouignora os sinais de dor. Mas nem a anatomia e aneurofisiologia são suficientes para explicar osmecanismos da dor. A relação íntima do homemcom a dor depende de inúmeros fatores, dentreeles os psicossocioculturais.

A maneira como o homem produz e repro-duz a cultura e, conseqüentemente, cria seus va-lores e estabelece seu contato com o mundo,compõe uma trama decisiva na compreensãoda dor, que é uma experiência íntima, mas que é,sem dúvida, resultado também do contexto cul-tural em se que vive.

Não há dor sem sofrimento, é o que nossasociedade ocidental, por meio do desenvolvimen-

to da ciência, nos enuncia. Sabemos que a dor éum dado fisiológico e que o corpo humano temum sistema harmônico de funcionamento; namedida em que essa harmonia é rompida, o pri-meiro sinal que aparece é o sintoma da dor. Masassociar esse sintoma a um conceito de sofrimen-to nos remete, necessariamente, a uma noçãomoral. Neste sentido, podemos afirmar que estetipo de associação depende do contexto social ede cada cultura.

Desde Marcel Mauss, em seu célebre artigosobre as “Técnicas Corporais”, sabemos que ocorpo é o primeiro e o mais natural instrumentodo homem, a adaptação constante a um fim físi-co, mecânico, químico é perseguida em uma sé-rie de atos montados, e montados no indivíduo nãosimplesmente por ele mesmo, mas por toda a suaeducação, por toda a sociedade da qual ele fazparte, no lugar que ele ocupa5. O corpo é ao mes-mo tempo retrato da individualidade e do grupo aque pertence. É dentro dessa tensão, entre ocoletivo e o individual, que deveremos colocar anossa discussão.

Nas sociedades urbanas ocidentais a expe-riência primeira das fronteiras psíquicas e de seuinvólucro corporal revela e relembra a cada uma evidência de sua singularidade. É também olugar onde se faz a experiência não partilhadado prazer e do sofrimento. Para outros contex-tos culturais, a pluralidade dos corpos com ogrupo é uma construção social cuja unidade éreflexo dos indivíduos que a compõem, tornan-do-se irredutíveis!

Diante destas diversidades culturais, comoanalisar a dor e as suas representações? Um dosgrandes paradigmas é a religião.

Por que a religião como um elemento-chavepara estudar a dor e o sofrimento? Por ser umdos grandes referencias simbólicos das subjeti-vidades culturais, apresenta a tensão entre uni-versal e particular, sagrado e profano, público eprivado através da ambigüidade e ambivalência.Nós nos encontramos na fronteira, nos entre lu-gares, na tensão entre o imanente e o transcen-dente, o passado e o presente, o psíquico e osocial.

É nessa tensão que estamos produzindo acultura e as formas de representação do nossocorpo tanto natural quanto socializado. É nestemomento que explicações científicas são atraves-sadas por explicações religiosas.

As religiões podem influenciar a percepçãoque o indivíduo tem de si mesmo e também sua

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resposta à dor. A fé religiosa pode auxiliar muitona tolerância à dor, assim como influenciar suaatitude, por exemplo: o indivíduo pode interpretara dor como punição divina e sua reação estarána dependência desta interpretação do fenôme-no doloroso, indo do conformismo a penitências,preces, feitiços etc.

A dor pode ser vista como uma maneira tra-dicional de punir e/ou de purificar o homem dafalta cometida e, neste contexto, representar umacontundente figura do mal. A idéia da doençamerecida, do sofrimento vir a punir a má condutado indivíduo é ainda profundamente arraigada naconsciência contemporânea. Toda dor experimen-tada pode fazer brotar o sentimento de injustiçaescondido em cada homem, podendo, eventual-mente, suscitar a revolta e a raiva daquele quenão a reconhece como um castigo e que tem aconsciência de haver falido sua moral pessoal. AAIDS é vista, por alguns, como um justo e gravecastigo pelo “pecaminoso” modo de vida ou peloexercício promíscuo da sexualidade.

Na tradição bíblica, a doença e a dor apare-cem depois que Adão e Eva cederam à seduçãoda serpente e comeram o fruto da árvore do co-nhecimento do Bem e do Mal. O sofrimento eradesconhecido no paraíso; de lá expulso, o ho-mem passou a ser plenamente responsável porseu destino. Nessa nova condição entra emcontato com a fragilidade de sua nova forma deexistência, passa a temer a dor e conhece a ambi-valência. A dor é, portanto, uma conseqüência doaparecimento da consciência. De pronto, o Malirrompe a condição humana, vindo, então, a des-graça como um efeito da ruptura entre o homeme o divino.

Assim está escrito em:

GÊNESIS 2, 31. E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a

tua dor e a tua conceição; com dor terás fi-lhos; e o teu desejo será para o teu marido, eele te dominará.

2. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à vozde tua mulher, e comeste da árvore de que teordenei, dizendo, “Não comerás dela”, maldi-ta é a terra por causa de ti; com dor comerásdela todos os dias da tua vida.

3. O Senhor Deus, pois, os lançou fora do jar-dim do Éden, para lavrar a terra de que foratomado.

Os versículos da Bíblia associam freqüente-mente a prosperidade e a saúde ao cumprimen-

to do homem às ordens de Deus. A desgraça, osofrimento e a dor representam punições a infra-ções da lei de Deus. Um princípio de justa retri-buição condiciona as relações do homem aomundo e a Deus. O castigo cai sobre aquele quese afasta do caminho certo e provoca a cóleradivina. O justo é feliz, o malvado paga dolorosa-mente seu desvio. As dez pragas do Egito, (Êxo-do, VII-XI), a lepra infringida a Miriã, irmã de Moisés(Números, XII-10), O Mal do ventre do rei João(Reis 2, V-XXVII) etc. são exemplos bíblicos, den-tre muitos outros, mostrando que a doença vempara punir o culpado por sua desobediência à lei.A dor é sinal de um pecado, é admitida como sefosse a mão de Deus sobre as fraquezas huma-nas. A sujeira da alma precede a sujeira do cor-po: a dor e a doença são a versão somática dopecado.

A representação da punição e do castigo pormeio da dor é fruto da dicotomia entre sagrado eprofano, que caracteriza o pensamento cristão. Achave interpretativa é estruturada pelos pares deoposição que vão identificar os atos dos seus fi-éis; assim, a dor associada à doença está neces-sariamente vinculada a uma punição que estáassociada a uma transgressão das regras sóciasestabelecidas pelo divino. Assim, somente atra-vés da eficácia simbólica transcendente a dor e adoença passam a ser expiadas, e a ordem esta-belecida.

Mas, por outro lado, a dor desvinculada dadoença, que se apresenta como punição, estáassociada ao momento em que ocorre a aproxi-mação entre o indivíduo e seu herói civilizatório,Jesus Cristo. Neste momento a ambigüidade apa-rece como fruto da possibilidade da ascensãopelo fato de compartir a dor e o sofrimento deJesus na cruz. A aceitação da dor seria uma pos-sível forma de devoção que faz reaproximar-sede Deus e purificar a alma. O Sermão da Monta-nha, longe de considerar a dor como estranha àcondição humana, o faz como uma via privilegia-da de acesso a Deus, mas sem desconsideraroutras vias. O sofrimento é purificação e umapossível redenção.

A morte de Jesus na cruz é essencialmenteum mistério do sofrimento, um relato da reden-ção através de uma dor infinita a fim de absorvero infinito pecado do homem. Para os cristãos ador é uma participação menor do sofrimentoexemplar de Cristo, é cultivada diariamente comouma forma de piedade ou misticismo, fazendocom que cada dia seja um caminho simbólico dacruz, um novo percurso da paixão. Há uma forma

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de culto à dor no cristianismo, sobretudo em suaversão católica, mas a dor não significa um valorem si, é considerada uma forma de alquimia quetransmuta a alma e a reaproxima de Deus.

O cristianismo e o judaísmo não refutam asmanifestações da dor. Paulo VI escreveu: “É de-ver do médico empenhar-se no combate ao sofri-mento e à dor e de prolongar a vida de seupaciente o maior tempo possível, pois a hora damorte é o sagrado encontro do homem com seuCriador.”

A tradição católica, por longo tempo doloro-sa, é largamente aberta aos valores contemporâ-neos no tratamento da dor, mas continua aconsentir um valor particular à experiência do so-frimento como uma espécie de amor que brotada cruz e capacita o homem a manter em si aforça da alma. O sofrimento de Cristo não serianada sem o amor dispensado por seu sacrifício.Para o pensamento cristão contemporâneo a ofer-ta da dor quase não tem mais significado, o cris-tianismo adapta-se às mudanças, a modernidadeimpõe uma nova interpretação dos textos funda-mentais. As concepções cristãs reconhecem oextraordinário significado da dor como parte darealização da condição humana, não fazendoqualquer oposição aos métodos da medicina parao seu tratamento e prevenção.

Para os cristãos protestantes, a abordagemda dor é uma das diversas zonas de divergênciacom o catolicismo romano. Os protestantes sãoobstinados pela corrupção irreversível da nature-za humana pelo pecado original. O pecado deAdão abriu um abismo entre o homem e a trans-cendência. A dor nasce da retratação do homema Deus pela expulsão do paraíso, como uma for-ma de punição por seu pecado. Toda dor sentidaé uma memória carnal de sua ruína e uma formade participação atual à falta inaugural de Adão.A Reforma rompe de cara com a noção de quea dor é cheia de graça e virtude, própria à purifi-cação do homem de suas sujeiras, e se anteci-pa aos sofrimentos do purgatório. A dor não éuma punição e nem tem o poder da redenção,pois o homem está predestinado à sua condi-ção pessoal. Racionalmente é percebida comoum mal do qual convém se livrar. Considera legí-timo o seu combate através dos métodos científi-cos conhecidos.

Além de suas claras intenções, o pensamen-to religioso imprime sua marca sobre os compor-tamentos e os valores na forma derepresentações que transcendem as explicações

científicas. De tradição, na maior parte das vezescatólica, os médicos franceses tendem a pres-crever baixas doses de morfina para minorar ador crônica ou a dor do paciente terminal. A partirde 1987, a Dinamarca e outros países escandi-navos utilizam uma proporção 20 vezes maior demorfina. Com o mesmo sentimento do caráterinútil da dor, os ingleses fazem um movimento nosentido de diminuir o sofrimento dos moribundos,prescrevendo doses muito maiores que os fran-ceses. A Holanda, outro país protestante, enten-de legitimar a eutanásia se a doença é incurávele a dor é intensa e mutilante. O sofrimento é con-siderado pura violência. Desses países protes-tantes surgem lideranças na luta contra a dor, nacriação das pain clinics, particularmente nos Es-tados Unidos e na Inglaterra.

O islamismo também tem uma atitude pró-pria frente à dor. Etimologicamente, s-l-m signifi-ca “paz” e, num sentido secundário, “entrega”.Islam significa “submissão aos decretos de Alá”.Acreditam que sua fé foi revelada por Deus aoprofeta Maomé, cujas palavras foram escritasmais tarde no livro sagrado do islamismo, o Alco-rão. Os muçulmanos acreditam num juízo final ena vida após a morte, no céu ou no inferno, nãose rebelam diante das adversidades e do sofri-mento que os afetam. Lutam contra o mal commeios humanos, sem ceder à revolta ou a la-mentações. Os males do mundo são provas paraavaliar a fé. A dor é uma infusão amarga que rea-proxima o homem de seu criador. A dor não éuma sanção a um pecado, ela é predestinada,inscrita no homem bem antes de seu nascimen-to. Mektoub: está escrito, ninguém escapa a seudestino. Se Deus, na sua onipotência, mandou ador, o homem não poderá esquivar-se. Por maisque os desejos da divindade escapem ao seu en-tendimento, o homem deve-se submeter.

Mas se Deus criou a dor, Ele também deu aohomem meios de combatê-la através da medici-na e das preces. A paciência e a resistência sãorequisitos do crente através do qual Deus medee estende sua fé. Há sempre um remédio dispo-nível para qualquer adversidade; toda dor tem seuconforto. Com a ajuda de Deus encontrará res-posta a seu mal. A prece é a primeira medicina.

Para o muçulmano, assim como para o cris-tão, a vida no mundo é um meio de passagem,uma permanência provisória, e não um fim em si.Nós somos de Deus e a Ele retornaremos. Den-tro da perspectiva da saúde todo acontecimentofeliz ou infeliz tem o valor de um teste moral. Odesespero é considerado uma blasfêmia. O sui-

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cídio e a eutanásia, para escapar do sofrimento,não fazem parte da mentalidade muçulmana.

Diferentemente do cristianismo, a dor é umapredestinação, é algo que não se pode mudar;nesse sentido o que se destina ao homem é atentativa de amenizá-la. Para isto, a ele foi dado olivre poder de intervenção e, conseqüentemen-te, a descoberta de soluções que pudessemamenizar o sofrimento aqui na Terra, muito em-bora a concepção da doença seja uma inter-venção divina e as suas práticas de curasestão destinas aos homens e ao seu pensa-mento “científico”. Uns dos grandes exemplosda disparidade entre o pensamento católico e omulçumano é retratado durante o período dasCruzadas, onde Avicena, médico árabe-mulçuma-no, torna-se amplamente conhecido no Ocidentepelas suas técnicas de cura.

É somente com o processo de laicizarão dasociedade ocidental que vai ocorrer o confinamen-to do sagrado, pelo menos, no que diz respeitoàs instituições. Em relação às manifestações so-ciais o pensamento mágico e suas formas de re-presentação nunca deixaram de estar presente.É nesse tipo de representações culturais híbridasque as instituições, principalmente a medicina,precisam prestar mais atenção. A dicotomia radi-cal entre estes tipos de pensamento de apreen-são do mundo nunca é tão rígida, como bemcolocamos acima o pensamento científico é per-passado pelo pensamento mágico, denuncian-do que jamais nossas representações estão ouforam, na realidade, separadas de uma formaasséptica e taxionômica.

As práticas sociais denunciam a todo o mo-mento este tipo de atitude híbrida. Mesmo aque-las tidas como “médicas”. Um bom exemplo é osurgimento do placebo.

O dicionário médico Hooker, de 1811, defi-ne placebo como aquilo que se dá ao doentemais para agradá-lo do que beneficiá-lo, poden-do ser uma infusão ou um escalda-pés. Na mai-oria das vezes o placebo é utilizado em ensaiosclínicos, duplo-cegos, como um controle paraavaliar a eficácia clínica de determinada drogae, ainda, para neutralizar variáveis do próprioensaio clínico.

Terroni e Silva (2000)12 escrevem que 33% deuma população com dor obterá alívio com umasubstância inerte e que a resposta ao placebo éum aspecto normal da personalidade e não seassocia a nenhum tipo psicológico, e que o me-canismo da resposta ao placebo encontra-se

provavelmente no sistema de endorfinas inibido-ras da dor, que é influenciado por fatores tantopsicológicos como neurológicos.

Hoje sabemos que, na ausência de uma te-rapia específica para a dor, o poder de sugestão,persuasão e a expectativa, algumas vezes, são omelhor tratamento que podemos oferecer. Paraalguns pacientes, a simples administração de umapílula mobiliza expectativas de ajuda, eleva omoral e instiga benefícios, promovendo mudan-ça no comportamento e aliviando sintomas. Oefeito placebo é muitas vezes poderoso e nãopode ser desconsiderado.

Patrick Lemoine, psiquiatra, citado por Camar-go e Teixeira (2002)13, faz algumas observaçõessobre a “farmacocinética do placebo”, como: oplacebo age mais rapidamente que o medicamen-to ativo, em particular na dor e na depressão, oseu pico da atividade é mais precoce, e relata quehá descrição de caso de adição ao placebo.

O que determina o sucesso do efeito place-bo é a qualidade da relação médico-paciente, osetting da clínica, o staff profissional, o tipo deparafernália utilizada, a aparência e a cor da me-dicação. A expectativa do paciente depende dacultura, da educação, da experiência e de sua per-sonalidade. A intensidade da expectativa é influen-ciada pelo entusiasmo, pela expectativa e pelocarisma de quem prescreve e/ou administra o pla-cebo. Alguns médicos, por uma posição moral,não o prescrevem.

A crença no poder mágico de um objeto, deum xamã, de um feiticeiro ou, ainda, de uma pes-soa revestida de grande carisma pode aliviar tem-porariamente a dor e o sofrimento. Lévi-Strauss(1975)4 escreve “que a eficácia da magia implicana crença da magia, e que esta se apresenta sobtrês aspectos complementares: existe, inicialmen-te, a crença do feiticeiro na eficácia de suas téc-nicas; em seguida, a crença do doente no poderdo próprio feiticeiro, de que ele cura; finalmente aconfiança e as exigências da opinião coletiva, queformam a cada instante uma espécie de campode gravitação no seio do qual se definem e sesituam as relações entre o feiticeiro e aqueles queele enfeitiça”.

Franz Anton Mesmer, no século XVIII, lançouuma teoria segundo a qual existia um líquido invi-sível com propriedades magnéticas em todos oscorpos de animais e as doenças seriam as ex-pressões do “magnetismo animal” insuficiente oumal distribuído. Buscava a cura colocando o pa-ciente em um tonel de carvalho e, vestido como

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um mágico, com uma túnica roxa, usava uma“vara de condão” para energizar o doente. Suasidéias estimularam atitudes charlatanescas. ElishaPerkins, nos Estados Unidos, inventou bastõesde metal que, supostamente, podiam curar váriasdoenças, eram os Perkins Tractors. Na Índia, en-tre 1845 e 1851, James Esdaile executou mais de250 cirurgias sem dores, em sentenciados hin-dus, com o emprego do mesmerismo. Na Ingla-terra foi utilizado o mesmerismo pelo cirurgiãoJohn Elliotson com a finalidade de diminuir a dordurante as cirurgias. James Braid (1795-1869),cirurgião escocês influenciado pelas idéias deMesmer, iniciou os estudos do fenômeno hipnóti-co e sua aplicação para a realização de cirurgiase introduziu o termo hipnose.

Enfim, o pensamento mágico está presenteno existir do homem por meio diferentes manifes-tações culturais. Até na farmacocinética, farma-cogenética, farmacodinâmica da maioria dosmedicamentos, particularmente nos psicotrópi-cos, foi estudada e constatada a hibridação dodiálogo entre o pensamento mágico e o racional,taxionômico e dicotômico.

Segundo Sonenreich (2000)8, pensamos “so-mático e psíquico” não como duas realidades di-ferentes, mas como duas maneiras de falar, doisníveis de abordagem do sofrimento humano. Arepercussão do sofrimento e da dor sobre o cor-po, as reações neurovegetativas, endócrinas serealizam por intermédio das sinapses, da neuro-transmissão. Estudá-las faz parte integrante daprocura do saber sobre o ser humano e suas re-ações, visando aliviar seu sofrimento. O modo devida influencia a neurotransmissão das redes. Adoença, assim como a dor crônica, marca a plas-ticidade cerebral.

As alterações dos processos neurofisioló-gicos ocorrem na relação do cérebro com omundo, e as vivências traumáticas ficam mar-cadas no psiquismo. Devemos ter em menteestas reflexões para pensar na conduta frenteao paciente portador de dor, visando a umaabordagem clínica global, tanto cultural-psi-cológica quanto física.

O que podemos constatar é que o pensa-mento religioso é uma forma de compreensão domundo, e que, para podermos entender as diver-sidades culturais, devemos reportar-mos aos seusuniversos simbólicos. Segundo um relato de Ho-witt (1072:196) Mac Alpine empregou um jovenKurnai em 1856-1857. Era um negro forte e sadio.Um dia, encontrou-o doente. Explicou-lhe que fi-zera o que não devia. Roubara um gambá fêmeaantes de ter permissão para comê-la. Os velhos ohaviam descoberto. Ele sabia que não cresceria

mais. Deitou-se, por assim dizer, não se levantoumais e morreu em três semanas.

Se pudermos pensar de uma maneira univer-salista, a doença e a dor são frutos de uma de-sordem orgânica que perpassa a nossa espéciehomo sapiens, mas o que caracteriza a nossaespécie? É a maneira como a expressamos e asimbolizamos. Neste sentido, embora sejamoshomo sapiens, expressamos essa desordem deacordo com a nossa cultura. Cabe ao Ocidente ea sua técnica tentarem compreender a dor nosmoldes antropológicos, ou seja, ver a doença emsuas especificidades culturais sem julgamento devalor: como desordem fisiológica, como feitiça-ria, como expiação etc.; a parte simbólica damanifestação da dor é tão ou mais importante quea sua constatação médica.

Enfim, a crença, como parte da cultura, estápresente no existir do homem. Até na farmacoci-nética, farmacogenética, farmacodinâmica damaioria dos medicamentos, particularmente nospsicotrópicos, foi estudada e constatada a parti-cipação da cultura.

As alterações dos processos neurofisiológi-cos ocorrem na relação do cérebro com o mun-do, e as vivências traumáticas ficam marcadasno psiquismo. Devemos ter em mente estas re-flexões para pensar na conduta frente ao pacien-te portador de dor, visando a uma abordagemclínica global, tanto psicológica quanto física.

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TratamentosPsíquicos

3PARTE

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9CAPÍTULO

Psicoterapias: Indicação,Modalidades e Tratamento

para Doentes com Dor

DIRCE NAVAS PERISSINOTTI

JOÃO AUGUSTO BERTUOL FIGUEIRÓ

A dor crônica representa um enorme proble-ma de saúde pública para o qual, de um modogeral, infelizmente, ainda não temos tratamentoscurativos eficazes definitivos. Nas duas últimasdécadas, houve um crescente reconhecimento deque problemas dolorosos podem ser parcialmentemantidos ou exacerbados por fatores psicológi-cos, psicossociais e comportamentais, e que asintervenções psicológicas podem contribuir sig-nificativamente para o tratamento dessa popula-ção de pacientes.

As síndromes dolorosas crônicas e persisten-tes representam problemas médicos e físicos domesmo modo que problemas psicológicos e com-portamentais. Profissionais de saúde envolvidoscom o tratamento de pacientes com dor devemter um bom conhecimento das últimas técnicaspsicológicas de manejo deste sintoma, de modoa auxiliar cada um de seus pacientes na escolhados métodos e estratégias mais adequados aoenfrentamento da dor, de seus desencadeantese/ou de suas conseqüências.

A dicotomia conceitual entre doenças orga-nogenéticas e psicogênicas, ainda presente emmuitos serviços de assistência à saúde, deve sersempre evitada, pois introduz consideráveis pro-blemas na prática clínica. Transmite idéia irrealis-ta e favorece a interpretação desfavorável de que“tudo está na cabeça”, ou seja, que se trata de

uma criação simulada ou factícia do doente, e poroutro turno podem sugerir ao doente a sensaçãode que suas queixas podem estar sendo descon-sideradas pelo médico assistente, ou que proble-mas psicológicos e psicopatológicos na suatotalidade são desprezados, quando sabemosque, embora existentes, são de incidência muitopequena. Tal atitude tende inegavelmente a incre-mentar reações adversas como as de raiva, atua-ções inconscientes e vínculos perniciosos,aumentando as defesas como resistência à ade-são ao tratamento e a desconfiança por parte dospacientes em relação à equipe de saúde, acom-panhadas de efeitos negativos, visíveis na rela-ção médico-paciente, e o conseqüente aumentoda resistência ao encaminhamento ao profissio-nal da área da saúde mental.

O problema da dor crônica demanda, porparte do doente, reaprendizado e reabilitação,além do tratamento somático e psicológico. Omanejo dessas questões permite a melhor ade-rência a um tratamento integrado, sem a rotula-ção desnecessária de o doente apresentar umproblema somático ou mental.

A dor, mormente a dor crônica, é um proble-ma complexo e multidimensional envolvendocomponentes sensoriais, emocionais, cognitivos,comportamentais, interpessoais, culturais e so-ciais. Esses fatores estão envolvidos tanto no de-

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senvolvimento da síndrome dolorosa como nasconseqüências da dor, reduzindo ou amplifican-do as suas manifestações e interferindo sobre-maneira no diagnóstico e nos resultados àsterapêuticas instituídas. Processos sensório-dis-criminativos, motivacional-afetivos e cognitivo-avaliativos estão envolvidos como determinantesna transmissão e no processamento das informa-ções, percepção, interpretação e organização dasreações ao estímulo nociceptivo.

Não existe proporção linear entre a estimula-ção nociceptiva periférica e a presença ou inten-sidade da dor percebida, do mesmo modo queentre a presença e/ou intensidade da dor e asrespostas dolorosas ou comportamentos doen-tios. Essas variáveis são moduladas por diver-sos fatores, entre os quais podemos salientaro background cultural; a etnia; a situação socioe-conômica, as experiências prévias; o aprendiza-do e a memória; o envolvimento em litígio; apresença de ansiedade e depressão; o grau deenvolvimento, atenção, focalização, vigilância; ascircunstâncias em que uma lesão ocorreu e asrespostas do ambiente, entre outras. A maioriadestes “moduladores” envolve aspectos psicoló-gicos ou mentais. Por conseguinte, o envolvimentode uma equipe multidisciplinar é fundamental paraa otimização dos cuidados dispensados. Nessaequipe, destacam-se os profissionais da área dasaúde mental que contribuem tanto nas avalia-ções como nas terapêuticas instituídas. Aborda-gens psicológicas e psiquiátricas podem serdeterminantes na boa evolução de um númerosignificativo de pacientes.

Neste capítulo, faremos referências aos prin-cipais procedimentos psicoterápicos aplicáveisaos pacientes portadores de dores crônicas.

FUNÇÕES DA EQUIPE DE SAÚDE MENTAL

Neste contexto a equipe de saúde mental temcomo funções a reabilitação e a reintegração fun-cional do paciente, dos familiares e dos cuidado-res; a identificação e o tratamento dos fatorespsicossociais, intrapsíquicos, relacionais, psiqui-átricos e comportamentais que influenciem a na-tureza, a gravidade e a persistência da dor, dadoença de base, das incapacidades, do sofri-mento, do stress associado, ao mesmo tempoem que contribui na modificação das formas deenfrentamento, na redução dos comportamentosdolorosos e doentios, dos ganhos e dos déficitsfuncionais.

De um modo geral são utilizadas, para estefim, intervenções farmacológicas e psicoterápicas.

Os psicofármacos mais comumente utilizados sãoos antidepressivos, neurolépticos, ansiolíticos,hipnóticos, anticonvulsivantes, morfínicos, rela-xantes musculares e antiinflamatórios. Medica-mentos de alguns destes grupos não sãoconsiderados primariamente drogas psicoativas,mas é importante ressaltar que todos eles poten-cialmente interferem com o humor e com as fun-ções mentais.

DEFINIÇÃO DE PSICOTERAPIA

Entende-se como psicopsicoterapia qualquerforma de trabalho mental estabelecida entre umprofissional da área psíquica e um ou mais paci-entes com o propósito de tratar problemas denatureza física, psicológica, emocional, mental,comportamental ou cognitiva, com o intuito dealterar, remover, modificar, atenuar ou reverterpadrões de funcionamento físico, psíquico oucomportamental — geralmente disfuncionais —promover crescimento positivo da personalidade,desenvolvimento psicológico e maior e melhoradaptação à realidade.

CLASSIFICAÇÃO DAS PSICOTERAPIAS

As intervenções psicoterápicas podem serclassificadas em educacionais, reconstrutivas ouinterpretativas, cognitivo-comportamentais, com-portamentais e de apoio. Elas podem ser empre-gadas individualmente, em grupo, a um casal oua uma família. Além disso, em algumas situaçõesespeciais programas focalizando a psicomotrici-dade, a reorientação vocacional e a readequa-ção profissional, a redução e eliminação do usode drogas, álcool e medicamentos prescritos, areabilitação e a reintegração social e a reduçãodo stress podem ser empregados.

OBJETIVOS DAS PSICOTERAPIAS NO

PACIENTE COM DOR

No paciente com dor, estas intervenções vi-sam basicamente à educação; o fornecimento deinformações relacionadas ao problema; à altera-ção das crenças e modificação dos comporta-mentos disfuncionais; à redução das evitações,das incapacidades e dos sofrimentos; à altera-ção da percepção da dor; o tratamento das des-compensações mentais como a depressão e aansiedade; à modificação das fantasias e dos te-mores infundados; à redução da agressividade,da hostilidade e dos conflitos do paciente com a

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equipe de saúde e sua família ou com os acom-panhantes significativos; à redução do descon-forto familiar; à redução da possibilidade deauto-agressões e suicídio e das recidivas. Objeti-vam também aumentar a atividade, melhorar ofuncionamento adaptativo e a adaptação à novasituação, aprimorando a capacidade de relaxar ede lidar com o stress, desenvolvendo estratégiasde enfrentamento mais eficazes, permitindo umamelhor aceitação das terapêuticas prolongadaspropostas e, conseqüentemente, uma maior ade-são aos tratamentos. Nesse contexto vamos de-finir com o paciente possibilidades maisrealísticas, discutir exaustivamente o seu prognós-tico, apresentar-lhe detalhadamente o programaterapêutico sugerido pelo grupo médico e esta-belecer estratégias biopsicossociais conjuntas.Todos estes objetivos associados ao tratamentomédico e à reabilitação física objetivam oferecerao paciente e à sua família uma melhoria da suaqualidade de vida global.

INDICAÇÕES DAS PSICOTERAPIAS

Os procedimentos psicoterápicos estão indi-cados sempre que houver necessidade de me-lhora do estado subjetivo do paciente, quandoparte ou toda a dor parece ter surgido após umtranstorno psicológico sem contribuição físicamaior (exemplo, depressão), na vigência demaior sobrecarga de fatores psicossociais(exemplos: litígio, interferência nas atividades devida diária associada a transtornos emocionais,uso excessivo dos recursos de saúde (consultase medicamentos) e busca inadequada de tes-tes diagnósticos e tratamentos, insatisfaçõesconjugais ou no trabalho), na presença de do-enças prolongadas ou graves associadas a des-compensações emocionais e/ou psiquiátricas,sempre que houver desproporção entre os acha-dos físicos e a intensidade da dor, dos comporta-mentos dolorosos e das incapacidades, napresença de benefícios secundários e para auxi-liar os pacientes no reajuste às suas vidas, naredução dos sintomas e do sofrimento subjetivo,quando há evidência de que os fatores psicológi-cos estejam envolvidos na gênese, manutençãoou resistência à cura ou interferem significativa-mente com os procedimentos diagnósticos e/oucom o tratamento. Pode também ser útil em to-dos os casos em que a dor causou significativodéficit no funcionamento normal ou promoveu umimpacto negativo nas relações interpessoais.

As intervenções psicológicas se caracterizampor serem não invasivas e representarem risco

mínimo ao doente, mas exigem envolvimento porparte do paciente que deve adotar um papel ati-vo, demandam tempo do paciente e do profissio-nal de saúde e prevêem o estabelecimento formale estruturado de um contrato de trabalho. Estastécnicas são dirigidas aos processos cerebraissuperiores ou à interface indivíduo-meio ambien-te e não são alternativas, mas parte integrante daprática multidisciplinar.

AVALIAÇÃO

A psicopsicoterapia inicia-se por uma entre-vista diagnóstica onde objetivamos identificartranstornos psiquiátricos e psicológicos; definir seestes transtornos são causa, conseqüência oucomorbidade da dor; reconhecer a presença detranstornos pré-mórbidos de personalidade;discriminar o predomínio etiológico (psicológicoou somático) do quadro doloroso apresentado;verificar se há base orgânica atual para a sinto-matologia apresentada e identificar as situaçõesde vida que estão associadas com flutuações dossintomas, a presença de estressores e gatilhosdesencadeadores de dor; avaliar a relevância dosfatores psicossociais, intrapsíquicos, relacionaise comportamentais na origem, gravidade e namanutenção da dor, das incapacidades e com-portamentos dolorosos e disfuncionais; detectardados relevantes da história biopsicossocial; re-conhecer os reforçadores sociais mantenedoresda dor e das incapacidades; verificar como ador afetou a vida do paciente e identificar quefatores pessoais, de vida do paciente, do am-biente e cultural podem influenciar a dor e seusignificado; avaliar o grau de ajustamento famili-ar, conjugal, sexual, social e ambiental, o tipo defuncionamento cognitivo e psicodinâmico; avaliarquestões relacionadas a pecúlio, licencias médi-cas, afastamento do trabalho, aposentadoria, in-denizações, pensões; identificar pacientes comalto risco de maus resultados cirúrgicos devido afatores ambientais e psicossociais, bem comocontribuir para uma definição, em conjunto coma equipe médica, das abordagens terapêuticas ea implantação de condutas que evitem iatroge-nias. Nesta fase, além das entrevistas (abertas,semi-estruturadas e estruturadas) com o paci-ente, acompanhantes significativos ou família,utilizam-se também questionários, inventários,escalas, registros diários e testes psicológicos.É um momento adequado para procedimentoseducativos, sugestão de leituras sobre o assuntoque podem aumentar a compreensão; facilitar a

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adesão e aumentar a aceitação das psicoterapi-as propostas e de seus resultados; reduzir asevitações, as expectativas inadequadas e os fu-turos conflitos com a equipe de saúde, contribu-indo para a redução do sofrimento iatrogênico. Éimportante salientarmos quais informações queauxiliem no diagnóstico o médico clínico podeesperar desta avaliação, tratamento e conduçãodo caso. Esta avaliação deve dar resposta a, pelomenos, dez perguntas do médico clinico:1. Existe doença mental (Eixo I, II ou IV do DSM-

IV) e/ou problemas psicológicos envolvidos?2. Existem fatores psíquicos e/ou comportamen-

tais que influenciem a natureza, gravidade,persistência da dor, das incapacidades, dosofrimento, dos comportamentos dolorosose doentios ou contribuam para o agravamen-to da condição médica geral?

3. Há processo patológico afetando os termi-nais nervosos, levando a padrões desorga-nizados que causem dor? Há base orgânicaatual?

4. Se presente, o caráter da experiência doloro-sa pode ser completo, parcial ou em nadaatribuída a este processo?

5. Como estão operando os processos psíqui-cos na determinação última da experiênciadolorosa e na sua maneira de relatá-la ao mé-dico?

6. Existem flutuações associadas a situações devida? Existem gatilhos internos ou externosde natureza psicossocial desencadeadoresda dor? Há relação entre os comportamen-tos atuais e passados do paciente e de acom-panhantes significativos com a origem da dore a qualidade da experiência dolorosa atual?Existem reforçadores sociais, mantenedoresda dor, do sofrimento ou das incapacidades?

7. Existem dados relevantes da história biopsi-cossocial e da situação de vida do pacienterelevante para o adoecimento, o diagnósti-co, a evolução e o tratamento?

8. Existem evitações, benefícios ou conflitos en-cobertos significativos?

9. Os transtornos psíquicos precederam, sãoconseqüentes ou comorbidos? Há psicogê-nese envolvida?

10. Quais as orientações sobre condutas psico-terapêuticas e psicofarmacológicas e quaisas sugestões quanto à condução do casopela equipe no que se refere às avaliaçõesdiagnósticas, propostas terapêuticas, enca-minhamentos e alta?

Componentes da Avaliação:Para se alcançar estes objetivos os compo-

nentes tradicionais da avaliação são:1. Obtenção da história dolorosa.2. Observação das condutas durante a entre-

vista.3. Avaliação dos aspectos cognitivos da dor.4. Avaliação das metas e expectativas terapêu-

ticas.5. Análise comportamental.6. Estudo da mudança de atividade e do sono.7. Investigação dos aprendizados de evitação.8. Estudo da desativação e inatividade.9. Levantamento da historia pessoal do apren-

dizado de doença, do sofrimento, da dor, dossignificados e das condutas.

10. Investigação dos relacionamentos interpes-soais.

11. Observação das respostas dos acompanhan-tes significativos.

12. Levantamento de dados sobre questões tra-balhistas, profissionais, financeiras e litigiosas.

13. Identificação de disfunções psicológicas estress.

14. Avaliação de transtornos relacionados ao usode álcool, drogas e medicações.

15. Levantamento da história social e familiar.

Critérios de Encaminhamento para aAvaliação Psicológica e Psiquiátrica dePacientes com Dor

Defendemos o princípio de que todo o pa-ciente com dor crônica merece avaliação de suasaúde mental. Porém, quando estes recursos fo-rem pouco disponíveis, os critérios abaixo po-derão ser utilizados como referência para oencaminhamento para a avaliação com um psi-cólogo e/ou psiquiatra.1. Evidência de doença mental (Eixo I do DSM-

IV) ou presença de transtornos psicológicos.2. Padrão persistente e inflexível de vivência ín-

tima ou de comportamento que se desviaacentuadamente das expectativas da culturado indivíduo (Eixo II do DSM-IV).

3. Sinais de desequilíbrio psicológico, descom-pensação emocional, adaptação inadequada,enfrentamentos disfuncionais ou transtornosde ajustamento.

4. História de doença mental prévia.

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5. História familiar de transtornos mentais.6. Problemas do Eixo IV (problemas com grupo

primário de suporte, com ambiente social,educacional, ocupacional, moradia, econômi-co, de acesso aos serviços de cuidado desaúde, interação com o sistema legal/crimi-nal ou outros problemas psicossociais e am-bientais).

7. Achados físicos insuficientes ou provável au-sência de processo patológico afetando ter-minais nervosos.

8. Dor, incapacidade ou sofrimento despropor-cionais aos achados físicos.

9. Proeminência de comportamentos dolorososou doentios.

10. Caráter da experiência dolorosa que não podeser completamente explicado pelo processopatológico presente.

11. Parte ou toda a experiência dolorosa e seusacompanhantes parecem seguir-se a trans-tornos psicológicos sem contribuição físicamaior.

12. Experiências prévias de stress, eventos trau-máticos de vida e experiências dolorosas an-teriores.

13. Precariedade de recursos egóicos ou funcio-namento psicodinâmico alterado (prévio ouatual).

14. Uso exagerado ou inadequado do sistema desaúde ou pressão para o seu uso.

15. Procura inadequada de testes diagnósticosou tratamentos.

16. Uso excessivo, prolongado ou indevido demorfínicos, sedativos, hipnóticos e analgé-sicos.

17. Uso inadequado de álcool ou drogas ilícitas.18. Déficit significativo no funcionamento normal,

limitações e incapacidades importantes oudesproporcionais, e impacto negativo nas re-lações interpessoais.

19. Sofrimento intenso ou aflição emocional im-portante.

20. Prejuízo emocional, funcional, social e men-tal significativos.

21. Mudanças no estado mental, no humor ouna personalidade.

22. Presença de ansiedade, de depressão, dedisforia, de transtornos do sono, alimentaresou somatoformes (preocupação exageradacom doenças, preocupação e focalização so-mática, polisintomáticos, somatizações econversões).

23. Sentimentos de desamparo, descrença, de-sesperança e negativismo.

24. Ideação de morte e suicida.

25. Alterações familiares, do contexto ou ambi-ente que representem fatores de risco ou re-forçadores psicossociais.

26. Presença de benefícios primários ou secun-dários.

27. Litígio, indenizações, pecúlios, pensão, afas-tamento, licença e aposentadoria por doença.

28. Resistência à cura ou aos tratamentos pro-postos.

29. Insubordinação ou dificuldades com a equi-pe de saúde.

30. Distorções cognitivas, dos significados e in-terpretações inadequadas do processo do-loroso e de seus tratamentos.

31. Alterações nas atitudes, nos comportamen-tos, nas crenças e nas reações à dor.

Preparo e Encaminhamento

Para esta primeira avaliação o paciente ne-cessita ser adequadamente preparado e enca-minhado, pois, na maioria das vezes, a procuranão é voluntária e muitos pacientes não são re-ceptivos a este encaminhamento ou não compre-endem o motivo do mesmo. Deste modo, muitospacientes não são inicialmente colaborativos como profissional de saúde mental. Este preparo evi-dentemente deve preceder o encaminhamento eprover informações relativas ao processo de ava-liação e testes que serão realizados através de,por exemplo, folhetos explicativos.

O encaminhamento deve ser discutido e asmotivações e os benefícios esclarecidos, ao mes-mo tempo em que a validade da queixa dolorosaé ressaltada. Devemos explicar que a complexainteração entre os processos físicos, psíquicos esociais influenciam a dor, o sofrimento e as inca-pacidades existentes, e discutir as razões para aresistência eventualmente apresentada. É útil tam-bém apontarmos os efeitos devastadores que ador crônica pode ter nas diversas áreas da vidado paciente e dos acompanhantes significativos,mostrando que a avaliação poderá indicar estra-tégias terapêuticas que reduzam disfunções, in-capacidades e a própria percepção da dor. É umbom momento para mostrarmos a importância deouvirmos os amigos e os familiares e o quantoestes apreciam esta oportunidade, pois quase

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sempre são afetados pelo problema do pacien-te. É necessário explicar as razões deste atendi-mento, como os resultados serão utilizados equem terá acesso aos dados obtidos.

Superada esta primeira fase, procedemosà interpretação dos dados colhidos e em umasegunda entrevista, devolutiva, apresentamosnossas conclusões ao paciente e, as diretrizespsicoterápicas sugeridas. É sempre interessantea elaboração de relatório a ser encaminhado aomédico assistente para posterior discussão, alémdo registro em prontuário.

GRUPOS BÁSICOS DE PSICOTERAPIAS

As psicopsicoterapias podem ser basica-mente divididas em Comportamentais e Psico-dinâmicas ou “Voltadas para o Insight”. Asprimeiras focalizam os comportamentos adap-tativos e doentios e baseiam-se na premissa deque alterações de comportamentos levam a al-terações da experiência pessoal e da doença.O segundo grupo focaliza a vida intrapsíquicade pessoas com sofrimento subjetivo ou quepercebem a si mesmo como doentes. Na práti-ca, não há uma psicoterapia útil isoladamente.Para ajudar um paciente devemos levar em con-ta tanto os seus comportamentos como os seussentimentos.

Psicoterapeuta e paciente devem estar uni-dos por um objetivo terapêutico comum, razo-ável e previamente explicitado, e dedicar-se aum trabalho estruturado, com participação ati-va de um paciente motivado, que ofereça opor-tunidades para novos aprendizados e para asexperiências que conduzam ao sentimento dedomínio. O profissional deve também criar opor-tunidades para que o paciente aplique os no-vos aprendizados e recursos em áreasproblemáticas e deve ser capaz de lidar comuma organização multidisciplinar na qual cole-gas não psiquiatras tratam pacientes com pro-blemas combinados (físicos e psíquicos). Énecessário entender o significado dos sintomasno contexto em que eles ocorrem, ter grandetolerância com as atitudes negativas dos paci-entes, maior necessidade de flexibilidade nouso dos métodos terapêuticos, rapidez em des-cobrir e aceitar as necessidades e objetivos dosdoentes, disponibilidade para assumir o papelde guia ou conselheiro em algumas eventuali-dades, abandonando o papel imparcial tradici-onal e aceitação do uso de psicoterapias comobjetivos e tempo limitado.

ESCOLHA DA MODALIDADE

PSICOTERÁPICA

A escolha e adequação das medidas psico-terápicas dependerá da condição da dor, agudaou crônica, dos riscos das intervenções ou desuas combinações, da melhor probabilidade desucesso em longo prazo, da capacidade de be-nefício do paciente, da natureza de cada caso edas habilidades e formação do profissional en-volvido.

Antes de iniciarmos a psicoterapia propria-mente dita, devemos pensar sobre três questõesfundamentais:1. Existem alterações afetando as terminações ou

vias nervosas levando a padrões desorgani-zados que causem dor?

2. Se presente, o caráter da experiência doloro-sa pode ser completa, parcialmente ou emnada atribuída a este processo?

3. Como estão operando os processos psíquicosna determinação final da experiência dolorosae na sua maneira de relatá-la ao médico?

Nossa primeira preocupação deve ser com omodo de descrever a dor. Existe grande concor-dância nas descrições das dores dos mesmosprocessos dolorosos em diferentes pacientes. Osdesvios destes padrões devem alertar o médicopara a contribuição psíquica. Devemos observarse os movimentos, posturas e comportamentosque melhoram a dor ou são evitados seguem ospadrões habituais anatômicos e fisiológicos.Quando a função da dor é simplesmente infor-mar sobre o dano periférico, a descrição é lacôni-ca, econômica, relativamente simples e emconcordância com as variáveis anatômicas e fisi-ológicas. Quanto mais complexa a ideação e oimaginário envolvido na descrição, mais comple-xos os mecanismos psíquicos envolvidos. Des-crições vagas, mais elaboradas e metafóricas sãoacréscimos chamados de “assinatura psíquica”em contraste com a “assinatura periférica” ditadaexclusivamente pela organização anatômica e fi-siológica.

PSICOTERAPIAS CLÁSSICAS

As psicoterapias clássicas concentram-se nosproblemas emocionais dos pacientes levando emconsideração seus pensamentos, suas emoções,seus sentimentos e constructos como o incons-ciente. Considera menos os comportamentos esintomas e estão menos preocupadas com o alí-vio sintomático da dor. Objetiva alcançar um me-

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lhor ajustamento nas relações do paciente, suapersonalidade, nos objetivos de vida buscandoreintegração que incorpore a experiência doloro-sa. Oferece apoio psicológico nas situações destress aumentando a participação ativa e a coo-peração do paciente em seu tratamento. Utilizacomo estratégia a escuta do paciente de modoque o paciente compreenda-se e vivencie suaexperiência subjetiva. O psicoterapeuta tentaráclarificar a situação, diminuindo sofrimentos as-sociados à incerteza de sua condição dolorosa,surgindo alternativas que permitam ao pacientecontrolar sua situação e sentir-se menos desas-sossegados e desesperançados utilizando os re-ferenciais da psiquiatria, da psicofarmacologia,da psicanálise, da psicologia experimental, dapsicologia clínica e da medicina psicossomática.

A modalidade mais comumente empregadaneste grupo é a Psicoterapia Psicodinâmicaque, utilizando o referencial teórico da psica-nálise, objetiva a reorganização de sentimen-tos e pensamentos através do insight adquiridona relação com o psicoterapeuta. Baseia-se empremissas de que a realidade do mundo internoe dos processos inconscientes é determinantedos comportamentos humanos e que os fenôme-nos psíquicos seguem leis inconscientes passí-veis de modificação. Estes padrões de ação esentimentos foram aprendidos no passado, prin-cipalmente na infância. Cada indivíduo adquireao longo de suas experiências de desenvolvimen-to um repertório de padrões comportamentais,crenças e sentimentos que são fundamentais nosestilos adaptativos e patológicos de ajustamentoe caracterizam a sua personalidade. Essa moda-lidade oferece bons resultados quando é aplica-da ao paciente com dor associada a outrasformas de psicoterapia e é útil, principalmente,quando há grande desconforto psicológico, sofri-mento nas relações pessoais significativas, repe-tição de relacionamentos conflitivos seguindomodelos do passado ou naqueles pacientes quedemonstram resistência ao progresso terapêuticoou à cura. Geralmente é empregada por tempolimitado e com objetivos bastante focalizados.Horários regulares são estabelecidos e não é in-compatível com o emprego concomitante de ou-tras modalidades como as psicoterapiascomportamentais e o aconselhamento vocacional.

Psicoterapia de Apoio

Uma outra modalidade clássica é a Psicote-rapia de Apoio, que constitui a forma mais impor-

tante e disseminada de psicoterapia. O pacien-te desenvolve o sentimento de que há pelo me-nos uma pessoa que divide com ele as suaspreocupações, tem interesse e simpatia por ele,fica contente quando ele melhora e desaponta-do com as pioras. O psicoterapeuta provê com-panhia para o sofrimento solitário e empatia parao paciente isolado, enfatiza a realidade e a im-portância e possibilidade de fazer escolhas, bus-cando a melhoria e não a simples manutençãodo status quo.

O psicoterapeuta age também como umguia, conselheiro e informante para as questõestécnicas, levando em consideração os modospróprios do paciente de resolver problemas, esti-mulando o uso destes pelo paciente ao mesmotempo em que ajuda o doente a desenvolver no-vas táticas e novos enfrentamentos mais adequa-dos e eficazes. Deste modo, o paciente é auxiliadoa reorganizar-se nesta nova situação de vida demodo mais adaptativo e econômico. As sessões,evidentemente, não são rigidamente estabeleci-das, e o agendamento é dependente da necessi-dade do paciente. O fim do trabalho depende dofim do tratamento na clínica de dor, da resoluçãodos problemas psíquicos ou sociais associadosao sintoma ou ao desejo do paciente de “dar contasozinho” de seus problemas. Esta modalidade depsicoterapia deve ser inerente ao tratamento detodo e qualquer paciente em um programa orga-nizado de psicoterapia da dor.

Psicoterapia Cognitiva

É uma modalidade educativa e estruturadade psicopsicoterapia, focalizada no problema, portempo limitado e dirigida para objetivos determi-nados. É orientada para o presente, enfatiza orelacionamento colaborativo entre o paciente e opsicoterapeuta e encoraja a participação ativa deambos no tratamento. Nesse tipo de trabalho psi-coterápico ensinam-se aos pacientes capacida-des para identificar, avaliar e responder a seuspensamentos e crenças disfuncionais. Técnicaspara mudar o pensamento, o humor e os com-portamentos são empregadas. O conceito de es-quema é um dos alicerces deste tipo depsicoterapia. Este termo se refere ao conjunto decrenças e pressupostos que uma pessoa temreferente a si mesmo e à forma que o mundo é, efornece a base para triar, codificar e avaliar osestímulos, orientando o indivíduo psicologicamen-te no mundo, categorizando e interpretando asexperiências, fazendo predições e testando-asatravés de comportamentos. É a fonte de onde

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se originam os pensamentos automáticos, osestados emocionais e os comportamentos. Es-quemas mal adaptativos são temas extremamen-te estáveis e duradouros que se desenvolvem nainfância precoce e são elaborados ao longo davida do indivíduo. Estes esquemas servem comomolde para o processamento posterior das ex-periências do sujeito. Os pacientes com dor re-velam uma tríade cognitiva clássica na qual opaciente se vê como lesado, defeituoso, deficitá-rio e incapacitado. O mundo (eventos pessoais)é visto freqüentemente como punitivo, culpável,injusto, privador, desapontador e descuidadoquanto às suas necessidades. O futuro é perce-bido como doloroso, visto como uma batalha,mais incapacitante, progressivamente mais dete-riorado e sem esperança.

O conjunto de pressupostos distorcidos deveser reestruturado através de uma parceria ativaestabelecida entre o doente e o profissional desaúde mental. A meta final da psicoterapia cogni-tiva é a reestruturação cognitiva, que é definidacomo uma mudança básica nas perspectivas,atitudes, crenças, reações emocionais e compor-tamentos de uma pessoa relacionada a um as-pecto da vida desta, como, por exemplo, a dor. Opaciente é inicialmente ensinado a respeito dosfundamentos da psicoterapia de modo que omodelo cognitivo seja apresentado. O doente éauxiliado a identificar suas estratégias implícitasde enfrentamento e a desenvolver formas maiseficazes de lidar com os seus problemas.

Psicoterapia Comportamental

Esta modalidade de psicoterapia fornece umaabordagem adequada para a reabilitação de al-guns tipos de pacientes com dor crônica, ocupa-se dos fenômenos que podem ser diretamenteobservados e medidos — as ações dos indiví-duos. Nesse caso, a dor é vista como um padrãocomportamental sensível a recompensas, modu-lado pelo ambiente e passível de aprendizado. Éuma forma de psicoterapia baseada nas teoriasda aprendizagem e que ganha larga aceitação.Visa basicamente modelar o nível de atividade eos comportamentos, manejando as contingên-cias em que ocorrem. Está indicada quando asconseqüências ambientais representam umcomponente fundamental nos comportamentosdolorosos e doentios, quando há excessiva ma-nipulação e controle da família por parte do paci-ente, sempre que houver uso inadequado demedicação, na vigência de comprometimentoorgânico mínimo em doentes que tenham bom

suporte psicossocial e estejam interessados, bemcomo a sua família, em participar deste tipo detrabalho. É também empregada no tratamento dainsônia de pacientes com dor.

As estratégias mais comumente utilizadas vi-sam reduzir os reforços positivos dos comporta-mentos dolorosos, aumentar os reforços positivosde comportamentos saudáveis e instruir e envol-ver a família do paciente ou os acompanhantessignificativos. O paciente e a família são informa-dos das estratégias que serão empregadas demodo que a natureza dos esforços seja explícita.Os pacientes se comprometem a manter regis-tros, como por exemplo, das medicações, dosexercícios, da tolerância às atividades e da aten-ção e cuidados obtidos de outros. Estabelece-sejunto com o paciente um nível adequado de ativi-dade que não aumente a dor. Atividades de vidadiária, lazer, atividades sociais e comunitárias,bem como os exercícios físicos e o trabalho, sãointroduzidos gradualmente. Em caso de autome-dicação excessiva o esquema medicamentoso éalterado para um padrão tempo-dependente enão sintoma-dependente. As modificações emelhoras assim obtidas são significativas e ten-dem a se manter com o tempo.

Psicoterapia Cognitivo-comportamental

Esta modalidade combina os fundamentosteóricos da psicologia behaviorista com a cogni-tivista e baseia-se no princípio de que afetos ecomportamentos são determinados pela avalia-ção subjetiva de eventos e não pelos fatos em si.Assim, os processos de pensamento têm umpapel importante na determinação dos compor-tamentos e das reações emocionais.

Crenças falsas, atribuições etiológicas inade-quadas, focalização excessiva da atenção, pre-sença de expectativas impróprias, auto-avaliaçõesnegativas da capacidade de suportar adversida-des, medos infundados, pensamentos negativos,receio de agravar os males, distorção das infor-mações e dos conceitos são características cog-nitivas que podem influenciar dramaticamente apercepção dolorosa e sua resposta a ela. Destemodo, a psicoterapia objetiva corrigir as distor-ções negativas das crenças e convicções dospacientes, assim como as suas atitudes relativasa si mesmo, suas capacidades físicas e seuspapéis como doentes no grupo social em que seinserem. Mudanças nas avaliações e nas auto-avaliações são conseguidas ensinando novasestratégias de enfrentamento (exemplo, informa-ção, relaxamento, treinamento positivo, distração

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imagética etc.), identificando sentimentos e pen-samentos negativos associados à dor e às inca-pacidades, demonstrando a conexão entre ascognições negativas e a dor, e substituindo-as porcognições adaptativas, por pensamentos e sen-timentos mais positivos. Isto é feito questionandoas bases utilizadas pelo paciente para chegar àssuas conclusões e se existiriam outras explica-ções possíveis. Na seqüência outras bases paranovas conclusões são fornecidas aos pacientes.

A percepção da dor também pode ser dimi-nuída através do fornecimento de informaçõessobre as relações existentes entre as emoções, ostress e a fisiologia da dor, através do uso da su-gestão, de instruções diretivas de interromperpadrões negativos de pensamento, elevando asua auto-estima e tornando o paciente um parti-cipante ativo do tratamento. Aumenta-se, dessemodo, o seu sentimento de controle e diminui-sea sensação de impotência, tão comum nessapopulação de pacientes.

O objetivo fundamental é dar ao paciente aoportunidade de desenvolver uma nova atitudefrente ao sintoma e o sentimento de ser capaz decontrolar a dor, em vez de ser simplesmente inva-dido por ela. O paciente, aos poucos, vai apren-dendo novas habilidades que o ajude a identificar,enfrentar ou alterar pensamentos e idéias auto-derrotistas que originem afetos negativos e supri-mam comportamentos saudáveis. Podemosresumir que esta modalidade de psicoterapia é,basicamente, uma forma de treinamento de es-tratégias de enfrentamento, no qual o psicotera-peuta se aproxima muito de um professororientado a corrigir distorções no seu paciente.

HIPNOTERAPIA

A hipnose, do mesmo modo que o biofeed-back e o relaxamento, visa auto-induzir um esta-do mental e físico incompatível com a sensaçãode dor. A hipnoterapia pode ser definida como oemprego clínico da hipnose para um propósitoterapêutico através da indução de um estado con-trolado de dissociação, conhecido como transeterapêutico. A hipnoterapia necessita de um pa-ciente motivado, receptivo e interessado em as-sumir o papel ativo no seu tratamento. É muito útilem agudos, na vigência de agudização de con-dições crônicas e quando a recorrência é anteci-pada. Ela pode reduzir significativamente aintensidade da dor percebida, bem como o tipode sensação. A área do desconforto pode ser di-minuída ou a localização modificada. Tanto o com-ponente afetivo quanto o sensorial podem ser

afetados pela hipnose. Geralmente sugere-se aevolução para a auto-hipnose auxiliando os paci-entes a identificarem gatilhos internos e externosassociados com tensão, de modo a evitar o seuefeito exacerbador da dor.

Através da hipnose podemos obter rela-xamento, distração, dissociação da experiên-cia dolorosa, alteração da sensação dolorosa,transformação da percepção da dor e hipnoanal-gesia. O estado de transe pode também facilitara fixação de afirmações positivas relacionadasa novas formas de enfrentamento, estimulandoa motivação e se contrapondo à desmoraliza-ção habitualmente presente e auxiliando na re-estruturação dos padrões de pensamentonegativos associados à dor. Podem ser utiliza-dos no ensaio de formas mais adaptativas deenfrentar a dor. Essa modalidade deve ser con-tra-indicada ou utilizada com bastante cautelaem pacientes paranóides, psicóticos, epilépticos,gravemente deprimidos, com receios associadosà técnica, medo de perda de controle e de seremcontrolados.

BIOFEEDBACK

É uma modalidade na qual variáveis fisiológi-cas, habitualmente fora do nosso controle volun-tário, passam a ser controladas conscientementepelo seu monitoramento através do uso de equi-pamentos de registro destas funções. Exige, por-tanto, por parte do profissional que a aplica,domínio e treinamento prolongado com a meto-dologia, a existência de instrumentação eletrôni-ca e local adequado. Esses equipamentosdetectam, amplificam, monitoram e registram va-riáveis fisiológicas, como sinais eletromiográficos,eletroencefalográficos, temperatura e condutân-cia cutânea com o intuito de submetê-las, atra-vés do ensino, ao controle voluntário do paciente.Este passa a identificar a conexão existente entreos pensamentos, os afetos, os estados mentais,a tensão e a dor. Está indicada em problemasdolorosos específicos, além de atualmente seassociar a outras modalidades de intervençãopsicológica. O paciente passa a fazer algo por simesmo saindo do papel passivo. Ativamente in-veste em seu progresso, o que resulta em esque-ma auto-reforçador.

RELAXAMENTO

São técnicas simples, de fácil aprendizado efundamentais em qualquer grupo multidisciplinar.É elemento-chave das psicoterapias cognitivo-

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comportamentais e da hipnose. Não demandaequipamentos especiais e pode ser facilmenteaprendida por pessoal não-médico. Por issomesmo é importantíssimo ter perfeito domínio datécnica e utilizá-la com respeito ao paciente e res-ponsabilidade profissional. Deve ser utilizada paraproblemas definidos e bem selecionados. Gra-dualmente, o paciente aprende o seu uso, demodo que possa aplicá-la, independente da pre-sença do profissional de saúde.

PSICOTERAPIA FAMILIAR

É prudente envolver a família no tratamentodesde o início da assistência, com a finalidadede auxiliá-la a estruturar estratégias de enfrenta-mento de maneira mais satisfatória. A família éestimulada a reduzir reforços negativos, a aumen-tar reforços positivos, a alterar a valorização dadoença e a modificar o grau de estabilização comque a doença é absorvida e incorporada pela fa-mília. A família, evidentemente, deve estar moti-vada para o trabalho terapêutico e entender quea doença de um membro da constelação familiarse reflete na dinâmica de todos. Há razões paraacreditar-se que a dinâmica familiar pode contri-buir para a persistência ou agravamento do pro-blema doloroso. Está indicada sempre que afamília estiver sobrecarregada com outros proble-mas, além de ter um membro com dor crônica,quando o paciente é uma criança, na vigência desentimentos de culpa ou impotência, quando exis-tir manipulação ou controle excessivo por partedo paciente e quando houver indícios de que afamília pode ser mobilizada terapeuticamente parainfluenciar o comportamento doloroso ou doen-tio do paciente.

PSICOTERAPIA DE GRUPO

Neste tipo de psicoterapia podemos traba-lhar com grupos homogêneos ou heterogêneosde doenças ou condições dolorosas ou comcasais. Diferentes modalidades, como a cogniti-vo-comportamental, a hipnose e o relaxamento,podem ser utilizadas em grupo, com a vanta-gem de economia de tempo para o psicotera-peuta, permitindo que vários pacientes sejamatendidos simultaneamente. Além disso, o gru-po permite a influência terapêutica de um paci-ente sobre o outro e propicia um fórum para ocomponente educacional da psicoterapia. Os pa-cientes recriam suas relações interpessoais econflitos relacionais e demonstram claramentesuas pressuposições quando estão no contexto

de um grupo. O grupo tem também, um efeitomodulador sobre o comportamento de cadamembro, que o psicoterapeuta pode, inteligente-mente, dirigir terapeuticamente. Os objetivos des-ta forma de psicoterapia são: criar um espaço parao componente educacional do programa de con-trole da dor, aumentar a consciência do pacientede aspectos psicológicos fundamentais de seutratamento, aumentar a motivação para participardo tratamento e criar um contexto no qual atitu-des mais saudáveis de enfrentamento sejam mo-deladas pelos próprios componentes do grupo.Os grupos geralmente têm entre quatro e 12 mem-bros, e devemos evitar misturar pacientes comdor crônica e pacientes com transtornos mentaisprimários, já que o grupo deve ater-se principal-mente ao problema da dor. Não é recomendáveltambém incluir novos pacientes em grupo já for-mados para impedir a ruptura que isto provoca.O psicoterapeuta funciona também didaticamen-te, corrigindo distorções e medos irracionais, in-terferindo com aspectos práticos relacionados aofato de viver com dor crônica. Um conjunto deobjetivos é explicitado no início do trabalho, como,por exemplo, reduzir o consumo de medicação,corrigir o abuso de álcool e drogas ilícitas, dimi-nuir ou mesmo eliminar os comportamentos do-lorosos e doentios, aumentar os comportamentossaudáveis, ser mais positivo etc. Métodos práti-cos de controle da dor também são incluídos emalgumas sessões como técnicas de relaxamentoe cognitivas. Os aspectos emocionais e de ajus-tamento que afetam o funcionamento do gruposão discutidos e interpretados. A resistência à psi-coterapia é trabalhada, mas aqueles “exage-radamente resistentes” devem ser removidos dogrupo. Podemos trabalhar com sessões diáriascom pacientes internados e uma ou duas ses-sões semanais para pacientes ambulatoriais. Emgeral os objetivos são alcançados e o trabalho seencerra após dez a 20 sessões. Esse método ofe-rece uma excelente oportunidade de aprendiza-do e para a socialização, reduzindo o sentimentode isolamento e a idéia de que é a única pessoaafetada por este tipo de problema. Ao mesmotempo, promovem maior autoconfiança, com efei-tos benéficos na redução dos comportamentosdoentios anormais.

CONCLUSÕES

Fatores psicológicos e pessoais têm um pa-pel relevante na percepção dolorosa e nas rea-ções à dor, interferindo na neuromodulaçãocentral dos estímulos aferentes. As abordagens

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psicológicas têm tido um grande impacto no en-tendimento e no tratamento da dor crônica. A doré comunicada através de comportamentos oucondutas que geram reações do ambiente. Es-tas reações podem servir como reforços positi-vos ou negativos capazes de amplificar ou atenuara percepção da dor e suas conseqüências.

Na avaliação de um paciente em particular,as várias áreas aqui apontadas deverão ser co-bertas com diferentes graus de profundidade.Uma extensa análise comportamental e uma boatriagem para disfunções psicológicas e psiquiá-tricas devem fazer parte de qualquer avaliaçãopsicológica de pacientes portadores de dor crô-nica; entretanto, é o médico clínico que irá deter-minar que áreas requerem cobertura mais oumenos detalhada de acordo com a situação par-ticular de cada paciente levantada por aquele. Aabordagem dos profissionais de saúde mental nopaciente com dor visa à reabilitação, à reintegra-ção e à reinserção do paciente nos papéis funci-onais previamente desempenhados em sua vidadiária ou, quando isso não é possível, à sua reo-rientação para novas atividades. Visa tambémidentificar e tratar os fatores psicossociais, intrap-síquicos, relacionais, psiquiátricos e comporta-mentais que influenciem a natureza, a gravidade,a persistência da dor, da doença subjacente, dasincapacidades, do sofrimento, dos comportamen-tos dolorosos e doentios e dos ganhos. Para issosão utilizados recursos psicofarmacológicos epsicoterápicos. Esses últimos podem ser reedu-cativos, suportivos ou reconstrutivos e praticadosde maneira individual, em grupos ou com a famí-lia do doente. Em casos selecionados, interna-ções psiquiátricas, interconsultas e psicocirurgiaspoderão ser também utilizadas. O psicoterapeu-ta deve ser sempre cauteloso, interessado, com-preensivo, diplomático, confiante, seguro eesperançoso. É necessário que este ganhe a con-fiança e cooperação do paciente e respeite a in-dividualidade psíquica, utilizando para cada casoa técnica mais adequada. Para isso deve ter co-nhecimento de diferentes modalidades terapêuti-cas e ter suficiente flexibilidade para oscilar deuma para outra de acordo com a evolução dopaciente. Ele deve transferir o poder de cura parao paciente, evitando assumir o papel ativo comu-mente utilizado pelo médico clínico. Na psicote-rapia, a atitude de focalização somática que levaà perpetuação deve ser sempre evitada. O paci-ente deve ser informado de que a cura freqüente-mente é difícil ou mesmo impossível e o sucessoé dependente de atingir o fator etiológico, alterá-lo ou removê-lo.

Cabe ao psicoterapeuta identificar o desa-juste básico, tratar as causas do desequilíbrioemocional do paciente e do grupo familiar, pro-movendo quando possível mudança na estruturada personalidade do doente. As demandas de-vem ser reduzidas ou adaptadas às reais condi-ções do paciente, que deve também ser auxiliadoa superar os problemas médios do cotidiano. Acapacidade de autocontrole, de verbalização, derelaxar e de reduzir as tensões no cotidiano deveser incrementada de modo a reduzir a reativida-de exagerada, inadequada e desatualizada. Ati-tudes e situações “psicotóxicas” devem sercorrigidas e eliminadas. Quando não for possí-vel, devemos investir na redução do impactodos fatores sociais e ambientais que estejam forade controle. Os medos infundados — tumor, aci-dente vascular, aneurisma, insanidade, câncer,doença grave e letal, entre alguns — devem serdesfeitos, evitando-se temporariamente situaçõesde desequilíbrio. Os transtornos mentais devemser encaminhados ao Psiquiatra para tratamentocomplementar adequado.

O tratamento psicoterápico é uma das mo-dalidades do tratamento psicológico do doentecom dor crônica. Seus objetivos são: remover oumodificar sintomas associados; retardar seu apa-recimento; corrigir padrões disfuncionais de rela-ções interpessoais e promover o desenvolvimentoda personalidade. Ele deve estar sempre presen-te no rol de estratégias terapêuticas que auxiliamna modulação da dor e que habilitam o pacienteao enfrentamento mais eficaz das situações de-sadaptadas. Portanto, o tratamento psicoterápi-co é elemento fundamental na assistência curativae paliativa do doente com dor crônica.

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10CAPÍTULO

Assim Caminha a

Humanidade

ROSA BRONER WORCMAN

“É preciso a angústia de ser um caos para sevirar uma estrela. ”

Nietzche

“... No princípio criou Deus o céu e a Terra. ATerra, porém, estava vazia e nua; e as trevas co-briam a face do abismo.

... Ora, o senhor Deus tinha plantado, no prin-cípio, um paraíso, um jardim delicioso, no qualpôs o Homem que tinha criado. Tinha também osenhor Deus feito nascer da Terra todas as cas-tas de árvores, agradáveis à vista, e cujo fruto eragostoso ao paladar.

... Come de todos os frutos das árvoresdo paraíso. Mas não comas do fruto da árvoreda ciência, do Bem e do Mal. Porque em qual-quer tempo que comeres dele, com toda cer-teza morrerás.

... No momento que vós comerdes desse frutose abrirão vossos olhos; e vós sereis como deu-ses, conhecedores do Bem e do Mal.

... Deus disse à Mulher: eu multiplicarei ostrabalhos dos teus partos. Tu parirás teus filhosem dor.

... Deus a Adão: tu tirarás dela (terra) o teusustento, à força do trabalho. Ela te produziráespinhos e abrolhos. Tu comerás o pão com osuor do teu rosto, até que tornes à terra, de que

foste formado. Porque tu és pó e em pó te hás detornar. (Gênesis, I,II,III)”

Ao publicar “Fragmentos de um caso de his-teria” Freud mencionou algumas possibilidadesde leitura do texto; não só a leitura científica queele objetivava, mas haveria quem o lesse comoum roman à clef ou com críticas moralistas; sãoas usualmente chamadas interpretações, com asquais convivemos o tempo todo, diante de todasas situações.

Ao repensar o tema da dor, ocorreu-me utili-zar como modelo frases do Gênesis, limitando-me a algumas delas, sabendo que tambémpodem ser encaradas sob vários vértices.

Exemplos:

a) o mais evidente: história/estória de como Deuscriou o mundo, Adão e Eva; como eles viviamno jardim do Éden, simples, ignorantes (feli-zes os pobres de espírito que deles é o reinodos Céus), saudáveis, felizes, imutáveis, ten-do tudo a seu alcance, sem esforço. Havia umaexceção: não podiam comer os frutos da árvo-re do Conhecimento, sob pena de morrer. Ten-tados pela serpente, desobedeceram e, aofazê-lo, viram-se nus, sendo expulsos do pa-raíso ao despertarem a ira de Deus;

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b) religioso: afirmação da existência de um únicoDeus, criador de todas as coisas do céu e daTerra, onipotente, onipresente, onisciente;

c) moralista: o lema é obedecer; aquele que de-sobedece a autoridade é castigado;

d) político: prega a transgressão para que hajadesenvolvimento; todos devem ter os mesmosdireitos, todos podem comer o fruto do saber;

e) psicanalítico: expõe a existência de dor pelaperda do paraíso, pelo sentimento de exclu-são (vocês não podem fazer tudo que eufaço), pelo ser expulso; aparecem sentimen-tos de rivalidade, inveja, ira (de Deus ao serdesobedecido), avidez, desejo de conhecer,de crescer etc.

Sob o vértice psicanalítico, trazendo uma daspossíveis interpretações, interessa-me deter naquestão da dor, proposta no texto como presen-ça constante para a condição de ser humano, comuma mente própria.

Parafraseando Milton* , diria que a nascentemente advém do vácuo e do infinito vazio e semforma; uma vivência explosiva, caótica que, paraser contida por uma mente incipiente, com par-cos recursos, passa a funcionar à imagem e se-melhança de Deus, onipotente, criando umparaíso onde reina o absoluto, sem limites, eter-no. Seria viver sob a égide do princípio do prazer,intuído e observado por Freud como o primeiroprincípio do funcionamento mental, difícil de serabandonado; quer-se ter uma vida de sonho, ondeos outros são vistos como prolongamentos de simesmo, servindo para afastar dissabores, proverseus desejos. Paralelamente, porém, existem osnãos, as cruezas da vida com suas exigências,apelos não satisfeitos, curiosidade, desejo decrescer; seduzido pelo conhecimento, come-seo fruto. Entra em cena o segundo princípio dofuncionamento mental, o princípio de realidade.

Adquirido um saber, bem diferente do preten-sioso desejo de se igualar a Deus, Adão e Eva,protótipos dos seres humanos, envergonham-seao não se enxergarem perfeitos; vêem-se nus, istoé, adquirem condições de, sem a camuflagem daignorância ou da onipotência, perceberem-secomo são, desamparados, limitados, continentesdo bem e do mal, sexuados, capazes de gozar eresponsáveis por seus atos. Não dá para persisti-rem enrustidos na ilusão do mundo idílico. Com odiscernimento entram em contato com dor, com

sofrimento e, a cada novo parto (ou seja, desco-berta), outra dor (entre dores parirás); cada pas-so, cada investigação, cada pesquisa, que podetrazer alegria, será suada, penosa, trabalhada (co-merás o pão com o suor do teu rosto). Porém,não agüentam totalmente a surpresa dolorosa dese verem a nu, necessitam lançar mão de algumdisfarce (cobrem-se com as folhas de parreira).Será que é tolerável ver-se totalmente nu?

“Se comeres dele, morrerás”: sim, morrerá aimagem maravilhosa de si próprio, a idealização,o ser eterno, inatingível; nasce a constatação dequão pequeno e limitado se é, frente ao grandemistério que é a vida.

“No momento em que comerdes se abrirãovossos olhos”: assistimos ao nascimento da ca-pacidade de pensar, aquisição tardia da mente,em contraposição à inicial descarga automáticados estímulos; passa-se a simbolizar, a estabele-cer relações, a julgar, a perceber conflitos, frus-trações, ódio, mas também consciência do prazer,alegria, gozo, amor, amizade.

É uma tarefa árdua para o ser humano de-sapegar-se do paraíso (toda pessoa com um mí-nimo de insight conhece isso); degladia-seconstantemente entre o que se está sendo e comose gostaria de ser; é uma epopéia aceitar a con-dição humana, a vida com seus acasos e incerte-zas, afastar-se do ideal de possuir só o que seconsidera bom, nobre, digno, aceitar a existênciado outro, o confronto das paixões, desejos. Nointerjogo dos princípios de prazer e de realidade,fomentam-se ilusões, fantasias, misconceptions.Corre-se o risco de tecer uma rede de enganos,refúgios psíquicos, para camuflar o que rejeita-mos de nós mesmos. Com todos esses artifícios,a dor ganha intensidade; procurando evitar a dor,sofre-se mais.

DOR E PSICANÁLISE

“O destino do homem está em sua alma.”Heródoto

O que é, como é, do que padece o ser hu-mano?

Intriga-nos decifrar o enigma que é a nature-za humana; temos a vantagem/desvantagem desermos ao mesmo tempo o observador e o obje-to de estudo.

Vem de longe este questionamento, com filó-sofos, poetas e escritores fazendo aproximaçõessempre parciais à complexidade do homem e

*“The rising world of waters dark and deep

Won from the void and formless infinite”

Paradise Lost, livro 3

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suas agruras, numa interminável procura do seuuniverso secreto. Com admirável capacidade deexpressar o que intuitivamente apreendem, trans-formam seus leitores em espectadores participan-tes de seus escritos, pelo poder neles contido depermitir a elaboração do primitivo que nos habita.

Homero, Sófocles, Shakespeare, Dostoievski,Cervantes, Balzac, Machado de Assis e Fernan-do Pessoa colocam em cena a comédia humanacom seus heróis feitos de carne e osso, retrata-dos no seu dia-a-dia, na saúde e na doença, comsuas mazelas, dores e alegrias, conflitos, enga-nos, ambições, desejos, paixões, fraqueza ondereside a força, amor que se transmuta em ódio,ódio que se descobre amor, inteligência que éburra, ignorância que é sagaz. Acompanhamoscomo a ação humana é a principal causa do dra-ma, da tragédia, regida que está por fatoressubjetivos, desconhecidos do próprio sujeito eque muitas vezes resultam em desastre; os per-sonagens criam vida e são colocados não comovítimas passivas, mas como promotores respon-sáveis pelos seus atos, pela maneira como seenfrentam com o acaso. Já dizia Heródoto: “Odestino do homem está em sua alma.”

Num determinado momento da História sur-ge Freud, que une a capacidade científica aosdons de exímio escritor; dedicou-se a descobrircomo funcionava a mente do ser humano, suaestrutura, a inferir e deduzir sentidos e significa-dos de suas ações, do fantasiar e do pensar.Médico Neurologista, na prática clínica teve suaatenção e curiosidade despertadas pelas dorese manifestações somáticas de pacientes, doresessas que não podiam ser atribuídas a causasorgânicas; incompreendidas, eram relegadas peloconhecimento médico de então.

Mais um parto: entre dores, encontros e de-sencontros, foi-se formatando uma teoria do fun-cionamento psíquico e a introdução de ummétodo revolucionário para o aprofundamento dosi mesmo e, conseqüentemente, do lidar com ador produzida pela mente.

Dor é uma visita indesejada, de forma e in-tensidade variadas, que se impõe a todos os se-res humanos. Freqüentemente ligada à idéia deperda, impotência, desamparo, humilhação, delaqueremos livrar-nos rapidamente (com exceçãodos que curtem e cultivam a dor). Para isso, des-de os tempos mais antigos, arquitetaram-se mui-tos artifícios que vão desde pajelanças, rezas, atéas mais eficientes drogas modernas.

Freud, atento às rejeitadas histéricas, ouviu eolhou (intuiu) que suas dores não podiam ser mi-

tigadas pelos meios conhecidos; caminhou nosentido de perceber a força paliativa e integrado-ra da palavra que, carregada de um significadopossível para delinear determinada situação, com-portamento, fantasia, angústia, enfim, sintoma,funcionaria como evocadora de um pensamentodesconhecido.

Cada novo conhecimento implica abando-nar uma posição conhecida, confortável. A novi-dade que Freud propunha produziu forterejeição: aceitar a existência de uma parte in-consciente na mente e que a maioria das açõeshumanas são inconscientemente determina-das era demais para o narcisismo daquelesque supunham ter total domínio de seus atospela racionalidade.

Porém, como também somos capazes de vi-ver e, às vezes, de observar e de enfrentar a dorpsíquica proveniente das frustrações, as propo-sições de Freud se tornaram verossímeis, a psi-canálise foi sendo aceita e evoluindo. Sendo umaciência em crescimento, cada fenômeno apreen-dido abre espaço para mais correlações e filigra-nas; novos teóricos com percepção acurada dosmovimentos mentais aparecem para fortalecer,reler e ampliar os conceitos e métodos apresen-tados por Freud.

Entre eles, Bion, que confirma a psicanálisecomo uma ciência que requer sensibilidade eperícia, de caráter extremamente privado, um pro-cesso onde o papel principal é desempenhadopela experiência emocional nascida do encontrode duas pessoas, duas mentes em interação, umaturbulência de idéias, fantasias e emoções. De-senvolve a Teoria das Transformações para acom-panhar, aprimorar e explicitar a observação dassutilezas que ocorrem nesse encontro para pro-curar ajudar no desvelar da dor. No embate algoacontece, um fato, a coisa em si, o incognoscível(que Bion chamou de O), produz uma impressão,desperta sensações e o analisando opta por ex-pressar-se de uma determinada maneira, que éuma transformação dos pensamentos e emoções;ao ouvir, o analista, da situação total, intui algo eseleciona como verbalizar; nova transformação.

Essa verbalização, por sua vez, produz dife-rentes repercussões internas no analisando, quea reinterpreta, permitindo ao analista verificar oque o analisando fez com aquilo que o analistafalou; outra transformação. Além de propiciar umaabertura ao mundo interno do analisando, a novaformulação permite verificar sentidos além do queo analista pensou ter verbalizado. E o movimentocontinua, em vários ciclos do que são chamadas

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transformações feitas, vividas e observadas pe-los dois participantes. Nesse suceder vão-se re-velando realidade psíquica, fantasias, emoções,percepções, relacionamentos, como o ser huma-no está inserido no mundo. Exemplo: duas pes-soas se encontram. Uma sorri satisfeita e diz:bom-dia! A outra, brava, responde: por que vocêestá rindo de mim? Observamos que algo acon-teceu internamente nesse contato, que fez cadaum dos integrantes agir à sua maneira, o que,por sua vez, vai refletir em novas configurações,em novas respostas.

Num encontro psicanalítico essas transfor-mações vão sendo observadas, questionadas,tentando abrir espaço para se desenvolver a ca-pacidade de pensar os próprios pensamentos,desemaranhar as misconceptions (conceito cria-do por M. Kyrle, que acredita que as pessoassofrem de misunderstandings para evitar as do-res edípicas), em suma, favorecer a condição doanalisando no sentido do seu vir a ser, responsá-vel pela pessoa que está sendo, ao ir aprenden-do com a experiência emocional.

A experiência total mantida entre analista eanalisando transcende a linguagem e seu alcan-ce simbólico; há outros meios de comunicaçãoque podem ser captados quando o analista de-senvolve a faculdade de rêverie (capacidade quea mãe tem de apreender, transformar e respon-der à comunicação do bebê, às suas emoções).A função rêverie do analista, regida pela aten-ção flutuante, sem memória nem desejo, pres-supõe um estado de receptividade a seuspróprios conteúdos e aos do analisando, apre-endendo aspectos amorosos, hostis, vivênciasíntimas perturbadoras não pensadas, para de-volvê-las desintoxicadas do reforço de fantasiasaterrorizantes.

O encontro psicanalítico é uma obra aberta;há varias possibilidades no acontecer, dependen-tes do interjogo das personalidades envolvidas,do momento, do nível de desenvolvimento dasduas pessoas em ação. É um processo que sedesenvolve entre calmaria e tormentas, com situ-ações e palavras que machucam, mordem, ne-cessárias para quebrar o gelo, anestesia ouonipotência, estimulando a coragem para enfren-tar o susto que é viver.

O objetivo que se busca imerso na experiên-cia emocional é perceber o inefável, memóriasinscritas na mente e no corpo, jamais vistas, ja-mais pensadas. Freud traz um exemplo poéticoquando diz que de dia, ao olharmos para o céu,

não vemos as estrelas, mas elas estão lá. É imer-gir numa comunicação onde a função da lingua-gem não é informar, mas evocar; quando palavras,sonoridade, ritmo e modo de ser adquirem umsentido metafórico, uma busca do imprevisto, dodesconhecido.

Freud e Bion partilham da idéia de que tra-ços deixados pela filogênese e ontogênese naestrutura da mente devem desempenhar um pa-pel significativo nos estágios posteriores do de-senvolvimento. Seriam preconcepções em estadode hibernação, procurando um estímulo para serealizarem (faço um paralelo com a imensa quan-tidade de neurônios não utilizados no cérebro eque podem vir a funcionar). Green traduz o pen-samento de Bion, dizendo que: “a mente primor-dial é constituída de uma atividade psíquica cujaraiz está no corpo, tendo esta já uma forma depensamento sem pensador.”

FRAGMENTOS DE UMA EXPERIÊNCIA

“Porque a dor, nem sempre, o medo, nemsempre, se podem acalmar pela amizade, pela

palavra.”Shakespeare

O desejo insuperável de viver no paraíso e odesconforto por essa impossível realização foi oque presenciei durante um ano e meio do meutrabalho com Mário. Em poucos fragmentos, al-guns involuntariamente distorcidos, outros cons-cientemente modificados (para preservar oanonimato do analisando), de um trabalho imen-surável, procuro aproximar-me do perigo que secorre ao se evitar sofrer a dor.

O que percebi em Mário, com seus intermi-náveis lamentos (de ninguém reconhecer seusméritos, embora soubesse tudo melhor que osoutros; ninguém seguia suas instruções, mesmosendo mais capaz; ninguém fazia o que ele que-ria, só criticavam, inclusive sua mulher, sua mãe,seu pai), foi como nessa condição majestáticatudo o que vinha dos outros, desencontros, do-res inerentes ao próprio viver, era vivenciado comoperseguição, invasão, e deveria ser rapidamenteeliminado.

Acreditava que eu teria a fórmula para con-seguir isso e, se não lha fornecesse, sua únicasaída seria se matar. Memórias afetivas foramsuprimidas. A muito custo, em meio a suas quei-xas, soube que foi o primeiro filho, neto, sobri-nho, e que, quando tinha um ano e meio, nasceu

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um irmão com graves problemas físicos e men-tais, criado em casa até os 12 anos. Depois foiencaminhado para uma instituição porque ele,Mário, não trazia amigos para visitá-los, já quenão queria que eles vissem o irmão. Teve seuprimeiro analista com nove anos e ignora o mo-tivo: talvez porque tivesse sido muito levado,talvez porque tivesse repetido dois anos na es-cola. Seus parcos relatos me transmitiam umaincapacidade de descobrir e sofrer a dor. Seupai se submetera a uma grave cirurgia, tendoficado internado muitos dias; só me relatou issodez dias depois do acontecido, para falar-mede sua capacidade de estar podendo gerenci-ar os negócios na ausência do mesmo. Diantede minha surpresa por ele ter ido visitá-lo so-mente no dia da cirurgia, afirmou-me que paratomar conta do negócio necessitava descan-sar, continuar com sua vida de sempre. Nadados intensos sentimentos que nutria em rela-ção aos pais era conscientemente sentido porele: havia ódio mascarado de simulacro deamor, inveja sob a capa de admiração racional,por pais que venceram na vida, que tinham osatributos que ele desejava e que não lhe trans-mitiram. Numa metáfora de seu mundo mental,enxergava-se economicamente pobre; apesar detodas as suas mordomias, carro e moto últimotipo, casa num condomínio de luxo, via-se comomendigo.

No seu trabalho “Ataques ao vínculo” Bionesboça como todas as ligações podem ser ata-cadas, começando pela própria percepção, peloódio a todas as emoções, inclusive ao próprio ódioe contra a realidade externa que os estimula; daíé um passo ao ódio à própria vida: talvez porarrogância, talvez por não se permitir acolher de-samparo e dependência, talvez por excessivainveja. Esse padrão de funcionamento conduza um mundo mental restritivo com uma formalimitada de lidar com emoções; há um empo-brecimento psíquico, aumento de violência e oni-potência.

Mário sempre me assegurava que era livre,que não queria ser dependente de ninguém,não enxergando que seu sustento era banca-do pelos pais. Assustou-se quando sonhoucomigo, amedrontou-se com a possibilidade deficar dependente de mim e, como prezava suaautonomia, alardeou como grande vitória, pro-va de sua autodeterminação, o interromper oprocesso psicanalítico. Como nos diz Bion,observa-se que, em certas pessoas, o pensa-

mento não parece oferecer liberdade para odesenvolvimento. É sentido como restrição; emcontraste, sente-se que a atuação produz sen-so de liberdade.

A verdade não pode ser conhecida; mas umadas conjecturas seria que o nascimento do irmão,tão necessitado de cuidados, desorganizou aestrutura familiar; Mário, de um espaço onde pre-sumivelmente realizava sua fantasia onipotente,foi brusca e precocemente deslocado para umasituação de abandono; a dor da emoção extre-mamente forte para ser contida por uma menteimatura pode ter atingido um nível intolerável econtribuiu para o seu medo de sentir a dor e so-frê-la, isto é, pensar sobre ela. Quando corre orisco de ligar-se, afasta-se, eliminando a eventu-alidade de dor: sobrevive com sua tentativa deestar no Nirvana, não vive.

A psicanálise “é apenas uma listra na pelede um tigre” (Bion). Eventualmente poderemosvir a encontrar outras listras. Portanto, não sei seo sonhar comigo assinala que a palavra, o aco-lhimento e a compreensão tiveram algum alcan-ce. Tampouco sei se a intolerância à frustraçãose deve a um fator inato ou se não houve condi-ção de rêverie por parte da mãe, permitindo arealização da preconcepção de um seio bom. Oque eu sei é que na incessante luta para fugir dador, Mário fica vazio, robotizado, zeloso cumpri-dor de deveres, com comportamentos rígidos,logicamente explicados, mas sem coração. Ex-celente que haja drogas para nos aliviar e afas-tar das dores orgânicas, excelente que hajaaquelas que podem ajudar em graves surtos deansiedade e depressão. Contudo, infelizmente,a dor psíquica precisa ser sofrida para utilizar-mos cada vez mais as capacidades inatas quedesconhecemos, para se sentir a plenitude doque é viver.

Assim, apesar de Freud ter escrito que, como avanço dos conhecimentos biológicos e neu-rofisiológicos apareceriam drogas suficientespara o tratamento das dores psíquicas, acredi-to que existe um local do inefável, do desenvol-vimento da capacidade de pensar, dasmemórias incrustadas, que não poderá por elasser alcançado. Repetindo M. Khan: “A maior in-venção de Freud será sempre a invenção des-ta extraordinária situação humana em que umapessoa pode investigar o significado e as reali-dades experienciais de sua vida por meio deuma relação com outra...” e com isso poder inte-

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grar aquilo que lhe pertence e afastar os terro-res imaginários.

O risco de evitar a dor é o risco de não viver.

RESUMO

Dor é inerente à existência do ser huma-no. A psicanálise, desde Freud, se preocupaem investigar processos mentais e como apessoa se posiciona diante das frustrações,tolerando, enfrentando ou fugindo. Da dor or-gânica é conveniente fugir e, para isso, temoso auxílio de drogas cada vez mais eficientes.Ao tentarmos evitar a dor mental, há prejuízodo desenvolvimento psíquico e o incrementode fantasias inconscientes aterrorizadoras,que podem paralisar a vida das pessoas. Des-taca-se a importância da experiência emocio-nal no encontro/desencontro do analista/analisando quando, ao estimular a capacida-de de pensar, procura-se desmistificar terro-res imaginários.

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11CAPÍTULO

Psicossomática

CARLOS LAGANÁ DE ANDRADE

NAIR DE OLIVEIRA PONTES LAGANÁ DE ANDRADE

A medicina psicossomática vem sendo estu-dada e praticada historicamente desde a Gréciaantiga. Hipócrates estabeleceu as raízes da abor-dagem psicossomática clássica na teoria humo-ral, e Galeno demonstrou que os processosemocionais influenciavam na patogênese dasdoenças. As relações mente-corpo (ou alma-cor-po) foram observadas também por Aristóteles,Platão e Sócrates.

As teorias médicas clássicas e neoclássicas,a doutrina das paixões, sustentavam a relaçãoentre estados emocionais e físicos. Hipócrates(séc. V a.C.) desde o início considerava que amedicina era conjunção e compreensão das re-lações entre a lesão corporal, os estados psíqui-cos (chamados “da alma” na época) e os fatoresambientais²³.

Os filósofos antigos, de um modo geral, con-sideravam a dor uma emoção. Aristóteles, porexemplo, chamava-a de um sofrimento da alma.Na Grécia antiga, consideravam o homem comoser unitário e indivisível, o que caracteriza a cha-mada concepção monista e unicista. Fatos obje-tivos e subjetivos eram entendidos em conjuntocomo expressões variadas de uma única entida-de: o ser humano.

A medicina da Grécia antiga consagrou Hi-pócrates o “pai da medicina”. Sua sentença “Nadaao acaso; nada a ser visto por alto” caracteriza o

sentido global de seu interesse médico, que olevava, além de examinar cuidadosamente o pa-ciente, a conversar com ele, inquirindo-o não sósobre suas queixas, incluindo as circunstânciasem que se iniciaram, como sobre hábitos e con-dições de vida. Também iniciou a prática de con-versar com os parentes do paciente sobre o quesabiam a respeito de sua doença. Portanto, ob-servava a pessoa doente em sua totalidade, con-siderando o seu temperamento e a sua históriade vida15.

A visão dualista de Galeno e da escola deCnide deixa de olhar para a pessoa doente emseu todo, privilegiando a doença em detrimentode seu portador. A doença passa a ser a expres-são de uma lesão, não se relevando mais o tem-peramento da pessoa e sua biografia. Espera-secom o tratamento eliminar a doença do corpo,em vez de buscar o equilíbrio da pessoa consigomesma, tendo como resultado uma medicinacompartimentalizada, mecanicista, cartesiana ereducionista, em lugar de uma medicina dinâmi-ca e integradora19.

No século XVII, René Descartes acentua avisão dualista, separando o corpo, que passa aser cuidado pela medicina, da mente (alma), do-ravante cuidada pela religião.

Com o acúmulo de conhecimentos a partirde Galileu, as ciências evoluíram para uma clas-

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sificação de ciências naturais, hoje chamadas deciências exatas e ciências humanas. De modogeral, a diferença existente entre os dois gruposconsiste na maneira de distinguir a experiênciaexterna e interna do homem.

As ciências exatas caracterizam-se pela me-todologia explicativa, visando a uma relação pre-cisa de causa e efeito entre dois fenômenos. Asciências humanas procuram extrair dos fatos hu-manos o seu sentido ou significado, sendo suametodologia denominada compreensiva.

Muitas concepções psicossomáticas foramdesenvolvidas até a atualidade, promovendo ten-dências conceituais que poderiam ser resumi-das em quatro visões principais: a psicanalítica,a psicofisiológica, a sociocultural e a Teoria deSistemas.

Nesse mundo conturbado pela multiplicida-de dessas novas idéias coube a Freud, em finsdo século XIX, o mérito de resgatar para a medici-na a condição humana daquele corpo-máquina.

As teorias psicanalíticas contribuíram com osprimeiros conceitos desenvolvidos por SigmundFreud, do envolvimento somático na neurose his-térica conversiva, por mecanismos psicogênicos,na qual a energia psíquica represada no conflitoé descarregada fisiologicamente.

Ao instituir o inconsciente e seu respectivométodo de estudo — a psicanálise —, Freud de-monstrou a importância de conhecer a biografiado indivíduo para a compreensão mais ampla dapessoa na saúde e nas doenças.

Ele descreveu um primeiro tipo de dor histé-rica, no qual a dor física original foi experimenta-da pelo paciente e a repetição da algia no sintomade conversão substituiu o estímulo agradável quese lhe associou. Com isso, a dor passa a ter doissignificados: como sinal de advertência a um pro-blema físico e que não se ceda àquelas sensa-ções prazerosas associadas. Uma paciente sofriade dor no baixo ventre. A dor repetia a sensaçãoque experimentara quando criança num ataquede apendicite, período em que o pai a tratara comcarinho desacostumado. A dor abdominal expri-mia, a um só tempo, o desejo da ternura paternae o temor de que a operação se seguisse à reali-zação do desejo. Um segundo tipo de dor histéri-ca, os sentimentos originais que se imitam nossintomas de conversão, pode haver sido experi-mentado não pelo paciente, mas por outra pes-soa, à qual imita com a produção de seu sintoma.Conforme sabemos, a histeria — transtorno so-matoforme — é capaz de imitar toda e qualquerdoença, razão pela qual resultam tão multiformes

os quadros clínicos conversivos. A identificaçãoé o primeiro tipo de reação a um objeto; e emsituações de crise emocional todas as relaçõesobjetais que se seguem podem a ela regredir. Noscasos mais simples, a “identificação histérica”ocorre com o “rival afortunado”, aquela pessoaque o paciente inveja e em cujo lugar gostaria deestar desde sempre. Uma paciente desenvolveuuma dor no joelho direito como a de uma jovemque conhecera enquanto praticavam esporte, ena qual via, inconscientemente, uma rival. A paci-ente invejava as experiências amorosas da jovem;seus sentimentos de culpa em relação à rivalida-de não lhe permitiam colocar-se na posição dela,no lugar que gostaria; tendo um dia essa jovem,após um acidente, sofrido dores atrozes no joe-lho direito, a paciente pôde escolher a dor da jo-vem como ponto de identificação, identificaçãoque, através do sentimento de culpa, substituiu aidentificação pretendida em experiências instinti-vas. A paciente passou a ter dor no joelho quan-do a jovem retornou à prática de exercícios.

Casos mais complexos de identificação his-térica ocorrem como resultado do complexo deÉdipo. No caso de outra paciente, ela não se iden-tificava com a rival, a mãe, e sim com o pai ama-do. Sempre que era forçada a abrir mão de umobjeto (seus namorados) desenvolvia a tendên-cia a compensar a perda pela identificação comobjeto amado de sua infância. A paciente, nosperíodos de separação, assumia as crises decefaléia do pai, mostrando que estava tentando,em vão, libertar-se.

A forma mais freqüente de identificação his-térica realiza-se com um objeto com o qual o pa-ciente não tem relação objetal autêntica. Forma-se“na base de necessidades etiológicas idênticas”.Temos, como exemplo, uma epidemia histéricanum colégio de meninas. Uma menina de 12 anosreage com dores na mão e no antebraço com oqual segurava a caneta enquanto escrevia umacarta ao namorado na qual declarava seus dese-jos mais íntimos. Durante aquela semana váriasde suas amigas, num total de oito, tiveram dorparecida. A escola chegou a ser acusada de es-tar forçando as alunas a muitas tarefas. A signifi-cação inconsciente é a seguinte: “Também nósqueremos escrever cartas de amor.” A identifica-ção baseada em necessidades etiológicas idên-ticas, por ser de caráter temporário e realizadacom o objeto com o qual não existe outra rela-ção, propicia oportunidade para que se discuta arelação entre identificação e imitação.

Esse mecanismo se assemelha à imitaçãosimples, mas é inconsciente. Toda imitação, quer

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consciente, quer inconsciente, pressupõe umaespécie de identificação — ou seja, alteração doego do próprio indivíduo que segue o padrão deum modelo objetal. A identificação baseada naimitação, porém, distingue-se de outros tipos deidentificação pelo fato de ser superficial, limitada,caprichosa, usada somente com certo objetivodefinido, que pode ser ou não consciente. Incons-cientemente, pode-se imitar seja quem for, des-de que, como protótipo, pareça prometer algumapossibilidade de alívio para conflitos internos.Relaciona-se com isso o fenômeno da contagi-osidade dos lapsos e dos erros1,8.

Também existem “identificações múltiplas”.Um paciente é capaz de simultânea ou seqüenci-almente representar o papel de várias pessoascom que tenha-se identificado, segundo qualquerdos tipos que descrevemos. Identificações histé-ricas podem ocorrer até com uma dor que, real-mente, o modelo de identificação jamais sentiu,mas é sentida na fantasia histérica.

Certo dia uma estudante de medicina sentiuforte dor no abdômen. Disse que tinha a impres-são que cortavam sua barriga do umbigo até opúbis com uma faca. Estava apaixonada por umprimo que estudava medicina em outra cidade.Fantasiou que, exatamente no momento em quesentia dor, ele estivesse cortando um cadávernuma dissecção. Essa fantasia, que dava prazerde ligação mágica com um ente querido, era umdevaneio consciente, mas a continuação incons-ciente do devaneio estava na dor sentida. O im-pedimento do relacionamento de ambos porquestões morais e familiares levou-a a sentir “mor-ta” essa relação, ou como ela mesma disse emanálise: “Mesmo se ele me tocasse não poderiasentir, tinha de ser como um cadáver”, mas, seum instinto de autopreservação prevalecia, o fatode sentir dor significava estar viva, pois cadávernão sente dor. Era, portanto, a dor da vida, a dorde um amor, a dor de um desejo de ser mulherdo primo, a dor do desejo de ser mãe de um filhodesse homem e a dor da idéia da retirada desseconcepto de sua barriga, antes mesmo de serconcebido.

Em certo sentido, é até possível falar em“identificações conversivas consigo mesmo”, asaber, com o estado do passado. Há muitos sin-tomas de conversão que significam regressão aum período da infância em que terá ocorrido arepressão, cuja manutenção corre risco no mo-mento. Em algumas dores histéricas (somatofor-mes), a repetição de algias passadas reais (ouimaginárias) é menos impressionante do que aantecipação de fatos que se desejam, ou de cas-

tigo futuro por causa destes. Devaneios doloro-sos não se opõem, necessariamente, a algias his-téricas de que falamos até o momento. Ilustram ofuturo que se teme e que se deseja mediante re-mobilização de experiências reais do passadorelacionadas com o presente.

Voltando ao desenvolvimento de contribuiçãodas teorias psicanalíticas para a psicossomática,Sandor Ferenczi aplicou o conceito de conversãopara órgãos inervados pelo sistema nervoso au-tônomo. Franz Alexander reiterou que os sinto-mas psicossomáticos ocorrem apenas em órgãosinervados pelo SNA, na presença de certos fato-res orgânicos constitucionais predisponentes e defatores psíquicos de conflitos inconscientes re-primidos (mas sem significado psíquico específi-co como na histeria conversiva). Peter Sifneos eJohn C. Nemiah, além de elaborar o conceito dealexitimia, explicaram que a falta de habilidade oua dificuldade de expressar o afeto relacionado aoconflito resultam na formação de sintomas psi-cossomáticos. Ganharam importância nas últimasdécadas as idéias da Escola Psicossomática deParis, na qual Pierre Marty desenvolveu o concei-to de pensamento operatório.

As inúmeras queixas de dor dos pacientespsicossomáticos são interpretadas como umatentativa de se apropriarem de seu corpo, de suavida, de seus cuidados, do conhecimento de si,ou seja, uma tentativa de ajudá-los a refletir a res-peito da necessidade de ser ativos no processoe desenvolvimento de sua vida. Também atravésdesta comunicação arcaica é obtida uma aten-ção necessária. Segundo Joyce MacDougall¹³, ossintomas psicossomáticos podem ser compreen-didos como “uma protolinguagem que, muitocedo na História do homem, talvez fosse destina-da a despertar a atenção do outro”. Para a autoraos atos diversos (adicção, alcoolismo, perversão,somatizações) tomam o lugar das palavras, cons-tituindo uma forma de comunicação primitiva.

Atualmente sabemos que os sentimentosemocionais dos estímulos podem ser processa-dos inconscientemente. Grande parte das ativi-dades emocionais do cérebro acontecem noinconsciente. O sentido emocional de um estímulopode começar a ser avaliado pelo cérebro antesque os sistemas de percepção tenham proces-sado inteiramente o estímulo. De fato, o cérebropode avaliar se algo é bom ou ruim antes de sa-ber do que se trata exatamente.

Sem a pretensão de explicar a complexidadede reações que envolvem as emoções nos círcu-los cerebrais, passemos à compreensão de al-

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gumas estruturas importantes do sistema límbi-co que participam desse processo.

Em presença de perigo ou de estímulos quealertam para o perigo, manifestam-se reaçõesendócrinas (como liberação de hormônios destress), autonômicas (como aumento do bati-mento cardíaco, da pressão arterial etc.) e com-portamentais (como reações de luta, fuga ouimobilização). Os reflexos são ajustados (com apotencialização deles) e há supressão da dor. Arede de controle das reações de defesa geraisacontece fundamentalmente na amígdala.

As informações sobre os estímulos externoschegam à amígdala por vias diretas que partemdo tálamo, mais rápidas que as que vão do tála-mo ao córtex e deste à amígdala. Em conse-qüência, a via direta não pode fazer uso doprocessamento cortical, mas permite reação ime-diata diante de um estímulo potencialmente peri-goso antes mesmo de haver consciência de qualé o estímulo. As representações mais detalhadase precisas provêm do córtex e, apesar de esta viaser mais lenta, sua tarefa é impedir reações ina-dequadas e produzir reações apropriadas.

O hipocampo participa da formação e da re-cuperação de memórias armazenadas (conheci-mento) ou de experiências pessoais. Informaçõesque transitam dessa área para a amígdala (emforma de lembranças) podem desencadear rea-ções emocionais. Assim, como tomamos cons-ciência do fato com que somos emocionalmenteexcitados resultante de reações emocionais de-fensivas ocorridas na amígdala, isso nos permitedistinguir, conscientemente, memórias de situa-ções do passado da excitação emocional domomento.

Nem todos os aspectos de uma experiênciasão lembrados com a mesma facilidade numasituação emocional. Posteriormente, o indivíduose recordará com maior clareza de determinadoincidente que de outros fatos ocorridos no mes-mo dia. Mas a nitidez e minúcias do incidentepodem variar consideravelmente. As recordaçõesde eventos traumáticos, independentemente desuas implicações emocionais, são reconstruçõesdo momento da lembrança, e a condição cere-bral atual pode influenciar a maneira como a me-mória é ativada, envolvendo simplificações,adições e racionalizações de experiências apren-didas, bem como omissão de elementos doaprendizado inicial. Freud6 denominou esses as-pectos da recordação de eventos traumáticos“lembranças encobridoras”.

A amígdala pode influenciar as percepçõesdo momento, a imaginação mental, a atenção, amemória de curto prazo, de processamento e delongo prazo, bem como os diferentes processosde pensamento superior através de sistemas deexcitação do cérebro. As expressões corporais(viscerais e musculares) também são controla-das pela amígdala e existe um feedback da ex-pressão física da emoção para a amígdala e asregiões corticais.

Para uma compreensão mais abrangente dasreações emocionais, torna-se importante o estu-do dos mecanismos do stress. E viver é estar sobstress. O termo stress aplica-se a qualquer es-tímulo ou mudança no meio externo ou internogerador de tensão que ameaça a integridadesociopsicossomática da pessoa, seja diretamen-te (por suas propriedades físico-químico-biológi-cas ou psicossociais), seja indiretamente (devidoa seu significado simbólico).

O stress não é um aspecto novo da vida. É oproduto da interação entre um indivíduo e o meioem que vive. O homem moderno parece viver demodo a facilitar a criação de um ambiente estres-sante. As tensões da vida de hoje refletem sua di-ficuldade de adaptar-se com rapidez suficiente àsmudanças que ele próprio está provocando emseu meio ambiente e em sua maneira de viver.

Os fatores estressantes podem ser únicos oumúltiplos, recorrentes ou contínuos. Podem afe-tar uma pessoa em particular, um grupo ou umacomunidade. Alguns deles podem acompanharacontecimentos específicos do desenvolvimento— como ir à escola, casar-se, tornar-se pai oumãe, aposentar-se. Outros podem relacionar-sea modificações — conflitos intrafamiliares, que-bra de laços familiares, acidentes de trânsito, vio-lência, conflitos sexuais, desemprego, pressõesno trabalho, consumo de drogas, aumento dadensidade demográfica, alta tecnologia, choquecultural, revolução, guerra, tortura, desastres na-turais e acidentais.

Os acontecimentos da vida repercutem namente e no cérebro, que constitui seu substratofísico. Essas repercussões propagam-se para ocorpo e atingem a saúde. A gravidade da reaçãopode não corresponder à intensidade do estres-sor. É modulada pela vulnerabilidade e sensibili-dade da pessoa. As respostas fisiológicas doorganismo ao stress filtrado pelas percepções epelos mecanismos psicossociais de defesa edepois modificado pelos apoios e gratificaçõesobtidos pela pessoa são necessárias para a re-gulação da constância do meio interno.

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Walter Cannon4, um dos mais famosos psi-cofisiologistas, conceituou essa regulação comosendo uma função à qual denominou homeosta-sia, ou seja, a tendência do organismo vivo emreparar danos causados por estímulos de qual-quer natureza. Cannon estudou também as rea-ções do organismo à emoção e delineou oconceito do fenômeno “luta ou fuga”. As situa-ções de perigo ativam o sistema nervoso autôno-mo e a medula supra-renal, que preparam o corpopara luta ou fuga.

Quando um ser humano defronta-se comuma situação de ameaça, objetiva ou subjetiva,há aumento da freqüência cardíaca e da pressãoarterial, a fim de que chegue mais oxigênio e nu-trientes aos tecidos. Ocorre também aumento daquantidade de glicose sangüínea; vasoconstriçãoda pele e vísceras, com diminuição do fluxo san-güíneo para essas regiões, e aumento do fluxopara músculos e cérebro; dilatação da pupila;broncodilatação; fechamento dos esfíncteres; ten-são muscular e ansiedade.

A adaptabilidade e o desenvolvimento da re-sistência aos efeitos do stress e dos estímulosnocivos são precondições para a vida e a sobre-vivência. Podem envolver reações específicas dedefesa, como o desenvolvimento de anticorpospara vírus, ou mecanismos que ajustam o orga-nismo ao frio ou à vida em grandes altitudes, ouainda à hipertrofia muscular resultante de traba-lho pesado e prolongado.

Também podem ocorrer mecanismos deadaptação não específica, conforme descrito porHans Selye, outro grande estudioso do stress. Eledemonstrou que, além de aos estressores denatureza física (calor, frio, esforço físico, ruído), oorganismo reage às influências psicossociaisnocivas existentes no ambiente, com um conjun-to de modificações não específicas a que cha-mou de Síndrome de Adaptação Geral. Essasíndrome é representada por três fases:• Reação de alarme: assemelha-se à reação de

emergência de Cannon.• Fase de resistência: ocorre pela exposição re-

petida aos estímulos estressantes. Caracteriza-se pela hipertrofia do córtex da supra-renal;aumento da atividade parassimpática; maior se-creção de glicocorticóides; maior atividade se-cretória da tereóide e ilhotas de Langherans;atrofia do timo, do baço e de todas as estrutu-ras linfáticas; leucocitose e formação de úlce-ras no aparelho digestivo.

• Fase de exaustão: quando a exposição aos es-tressores é suficientemente prolongada e se-

vera, a adaptação desenvolvida deixa de sermantida, havendo alterações novamente dafase de alarme, esgotamento e a possibilidadede morte²².

O indivíduo reagirá a acontecimentos e cir-cunstâncias estressantes de formas diferentes,dependendo de sua biografia e de sua vulnerabi-lidade como ser sociopsicossomático. No esta-do de stress, ocorrem alterações funcionais emtodos os mecanismos neurorreguladores, depri-mindo os mecanismos homeostáticos do orga-nismo e deixando-o vulnerável a infecções eoutros distúrbios.

As vias neurofisiológicas implicadas nas rea-ções de stress incluem o córtex cerebral, o siste-ma límbico, a medula, o córtex da supra-renal e osistema nervoso autônomo (simpático e paras-simpático). Como conseqüência, há alteraçõesdas funções motora, secretora, de irrigação eimunomoduladora, que podem favorecer a ocor-rência de disfunções ou doenças como angina,arritmias, espasmos coronarianos e hipertensãoarterial; cefaléia tensional e cefaléia enxaqueco-sa; asma brônquica; urticária, eczema, herpes;úlcera gastroduodenal, gastrite, duodenite, dis-pepsia, síndrome do cólon irritável, retocolite ul-cerativa; artrite reumatóide, lúpus eritematososistêmico, dermatomiosite, dorsalgia; tireotoxico-se; síndrome de tensão pré-menstrual, dismenor-réia etc.

Nesses distúrbios existe uma patologia or-gânica evidente e demonstrável; o estímuloestressor, psicologicamente significativo, estátemporalmente relacionado ao início ou à exacer-bação do distúrbio físico específico. Os estresso-res biológicos, psicossociais e ambientaiscostumam estar associados à maioria dos trans-tornos mentais e de comportamento, levando-seem consideração a vulnerabilidade biológica es-pecífica em cada um deles.

Como podemos ver, as tensões da vida mo-derna desempenham um papel importante comocausa de diversos níveis de comprometimento doorganismo, de inúmeros transtornos mentais econflitos sociais.

Um autor contemporâneo descreveu as ca-racterísticas da dor como incluindo extremapredisposição a um estado de aversão, a umacapacidade para aniquilar pensamentos comple-xos e outros sentimentos, bem como para des-truir a linguagem, e uma forte resistência àexpressão objetiva²¹. Essa perspectiva reflete-senas lições da vida cotidiana: embora a dor tenhacaracterísticas sensórias e se preste a descrições

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sensórias, ela é, acima de tudo, um poderoso edesgastante estado emocional. Dito de formamais simples, a dor é, em parte, uma emoção.

A emoção não é simplesmente uma conse-qüência da sensação de dor que ocorre assimque uma mensagem sensória agressiva chegaao córtex somatossensório. Mais do que isso éuma parte fundamental da experiência de dor.

As emoções e a dimensão emocional da dorcaracterizam exclusivamente os mamíferos e pa-recem favorecer a adaptação entre eles¹². MacLe-an argumentou que as emoções “transmiteminformações subjetivas que são instrumentais aoguiar o comportamento exigido pela autopreser-vação. Consciência subjetiva que se denominauma emoção consiste em uma sensação de ex-citação geral do corpo ou em sensações locali-zadas em certas partes do corpo”. Como aemoção evoluiu para facilitar a adaptação e asobrevivência, a emoção negativa desempenhaum importante papel defensivo. A capacidade deatribuir o caráter de ameaça a certos tipos deevento no ambiente protege contra as agressõesque colocam a vida em risco.

Dentro da consciência, a ameaça se mani-festa como um estado emocional e, nos huma-nos, eventos ameaçadores que não estejamimediatamente presentes podem existir comoimagens somatossensórias coloridas emocional-mente. Podemos reagir emocionalmente à ima-gem mental de um evento doloroso antes que eleaconteça (por exemplo, uma punção), ou pode-mos responder emocionalmente à visão de umtrauma ocorrido com outra pessoa. A intensida-de emocional desse sentimento sublinha o signi-ficado adaptativo do evento que produziu aexperiência. A ameaça de uma agressão menornormalmente provoca menos sentimento do queuma que represente alto risco de morte. A magni-tude emocional de uma dor, conseqüentemente,é a representação interna da ameaça associadacom o evento que produziu a dor. O ponto-chaveé que a intensidade da reação emocional indicae expressa a ameaça à integridade biológica doindivíduo, da forma como ele a percebe17.

Em pessoas predispostas a quadros de dor,a relação existente entre estímulos prejudiciaisprovenientes dos conflitos psicossociais e os es-tímulos físico-químico-biológicos denota que aatuação de ambos pode-se incrementar mutua-mente.

Num paciente, um estímulo físico-químico desuas dores gastrointestinais era ingestão de cer-veja. Ele costumava beber cerveja nos momen-

tos em que sua situação conjugal se complicavacom brigas infrutíferas, devido a um excessivocontrole que a esposa tentava exercer sobre ele.Isso lhe reativava lembranças infantis penosas deuma mãe dominadora, que burlava de sua capa-cidade intelectual. Sabemos que a dor é uma cha-mada de atenção do organismo de que algo estáatuando mal e funcionando prejudicialmente, edo qual o indivíduo busca defender-se. Os confli-tos psicossociais provocam também modifica-ções orgânicas “dolorosas” porque reavivamlembranças de situações passadas que foramorganicamente penosas.

Em outro paciente, os ruídos consideradosdesagradáveis favoreciam a aparição de cefaléi-as quando este apresentava preocupações fami-liares, não só pelas qualidades físicas deaborrecimento dos ruídos, mas também porqueos equiparava com os sonoros gritos do cônjugeem momentos de penosas discussões. Conside-rava esses ruídos como uma repetição mascara-da daqueles gritos.

Em outro caso, um paciente dizia que “semeu dia é estressante, particularmente se pulouma refeição ou se como muito tarde, minhacabeça começa a doer. Ao final do dia, possosenti-la latejando”. A sensação dolorosa geradapor um mesmo estímulo estressante pode serinterpretada como um enorme sofrimento oupassar quase despercebida, dependendo doindivíduo, do ambiente, do momento, ou seja,não há relação direta entre a gravidade da lesãofísica e a experiência da dor. A dor é influencia-da por estímulos situacionais e pela experiênciaprévia. Como vimos, os estudos de psicofisiolo-gia puderam, desde Walter Cannon4, demons-trar os componentes fisiológicos de algumasemoções e o papel do SNA na produção daque-las reações. Harold Wolff estabeleceu correla-ções entre o stress consciente e alteraçõesfisiológicas, que se prolongadas podem provo-car mudança estrutural.

Richard Lazarus10 correlacionou a avaliaçãocognitiva de estímulos estressantes pelo indiví-duo como fator dominante na determinação damagnitude das respostas fisiológicas e emocionais.

A teoria cognitiva do stress relaciona-se so-mente sob emoções negativas acentuadas, comomedo, ansiedade, dúvida, depressão, inveja,ciúme etc., não levando em consideração emo-ções positivas, como alegria, amor. Embora oponto principal dessa discussão fique sob a psi-codinâmica da emoção do stress como umsubgrupo da emoção, a avaliação cognitiva mos-

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tra-se cada vez mais convincente para explicar ocomplexo intercâmbio entre cognição, emoçãoe motivação, no qual as emoções freqüente-mente perturbam ou interrompem a atividadecognitiva, a motivação influencia a avaliação deum prejuízo ou ameaça, que emoções contri-buem para o desenvolvimento e a formação damotivação e da cognição. O caminho teórico daatividade cognitiva para emoção como reação foipouco acentuado durante muitos anos na Psico-logia, ou seja, deixou-se de considerar um dosmais importantes fatores para a determinação daintensidade e da qualidade das respectivas rea-ções emocionais.

Portanto, a experiência de dor em determi-nado momento pode ser influenciada por fatoressituacionais relacionados com a motivação. Umrelato comum é de um jogador de tênis que, ten-do sofrido uma lesão no ombro durante o jogo,não se deu conta da dor a não ser no fim da par-tida. Experimentos realizados em um laboratóriopodem comprovar que a quantidade de dor sen-tida está relacionada com a quantia de dinheirorecebida para suportá-la¹¹.

Organismos capazes de aprender facilmen-te pela experiência têm vantagens adaptativassobre aqueles que não conseguem fazê-lo. O fa-tor que promove o aprendizado é o mesmo quepromove a sobrevivência. O componente afetivoda dor contribui tanto para o aprendizado ope-rante (instrumental) quanto para o condicionamen-to clássico (aprendizado por associação). Oaprendizado operante exige reforços, e reforçossão eventos acompanhados de emoções. O con-dicionamento clássico representa a formação deuma associação entre um evento normalmenteneutro e a emoção negativa associada com o iní-cio da dor. A memória dos eventos passados,assim como o aprendizado, depende intensamen-te da emoção e as memórias da experiência pas-sada tendem a moldar as expectativas sobre opresente e o futuro.

O aprendizado operante pode-se dar emqualquer ambiente onde os pacientes estejamativos e eventos-reforço ocorram. Um reforço éum evento que altera a probabilidade de queum comportamento venha a se repetir, ocorren-do logo em seguida um novo comportamento25.Eventos que criam sensações agradáveis funcio-nam como recompensas (reforços positivos);eventos que produzem sensações negativas sãopunições (ou seja, suprimem comportamentos).A natureza positiva ou negativa dos reforços eseu significado pessoal ocorrem na consciênciacomo sentimentos20.

O condicionamento pelo medo quase certa-mente ocorre em pacientes submetidos a repeti-dos tratamentos ou diagnósticos dolorosos. Podeexacerbar a dimensão afetiva da dor em casosnos quais pouca dor e intensa descarga afetivaforam associados. Além disso, podem ocorrerassociações entre o ambiente em torno do even-to doloroso e o processamento afetivo daqueleevento, de modo que o ambiente por si só pode-ria provocar alguns elementos da dimensão afe-tiva da dor.

A depressão é uma das dimensões afetivase importante fator de comorbidade com os qua-dros dolorosos. Sessenta por cento das pessoasdeprimidas relatam sintomas dolorosos e duasvezes mais condições dolorosas crônicas. Emestudos de familiares, pacientes com dor crônicatêm um número maior de parentes em primeirograu com depressão, mesmo em paciente semhistória pessoal de depressão. A depressão nãoé somente uma condição comórbida, mas intera-ge com a dor crônica, aumentando a morbidadee a mortalidade. Pacientes com dor crônica edeprimidos relatam maior intensidade dolorosa,menor capacidade de controle de sua vida, maioruso de estratégias passivas e evitação de enfren-tamento e mais comportamentos dolorosos. Adepressão deve ser prontamente tratada, e nãosimplesmente entendida como um resultado es-perado do sofrimento dos processos dolorosos¹.

A emoção associada à dor provavelmenteinfluencia a memória. Pesquisadores da memó-ria presumem que tanto mecanismos límbicosquanto não-límbicos contribuem para os proces-sos de memória7. O significado emocional con-trola pelo menos alguma, e talvez, a maior parteda formação da memória: existe evidência de queo cérebro preferencialmente armazena informa-ções que tenham fortes cargas emocionais³.Heath (1986)9 propôs que “o aprendizado e a me-mória estão enraizados no sentimento e na emo-ção” e identificou o hipocampo, a amígdalacortical média e o giro cingulado como áreas-cha-ve envolvidas nas emoções negativas9.

Em resumo, o componente emocional da dorrelaciona-se à adaptação e à sobrevivência aofacilitar o aprendizado, a memória e os proces-sos cognitivos relacionados. Ele fornece umaponte através da qual a dor pode influenciar o sta-tus psicológico do indivíduo e suas tendênciascomportamentais. O condicionamento inadverti-damente realizado pode causar ansiedade ante-cipatória ou exacerbar o desconforto emocionalde um evento doloroso.

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Em outras palavras, eventos que moldamcomportamentos são aqueles que são emocio-nalmente importantes. Eventos sem emoção nãotêm propriedades de reforço e, conseqüentemen-te, não podem contribuir para o aprendizadoadaptativo.

Na teoria da aprendizagem demonstram-sediferentes efeitos de reações à dor entre gruposétnicos e entre membros de família de tamanhosdiferentes8.

Como exemplo, as crianças de famílias mai-ores queixam-se mais de dor que as de famíliaspequenas, deduzindo-se que é preciso queixar-se mais para receber a atenção em uma famíliamaior².

Em diferentes etnias encontram-se reaçõesálgicas calcadas em parte na tradição de expres-sar-se mais abertamente ou não. Os italianos têmmenor tolerância à dor, pois o sofrimento é apro-vado culturalmente. Os judeus, além de menortolerância à dor, costumam gritar, ao crer que talatitude lhes sirva para algo.

Entre os anglo-saxões, a reação à dor é evi-tar queixar-se ou que sintam pena deles visandoa uma adaptação rápida.

Karen Horney enfatizou a influência socio-cultural no desenvolvimento de doenças psicos-somáticas. Thomas Holmes e Richard Rahepuderam relacionar a gravidade e a quantidadede eventos estressantes com a probabilidade deadoecimento. John Cassel mostrou como os fa-tores psicossociais poderiam servir de amortece-dores ou estressor na determinação davulnerabilidade à doença.

Adolph Meyer, através da teoria de sistemas,formulou a avaliação integrada de aspectos evo-lutivos, psicológicos, ambientais e biológicos dopaciente. Zigniew Lipowski¹² defendeu uma abor-dagem total (holística) na compreensão da doen-ça psicossomática, estudando a história passadae presente do paciente em seu contexto etológi-co e ecológico, e os fatores genéticos constituci-onais, somáticos e emocionais. George Engeldesenvolveu o conceito biopsicossocial.

Herbert Weiner defendeu o modelo integrati-vo para fenômenos psicossomáticos, destacan-do a necessidade do entendimento dessesprocessos nos níveis genético e molecular.

A expressão “medicina psicossomática” foiestabelecida por Helen Flanders Dunbar e, ape-sar dos problemas conceituais com o termo“psicossomática”, é uma área de investigação

científica voltada para a relação entre fatores psi-cossociais e fenômenos em geral, doenças es-pecíficas e sua patogênese, ou seja, dos múltiplosfatores que podem afetar o início, a exacerbaçãoe as conseqüências dos distúrbios físicos e men-tais. É também uma abordagem filosófica ao aten-dimento humanizado de uma pessoa, através dacompreensão do vínculo que se estabelece, en-fatizando a integração dos aspectos biopsicos-sociais no tratamento.

Com essa ampliação de conhecimentos so-bre o adoecer, podemos também observar a fre-qüência com que as manifestações de quadrosdolorosos ficam associados ao stress no traba-lho, especialmente em momentos de maior ten-são, como cortes, mudanças de cargo, nasformas de trabalhar, novas tecnologias, exces-so de trabalho, mudanças de chefia, chefia au-toritária, administração baseada no medo e naameaça.

Quanto maior for a pressão dentro do ambi-ente de trabalho, maiores serão as intercorrênciasna saúde das pessoas, afetando a produtividadedo indivíduo e da empresa.

Segundo França e Rodrigues5, as atitudesmais freqüentes diante da dor no trabalho são:procurar pelo serviço médico da empresa, auto-medicar-se, suportar a dor, lamentar-se, recorrera conhecidos e mudar de atividade.

A conceituação psicossomática em relaçãoa seu aspecto terapêutico não se limita ao mane-jo do paciente sob o ponto de vista da arte doprofissional de saúde nem muito menos à influ-ência poderosa de sua personalidade sobre opaciente injetando-lhe fé e confiança cegas oumágicas. Ao contrário, ela exige um conhecimentoespecífico e amplo dos fatores emocionais queintervêm em cada caso particular e também dosmecanismos fisiopatológicos através dos quaisos fatores emocionais intervêm nos processosmórbidos dolorosos, pois somente assim se po-derá coordenar inteligentemente a psicoterapia eas medidas biológicas. Um dos erros mais fre-qüentes no campo da terapêutica vem a ser acre-ditar que, uma vez estabelecida a etiologiaemocional de um caso clínico, o tratamento mé-dico torna-se desnecessário e o paciente deveser enviado para a psicoterapia, assim como, aocontrário, julgar que, pelo fato de o paciente apre-sentar problemas somáticos, o caso pertenceexclusivamente ao domínio do especialista mé-dico. O progresso da medicina e sobretudo aconceituação psicossomática consistem especi-ficamente na cooperação, cada vez mais estrei-

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ta, entre os vários profissionais de saúde para oestabelecimento do diagnóstico e a conseqüen-te orientação terapêutica.

O homem, por mais que tenha-se desenvol-vido em comparação com as outras espécies ani-mais, conseguido pensar, armazenar e memorizarconhecimentos e adquirido tamanha capacidadede adaptação ao meio, chegando a modificá-loem função de suas necessidades, não conseguefugir de sua essência e reagir de forma diferentedos princípios que delineiam sua vida. Em decor-rência, suas emoções influenciam todo e qual-quer fenômeno de seu desenvolvimento, servindomesmo como os impulsos propulsores que, se-gundo seus diversos matizes, situam o homemcomo ser criativo e responsável por seu destino esua história.

Portanto, com a evolução dos novos exames,engenharia genética, cirurgias, transplantes, no-vos antibióticos, antidepressivos, analgésicos etc.servirão para prolongar a vida, mas não para dar-lhe sentido e finalidade.

O médico que desejar servir a seus pacien-tes de forma mais completa não pode limitar seusobjetivos a um diagnóstico exato, baseado naavaliação objetiva de sinais e sintomas, seguidopela execução de algum plano terapêutico estan-dardizado. Ele deve dirigir-se intencionalmente à“pessoa” na qual a enfermidade ocorre. Umaabordagem completamente impessoal não é pos-sível em medicina, uma vez que o médico e opaciente reagem um ao outro como pessoas,queiram eles ou não.

Assim, como os fatores subjetivos não po-dem ser eliminados, eles devem ser reconhe-cidos e compreendidos e suas possibilidadesterapêuticas usadas em benefício do pacien-te. Esse é um outro modo de dizer que a rela-ção médico-paciente tem um papel definido, emuitas vezes crucial, no resultado do programaterapêutico.

O médico deve entender e orientar essa rela-ção, não apenas para ser mais eficiente e obter acura, mas também, a menos que seja conscienteda interação entre ele e seu paciente, porque elepode precipitar uma doença iatrogênica.

Além das possibilidades terapêuticas quebeneficiam o paciente, existem outros fatores im-portantes que dependem do próprio paciente, afim de evitar a dor física ou mental. O profissionalde saúde pode fazer com que o paciente apren-da a estimular e trabalhar esses itens.

Dr. Trevor Powell16 elenca estratégias vitaispara o indivíduo melhorar sua qualidade de vida.Uma delas é ser assertivo. A assertividade é umcomportamento ou modo de ser que ajuda oindivíduo a comunicar seus sentimentos comclareza. Ao ser assertivo, reafirmará sua auto-confiança mantendo o controle da própria vida.

Reprimir a raiva provoca ressentimentos etensões que corroem. Pode levar a problemas fí-sicos e emocionais como depressão, dores decabeça, úlceras gástricas etc. Sentir raiva é umamaneira natural e saudável de responder a ame-aças, dor, frustração e perda.

Definir objetivos direciona a vida, aumenta amotivação e melhora o desempenho. É importanteter um propósito, um papel, algo a alcançar; mes-mo o menor objetivo pode dar significado à vida.

Adiar compromissos muitas vezes pode seruma forma de encobrir o medo do fracasso, dosucesso, da rejeição ou falta de compromisso, oque acaba provocando ansiedade e stress.

O perfeccionismo, quando exagerado, é ou-tro fator estressante. A necessidade de fazer tudocerto muitas vezes acaba levando o indivíduo àfrustração constante, por não ficar satisfeito como resultado obtido, em função da exigência quetem consigo mesmo e com os outros.

Delegar significa realizar alguma coisa, ouatingir um objetivo, por meio do trabalho de ou-tras pessoas. Delegar significa dar aos outros aautoridade para que assumam responsabilidades,e não apenas passar para os outros as tarefasdesagradáveis.

Muitos problemas ligados ao stress resultamde pensamentos distorcidos. A maneira como apessoa pensa e a maneira como sente são es-treitamente ligadas. Sentimentos ou humores sãocriados pelo que ela pensa dos acontecimentos,e não pelos acontecimentos em si. Se interpretaum evento de forma positiva, fica contente, masquando tem pensamentos negativos pode sentir-se zangada, triste ou amedrontada.

O modo como a pessoa interpreta os even-tos se baseia em experiências anteriores de seupassado. Quando estamos estressados ou de-primidos, temos uma espécie de viés seletivo queaciona imagens e pensamentos negativos dopassado, afetando assim nossa percepção dopresente e do futuro.

O jeito de pensar afeta o humor. O principalfator que determina o humor é a maneira comose interpretam os acontecimentos. “Não existem

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coisas boas nem coisas ruins, pensar é que astorna assim” - W. Shakespeare.

Pensar de maneira rígida envolve o uso fre-qüente de palavras e expressões como “tenhoque”, “devo”, “preciso”, não posso”, “não devo”.Quanto mais diz para si mesma essas palavras,em seus pensamentos interiores, mais pressão estress a pessoa provoca em si própria. Quantomais “devo” e “preciso” ela carrega nos ombros,mais se sente frustrada, com raiva, arrependida,culpada e deprimida. Esse tipo de pensamentofreqüentemente tem origem na infância, represen-tando o condicionamento familiar.

“Escalonar as idéias” é um processo pelo qualo indivíduo identifica e expressa seus piores te-mores a respeito de determinada situação. Algu-mas dessas idéias e pensamentos podem serconscientes, outras não. Para se tomar consci-ência dessas outras idéias, a pessoa necessitaconhecer seus mecanismos de defesa inconsci-entes que se repetem de forma inadequada equebrar esse círculo vicioso. A maior parte daspessoas prefere não pensar a respeito das coi-sas que teme. O importante é extrair das profun-dezas da mente essa cadeia de pensamentosnegativos e distorcidos, para poder enfrentá-lose desafiá-los racionalmente de maneira clara.

Um relacionamento saudável e duradourodepende de uma boa comunicação. Esta se es-tabelece, com um fluxo natural, consistindo detrês habilidades essenciais: escutar o que o ou-tro está dizendo; expressar como se sente e o queestá pensando; e aceitar as opiniões e sentimen-tos do outro, mesmo que sejam diferentes dosseus. A qualidade da escuta afeta grandementea natureza da comunicação e sua compreensão.

O comportamento emburrado e mal-humo-rado quase sempre é adquirido na infância, tal-vez por causa de pais que evitavam expressar ospróprios sentimentos negativos e não permitiamque a criança demonstrasse abertamente suaraiva. As funções do mau humor são: punir a ou-tra pessoa, além de si mesma, sem conseguir oque se quer, proteger-se da dor e recuperar opoder.

Se a pessoa se mantém em forma, saudávele relaxada, está mais bem preparada emocionale fisicamente para lidar com os fatores estressan-tes do dia-a-dia. Todos precisamos olhar por nósmesmos. Isso significa relaxar, fazer exercícios,alimentar-se de modo saudável, divertir-se, envol-ver-se em atividades interessantes, fazer pausas,estar com a família e os amigos e manter um equi-líbrio entre lazer e trabalho.

A palavra “egoísta” tem uma conotação ne-gativa para a maioria das pessoas. Mas, antesde poder dar aos outros o que precisam, é impor-tante que, primeiro, o indivíduo seja capaz de olharpor si mesmo. Algumas pessoas acham isso difí-cil e se sentem culpadas em virtude de uma cren-ça subliminar de que cuidar de si mesmo é errado,é auto-indulgência. Como conseqüência, elasfreqüentemente se tornam descuidadas consigomesmas, despendendo quase todo o tempo comas necessidades e os desejos dos outros. So-brecarregar-se dessa maneira possibilita que oressentimento cresça, criando stress, que podeeventualmente se traduzir em raiva ou depressão,além de fazer com que os outros se sintam cul-pados. Essa pode ser uma maneira manipulado-ra e não declarada de punir as pessoas e danificarrelacionamentos em longo prazo. Com freqüên-cia, esse estilo de comportamento é aprendidocom a família ou é resultado de baixa auto-estimae pouca auto-realização. Mensagens dos paiscomo “Coloque sempre os outros em primeirolugar” e “Não seja egoísta” instilam na criança umaatitude não-assertiva com relação aos cuidadosconsigo mesma.

Quando uma pessoa está estressada, seucorpo entra num estado de grande alerta físico eos sintomas produzidos da chamada resposta deluta ou fuga produzem mais preocupação, que,por sua vez, produz mais tensão, criando um cír-culo vicioso. Pesquisas mostram que o treino derelaxamento reduz os sintomas de ansiedade ede stress e diminuem a incidência de afecções.O padrão de respiração reflete o estado psíquicoe emocional.

Uma dieta equilibrada pode levantar o humor,melhorar a forma física, fornecer mais energia,favorecer a circulação, desenvolver músculos,evitar doenças, fortalecer o sistema imunológicoe tornar a pessoa mais bem equipada para en-frentar as tensões da vida.

Quando a pessoa não tem hobbies ou inte-resses que representam desafios, tende a ficarestressada, deprimida e entediada. Se não tomarcuidado, pode entrar num círculo vicioso no qual,quanto menos faz, mais infeliz se sente e, à me-dida que se sente mais e mais infeliz, menos dis-posta se mostra a se arriscar em novas atividades.Uma grande rede de amizades é uma das me-lhores defesas contra o stress.

A psicologia evoluiu muito desde que Sig-mund Freud começou a investigar os segredosdo passado das pessoas. Compreendemos muitomelhor as angústias emocionais que nós mes-

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mos criamos. Os ingredientes do stress e da másaúde mental são uma combinação dos eventosda vida com a incapacidade de lidar com as exi-gências. A maior parte das pessoas que sofre destress ou tem problemas emocionais não estádoente do ponto de vista da medicina. O queacontece é que essas pessoas incorporaram pa-drões de comportamento autodestrutivos e es-tratégias vitais ineficazes. Da mesma maneiraque aprendemos a pensar e agir de modo a pro-vocar stress, podemos reeducar-nos e aprendernovos comportamentos e modos de pensar. Cer-tas maneiras de pensar e agir levam a uma boasaúde mental e à realização pessoal, da mesmaforma que outras predispõem ao stress e à infeli-cidade.

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12CAPÍTULO

A Relação Stress-Dor e oUso do Relaxamento como

Terapêutica Coadjuvante

MARILDA EMMANUEL NOVAES LIPP

A sociedade atual tem como um dos seusprincipais objetivos melhorar ou manter a quali-dade de vida do ser humano. Tal objetivo envol-ve, entre outras funções, desenvolver métodos deintervenção que possibilitem às pessoas lidar comsintomas muitas vezes debilitantes de patologiasque requerem uma terapêutica clínica específica.Tanto o stress como a dor estão entre os fatoresque mais afligem, debilitam e incapacitam o serhumano para o exercício do trabalho, para o viverde qualidade e o usufruto da felicidade. A dor,como sintoma secundário de várias doenças, ador que não responde à medicação, que impedeo funcionamento normal do indivíduo, que pro-duz medo e angústia1 torna-se uma das áreas demaior atenção da Psicologia da Saúde, do mes-mo modo como o stress emocional permanecetambém como um dos pontos fundamentais daspreocupações da atualidade2.

Há que se atentar para o fato de que muitasvezes os dois fenômenos (dor e stress) estão in-trinsecamente ligados. Existem dois modos es-pecíficos de associação entre dor e stress: o stresscomo conseqüência da dor e o stress como fatordesencadeante ou contribuinte para a etiologiada dor crônica.

No que se refere ao primeiro aspecto, não hádúvida de que uma das fontes de tensão e stresspode ser a sensação de dor, seja ela aguda, seja

ela difusa ou crônica. Por exemplo, já em 1979,estudos demonstraram que a dor experienciadapor pacientes sujeitos a intervenções aversivaspodia ser reduzida através de um procedimentoem que as sensações a serem esperadas e osprocedimentos a serem implementados eram ex-plicados ao paciente3. Nesse caso, reduzindo-seo stress, houve uma redução da dor. A relaçãoinversa foi também analisada, verificando-se que,quando há uma redução da dor, pode haver tam-bém uma redução do stress pós-cirúrgico4.

Quanto à segunda possibilidade, ou seja, ostress como fator desencadeante ou contribuintepara a etiologia da dor crônica, a literatura não étão conclusiva, não havendo comprovação expe-rimental de que o stress pode levar ao apareci-mento de dor. Porém, embora a literatura nãomostre uma relação específica causal entre stresse desenvolvimento da dor, inúmeros casos clíni-cos relatam que o stress parece ser capaz de de-sencadear dor em indivíduos com certascaracterísticas de personalidade ou modos es-pecíficos de reagirem a fatores estressantes. Ahipersensibilidade do sistema límbico propostapor Everly5 como sendo responsável por umamaior vulnerabilidade ao stress emocional talvezcontribua para a etiologia da dor crônica atravésdo sistema cognitivo/emocional e seu processa-mento no sistema límbico, envolvendo as amíg-

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dalas e o hipocampo. Cada evento mental pro-duz um correspondente químico no cérebro e,assim sendo, as emoções são capazes de pro-duzir reações psicofisiológicas marcantes.

A relação stress-dor, em pessoas predispo-nentes, necessita de maiores averiguações, poisdo ponto de vista fisiológico essa relação podeocorrer devido ao fato de tanto o stress quantoa dor terem mecanismos endócrinos e neuraisque, até certo ponto, se assemelham, como, porexemplo, a ativação do eixo hipotálamo-hipófi-se-adrenal e do sistema simpático. Comparti-lhando caminhos e sofrendo a ação de múltiplosfeedbacks e medidas de auto-regulação, a pos-sibilidade de uma associação entre esses doisfenômenos se desenvolver deve ser analisada6.

O stress, através de seus mecanismos deauto-regulação, é capaz de provocar alteraçõestissulares, bioquímicas e imunológicas capazesde intensificar a dor já existente. Um provávelmecanismo por meio do qual o stress poderiaestar presente como um dos fatores etiológicosem alguns casos de dor seria a tensão muscularexagerada que ocorre durante a reação de stress.A relação funcional entre excesso de tensão emanifestações psicofisiológicas já foi documen-tada há anos por Jacobson7 e enfatizada porMCGuigan8. O modelo de relação funcional entrea musculatura esquelética e os outros sistemasorgânicos prevê que, à medida que a tensão au-menta, a atividade do sistema nervoso centralaumenta também. Além disso, ocorre uma acele-ração de várias funções autônomas que podemse cronificar e se tornar patológicas. Uma possí-vel medida terapêutica é utilizar o relaxamentopara que os músculos relaxem, o que alivia osespasmos e a dor. McGuigan e cols.9 sugeremque, considerando o fato de os processos cogni-tivos serem gerados pela interação de vários con-juntos de músculos estriados e regiões cerebraisespecificas, então, o controle de cognições po-deria ser facilitado por meio da manipulação devários circuitos neuromusculares pelo uso progra-mado do relaxamento.

Compas e cols.10 pesquisaram a evidênciaempírica a favor de vários tratamentos dentro daPsicologia da Saúde que objetivaram, dentre ou-tras metas, o desenvolvimento do manejo da dorcrônica. Os procedimentos mais mencionados naliteratura se enquadram em: terapia comporta-mental radical, terapia cognitivo-comportamental,terapia psicodinâmica, hipnose e biofeedback. Astrês modalidades que se mostram mais eficazesna redução da dor foram: a comportamental, a

cognitivo-comportamental e o biofeedback, e amaior parte dos trabalhos pesquisados, emboramuitas vezes fazendo uso de procedimentosmúltiplos, utilizou também algum tipo de relaxa-mento. Em geral, uma combinação de relaxamen-to muscular progressivo acompanhado derelaxamento mental através de imagens tem sidoutilizada.

Como a dor não só é um fator incapacitantepara o indivíduo que a tem, mas como ela acarre-ta prejuízos para a sociedade em geral, em ter-mos de absenteísmo, queda de produtividade ecustos médicos, o interesse no seu controle ad-quire uma dimensão que transcende o pessoal ealcança o âmbito da sociedade como um todo.Desse modo, todo o esforço destinado à desco-berta de tratamentos que sejam genuinamenteeficazes para a sua redução ou controle adquireinteresse científico e clínico. Embora seja muitodifícil quantificar melhora em termos de dor, es-pecialmente devido às enormes dificuldades demensuração, é fato hoje conhecido que algunstratamentos psicológicos são eficazes e como orelaxamento aparece na maioria dos procedimen-tos bem-sucedidos; é necessário analisar a ra-zão desta eficácia.

BASE NEUROFISIOLÓGICA DO USO DORELAXAMENTO COMO TERAPIACOADJUVANTE DO STRESS E DA DOR

Para que possa haver um consenso sobre seo relaxamento, em suas várias modalidades, deveou pode ser utilizado na terapêutica da dor, im-portante se torna entender um pouco da baseneuropsicofisiológica da dor e do relaxamento.Como outros capítulos deste livro cobriram emdetalhes definições e explicações do percursoestímulo-ativação talâmico-cortical-percepção dedor, o presente capítulo irá cobrir somente algunsaspectos que se referem ao caminho de ação dador e do relaxamento, sendo fundamental que secombinem as duas áreas de conhecimento paraque uma compreensão profunda seja atingida.

OS CAMINHOS DA DOR

A título de recapitulação, e de modo muitosimplificado, que visa facilitar a análise da impor-tância do relaxamento como medida antiálgica,pode-se lembrar que a dor é parte de um sistemade alerta que visa naturalmente à proteção da so-brevivência do organismo, porém, quando ela setorna crônica, sua existência perde essa função.

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A dor é uma experiência multifacetada que incluia percepção sensorial e emocional de valor ne-gativo associada a uma ameaça de dano à in-tegridade tecidual do organismo, real ou não;portanto, a dor é uma sensopercepção.

Receptores nociceptivos, que são termina-ções nervosas livres presentes na superfície detoda a pele, reagem indiscriminadamente aosestímulos químicos, mecânicos ou térmicos, deintensidade desagradável, e encaminham impul-sos elétricos. As fibras nervosas mediam a co-municação entre o local onde o estímulo atua e amedula espinhal, por onde as fibras nervosascondutoras da dor passam. Da medula espinhal,essas fibras sobem através do feixe espinotalâ-mico em direção ao primeiro centro receptor dador, o tálamo. Até chegar ao tálamo, a respostada dor é simplesmente física, pois, ao chegar aele, a informação ainda não sofreu interpretaçãoemocional.

Existem pessoas que sofrem de hipertimia,ou seja, um estado patognomônico de excitaçãoorgânica que pode ser definido como uma hiper-sensibilidade neurológica5. Essas pessoas natu-ralmente estão sujeitas a experimentar todas assensações neurológicas de modo mais intenso,mesmo que não haja uma interpretação emocio-nal negativa.

A partir do tálamo, os impulsos são levadospelas fibras nervosas ao córtex. É no córtex queos impulsos são integrados e interpretados deacordo com a codificação que o sistema límbi-co lhes dá com base em experiência passada.A partir do momento em que o impulso chegaao córtex é que a psicologia da dor se inicia. Osistema límbico media a dor e a reação ao estí-mulo recebido à medida que ele o interpreta efornece informações quanto a sua seriedade esignificado.

Necessariamente, a reação a estímulos do-lorosos varia em magnitude de acordo com apercepção do seu significado que é fornecida pelosistema límbico. A hipertimia, ou hipersensibilida-de neurológica, quando existente, aliada à inter-pretação emocional gerada pela história de vidada pessoa, poderia explicar, provavelmente, a di-ferença entre as pessoas quanto à percepçãoe avaliação da dor.

Assim sendo, a reação da dor envolve com-ponentes fisiológicos e emocionais que resultamda percepção e da interpretação de eventos do-lorosos. A percepção da dor é basicamente fisio-lógica, mas a reação à dor é fisiopsicológica. Aresposta à dor tem, portanto, face dupla repre-

sentada pela percepção do estímulo nocivo e pelareação a ele. Esta resposta envolve o limiar fisio-lógico e o limiar de tolerância à dor. O primeiropode ser definido como o ponto de percepçãode um evento como doloroso, enquanto o segun-do se refere ao ponto em que o organismo nãoconsegue mais tolerar a dor. A percepção da doré basicamente fisiológica, mas, embora o limiarfisiológico, ou seja, o de sensação de dor, sejamais uniforme entre os indivíduos, ele pode vari-ar de pessoa para pessoa e de situação para si-tuação. O limiar de tolerância varia com muitomaior latitude do que o fisiológico, e é diretamen-te influenciado pela cultura, pela raça, pela idade,pelo sexo, pelas características da personalida-de, pelo nível de ansiedade e pela história de vidada pessoa. A dor, portanto, é mais do que a trans-missão nervosa de impulsos aversivos, ela é oresultado da interação estímulo doloroso e indi-víduo.

Uma das variáveis que mais afetam a me-diação da dor pela pessoa é o nível de ansie-dade presente, e, como há anos as pesquisasindicam que o nível de ansiedade pode ser re-duzido por meio do relaxamento11, deduz-seque o treino em relaxamento, seja mental, sejafísico, possa constituir-se em um elemento deauxílio na redução da dor ou no aumento dolimiar de tolerância da mesma. É importanteverificar como o relaxamento atua no organis-mo no nível de atividade neuropsicofisiológicade modo que não só ele poderá reduzir o nível deansiedade presente, mas também reduzir a exci-tabilidade patognomônica característica da pes-soa em determinados momentos.

OS CAMINHOS DO RELAXAMENTO

Muitos autores12,13 têm postulado a utilidadeda indução da resposta de relaxamento comotécnica coadjuvante no tratamento de várias do-enças psicológicas e somáticas. Por “resposta derelaxamento” está-se designando um estado psi-cofisiológico de hipoexcitação que pode ser pro-duzido por uma série de técnicas, tais comomeditação, respiração profunda, biofeedback,relaxamento muscular, música etc.

A resposta de relaxamento se constitui emum esforço geral para diminuir a excitabilidade deum organismo, pois o relaxamento produz umaredução da descarga hipotalâmica-cortical e pro-duz um estado de hipoexcitabilidade. Além dis-so, o relaxamento diminui a excitabilidade dosistema nervoso central e produz uma dessensi-

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bilização do sistema límbico. É, portanto, devidoa esta forma de atuação que o relaxamento pas-sa a ser uma técnica ideal para uso com aquelespacientes que exibem um estado patognomôni-co de excitação orgânica ou hipersensibilidadeneurológica que reagem a estímulos de modoexcessivo. Não só o relaxamento atua no nível fí-sico, mas também suas ações têm sido compro-vadas na redução de estados emocionaisnegativos.

Em vários contextos a eficácia do relaxamen-to tem sido comprovada por pesquisas realiza-das há anos. Por exemplo, foi demonstrado queo treino do relaxamento auxilia a pressão arteriala voltar mais rapidamente ao normal após mo-mentos de grande stress e que, após dez sema-nas de treino de relaxamento, há uma reduçãosignificativa na reatividade psicofisiológica14. Foiverificado adicionalmente15 que pessoas que sesubmeteram a treino de meditação se recupera-ram mais rapidamente de situações estressantesdo que outras que não tiveram tal treino. Não sóna área física, mas também na mental, o relaxa-mento produz mudanças, tais como a sensaçãode calma mental, de estar em controle da situa-ção e de auto-eficácia. Há também evidênciaquanto à adequação do uso de relaxamento nocontrole da dor16,17.

RELAXAMENTO, STRESS E DOR

Algumas pessoas possuem uma hipersensi-bilidade neurológica do sistema límbico que seconfigura em um estado patognomônico de exci-tação excessiva do circuito límbico ou de seuseixos neuroendócrinos. Tal hipersensibilidade dáorigem a um limiar de excitação baixo. Como ainterpretação de estímulos dolorosos é realizadapelo sistema límbico, esta hipersensibilidade écapaz de dar origem à reação exacerbada destress e de dor.

A dor intensa constitui um distúrbio de exci-tação, e como o relaxamento produz uma condi-ção antagônica, que faz com que o organismoexperiencie um estado de maior quietude, o usodo relaxamento se torna uma prática lógica nomanejo da dor intensa. Adicionalmente, o estadotemporária de hipoexcitação gerado pelo relaxa-mento dá ao indivíduo que sofre a dor tempo eoportunidade para readquirir a homeostase ne-cessária à vida.

Nesta linha de raciocínio, deduz-se que qual-quer intervenção terapêutica direcionada para ador deve objetivar dessensibilizar a pessoa neu-

rologicamente e reduzir a atividade global dentrodo circuito límbico. Tal pode ser realizado por meioda redução da responsividade adrenérgica, exci-tação neuromuscular e redução da excitação cog-nitiva. A resposta de relaxamento preenche taisnecessidades, pois reduz a excitabilidade neuro-lógica através da diminuição da descarga hipo-talâmica-cortical e produz um estado dehipoexcitabilidade.

CUIDADOS ESPECIAIS NO USO DERELAXAMENTO NO CONTROLE DA DOR

Embora o relaxamento muscular progressivocombinado com o relaxamento mental tenha sidoindicado como uma das técnicas úteis para ocontrole da dor, necessário se torna lembrar al-gumas precauções no seu uso com pacientesque tenham algumas características específicas.Sua utilização deve ser feita levando em consi-deração esses aspectos, pois o seu uso indis-criminado pode gerar alguns efeitos colateraisindesejáveis.

Luthe18 foi um dos primeiros a observar es-ses efeitos colaterais e a sugerir certas precau-ções no uso de relaxamento com pacientes comdiagnóstico de psicose, disfunções da tireóide eparanóia. Despersonalizado é um fenômeno quetambém tem sido identificado no uso clínico des-te procedimento. Os efeitos negativos parecemocorrer em cerca de 1% das pessoas. Como aincidência é pequena e os efeitos positivos dorelaxamento têm sido amplamente comprovados,as dificuldades que às vezes ocorrem devem serconsideradas no contexto dos efeitos positivos.As áreas de maior incidência de problemas são13:

Na Perda de Contato com a Realidade

Quando se trata de pacientes psicóticos oupessoas que fantasiam excessivamente a utiliza-ção de relaxamento mental é contra-indicada.Pode-se, no entanto, fazer uso do relaxamentofísico ou de técnicas de biofeedback.

Nas interações farmacológicas, o relaxamen-to potencializa os efeitos de vários fármacos, taiscomo insulina, drogas hipotensoras e sedativos,de modo que o médico deve ser avisado do cus-to do relaxamento.

Nos Estados de Pânico

Pacientes com medo de perda do controlenão devem ser submetidos a procedimentos que

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envolvam relaxamento mental abstrato. Para es-ses pacientes um relaxamento mais dirigido e maiscentrado na tensão muscular é mais indicado.

Na Liberação de Idéias Extremamente

Penosas ou Ameaçadoras

Há situações em que a resposta do relaxa-mento leva a pessoa a liberar emoções e pensa-mentos que estavam reprimidos, de modo que oterapeuta deve estar preparado para lidar comeste tipo de problema, se ocorrer durante umasessão de relaxamento.

Na Hipoexcitação Excessiva

Nestes casos, incluem-se situações dequeda de pressão arterial, hipoglicemia agu-da e fadiga.

O estudo dos possíveis efeitos negativos dorelaxamento é importante, pois se trata de umatécnica poderosa que pode auxiliar de modo sig-nificativo no tratamento da dor. Quando as caute-las necessárias são tomadas, o relaxamento podeser conduzido de modo seguro e benéfico parao paciente com dor. Mas, mesmo assim, deve-se reconhecer que não há um tipo único de rela-xamento que seja bom e eficaz para todas aspessoas. Há que se levar em consideração ascaracterísticas de cada pessoa a fim de se as-segurar o sucesso em sua utilização. No fimdeste capitulo, incluíram-se dois roteiros de re-laxamento que temos utilizado na terapia de pa-cientes com dor.

RELAXAMENTO PARA ALIVIAR A DOR20

Este exercício é indicado a pessoas que so-frem de dores e têm como objetivo aliviar tanto ocorpo dos sintomas de tensão como também pro-porcionar um alívio mental ou bem-estar emocio-nal que em muito contribuirá para o alívio da dor.

Neste tipo de exercícios é importante focali-zar as funções físicas e, principalmente, as fun-ções mentais. É importante que durante osexercícios de relaxamento a pessoa se concen-tre na parte ou região do corpo que a incomoda.Para iniciar o exercício, deve-se colocar o pacien-te em um lugar tranqüilo, sem barulho, com lumi-nosidade suave, certificando-se de que nãohaverá interrupções. Pode-se optar por uma mú-sica de fundo, desde que em ritmo constante,

quase monótono. A posição do corpo é impor-tante para se alcançar bons resultados. O paci-ente deve sentar-se numa poltrona ou deitar-se.Mas deve-se verificar se a posição escolhida estádeixando o corpo livre de tensões. As roupas de-vem estar folgadas e os olhos fechados. A mentedeve permanecer em uma atitude de aceitação,sem expectativas para aceitar o que vai ocorrer.

Relaxamento (roteiro do que é dito aopaciente)

A respiração é fundamental ao relaxamento.Ela ajuda as pessoas que buscam a cura. Des-sa forma, conscientize-se da respiração... Façauma inspiração concentrando-se, imagine o arentrando pelas narinas, passando pela gargan-ta, indo para os pulmões, passando por todoo seu corpo... Entrando na sua circulação...Passando por todos os seus órgãos... Faça umintervalo pensado, consciente, agora uma ex-piração pensada; ao expirar, trabalhe seus es-tados emocionais negativos como a raiva, atristeza e os medos. Não bloqueie as emoções;quando isso ocorre elas se manifestam no cor-po acarretando a tensão.

Portanto, imagine-se expulsando-as atravésda expiração, depois faça uma pausa respirató-ria pensada, e novamente a inspiração.

Continue assim, sucessivamente. A respira-ção é abdominal, rítmica, com o tempo de inspi-ração o mais parecido possível com o tempo deexpiração.

Neste momento vamos passar para os exer-cícios de relaxamento muscular...

Você vai relaxar cada parte do seu corpo...Pense no seu braço direito... Feche a sua

mão fortemente sentindo a contração. Sinta atensão no seu braço. Permaneça assim por al-gum tempo. Agora solte o braço ao mesmo tem-po em que abre a mão e sinta a descontração,faça isso lentamente... Repita agora o mesmoexercício com o braço esquerdo. Repita três ve-zes com cada braço.

A relaxação das pernas é feita executandouma flexão da planta dos pés e dos dedos, for-çando com os dedos. Solte relaxando e sinta adescontração. Repita o exercício três vezes comcada perna.

Os ombros. Levante o ombro direito como sequisesse encostá-lo na orelha. Force bastante.Solte, sentindo a descontração. Repita com oombro esquerdo.

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Passe agora para o seu rosto, contraia os lá-bios fortemente um contra o outro, feche os olhos,aperte, imite um sorriso bem forçado. Sinta todosos músculos do seu rosto se contraírem e soltelentamente. Permaneça com os olhos fechados,os dentes afastados, lábios semi-abertos.

De agora em diante não pense em nada, res-pire bem calmamente, sinta o ar limpando e revi-gorando todo o seu corpo... sinta seu corpopesado. Pense no seu abdômen, nas coxas, nospés, nos dedos, nas suas juntas. Pense em todoo seu corpo. Nos seus órgãos, coração, pulmões,estômago, intestinos, no seu cérebro... Sinta-setodo relaxado.

Permaneça com os olhos fechados e deixeque sua atenção se focalize suavemente na res-piração. Sem forçar, mantenha tudo leve e cal-mo. Mantenha a sua atenção na sua respiração enão nos pensamentos.

Atentamente agora vamos percorrer todo ocorpo com suavidade. Inicie com o couro cabe-ludo, observe se tem sinais de tensão e com cal-ma deixe que ela se vá.

Siga agora sua atenção pela testa, sobran-celhas, olhos, lábios, maxilar, pescoço, costas,ombros, braços, mãos, peito, abdômen, pernas,e assim por diante, até os dedos dos pés. Fiqueatento aos sinais de tensão e solte-a lentamente,sem pressa...

Procure visualizar seu corpo leve, funcionan-do em harmonia, sem sinais de tensão.

Neste momento com a mente relaxada, visu-alize o que lhe dá calma, paz e serenidade. Ima-gine seu coração batendo lentamente, suarespiração leve, mas plena, sua circulação sua-ve, o sangue percorrendo todo o seu corpo, seuestômago descontraído, a garganta fresca. Sintaa respiração suave a energizar seu corpo. Penseem todo o seu corpo, nos músculos, nas juntas,no intestino, no fígado, nos rins...

Pense em todo o seu corpo... E diga suave-mente RELAXE... Sinta-se leve.. Sinta o seu cor-po leve...

Use agora a sua imaginação e visualize aparte de seu corpo que lhe causa desconforto oucausa dor ou aquela que é a responsável peloseu problema de saúde. Concentre-se nesta par-te do seu corpo e imagine-a completamente rela-xada, solte a região em volta dessa parte, relaxee imagine-a funcionando em harmonia... Visuali-ze um feixe de luz azul muito claro, mas intenso,banhando essa parte do seu corpo... Uma luz comuma temperatura agradável... Essa luz penetra

todo o seu corpo internamente, provocando alí-vio e uma sensação plena de bem-estar...

Visualize, com a mente relaxada. Usando suaimaginação com uma visão interior... Visualizemuito verde à sua volta... Um lindo jardim comárvores, flores... Acaricie uma flor... Visualize ocanteiro de flores amarelas e sinta a cor amarelainvadir e ocupar toda a sua mente... Agora visua-lize um canteiro de flores violeta e deixe penetraro violeta na sua mente... Caminhe com os pésdescalços sobre a grama verde e fofa do jardim,descarregando a energia na terra... sinta o fres-cor da grama nos pés... Olhe para cima e veja océu... Azul... Deixe esse azul penetrar em suamente e preencher todo o seu corpo de azul...Sinta o ar passando pelo seu rosto... A luz do solsuavemente acariciando seu corpo e seu rosto...As folhas e flores balançando lentamente... Ouçao som dos pássaros... Sinta-se em perfeita har-monia com seu mundo interno... Sinta calma...Sinta que todo o seu corpo trabalha em perfeitaharmonia... Traga a sua mente a sensação de sesentir uma pessoa saudável, feliz... Imagine umacena do passado em que você achou muita gra-ça e torne-a o mais presente possível... Imagine-se rindo muito... Muito...

Agora repita mentalmente, pausadamente...“Eu estou me sentindo bem”, “Minha saúde estácada vez melhor”, “Meu corpo está saudável”.Visualize a palavra — SAUDÁVEL — imagine queexiste à sua frente uma tela enorme toda branca.Deixe essa imagem tomar conta da sua mente.Agora imagine-se escrevendo bem grande emletras coloridas a palavra — SAUDÁVEL — à me-dida que for escrevendo, sinta-se leve e relaxa-da... Feliz e segura..

Deixe que essa palavra tome conta de toda asua mente... Permaneça assim pelo maior tempopossível...

Depois, lentamente, comece a pensar nolocal onde você se encontra e a pensar em vol-tar para ele. Faça isso demoradamente... Co-mece a movimentar lentamente as mãos, ospés, gire a cabeça lentamente de um lado parao outro.... Vire-se de lado e encolha as pernas...Abra os olhos lentamente e permaneça por maisum tempo nessa posição até se acostumar como local...

Volte para o ambiente onde você está com apalavra SAUDÁVEL ocupando toda a sua mente.

Espreguice bastante, como se fosse um gatoe levante-se, alongue-se com a sensação de bem-estar presente. No seu corpo e na mente.

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OUTRO TIPO DE RELAXAMENTO

(ROTEIRO DO QUE É DITO AO PACIENTE)

Exercícios autógenos que combinam respi-ração, repetição de frases tranqüilizantes e ima-gens de peso e calor ajudam a reduzir aintensidade da dor. Este exercício faz uso de vi-sualização e autogenia e leva ao auto-equilíbrioatravés de imagens mentais e auto-sugestões.

I. Esquentando as mãos e os pés

• Sente-se confortavelmente com as mãos nocolo, ombros soltos e olhos fechados eadote uma atitude passiva de receptivida-de. Tente imaginar tudo o que está no ro-teiro tão vividamente quanto possível.Lembre-se de que você pode decorar o ro-teiro, pedir que alguém o leia para você ougravá-lo para usar quando necessário.

• Respire profundamente pelo nariz, enquan-to conta até 5, e expire vagarosamente pelaboca, contando até 8. Repita mais uma vez.Enquanto expira, imagine que a dor estásaindo do seu corpo...

• Imagine que seus pés e suas mãos estãoficando quentes. Diga para si mesmo: “Mi-nhas mãos e pés estão esquentando.” Re-pita esta mensagem três vezes.

• Veja em sua mente seus pés e mãos envol-tos em um cobertor bem quentinho. Sinta oprazer de estar com os pés e mãos bemenrolados... Diga para si mesmo mais trêsvezes: “Meus pés e mãos estão ficando bemquentes e relaxados...” Imagine bem vivida-mente o cobertor envolvendo você... Pense“estou confortável e relaxado”...

• Sinta o calor se espalhar pelo seu braço demodo muito relaxante; é um calor prazero-so que tranqüiliza e acalma. Faz lembrar demomentos de conforto e de proteção quan-do nada afetava você. Relaxe...

• Uma sensação de paz e calma está come-çando a ocorrer...

• Repita para si mesmo: “Meus pés e mãosestão esquentando... eu estou me sentindoconfortável... protegido... tranqüilo...” “Minhador está diminuindo... minha dor está indoembora...” “Estou sentindo tranqüilidade”.

• Sinta o calor se espalhar agradavelmentepelo seu corpo e pense: “Estou bem... mi-nha dor está suportável... posso adminis-trá-la bem... Não vou mais ficar ansioso se

já tomei as providências que podia... Estoutranqüilo...”

• Quando eu abrir meus olhos, vou continuara me sentir bem, sabendo que estou cal-mo, a dor ou foi embora ou está suportável.Sei lidar com isto...

• Abra os olhos e continue a se sentir calmo,tranqüilo e bem disposto. Não se esqueçade verificar e tratar a causa da dor.

CONCLUSÃO

O stress pode surgir como uma resposta àdor, sendo, portanto, neste caso, uma conse-qüência da mesma ou pode também contribuir,juntamente com inúmeros outros fatores, para odesenvolvimento e exacerbação da mesma. Aação auto-regulatória do stress que acarreta umnúmero grande de transformações no organismo,sejam elas imunológicas, sejam de base tecidu-al, parece estar intimamente ligada a um padrãode resposta sensorial, afetiva, cognitiva e com-portamental envolvida na experiência da dor19.Como o stress emocional é acompanhado da es-timulação dos músculos estriados, que, uma veztensionados, contribuem para a sensação dolo-rosa, o relaxamento promete ser um procedimentocoadjuvante útil na terapêutica não só do stress,mas também da dor.

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13CAPÍTULO

Hipnose e Dor

GILDO ANGELOTTI

JOÃO AUGUSTO BERTUOL FIGUEIRÓ

CONSIDERAÇÕES BÁSICAS:

DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

A dor, uma experiência física e emocionaldesagradável, sempre foi vista como parte inte-grante da nossa sobrevivência. Ela nos acompa-nha desde nossas origens, através de escritosem papiros, cavernas, pinturas ou até mesmo emfósseis.

A busca pelo tratamento unia rituais religio-sos, magias, plantas medicinais, massagens e aimportância que era dada em cada cultura. Civili-zações antigas como o Egito, a Índia e a Chinapossuíam seus próprios curadores ou xamãs.

O xamã mais conhecido no início do séculoXVII era o médico austríaco Franz Anton Mesmer,que buscava soluções para curar doenças semexplicações plausíveis nos diversos tratamentospropostos pela medicina tradicional. Ocupou-sede experiências utilizando-se do magneto, visan-do estabelecer a relação do fluido magnético comcorpos celestes.

Em 1784, a “Comissão da Sociedade Realde Medicina e da Academia de Ciências” demons-trou, através de estudos realizados em conjuntocom os cientistas mais renomados da época, ainexistência do magnetismo. Os resultados en-contrados pela Comissão foram divulgados àsclasses interessadas, através do relato de que a

“cura” nada mais era do que resultados das con-seqüências da imaginação do doente. Mesmocom a queda do mesmerismo, a hipnose conti-nuou sendo empregada, não somente na buscade cura, mas em espetáculos artísticos.

A técnica de Mesmer foi reutilizada pelo cirur-gião escocês James Esdaile, no século seguinte,na Índia, fazendo pequenas e grandes cirurgiassob o sono mesmérico.

James Braid se opôs ao fluido magnético deMesmer, criticando os fenômenos mesméricos,caracterizando-os nada mais do que um estadodecorrente de fadiga sensorial, acarretando alte-rações neurofisiológicas. Mais tarde teve seu tra-balho reconhecido como neuro-hipnotismo.

Um século se passou e, por volta da décadade 1950, as Associações Médicas Britânica eNorte-americana escreveram relatórios inquesti-onáveis sobre a importância da hipnose no trata-mento de doenças psicossomáticas, provandosua capacidade na remoção da sintomatologia,alteração de hábitos inadequados expressos atra-vés do pensamento e do comportamento. Napublicação da Associação Médica Britânica, ahipnose foi considerada um adjunto terapêuticovaliosíssimo, nos mais variados procedimentosmédicos e odontológicos.

Os achados sobre o uso da hipnose em ci-rurgias, como método na produção de analge-

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sia/anestesia, surgem com as publicações deCloquet, por volta de 1829, em uma amputaçãode mama sob sono mesmérico. Há várias alega-ções quanto às primeiras aplicações da hipnoseem cirurgias, apresentando efeitos analgésicos.

Em 1996 Holroyd destacou-se pela amplarevisão que fez entre os aspectos moduladoresda dor por meio da técnica de hipnose. O méritonesta revisão se dá na explicação sobre as alte-rações nos padrões de excitação e de inibiçãodo cérebro, demonstrando que a hipnose tantoamplifica quanto diminui a resposta cortical sub-seqüente a um estímulo sensorial, dependendoda sugestão anterior à conscientização.

Atualmente, tem-se estudado uma amplagama de procedimentos hipnóticos em diversascondições álgicas, tais como: câncer, queimadu-ras, procedimentos pré e pós-cirúrgicos e diver-sas condições dolorosas crônicas (neuralgia dotrigêmio, neuropatias periféricas, dor talâmica etc).

Pode-se concluir que a hipnose é apenas umatécnica auxiliar no tratamento da dor. Nos casosde dor aguda, provoca-se uma analgesia de for-ma rápida através do transe hipnótico, resultan-do num alívio imediato ao paciente, diminuindoseu sofrimento. Na dor crônica, uma simples anal-gesia não colabora com o estado atual do paci-ente, tornando-se necessário seu manejo atravésda hipnoterapia, visto que a técnica hipnótica ésomente uma das ferramentas necessárias noprocesso terapêutico, havendo a necessidade doenvolvimento de todos os fatores estabelecidosanteriores ao tratamento para tal procedimento2.

MECANISMOS DE AÇÃO HIPNÓTICA

Existe uma gama muito ampla sobre as váriasexplicações teóricas sobre os efeitos produzidospela hipnose.

Clasilneck e Hall (1985)5 fazem uma descri-ção detalhada destas teorias. Contudo, geralmen-te as teorias podem ser divididas em dois tipos:teorias do estado versus teorias do não-estado, eteorias fisiológicas versus teorias psicológicas.

As teorias do estado sobre a hipnose supõemque o estado de transe é qualitativamente dife-rente de outras experiências mentais humanas.Neste ponto de vista, a capacidade hipnótica oucapacidade para o transe é uma espécie de tra-ço relativamente estável, apresentando fortes di-ferenças individuais. O sucesso desta teoriaimplica: motivação favorável, exatidão na percep-ção e aptidão. Por outro lado, a teoria do não-estado sugere que os fenômenos hipnóticos

provêm de características psicológicas e sociais,tais como a motivação, as expectativas de entrarem transe, a crença e a fé no hipnotizador, o de-sejo de agradar ao hipnotizador e uma experiên-cia positiva com o transe inicial.

As teorias do estado e não-estado estão ba-sicamente vinculadas à suscetibilidade do paci-ente frente ao hipnotizador, aceitação e interaçãoda pessoa que entra em transe e deseja experien-ciar aquilo que se pede, num campo de interaçãoe confiança, o rapport. Não devemos esquecer-nos das habilidades de um bom hipnotizador,marcado pela sua conduta ética, com objetivosclaros voltados à melhora do paciente.

As teorias fisiológicas/reflexológicas da hip-nose alegam que os fenômenos hipnóticos es-tão baseados e associados a certas mudançasfisiológicas. Tal teoria advém dos trabalhos deI.P. Pavlov, que verificou em seu laboratório de fi-siologia animal a repetição de um estímulo con-dicionado sem o adequado reforçamento,determinado por um estado de sonolência emvários de seus animais, observando que algunschegavam a dormir. Notou que a porção cerebralafetada pelo estímulo tornara-se o centro do pro-cesso inibitório, irradiado em função de um estí-mulo débil, rítmico, monótono, persistente e sem oreforçamento adequado9.

As teorias psicológicas, em grande parte,estão voltadas às explicações da teoria do não-estado, como também à teoria da resposta con-dicionada sobre a hipnose. As teorias fisiológicassão, em geral, “mais aceitas” por apresentaremmodelos explicativos mais antigos, e têm sidosubstituídas em grande parte pelas explicaçõespsicológicas. Porém, há controvérsias quando sediscutem a teoria da neodissociação e a possibi-lidade da sugestão hipnótica em reduzir a dor pelaativação de um sistema inibidor de dor1,11.

É evidente que há uma discórdia considerá-vel com respeito à natureza e à origem dos fenô-menos hipnóticos. Desta forma, a hipnose nãoparece ser um estado qualitativamente de certasexperiências que ocorrem freqüentemente. Em-bora a maioria das pessoas experiencia algumfenômeno hipnótico, relativamente poucos po-dem experimentar a maioria dos fenômenosproporcionado pela sua aplicação6.

HIPNOSE NO CONTROLE DA DOR

Ao iniciar o processo de preparação da téc-nica de hipnose no controle da dor, é necessário

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que se verifiquem alguns aspectos importantes,segundo6:1. O estabelecimento da relação terapêutica.2. O esclarecimento de conceitos errôneos so-

bre a hipnose.3. A possível exploração de sua capacidade para

o transe.É importante comprovar a capacidade para

o transe, a fim de evitar fracassos posteriores naindução do mesmo. Todavia, muitas pessoaspossuem capacidade hipnótica, variando entregrau leve até o mais profundo. Diferenças indivi-duais significativas ocorrem, porém uma grandeparcela das pessoas é capaz de experimentar,ao menos, um transe leve. Quem nunca se desli-gou dos problemas ao tomar banho cantando?Quem já não deu um telefonema e esqueceu paraquem estava ligando?

Há também a possibilidade de utilização detestes específicos para medir a capacidade parao transe, tais como: Stanford Hypnotic Suscepti-bility Scale — SHSS14 e Harvard Group Scale ofHypnotic Susceptibility — HGSHS13.

Provas de pré-indução também são muitoutilizadas:1. Levitação e peso das mãos e dos braços.2. Balanço da postura.3. O pêndulo de Chevreul.4. Atração e repulsão das mãos.

Passos e Labate (1998)8 (ver Tabela 13.1)esclarecem que 95% da população normal sãohipnotizáveis em maior ou menor grau, conformeas diferentes etapas de profundidade hipnótica,

bastante satisfatórios. Em estudos experimentais,observaram-se resultados obtidos na última dé-cada que chegam a 60% de satisfação, quandocomparados a certos fatores: cognitivos e per-ceptivos, emocionais, comportamentais e inter-pessoais. Tais fatores são relatados pelo pacienteao ser avaliado de forma subjetiva, apresentandoresultados objetivos quanto à percepção que fazde si, dos outros e do mundo, experienciandosentimentos mais agradáveis após a aplicaçãoda técnica hipnótica. Tais resultados são obser-vados através da Visual Analogue Scale — VAS,que mede a intensidade do sofrimento do in-divíduo através de uma linha imaginária oudescrita através de um traço na horizontal, comapenas 10 cm. Do lado esquerdo da escala,nota-se um extremo prazer e, do lado direitoda escala, uma dor considerada insuportável1.

Em contrapartida, Scott (1974)12 identificouque os pacientes estudados em laboratório apre-sentaram diferenças significativas quando com-parados a indivíduos com patologias dolorosas,em relação à suscetibilidade para o transe hipnó-tico. Os sujeitos experimentais recebem o estí-mulo doloroso e, após o transe, não relatam dor,enquanto os sujeitos que anteriormente apre-sentavam alguma condição dolorosa não mais asentem. Nota-se que as diferenças estão relacio-nadas ao estado que o sujeito se encontrava an-tes da introdução do teste de suscetibilidade, poisaqueles que já apresentavam uma condição do-lorosa anterior se mostraram mais susceptíveis àexperiência, enquanto isso não acontecia aossujeitos experimentais.

Contudo, sob o enfoque cognitivo-compor-tamental a suscetibilidade hipnótica de um paci-ente não tem importância alguma, visto que ashabilidades podem ser aprendidas e ensinadasao paciente. Desta forma, as atitudes, expectati-vas e crenças do paciente desempenham enor-me papel no resultado do tratamento3,4.

REQUISITOS PARA A OTIMIZAÇÃO DOS

RESULTADOS

É de extrema importância ter-se um diag-nóstico correto da sintomatologia, isto é, o iní-cio da condição álgica, o local do ínicio e se háirradiação, tempo de duração, a freqüência comque ocorre, a intensidade, as qualidades afeti-vo-emocionais, situações específicas em quesente o aumento e a diminuição da intensida-de, se nota o que faz piorar ou melhorar, com o

Tabela 13.1

Etapas Porcentagem

Nıo HipnotizÛveis 5%

Hipnoidal 95%

Leve 85%

M˚dia 60%

Profunda 15%

Sonamb­lica 10%

sendo:O emprego da técnica de hipnose no contro-

le da dor tem sido demonstrada com resultados

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intuito de descobrir sua etiologia. É fundamen-tal durante a história clínica colher o máximode informações possíveis sobre como o paci-ente a percebe em sua subjetividade para quepossamos torná-la objetiva. O uso de diagramacorporal colabora para que o clínico identifique asua localização e melhor diferenciação da dor lo-calizada, da dor referida, irradiada, superficiale profunda10.

Antes de definir qual técnica será utilizada, éimportante verificar quais são as estratégias depensamento que facilitam o alívio da dor, e quaisas que acentuam a intensidade da dor percebi-da, para que possamos, de forma cuidadosa, ela-borar as sugestões terapêuticas.

Efeitos adversos potenciais podem ocorrerem função de:

1. Uso por clínicos adequadamente treinados.

2. Uso no âmbito do treinamento do profissional.

3. Tratar somente os problemas para o qual foitreinado.

4. Treinamento em hipnose não é uma alternativapara um adequado treinamento clínico em ge-ral, visto que a seleção de uma técnica emparticular em uma dada situação é o resultadode um julgamento clínico que deve ser basea-do no que irá melhor adequar-se às necessi-dades de cada paciente.

Antes de escolhermos a técnica específicapara aplicação da hipnose, deve-se levar em con-ta alguns fatores importantes:

1. Avaliação médica padrão utilizada antes dequalquer tratamento para a dor.

2. Não utilizar sem avaliação adequada da natu-reza da dor.

3. Avaliar a motivação, os objetivos terapêuti-cos e as expectativas de resultados do trata-mento.

4. Exigir estabelecimento de um bom rapport.

5. Discutir experiências passadas, crenças e pre-ocupações que os deixaram precavidos como uso da hipnose.

6. Identificação das modalidades cognitivas dopaciente.

7. Salientar a importância da participação ativa edo envolvimento desta participação.

Após a avaliação ativa do profissional queirá aplicar a hipnose, procede-se à escolha dastécnicas específicas a serem aplicadas a cadacaso.

TÉCNICAS ESPECÍFICAS PARA O ALÍVIO

DA DOR

1. Alucinação de anestesia:

a. tornar uma área corporal insensível à dor;

b. paciente fica incapaz de sentir dor;

c. sente adormecimento;

d. usa da familiaridade com esta sensação;

e. remetemos o paciente a experiências pas-sadas com anestésicos;

f. é um fenômeno mais difícil de alcançar doque outras técnicas.

2. Diminuição da dor:

a. redução da intensidade da dor sensorial;

b. uso de metáforas:

• redução do volume;

• redução da intensidade da luz;

• resfriamento do calor.

c. mais eficaz quando pareada com a feno-menologia do paciente relativa à intensida-de ou qualidade de sua dor.

3. Substituição sensorial:

a. sensação intolerável é substituída por ou-tra, não necessariamente agradável:

• prurido, frio e formigamento.

b. permite ao paciente saber que a dor aindaestá presente;

c. assegura a continuidade da atenção mé-dica;

d. sensação “menos desagradável” é maisplausível do que a “não sensação” ou sen-sações agradáveis;

e. ganhos secundários ainda podem ser obti-dos, mas sem o sofrimento secundário;

f. pode usar temporariamente enquanto tra-balha a diminuição dos ganhos secundá-rios debilitantes.

4. Deslocamento da dor:

a. dores bem localizadas;

b. deslocar de uma área do corpo para outramenos debilitante;

c. mobilizar é geralmente mais fácil que eli-minar;

d. técnica temporária valiosa para ganhar aconfiança do paciente;

e. em pacientes pessimistas quanto aos resul-tados;

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f. aproveita de deslocamentos espontâ-neos da dor e amplifica-se em espiral, porexemplo.

5. Dissociação:a. paciente continua a descrever a dor preci-

samente;b. com sensação de distância e sem envolvi-

mento afetivo;c. ainda é percebida, mas não sofre mais com

ela;d. úteis em pacientes relativamente imóveis:

• cirurgias;• procedimentos dolorosos;• confinados ao leito.

Por exemplo: Levar o paciente para outro lu-gar. O corpo pode permanecer, mas, mentalmen-te, é deslocado para um local prazeroso.

ENTENDENDO O ALÍVIO DA DOR

O objetivo principal que o profissional desaúde tem para com seu paciente vítima de trau-ma ou lesão é proporcionar-lhe o alívio da dor,ativá-lo e reabilitá-lo, além do período do pro-cesso hipnótico.

A sugestão pós-hipnótica é apresentada aopaciente durante o estado hipnótico, associadoa um sinal condicionado (Sinal Hipnógeno) paraser realizada após a consulta, quando já não hajamais relacionamento direto entre o hipnólogo e opaciente. Quando solicitamos ao paciente queconcentre sua atenção no que será sugerido, viade regra, o aprendizado da sugestão pós-hipnó-tica tornará mais fácil o condicionamento, isto é,a associação da sugestão com o fator sinal de-sencadeador. A sugestão deverá ser transmitidano momento em que o paciente estiver se sentin-do feliz, para que, ao ser executada, possa voltaràquele momento de felicidade.

A idéia central do sinal hipnógeno é tornar aaplicação nas próximas consultas mais rápidasna sua indução, como, por exemplo, um apertode mãos, onde o hipnotizador pressiona o pulsodo paciente com o dedo polegar e o indicadorpor baixo, determinado pelo tom de voz imperati-vo, como: “João, de hoje em diante, em nossaspróximas consultas, quando eu tocar em suasmãos deste modo e pronunciar seu nome, segui-do das palavras feche os olhos, relaxe e aprofun-de-se, você estará aberto às sugestõesterapêuticas e imediatamente fechará os olhos,relaxará e se aprofundará, e permanecerá abertoàs sugestões terapêuticas7.”

Existem duas formas de sugestão pós-hip-nótica: a simples e a complexa. A forma simplesse dá quando se sugere ao paciente que, ao sairdo transe, execute algo imediatamente. Na formacomplexa, sugere-se que ele o execute somentequando for apresentado um determinado sinal ounum momento específico do que lhe é sugeridoem transe, geralmente na etapa sonambúlica8.

Essa frase deverá ser repetida várias vezesdurante o transe hipnótico, de forma que o sinalhipnógeno seja condicionado e o paciente, ao sairdo transe, lembre-se a cada vez que o hipnólogocumprimentá-lo da mesma forma.

Costuma-se sempre ao final do transe trans-mitir ao paciente idéias confortáveis, para que, aovoltar ao seu estado de consciência plena, en-contre-se mais feliz e relaxado.

O Sinal Hipnógeno, também conhecido porSigno Sinal ou Sinal Hipnogênico, tem como idealcriar a sugestão hipnótica e, para tal, é necessá-rio que se observem alguns critérios propostospor Ferreira7:a. atenção voltada ao hipnólogo;b. o paciente deverá estar-se sentindo feliz no mo-

mento da sugestão;c. motivação para aceitá-la;d. lógica frente à situação;e. especificidade para a situação proposta;f. focalize o objetivo;g. estabeleça relação entre o signo sinal e o

objetivo;h. imaginada pelo paciente através dos seus cin-

co sentidos;i. repetida de seis a dez vezes na própria con-

sulta e nas consultas seguintes;j. associe metáforas que aumentem a eficiên-

cia.

AUTO-HIPNOSE

A auto-hipnose é um estado altamente sen-sível, no qual as sugestões são dirigidas a si mes-mo. O hipnólogo deve seguir à risca os critériosquanto à seleção de pacientes que devem serensinados, de modo que proponha o aumentono estado de relaxamento, concentração, auto-confiança, prolongando a sua ação no alívio dador. Porém, nunca devemos esquecer a premis-sa básica da aplicação: “Jamais remover um sin-toma sem saber para que ele serve8.”

O ensino da auto-hipnose apresenta riscospara o paciente quando a aplicação não segue

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critérios rígidos, quando o hipnólogo inexperien-te deixa o paciente chegar a etapas profundas,onde alucinações e fantasias levam o indivíduo àfalta de controle da situação, ocasionando danosindesejáveis.

Informações quanto ao término da auto-hip-nose devem ser fornecidas para que, assim queo paciente desejar, seja desipnotizado, acrescen-do-lhe sugestões quanto ao término. Poderá serdito ao paciente que, quando desejar sair, relaxea ponto de entrar num sono fisiológico, propor-cionado pelo bem-estar que estiver sentindo nomomento do transe hipnótico auto-aplicável.

A maioria dos pacientes pode aprender adesenvolver suas habilidades para o desenvolvi-mento da analgesia de forma que se tornem pro-fissional adquirindo maior segurança no modocom que enfrenta a dor.

PRINCIPAIS APLICAÇÕES CLÍNICAS

A eficácia da aplicação dependerá tanto dahabilidade do terapeuta quanto da disposição emotivação do paciente. O treinamento e aperfei-çoamento em hipnose clínica se dão em grandesescolas mundo afora. No Brasil, no entanto, estárestrito a algumas Faculdades de Medicina e de-partamentos específicos, tais como: Departamen-to de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina— Unifesp; Hospital do Servidor Público Munici-pal de São Paulo; Universidades e Faculdadesde Medicina Estaduais e Federais; alguns Institu-tos e Clínicas particulares; e pela Sociedade Bra-sileira de Hipnose e suas regionais.

O uso deve ser restrito, no intuito de se reali-zar pesquisas e ensino, dirigidos a médicos, psi-cólogos e dentistas, segundo o Decreto no

51.009, de 23 de julho de 1961, promulgado peloPresidente da República, regulamentando o usoa médicos; Decreto no 53.461, de 21 de janeirode 1964, regulamentando o uso aos psicólogos;e Lei no 5.081, de 24 de agosto de 1966, regula-mentando a prática de hipnose pelos dentistas8.

A hipnose pode ser aplicada a vários tiposde dor, que podem ser: aguda ou crônica.

a. Dor Aguda: pós-operatório, queimados, pro-cedimentos médicos de forma geral, parto eem pacientes odontológicos.

b. Dor Crônica: câncer, cefaléia, lombalgia, do-res musculares, dor fantasma, falciforme e deorigem psicológica.

Em casos de dores agudas, a aplicação dahipnose é indicada na ausência de analgésicos econtra-indicada para potencializá-los. A reduçãopode ser significativa e produzir efeitos imediatose com duração de até um dia inteiro, produzindoefeitos analgésicos e até ansiolíticos.

Já na dor crônica os resultados são mais efi-cazes, apresentando melhoras na redução doquadro álgico, bem como na recuperação, au-mentando o apetite, cooperando com outros tra-tamentos. Seus efeitos colaterais são parecidoscom os dos narcóticos e colaboram na melhorado quadro afetivo-emocional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. Relação entre hipnozatibilidade e analgesiaainda é controversa.

2. Qualquer paciente motivado obtém benefí-cios e algum alívio.

3. Redução da dor pode envolver o componen-te sensório-discriminativo ou o motivacional-afetivo.

4. Pode ter efeito ansiolítico, mas a analgesianão depende deste efeito.

5. É eficaz para uma ampla gama de condiçõesclínicas.

6. Efeito ocorre no nível mais elevado da orga-nização neural.

7. Natureza e localização da dor não é relevan-te para o sucesso.

8. Técnicas evoluem com maior compreensãodo comportamento humano.

9. Ênfase na participação ativa do paciente —auto-hipnose.

10. Práticas autoritárias do passado tem sidoabandonadas.

11. Técnicas humanísticas são mais comunsatualmente.

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14CAPÍTULO

Programas EducativosJunto a Pacientes com Dor

LUCIANA MONTEIRO MENDES MARTINS

ADRIANA JANZANTTE DUCCI

CIBELE ANDRUCIOLI DE MATTOS PIMENTA

Dor é uma experiência relacionada a fatoresbiológicos, emocionais e cognitivos. O local, o tipoe a extensão da lesão, aspectos emocionais comoa ansiedade, medo e depressão, aspectos cog-nitivos como expectativas e crenças, e aspectosrelacionados a particularidades biológicas do sis-tema nociceptivo e modulador de dor do indiví-duo determinam a experiência dolorosa.

O adequado controle da dor requer o uso defármacos, de meios físicos e de técnicas cogniti-vo-comportamentais, dentre as quais as educa-cionais.

As técnicas farmacológicas envolvem basi-camente o uso de antiinflamatórios não hormo-nais e de opiáceos, por diversas vias e sistemas;de antidepressivos, neurolépticos e anticonvul-sivantes, entre outros, e de bloqueios neurais,contínuos ou intermitentes. O uso dos agentesfísicos calor, frio, massagens e eletroanalgesiatranscutânea é bastante freqüente. Procedi-mentos neurocirúrgicos como a ablação, a es-timulação elétrica de estruturas do sistemanervoso e a infusão de fármacos no sistemanervoso central podem ser necessários. As in-tervenções cognitivo-comportamentais, comorelaxamento, distração, imaginação dirigida, re-conceptualização de crenças disfuncionais etécnicas educativas, entre outras, podem sermuito úteis1,2.

Técnicas não farmacológicas são estraté-gias não-invasivas que podem ser efetivasquando usadas isoladamente ou em conjuntoàs terapias farmacológicas3. Abrangem umgrande campo, variando desde medidas físicas,como a aplicação de calor e frio, massagens,estimulação elétrica transcutânea, até as inter-venções cognitivo-comportamentais como dis-tração, imaginação dirigida, relaxamento etécnicas educativas.

RAZÕES E CONSEQÜÊNCIAS DO

INADEQUADO CONTROLE DA DOR

O inadequado tratamento da dor em doen-tes que sofreram algum trauma cirúrgico podeacarretar maior morbidade, períodos de interna-ção e recuperação mais prolongados e aumen-to de custos e desconfortos desnecessários4,5.Dentre as complicações mais comuns estão asinfecções pulmonares, as alterações hemodi-nâmicas, os prejuízos na função gastrointesti-nal, o menor consumo alimentar e retardo nacicatrização da ferida cirúrgica, o aumento naincidência de tromboses venosas profundas eatelectasias, as infecções pós-operatórias, odesgaste físico e a desmotivação do doente paracooperar com o tratamento.

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Nos doentes com dor crônica, a persistênciada dor é ainda mais deletéria, acarretando altera-ções músculo-esqueléticas (posturas inadequa-das, contraturas musculares permanentes, pontosdolorosos, imobilidade etc.), do sistema nervoso(mudança no limiar de excitabilidade, modifica-ções na síntese de neurotransmissores e regula-ção dos sistemas excitatórios e inibitórios,modificação nos receptores de membranas etc.)e do aparelho psíquico (alteração do humor, quetende a ser depressivo, aumento da ansiedade,mudança no estilo de pensamento e presença decrenças disfuncionais e erros cognitivos etc.). Taisalterações, freqüentemente, resultam em perdaou afastamento do trabalho, com conseqüenteproblemas financeiros, em desajustes familiarese sofrimentos psíquicos intensos. Do exposto,depreende-se a importância do desenvolvimentode ações que contribuam para o adequado alívioda dor.

As causas do inadequado alívio da dor estãorelacionadas a falhas na identificação da dor e desuas características, no diagnóstico dos fatoresetiológico e mantenedores do quadro, ao trata-mento proposto, especialmente tipo e dose deanalgésicos prescritos, e ao pobre manejo dosaspectos mentais dos doentes. Os profissionaisde saúde apresentam lacunas de conhecimen-tos sobre dor e seu manejo e subestimam a fre-qüência e o impacto da dor na vida dos indivíduos.Entre os aspectos psíquicos que são descritoscomo importantes para a vivência de dor, a ansi-edade e a depressão, o tipo e a qualidade deconceitos e crenças sobre dor e seu manejo me-recem destaque. Falhas de informação ou infor-mações errôneas por parte dos doentes precisamser alvo da ação dos profissionais. A educaçãodo doente tem como objetivo melhorar os resul-tados de saúde, promovendo a reabilitação e orápido retorno às funções, a incorporação de com-portamentos saudáveis e o envolvimento do do-ente nas decisões sobre o seu cuidado6,7.

EDUCAÇÃO E CONTROLE DA DOR

A educação compõe o rol de intervençõescognitivas para o manejo da dor e envolve a ofer-ta de informações que podem ajudar doentes efamiliares a tomar decisões sobre os seus cuida-dos8 e a modificar aspectos mentais envolvidosnos processos saúde-doença em geral e, emespecial, na vivência dolorosa.

As técnicas educativas podem interferir naapreciação da dor e essa interferência pode-se

dar de vários modos. A educação, o ajuste deexpectativas, a modificação de crenças disfun-cionais, de medos infundados etc. podem “mo-dificar” aspectos da rede neural que interpretamo fenômeno doloroso, quer pela modificação dosaspectos cognitivos, quer por minimizar a ansie-dade e o medo. Tais mudanças podem resultarem modificação na apreciação do fenômeno do-loroso. Há que se lembrar que a apreciação finalda dor ocorre em diversas regiões corticais (cór-tex sensitiva, motora e frontal), que recebem am-pla gama de informações advindas de estruturastalâmicas, do sistema límbico e do tronco cere-bral, entre outras. Informações corretas podempropiciar a doentes e familiares lidar com seusproblemas de saúde de modo mais efetivo.

A educação deve ser feita nas fases diagnós-tica, terapêutica ou de reabilitação. Inclui a orien-tação verbal; a preparação de folhetos, de livretes,de documentários etc. A informação deve ser for-necida de uma maneira interessante e de fácilentendimento. A linguagem deve ser clara, rela-cionada à idade e aos fatores socioeconômicose culturais do doente9.

Existem fatores que podem influenciar noaprendizado. O alto nível de ansiedade pode cau-sar resistência, o doente precisa de motivaçãopara aprender e o material didático utilizado deve“fazer sentido” para o doente9,10. As condiçõesde saúde física e mental, a idade, o grau de ins-trução, a inteligência, a capacidade de atenção,o estágio de desenvolvimento emocional, fatoressocioculturais diversos e as características dapersonalidade do doente podem afetar o proces-so de comunicação e a aprendizagem9. A lingua-gem técnica utilizada por médicos e enfermeiras,a subestimação do conhecimento do doente, ouso de jargões e a quantidade de informaçõesfornecidas de uma só vez também podem influ-enciar no entendimento do doente9. Será apre-sentado o uso das intervenções educativas emduas situações específicas: no controle da dordo pós-operatório e da dor oncológica.

PROGRAMAS EDUCATIVOS E O CONTROLE

DA DOR NO PÓS-OPERATÓRIO

Segundo Guerrero e Bonecchi11 existe faltade informações para o doente sobre os eventospós-operatórios. É necessário que se explique aodoente que a dor pós-operatória é possível deser controlada, para que ele não fique esperandoeste sintoma como inalienável da cirurgia.

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É comum o doente ser internado menos de24 horas do procedimento cirúrgico, o que limitao seu tempo para assimilar as informações pré-cirúrgicas. Normalmente, esse período é de mui-ta ansiedade e, para diminuí-la, orientaçõespré-operatórias devem ser dadas antes da ad-missão hospitalar12,13. A educação pré-operató-ria para o controle e manejo da dor deve serindividualizada, objetivar a satisfação do doentecom a analgesia, reduzir a ansiedade, melhoraras estratégias de coping e diminuir o tempo deinternação dos doentes cirúrgicos13. O uso de fo-lhetos explicativos, de vídeos educacionais e dediscussões, no pré-operatório e durante as visi-tas pós-operatórias, deve ser implementado14.

O controle da dor tem sido testado com re-sultados positivos em programas educativos quepriorizam a educação no pré-operatório. Tais pro-gramas, de modo geral, incluem aspectos so-bre a responsabilidade do doente em comunicara dor não aliviada, o uso de escalas para men-suração da dor, o uso de métodos analgésicosrecomendados, a correção de conceitos errô-neos em relação aos analgésicos15 e o uso denovas tecnologias para o controle da sensaçãodolorosa2,14,16.

Ashton, Whitworth, Seldomridge, Shapiro,Weinberg, Michler e cols.17 testaram dois gruposde doentes em pós-operatório de cirurgia cardía-ca. O grupo experimental foi orientado a relaxar ea pensar positivamente antes, durante e após oprocedimento cirúrgico. Este grupo obteve maiorsucesso na analgesia e a alta foi mais precoce.

Numa revisão de 191 estudos sobre a edu-cação pré-operatória e os efeitos sobre a dor pós-operatória, o stress e o restabelecimento dedoentes cirúrgicos adultos, três conteúdos dis-tintos foram levantados: informações relevantessobre os cuidados com a saúde, pontos a seremensinados e suporte psicológico. As informaçõesrelevantes sobre os cuidados com a saúde in-cluíam o que deve ser feito para preparar o paci-ente para a operação cirúrgica, o tempo dos váriosprocedimentos, atividades pré e pós-operatórias,as funções dos profissionais de saúde envolvi-dos no preparo pré-operatório, a importância desolicitar analgésicos quando necessário, a inten-sidade e duração da dor esperada no pós-ope-ratório, a descrição de outros desconfortos típicos,a importância da deambulação precoce, a restri-ção da dieta e a proibição do fumo. Os pontosdestacados como aqueles que devem ser ensi-nados foram exercícios respiratórios, tossir, mo-vimentar-se na cama, técnicas de relaxamento eauto-hipnose. Essa intervenção educativa pré-

operatória foi fornecida por enfermeiras, maisfreqüentemente na noite anterior à cirurgia.

Anderson12 realizou estudo com doentessubmetidos à operação cirúrgica cardíaca, osquais receberam orientações pré-operatóriascom relação à rotina hospitalar, aos procedimen-tos a serem realizados, às sensações esperadase aos exercícios que deveriam ser incorporadosà sua rotina no pré e pós-operatórios. Essas ori-entações foram fornecidas na noite anterior à ci-rurgia. No sétimo dia de pós-operatório foramcoletados os dados e, como resultado destasorientações, o stress psicológico foi reduzido nopré e pós-operatórios, o restabelecimento físicofoi facilitado e a incidência de hipertensão agu-da pós-operatória foi reduzida.

Wells, Howard, Nowlin e Vargas18 realizaramestudo onde testaram programa anti-stress, dotipo relaxamento e imaginação dirigida, para pre-parar doentes para a intervenção cirúrgica. Estetreinamento foi realizado durante uma hora, umasemana antes do procedimento cirúrgico. Forammedidos os efeitos do treinamento na ansiedadepré e pós-operatórias e na dor pós-operatória. Osdoentes do grupo controle somente receberaminformações sobre as rotinas do hospital; os do-entes do grupo experimental, além das rotinas dohospital, foram submetidos ao programa anti-stress. Como resultados, os doentes do grupoexperimental apresentaram menor intensidade dedor pós-operatória, menor utilização de analgési-cos, menor ansiedade durante a internação emaior adesão ao tratamento.

O uso da técnica educativa para a utilizaçãode novas tecnologias, como a Analgesia Contro-lada pelo Paciente, tem mostrado resultados po-sitivos com relação à intensidade da dor e àsatisfação com a analgesia recebida, principal-mente quando acompanhada de folheto explica-tivo19,20. Em estudo realizado com doentessubmetidos à intervenção cirúrgica de quadril, foienviado via correio, quatro a seis semanas antesdo procedimento cirúrgico, somente para os do-entes do grupo experimental, folheto explicativocontendo informações sobre o que levar para ohospital, rotinas hospitalares, serviços acessíveisno hospital, exercícios fisioterápicos recomenda-dos e procedimentos a serem realizados no diada admissão hospitalar. Como resultados, o gru-po experimental mostrou-se menos ansioso nodia da internação e realizou mais exercícios fisio-terápicos antes da hospitalização, necessitandode menos fisioterapia durante a internação, com-parado com o grupo controle. Não houve dife-

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renças entre os grupos com relação ao tempo deinternação hospitalar13.

Vídeos educativos para doentes no pré-ope-ratório sobre o controle da dor pós-operatória, aimportância da comunicação da dor não aliviadae o uso de técnicas de administração de analgé-sicos têm efeitos satisfatórios no alívio da queixaálgica21,22. Gagliano23, numa revisão de 25 estu-dos sobre a eficácia dos vídeos educativos naeducação do doente, mostrou como resultadosa diminuição da ansiedade e da dor, e o aumentodo conhecimento, da adesão do doente ao trata-mento e das habilidades de coping.

Segundo Chapman24, a intervenção educa-cional alivia o medo do doente sobre os opiáceos,estimulando sua adesão ao tratamento. Shul-dham8, em revisão de literatura sobre o impactoda educação pré-operatória no restabelecimentode doentes cirúrgicos, mostrou que a orientaçãopré-operatória produz bem-estar ao doente, re-duz a ansiedade e a dor, melhora o conhecimen-to e a adesão, diminui o tempo de internação emelhora a satisfação do doente. Além disso, aorientação pré-operatória facilita a interação en-tre a equipe de saúde e o doente, e deve ter es-trutura e conteúdo condizentes com a operaçãocirúrgica a que o doente será submetido. Em es-tudo realizado com 101 doentes submetidos àhisterectomia e colecistectomia, 88 relataram que,se tivessem recebido alguma informação sobre ador e seu controle no pós-operatório, a dor pode-ria ter sido minimizada25.

A experiência clínica mostra que a enfermei-ra é o profissional da equipe de saúde que pos-sui maior probabilidade de acompanhar, demaneira mais próxima, a evolução do doentequando há internação26, 27, o que lhe favorece exer-cer o papel de educadora. A enfermeira, além deser educadora, auxilia na obtenção de confortoespiritual, mental e físico. Identifica falhas no co-nhecimento do doente, avalia a informação queeste deveria receber, o quão confortável ou sufi-cientemente relaxado para receber a informaçãoele está e a linguagem que o doente entende,considerando os fatores de classe social, de edu-cação e de experiência9.

A seguir, passamos a descrever um estudonacional realizado por Martins28 que avaliou osefeitos de uma intervenção educativa no períodopré-operatório sobre a dor e seu manejo no pós-operatório, do estudo do qual participaram 89doentes.

Os doentes foram divididos em dois grupos:controle e experimental. A ambos os grupos fo-

ram explicados os objetivos do estudo (controleda dor), a existência de coleta de dados no 1o eno 2o pós-operatório (PO), e cada uma das trêsescalas que seriam utilizadas para avaliar as dife-renças. Os doentes do grupo experimental rece-beram, além das orientações fornecidas aosdoentes do grupo controle, orientações sobre asrazões e mecanismos da dor, a importância decomunicar a existência de dor no pós-operatóriopara que essa fosse controlada e a possibilidadede aliviar a dor pós-operatória com o uso de anal-gésicos prescritos em horário fixo e “se necessá-rio”. A diferença entre os dois grupos foi queaqueles pertencentes ao grupo experimental par-ticiparam de programa educativo. Compararam-se a intensidade dolorosa, o desconforto advindoda dor, a satisfação com a analgesia recebida, onúmero de solicitações analgésicas e o consu-mo de analgésicos complementares entre os do-entes dos dois grupos.

Os doentes foram orientados a comunicar suador para a equipe de saúde, para que essa fossecontrolada e amenizada da melhor forma possí-vel, com o uso de analgésicos adequados e efi-cazes. Foi enfatizado que, com a dor controlada,o doente poderia dormir melhor, estar descansa-do e colaborar mais com o seu cuidado. Poderiaalimentar-se melhor, favorecendo a cicatrizaçãocirúrgica, e respirar profundamente mais facilmen-te, colaborando para se evitar complicações pós-operatórias como pneumonia, atelectasias e oacúmulo de secreções pulmonares. Poderia me-xer-se na cama confortavelmente e deambularcom maior facilidade, fazendo com que seu or-ganismo, principalmente a parte gastrointestinal,funcionasse rapidamente, evitando o acúmulo degases, o que poderia causar dor e desconforto.A comunicação da dor deveria ser feita à equipede saúde e anotada no “Diário do Doente”. Osdoentes foram informados de que a prescriçãoanalgésica possuía analgésicos prescritos emhorário fixo, ou seja, mesmo que não os solicitas-sem, os doentes os receberiam conforme pres-crito. Foram orientados sobre a existência deanalgésicos em esquema “se necessário”, ouseja, os doentes comunicando sua dor, seriammedicados com outro tipo de analgésico. Foi en-fatizado que o esquema “se necessário” serviapara controlar os escapes de dor, fazia parte dotratamento e os doentes deveriam avisar que es-tavam com dor para recebê-lo.

Os doentes dos grupos controle e experimen-tal foram considerados homogêneos quanto ao

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sexo, à idade, à escolaridade, à renda familiar, aonúmero de cirurgias anteriores no mesmo localdo corpo e ao nível de ansiedade traço-estado,avaliado antes da cirurgia. Os doentes tambémforam considerados homogêneos quanto aos es-quemas analgésicos fixos.

Os resultados mostraram que as ações edu-cativas no pré-operatório influíram na dor do pós-operatório. Os doentes do grupo experimentalreferiram dor de menor intensidade no primeiro eno segundo dias de pós-operatório (p = 0,035 ep = 0,005, respectivamente) e menor desconfor-to causado pela dor no segundo dia de pós-operatório (p = 0,005). Os doentes do grupoexperimental consumiram menor número de anal-gésicos complementares no segundo dia de pós-operatório (p = 0,017). Não houve diferençasestatisticamente significativas entre os gruposquanto à satisfação com a analgesia recebida equanto ao número de solicitações analgésicas,nos dois dias de pós-operatório. É possível que,ao serem indagados sobre a satisfação com aanalgesia, os doentes tenham respondido sobrea satisfação com o atendimento de modo geral,não desvinculando a analgesia do contexto glo-bal de atenção, e isso justifique a semelhançaentre os grupos.

Wells18, em estudo randomizado com 24 do-entes no pré-operatório de procedimentos cirúr-gicos distintos, testou um programa derelaxamento e imaginação dirigida, um dia antesdo ato cirúrgico, e mediu seus efeitos no grau deansiedade e no alívio da dor no pós-operatório.Os doentes do grupo controle receberam infor-mações sobre as rotinas do hospital e os doen-tes do grupo experimental, além das informaçõessobre as rotinas do hospital, receberam a inter-venção educativa proposta. Como resultados, osdoentes do grupo experimental referiram menorintensidade da dor, solicitaram e receberam me-nos analgésicos, tiveram menor grau de ansie-dade durante sua internação e aderiram mais aotratamento, comparados com os doentes do gru-po controle.

Closs, Briggs e Everitt29, em estudo realiza-do com doentes submetidos a intervenções ci-rúrgicas ortopédicas que receberam orientaçõessobre o controle da dor no período pós-opera-tório, verificaram que os doentes do grupo ex-perimental relataram menor intensidade da dore solicitaram mais analgésicos para a equipe desaúde, quando comparados aos doentes do gru-po controle.

PROGRAMA EDUCATIVOS E CONTROLE

DA DOR DO CÂNCER

A educação de doentes com dor oncológicae seus cuidadores é componente-chave para oefetivo alívio da dor no câncer. As outras barrei-ras para o efetivo controle da dor são falta de co-nhecimento pelos profissionais de saúde, quesubestimam a dor dos pacientes, utilizam regi-mes analgésicos inadequados e dão menor prio-ridade aos cuidados paliativos e às políticas desaúde e legislação inadequadas.

Cada vez mais, pacientes e familiares assu-mem o gerenciamento da dor no domicílio, lidamcom regimes medicamentosos complexos, comoinfusão parenteral e até infusão epidural por meiode cateteres. Conhecimentos inadequados e con-cepções errôneas acerca do manejo da dor nocâncer, por pacientes e familiares, já descritos emliteratura, podem interferir negativamente na apre-ciação do quadro doloroso, dificultar a participa-ção desses no tratamento e contribuir para o alívioinadequado da dor. Crenças errôneas podem le-var o doente a vivenciar dor mais intensa e a ade-rir menos ao tratamento. Pimenta30 observou queos doentes que acreditavam ser a dor no câncerimpossível de ser controlada, que os remédiosviciavam, que se deve adiar o uso de analgési-cos para mais tarde, quando a dor torna-se insu-portável, relataram dor mais intensa que osdoentes que não tinham tais crenças. Observou,ainda, que os doentes não aderem ao tratamen-to, entre outras razões, por crerem que remédiosdemais intoxicam, que remédios para dor só setoma quando há dor, e não de maneira preventi-va como é o conceito atual.

Dada à importância do assunto e à escassezde estudos sobre o tema em âmbito internacio-nal e nacional, realizou-se análise das pesquisasexistentes sobre os efeitos dos programas edu-cativos de pacientes e cuidadores no controle dador oncológica – a revisão bibliográfica de arti-gos de periódicos realizada nas bases de dadosMedline e Lilacs, com os descritores Patient Edu-cation and Neoplasms and Pain e limites tempo-rais de 1990 a 2002. Para a seleção dos textosnas bases de dados Lilacs foram utilizados osdescritores dor e educação, câncer e educaçãoe dor e câncer. Apesar de numerosos artigos so-bre educação em dor oncológica, poucos refe-rem-se a programas de educação no manejo dador de pacientes com câncer e/ou seus cuida-dores, testados como exige o conceito de rigormetodológico atual. Desses, considerou-se

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adequado analisar dez estudos, a seguir descri-tos. Tais estudos podem servir de base para aorganização de programas educacionais junto adoentes brasileiros.

Todos os estudos foram realizados em paí-ses desenvolvidos. Seis foram ensaios clínicosrandomizados e controlados31-36, nos quais ospacientes selecionados são divididos aleatoria-mente em dois grupos comparáveis: o grupo ex-perimental, que é exposto a uma intervenção, e ogrupo controle, que é tratado igualmente ao gru-po experimental em todos os aspectos, mas seusmembros não são submetidos à intervenção emestudo, conforme classificação proposta por Fle-tcher; Fletcher37. Quatro dos estudos foram do tipoantes/depois38-41, nos quais um grupo de pacien-tes é selecionado para a pesquisa e todos rece-bem a intervenção em estudo37.

Todas as intervenções educativas implemen-tadas tiveram como público-alvo indivíduos adul-tos. Em quatro estudos a intervenção educativaenvolveu população de idosos32,36,38,39, em um40

grupos étnicos específicos de uma comunidadee, em outro33, a comunidade toda. Os outros qua-tro estudos trabalharam com doentes adultos demodo geral31,34,35,41. Um estudo visou, além dosdoentes, o público em geral31, e outros qua-tro31,33,35,41 também atingiram os profissionais dasaúde. Em quatro estudos as intervenções edu-cativas foram realizadas no domicílio32,38-40, em umfoi realizado na comunidade33, dois em unidadesde internação hospitalar31,35 e dois em clínicasespecializadas34,36. Um dos programas ocorreuem um centro hospitalar41. Em dois estudos33,35,além da educação realizada no hospital, os pacien-tes também receberam informações individuaispor telefone, de acordo com suas necessidades.Em mais da metade dos estudos (seis)31,32,35,38- 40,as enfermeiras foram as educadoras dos progra-mas. Em dois estudos foram os médicos34,36 e,em outros dois, houve a participação de umaequipe multidisciplinar33,41.

Quanto aos resultados esperados dos pro-gramas educativos observou-se que, na maioriados estudos, foi avaliado o impacto dos progra-mas sobre os conhecimentos/crenças e atitudesde pacientes sobre dor (nove)31- 34,36-40 e na quali-dade de vida (seis)31,32,35,38-40,. Em quatro estu-dos31,33,35,36 avaliou-se o impacto da intervençãona intensidade da dor. O uso de intervenções far-macológicas e não farmacológicas32,37, as quali-dades da dor33,40 e o uso no domicílio dosmateriais de ensino recebidos31,35 foram investi-

gados em dois estudos cada um. Os prejuízoscausados pela dor34, a sobrecarga do cuidador38

e o consumo de analgésicos34 foram avaliadosem um estudo cada um.

As intervenções educativas incluíram, basi-camente: Informações gerais sobre dor (definiçãoe causas, mitos e concepções errôneas sobre dore seu manejo, interferência da dor nas atividadesdiárias, necessidade de avaliar corretamente a dor,estímulo ao auto-registro da dor e importância decomunicar ao médico a presença da dor e a efe-tividade do tratamento estipulado); Tratamentofarmacológico da dor (administração de medica-mentos-dose, vias de administração, mecanismode ação, duração dos analgésicos, conceitos deadição, dependência e tolerância, consideraçõessobre efeitos colaterais, benefícios e riscos do tra-tamento, conseqüências da não adesão ao trata-mento); e Tratamento não farmacológico da dor(indicações e contra-indicações de técnicas comocalor, frio, massagem, relaxamento/distração eimaginação).

Livretos contendo informações gerais sobredor e seu tratamento foram utilizados em todosos estudos. Em seis estudos31,32,35, 38-40 foram dei-xadas com os pacientes fitas de audiocassetespara serem ouvidas quando o paciente quises-se. Tal método foi utilizado visando reforçar as ins-truções verbais dadas no início da intervenção.Nestes mesmos estudos (seis) também foi dadoaos pacientes um diário de dor para que pudes-sem registrar e monitorar a intensidade da dordurante o dia. No estudo realizado por Ferrell ecols.34,38,39, além destes instrumentos, foi ofereci-da uma ajuda financeira para que pacientes e fa-miliares pudessem adquirir equipamentos, a fimde que métodos não farmacológicos de alívio dador pudessem ser utilizados. Em uma das pes-quisas, além das instruções escritas, foi realiza-da uma sessão de vídeo para instrução depacientes idosos36, e a investigação realizadajunto a seis comunidades33 fez uso de gruposde discussão e estudos de caso. Duas destascomunidades realizaram um programa de televi-são sobre manejo da dor no câncer visando atin-gir um público maior.

Todos os artigos, exceto um36, utilizaram ma-teriais educacionais complementares, visandoreforçar as informações verbais. Essa técnica temsido descrita por educadores como a melhor for-ma de ensinar indivíduos adultos, visto que aspessoas retêm apenas 20% do que ouvem, 30%do que vêem, 50% do que ouvem e vêem, 70%

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do que ouvem, vêem e dizem, e 90% do que ou-vem, vêem, dizem e fazem12. Uma limitação nautilização destes materiais é que eles contêm in-formações padronizadas, que podem não corres-ponder às necessidades de cada paciente. Noentanto, 26,2% dos pacientes de um estudo quemediu a utilização dos materiais educativos rela-taram receber alguma informação nova durantea leitura do livreto31.

Os programas educativos resultaram emmelhora nas variáveis mensuradas, principalmen-te as relacionadas aos conhecimentos e atitudesde pacientes e cuidadores familiares no manejoda dor oncológica. Apenas em um dos estudos33,em que a intervenção direcionou-se à comunida-des e não diretamente a pacientes oncológicos,não se obteve melhora em nenhuma das variá-veis mensuradas.

Referente à variável qualidade de vida, ava-liada em seis31,35,38-40 estudos, em apenas umnão ocorreu melhora39. Medo de depressão res-piratória e adição, o conceito de tomar medica-ção apenas na presença de dor intensa e distressfrente à dor foram os tópicos que pacientes eseus cuidadores mais apresentaram dúvidas econcepções/crenças errôneas. Tais crenças fo-ram avaliadas em nove estudos31,35,38-41. Houvemelhora destas em sete estudos, ocorrendo di-minuição nas barreiras relacionadas ao mane-jo da dor31,32,35,38,39,41.

Dos quatro estudos que avaliaram o impactoda intervenção educativa sobre a intensidade efreqüência da dor, apenas um36, que trabalhoucom idosos, não obteve os resultados esperados,ocorrendo aumento na intensidade da dor tantono grupo experimental quanto no grupo controle.No entanto, os pacientes do grupo experimentalrelataram dor menos intensa que os pacientes dogrupo controle.

Nos dois estudos que avaliaram adesão aotratamento medicamentoso, observa-se que estaaumentou nos grupos que receberam interven-ção educativa38,39. Os dois estudos32,39 que avali-aram o uso de intervenção não farmacológicaobservaram que os pacientes mostraram-se po-sitivos quanto à utilização destas32, e houve au-mento de 22% para 68% na utilização de taistécnicas39.

Da análise dos estudos sobre o impacto deprogramas educativos na vivência da dor no cân-cer, pôde-se concluir que ocorreram melhoras naqualidade de vida e na intensidade da dor, ajustenas concepções e crenças sobre dor oncológicae seu controle, aumento da adesão ao tratamen-

to medicamentoso e maior aceitação dos meiosnão farmacológicos. O conceito e as causas dedor, o prejuízo desta na vida diária, os tratamen-tos farmacológicos e não farmacológicos e aimportância do doente relatar o desconforto fo-ram o núcleo dos programas. O livreto foi o mate-rial educativo mais utilizado, seguido de fitas deaudiocassete. A enfermeira foi o profissional edu-cador em seis programas. As concepções e co-nhecimentos que os pacientes e cuidadorespossuem sobre o tratamento da dor oncológicaestão imbricados na vivência de dor. Daí a impor-tância do uso de estratégias cognitivas.

CONCLUSÃO

A apreciação da dor envolve elementos emo-cionais e cognitivos. O que o doente sabe, espe-ra, teme e o significado que atribui aos eventos,entre outros, são aspectos que influem no quan-to dói e em como se lida com a situação. Osmecanismos pelos quais uma intervenção edu-cativa pode modular a experiência de dor é as-sunto ainda não completamente conhecido. Noentanto, é sabido que se fatores físicos, cogniti-vos e emocionais participam da experiência do-lorosa, a modificação de algum desses pode influirna apreciação final do quadro. Ter ciência de quefatores mentais como o tipo e a quantidade deinformações, as expectativas e as crenças dodoente, entre outras, influem na apreciação e ex-pressão da dor, possibilita desenvolver interven-ções educacionais que podem modular aexperiência dolorosa.

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15CAPÍTULO

TratamentoCognitivo-comportamental

da Dor

GILDO ANGELOTTI

MARIA CRISTINA DOTTO

A dor sempre esteve presente na trajetória dohomem em qualquer lugar que ele esteja. Muitoouvimos e indagamos a respeito dela. A diversi-dade de compreensão e significados atribuídosa ela têm relação direta com a época e crençasde uma cultura, de um povo ou de uma situaçãoespecífica. Podemos compreendê-la sob o pon-to de vista espiritual, filosófico, médico, e assimpor diante. Para compreender sua amplitude designificados, podemos citá-los sob o prisma dafilosofia budista, que compreende a dor e o sofri-mento como um estado inerente ao ser humano,e que é a primeira grande verdade da existência.Outros podem vê-la como uma possibilidade depurificação, um ato de heroísmo por suportá-laou, ainda, um castigo mandado por deuses ofen-didos. Aqui vamos ater-nos a compreendê-la sobseus aspectos científicos, tendo como ponto prin-cipal que ela é real, que traz conseqüências alta-mente aversivas e incapacitantes para aquele quedela sofre.

De acordo com a Associação Internacionalpara o Estudo da Dor (IASP), a dor “é uma expe-riência desagradável, sensitiva e emocional, as-sociada com lesão real ou potencial dos tecidosou descrita em termos dessa lesão”8. Todos osindivíduos, exceto aqueles que padecem de al-guma anomalia congênita, já vivenciaram um es-tado doloroso.

Meyer e cols. (1994)38 esclarecem ser umadas funções primordiais do sistema nervoso le-var em conta a informação a respeito da ocorrên-cia ou ameaça da lesão. A sensação de dor,devido à sua natureza aversiva, contribui para estafunção, que lhe é inerente. A dor é uma qualida-de sensorial fundamental, alertando os indivídu-os para a ocorrência de lesões teciduais epermitindo a seus mecanismos serem sinalizadospara a proteção do organismo lesado45.

Sob influências límbicas e corticais, a ocor-rência da dor é mediada pelos processos neu-rais que modulam a percepção, amplificando-aou minimizando-a. Devido a este fator, a experi-ência da dor não é uma função isolada da quan-tidade de dano tecidual, e sim um resultado daintegração de diversas funções25.

Brose e Spiegel (1992)11 identificaram trêscentros atencionais modulando a percepção dador: um sistema de orientação parieto-occipitalposterior, um sistema de focalização localiza-do no giro do cíngulo anterior e um sistema re-gulador do alerta e da vigilância no lobo frontaldireito. Esses sistemas, entre outras funções,proporcionam atenção seletiva a estímulos afe-rentes, os quais são integrantes de diversasfunções psíquicas envolvidas e permitem queparte deles seja esquecida na periferia do cam-po de consciência.

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Vale ressaltar que a dor cumpre um valor bio-lógico de alerta, mas que, quando cronificada,poderá constituir razão para incapacidade fun-cional, devido à sua supressão. Muitas vezes elase manifesta na ausência de agressões teci-duais, tal como ocorre em casos de neuropatiaperiférica ou central em certas afecções psicopa-tológicas45.

Segundo Teixeira (1995)45, a seqüência doseventos que originam o fenômeno sensitivo dolo-roso é a transformação dos estímulos ambientaisem potenciais de ação que, das fibras nervosasperiféricas, são transferidos para o sistema ner-voso central (SNC).

Os receptores nociceptivos são representa-dos por terminações nervosas livres, presentesem toda a parte nas camadas superficiais da pele(nas fibras mielínicas A-delta e amielínicas C dosistema nervoso periférico), onde respondem àestimulação termomecânica intensa, na medidaem que algumas fibras da dor são excitadas qua-se que totalmente por um stress mecânico exces-sivo ou por uma lesão mecânica dos tecidos.Outros são sensíveis aos extremos do calor e dofrio22,45.

Algumas noções ligadas à neurofisiologia,pertinentes à dor experimental, explicam algunsaspectos nociceptivos em nível clínico. São elas:o limiar fisiológico, o limiar de tolerância e a resis-tência à dor.

O limiar fisiológico, estável de um indivíduopara outro, pode ser definido como o ponto oumomento em que um dado estímulo é reconhe-cido como doloroso35,38.

Em 1975, Strain verificou que, ao se utilizar ocalor como fator de estimulação, o limiar doloro-so situa-se em torno dos 44oC, não somente parao homem como também para diferentes mamífe-ros. Limiar de tolerância é o ponto em que o estí-mulo alcança tal intensidade que não mais podeser aceitavelmente tolerado e, na experiência aci-ma, alcança os 48oC29. Meyer e cols. (1994)38 acre-ditam que o limiar doloroso, encontrado na fibratermomecânica, situa-se em torno dos 41oC e olimiar de tolerância aos 49oC na fibra mecânico-sensitiva. A média encontrada entre o limiar dolo-roso e o limiar de tolerância à dor estabilizou-seem 45oC38.

Em contrapartida, o limiar fisiológico difere dolimiar de tolerância, pois varia conforme o indiví-duo, em diferentes ocasiões, e é influenciado porfatores culturais e psicológicos1,23,45. Esta compre-ensão difere da compreensão tradicional sobrea dor, que a entende como relacionada direta-

mente à extensão do tecido danificado, reconhe-cendo as características individuais como variá-veis independentes na experiência da dor10.

A resistência à dor seria a diferença entre osdois limiares. Expressa a amplitude de uma esti-mulação dolorosa à qual o indivíduo pode, acei-tavelmente, resistir35.

Além disso, a intensidade da dor tem sidointimamente correlacionada à intensidade de le-são tecidual ocasionada por outros efeitos alémdo calor, seja essa lesão causada por infecçãobacteriana, isquemia tecidual, contusão do teci-do, seja causada por quaisquer outros agentes,tais como os estímulos dolorosos químicos naslesões teciduais, que podem causar dores inten-sas quando injetados sob a pele normal29,45.

A atividade dos receptores nociceptivos émodulada pela ação de substâncias químicas,denominadas algiogênicas, presentes no ambi-ente tecidual, que excitam os receptores quimio-sensíveis, onde se destacam: a acetilcolina, asprostaglandinas, a histamina, a serotonina, a bra-dicinina, o leucotrieno, a substância P, a trombo-xana, o fator ativador plaquetário, as neurotrofinas,os radicais ácidos e os íons potássio38,45.

Substâncias, tais como a bradicinina e algu-mas da prostaglandina, não apenas estimulamas terminações dolorosas quimiossensíveis, comotambém reduzem o limiar para a estimulação tantodos receptores de dor mecanossensíveis quantodos termossensíveis29.

As vias nociceptivas periféricas têm os cor-pos celulares localizados nos gânglios das raí-zes espinais e dos nervos cranianos sensitivose penetram na medula espinal através das raí-zes posteriores e, de certa forma, pelas raízesanteriores44,45.

Na medula espinal os aferentes primáriosoriginam ramos ascendentes e descendentes,compondo o trato de Lissauer, situado juntoao ápice do corno posterior da substância cin-zenta da medula espinal. Após ascender oudescer alguns segmentos medulares, as viasperiféricas fazem sinapse nos neurônios daslâminas I, IV, V e VI, e porções superficiais da lâ-mina II de Rexed, que são subdivisões anatômi-cas e funcionais da substância cinzenta damedula espinal44,45.

O mecanismo de dor referida é processadona lâmina V, localizada no corno póstero-anteriorda substância cinzenta da medula espinal, devi-do ao fenômeno de convergência de aferências

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viscerais, músculo-esqueléticas e cutâneas emunidades neuronais comuns. Uma mesma uni-dade neuronal, recebendo aferências nocicepti-vas provenientes de estruturas tegumentares eestruturas profundas, identifica a origem dos es-tímulos em locais com maior representação noesquema corporal22,45.

A dor, portanto, pode ser gerada por exces-so de estímulos nociceptivos ou por hipoativi-dade do sistema supressor, tal como ocorre emcasos de neuropatias periféricas ou centrais.Em muitos casos, há participação de mecanis-mos periféricos e centrais em sua gênese45.

Não há duvida da existência da relação entrea sensação como fenômeno primário, e a percep-ção como fenômeno secundário, mas essa rela-ção não é observada de forma direta ou linear. Omodelo neuropsicofisiológico da dor envolve apsicologia da percepção e a farmacologia doscircuitos centrais e periféricos da nocicepção,moderados por influências límbicas e corticaissobre o afeto e o comportamento.

DIVERSOS TIPOS E QUALIDADES DE DOR

Dor Aguda

Surge de forma súbita e tem como funçãoalertar o indivíduo para o perigo de uma lesão. Ador aguda geralmente é acompanhada de altera-ções do sistema nervoso autônomo e produz al-terações como: hipertensão arterial, taquicardia,sudorese, irritação química dos tecidos, queima-dura, stress tecidual, espasmos de músculos li-sos etc.).

Segundo o Diagnostic and Statistical Manualof Mental Disorders (4th ed., DSM-IV, 1995), para ador ser considerada aguda, a sua duração deveser inferior a seis meses e, no caso de ser consi-derada crônica, o período é de seis meses oumais.

Dor Crônica

Em um momento ou outro, raras exceções,todos os seres humanos experimentaram, expe-rimentam ou experimentarão sensações doloro-sas. A dor crônica é expressa inicialmente atravésde numerosas afecções orgânicas e funcionais,e a razão maior de incapacidade em diversas afec-ções clínicas. A dor crônica, em algumas situa-ções, proporciona sofrimento desnecessário,nocivo tanto ao estado físico quanto emocionaldo indivíduo1. Sua persistência pode lentificar

muito dos processos de reparação orgânica efuncional, prolongando os custos da assistênciaao doente17,45.

É vista como sendo um dos maiores proble-mas de saúde na sociedade norte-americana.Estima-se em torno de U$ 90 bilhões por ano osgastos com medicações, pesquisas, consultasmédicas, ajudas de custo etc.39.

Quanto à classificação da dor, existem, essen-cialmente, dois tipos: 1. nociceptivo e 2. não-noci-ceptivo. A dor nociceptiva pode ser subdivididaem somática e visceral, e a não-nociceptiva, emneuropática e psicogênica.

Dor de Origem Nociceptiva

DOR DE ORIGEM NOCICEPTIVA SOMÁTICA

Usualmente, como uma sensação dolorosarude. É localizada no tempo e no espaço, e des-crita como pontada, facada, ardor e latejamento.Pode ser exacerbada por movimento e aliviadapelo repouso. Exemplos: dores ósseas, pós-ope-ratória, músculo-esquelética e artrítica.

DOR DE ORIGEM NOCICEPTIVA VISCERAL

É vaga, difusa e geralmente referida em es-truturas distantes daquelas comprometidas. Éassociada a sensações autonômicas, tais comonáusea, vômito e sudorese. Os locais cutâneosreferidos podem ser: ombro ou mandíbula, emrelação ao coração, escápula, com referência àvesícula biliar; e dorso, em correspondência aopâncreas.

Dor de Origem Não-nociceptiva

DOR NEUROPÁTICA

É aquela cuja origem é a lesão ou irritaçãodo nervo. Comumente, são expressas como do-res ardentes ou penetrantes. Estímulos inócuospodem ser percebidos como dolorosos. A maiorqueixa dos pacientes estão relacionadas às sen-sações paroxísticas elétricas, através das doresrelatadas como lancinantes ou fulgurantes. Exem-plos: neuralgia do trigêmio, neuralgia pós-herpé-tica e neuropatia periférica.

DOR PSICOGÊNICA

A dor psicogênica existe quando nenhummecanismo nociceptivo ou neuropático pode ser

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identificado e com componentes emocionais su-ficientes para estabelecer critérios. Doentes comdor crônica apresentam prevalência elevada detranstornos depressivos, de ansiedade, sexuais,somatoformes, factícios e do sono.

ABORDAGEM

COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

NA COMPREENSÃO DA DOR

Embora se deva compreender a dor nos seusaspectos neurofisiológicos, é necessário ressal-tar a importância de ter cautela nesta visão unidi-mensional. Sabe-se que teorias atuais sobre aexperiência dolorosa requer uma postura mais fle-xível, reconhecendo as características individuaisdaquele que sofre, pois esta é uma experiênciacomplexa, multidimencional, onde aspectos sen-soriais, afetivos, cognitivos, comportamentais,culturais e sociais estão interagindo.

Ao encontro a esta abordagem, a teoria cog-nitivo-comportamental pode ser considerada umadestas correntes que evidencia que o fenômenodoloroso é resultante de fatores sensoriais, afeti-vos e comportamentais39.

Dowd (1996)21 refere-se a estes fatores da se-guinte forma: 1. Os indivíduos relativamente inati-vos são especialmente vulneráveis à experiênciadolorosa; não têm mais com que ocupar a aten-ção a não ser concentrar-se na sua dor; 2. A ex-periência de dor pode aumentar a quantidade deemoções, elevando o nível de ansiedade, tornan-do os indivíduos mais nervosos e possibilitandoum maior agravamento da dor; 3. Os comporta-mentos de dor são manifestados através das quei-xas verbalizadas aos profissionais de saúde, bemcomo por suas lamentações, o andar rígido, oesfregar da área dolorida e pela tensão muscular.Além disso, servem como estímulos a lembrá-losconstantemente da dor e, através da tensão mus-cular, provocam uma dor adicional.

A abordagem cognitivo-comportamental, emdor, evoluiu a partir das pesquisas de problemaspsicológicos como ansiedade, depressão e fo-bias1,42,52. Baseia-se no enfoque cognitivo, se-gundo o qual afetos e comportamentos sãodeterminados pelo modo com que o indivíduoestrutura seu mundo. Tem como paradigma con-ceitual a relação entre as variáveis ambientais, oprocessamento cognitivo, os afetos e os compor-tamentos, e, neste modelo, os pensamentos mo-dulam e mantêm as emoções disfuncionais,independentes de suas origens. Desta forma as

cognições são as mediadoras das relações en-tre os impulsos aferentes do mundo externo e assuas reações40.

Em 1994 Turk e Meichenbaum52 sugeriramque a maioria das pesquisas sobre a eficácia dosprogramas de manejo da dor focaliza duas for-mas de abordagem: condicionamento operan-te, desenvolvida por Fordyce e cols. (1973)24 ecognitivo comportamental descrita por Turk ecols.49-51 Os denominadores comuns da aborda-gem do condicionamento operante e cognitivo-comportamental, segundo Turk e Meichenbaum52,são:1. O interesse na natureza e na modificação dos

pensamentos, sentimentos, crenças e compor-tamentos dos pacientes portadores de patolo-gias dolorosas.

2. O compromisso do paciente e da equipe desaúde com os procedimentos da terapia com-portamental na promoção de mudanças.

Muitos pacientes, apresentando propensãoà dor, exageram o desconforto, evidenciam com-portamento autopunitivo, mas negam a relaçãoentre aspectos psicológicos e o sofrimento. Noentanto, a atenção e o estado afetivo podemmodificar a experiência frente à dor39.

Aspectos cognitivos e motivacionais explicama capacidade que os indivíduos apresentam parao controle da dor e como o comportamento de-les pode ser influenciado por fatores ambientais.A queixa de dor eleva a atenção das pessoassobre o indivíduo e este pode utilizá-la para com-pensações pessoais. Este mecanismo reforça ocomportamento doloroso, ampliado quando nãose reforça a sensação de bem-estar52.

Na abordagem comportamental do controleda dor são enfatizados padrões mutáveis de re-forço social, dependentes do comportamento re-lacionado à dor31.

As dimensões sociais da experiência doloro-sa raramente encorajam o indivíduo a enfrentá-lasozinho e favorecem a resposta aos estímulos emtermos das expectativas comportamentais defi-nidas por sua identidade e posição social25. É umasituação que pode ser convertida em algo muitoreforçador socialmente e, também, persistir mes-mo após ter desaparecido a base física da dor,devido ao fato de alguns pacientes se beneficia-rem economicamente21. Nesses casos, a dor éclassificada como um operante, ou seja, é influ-enciada por ganho secundário, ou respondente,mesmo que induzida por um estímulo físico noci-vo. Normalmente, os reforçadores potenciais que

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encontramos mantendo o comportamento dolo-roso é o afeto, a atenção que desperta nas pes-soas por possuir a dor e, também como já citadoanteriormente, os benefícios financeiros (afasta-mento no trabalho, indenizações etc.).

Qualquer dor pode, gradualmente, sertransformada em dor operante, à medida que ocomportamento de dor é reforçado. Essa com-preensão retrata claramente a conceituação bá-sica da teoria comportamental em que a dor teriaa função de obtenção de reforçadores. Uma ou-tra questão a ser levantada nesta mesma linhade pensamento é que a resposta de dor é mo-delada por fatores externos e que, mesmo naausência de estímulos dolororos, o comporta-mento de dor pode continuar a existir. Este pro-cesso pode ser revertido, empregando-seprincípios de reforço positivo para comportamentode não-dor.

Os problemas psicológicos em pacientescom dor crônica podem ser causados por umavariedade de fatores que incluem: abuso de me-dicação, falta de habilidade social ou ocupacio-nal, dificuldades financeiras e desligamento dasatividades pessoais e sociais39.

O constructo do comportamento da dor emer-giu como um componente-chave das formulaçõescomportamentais da dor crônica. Estas formula-ções enfatizam o papel das influências da apren-dizagem social podendo desenvolver e propiciara manutenção dos comportamentos dolorosos32.

Neste tipo de abordagem, o terapeuta ofe-rece ao paciente a oportunidade de questionar,reavaliar e adquirir autocontrole sobre seus pen-samentos, sentimentos, comportamento e res-postas fisiológicas desadaptativas. As técnicascognitivo-comportamentais envolvem também ocondicionamento operante, podendo ser utiliza-do de forma integrada a estas.

Esta abordagem, tendo muito em comumcom a conceituação multidimensional da dor,pode ser associada a outros tratamentos so-máticos e psicológicos. Tanto a abordagemcognitivo-comportamental como a “Teoria dasComportas” desenvolvida em 1965, por Melza-ck e Wall (apud Turk e Melzack, 1992), enfatizama importância da contribuição de variáveis psi-cológicas como percepção, controle, afeto, sig-nificado e interpretação do estímulo nocivo e dador na experiência dolorosa total52.

Sob esta dimensão, o tratamento da dor nãose limita à interrupção do afluxo sensorial, masinclui, também, interferências nos fatores cogniti-vos e motivacionais afetivos da experiência32,52,53.

DOR E ANSIEDADE

A dor pode ser considerada uma experiênciaprivada e subjetiva, mas ela é, invariavelmente,descrita nos termos das propriedades sensoriaise afetiva46.

Uma das características a influenciar o esta-do da dor é a ansiedade (Dressen e Merckbach,1991)6,17,35,52. Um dos componentes afetivos dador é, primeiramente, visto como contendo umaqualidade negativa e uma maior atenção é dis-pendida aos pacientes com dor crônica46. A ansi-edade é, também, associada com o aumento dapercepção da dor e com os fatores que aumen-tam e complicam o risco da saúde física, prolon-gando a experiência dolorosa58. A respostaemocional básica do indivíduo à dor, na medidaem que ela representa um evento ameaçador, é ada ansiedade aguda e todas as reações fisiológi-cas que a acompanham35.

Em 1973, Melzack36 relatou que a ansieda-de aumenta o estado da dor, desde que o paci-ente não seja informado sobre o seu estado real.Além disso, pode baixar o limiar da dor, cau-sando algumas sensações que são interpreta-das, pelo paciente, como se fossem dor e vistascomo um dos problemas que limitam a habili-dade médica, no caso de um procedimento in-vasivo58.

Um possível mecanismo para reduzir os efei-tos da ansiedade sobre a dor é a utilização defármacos6 ou informar ao paciente sobre o seuestado atual, esclarecer sobre os procedimentosque serão utilizados e os possíveis resultados aserem obtidos durante o tratamento8,9,35,39,51. Téc-nicas de relaxamento são muito utilizadas em pa-cientes com dor crônica, no nível de relaxamentomuscular e redução dos níveis de ansiedade8,9,17.

Asmundson e Norton (1995)7 relataram, emestudos sobre ansiedade e sensibilidade em pa-cientes com dores lombares, que a crença a res-peito das sensações corporais provém do medode situações sociais, somáticas e de prováveisconseqüências psicológicas.

Podem existir algumas diferenças concei-tuais entre ansiedade e medo15, sendo a ansie-dade vista como um transtorno emocionalgeneralizado e o medo uma emoção aversivaprovocada por um estímulo externo específico,embora não se tenha concluído ser a distinçãoútil na hora de definir o tratamento. Podendo aansiedade ser produzida por estímulos internos,como é o caso do pânico, a distinção entre

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medo e ansiedade chega a ser irrelevante parapropósitos de tratamento19

As contradições a respeito das informaçõessobre as relações entre dor e ansiedade podemrefletir as dificuldades para definir e mensurar ador e a ansiedade claramente, e como as pesso-as se tornam menos ou mais à vontade para sequeixar de dor quando estão ansiosas16. Segun-do o autor, a dor e a ansiedade resultam dacontribuição para a deterioração de um ciclo vici-oso, mesmo que contribua para a descompen-sação das desordens física e psicofisiológica.

A este respeito, Asmundson e Norton (1995)7

verificaram não ter sido considerado o impactopotencial do traço de personalidade disposicio-nal que poderia estar diretamente relacionado aoacesso dos pacientes envolvidos com os com-portamentos e/ou respostas ansiosas de medoou evitação, quando confrontados com os rela-tos de situações e/ou sensações de dor.

Gatchel (1996)27 revelou o surgimento de con-trovérsias na categoria de desordem somatofor-me de dor, com 77% dos pacientes excluídos doscritérios diagnósticos e 59% encaixando-se, pelomenos, em um critério diagnóstico. De 59% dospacientes que se encaixam em apenas um crité-rio diagnóstico, 54% apresentam depressãomaior, 94% por abuso de substâncias e 95% pordesordens de ansiedade.

DOR E DEPRESSÃO

De forma geral, 50% a 60% dos pacientescom depressão não são diagnosticados, poisqueixas associadas tendo como causa a depres-são, a fadiga, a perda de peso, a cefaléia, as alte-rações gastrointestinais, as dores e alterações dosono, freqüentemente, recebem maior atenção domédico não-psiquiatra30.

Gatchel (1996)27 verificou que pacientes aten-didos em atenção primária por médicos não-psi-quiatras, com queixa inicial de outra natureza,podem constatar a relação da dor com certosproblemas psicológicos, tal como a depressão.

Darini (1991)17 acredita ser a depressão umdos fatores psicológicos mais pesquisados nospacientes com dor crônica. Alguns pacientes, po-rém não todos, desenvolvem depressão secun-dária através da dor crônica27.

Dores crônicas, em geral, produzem uma al-teração permanente na vida de um indivíduo,modificando seu próprio comportamento, sua in-

serção familiar e social, enquadrando-o como in-divíduo sem habilidades, sujeito às disposiçõessociais estabelecidas para esta categoria26. Emobservações de pacientes depressivos com cân-cer, Greenberg (1997)28 relatou ser a própria his-tória de vida do paciente o maior fator de risco nadepressão, bem como a história familiar da de-pressão, a dor crônica, o uso de esteróides e dointerferon, o isolamento social e a deficiência hor-monal verificada no câncer de próstata e demama.

Para Violon (1982)57 56% de seus pacientesacreditavam que fosse uma causa somática ofator precipitante da dor, e já estavam deprimidosantes do evento físico. Bradley (1995)8 esclareceque o paciente, além de apresentar mudançasno humor, apresenta sinais vegetativos, como dis-túrbio do sono, mudanças no hábito alimentar oudiminuição da libido. Entretanto, alguns médicossão mais cuidadosos na observação da evolu-ção do quadro depressivo, devido aos sinais ve-getativos poderem ser produzidos pelo usoexcessivo de analgésicos ou pela experiência dador crônica2.

De acordo com Turk e Okifuji (1994)47, a de-pressão pode ser uma variável interveniente narelação entre dor crônica e queixas somáticas. Ossintomas somáticos podem ser de menor valorno diagnóstico de depressão em pacientes comdor crônica, mas eles não podem ser confundi-dos, desde que um número suficiente de sinto-mas psicológicos esteja presente. Quando a dorse torna um problema persistente durante váriosmeses ou anos, os indivíduos tendem a pensarde forma negativa e autodestrutiva, provocandoefeitos profundos, generalizando seus pensamen-tos depressivos e negativos, de forma inadequa-da, a respeito de si próprios39.

No tratamento da depressão em pacientescom dor crônica, os antidepressivos tricíclicos,entre as intervenções farmacológicas mais utili-zadas, ocupam lugar de destaque, visto que tam-bém respondem por efeitos analgésicos, pelaação direta em mecanismos centrais da modula-ção da dor25.

Atualmente, autores como Merskey (1994)37;Bradley (1995)8; Philips e Rachman (1996)39 re-latam que os fatores centrais, tais como respos-tas de ansiedade ou stress, encontrados empacientes com dor crônica, podem contribuirpara associações inconsistentes entre medidaspsicofisiológicas e relatos de pacientes de ou-tras populações.

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DOR E STRESS

O pensamento é um dos fatores psicológi-cos a influenciar a dor e, freqüentemente, é umafonte geradora de stress. Os indivíduos mais vul-neráveis encaram com dificuldade os eventos quepodem desenvolver a resposta da dor, e muitasvezes o stress ocorre em conjunto com a dor crô-nica37. Assim, o stress pode agravar a intensida-de da dor, e a dor, por outro lado, pode criar stress.Por exemplo, Lehrer e Murphy (1991)33 encontra-ram em pacientes que sofrem de cefaléia crônicaestímulos de calor na região frontal do cérebro,devido ao stress causado pela reação dolorosa.

Arena e Blanchard (1996)5 discutem o meca-nismo vascular da cefaléia através de dois fato-res causais na cadeia de eventos que culminamcom a vasodilatação e especialmente relevantesaos psicólogos e terapeutas não-médicos: ostress psicossocial, que pode resultar na sensibi-lidade alimentar ou alérgica, e o papel de exacer-bação do stress, que parece mais tônico do quepaliativo.

Para Lipp e Malagris (1995)34 o stress podeprovocar uma reação orgânica, com componen-tes físicos e/ou psicológicos, tendo como causaas alterações psicofisiológicas que ocorrem quan-do o indivíduo se confronta com situações quepodem ser agradáveis ou desagradáveis, comoé o caso da dor. Nesse momento é importantenotar um círculo vicioso entre o desenvolvimentoda dor e o estado emocional, aumentando a ten-são experienciada em face da dor. Os pacientescom dor crônica sentem-se impotentes e incapa-zes frente aos seus próprios sentimentos e, nes-tes episódios, as reações emocionais sãoincontroláveis, apresentando respostas como:agitação, ansiedade, tensão muscular, irritabilida-de e frustração39, definidas, mais claramente, sedivididas em três áreas: emocional, comporta-mental e fisiológica55.

Bradley (1995)8 relatou que os fatores cen-trais, tais como respostas de ansiedade ou stress,também podem contribuir para associações in-consistentes entre medidas psicofisiológicas e re-latos de sintomas entre pacientes de outraspopulações, no caso de pacientes com refluxogastroesofágico.

Podem ocorrer outros sintomas corporais li-gados ao stress, segundo Catalano e Hardin(1996)12, tais como: o aumento dos batimentoscardíacos e da pressão sangüínea, sudorese, mu-danças na respiração, pele quente e úmida, bocaseca, adrenalina e a liberação de outros hormô-

nios na corrente sangüínea, causando vasocons-trição e aumento do tônus muscular. Uma dascausas biológicas encontradas é a liberação daadrenalina oriunda do sistema nervoso simpáticoe de outros hormônios, tais como o cortisol e ohormônio do crescimento14.

Pesquisas recentes relacionam os sintomasdo stress com uma ativação do sistema nervosoautônomo, associados aos padrões de respostafisiológica na pressão sangüínea e a diminuiçãoda temperatura periférica20. Uma das técnicasmais utilizadas para ajudar a alterar os sintomasfísicos do stress nos pacientes com dor crônicatem sido o relaxamento8,12,14,39.

As técnicas mais utilizadas para a inoculaçãodo stress em pacientes com dor crônica têm sido:a reconceitualização educacional da dor; a aqui-sição de habilidades e estratégias de enfrenta-mento que incluem o relaxamento muscularprogressivo, o treino autogênico, as técnicas derespiração e a hipnose5,12,14,16,18,39,43,56.

O treinamento em inoculação de stress en-fatiza as complexas relações interdependentesentre os fatores afetivos, fisiológicos, comporta-mentais, cognitivos e sociais13,16,55. Não pressu-põe uma centralização ou uma influência causalprimária de nenhum fator18. A inoculação de stressvisa ajudar os pacientes a enfrentar estados aver-sivos através do aumento de suas habilidades deautocontrole18,41.

TRATAMENTO

COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

Na literatura cognitivo-comportamental a prin-cipal prioridade no tratamento da dor crônica éensinar o paciente a enfrentar e reduzir a dor e,num segundo momento, ensiná-lo a empregar astécnicas cognitivas para rebater as crenças quedestroem sua aceitação da responsabilidade noemprego de técnicas de enfrentamento e auto-gerenciamento.

AVALIAÇÃO INICIAL

A primeira sessão consiste de uma avalia-ção inicial, onde é levantada a história completadas queixas sintomáticas, comportamentos as-sociados, acontecimentos importantes de vida,infância, história familiar e conjugal, médica, tra-tamentos antiálgicos, abusos de substâncias etc.

Uma análise completa deve verificar os tiposde dor e as circunstâncias associadas, bem como

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suas localizações corporais e prováveis desen-cadeadores passíveis de identificação. Os dadosrelatados pelo paciente devem ser reunidos deacordo com o padrão e a freqüência da ocorrên-cia, duração e intensidade de cada tipo de dor.

Deve-se também levantar informações sobreas estratégias de enfrentamento, tratamentos pré-vios e uso ou abuso de medicações.

Além da entrevista clínica, são administradosquestionários de auto-avaliação a serem preen-chidos. Os mais utilizados são: o Questionário deDor McGill — MPQ, que permite identificar oscomponentes sensitivos e afetivos da dor; o In-ventário Multidimensional de Dor — MPI, que pro-porciona uma avaliação multiaxial das dimensõesmédico-físicas, psicossociais e comportamentais;a Escala Analógica Visual — VAS, que permite aavaliação imediata da intensidade da dor; o In-ventário Beck de Depressão — BDI; o Inventáriode Ansiedade Traço-Estado — IDATE, e na avali-ação de fatores físicos e emocionais, o ISS — In-ventário de Sintomas de Stress1,2.

Nessa fase inicial é primordial a construçãode uma análise funcional do paciente com dor.Esse método de diagnóstico possibilita analisaro comportamento doloroso no que diz respeitoàs variáveis causais e mantenedoras do compor-tamento. Para isto, leva-se em consideração asvariáveis históricas e as variáveis ambientais ime-diatas que podem estar relacionadas ao compor-tamento doloroso. Apenas mediante uma análisefuncional do paciente atendido, é que será possí-vel a seleção de técnicas de intervenção apropri-adas. Descrevemos aqui um modelo explicativo,baseado em análise funcional para explicação docomportamento doloroso

TÉCNICAS

COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS

As estratégias para o manejo da dor crônicaincluem:

Informar os Resultados Obtidos naAvaliação Inicial (Inclusive da AnáliseFuncional)

A avaliação dos aspectos sensitivos, afetivose comportamentais dos pacientes é importanteporque a ansiedade, a depressão e outras anor-malidades podem contribuir para os maus resul-tados do tratamento. Escalas de avaliação da dore da incapacidade permitem quantificar o resul-

tado das terapias adotadas. Atitudes encoraja-doras e a exposição clara e polida das situa-ções clínicas, das propostas terapêuticas, dosriscos e das perspectivas devem ser esclareci-das, de modo que permita melhorar a aderên-cia ao tratamento e aumentar a confiança nasatitudes terapêuticas.

Além disso, será na fase da avaliação queo paciente passa a conhecer e ter discrimina-ção de que a dor é real, que pode e merece sertratada.

Propor o Uso do RelaxamentoMuscular Progressivo

Ele diminui e evita espasmos musculares,reduz e controla a tensão muscular e ajuda nocontrole de outros mecanismos fisiológicosenvolvidos no estímulo do sistema nervoso ena produção da dor, além de reduzir a ansieda-de, melhorar o sono e na distração do doentecom dor. A técnica de relaxamento é baseadano condicionamento operante, e seu uso empacientes com dor possibilita que respostas re-flexas de tensão sejam substituídas por respos-ta de relaxamento.

Engajamento em Atividades Sociaise de Lazer

Deve ser explicada ao paciente a importân-cia das atividades sociais e de lazer. Ir ao shop-ping, cinemas, jantares, festas, visitar os amigosetc.

Estimulá-lo a desenvolver tais atividades fazcom que não enfoque a dor como sua parceira,pelo contrário, reduz o tempo que se sente inati-vo. Além disso, possibilita que estes pacientesencontrem reforçadores sociais potenciais, subs-tituindo os possíveis reforçadores voltados à dorcrônica.

Exercícios Físicos

Os exercícios físicos fortalecem a muscula-tura, apesar do desconforto que proporcionam,diminuem a dor e favorecem o tônus muscular,a força, a flexibilidade e a resistência muscular.Os agravamentos da dor devido aos exercíciossão considerados normais, pois significam queo músculo que está sendo exercitado ficou en-fraquecido pela falta de treino. Também pela li-beração de endorfina como conseqüência da

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atividade física, possibilita a melhora do humor,tão prejudicado na maioria dos pacientes comdor crônica.

Reforço Diferencial de ComportamentoAdequado

Os comportamentos adequados devem serreforçados tanto pelos cuidadores quanto pelosprofissionais envolvidos no tratamento. Todo equalquer comportamento apresentado pelo pa-ciente que não seja de fuga ou esquiva deve serreforçado, pois assim se mantém motivado a de-senvolver as diversas atividades propostas. Aquideve ser lembrado que o doente com dor crônicanão é e jamais deverá ser considerado incapazpara desenvolver qualquer tipo de atividade.

Devido à importância dos cuidadores, emgrande parte dos casos é necessário um acon-selhamento com estes para que possam partici-par ativamente do tratamento.

Desenvolvimento de HabilidadesSociais e Treino Assertivo

Estimular o paciente a expressar seus senti-mentos de raiva, ódio, amor, tristeza, euforia, de-pressão, ou seja, as noções de domínio pessoal.A participação em atividades sociais, grupais,novos relacionamentos e encorajá-lo, antes detudo, a buscar novos objetivos de vida e a ter umavida emocional, mesmo que limitada.

Distração

Atualmente, vários pesquisadores têm ado-tado a técnica de distração e observaram a suaeficácia no manejo de dores leves e moderadas,segundo Agelotti, 20041a:• Imagens agradáveis: pedir ao paciente que ima-

gine situações agradáveis, que não estejam li-gadas à dor.

• Imagens dramatizadas: imaginar situações di-fíceis, torturantes, incômodas, que, ao final,consegue livrar-se da dor sem o auxílio de in-termediários.

• Imagens neutras: fixar o pensamento em no-vos objetivos, tais como: planejar novas ativi-dades, filme a que assistiu, elaboração de umnovo cardápio semanal etc.

• Concentração ambiental: buscar identificar algoque precisa ser renovado na residência, roupas,verificar a quantidade de livros que possui etc.

• Atividade rítmica: contar ou cantar músicas deque mais gosta etc.

Reestruturação Cognitiva

A reestruturação cognitiva permite que o pa-ciente identifique pensamentos que afetam seuhumor e estado físico. Implica analisar a formade pensar a respeito do problema, permitindo acorreção de erros lógicos ou de conteúdo. Nes-tes casos são utilizados os diários de registro dedor, onde o paciente descreve os episódios es-pecíficos de dor, a situação no momento da dor,o que estava pensando e o que sentira antes,durante e depois do episódio da dor e o que ten-tara fazer para diminuí-la. A técnica de reestrutu-ração cognitiva possibilita, acima de tudo, revercrenças disfuncionais que podem estar manten-do e eliciando um estado doloroso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando nos dispomos a atender paciente comdor, deve-se ter claro que necessitamos de conhe-cimento apurado no que diz respeito aos meca-nismos, à fisiopatologia e aos mecanismos da dor.O paciente com dor crônica, quando chega a umconsultório psicológico, normalmente já percorreuclínicas, consultórios, hospitais, seitas religiosas nabusca de “algo ou alguém que lhe retire a dor”.

Deve-se, então, compreender seu sofrimen-to e ensiná-lo a aceitar a posse da dor. Geralmentesão pacientes difíceis de se tratar, pelo desgasteemocional que estas experiências costumam tra-zer e também porque socialmente devemos en-frentar e suportar a dor. Devemos, portanto,concebê-los com o um ser biopsicossocial, e quesem a compreensão do interjogo destas variá-veis é infrutífero tentar ajudá-los.

As técnicas aqui expostas são consideradaseficazes no tratamento para dor crônica, desdeque aplicadas por profissionais capacitados nomanejo da psicoterapia cognitivo-comportamen-tal e com experiências anteriores ao tratamentoda dor crônica.

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16CAPÍTULO

Sobre o Método deBiofeedback e sua

Utilização emDoentes com Dor

DIRCE NAVAS PERISSINOTTI

A Psicofisiologia é o campo de estudo queexamina as relações entre as atividades mentaise as funções físicas. Um dos ramos de investiga-ção científica é a conexão corpo-mente: interes-sa-se pelas características mentais que afetam ocorpo, assim como as experiências das informa-ções corporais e as alterações induzidas nelepelas emoções. A Psicofisiologia aplicada é dis-ciplina que se utiliza destas informações para pro-pósitos práticos, especialmente a investigação docontrole das funções corporais e problemas desaúde mental.

A palavra biofeedback foi cunhada no final dosanos 60 para descrever os procedimentos desen-volvidos desde 1940 para treinamento que alte-ram a atividade cerebral, pressão sangüínea,tensão muscular, freqüência cardíaca e outrasfunções corporais que voluntariamente não seri-am controladas2.

Desde o início a técnica foi desenvolvida porpsicólogos visando tornar conscientes as funçõescorporais normalmente inconscientes, como pul-so, digestão e temperatura corpórea, através detécnicas de monitoramento, proporcionando aoindivíduo o desenvolvimento de controle poraprendizagem implícita. Novos insights estabele-cem-se entre o comportamento biológico e omental, sendo possível o avanço de sua integra-ção através desta técnica de maneira científica4.

O biofeedback é um método psicofísico. Ométodo pode detectar funções internas corporaiscom grande sensibilidade e precisão. É uma téc-nica de treinamento, onde o indivíduo aprende amelhorar sua condição de saúde usando sinaisde seu próprio corpo. Picos de sinais elétricosmusculares, de atividade elétrica ou de tempera-tura, entre alguns, são detectados e traduzidostoda vez que for ativado, tensionado. Objetiva orelaxamento, diminuindo a tensão ativadora, rea-justando-o ao sinal padrão. Essas estratégias pro-piciam a aprendizagem por associação desensações, ocorrendo desenvolvimento de umnovo hábito, mais saudável. Depois do tratamen-to o padrão de resposta mantém-se mesmo quehaja a ativação estímulo eliciador da resposta ori-ginária disfuncional6,8.

A palavra inglesa biofeedback poderia tradu-zir-se por “biorretroinformação”, posto que seuscomponentes são a palavra grega bio (vida) e apalavra inglesa feedback que as ciências eletrô-nicas traduzem como “retroinformação”19.

Define-se a biorretroinformação como umatécnica que incrementa a capacidade do indiví-duo para controlar — até certo ponto — volunta-riamente as atividades fisiológicas pelo fato defornecer informações acerca das mesmas. Maisconcretamente, se um indivíduo pode receber in-formação acerca de seu estado tensional, esta-

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rão dadas as condições necessárias para quepossa relaxar. Enquanto começa a relaxar, estainformação é percebida, captada pelo instrumentoexterno, que, por sua vez, informa novamente aoindivíduo sobre seu progresso, e assim sucessi-vamente. Dessa maneira, o indivíduo, ao verificaro seu relaxamento progressivo, desenvolve me-canismos de controle interno e modifica seu com-portamento. É importante destacar que estesinstrumentos não induzem ao estado de relaxa-mento senão por fornecer a informação para queo indivíduo possa obter a mudança desejada14.

Pesquisas vêm, dia a dia, revelando que aaprendizagem obtida pelo processo involuntáriotem eficácia e efetividade mais vantajosas queoutras técnicas, tanto para os sistemas de saú-de, como para os serviços assistencias e, princi-palmente, para os doentes12,16,19,23,24.

Através de pesquisas clínicas e suas aplica-ções, o biofeedback tem sido amplamente utili-zado, em especial nos Estados Unidos, Canadáe na Europa (Bélgica, Suíça e Itália) como técnicaque produz extensas aplicações para várias mo-dalidades de tratamento em diferentes condiçõesmédicas agudas e, principalmente, crônicas.

Não fornece qualquer desconforto ao doen-te, uma vez que a mudança comportamental éinduzida de maneira progressiva e relativa às difi-culdades individuais.

O método de intervenção prevê avaliaçãopsicodiagnóstica e posterior intervenção clínicacom duração média de 10 a 12 sessões, porémo processo de reabilitação demandaria um perío-do maior, de 15 a 40 sessões.

Como técnica aplica-se em áreas muito di-versas. No campo da medicina, por exemplo, paratratamento de enxaquecas, cefaléia tensional, hi-pertensão, arritmias cardíacas, enfermidade deRaynaud, paralisias, danos na coluna vertebral eoutras afecções motoras, para o alívio das con-seqüências de acidentes vasculares cerebrais,aneurismas, danos traumáticos do cérebro, es-clerose múltipla, epilepsia, hipoglicemia e diabe-tes, epilepsia, síndrome pré-menstrual, dorescrônicas, incontinência urinária, entre inúmerasoutras aplicações. No campo da Psicologia em-prega-se para o tratamento de fobias, depressão,ansiedade, insônia e stress, dentre algumas situ-ações clínicas17,18,26,27.

A biorretroinformação é uma ferramenta paraa aprendizagem da auto-regulação fisiológica. Ameta é tornar o conteúdo involuntário voluntário eobter a mudança comportamental através dos

próprios processos fisiológicos. A idéia é que coma prática o indivíduo aprenda a modificar suasreações frente ao stress ou à tensão até que osinstrumentos de biorretroinformação deixem deser necessários, pois, ocorrendo a aprendizagem,ocorrerá a automatização decorrente do condici-onamento27,30,33,34.

Entende-se, neste contexto, por aprendiza-gem todo processo pelo qual um indivíduo mo-difica suas condutas ou incorpora novas, de umamaneira permanente. No caso da biorretroinfor-mação, o doente aprende a controlar — até cer-to ponto — voluntariamente seus parâmetros deresposta fisiológica de maneira cada vez maiseficaz.

A mecânica da terapia é simples: utiliza-sedos aparatos eletrônicos para monitorar as mu-danças dos processos corporais que se aprendea regular. Conectam-se ao doente uma série deeletrodos que irão ligar-se a um decodificador li-gado a um computador com um software que tra-duz os estados fisiológicos em distintos tipos deregistros. Esses estados fisiológicos são obser-vados pelo doente na tela do computador, e as-sim o doente pode informar-se sobre o nível dereação galvânica da pele, da variação de tempe-ratura corporal, do ritmo cardíaco, de sua ativida-de muscular, do fluxo sangüíneo, da atividade dasondas cerebrais e da respiração19,37,39.

Os instrumentos utilizados são o eletromió-grafo, o eletroencefalógrafo, o eletrodermógrafoe o termógrafo, que amplificam a variável fisioló-gica que se esteja medindo. A utilização do mé-todo mais apropriado depende do doente e doproblema específico.

Os estudos sobre o biofeedback originam-seem distintos campos de investigação. Por umlado, os estudos sobre condicionamento instru-mental ou operante de respostas autonômicas —aqueles que se baseiam no paradigma operante— sustenta que um indivíduo modificará sua con-duta sobre a base de recompensa e punição (as-sim, uma mudança favorável no estado fisiológicopoderá ser considerado um reforço positivo quelevará o indivíduo a consolidar a conduta para al-cançar e manter este estado). Por outro lado,aqueles que argumentam sobre controle de rit-mos corticais e aprendizagem de habilidadesmotoras aplicam o paradigma cibernético, isto é,o princípio da biorretroinformação4,38,42,45.

Os primeiros estudos sistemáticos sobreaprendizagem instrumental ou operante de res-postas autonômicas com seres humanos apare-

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ceram nos primeiros anos da década de 1960.As principais respostas estudadas incluíam flutu-ações eletrodérmicas, incrementos e diminuiçõesna taxa cardíaca e respostas vasculares. Os pro-cedimentos de condicionamento mais utilizadoseram a aprendizagem de evitação por reforça-mento negativo e a aprendizagem discriminativapor reforçamento positivo. Em ambos os casosera freqüente a utilização, de forma complemen-tar, de um feedback auditivo ou visual das res-postas autonômicas. Porém, a investigação quemarcou a origem da utilização dos procedimen-tos de biofeedback constituem os estudos sobreo controle de habilidades motoras e de ritmos ele-troencefalográficos, onde se aplicavam princípioscibernéticos da teoria de controle de sistemas6,8.

O padrão fixo de resposta será a reproduçãode um protocolo (gravado) que se manterá fixopara todos os doentes. Como o doente podeobservar seu êxito ou fracasso, produz-se a apren-dizagem inconsciente associativa, que permitemodificar a contratura muscular ou o fluxo san-güíneo e, conseqüentemente, romper o círculo vi-cioso da dor → stress → tensão → maiorpercepção da dor.

Segundo Borgeat (1981)13, estudos futurosdeveriam dedicar-se ao desenvolvimento de te-mas relacionados à eficácia do biofeedback que,como terapêutica para cefaléia, já é bem estabe-lecida, investigando a especificidade eventual datécnica de tratamento em relação a outras técni-cas de auto-regulação e clarificando sua impor-tância associada à aceleração ou generalizaçãoda aprendizagem por retroalimentação biológica.

O emprego da técnica de biofeedback pres-supõe a existência de certas reações entre osestados fisiológicos e o bem-estar psicológico,ou seja, entre parâmetros corporais e psíquicos.Neste sentido, podemos mencionar a medicinapsicossomática, que ressalta a unidade corpo-mente e a interação entre os dois elementos. Nogeral, existe a convicção de que os fatores psico-lógicos são importantes no desenvolvimento detodas as enfermidades17.

Enfatiza-se, na atualidade, a necessidade deincorporar à teoria psicossomática fatores interin-dividuais, assim como o papel do sistema nervo-so central, os mecanismos cognitivos, afetivos eperceptivos que podem mudar as respostas neu-rovegetativas e imunológicas.

Esta nova área de investigação, denominada“medicina comportamentalista”, tem como temá-tica a importância da participação ativa do doen-

te na solução de problemas. Destaca-se, assim,que o comportamento do enfermo é essencialtanto para o desenvolvimento da enfermidadecomo para sua cura4. O tratamento de problemasmédicos com a participação ativa do doente éuma das características do biofeedback, o quelevaria a enquadrar esta técnica dentro do cam-po da medicina comportamentalista.

Neste processo terapêutico a intervenção dopsicólogo é fundamental, à medida que tal pro-cesso é essencialmente uma aprendizagem decondutas, podendo surgir inconvenientes, taiscomo problemas de aprendizagem, dificuldadespara aprender condutas novas e problemas decontenção emocional, cujo cerne dos problemaso profissional psicólogo está especialmente pre-parado para diagnosticar e acompanhar em seuprocesso terapêutico.

Assim, o processo do biofeedback vem, emalgumas oportunidades, sendo aplicado por ou-tros profissionais que não especialistas na Psico-logia e resultando em aplicação mecânica sem adevida observância das características dinâmicase comportamentais, pois outros profissionais nãoforam formados para o diagnóstico destas situa-ções clínicas. Há, no entanto, relatos na literaturade insucesso do método ou de que sua aplica-ção não objetivaria o alívio apregoado. Porém,pouco se tem escrito sobre as estratégias queacompanham a aplicação do método, por muitasvezes não serem observados os fundamentos bá-sicos da técnica (relaxamento) para a modifica-ção do comportamento. O profissional psicólogoé o responsável único por estas tarefas, seja noBrasil, seja nos demais países do mundo.

Por volta dos anos 50 concluía-se um estudosobre iogues na Fundação Menninger e na Fa-culdade de Medicina da Universidade de Harvarde estabeleceu-se que eles efetivamente os po-diam controlar o funcionamento de órgãos iner-vados pelo sistema simpático, iniciando-se apopularização da biorretroalimentação como téc-nica útil.

No final da década de 1960, graças em parteaos avanços tecnológicos que permitiram a fabri-cação de melhores equipamentos para a mensu-ração e aferição de processos fisiológicos e apublicação de diversos trabalhos científicos emque se reportava como os indivíduos desenvol-viam a aprendizagem, surge mais marcadamen-te o advento do emprego desta técnica com NealMiller, que aplicou o princípio de que o sistemanervoso autônomo, embora responsável pela re-

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gulação involuntária, sofre ação do controle vo-luntário quando aqueles tornam-se conscientes,desenvolvendo-se a aprendizagem e, portanto,mudança e controle sobre a função e sensaçãoinvoluntária.

Um dos primeiros antecedentes de biofeed-

back foi desenvolvido por Schultz, em 1969, naAlemanha, e Luthe, em 1969, nos Estados Unidos:ensinava-se aos doentes a utilizar o feedback dafreqüência cardíaca através de uma técnica derelaxamento denominada “treinamento autóge-no”. O Treinamento Autógeno é uma técnica derelaxamento que baseia-se na repetição de cer-tas expressões curtas por um breve período —30 segundos —, estimulando a imaginação acer-ca do que se repete. Isto alcançava-se colocan-do-se as mãos sobre o peito até detectar os ruídoscardíacos e utilizando o treinamento autógenoobtinha-se a diminuição da freqüência cardía-ca41,43. Este feedback denominou-se “feedback

vibratório”, considerado uma das experiênciasmais precoces neste campo.

Entre os avanços registrados neste cam-po, podemos mencionar, segundo o relato deSurwillo (1990)43 e Schwartz (1995)41 são:

a. Jacobson, entre 1920 e 1930, desenvolveuuma técnica de relaxamento progressivo queincorporou um eletromiógrafo primitivo paracontrolar o nível de tensão muscular. O Rela-xamento Progressivo é uma técnica orientadaa tensionar e relaxar vários grupos de múscu-los, tratando de associar simultaneamenteambas as sensações.

b. Kamija, em 1962, instruiu estudantes universi-tários para produzir voluntariamente ondas alfa.

c. Budzynski, em 1970, desenvolveu uma técni-ca para induzir o relaxamento corporal gene-ralizado a fim de aliviar os doentes comcefaléias funcionais.

d. Green, Green e cols., em 1971, utilizaram ocontrole da temperatura das extremidades pormeio do treinamento autógeno e visualizaçãopara tratar doentes com enxaquecas ou comhipertensão arterial essencial.

Paralelamente a estas investigações feitascom seres humanos, surgiu outro tipo de tra-balho experimental com animais10, utilizando ocondicionamento operante, que pode ser consi-derado como uma forma de feedback, porquan-to se a resposta é recompensada, este reforçopositivo retroalimenta, por sua vez, novas respos-tas, e assim sucessivamente.

O trabalho mais importante neste terreno foio de Miller, da Universidade Rockefeller, de NovaYork, em 1969, que iniciou um trabalho revoluci-onário, quando geralmente se supunha que ohomem estaria regulado por dois sistemas ner-vosos diferentes: o voluntário e o involuntário.O sistema nervoso voluntário ou somático com-preende células e fibras nervosas que servemaos músculos do esqueleto. É responsável portodos os movimentos dos braços, pernas e man-díbulas, das mudanças de posturas, movimen-tos considerados normalmente deliberados ou“controlados pela consciência”. O sistema ner-voso involuntário ou autônomo compreende osmovimentos das pupilas, coração, vasos san-güíneos, estômago, glândulas endócrinas e to-das as funções consideradas tradicionalmenteautomáticas ou “além de nosso controle”. Reali-za a experiência com ratos paralisados com cu-rare, objetivando a não interferência das reaçõesdo sistema nervoso “voluntário”. Miller, atravésde trabalhos experimentais com ratos e o condi-cionamento operante, conseguiu produzir res-postas viscerais, demostrando que certosanimais podiam controlar variáveis psicofisioló-gicas e, assim, demostrar que o sistema invo-luntário pode, na verdade, ser submetido aocontrole da vontade19,41.

Desta maneira, pouco a pouco pôde-se con-ceber a possibilidade de que o doente, ao rece-ber informação sobre o estado de certas funçõesbiológicas involuntárias (tais como a temperaturae a condutância elétrica da pele, a tensão mus-cular, a pressão arterial, o ritmo cardíaco e a ativi-dade das ondas cerebrais) e ser ensinado aregular um ou mais estados biológicos (como acapacidade de aumentar a temperatura de umadas mãos), pode reduzir a freqüência de enxa-quecas e palpitações, entre alguns sintomas.

Os aparatos mais utilizados são o termógra-fo, que mede a temperatura da pele que diminuidurante a tensão, devido à vasoconstrição peri-férica; o eletromiógrafo (EMG), que mede os po-tenciais elétricos das fibras musculares e aatividade muscular; o eletroencefalógrafo (EEG),que registra as ondas cerebrais e o eletrodermó-grafo, que mede a capacidade de reação galvâ-nica da pele e mostra a modificação de suacondutância2,6,7,12. Atualmente já está disponívelaparelhagem que possibilita a conjugação devários dos aparatos acima descritos traduzindo-se em maior fidedignidade, melhorando sobre-maneira a acuidade do método.

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a. Termógrafo

O termógrafo monitora a temperatura dapele que varia de acordo a vasoconstriçãoou vasodilatação periféricas. A informaçãoé recolhida com eletrodos superficiais quese colocam dos dedos das mãos ou podo-dáctilos.

b. Eletromiógrafo (EMG)O eletromiograma monitora a contração e o re-laxamento muscular e a atividade elétrica ori-ginada no músculo, traduzindo-a por sinaisauditivos e ou visuais.

c. Eletroencefalógrafo (EEG)O eletroencefalógrafo monitora ondas cere-brais e informa sobre mudanças na atividadeelétrica do cérebro. Um ou mais sensores sãocolocados no couro cabeludo, ou ao lado, nolobo de cada orelha.

d. Eletrodermógrafo (SGC)Este instrumento monitora as mudanças na ati-vidade elétrica da pele. Eletrodos superficiaiscolocados sobre a palma da mão, dedo ou po-dodáctilo recolhem estes sinais e informam aoindivíduo seu nível de reatividade.

A interpretação dos resultados deve levar emconsideração que os mecanismos que controlama temperatura interna do organismo não estãonecessariamente relacionados à atividade do sis-tema nervoso autônomo que controla a tempera-tura da pele e considerar outros fatores queinfluem na temperatura da pele, como viscosida-de do sangue, temperatura do meio ambiente,fatores bioquímicos como a presença de ácidoláctico, epinefrina, dióxido de carbono, nicotina,álcool no sangue. Os fatores psicológicos influ-enciadores incluem tensão emocional, ansieda-de e estímulos ambientais. Uma resposta dosistema autônomo simpático a tais estímulos dálugar a alterações da pressão arterial e a ativida-de vasomotora periférica15,16,18.

Os aparatos descritos acima fornecem in-formações e possibilitam que os doentes te-nham a percepção de determinadas funçõesbiológicas. Essa informação permitirá — comojá explicado — que a função seja controladavoluntariamente. Um dos objetivos seria possi-bilitar que o doente controlasse essas funçõessem a ajuda instrumental, e a função do psicó-logo seria ajudar o doente a integrar o aprendi-do à sua vida diária44. A percepção sobresensações internas iria aumentando à medidaque avança o tratamento, facilitando o reconhe-

cimento de distintos estados fisiológicos sema necessidade de ajuda externa. Desta manei-ra, as percepções diretas de eventos internosgerariam novos circuitos internos33-36.

Um segundo fator importante na investiga-ção é a presença de feedback verdadeiro, poistêm-se comparado grupos que recebiam feed-

back e suas respostas a grupos que só recebiamum sinal contínuo ou grupos que recebiam feed-

back falso (informava-se erroneamente o signifi-cado do sinal), segundo Melzack e Perry (1975)30.

O biofeedback está indicado para adultos ecrianças e evidencia resultados efetivos em lon-go prazo por até 15 anos39.

O Consensus da Agency for Health Care Poli-

cy and Research cita o biofeedback como trata-mento primário para incontinência urinária,condição que afeta 30% dos idosos independen-tes e cerca de 50% dos doentes que necessitamde cuidados paliativos em longo prazo por con-dição crônica não neoplásica decorrente de es-clerose múltipla, distrofia muscular ou lúpuseritematoso, assim como acidente vascular cere-bral e prostatectomia.

Oitenta por cento dos indivíduos com hiper-tensão arterial essencial que se submeteram aotreinamento com biofeedback, refere a literatu-ra, relatam que reduziram o uso da medicaçãoou, mais em longo prazo, necessitaram de do-ses menores.

A American Association for Headache alegaque o biofeedback é o tratamento aceito, entre ospreconizados, para o alívio das cefaléias, em es-pecial da tensional.

Vários estudos têm evidenciado que indiví-duos com Transtorno do Pânico e Transtorno deAnsiedade que se submeteram ao treinamentocom o biofeedback obtiveram ganhos significati-vos em suas habilidades para controlar de seuestado, a ponto de essas crises não mais interfe-rirem em suas vidas1,3,5,15,21,45.

No Brasil, há muito vem-se aplicando a técni-ca, porém poucos trabalhos são criteriosos. Ci-tam-se os trabalhos de Lucia e Pinto (1998)28 eLucia e cols. (1999)29 que, embora com literaturarecentemente publicada, sabe-se que o empre-go da técnica vem já ocorrendo sistematicamen-te com eficácia.

Atualmente o emprego da técnica já vemocorrendo em associação com outras técnicaspsicoterápicas com o objetivo de torná-las, am-bas, mais efetivas e eficazes. Segundo Arena e

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Blanchar (1997)4, essa conjugação traria, tantopara o tratamento como para o paciente, benefí-cios inestimáveis, uma vez que a aprendizagemimplícita facilitaria a aquisição de comportamen-tos novos que, sem o procedimento, muitas ve-zes a aprendizagem não ocorre.

Há literatura internacional a respeito de umaenormidade de trabalhos apontando para os be-nefícios da aplicação do biofeedback em doen-tes com dor no geral, mas que não há na literaturanacional muitas referências quanto a pesquisassistematizadas.

Segundo Ribeiro e Price, em publicação doNUPAIN — Núcleo de Pesquisa em Analgesia eInflamação da Faculdade de Medicina de Ribei-rão Preto — USP com o título “O uso do biofeed-back no tratamento da dor crônica”, as indicaçõesseriam nas cefaléias, especialmente nas tensio-nais e enxaquecas, lombalgias, dores pélvicas edisfunções têmporo-mandibulares. Na literaturainternacional encontramos boas indica-ções11,20,22,25,31,32 que indicam o emprego da téc-nica em diversos diagnósticos de dor, inclusivecefaléias vasculares e dores neuropáticas.

A autora vem desenvolvimento experiênciaclínica e em pesquisa na área de dor, especial-mente no que se refere à associação experimen-tal de procedimentos psicodinâmicos, e obiofeedback que vem sendo desenvolvido noServiço de Métodos Psicofísicos da Divisão dePsicologia do Instituto Central do Hospital dasClínicas da Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo, com o intuito de pesquisaem doentes com cefaléia tensional e enxaque-ca, onde as diferentes técnicas psicológicas sesuplementariam. A técnica utilizada, por enquan-to, prevê que a psicoterapia conjugada seja ummodelo de intervenção breve onde a programa-ção é estabelecida por um esquema de 12 ses-sões, em média.

Utilizarmos como estratégia organizadora dassessões de aplicação do biofeedback esquematerapêutico baseado em Arena e Blanchar (1997)4,porém adequando-o à realidade da populaçãode doentes com cefaléia tensional e enxaquecano Brasil. O esquema terapêutico para aplicaçãodo biofeedback proposto pelos autores acimaprevê doentes com diferente repertório cultural.

As duas primeiras sessões são reservadaspara a aplicação dos instrumentos diagnósticos.

Da terceira à nona sessões dedica-se oprocedimento propriamente dito. O início do aten-dimento leva em consideração o preenchimen-

to do diário da dor e aplicação da escala visualanalógica, objetivando especialmente avaliar eintervir na dimensão sensitivo-discriminativa. Ob-servar-se inicialmente a motivação do pacientepara a execução das tarefas. Caso os níveismotivacionais não estejam aceitáveis, o terapeutareforçará a prática, focalizando os benefíciosobservados durante a execução do biofeedba-

ck, procurando ressaltar sentimentos de auto-eficácia. A aplicação dos eletrodos ocorrerá apóso estabelecimento de um bom rapport e a iden-tificação de pontos emergentes no período psi-codiagnóstico, como fatores comórbidos e/oufatores desencadeantes emocionais ou socioe-mocionais. O tempo de duração da aplicaçãodos exercícios com o biofeedback é de, no má-ximo, dez minutos, uma vez que se trata de ob-jeto desconhecido, podendo causar, algumasvezes, algum desconforto psicológico pelo con-tato com o novo; então, procura-se observar amelhor e mais agradável posição e situação parao doente. Nesse momento, também o utilizamospara complementar o diagnóstico do stress. Adi-ciona-se ao procedimento-padrão o processo dedistração cognitiva/focalização de imagens men-tais prazerosas. Procura-se que o paciente dis-corra sobre suas associações e que estas sejamo veículo de associações para novos passos noprocesso terapêutico. A interpretação de pos-síveis insights é buscada, muito embora opropósito é o de que o psicoterapeuta não façaas interpretações, mas que seja o facilitador-res-ponsável pela criação do clima em que conteú-dos desconhecidos pelo paciente tornem-seacessíveis à sua consciência.

Sabe-se que medidas corporais facilitam aeclosão de conteúdos inconscientes.

Introduz-se, além dos procedimentos até en-tão adotados, técnicas de treinamento discrimi-nativo. Inicia-se pela atividade de um ou doisgrupos monitorados, que pode ser pela atividademuscular, ou pelo nível de temperatura, ou pelotraçado de EEG, objetivando que o doente apren-da a identificar e distinguir diferentes níveis detonicidade e relaxamento, assim como sinais deansiedade ou inatividade. Estabelece-se, então,um programa de tarefas a serem executadas emdomicílio, denominadas tarefas de casa, levan-do-se em consideração o desempenho obtidodurante a sessão.

O próximo passo é manter os procedimen-tos adotados como rapport, checagem de umdiário da dor e das tarefas de casa, observando-

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se o desempenho do treinamento discriminativo;porém, se o padrão obtido estiver a contento,acrescem-se outros grupos de atividade a seremtreinados.

Prepara-se o próximo passo, objetivando ageneralização do treinamento discriminativo.

Introduz-se o conceito de portabilidade atra-vés da técnica de lembranças de relaxamento.O início da sessão considera o perfil do stress,obtido nas anteriores, através das tarefas decasa e do diário da dor, para posteriormenteauxiliar o doente a aplicá-lo em outras circuns-tâncias da vida.

Dois objetivos básicos deverão ser perse-guidos a partir desta etapa: a. redução do nú-mero de focalização da tensão, dirigindo aatenção para a lembrança de relaxamento; e b.introdução de diferentes estratégias chamadas“dicas para o controle”.

Mantém-se o padrão obtido nas sessões an-teriores se o desempenho for a contento, pro-curando privilegiar a manutenção de tarefas decasa para melhor generalização do padrão ob-tido com os eletrodos. Se, por acaso, o padrãode desempenho não for o desejável, repete-sea etapa anterior. Neste momento, o pacientedeve ter compreendido o valor preventivo, pre-ditivo do procedimento, o que lhe permitirá iden-tificar nuanças de tensão disfuncionais queinduziriam à dor.

O processo terapêutico tem como objetivo ocontrole da dor e seu manejo nas mais diferen-tes situações do cotidiano. Certos de que estaproposta psicoterápica não tem o compromis-so com modificações da personalidade, sabe-mos também que deve ser auxílio importantepara doentes que tenham sua qualidade de vidaseveramente comprometida por seus sintomasdolorosos. Objetiva-se que a dor, em especial ascefaléias, sejam passíveis de manejo no cotidia-no e que padrões disfuncionais relacionados aostress desencadeados por situações emocionaise psicossociais sejam adequadamente identifica-dos para posteriormente serem manejados.

Temos obtido, embora ainda experimental-mente, resultados encorajadores, uma vez que orelato dos doentes, e mesmo as respostas ao in-ventário de qualidade de vida, vem revelandoque a mudança de atitude diante dos fatoresque eliciam cefaléias, tensional e enxaqueca, tra-duzem-se em importantes aliados no tratamentopreventivo de crises.

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CAP›TULO 17 167© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

17CAPÍTULO

Grupoterapia eDor Crônica

CRISTIANA M. A. BAPTISTA

RUTH EBEL

SANDRA FORTES

No trabalho clínico com pacientes de dor crô-nica o maior desafio está na necessidade de trans-formar expectativas, conceitos e formas deintervenção, tradicionalmente reconhecidos eexercidos rotineiramente no atendimento aos pro-blemas de saúde. Essa transformação é funda-mental, principalmente, em relação a um dosproblemas que mais afligem a humanidade: a dor.Ao tratarmos de portadores de dores crônicas,nossa principal dificuldade não é a dor em si, quenão pode ser exclusivamente considerada comoum sinal de alerta e perigo, mas o sofrimento crô-nico que ela representa, que se tornou parte inte-grante da vida desses indivíduos.

No modelo biomédico tradicional, com seusespecialistas, trabalha-se na busca de causasanatômicas para os sintomas trazidos pelos pa-cientes. Como ciência, a medicina procura a todocusto eliminar a dor, que leva a tantos traumas eperdas, mas esquece-se de que nem sempre sepode eliminar o sofrimento e que, primeiramente,devemos dar ajuda ao “sofredor”. O modelo bio-médico procura os sintomas, a confirmação dediagnósticos e um determinado tratamento. Seestes são encontrados, fecha-se um ciclo, senãoinicia-se uma relação difícil, pois esses pacientesnão preenchem a expectativa do médico, deixan-do de lado a importância do sofrimento e a histó-ria do paciente.

Na dor crônica podemos citar dois grandesproblemas: pacientes com lesões que, mesmosendo bem conhecidas, não podem ser resolvi-das, levando à permanência do sintoma; ou en-tão, temos sintomas dolorosos, sem lesões queos expliquem de forma que possamos eliminá-los, levando os profissionais a considerar queesses pacientes “não têm nada”, ignorando aampla gama de processos que geram sintomasdolorosos e que não necessariamente apresen-tam alterações anatomopatológicas claramentedefinidas.

A dor, esta experiência sensorial e emocio-nal desagradável (como definida pela IASP,1986), é, antes de tudo, uma experiência sub-jetiva. Os indivíduos podem sentir dor com ousem lesão aparente e também podem susten-tar a dor sem senti-la. Esta relação entre dor elesão é muito complexa23 e o modelo tradicio-nal de abordagem terapêutica é limitado em suaresolutividade. Com isso, conseguem muitopouco controle da dor crônica e, muitas ve-zes, na ânsia de curar, acabam por introduziruma cascata de mudanças neuroquímicas quepodem contribuir para o aumento da sensibili-dade da dor, traumas psicológicos, potenci-alizando efeitos de longa duração da doença edificultando respostas de enfrentamento. ParaGallengher13.

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“... O fracasso da cura da dor crônicaé um fracasso de conceituação que con-duz a objetivos clínicos impossíveis e forade alcance. Dor crônica não pode ser con-siderada como entidade causada por umapatologia que pode ser curada através decirurgias, injeções, remédios, (...) mas deveser encarada como um processo neurofi-siológico resultante de uma complexa inte-ração de múltiplos sistemas.” (p. 827)

A dor crônica possui substrato anatômico,envolve condicionamento do sistema neurofisio-lógico, a dor em si e a experiência psicossocialque a cerca. Sendo pessoal e intransferível, con-creta (inscrita que está no corpo) e subjetiva (re-presentante principal do sofrimento) é temida portodos. Suportá-la depende intrinsecamente doapoio e do cuidado coletivo de que se dispõe. Aperspectiva de que não possa ser resolvida (cro-nicidade), o temor de que aumente no futuro (“afi-nal, geralmente é sinal de que algo está indoerrado...”) e a dificuldade em entender suas vari-ações de intensidade e forma fazem com quepacientes e profissionais se sintam impotentes nabusca de solução e alívio para este sofrimento.

É necessário, antes de tudo, trabalhar a partirde novos modelos de compreensão do processode adoecer e novas perspectivas terapêuticas queofereçam alternativas que incluam a elaboraçãode formas de lidar com uma doença, que não será“curada” completamente, e com o grau de inca-pacidade dela resultante, além de sofrimentos quetêm suas origens em problemas psicossociais,mas cujas manifestações são corporais. A utili-zação do modelo biopsicossocial ajuda o clínicoa lidar com todos os aspectos envolvidos no ado-ecer, a organizar as informações e a priorizar umalista de problemas e objetivos a serem alcança-dos, coordenando distintos tratamentos que pos-sam ser mais efetivos e que transcendam osobjetivos dos tratamentos tradicionais. Como dizGallengher (1999)13, temos, antes de tudo, queevitar promessas que não serão cumpridas:

(...) “A dor e suas funções podem sermensuráveis, mas curar o gerador inicial dador é muito raro, mas freqüentemente pro-metido.” (p. 829)

Dentro dessa perspectiva existem inúmeraspesquisas e abordagens para o tratamento depacientes de dor crônica1-3,13,15,21,26. Nosso objeti-vo aqui é abordar o tema da grupoterapia parapacientes de dor, pois esse tipo de intervençãotem demonstrado ser de grande importância e

ajuda a esses pacientes na elaboração de for-mas de lidar com a dor, aumentando sua capaci-dade de coping.

O GRUPO: A IMPORTÂNCIA DA

GRUPOTERAPIA NA DOR CRÔNICA

Um grupo de pacientes com dor crônicabenigna não é um grupo homogêneo de pacien-tes, pois a dor não tem em todos nem a mesmaorigem etiológica, nem as mesmas característi-cas, nem tratamento farmacológico idêntico. Mastais pacientes apresentam aspectos psicológicosem comum, devido à necessidade de se adaptara um sofrimento sem perspectivas de remissãototal, que implica restrições e transformações desua rotina de vida e papel social, tornando apro-priada a terapia de grupo. O objetivo terapêuticoem comum é aprender a viver “com” ou “apesar”da dor.

O trabalho com grupos requer o reconheci-mento de alguns princípios fundamentais sobreo seu funcionamento. Implica saber que os gru-pos se organizam com identidade própria, desen-volvendo um funcionamento coletivo que os tornamaiores do que a soma de cada um de seus par-ticipantes.

Em especial no tratamento grupal de paci-entes com dor crônica benigna, podemos iden-tificar algumas etapas do desenvolvimento dotrabalho, que podem estar relacionadas especi-ficamente ao processo grupal ou à tarefa cen-tral e específica desses grupos, que éreestruturar a forma de lidar com uma dor crôni-ca. Essas etapas podem ser seqüênciais doponto de vista cronológico, embora não neces-sariamente. Optamos por apontar a importân-cia do trabalho de grupo a partir das reflexõessobre as dificuldades que surgem durante o pro-cesso, desde o momento em que o paciente éencaminhado e inicia as sessões até adquirirautonomia e adaptação à doença.

1ª ETAPA: A MAIOR DIFICULDADE — A

EXPECTATIVA DE CURA

A princípio, nossos pacientes não procuramuma terapia, mas soluções imediatas para seuproblema: a dor. Suas perspectivas, como já vi-mos, também se centram no modelo biomédicotradicional e eles buscam uma “cura” ou a reso-lução total de seu problema. Como dizem alguns

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doentes: “Eu não aceito que não haja cura parao meu problema; me recuso a lidar com esta pos-sibilidade.”

As etapas iniciais do trabalho de grupo de-vem ser dedicadas a trabalhar essa dificuldade,que muitas vezes não consegue ser elaboradana relação individual com o médico responsávelpelo tratamento. Este se torna alvo da raiva e dasfrustrações do paciente, decorrente do fato de serele um doente crônico.

Não é possível prometer uma “cura” do pa-ciente crônico, mas o trabalho com o grupodeve focalizar não a dor física, mas o sofrimentocomo causa e efeito da dor. O sucesso nos re-sultados desse trabalho é marcado pela me-lhor percepção da dor e da aquisição deestratégias que levem à mudança de compor-tamento para viver apesar da dor. SegundoCarvalho4, a postura inicial do paciente quechega ao serviço é a de quem busca uma so-lução mágica que cure seu sofrimento físico omais breve possível.

Necessitamos, desde o início, modificar esseposicionamento do paciente. Nosso modelo éoutro, como diz Large7:

“O modelo de tratamento da dor crô-nica deve ser de encorajar o paciente aaceitar e ter responsabilidade por sua dore procurar reduzir comportamentos que aprovocam, ao invés de ficar à procura dacura.” (p. 344)

2ª ETAPA: PROCESSO EDUCATIVO/

INFORMATIVO

Ainda dentro de uma perspectiva biomédicarestrita, nossos pacientes têm dificuldade em en-tender que há uma íntima relação entre a dor e osofrimento, ou seja, que, em situações de sofri-mento psíquico, a sensibilidade à dor se altera.Essa relação intrínseca do psiquismo com a doré freqüentemente negada por eles (e por váriosprofissionais também!), não apenas em termosde piora da dor, em situações de sofrimento pes-soal, mas também de que toda dor tem seus com-ponentes psicológicos.

Para transformar a situação é necessário de-senvolver precocemente no grupo um trabalho deinformação. Essa tarefa informativa tem comoobjetivo principal colocar os aspectos psicosso-ciais da dor para o paciente, pois, como assinalaTurk26, ele precisa

“(...) ser educado e informado de comoos fatores psicológicos são importantescomponentes na experiência da dor; e aimportância do modelo multidisciplinar, queinclua um profissional de saúde mental.”(p.180)O paciente necessita se situar e ter uma

compreensão mais global sobre a doença. Cadagrupo ensina certos aspectos da doença, as ca-pacidades de adaptação do ser humano e suasimpossibilidades. Essas informações permitemmelhor aderência ao tratamento, adequando ex-pectativas e, muitas vezes, fazendo até com quea percepção da dor diminua, com o entendimen-to de sua correlação com o que ocorre em outrasesferas da vida da pessoa (não só a física), dimi-nuindo também a interpretação de que seja umsinal de algo errado com o corpo. O grupo escla-rece e elabora essa relação da queixa somáticacom os fatores emocionais envolvidos, utilizan-do-se não de um modelo biomédico, mas de umaabordagem psicossocial. Ao final, o paciente podecompreender que a dor também piora quandoalgo vai errado na mente, na alma, na vida...

O grupo se torna até um agente de profilaxia,pois cada membro ensina ao outro o que sabesobre a doença, a dor e a adaptação ao viver.Através das trocas de experiências, fortalece osmembros do grupo e previne iatrogenias, restrin-gindo a busca de soluções mágicas, que só atra-palham uma verdadeira melhora. Durante a faseinicial verificamos que é necessário tentar que ospacientes associem os sintomas que apresentamcom as emoções, os sentimentos e os fatos queestejam ocorrendo em suas vidas, deixando dese colocar como um indivíduo passivo, incapazde fazer correlações. Na percepção da dor, umdos elementos mais importantes se refere à sen-sação de controle sobre a dor. A sensação dedesconhecimento e insegurança prejudica muitoa interpretação por parte do paciente, fomentan-do um aumento significativo da dor.

Assim sendo, aumentar o conhecimento dospacientes sobre os mecanismos básicos gerado-res de dor, fornecendo informações sobre seusmecanismos e a forma de ação das medidasterapêuticas, significa tornar esses pacientes“senhores” de sua dor, diminuindo temores, au-mentando a segurança e reduzindo o compro-metimento de suas atividades sociais.

3ª ETAPA: O HISTÓRICO DO PACIENTE

O histórico do paciente adiciona informaçõese indica a maneira de lidar com a dor daquele

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paciente; se ele a tolera ou não, quais são os fa-tores pessoais antecedentes à doença e suasconseqüências para o desenvolvimento desta.Como disse Turk26:

“(...) É importante examinar o desen-volvimento histórico do paciente, relaciona-mentos, funcionamento psicológico quepodem contribuir para o aumento da dorou sofrimento excessivo.” (p. 164)A descrição de problemas médicos no con-

texto histórico de cada um é rica, de muita ajudae proporciona ao terapeuta e ao grupo uma me-lhor compreensão dos problemas pelos quais opaciente vem passando.

“(...) Quando o paciente ingressa nogrupo a história de vida bem como recur-sos de enfrentamento que ele usa para li-dar com situações desestabilizadorasinterferem na queixa da dor, expectativas eaderência ao tratamento.”4

O terapeuta não deve focar nas questõesreferentes à dor, mas na adaptação do pacien-te. Este, sabendo relacionar sua história com suavida atual, pode obter mais recursos para vivero cotidiano.

Entre os problemas detectados no históricode vida alguns apresentam especial importânciapela interferência que provocam na capacidadede lidar com a dor crônica de forma mais ade-quada. A dependência é um elemento que estámuito presente em pacientes de dor que tiveramdificuldades na infância ou que na infância tinhamuma relação afetiva bastante empobrecida comos pais, recebendo atenção apenas quando do-entes. Outro aspecto importante é a presença nahistória de vida de figuras importantes (tais comoos pais) que sofriam de doenças crônicas e querecebiam especial atenção do grupo familiar porisso. Esse tipo de identificação reforça a constru-ção de uma identidade de doente, levando pos-teriormente ao desenvolvimento de ganhossecundários com o adoecer.

Conhecer as formas como esses pacientes,suas famílias e grupo social entendem o adoecere lidam com as experiências de adoecimento esofrimento na família é fundamental para auxiliá-los a desenvolver padrões maduros de coping.

4ª ETAPA: A FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

DO GRUPO

Nessa etapa o grupo auxilia o indivíduo aperceber que existem outras pessoas com o mes-mo sofrimento. É um momento em que pode com-

partilhar com os outros a sua história e se espe-lhar nos colegas. O grupo passa a ser uma refe-rência do indivíduo frente ao mundo institucional,isto é, um local onde se podem encontrar profis-sionais e pessoas envolvidas com problemas se-melhantes aos seus. O grupo se estabeleceinicialmente com um processo de identificaçãoentre os membros: as queixas somáticas e ossofrimentos pessoais no grupo se diluem e pas-sam a pertencer a todos. O grupo permite a iden-tificação interpessoal, fazendo com que seuscomponentes percebam, dessa forma, suas difi-culdades e limitações, e construam elementosque contribuam para sua reabilitação:

“Um aspecto no campo grupal é o surgimen-to ativo de identificações, tanto projetivas, introjeti-vas ou adesivas. O problema da identificaçãoavulta de importância na medida em que ela seconstitui como o elemento formador do senso deidentidade (...) o encontro do self do indivíduo como outro possibilita descriminar, afirmar e consoli-dar a própria identidade”28.

Forma-se uma coesão, uma linguagem co-mum, onde se estabelece uma compreensão dasíndrome dolorosa. Permite-se, assim, a partir dofortalecimento forjado pelo coletivo, que no-vas soluções possam ser desenhadas, novasalternativas possam ser tentadas, partilhadas, dis-cutidas, questionadas: esse é um momento fun-damental para uma maior percepção da dor eautonomia dos pacientes.

“(...) Em grau maior ou menor, todo in-divíduo é portador de identificações pato-gênicas que ficam bem evidentes no cursodo grupo. A maneira como o grupo age te-rapeuticamente, é abrindo espaço paraidentificações sadias que favoreçam o de-senvolvimento da identidade”28.

5ª ETAPA: O GRUPO COMO APOIO E

REFERÊNCIA

O Grupo passa a ser referência para o indi-víduo se sentir acolhido, um espaço onde elepode dividir as suas dificuldades, preocupações,expectativas etc. São momentos onde pode-sesentir cuidado e ser também cuidador. O grupopassa a ser fonte de apoio e acolhimento porparte do terapeuta e de seus integrantes, onde opaciente pode expor suas dificuldades e acolheras de seus companheiros. Esta troca é fonte defortalecimento e de reorganização de padrõesde relação arraigados, e que dificultam o desen-volvimento da aceitação e autonomia. No grupo

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o paciente de dor sente-se como alguém quepertence, que é reconhecido, um fenômeno queocorre nesse tipo de grupo e que Zimerman de-nominou “pertenência”.

Este processo é extremamente gratificante eleva a uma diminuição de busca de atendimentomédico, utilização de medicação analgésica edoctor shopping. Um dado tão importante paranossas instituições, seja pela diminuição de cus-tos, seja pelo aumento de resultados positivos dereintegração social.

“O tratamento de suporte integrativodado pelo grupo versus tratamentos con-vencionais leva, muitas vezes, a uma dimi-nuição de consultas e investigações comredução de custos”19.

6ª ETAPA: A FAMÍLIA

O tema da família deve ser elaborado de ime-diato no grupo, pois esta pode funcionar comoum grupo de suporte para o paciente e para oprofissional ou como um fator mantenedor decomportamentos inadequados. O núcleo familiarpossui tanto um papel histórico como atual noestabelecimento do adoecimento, uma vez que afamília determina os padrões de comportamentoe convívio com a dor. A criança aprende a avaliara dor através de seus pais, de experiências vivi-das e da decodificação dessas experiências pe-las figuras parentais, principalmente. O papel dedoente e a resposta adequada à dor são respos-tas socialmente definidas, e a família é o campoonde esses comportamentos são desenvolvidos.

Além disso, como diz Gallagher13:“Dor crônica modifica os papéis e os

relacionamentos da família. Complicaçõescomo incapacidades e depressão atrapa-lham ainda mais. A família deve ser incluí-da no tratamento terapêutico, membros dafamília necessitam de informações e supor-te para que possam colaborar e não servi-rem como obstáculo, nos objetivos a seremalcançados pelo paciente e equipe na suareabilitação.” (p. 845)A função do terapeuta é informar à família a

doença e trabalhar com ela as maneiras maisadequadas de se lidar com o paciente. Garcia-Campayo5 assinala que é importante não refor-çar o comportamento de doente do paciente,mas estimular sua autonomia. Os ganhos secun-dários de ser doente e ter dor podem ser muitos,mas na maioria das vezes são extremamente pre-judiciais para o andamento do tratamento. É ne-

cessário que a família não se sinta culpada e façacom que o paciente se responsabilize por suasações. Identificar membros da família que refor-çam comportamentos regredidos e ganhos se-cundários, trabalhar com eles para que parem dedesempenhar atividades que o paciente pode elemesmo realizar, embora com dificuldade, signifi-ca permitir que o paciente reconstrua uma identi-dade de “normal”, sendo apoiado e aceito peloseu grupo mais próximo.

7ª ETAPA: A COMORBIDADE

PSIQUIÁTRICA

Outro elemento fundamental, muito citadopela literatura2,20,26, é a associação da dor comdepressão e/ou ansiedade, assim como outrostranstornos psiquiátricos. O terapeuta tem comofoco dentro de uma equipe multidisciplinar a ave-riguação da existência de quadros psiquiátricosque possam dificultar o tratamento do pacientede dor crônica. Durante o grupo é necessário in-formar ao paciente e a seus familiares as implica-ções desse quadro no convívio e controle da dor.Essa associação traz um pior prognóstico a es-ses pacientes e causam mudanças enormes nasua qualidade de vida. Facilitam o isolamento, tor-nando-os pessoas sem projeto de vida, pessimis-tas, totalmente identificados com a doença. Opaciente no grupo precisa compreender essasmanifestações para que possa modificar sua auto-imagem, utilizando instrumentos apropriados parasua adaptação.

A depressão freqüentemente se acompanhade sentimentos de incapacidade, e a relação en-tre depressão e dor crônica tem recebido grandeatenção. Como aponta Turk26:

“Estudos de dor crônica e depressãonão chegaram ainda a um acordo se ostress de viver com dor leva o paciente adesenvolver a depressão ou se ela é quecausa a experiência de dor. Para resoluçãodeste problema vários estudos prospecti-vos foram feitos através de antecedentes econseqüentes psicossociais do desenvol-vimento a dor crônica.” (p. 150)Assim, podemos sugerir que tanto a depres-

são como a dor formam uma associação muitocomplexa. Essa associação se dá como uma viade mão dupla: a dor, com sua trajetória de inca-pacidade e perda gera depressão; e a depres-são, tradicionalmente, apresenta diferentes tiposde dor dentre seus sintomas referidos.

Krishman, France e Davidson (apud Turk,

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1996) propõem quatro possíveis relações entredepressão e dor:

1. dor pode ser sintoma de depressão;

2. depressão como uma complicação da dorcrônica;

3. dor e depressão não estão necessariamenteligadas;

4. dor e depressão coexistem, mas não são rela-cionadas.

Já assinalamos em outro lugar10 que, quan-do estados de depressão ou ansiedade estãopresentes, deve-se tratar os transtornos psiqui-átricos concomitantemente ao tratamento da dor.Promover o tratamento das patologias mentaispresentes nesses pacientes, em comorbida-de, permite uma melhora rápida do quadro dedor. Enquanto a depressão é um freqüenteachado concomitante das dores crônicas, aansiedade costuma acompanhar os quadrosde dor aguda, ou dores crônicas, onde predo-minam situações de desconhecimento do queestá ocorrendo. Quando os pacientes são in-formados sobre seu estado e o que pode vir aocorrer, sentem-se mais seguros, levando auma diminuição da ansiedade. Isso reforça ocaráter informativo do grupo, pois ao serem beminformados os pacientes ficam menos ansiosos.Assim, uma vez que os pacientes percebem quetêm algum controle sobre a dor ou a situaçãoque a gerou, a ansiedade se reduz19.

8ª ETAPA: TRANSFERÊNCIA

Transferência é o vínculo que se forma entrepaciente e terapeuta. O diferencial da psicotera-pia grupal é a oportunidade que o paciente temde interagir com os outros elementos do grupo enão somente com o terapeuta. No grupo o termotransferência deve ser compreendido não de for-ma singular, mas coletiva, como uma variação demúltiplas reações. Segundo Zimerman28, na tera-pia de grupo as transferências surgem de formamúltipla e cruzadas de acordo com quatro veto-res de:

1. cada indivíduo em relação ao grupoterapeuta;

2. grupo, como uma totalidade gestáltica, em re-lação ao grupoterapeuta;

3. cada indivíduo em relação aos seus pares;

4. cada um em relação ao grupo como um todo.

Uma menor dependência e transferênciacentrada no terapeuta aumenta a importância eresponsabilidade dos próprios pacientes, apri-morando o grupo. O fato de poder compartilharcom as outras pessoas do grupo, que têm quei-xas similares, leva ao aprendizado do convíviocom a doença de forma mais proveitosa. A trans-ferência é também lateralizada, com conseqüen-te diminuição da importância do terapeuta. Alémdisso, surgem novos e variados vínculos afeti-vos dentro do grupo, favorecendo a abordagemdos problemas emocionais que afetam os paci-entes. O grupo serve como possibilidade de seformarem novos vínculos, muitas vezes ampli-ando a rede social do paciente e tirando-o doisolamento.

9ª ETAPA: ENFRENTAMENTO

O adoecer acarreta muitas mudanças nodia-a-dia de nossos pacientes: param de tra-balhar, ficam dependentes de amigos e famili-ares, provocando uma desestruturação do seuestilo de vida e, como conseqüência, uma pio-ra de sua auto-imagem, levando a um descui-do corporal e falta (ou excesso) de atividades.A dor crônica, em geral, coloca para o indiví-duo a necessidade de respeitar seus limites ecomunicar a importância da consciência e docuidado consigo. É comum os pacientes co-mentarem que sempre foram ativos, extrema-mente disponíveis para ajudar o próximo enunca dispensaram cuidados com o seu pró-prio corpo até o adoecimento.

A doença inaugura uma nova fase de vida,cujo marco zero será dado pela forma como oindivíduo se posiciona perante a doença. Suaevolução irá depender basicamente do seu co-ping, sua capacidade de enfrentamento. Copingou “elaboração” engloba mecanismos psicoló-gicos que possibilitam o desenvolvimento de al-ternativas criativas para viver com ou apesar dadoença, aceitando e trabalhando as limitaçõesda doença, reduzindo a um mínimo os seus im-pactos negativos.

A etapa de enfrentamento está diretamen-te ligada a um projeto de reconstrução do vi-ver, isto é, através da aprendizagem de novosgraus de tolerância à dor, da aceitação e ma-nutenção do tratamento medicamentoso, docuidado consigo mesmo, com seu corpo, levan-do a uma modificação de comportamento. Comodiz Gallengher13:

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“Para obter sucesso na reabilitação, ospacientes necessitam de suporte, encora-jamento na relação médico-paciente, tor-nando-os menos defensivos, alcançandomudanças de comportamento e melhorcapacidade de enfrentamento. Portanto,esta etapa permite estabelecer estratégiasadaptativas para melhor qualidade de vida.Apóia-se em instrumentos, ou seja, técni-cas de controle da dor.” (p. 845)

Há uma frase de Large (1999)7, interpretan-do a necessidade do coping, que define bem oobjetivo principal dessa fase: “(...) a dor tem sidoseu chefe, agora queremos lhe ajudar a ser o chefeda dor.” (p. 344)

10ª ETAPA: INSTRUMENTOS

A dor crônica afeta globalmente o paciente,gerando limites e desequilíbrios biopsicossociais.Assim, o enfoque necessário é o da multidiscipli-naridade, utilizando-se profissionais de diferen-tes áreas à procura de condutas terapêuticas. Ogrupo é de grande importância, pois nele pode-se tratar o indivíduo não como doente, mas comouma pessoa em busca da diminuição e compre-ensão de seu sofrimento.

“Com abordagem multidisciplinar 75%das pessoas melhoram comparados a pa-cientes que seguiram tratamentos clássi-cos, refletindo-se em mudanças decomportamento, retorno ao trabalho e re-dução da busca por sistemas de saúde”21.

Algumas técnicas se destacam no trabalhocom pacientes com doenças e dores crônicas,por sua aplicação específica na resolução de al-guns problemas. Como recurso no tratamento dador podemos utilizar diário, questionários de auto-avaliação, psicoterapias, programas de relaxa-mento, hipnose e outros métodos.

Diário

A aplicação de técnicas voltadas para o re-gistro com maior precisão das situações cotidi-anas relativas à dor, ocorrência das crises,situações estimuladoras das mesmas é funda-mental para as discussões e troca de informa-ções dentro do grupo, aumentando emparalelo a consciência individual e coletiva.Dentre os métodos para monitorar a dor, ativi-dades e outros indicadores de efetividade, estáo diário.

“O diário ajuda a correlacionar ativida-des, tratamentos e sintomas, e estabele-cer padrões de precipitação e melhora,evitando algumas vezes o flare-up (crise)...O diário traz informações detalhadas so-bre fatores que melhoram ou pioram a dor,comportamento e coping, efeitos dos me-dicamentos e outras intervenções”45.

A crise são momentos de extrema dor, incon-trolável, pelo quais o paciente passa, que surgemaparentemente sem nenhuma explicação, namaioria das vezes sem que o paciente faça ne-nhuma correlação de fatos ou de comportamen-to com esses episódios de dor. A maioria seautomedica, procura atendimento de emergên-cia, acarretando uma má utilização dos analgé-sicos e de outros medicamentos. Com a precisãodo diário e outras estratégias de enfrentamentoo paciente passa a ter uma maior consciênciado que pode ou não fazer e, assim, tanto o médi-co como o paciente podem avaliar melhor o seuestado.

Relaxamento e Terapias do Movimento

O relaxamento é fundamental na redução datensão e ansiedade, que tantas conseqüênciasgraves têm na gênese e manutenção da dor. Per-mite ao indivíduo um controle da dor, além de agirdiretamente em alguns de seus mecanismos cau-sais, através da redução da tensão muscular.Apresentam também um outro ganho importan-te, que é o de conduzirem ao aumento da cons-ciência e do cuidado corporal, pois é grande odesconhecimento que os pacientes têm do seucorpo e de suas habilidades. O relaxamento deveser parte integrante da rotina do grupo, devendoser exercitado em todos os encontros. Só assimirá tornar-se parte da rotina diária da vida de nos-sos pacientes.

“(...) relaxamento é uma abordagemsistemática que ensina o indivíduo a ga-nhar consciência de suas respostas fisio-lógicas e também cognitivas. Existemvários tipos de relaxamento como a medi-tação e a consciência do movimento (...)“26.

Hipnose

As técnicas hipnóticas direcionadas para oalívio da dor, tanto aguda quanto crônica, têmconseguido resultados positivos. O relaxamento,a sugestão e a visualização são instrumentos utili-

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zados que se associam a outras formas de psi-coterapia, aumentando a eficácia das mesmas.As intervenções mais freqüentes têm como obje-tivo criar uma forma de distração à dor, bloqueara dor por analgesia, produzir amnésia, transfor-mar sensações físicas e alterar os significadosatribuídos à dor.

Os procedimentos hipnóticos visam, princi-palmente, à redução da atenção e da percepçãoda dor. Milton Erickson desenvolveu um métodobastante criativo de hipnoterapia. Sua abordagemdos pacientes com dor baseava-se, principalmen-te, no deslocamento da atenção. Segundo Mar-garida Carvalho4.

“Erickson se referia às tão conhecidassituações de vida em que um estímulo maisforte pode levar ao esquecimento da dor.Para ele, o princípio básico de todos osprocedimentos hipnóticos no manejo dador é o desfocar a atenção da dor. No pro-cesso de hipnoterapia, entretanto, é tam-bém importante informar sobre a dor,analisar e avaliar o complexo do processoálgico e trabalhar com procedimentos hip-nóticos em um contexto psicoterapêutico(...)” (p. 240)

Sabe-se que o estado emocional dos paci-entes com dor crônica sofre uma série de trans-formações ao longo do processo de cronificaçãoda dor, envolvendo freqüentemente a presençade somatizações e de um comportamento anor-mal de dor. Embora mais difíceis de tratar, essesquadros se beneficiam das técnicas hipnóticasque auxiliam o processo de adaptação, impedin-do que ela resulte em limitação e incapacitaçãoalém do grau inevitável. As técnicas hipnóticasinterrompem o círculo vicioso entre dor e tensãomuscular, que se torna ainda mais intenso comas respostas de frustração, raiva ou ansiedade,comuns na dor persistente.

São várias as técnicas psicoterápicas dis-poníveis para serem utilizadas na terapia de gru-po com pacientes com dor crônica. Ao decidirpelo estilo terapêutico, devemos levar em con-ta o quadro do paciente e sua patologia, o es-tágio em que se encontra a doença e osobjetivos para intervenção grupal. A hipnose,associada a outros tipos de intervenção, per-mite que o paciente utilize, fora das sessões deterapia, as técnicas de relaxamento e auto-hip-nose aprendidas no espaço terapêutico, dis-pondo, assim, de mais um recurso de controlesobre seu sofrimento.

Terapia Analítica e AbordagemPsicodinâmica

A utilização da compreensão de técnicaspsicanalíticas de grupo tem sido mais freqüen-te no trabalho com pacientes cujo principalobjetivo terapêutico está vinculado à dificulda-de de verbalização das emoções, acarretan-do uma amplificação dos componentessomáticos do sofrimento emocional. Tem comometa produzir modificações duradouras na per-sonalidade do paciente, reparando alteraçõesestruturais decorrentes do desenvolvimento dapersonalidade. Como cita Garcia-Campayo6, den-tro da visão psicanalítica

“(...) estas pessoas sofreram, nos pri-meiros anos de vida, uma alteração nasrelações com seus pais, produzindo umaincapacidade do indivíduo para auto-regu-lação.” (p. 105)

Com a necessidade do trabalho grupal a psi-canálise passou por uma série de transformações.Ainda se utiliza da transferência como principalinstrumental terapêutico de intervenção para com-preensão e correção das distorções inter-relacio-nais que produzem os sintomas. Centra-se noestabelecimento de uma relação paciente-tera-peuta intensa, de referência, que estabeleça umcampo onde se irá trabalhar para a reparação dasdistorções existentes.

É a técnica que, especificamente, lida com oinconsciente. Comporta em suas intervenções aestimulação do conflito intra e interpessoais, einterpretações sobre a livre associação entre ospacientes.

PsicoterapiaCognitivo-comportamental

As terapias educacional e comportamental,quando aplicadas em pacientes com elevado ní-vel de sofrimento, têm provado ser de grande uti-lidade. A transferência que sempre surge, emprincípio, não deve ser interpretada. Os pacien-tes são solicitados a avaliar as conseqüências deseus pensamentos, sentimentos e ações no queconcerne às situações e relações interpessoais,principalmente naquelas que envolvem conflitos.O grupo facilita a reprodução desses conflitosdurante as sessões, funcionando como um es-pelho, para que os pacientes possam rever amaneira como tipicamente se relacionam com osoutros.

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A ênfase é dada à forma “como o pacientepensa sobre a dor”: palavras, imagens, crenças,sentimentos a partir dos quais discutem-se eencontram-se comportamentos alternativos.Sempre se consideram questões sobre stress,raiva, depressão e comunicação. Trabalha-se,geralmente, um número determinado de ses-sões com temas, tais como: encorajamento,aceitação, maior capacidade de expressão dasemoções, aumento da auto-estima, desenvol-vimento de estratégicas de enfrentamento esua continuidade.

ASSOCIAÇÃO COM SOMATIZAÇÃO: UM

PROBLEMA DOS PACIENTES COM DOR

CRÔNICA

Existe uma grande fonte de dificuldades noatendimento a nossos pacientes: muitas vezes ador referida é desproporcional à lesão existenteou não se acompanha de lesões claramente iden-tificáveis. A presença desse fenômeno, descritocomo “somatização”, é altamente freqüente empacientes de Clínica de Dor.

Somatização se refere à presença de quei-xas físicas que não se justificam pelas lesões ana-tomopatológicas verificadas nos pacientes, quegeralmente apresentam importante grau de sofri-mento emocional, e buscam atendimento porestas queixas20. É um conceito complexo e aindanão totalmente bem caracterizado. Refere-se a umprocesso, uma forma de manifestar sofrimento,multideterminada, sofrendo influência de aspec-tos culturais, familiares e até mesmo da própriaestrutura do sistema de saúde. Sua classificaçãoainda é confusa, o que pode ser confirmado pelaausência de uma uniformidade diagnóstica atémesmo entre as principais classificações nosoló-gicas existentes (DSM-IV e CID-X).

O que nos importa é saber que a queixa dedor é a mais freqüente entre estes pacientes e odiagnóstico de Transtorno Somatoforme de Dor éum dos mais encontrados nesse grupo. A soma-tização, que se refere à existência de uma lingua-gem preferencialmente somática de manifestaçãodo sofrimento, é um fenômeno bastante comumentre os pacientes com dor crônica. Pode existirconcomitantemente às lesões anatomopatológi-cas, mas o que importa é que aponta para a exis-tência de conflitos e problemas na esferapsicossocial que agravam a dor e que não estãosendo reconhecidos e elaborados, mascaradosque estão pelos sintomas somáticos que osacompanham.

Em geral, a somatização se faz presente empacientes com história de traumas psicológicosde grande intensidade. Um sofrimento de tama-nho vulto, principalmente se ocorrido na infância,ou em outras situações em que os pacientes seencontravam em uma posição de submissão/im-potência, dificilmente consegue ser elaborado deforma adequada e está associado à presença demúltiplas queixas somáticas difusas.

Dentre as síndromes que se apresentam commúltiplas queixas difusas, podemos destacar al-guns diagnósticos psiquiátricos, como os Trans-tornos Somatoformes, mas também as ditassíndromes funcionais, que parecem estar relacio-nadas às formas mais comuns de somatizaçãocrônica. Síndromes funcionais são um termo guar-da-chuva para sintomas somáticos com ausên-cia de achados orgânicos compatíveis, alteraçõesestruturais ou anormalidades bioquímicas. Têmsido estudadas como um tipo de somatização decaráter crônico, embora não como um Transtor-no Somatoforme, e encontram-se freqüentemen-te em comorbidade com este e diversos outrostranstornos mentais. Dentre as mais comuns,podemos encontrar vários subtipos de dor crôni-ca tais como fibromialgia, dor pélvica atípica e dortorácica atípica. Os diversos pontos de coincidên-cia entre a fibromialgia, outras síndromes funcio-nais e o fenômeno da somatização, além do fatode não se ter ainda encontrado alterações anato-moclínicas para caracterizá-las, deixam mais per-guntas do que respostas quanto ao processoetiológico subjacente a esses casos.

Entender os determinantes das somatizaçõescrônicas6,17 ainda é uma pergunta sem respostasdefinitivas. Enquanto as somatizações agudassão geralmente formas de apresentação de trans-tornos mentais comuns, como ansiedade e de-pressão, determinadas em grande parte porcódigos sociais e familiares, em que a verbaliza-ção do sofrimento emocional pode ser rapidamen-te obtido, nas somatizações crônicas se verificaa existência de alterações ao longo de toda a vidada pessoa. Esses pacientes apresentam, mui-tas vezes desde muito jovens, uma adesão auma identidade de doente, uma dificuldade delidar com conflitos, exigências e responsabilida-des, sentindo-se fracos e impotentes, vivênciaesta relatada através de queixas somáticas de“fraqueza”, “dor”, “cansaço”. Não abordam seusproblemas na esfera psicossocial, freqüentementenegando qualquer sofrimento psíquico. Para eles,como afirma Ford8, ser doente é seu modo devida.

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Nas últimas pesquisas tem sido detectadauma grande freqüência de histórias de traumaspsicológicos, em especial relacionadas ao abu-so sexual. Esses relatos, associados a uma inca-pacidade de elaboração dos eventos traumáticos,refletem-se numa sensação generalizada de in-capacidade e des-empoderamento (empower-ment). A associação da somatização comsituações de impotência e submissão, principal-mente nos casos mais graves, foi apontada porWaitzkin27 em pacientes com história de perse-guição política e vitimização em tortura, que o le-vou a propor a utilização de técnicas de narrativascomo forma de reelaboração de vivências trau-máticas.

O início da busca de entender esses pacien-tes e sua relação com as queixas de dor crônicapode ser remetida ao que Engel (1959)9 chamoude pain prone personality, um conceito posterior-mente questionado como explicação para os pro-blemas emocionais mais corriqueiros dospacientes com dor crônica, mas que deve ser res-gatado e revisto, principalmente no que concer-ne aos pacientes mais difíceis de serem tratados.De acordo com Turk26,

”(...) houve muito desentendimento naliteratura sobre o trabalho de Engel, masele sugeriu que uma propensão incons-ciente do pain-proneness e sofrimento eramais comum em indivíduos hipocondría-cos, histéricos, depressivos e outros.Não um único tipo de personalidade pre-dispõem-se ao proneness, mas muitas.”(p. 151)Hoje sabemos que os aspectos emocionais

envolvidos nas dores crônicas são bastante com-plexos e não se restringem aos determinantesindividuais dos pacientes. É, portanto, imprescin-dível reconhecer que alguns de nossos pacien-tes apresentam alterações na estruturação de suapersonalidade que os levam a se reconhecerem,antes de tudo, doentes, e que essa é a pedra fun-damental de sua postura para com a vida. Trans-formar essa identidade, essa posição perante seugrupo social e familiar é uma tarefa demorada,que exige um apoio de mais longo prazo.

NOSSA EXPERIÊNCIA EM GRUPOTERAPIA

COM PACIENTES FIBROMIÁLGICOS

Nos serviços de Clínica de Dor são muito fre-qüentes os pacientes com diagnóstico clínico defibromialgia, uma síndrome crônica caracteriza-da por queixa dolorosa músculo-esquelética di-

fusa e pela presença de pontos palpáveis hiper-sensíveis e dolorosos à pressão em regiões ana-tomicamente determinadas. Sintomas comofadiga, rigidez muscular, parestesias, alteraçõesdo sono, perda de concentração, cólon irritável ecefaléia encontram-se geralmente presentes, as-sim como transtornos psiquiátricos, principalmen-te depressão e ansiedade. Fatores psicossociaisdesempenham um papel relevante na manuten-ção e progressão rápida dos sintomas. Apesarde não ser uma doença grave, tem grande im-pacto na qualidade de vida de seus portadores.Conseqüentemente, as intervenções psicológicastêm um papel central no tratamento desses paci-entes. Embora não seja um distúrbio psiquiátri-co, a fibromialgia tem sido descrita como umasíndrome funcional com características semelhan-tes a outros quadros deste tipo, estando associ-ada à somatização crônica.

A depressão está freqüentemente associadaà somatização, quer se trate de uma forma deapresentação da depressão, quer seja mais umcaso de comorbidade dos Transtornos Somato-formes, cujo índice de associação com outrostranstornos é elevado. Vários estudos demons-tram que de 14% a 71% dos pacientes com fibro-mialgia apresentam depressão24, porém nãoapenas associada ao aparecimento da doença.Existe alta prevalência de depressão durante todaa vida e em parentes destes pacientes. Verifica-se também uma diminuição nos níveis de seroto-nina na fibromialgia16. Discute-se muito a origemdestes quadros depressivos associados. Noentanto, em pacientes fibromiálgicos, a severi-dade dos quadros depressivos é maior que emoutros pacientes com dor, às vezes com maiorcomprometimento. O humor depressivo se cor-relaciona não com a duração e severidade da dor,mas com o número de pontos de gatilho e au-mento de sua sensibilidade. Além disto, nem to-dos os pacientes fibromiálgicos têm depressão,afastando a idéia de que se trataria de uma “de-pressão mascarada”.

Inúmeros trabalhos6,9 têm demonstrado quepacientes somatizadores respondem melhor aintervenções psicoterápicas de grupo do queindividuais. Para esses pacientes a relação tera-pêutica dual é muito sobrecarregada de expecta-tivas de “serem cuidados” e reforçam padrões desomatização. O grupo permite uma melhor ela-boração dos conflitos psíquicos e dos problemaspsicossociais através de mecanismos como la-teralização da transferência e a utilização da iden-tificação como forma de elaboração de suas

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dificuldades. Porém, ao contrário dos somati-zadores agudos, que respondem a intervençõesbreves, os pacientes crônicos necessitam de gru-pos de duração mais longa, pois suas dificulda-des de elaboração e de relacionamento nãoapresentam modificações em curto prazo. Na Ale-manha* , grupoterapias breves de até 12 sessõesvêm sendo desenvolvidas para somatizadorescrônicos. São intervenções focais, centradas naredução do comportamento anormal de doente ena recuperação da atividade social e familiar, semse proporem a reestruturar a capacidade de ver-balização dos pacientes.

Temos identificado um padrão de comporta-mento comum, bastante freqüente em pacientescom dor crônica e somatização associada, des-de nossos primeiros trabalhos com pacientes comdor. Este padrão pode ser descrito através dasseguintes características:• Autoconceito de pessoa fraca e incapaz de li-

dar com stress.• Incapacidade de elaborar e lidar com sentimen-

tos negativos.• Coping inadequado, com tendência a fazer atri-

buições patológicas e catastróficas, inclusivesobre o impacto da verbalização de seus senti-mentos.

• Dificuldade de estabelecer um vínculo médico-paciente positivo.

• Permanente foco de atenção nos processoscorporais que são experimentadas como per-turbadores.

• Maior labilidade e tendência a experimentar nu-merosos e variados sintomas físicos em res-posta a estressores emocionais e sociais.

• Interpretação distorcida de sensações corpo-rais normais, interpretadas como evidência dedoença física.

• Comportamento anormal de doente, com altoíndice de consultas médicas (doctor shopping).

• Ganho secundário.• Identificação com pessoas enfermas na família.• Reforço familiar ao papel de doente.• Incapacidade para reconhecer e representar

emoções simbolicamente, levando à dificulda-de para discriminar sentimentos e sensaçõescorporais (Alexitimia).

• Dificuldade em se expressar, em especial emverbalizar sentimentos negativos.

A necessidade de “aprender a falar” é um dospontos centrais da terapia com tais pacientes.Evolui com um aumento da auto-reflexão, maiorconhecimento dos próprios sentimentos e desen-volve-se durante toda a terapia11.

Um dos objetivos principais da intervençãopsicoterápica é a “decodificação dos sintomas”,onde os pacientes desenvolvem a habilidade deassociar o sofrimento físico (múltiplas queixassomáticas, em especial de dor) aos problemaspsicossociais e ao sofrimento emocional. É fun-damental considerar-se essa dificuldade de ela-boração e expressão dos sentimentos, pois ospacientes em grupo adquirem sua própria ma-neira de verbalizar, tão difícil para alguns deles. Ogrupo muitas vezes favorece a mudança de com-portamento desses pacientes, ajudando-os aromper com o papel de “pacientes poliqueixosos”.

O GRUPO DE PACIENTES

FIBROMIÁLGICOS DA CLÍNICA DE DOR —

HUPE/UERJ

O modelo de grupoterapia desenvolvido naClínica de Dor do HUPE (Hospital UniversitárioPedro Ernesto) estruturou-se nos moldes dasintervenções psicossociais em comunidadesdesfavorecidas, a partir de um trabalho de in-terconsulta. Optou-se por esse tipo de aborda-gem em função das características psicológicase das questões sociais e de gênero apresenta-das pelos participantes. O grupo tem formatoaberto e semi-estruturado, com reuniões sema-nais com 1h45min de duração e freqüênciamédia de 15-20 participantes, a maioria mulhe-res entre 35-65 anos, embora cerca de 80 paci-entes tenham o grupo como espaço de referênciaterapêutica, podendo retomar sua participaçãoquando desejarem. Tem como objetivo o fortale-cimento/conscientização (empowerment) de seusmembros, o desenvolvimento de estratégias deenfrentamento e a transformação de comporta-mentos inadequados.

AS TÉCNICAS

Os encontros grupais têm uma psicólogacomo facilitadora, embora a característica princi-pal do grupo seja a sua orientação com base naautogestão. Através do incentivo à participaçãode todos, seus membros constroem um espaçode troca e crescimento pessoal, decidem sobre

*Diversos trabalhos sobre o tema foram apresentados em fevereiro

de 2002 em Marburg, Alemanha, durante o congresso SomatoformDisorders – New Approaches to Classification and Treatment.

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a condução do grupo e escolhem as atividades edinâmicas a serem realizadas. O trabalho funda-menta-se na idéia de feedback constante entrefacilitador e grupo, e dos membros do grupo en-tre si. Treino de relaxamento, dramatizações, dis-cussão e reflexão de temas-chave, e a criação deuma “fala” coletiva são parte integrante do traba-lho desenvolvido.

A construção de uma “fala” grupal, resultadode um longo processo de elaboração, revela aconstrução de uma representação pessoal e so-cial alternativa que vem sendo conseguida atra-vés do grupo e que permite transformações nospadrões relacionais e na qualidade de vida des-ses pacientes. Um exemplo do desenvolvimentoobtido nas sessões de grupo pode ser observa-do no trabalho que criaram como resultado deuma reavaliação de suas vidas e padrões de re-lacionamento, resumido a seguir no que chama-ram de seus “mandamentos”.

Os Mandamentos do Fibromiálgico

1. Aprenda a dizer não.2. Estabeleça metas e cumpra-as.3. Reconheça seus limites e respeite-os.4. Focalize o presente.5. Reavalie suas crenças.6. Antes de julgar, pense!7. Não tente, faça!8. Abandone o perfeccionismo.9. Não se sinta inferior.

10. Aceite ajuda.11. Observe os comportamentos que interferem

negativamente nas suas relações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem grupal tem-se mostrado eficaztanto para os pacientes que, quando questiona-dos, reconhecem prontamente a origem psicos-social de seus problemas e se adaptam facilmenteà terapia quanto para aqueles que, em princípio,resistem a qualquer tipo de abordagem psicoló-gica. A presença destes últimos é bastante fre-qüente entre os pacientes atendidos em clínicade dor. São pacientes cujo quadro de dor crônicaconjuga-se com histórico de peregrinações mé-dicas e adesão ao papel de doente. O trabalhode grupo garante-lhe um espaço de confiança,amizade e apoio mútuo, através do mecanismode identificação entre os membros, viabilizando

a construção de uma nova identidade “normal”,em oposição ao antigo papel social de “nervo-so”, “incapaz” e “doente”.

Através desses mecanismos, o grupo auxiliaos pacientes a fazer uma “mudança de agenda”,no sentido utilizado por Goldberg (1992)14. Em ou-tros termos, os pacientes aprendem a “decodifi-car” seus sintomas e desenvolvem a capacidadede reconhecer e lidar com suas limitações. Tor-nam-se mais assertivos e, conseqüentemente,conseguem transformar padrões de relaciona-mento interpessoal. Isso leva a uma diminuiçãoda freqüência de visitas médicas e de consumode medicação psicotrópica, com melhora dos sin-tomas de somatização e retomada das ativida-des sociais e laborativas.

O modelo de intervenção que desenvolve-mos para pacientes fibromiálgicos foi concebi-do a partir de nossa prática clínica e identificaçãodas dificuldades específicas desse grupo. Fun-damental na elaboração desse projeto foi consi-derar os fatores socioculturais e políticos —inclusive as variáveis de gênero — associados àssomatizações e ao perfil de pacientes usuários dosistema público de saúde. Influenciadas pelosestudos mais recentes na área da antropologiamédica, que enfatizam as narrativas de adoeci-mento para a compreensão e integração dosaspectos subjetivos do adoecer, elegemos osrelatos espontâneos dos participantes comoponto central do trabalho. Percebemos, por meiodesses relatos, que o papel de doente muitasvezes serve para encobrir sentimentos de frus-tração, raiva e dor, bem como forma de resistire controlar o ambiente. Seus sintomas, usadosconscientemente ou não, representam um co-mentário sobre a vida social e servem ao pro-pósito de denunciar condições sociais dedesigualdade e opressão17.

Pensamos que, para essas pessoas, e nãosó às vítimas de abuso e tortura citadas porWaitzkin27, os eventos e as circunstâncias de suasvidas são como narrativas incoerentes e incon-cebíveis que não podem senão ser evocadas e“reveladas” como sintomas físicos que não sejustificam pelas lesões anatomopatológicas. Apartir desses pressupostos, decidimos sobre aorientação do grupo, que deveria priorizar as “nar-rativas de sofrimento” dos pacientes. Acreditamosque esse tipo de abordagem pode ser útil tam-bém para pacientes com outros quadros crôni-cos associados à somatização.

Parece-nos, ainda, principalmente indicadopara aqueles cuja condição de des-empodera-

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mento, seja em decorrência de sua condição so-cioeconômica, seja em função das imposiçõesde gênero, predispõe à adoção de um compor-tamento anormal de doente. Não por opção, mas,talvez, como única estratégia encontrada de as-segurar o domínio de situações sobre as quaisnão têm poder e, assim, enfrentar as adversida-des de suas vidas.

Olhar além dos tecidos patológicos e examinaros vários aspectos psicológicos e socioculturais que,direta ou indiretamente, estão relacionados à ori-gem e ao curso das doenças, não é tarefa sim-ples para quem recebeu uma formaçãobiomédica tradicional. No entanto, perplexos pe-rante os sintomas somáticos para os quais nãoencontram explicação, os profissionais de saú-de são convocados a reformular conceitos e ex-pectativas e a reconsiderar as queixas de seuspacientes. Não apenas como um conjunto de sin-tomas que aguardam ser descobertos, mas comoum processo vivo, esculpido por seus portado-res. É preciso ampliar o foco, ultrapassar redu-cionismos, driblar a dicotomia mente-corpo e,acima de tudo, considerar as narrativas de adoe-cimento que os pacientes trazem para o encon-tro médico como parte integrante da avaliação edo tratamento.

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18CAPÍTULO

Aspectos Psicológicosda Dor

RODOLFO ARGÜELES

Este trabalho tem por objetivo, em primeirolugar, aplicar à sensação dolorosa algumas dasleis gerais da percepção humana. Num segun-do plano, demonstrar o fenômeno da dor comouma comunicação organísmica de um desequi-líbrio psicofisiológico. Finalmente, sugerir uminstrumento teórico complementar para diag-nosticar o significado da dor sob o prisma dequem a sofre.

A dor, seguramente, é uma das sensaçõesque mais afligem a espécie humana. Podemosfalar dela em vários níveis da vida humana, comopor exemplo, da dor fisiológica à dor da alma,porém, qualquer que seja o nível, certamente serádos mais primitivos sofrimentos humanos. O ho-mem estrutura o sentido de sua vida evitando ador em qualquer plano e só a enfrenta quando sesente invadido pela mesma no seu campo per-ceptual ou para obter um ganho maior quandonecessita suportá-la temporariamente.

Considerando a grande gama de trabalhosno campo da fisiologia, a dor pode ser descritacomo uma sensação; mas qual será o significa-do desta sensação para as nossas vidas?

Para respondermos a esta questão, devemosreportar-nos aos conhecimentos produzidos ex-perimentalmente pelos gestaltistas alemães epelas experiências dos gestalterapeutas contem-porâneos.

1o pressuposto: O homem não percebe osfenômenos da vida como um somatório das par-tes que o compõem, mas sim como unificados1.

2o pressuposto: Todas as percepções huma-nas operam no mesmo princípio de Figura/Fun-do1.

3o pressuposto: O vetor básico que determi-na a direção e a valência do comportamento sãoas necessidades humanas2.

Em relação ao 1o pressuposto, considerare-mos a dor como uma sensação, esteroceptiva(decorrente de estímulos externos) ou propriocep-tiva (decorrente de estímulos internos do orga-nismo). Abordando o campo da percepção, apessoa recebe e interpreta tais informações den-tro de um contexto. Aqui iremos demonstrar al-guns horizontes universais que compõem aexperiência humana. Tais horizontes são funda-mentais para podermos compreender o contextode uma experiência e, de acordo com nosso ob-jetivo, nos prenderemos à experiência da dor. Porexemplo: ao quebrarmos uma perna, sentiremosa sensação dolorosa característica de tal lesão,mas, inegavelmente, esta sensação será vividadentro de um contexto. Evidentemente, no mo-mento da fratura, certamente a sensação doloro-sa emergirá como figura no nosso campoperceptual, mas esta sensação dolorosa seráexperenciada numa configuração de horizontes.

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Inicialmente, abordaremos os horizontes tempo-rais em termos de antecipações e recordações.É obvio que, ao sofrermos uma fratura em nossaperna, algumas preocupações relacionadas aofuturo emergirão em forma de antecipações, se-jam elas profissionais, sejam elas financeiras, fa-miliares etc. Além da dor característica surgirãoangústias relacionadas à carreira profissional,“como vai ser minha vida?”, “a minha carreira?”,“os meus ganhos? (se for autônomo)”, “a minhafamília?”, e assim por diante. Algumas recorda-ções também emergirão, por exemplo, a imagemda fisionomia de quem nos é importante e as im-plicações daquele evento para esta pessoa epara a nossa relação com a mesma, ou a lem-brança de algo semelhante vivido no passadoe o significado específico daquela vivência noevento atual. Certamente, no momento exato dalesão, tais preocupações/recordações podem serprofundamente ofuscadas pela presença da doraguda, mas, ao recebermos os primeiros socor-ros, como imobilização da perna, uso de algunsanalgésicos etc., a dor aguda diminui significati-vamente, e, aí sim, as preocupações/recordaçõesacima apontadas emergem com maior nitidez. Doponto de vista espacial, o local do acontecimentoinfluenciará a vivência da sensação dolorosa. Porexemplo, se sofrermos um acidente de motoci-cleta e a fratura da perna ocorrer numa rua ouavenida de nossa cidade e nos percebermosdeitados no asfalto ou em uma maca de ambu-lância, certamente emergirão, como horizonte dasensação dolorosa, recordações de locais con-fortantes (residência junto com os familiares, umacama de um hospital etc.) que passam a ser umforte vetor de atração, pois estar “lá” significa parteda resolução das angústias vitais acima aponta-das. Assim sendo, sentimo-nos fortemente atraí-dos para estes locais recordados e uma forterepulsão por aquele local em que nos encontra-mos. Nesse exemplo, a sensação dolorosa podeser considerada como parte da nossa percepçãoda situação; o todo se manifesta ao percebermosas implicações temporais e espaciais que sem-pre estão presentes em nossas vivências cotidia-nas3. Portanto, a dor não pode ser compreendidafora do contexto (espacial e temporal) em que oindivíduo se encontra. Num segundo exemplo, “in-divíduos em tempo de guerra sentem menos dordo que os indivíduos em tempo de paz, conside-rando-se a mesma lesão”4. Isto ocorre porque ocontexto espacial, temporal, o significado dos vín-culos e o próprio sentido da vida são fortementeabalados em situação de guerra, pois é uma ex-

periência singular e profundamente diferenciadado contexto em tempo de paz. Sendo assim, emtempos de guerra o indivíduo tem profundamen-te alteradas as suas perspectivas temporais (an-tecipações) de vida, fundamentalmente no quese refere aos vínculos afetivos (recordações),pois é inegável que, no campo de batalha, en-contram-se ausentes a família, os amigos etc.No entanto, eles estão profundamente presen-tes como recordações e também como a expec-tativa do reencontro ao final da guerra. Do pontode vista espacial, a situação concretamente hos-til da guerra, primeiramente, faz com que tenha-mos uma alteração na nossa atitude, pois talsituação nos coloca num nível de stress que con-trasta profundamente com a que temos normal-mente em tempo de paz. Esse fato alterasignificativamente a postura do indivíduo frenteà percepção da sensação dolorosa. Assim sen-do, quando abordamos este primeiro pressupos-to, obtemos um ganho para a compreensão deque a dor deverá sempre ser abordada comoum todo unificado, composto pelos horizontestemporais e espaciais, e o significado afetivo dosnossos vínculos com as pessoas significativas ecom a vida de uma forma mais ampla.

Quanto ao 2o pressuposto “todas as percep-ções humanas aplicadas aos sentidos (visão,audição, tato, gustação e olfato) são reguladaspelo princípio de figura/fundo”1. Portanto, consi-derando a dor (como definida no 1 o pressupos-to), podemos exemplificar com a situação de umapessoa que sofre um ataque cardíaco, que temuma sensação dolorosa característica no momen-to da lesão e fará com que tenha a sua atençãoconcentrada em tal sensação, emergindo comofigura no campo perceptual. A emergência de umafigura na percepção humana é o sintoma de queaquilo não está resolvido, e por isso torna-se fi-gura, tendo o restante da existência como o fun-do. Para abordarmos o fundo dessa sensação,teremos de compreender o contexto no momen-to do ataque. Por exemplo, do ponto de vista es-pacial, se o indivíduo estiver dirigindo umautomóvel ou se estiver em sua sala de estar jun-to de seus familiares, reagirá e comportar-se-á deforma diferenciada, pois as implicações do futuroimediato são diferentes. Assim sendo, a sensa-ção dolorosa, de qualquer ordem, quando emer-gir como figura, deverá ser observado o fundopresente na situação. Como podemos perceber,o 1o pressuposto está ligado à situação vital doindivíduo, e o 2o pressuposto, à situação mo-mentânea. Portanto, a sensação dolorosa pode-

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rá ser compreendida dentro de contextos vitais emomentâneos2.

Com relação ao 3o pressuposto, os vetoresbásicos que determinam a direção do comporta-mento são as necessidades que se manifestamatravés do interesse. Ao abordarmos o conceitode necessidades, temos que discriminar os seusníveis qualitativos, sendo o primeiro nível asnecessidades fisiológicas, o segundo nível as ne-cessidades de segurança, o terceiro nível as ne-cessidades de afiliação e de amor, o quarto nívelas necessidades de estima e o último nível as deauto-realização5. Portanto, a direção do compor-tamento é definida por uma hierarquia de neces-sidades. Por exemplo, suponhamos que umapessoa esteja sofrendo de uma dor de cabeçaoriginária de uma sinusite crônica e, ao mesmotempo, tenha a responsabilidade de escrever umartigo para uma revista. Como podemos obser-var, a situação é conflitante, pois duas necessi-dades em níveis diferentes emergem ao mesmotempo, ou seja, a de escrever um artigo e a delivrar-se da dor. Evidentemente, essas necessida-des são complementares, e de uma certa formaexiste uma ordem de prioridade, isto é, livrar-seda dor para poder escrever o artigo. Mas supo-nhamos que o prazo para entrega do artigo sejano dia seguinte e o analgésico não tenha o efeitoesperado. Nessa situação, o indivíduo só teráduas opções: ou tentar escrever o artigo com apresença da dor ou desistir de escrevê-lo, assu-mindo todas as conseqüências. Aqui nessa situ-ação, o peso da necessidade dominante é queirá determinar a conduta do indivíduo. Se, porexemplo, deixar de escrever o artigo, a perda deum emprego seria iminente. Certamente o indiví-duo escolheria a primeira opção, portanto pode-mos observar que a necessidade de maioremergência e de interesse é a que irá determinaro comportamento do indivíduo. Deveremos ob-servar as necessidades envolvidas no momentoda vivência da sensação dolorosa.

Até aqui, tentamos responder à pergunta so-bre o significado da sensação dolorosa para asnossas vidas. Demonstramos que os três pres-supostos até aqui descritos respondem em parteesta questão, mas algumas questões ainda per-duram, como, por exemplo, qual a mensagemimplícita ao termos qualquer sensação dolorosa?

Neste ponto, temos que citar outro conceitoutilizado na abordagem gestáltica: o conceito deauto-regulação organísmica ou homeostase, quenada mais é do que a “tendência natural para

auto-regulação6, isto é, o processo de inter-rela-ção organismo/meio que tem como fim a manu-tenção do equilíbrio orgânico. Assim sendo,vamos considerar qualquer sensação dolorosacomo um “alarme” de que algo encontra-se emdesequilíbrio no organismo humano. Esse dese-quilíbrio poderá ser classificado em dois níveis:a. no nível fisiológico, podemos abordar o fenô-meno da sede, que nada mais é do que a quedado volume de água na corrente sangüínea expres-sa na sensação da sede, exigindo o contato como mundo externo na busca do suprimento deágua; e b. no nível psicológico, possuímos inú-meras necessidades, como, por exemplo, amare ser amado, realização profissional etc. Comopodemos observar, estamos apontando para ní-veis de necessidades diferentes, que estão sen-do identificadas separadamente apenas de formadidática, pois ambos os níveis estão contidos umno outro. Assim sendo, definiremos a dor comoum alarme que comunica a quem a vivencia queo seu processo de auto-regulação encontra-seperturbado em qualquer um ou nos dois níveisacima. É inegável que os desequilíbrios, tanto nonível psicológico como no fisiológico, demons-tram que os suprimentos das necessidades de-pendem do contato organismo/meio e, a partirdisso, pode-se definir a sensação dolorosa comotambém sendo uma deficiência momentânea oucrônica da função de contato organismo/meio.Evidentemente, esta definição não abrange asdoenças infecto-contagiosas e as que são com-provadamente de origem genética ou congênita,e ainda aquelas que têm a sua etiologia já domi-nada pela área médica.

Fazendo um balanço do que foi expostoaté o momento, pode-se apontar os seguintesganhos na compreensão do processo da dor,concluindo-se que: 1. a dor não pode ser com-preendida integralmente fora do contexto vital doindivíduo; 2. a dor não poderá ser compreendidaintegralmente fora do contexto momentâneo doindivíduo; 3. a dor não poderá ser compreendidaintegralmente sem considerarmos a hierarquia denecessidades no momento em que ela ocorre; 4.a dor poderá ser compreendida como um “sinal”apontando para uma possível deficiência momen-tânea ou crônica no contato organismo/meio, im-pedindo a auto-regulação.

Vamos agora definir a saúde no sentido maisamplo da palavra, utilizando a definição de Perls7

de que o processo de manutenção da homeos-tase e de adaptação às condições externas, quan-

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do ocorrem de maneira fluídica, geram condiçõespara que o organismo humano possa ser consi-derado saudável. A partir disso, podemos apon-tar que os processos dolorosos expressam emalgum nível a quebra da forma saudável de auto-regulação. Para entendermos este fenômeno, épreciso abordar, além dos conhecimentos dagenética, da fisiologia e da bioquímica, os pro-cessos de interrupção do fluxo contato/retraçãodo organismo em relação ao meio que não per-mite o pleno funcionamento organísmico.

Perls define este processo como “perturba-ções neuróticas na fronteira de contato” e apontaos quatro mecanismos neuróticos definidos porGoodman8:

1o - Projeção: a tendência de o sujeito percebere atribuir ao meio a responsabilidade do quede fato ocorre em si mesmo. Em outras pala-vras, a pessoa percebe no outro aquilo quelhe pertence, mas não é percebido como seu.Assim sendo, como diz Perls, “o mundo ex-terno é o campo de batalha onde se enfren-tam os conflitos internos da pessoa”. Naprojeção ocorre uma confusão entre o self eo não-self, e a resultante desta distorção é apercepção de algo no meio externo, que, naverdade, pertence ao self, o aspecto patoló-gico deste processo é a impossibilidade deo indivíduo assumir responsabilidades peloque está sendo projetado9.

2o - Retroflexão: é o fazer a si mesmo o que de-sejaria fazer aos outros, ou então, fazer a simesmo o que desejaria que os outros fizes-sem. Na primeira situação podemos citar o“morder os próprios lábios”, em vez de ex-pressar a agressividade ao mundo externo.Na segunda situação o indivíduo pode-seauto-elogiar como uma forma de compensaro que desejaria que o outro fizesse para si.Esta disfunção, pode-se dizer, está na origemde boa parte das doenças psicossomática,pois se voltar contra si ocorre de várias for-mas e em vários níveis, e, dependendo dacronicidade desta perturbação, a somatiza-ção tem grande probabilidade de ocorrer.

3o Introjeção: é a forma em que a pessoa incor-pora aspectos do meio (modos de agir e pen-sar, atitudes) que não pertencem à si própria.Por exemplo, na nossa cultura, introjetamosvalores antagônicos, tais como “temos queser educados, gentis e amáveis para com opróximo” e, ao mesmo tempo, “temos quevencer na vida neste mundo violentamente

competitivo”. Se o processo de aprendiza-gem no nível psicológico seguisse a orienta-ção do análogo no processo físico, nãointrojetaríamos as “ordens” vindas do meioexterno, mas as assimilaríamos como faze-mos com os alimentos, desestruturando“através da mastigação” ou seja, assim comomastigamos a maçã e não a engolimos porinteiro, poderíamos fazer o mesmo com osvalores impostos pela nossa cultura.

4o - Confluência: é a forma de o indivíduo perdera noção de fronteira entre si mesmo e o ou-tro. Por exemplo, mães que percebem os fi-lhos como prolongamentos de si mesmas enão consideram qualquer diferença dos fi-lhos em relação a si. Assim, do ponto de vis-ta fisiológico esse mecanismo pode estar naorigem de uma série de doenças psicosso-máticas. Quando a necessidade de respirarse confunde com a de chorar estão em con-fluência, por exemplo, e aí o indivíduo perdea capacidade de discriminar o respirar livre-mente com o chorar, podendo desenvolverum processo asmático7.Deixemos claro que estes mecanismos são

significativos quando apresentados de forma crô-nica, cristalizando a maneira de ser do indivíduoe, certamente, observaremos que há uma rela-ção íntima desses mecanismos com uma sériede doenças manifestadas ao longo da vida. Rei-ch11 aborda uma série de biopatias, inclusive ocâncer, como tendo origem numa inanição sexu-al crônica, fruto de introjeções de ordem moralque auto-interrompem a expressividade plena dasexualidade e, conseqüentemente, o orgasmo,produzindo tensões crônicas em regiões especí-ficas do organismo.

A partir do que foi exposto, nós, como profis-sionais de saúde, não podemos compreenderprofundamente os processos dolorosos senãoobservarmos a sensação da dor, abordando-anos vários níveis, pois o diagnóstico depende deaspectos genéticos, fisiológicos, bioquímicos e,principalmente, da experiência de quem a sofre.Portanto, o significado da dor é de fundamentalimportância para a terapêutica escolhida, pois o“todo é mais que a soma das partes”.

Enfim, o instrumental teórico complementarpara um diagnóstico abrangente que inclua algu-mas leis gerais da percepção humana, sem comisso retirar os aspectos singulares da experiênciada dor, parece ser de suma utilidade no trato compacientes acometidos, principalmente, por trans-tornos descritos como somatoformes, ou seja, “é

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a presença de sintomas físicos que sugerem umacondição médica geral, porém não são comple-tamente explicados pela mesma, pelos efeitosdiretos de uma substância ou por um outro trans-torno mental”10.

Ao abordarmos os sintomas somatoformes,a primeira questão que nos aparece é se estessintomas são reais ou simulados? A partir daspesquisas sobre o efeito placebo12 pode-se con-cluir que os sintomas somatoformes podem efe-tivamente ser reais e, portanto, não se devepressupor que os indivíduos com tais sintomasestejam simulando. Com isto, também sabemosque alguns indivíduos simulam a enfermidade,mas não podemos concluir que isto seja a regrae precisamos ter muita cautela no diagnóstico.Por isso, é necessário compreendermos as quei-xas dos nossos pacientes a partir de um todo desuas vidas, compreendendo o significado maisabrangente de seus relatos. Isto é importante nãosó do ponto de vista do diagnóstico, mas tam-bém para não cometermos injustiças, pois sabe-mos que muitas vezes o nosso diagnóstico temimplicações globais na vida do paciente. Assimsendo, o “olhar” é mais criterioso se considerar-mos que o relato por parte do paciente é apenasparte de um todo que, muitas vezes ou quase

sempre, não está visível no simples relato, mas,sem dúvida nenhuma, os horizontes acima des-critos estão presentes e são significativos para acompreensão global da queixa.

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19CAPÍTULO

Dor Crônica e Déficits deMemória: Uma Abordagem

Neurocognitiva

JAMIR JOÃO SARDÁ JÚNIOR

ROBERTO MORAES CRUZ

SÉRGIO JACQUES JABLONSKI

Segundo a IASP (Associação Internacionalpara o Estudo da Dor, 1987), a dor é uma experi-ência desagradável, sensitiva e emocional, asso-ciada a uma lesão real ou potencial dos tecidosou descrita em termos dessa lesão. A experiên-cia dolorosa é um fenômeno complexo e multidi-mensional determinado não apenas pela árealesada, mas também por experiências préviascom eventos dolorosos, estado emocional, his-tória familiar, ganhos secundários, dentre outrosaspectos.

A forma como a dor se manifesta é influen-ciada por diversos fatores biológicos sociocul-turais e psicológicos. Os estudos de Zborowski33,mostram que aspectos individuais e culturais, in-cluindo sexo, idade e personalidade influenci-am a instalação e manifestação de síndromesdolorosas. Aspectos cognitivos como valora-ção (appraisal) e estratégias de enfrentamen-to (coping) parecem também influenciarrespostas à dor, assim como a depressão, a an-siedade e o stress; dentre os principais sintomaspsicológicos, têm sido reconhecidos como impor-tantes moduladores da manifestação de síndro-mes dolorosas.

A compreensão da dor como um fenômenohumano e multidimensional, dada às suas carac-terísticas biopsicossociais, deve, portanto, ir alémdos aspectos envolvidos na lesão dos tecidos,

procurando abarcar as emoções experimentadaspelo sujeito, relações com o ambiente e respos-tas advindas do quadro álgico. Uma compreen-são que vem sendo construída ao longo dos doisúltimos milênios de história ocidental, com contri-buições de Aristóteles, Descartes, Muller, Beechere Fordyce.

Contemporaneamente, podemos afirmarque, embora existam diversos modelos teóricossobre dor, o estatuto científico da contribuiçãode Melzack e Wall, por meio da Teoria do Con-trole do Portal (Gate Control Theory), de 1965,contribuiu significativamente na identificação dedeterminados fatores presentes na instalação emanifestação de dores, ao enfatizar a importân-cia da modulação de estímulos dolorosos reali-zada pela espinha medular, sistema nervosocentral e hipotálamo, e a interferência de aspec-tos cognitivos, emocionais e comportamentaisno processo de percepção e na resposta a estí-mulos dolorosos.

Ao longo desse capítulo serão explorados,com mais propriedade, os mecanismos neuroló-gicos e estruturas envolvidas no processo demodulação da dor. Por hora, é importante desta-car que, fundamentado na compreensão referidaanteriormente, o leitor possa presumir que se ador é passível de ser modulada por diversos as-pectos fisiológicos, cognitivos e emocionais pode

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também interferir ou produzir diversas alteraçõescomportamentais, especialmente se as síndro-mes dolorosas se configurarem crônicas. Nessesentido, é necessário compreender não somenteos aspectos referentes à etiologia ou manifesta-ção da dor, mas também o quanto a dor interferena vida do paciente e quais as limitações impos-tas por ela.

Freqüentemente é possível encontrar comor-bidades associadas à dor. Depressão, ansieda-de e stress são estados emocionais bastantecomuns em quadros álgicos e, embora possamser fatores moduladores importantes na manifes-tação da dor, podem ser resultantes da dor crôni-ca, tal como a irritabilidade e a tristeza. Nestesentido, se pensarmos a dor como um estímulo,é evidente que essa modulará algumas respos-tas emocionais.

Pacientes com dor crônica também podemfreqüentemente apresentar alterações cogniti-vas* . Déficits de memória, redução da capaci-dade de atenção e concentração e redução dotempo de resposta têm sido freqüentemente ob-servados nesta população. Algumas hipótesespara explicar déficits cognitivos associados a do-res crônicas:

1. Os déficits podem ser decorrentes do uso depsicofármacos.

2. Estados emocionais como stress, depressãoe ansiedade, freqüentemente presentes nestapopulação, podem causar déficits cognitivos.

3. Estruturas neurais presentes na transmissãoda dor também são utilizadas por outros pro-cessos cognitivos, podendo interferir no pro-cessamento ou funcionamento destas funçõescognitivas.

A partir da descrição sobre a Teoria do Con-trole do Portal e da Teoria da Matriz Neural17,23,pretende-se esclarecer a hipótese da interferên-cia da dor em alguns processos cognitivos.

REGULAÇÃO DA DOR: MECANISMOS

NEUROLÓGICOS

A percepção da dor é um processo variável.Dados obtidos em estudos especializados suge-rem que a sensação de dor não depende exclu-

sivamente da intensidade da ativação dos noci-ceptores, mas que o mesmo nível de atividadenociceptora pode produzir mais ou menos dor,dependendo da ação reguladora de outros fato-res como o contexto comportamental ou da ativi-dade sensorial não dolorosa. Esse mecanismode regulação da dor apresenta duas formas ge-rais de modulação: a chamada regulação aferen-te e a regulação descendente.

Quando alguém bate com a cabeça com for-ça numa parede, por exemplo, normalmente con-segue um alívio da dor ao esfregar a pele ao redorda região afetada. Tal fato, segundo Bear (2002)1,é possível porque a dor evocada pela atividadedos nociceptores pode ser reduzida pela ativida-de simultânea em mecanorreceptores com baixolimiar, como os encontrados na fibras Aá ou Aâ.Isto também explicaria a eficácia do tratamentoelétrico para alguns tipos de dores crônicas intra-táveis: a dor é suprimida quando o estimuladorelétrico ativa os axônios sensoriais de grande di-âmetro.

Para explicar o mecanismo de regulação afe-rente, Melzack e Wall 1965)23 propuseram um mo-delo teórico, denominado Teoria do Controle do

Portal (Fig. 19.1).

Esta teoria propõe que certos neurônios docorno dorsal da medula espinhal projetam seusaxônios para cima ao longo do trato espinotalâ-mico e são excitados tanto por axônios senso-riais de diâmetro grande mielinizados quanto poraxônios da dor não mielinizados. Um interneurô-nio na medula espinhal recebe estímulos excita-tórios da via de tato e pressão (grandes redes deneurônios mielinizados) e estímulos inibitórios davia da dor e temperatura (redes pequenas e nãomielinizadas). A atividade relativa do interneurô-nio determina se as informações de dor serãoenviadas ao cérebro, pois a ativação deste inter-neurônio pelas vias mielinizadas produz uma fun-ção inibitória deste interneurônio sobre as vias nãomielinizadas que transmitem os inputs da dor emdireção do encéfalo2.

Segundo Melzack e Wall23, padrões aferen-tes na coluna dorsal atuam em parte como umcontrole central de disparo que ativa determina-dos processos neurais, tais como: liberação deneurotransmissores e outras substâncias, influen-ciando as propriedades modulatórias do sistemade portal. Para a Teoria do Controle do Portal, aestimulação da pele ou de outros órgãos evocaimpulsos nervosos transmitidos a três sistemasda espinha dorsal (as células da substância ge-latinosa, as fibras da coluna vertebral que se pro-

*Está-se utilizando o termo cognição no sentido de processoscognitivos e não como a dimensão cognitivo-avaliativa da dor, quecompreende os aspectos relacionados à compreensão daexperiência dolorosa.

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jetam em direção ao cérebro e os transmissorescentrais) que podem inibir, por sua vez, a propa-gação dos estímulos dolorosos na direção doencéfalo.

Além dos processos aferentes de regulação,um outro mecanismo é fundamental para expli-car a modulação da dor. É a chamada regulaçãodescendente e está presente em situações atípi-cas relatadas muitas vezes por atletas ou solda-dos que sofreram lesões ou ferimentos, mas queaparentemente não sentiram dor. Alguns fatoresque envolvem processamento do sistema nervo-so central, como emoções fortes, stress ou mes-mo intensa determinação psicológica, podemsuprimir as sensações de dor. Como tal inibiçãoparte de estruturas e funções corticais e subcorti-cais superiores, esse mecanismo é chamadodescendente.

Várias regiões do encéfalo parecem estarassociadas à supressão da dor, entre elas umaregião do mesencéfalo denominada substânciacinzenta periaquedutal (Periaquedutal Grey PAG)e periventricular, cuja estimulação elétrica podeproduzir uma analgesia profunda. Essa regiãoespecífica do mesencéfalo recebe aferências devárias estruturas cerebrais, muitas das quais en-volvidas diretamente no processamento emocio-nal, e envia axônios descendentes para regiõesda linha média do bulbo; particularmente os nú-cleos da rafe, que utilizam neurotransmissorescomo a serotonina. Esses neurônios do bulbo,por sua vez, projetam axônios descendentes paraos cornos dorsais da medula espinhal, podendo,dessa forma, suprimir efetivamente a atividade

dos neurônios nociceptivos e, conseqüentemen-te, reduzir a dor.

Além dos mecanismos de regulação aferen-te e descendente que envolvem grupos de neu-rônios específicos, pode-se citar um outroprocesso molecular modulador da dor. Desde adécada de 1970, quando ocorreram descober-tas de neurorreceptores opióides existentes noencéfalo, os neurocientistas vêm estudando demodo especial uma classe de peptídeos (peque-nas proteínas) chamadas de endorfinas*, cujosreceptores se concentram particularmente emáreas que modulam a informação nociceptiva.Pequenas injeções de morfina ou endorfina naregião perieaquedutal cinzenta (PAG) ou nos nú-cleos da rafe ou, ainda, no corno dorsal da me-dula espinhal podem produzir analgesia. De modoanálogo, uma substância específica para recep-tores opióides, conhecida como naloxone**, podebloquear os efeitos analgésicos produzidos porestimulação elétrica (que, por sua vez, induz a li-beração de endorfinas).

De um modo geral, vários sistemas de neu-rônios endorfinérgicos na medula espinhal e notronco encefálico podem impedir a passagem desinais nociceptivos pelo corno dorsal em direçãoa níveis superiores do encéfalo, onde a percep-ção da dor é produzida.

NeurÞnioinibitðrio (I)Fibras pequenas (P)

Corno dorsal

Fibras grandes (G)

Tratoespinotal�mico

(P)

ñ+

(G) +

+(I)

ñ

(P)

Fig. 19.1 – Modelo do Controle do Portal.

*O nome endorfina (morfina endógena) traz referência ao ópio e seusderivados, e seus conhecidos efeitos analgésicos. Um pictogramasumério de, aproximadamente, 4000 a.C. que representava a papoulafoi traduzido como “planta da alegria”. Na Europa do século XVII, ovalor terapêutico do ópio era bastante difundido.**Um antagonista do receptor opióide.

Proje˘ıoneural (P)

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O processo de modulação da dor atravésdos mecanismos neuroquímicos das endorfinaspode ajudar também a entender um dos gran-des problemas científicos de nossos tempos —o chamado efeito placebo (falsos remédios apre-sentados aos pacientes como poderosas drogascapazes de inibir a dor)* . Ao que parece, o efeitoplacebo pode ter um poderoso efeito analgésico,uma vez que muitos pacientes com dores confir-madas clinicamente mostram alívio real após apli-cação de drogas inócuas, apresentadas emconjunto com informações que sustentam umacrença favorável ao efeito da suposta substân-cia. Bear1 relata que muitos pacientes, sofrendode dor pós-operatória, obtiveram alívio com umainjeção de solução salina estéril. Porém, a aplica-ção de naloxone pode bloquear o efeito analgési-co do placebo, de modo que é possível relacionaros efeitos analgésicos de substâncias placebo auma ativação endógena dos mecanismos endor-finérgicos que, por sua vez, podem ser ativadospor estados superiores de cognição como cren-ças e estados emocionais intensos.

O efeito placebo pode ser enquadrado comorelacionado aos mecanismos de regulação des-cendentes, uma vez que apresentam relação cau-sal com processos cognitivos superiores docórtex, bem como de áreas subcorticais. É im-portante salientar que processos mentais superio-res podem afetar a modulação da dor. Por outrolado, os processos de modulação da dor tam-bém podem afetar os processos cognitivos demodo a prejudicar, por exemplo, o desempenhoda atividade de memorizar e outros processoscognitivos.

PROCESSOS MNEMÔNICOS: A BASE DOS

PROCESSOS COGNITIVOS SUPERIORES

A maioria das teorias científicas sobre a capa-cidade de memória tende a utilizar, para efeitosteóricos e didáticos, uma metáfora tópico-espa-cial: as memórias são sistemas de informaçõesarmazenados em localizações específicas docérebro, recuperáveis a partir de determinadosmecanismos mentais.

Segundo Luria (1991)20, é difícil obter uma hi-erarquização das funções mentais, porém é pos-sível inferir que a memória é uma função cerebral

de extrema importância para o funcionamento hu-mano, dada a sua participação em diversos pro-cessos cognitivos, tais como o registro, aconservação e a reprodução de vestígios anteri-ores. Além disso, os sentimentos e ações são me-diados por essa função que ocupa um papelfundamental na definição de objetivos, processosmentais e operadores motivacionais.

Para os psicólogos que estudam as funçõescognitivas, os principais processos da atividadede memorizar abrangem genericamente três ope-rações comuns: codificação, armazenamento erecuperação, cada uma representando um está-gio no processamento (tratamento) da memória.A codificação se refere ao modo como se trans-forma um dado físico e sensorial numa represen-tação que pode ser armazenada na memória.

O armazenamento se refere à maneira comose mantém a informação codificada na memória,ou seja, o movimento da informação codificadapara um armazenamento de memória e a manu-tenção dessa informação. A recuperação se re-fere ao modo como um indivíduo obtém acessoà informação retida na memória, isto é, a recupe-ração da informação a partir de um armazena-mento de memória, transferindo a informação paraa consciência, para uso no processamento cog-nitivo ativo10,22.

PROCESSOS MNEMÔNICOS E OS

DIFERENTES TIPOS DE MEMÓRIA

Gregg11 comenta que, na vida cotidiana, ossistemas da memória estão sujeitos a diferentesespécies de exigências ambientais e psicológi-cas. Em geral, denomina-se memória breve, oumemória de curto prazo, a memória que perma-nece durante alguns segundos ou minutos de-pois de uma experiência. Há alguma evidênciaque a perda rápida de retenção depois de umaexperiência pode ser atribuída a um enfraqueci-mento do resíduo neurológico da experiência ou,ainda, a presença de diferentes enzimas quemediam o processo de retenção. Atualmente, háuma ênfase na compreensão científica sobre aparticipação de neurotransmissores e outrassubstâncias envolvidas no processo mnemônico,a existência de diferentes tipos de memórias, bemcomo os aspectos ambientais e psicológicos pas-síveis de interferirem sobre eles.

Os conceitos de memória de curto prazo ememória de longo prazo pressupõem um mo-delo de múltiplos processadores, já que existemindícios de um sistema de dois estágios, consti-

*O efeito placebo, além de levantar questões epistemológicasimportantes como a relação mente-corpo, está virtualmente presenteem quase todos os quadros clínicos da medicina moderna,necessitando ser melhor explicado.

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tuídos pelos dois tipos de memória, que envol-vem mecanismos neurológicos e psicológicos in-terdependentes. Baddeley e Patterson (in Gregg,1976)11 sugerem que as expressões memória decurto e de longo prazos se referem aos intervalosde retenção deduzidos pelos pesquisadores enão a mecanismos específicos da memória. Nes-se sentido, são conceitos construídos para de-signar a maneira pela qual se compreende asoperações comportamentais manifestas na ativi-dade de memorizar.

Existem diferentes aspectos envolvidos nafunção da memória no processo de conhecimen-to. Para Colom e Flores-Mendonza (2001)3, o pro-cesso mnemônico básico reside na chegada deinformações que o indivíduo recebe do meio am-biente, através dos órgãos dos sentidos, desper-tando impressões sensoriais que ficamarmazenadas na memória por um tempo que,geralmente, não ultrapassa meio segundo. Es-sas informações se perdem rapidamente, e asque sobrevivem a essa etapa transladam da me-mória sensorial para a memória de curto prazo,onde podem ser manipuladas conscientementepelo indivíduo.

Dessa forma, a memória de curto prazo apre-senta limitações temporais, ocasionando a per-da de algumas informações por esvaecimento oupela chegada de novas informações que provo-cam o deslocamento dessas para a memória delongo prazo. As evidências sobre os mecanismose processos envolvidos na memória de curto pra-zo não são tão imediatos como se supõe. Mand-le (1985)r21 aponta que essa aparente limitaçãoda memória de curto prazo não é função de al-guns sistemas de armazenamento, mas sim umalimitação da capacidade consciente. Se tão limi-tada é a capacidade, então qualquer evento ouobjeto que geralmente é recuperado e trazido aoestado consciente também apresentará essa li-mitação.

Baddeley (apud Matlin, 1994)22 e Eysenk eKeane (1990)7 desenvolveram o conceito de me-mória de trabalho (ou memória operacional) paradescrever os processos abordados anteriormen-te sobre o cunho de memória de curto prazo. Ge-nericamente é possível afirmar que o termomemória do trabalho se refere a um sistema neu-rológico que supre temporariamente a estocageme a manipulação da informação necessária paratarefas como a compreensão da linguagem,aprendizagem e raciocínio. De acordo com es-ses autores, memória de trabalho é mais que umbanco de dados onde o material é constantemen-

te manuseado, combinado e transformado; éparte do sistema que temporariamente armaze-na e manipula a informação sobre como se de-senvolvem as tarefas cognitivas.

FUNDAMENTOS NEUROLÓGICOS DA

MEMÓRIA DE LONGO PRAZO

Quando aprendemos algo, onde é armaze-nada esta informação? A representação física oulocalização de uma memória é conhecida comotraço de memória ou engrama. De acordo comHebb (1949)15, se um traço de memória está ba-seado em informação oriunda de apenas umamodalidade sensorial, a informação mnemônicadeveria localizar-se dentro das regiões do córtexque processa essa modalidade sensorial (memó-rias visuais estariam no córtex visual).

Com relação à memória baseada no proces-samento visual, estudos com primatas treinadosem discriminação visual a partir de recompensase lesionados posteriormente na região ínfero-tem-poral do córtex (uma área visual de ordem supe-rior, localizada no córtex temporal) sugerem quea lesão parecia não permitir ao macaco recordaro formato do estímulo associado à recompensa.De forma análoga, estudos com humanos emressonância magnética funcional indicam respos-tas específicas para uma variedade de objetos,como, por exemplo, carros e pássaros. Indivíduosespecialistas em pássaros têm a área do córtexvisual extra-estriatal que são ativadas especifi-camente por imagens de pássaros. Algo similarocorre em especialistas em carros ao serem esti-mulados por imagens de carros. Os diferentespadrões de atividade apresentados pelos espe-cialistas (indivíduos capazes de discriminar ossubtipos relacionados a sua especialidade) po-dem refletir um processamento altamente espe-cializado e necessário para classificar exemplosparticulares.

Os estudos clássicos de Penfield (1958)27

com estimulação elétrica do córtex temporal su-gerem uma participação importante dessa regiãono traço de memória de longo prazo. O neocór-tex temporal, que parece ser um sítio de armaze-namento da memória de longa duração, e ohipocampo (estrutura encontrada no interior dolobo temporal medial) são fundamentais para aformação de novas memórias de longo prazo. Asconexões aferentes ao lobo temporal medial vêmde áreas associativas do córtex que contêm in-formação sensorial altamente processada de to-das as modalidades. Por outro lado, uma das

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principais vias eferentes do hipocampo (o fórnix)circula o tálamo antes de terminar no hipotálamo(envolvido no controle do sistema neurovegetati-vo e da glândula hipófise), e mais especificamentenos corpos mamilares.

Além dos lobos temporais, outra região for-temente associada à memória é o diencéfalo, queestá relacionado ao processamento da memóriade reconhecimento. Em especial, pode-se sali-entar os núcleos anteriores e dorso-medial no tála-mo (que recebe aferências de estruturas do lobotemporal como a amígdala e o córtex ínfero-tem-poral) e os corpos mamilares no hipotálamo (quepor sua vez projeta axônios para o núcleo anteri-or do tálamo).

HIPOCAMPO: MATRIZ MULTIFUNCIONAL

DE MEMÓRIA

Ao que parece, o hipocampo, além de agircomo um fixador de memórias de curto prazo emmemórias de longo prazo, pode, também, apre-sentar um papel importante na memória de tra-balho, também conhecida como memória de curtoprazo. As evidências apontam o hipocampo comouma estrutura matriz multifuncional para vários ti-pos de memória.

Em primeiro lugar, lesões no hipocampo pre-judicam a memória de localização em testes delabirinto. Grupos de neurônios do hipocampoparecem especializados para a memória da lo-calização. Esta é a hipótese de O’Keefe (1979)28,de que o hipocampo tenha se especializado nacriação de um mapa espacial do ambiente.

Porém, outras pesquisas sugerem que amemória espacial não seria a única função do hi-pocampo. Estudo com labirinto radial, descreveque lesões hipocampais provocam déficits namemória de trabalho. Os ratos deste experimen-to não eram capazes de manter informações re-centes sobre áreas já exploradas do labirinto. Ouseja, a memória operacional ou de trabalho pare-ce depender em grande parte das funções dohipocampo.

Recentemente Cohen e Eichenbaum (1993)4

apresentaram um novo modelo para o hipocam-po, bem como para as estruturas adjacentes dolobo temporal medial (como o córtex entorrinal, ocórtex perirrinal e o córtex para-hipocampal), ondeestas estruturas estariam envolvidas na memóriarelacional. Quando a informação cortical (altamen-te processada) chega ao hipocampo e demaisestruturas temporais, o processamento ocorre

armazenando não apenas os conteúdos informa-cionais das regiões corticais, mas também a re-lação com todas as coisas que estejam ocorrendono momento em que a informação é arquivada(que podem ser desde fatos ambientais até emo-ções e pensamentos que estejam sendo proces-sados simultaneamente).

A memória relacional ajuda a explicar algunsfatos cognitivos cotidianos relacionados à recu-peração de memórias. É comum, por exemplo,que, ao lembrar de uma coisa, o processo mne-mônico traga junto uma enxurrada de fatos rela-cionados. A interconexão é uma característicapara o armazenamento da memória declarativa esua explicação pode estar na função relacionalexecutada pelo hipocampo.

FUNDAMENTOS NEUROLÓGICOS DA

MEMÓRIA DE CURTO PRAZO

OPERACIONAL

Além do hipocampo, outras estruturas estãoenvolvidas na memória operacional, principalmen-te o córtex prefrontal e a área lateral intraparietal.

Uma das características anatômicas que dis-tinguem os primatas dos outros mamíferos é apresença de um grande lobo frontal. A região maisrostral do lobo frontal chama-se córtex prefrontale é altamente desenvolvido. A autoconsciência,a capacidade de planejamento complexo e a re-solução de problemas são funções atribuídas aocórtex prefrontal. Parece que esta região corticaltambém está envolvida no aprendizado e arma-zenamento de memória, pois se interconecta como lobo temporal medial e com as estruturas dodiencéfalo.

As evidências da correlação entre córtex pre-frontal e memória de trabalho vêm do estudo depessoas com lesões nessa região. Tais pacien-tes apresentam em geral melhor desempenhoque pessoas com lesões temporais mediais emtarefas de memória simples, porém em tarefasmais complexas as lesões prefrontais provocamprejuízo marcante.

Os neurônios do córtex prefrontal podemparticipar da memória operacional. Estudo comprimatas8, envolvendo padrões de respostas neu-rais, mostraram que alguns neurônios dessa re-gião respondiam à localização do alimento, masnão respondiam durante um período de retardo,voltando a se tornar responsivos quando o ani-mal fazia uma escolha. O aumento de atividadedos neurônios durante o período de retardo pode

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estar relacionado à retenção da informação ne-cessária para fazer a escolha correta.

Pesquisas recentes (Goldman-Rakic, 1992)têm salientado a importância do córtex lateralintraparietal em apresentar respostas neuraisanálogas às relacionadas à memória operacio-nal. Esses experimentos sugerem que a respos-ta do neurônio da região do córtex lateralintraparietal envolve o armazenamento temporá-rio de informações.

MEMÓRIA DE CURTO PRAZO

E DOR CRÔNICA

Modelos teóricos de memória baseados nosrecursos cognitivos enfatizam que, quanto maiora velocidade em processar informações na me-mória de curto prazo, maior a vantagem no de-sempenho, pois se pode processar maisinformações por unidade de tempo. Nesse senti-do, podemos pressupor que variáveis interveni-entes, de natureza ambiental ou comportamental,podem diminuir a capacidade de processamen-to e a retenção de informações.

A capacidade mnemônica pode ser afetadapor diversas razões. Déficits de memória podemestar associados a quadros de demência, lesõesneurológicas, uso de substâncias psicoativas,stress, depressão e dores crônicas. Globus(1992)9 demonstra que há diversas variáveis as-sociadas a déficits de memória, dentre as quaispresença de dor, depressão, ansiedade, stress euso de fármacos. Destaca, porém, que o proces-so de como a dor afeta a memória ainda é poucoconhecido.

Parte-se, nas últimas décadas, do pressu-posto de que a dor é um estímulo capaz de afe-tar o estado dinâmico do cérebro. Diversosestudos, tais como os de Grigsby, Rosemberg eBusembark (1994, 1995)13,14, Schnurr e Macdo-nald (1994)30 e Cruz (2001)6, têm investigado aassociação entre dor crônica e déficits de me-mória, reconhecendo a dificuldade que os indi-víduos encontram para se concentrarem diantede um estímulo doloroso.

Por ser um estímulo sensorial, a dor ativa osgânglios no sistema reticular, assim como nostálamos, no sistema límbico e no córtex, áreasresponsáveis também pelo processamento daatividade mnemônica.

Em geral, se a dor é um estímulo capaz deafetar o estado dinâmico do cérebro, há uma com-preensão de que essa pode ser a explicação plau-

sível para os déficits cognitivos. Globus (1992)9

considera a dor uma fonte interveniente na ativi-dade neural, que rompe o equilíbrio ordinário res-ponsável pelo funcionamento normal do cérebro.Grigsby e col. (1994, 1995)13,14 sugerem que a dorpode provocar o rompimento da performance cog-nitiva diretamente ligada à velocidade com que asinformações chegam ao cérebro, interferindo tam-bém na capacidade de processamento. De certaforma, ambas as concepções reconhecem a par-ticipação do estímulo doloroso como um estímu-lo “produtor de ruído”, interferindo, assim, noprocessamento de outras informações.

Um outro aspecto relevante no que concer-ne déficits de memória em pacientes com dor crô-nica está relacionado à presença de stress,depressão e ansiedade, uma vez que esses sin-tomas são passíveis de serem cofatores de défi-cits mnemônicos. A ansiedade é um cofatorimportante, à medida que dificulta ou reduz acapacidade de concentração, elemento funda-mental no processo de retenção de informações.Por outro lado, o stress e a depressão atuam maiscomo fatores etiológicos de natureza neurológi-ca, uma vez que esses estados emocionais po-dem inibir ou estimular a produção de algunsneurotransmissores essenciais no processo dememorização ou mesmo alterar ou rebaixar ou-tras funções cognitivas.

Schwartz (1997)31 e Boissevain (1994)2, den-tre outros, têm observado sintomas de depres-são e altos escores em testes psicológicos queavaliam depressão em populações com dor crô-nica que apresentam déficits mnemônicos. Segun-do esses autores, embora tanto a dor como adepressão possam ser cofatores de déficits mne-mônicos, parece que ambos atuam de forma di-ferenciada nesses déficits, dado que a dor é umestímulo interveniente, de diferentes amplitudes,no processo perceptual, enquanto a depressãointervém nos processos químicos presentes naatividade de memorizar.

UM MODELO NEUROCOGNITIVO

DINÂMICO: DOR CRÔNICA E PROCESSOS

COGNITIVOS

Recentemente, Melzack e Loeser (1999)17

vêm revisando a Teoria do Controle do Portal epropondo um modelo explicativo que transcendaalgumas limitações de seu modelo teórico.

Uma das maiores limitações da Teoria doControle do Portal é sua relativa limitação emexplicar como acontece o processo de modula-

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ção dos estímulos dolorosos por parte de fun-ções cognitivas superiores. Principalmente nador fantasma, quando a dor é referida numa es-trutura física que não existe mais. De acordo como modelo teórico de matriz neural de Melzack eLoeser (1999)17:

O cérebro contém redes neurais distribuídasamplamente que criam imagens do self atravésde programas genéticos e memórias de experi-ências passadas. Inputs aferentes agem nestamatriz neural e produzem padrões de outputs quelevam a referir a sensação da dor. As interaçõesentre a matriz neural e estímulos periféricos po-dem ser modificadas pelo stress, bem como atra-vés de experiências aprendidas e expectativas.

Segundo este modelo, em quadros de dorcrônica, após uma lesão e dado o estabelecimen-to de um novo padrão neural, o sistema nervosocentral pode ser “danificado” pelo estímulo noci-vo, a ponto de perder sua capacidade de resta-belecer seu estado normal ou padrão anterior àestimulação nociva, de modo a estabelecer apartir daí um padrão próprio de dor crônica.

Nesse sentido, a plasticidade neural e a cons-trução de padrões neurológicos ganharam ênfa-se nesse modelo, uma vez que a teoria de MatrizNeural concebe o sistema nervoso central e peri-

férico como dinâmicos e passíveis de serem mo-dulados por estímulos ascendentes, bem comomoduladores de estímulos descendentes.

A Fig. 19.2 ilustra e pode tornar mais fácil acompreensão do modelo da Matriz Neural.

No que se refere aos déficits cognitivos, maisespecificamente aos déficits de memória de cur-to prazo e atenção concentrada, o modelo daMatriz Neural nos permite pensar na possibili-dade de que essa nova plasticidade neural, re-sultante de uma configuração relacionada àpresença de dor crônica, pode alterar funçõescognitivas dada sua nova reestruturação.

Hipoteticamente, o ruído resultante de umpadrão neural de dor crônica seria uma variávelinterveniente importante no processo de aten-ção concentrada e memória de curto prazo, demodo a afetar o funcionamento padrão. Ouseja, múltiplos inputs relacionados a diferen-tes estímulos dolorosos associados à plasti-cidade inerente do sistema nervoso central eoutros mecanismos de auto-regulação internapodem gerar padrões dinâmicos no cérebro, re-lacionados à sensitividade da dor. Esse padrãodinâmico hipotetizado por Melzack e Loeser(1999)17 e denominado de Matriz Neural não seráencontrado em nenhuma região particular do

Mecanismode gera˘ıode padrıo

(Neuromatriz)

�reas do c˚rebro sob influ¸nciade experi¸ncias

dolorosas e comportamentosde dor

Influ¸nciascorticais

Fasedescendentedo c˚rebro

Inibi˘ıo medulardescendente

Plasticidadedo Sistema

Nervoso Central

InputsPatog¸nicos

InputsViscero

sensoriais

InputsHipotal�micos

PituitÛriosAdrenocorticais

InputsSomato

sensoriais

Fatores culturais,experi¸ncia passada e

variÛveis de personalidade

Aten˘ıo

VariÛveis auto-imunes,autonÞmicas e endðcrinas

Sensitiza˘ıo

Pontos de gatilho,tecido cicatrizado,altera˘þes no equilˇbriode inputs aferentes

Fig. 19.2 — Mecanismo de geração de padrão ou matriz neural modulada por múltiplos inputs (adaptado de Loeser e Melzack, 1999)17.

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cérebro; mesmo porque se trata de um proces-so dinâmico, e não uma estrutura estática, maspoderá afetar o funcionamento de outras ativi-dades cognitivas previstas no modelo, comoatenção e memória.

Embora seja um modelo teórico, esse meca-nismo de geração de padrão interconectado di-namicamente a diversas outras estruturas neuraispermite inferir que, tanto a interferência da expe-riência dolorosa sobre eventos cognitivos, geran-do déficits nesses processos mentais superiores,como a ação de processos cognitivos como es-tado emocional ou crença sobre a experiência dador verificado nos estudos do efeito placebo, nãosão apenas representações psicológicas puras.Tal relação está sustentada em funções neuraisdinâmicas, ainda pouco compreendidas.

O modelo teórico da Matriz Neural proporcio-na substratos para compreender tanto a modu-lação de estímulos nocivos ascendentes, bemcomo alterações de funções corticais nas respos-tas descentes. Embora o modelo de Loeser eMelzack careça de evidências, sua contribuiçãona compreensão de dor crônica e alteração cog-nitiva tem proporcionado aos profissionais da áreanovas possibilidades de compreensão da multi-dimensionalidade das síndromes dolorosas.

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20CAPÍTULO

Psicofármacos e Dor

SÉRGIO HENRIQUES

TÂNIA CORRÊA DE TOLEDO FERRAZ ALVES

Os medicamentos psicotrópicos compõemum grupo terapêutico de grande importância nomanuseio da dor crônica, principalmente porquemedicamentos úteis no tratamento de dor agu-da são de pouco auxílio neste caso. Seguramen-te não representam a possibilidade de cura dador, mas ajudam no alívio da sensação doloro-sa, principalmente se associados a outras me-didas de tratamento como outros analgésicos,educação, ou às diversas modalidades psicote-rapêuticas, ou aos tratamentos físicos até inter-venções cirúrgicas.

Dentre todos os psicotrópicos, a classe dosantidepressivos em especial, até o momento, tem-se demonstrado a mais útil. Em estudos animais,em situações experimentais com humanos ou si-tuações clínicas, os antidepressivos exibem açãoanalgésica.

Por outro lado, a resposta analgésica al-cançada na dor crônica difere daquela quan-do se tratam dores agudas. De uma formageral, até o início da resposta analgésica sãonecessárias duas semanas ou mais. Raramen-te a melhora é completa e freqüentemente édose-dependente. Quanto à dosagem, ao seusar psicotrópicos, utilizam-se faixas terapêu-ticas e não doses preestabelecidas e, mesmoassim, experts as têm discutido e feito altera-ções nos últimos anos.

Graças à segurança de utilização da grandeparte dos psicotrópicos, muitos médicos não ha-bituados a prescrevê-los têm-se iniciado no usodos mesmos e com bons resultados. Com o co-nhecimento adquirido, as combinações de psi-cotrópicos tornam-se gradativamente ousadas naprática clínica diária e, em boa parte, oferecem aoportunidade de um conhecimento estritamenteempírico.

De forma pouco clara, a maior parte dos en-saios terapêuticos são direcionados aos princi-pais transtornos psiquiátricos; assim, por muitotempo, o conhecimento acadêmico acerca dospsicotrópicos em dor crônica manteve-se limita-do. Nos últimos 15 anos, o número de opçõesantidepressivas aumentou bastante em todo omundo, onde a tolerabilidade foi a principal ino-vação. O mesmo se deu com os antipsicóticos.Apesar dessa rapidez, os ensaios terapêuticosnão foram produzidos no mesmo ritmo no quetange à dor crônica.

Assim, atualmente há uma vastidão de dú-vidas acerca da resposta terapêutica de um sem-número de medicamentos psicotrópicos em dorcrônica, e, portanto, grandes possibilidades depesquisa. Da mesma forma, a fisiopatologiaainda não foi completamente elucidada e a uti-lidade dos psicotrópicos pouco esclareceu.

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Diante de tantas incertezas, cabe-nos o com-promisso de bem saber o que são psicotrópicos?Como agem? Quais seus principais efeitos cola-terais? Como administrá-los? Quais os riscos parao paciente?

O QUE SÃO PSICOTRÓPICOS E COMO

AGEM?

Também chamados de psicofármacos, sãosubstâncias que interagem com algum sistemaneurotransmissor, que é a base da comunicaçãointerneuronal (ocorre na fenda sináptica) no sis-tema nervoso de mamíferos, onde qualquer as-pecto do processo de neurotransmissão é umpotencial sítio de interação entre a droga e o neu-rotransmissor.

Sítios de Interação:

1. Síntese

2. Estocagem

3. Liberação

4. Ação sobre receptores

5. Inativação

Os demais itens: quais seus principais efei-tos colaterais, como administrá-los e quais osriscos para o paciente podem ser melhor expli-cados a partir de cada uma das classes medi-camentosas.

Antidepressivos

Medicamento freqüentemente utilizado emdor crônica: amitriptilina.

Classe: antidepressivo tricíclico (ADT).

Ação: inibidor inespecífico da recaptação pré-sináptica de noradrenalina e serotonina. A conse-qüência é um aumento de concentração dessesneurotransmissores no espaço de comunicaçãoentre os neurônios (fenda sináptica).

Principais efeitos colaterais: tremores finos deextremidades, taquicardia, sonolência, disfunçõessexuais, náuseas, boca seca, constipação, visãoborrada, retenção urinária, prejuízo de memó-ria, ganho de peso, hipotensão. Os efeitos co-laterais decorrem da ação da molécula deamitriptilina sobre receptores pré e pós-sináp-ticos para os neurotransmissores noradrenalina,serotonina, mas também dopamina, acetilcolina,α e β adrenérgicos. Os efeitos colaterais iniciam-se em baixa dosagem e se asseveram com oaumento da mesma.

Contra-indicações: em bloqueios de condu-ção cardíaca e glaucoma, e uso de inibidores damonoaminoxidase.

Avaliação prévia: solicitar perfil enzimáticohepático, eletrocardiograma. Acima de 150 mgao dia, solicitar eletrocardiograma de controleapós cada aumento de 50 mg ao dia, após umasemana de terapêutica. Observar se há alarga-mento do intervalo PR em relação ao eletrocar-diograma de controle.

Grupo de risco: idosos são mais susceptíveisaos efeitos colaterais, portanto têm maior riscopara quedas (pela hipotensão, visão borrada esedação), maior risco de retenção urinária (pros-tatismo em homens) e maior prejuízo de memó-ria (adição a outras condições como senilidade,demências).

Doses usuais em dor crônica (Tabela 20.1):a partir de 25 mg ao dia, antes de dormir. A doseúnica pode ser dada até um máximo de 150 mg,preferencialmente antes de dormir. Os aumen-tos devem ser graduais, a cada 25 mg ou 50mg, até de quatro em quatro dias, onde a tole-rância aos efeitos colaterais deve nortear a velo-cidade de aumento da dosagem. A dose máximapode ser de até 300 mg ao dia, dividida em duastomadas, uma pela manhã e outra à noite. Habi-tualmente são utilizadas doses de até 100 mgao dia e a avaliação de eficácia de cada dosa-gem varia de sete a 15 dias.

Fluoxetina

A maioria dos estudos mostra resultados in-feriores aos obtidos com antidepressivos cíclicos.

Classe: antidepressivo inibidor seletivo darecaptação pré-sináptica de serotonina (ISRS).

Ação: inibidor específico da recaptação deserotonina. A conseqüência é um aumento deconcentração desse neurotransmissor no espa-ço de comunicação entre os neurônios (fendasináptica).

Principais efeitos colaterais: cefaléia, tremo-res finos de extremidades, insônia, tontura, ansi-edade, nervosismo, disfunções sexuais, náuseas,diarréia, anorexia, mal-estar gástrico, sudoreseexcessiva. Os efeitos colaterais iniciam-se embaixa dosagem e se asseveram com o aumentoda mesma.

Contra-indicações: uso de outros medicamen-tos inibidores seletivos da recaptação pré-sinápti-ca de serotonina e inibidores da monoaminoxidase.

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zação de ADT, ISRS ou politerapia para tratamen-to das seguintes síndromes dolorosas: enxaque-ca, fibromialgia, dor idiopática, síndromesgastrointestinais dolorosas, fadiga crônica, dorlombar e dor neuropática.

Uma discussão clássica é se a ação analgé-sica em dor crônica é na verdade a ação antide-pressiva em um caso de depressão mascaradamanifesta através de dor crônica. Os argumen-tos a favor dessa hipótese têm caído diante deconstatações simples, a partir da utilização dosantidepressivos. Usualmente as doses de antide-pressivos utilizadas em dor crônica são aquémdas necessárias para se tratar qualquer depres-são. Além disso, depressões mascaradas, à luzde uma investigação minuciosa, devem possuirsintomas depressivos que configurem critériosdiagnósticos compatíveis com depressão. Seassim o for, não será mais mascarada, mas umacomorbidade que, na realidade, é comum emcerca de 1/3 dos pacientes com dor crônica.Pacientes portadores dessa comorbidade, seadequadamente tratados para depressão, apre-sentarão melhora dos sintomas depressivos e,eventualmente, melhora dos escores para dor,mas fundamentalmente exibirão uma maior ade-rência ao tratamento para dor crônica, o queseguramente resultará em melhor evolução emaiores chances de analgesia. E finalmente,a maioria dos pacientes com dor crônica nãopossui diagnóstico de depressão de forma indu-bitável.

Neurolépticos (Antipsicóticos)

Neurolépticos são medicamentos que cau-sam redução de atividade mental e principalmenteúteis na redução de sintomas psicóticos (delíriose alucinações). Propiciaram uma real desinstitu-cionalização de grande parte de pacientes e tor-naram possível a manutenção ambulatorial dosmais variados quadros de psicose.

A partir de um estudo de Taub16 que mostrouação sinérgica entre neuroléptico e antidepressi-vo no tratamento de pacientes com dor crônicaresistentes a tratamento convencional, essa com-binação disseminou-se na prática clínica, masainda carece de mais estudos comprobatórios.

Possíveis explicações para o mecanismo deação de neurolépticos no alívio da dor seriam asua ligação a receptores σ-opióides do SistemaNervoso Central, ação ansiolítica ou produção deindiferença afetiva diante de experiência dolorosa.

Tabela 20.1Antidepressivos Utilizados para

Tratamento de Quadros Dolorosos

Classe antidepressivos Nome genérico Doses usuais

Tricˇclicos (ADT) Amitriptilina 125 mgNortriptilina 150 mgImipramina 150 mgClomipramina 75 mg

Inibidores seletivos de Venlafaxina 150 mgrecapta˘ıo de serotonina Mirtazapina 45 mge noradrenalina Milnaciprano 50 mg(ISRS e N) Duloxetina 60 mg

Inibidores seletivos de Fluoxetina 40 mgrecapta˘ıo de serotonina Paroxetina 40 mg(ISRS) Citalopran 40 mg

Sertralina 100 mg

Avaliação prévia: solicitar perfil enzimáticohepático.

Cuidados: cautela quanto ao uso combina-do com drogas que reduzem a metabolizaçãohepática.

Medicamentos da mesma classe: diferemquanto à especificidade de inibição de recapta-ção, portanto quanto à produção de efeitos cola-terais e quanto à interferência em metabolizaçãohepática. Como exemplos temos a Sertralina,Paroxetina, Citalopram e Escitalopram.

Doses usuais em dor crônica: idênticas àsutilizadas em psiquiatria, ou seja, de 20 mg a 80mg ao dia, em tomada única, usualmente pelamanhã.

Conclusão

Parece que a classe dos ADT, exemplificadoscom Amitriptilina, Nortriptilina, Clomipramina e Imi-pramina, possuem maior eficácia em estudoscontrolados para o controle da dor se compara-dos aos Inibidores Seletivos de Recaptação deSerotonina (ISRS).

Como grande esperança, estudos recentestêm avaliado positivamente novos antidepressi-vos de dupla ação (inibição seletiva de recapta-ção de noradrenalina e serotonina). Estes vêmapontando que medicamentos como a Venlafaxi-na, Mirtazapina, Milnaciprano e Duloxetina exibempotencial analgésico comparável aos ADT, porémcom a vantagem de melhor tolerabilidade.

Estudos clínicos têm avaliado a eficácia dediferentes antidepressivos para o tratamento dador crônica. A maioria dos estudos analisa a utili-

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Medicamento freqüentemente utilizado emdor crônica: clorpromazina.

Classe: fenotiazina.

Ação: antagonista de receptor dopaminérgi-co pós-sináptico principalmente D2.

Principais efeitos colaterais: sedação, depres-são cardiorrespiratória, sintomas extrapiramidaiscomo distonias (contraturas musculares vigoro-sas), parkinsonismo (tremor grosseiro, hesitaçãopara início de ação e bradicinesia), discinesia tar-dia (movimentação involuntária repetitiva seme-lhante ao tique), distonia tardia, acatisia (uma dassíndromes das pernas inquietas), síndrome neu-roléptica maligna (hipertermia, rigidez musculargrave, instabilidade hemodinâmica, alterações nonível de consciência que oferece risco de vida).Os efeitos colaterais dependem de dose minis-trada e tempo de tratamento, onde esses doisfatores correlacionam-se de forma linear com in-tensidade e probabilidade de efeitos colaterais.

Avaliação prévia: solicitar perfil enzimáticohepático, eletrocardiograma e hemograma com-pleto.

Grupos de risco: idosos (sedação e depres-são cardiorrespiratória), mulheres portadoras detranstornos do humor (mais propensas à discine-sia tardia).

As doses usuais em dor crônica vão até 100mg ao dia de clorpromazina, onde há relativamen-te menor incidência de efeitos colaterais supraci-tados, muito inferior ao utilizado em psiquiatria,onde em casos agudos são utilizadas até 1600mg/dia e em uso para manutenção, até 500 mgdiários. Freqüentemente, usa-se a clorpromazinalíquida, 20 mg/ml, a partir de três gotas de 8/8horas. Nessa dosagem, a sedação é o principalefeito colateral. O uso concomitante com amitripti-lina deve ser cuidadoso, visto que pode haver po-tencialização de ação sedativa, e, assim como osantidepressivos tricíclicos, as fenotiazinas tambéminibem parcialmente a metabolização hepática.

A Tabela 20.2 apresenta os principais neuro-lépticos que podem ser utilizados para tratamen-to coadjuvante para quadros dolorosos crônicos.

Anticonvulsivantes

De forma similar à amitriptilina, a carbamaze-pina é medicamento de primeira linha de trata-mento para dor neuropática.

A Carbamazepina vem sendo usada em es-tudos clínicos e sua eficácia é comparável aosADT. Tem sido indicada especialmente para o tra-tamento de nevralgia do trigêmeo, neuropatiaherpética, neuropatia diabética, dores fantasmase distrofia simpática reflexa.

De forma promissora, o valproato, a ga-bapentina e a lamotrigina têm apresentadobons resultados no tratamento das síndromesdolorosas.

Os anticonvulsivantes mais comumente uti-lizados são a carbamazepina e o valproato. As-sim, é importante ressaltar que ambos devemter seus níveis sangüíneos dosados regularmen-te. Idealmente esses níveis devem-se encontrardentro da faixa terapêutica, porém não há rela-ção clara entre níveis séricos e ação analgésica.Por outro lado, os níveis séricos orientam quan-to à possibilidade de efeitos colaterais, e no casoda carbamazepina, a auto-indução enzimática econseqüente queda de nível sérico podem serdetectados e corrigidos com aumento de dosevia oral. Além disso, o perfil enzimático hepáticoe hemograma completo devem ser monitoradosregularmente, principalmente no primeiro ano deadministração. O valproato pode ocasionar au-mento importante de transaminases, o que podeservir de alerta para a possibilidade de hepatitemedicamentosa, apesar de ser condição rara.Com relação à carbamazepina, há o risco infe-rior a 0,01% de agranulocitose, mesmo assimhá necessidade de acompanhamento regularcom hemogramas.

Tabela 20.2Neurolepticos ó Efeitos Colaterais (a)

Nome da Substância Classificação Química Dose Oral Sedação (a) Reações ReaçõesTerapeuticamente Autonômicas (a) Extra-piramidais (a)Equivalente (mg)

Clorpromazina Fenotiazina 100 +++ +++ +/++

Haloperidol Butirofenona 2 + + +++

Risperidona Benzisoxazol 0,6 + +/++ ??+

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Efeitos colaterais comuns quando do uso decarbamazepina: tonturas, diplopias, sedação eataxia. Esses efeitos colaterais são mais intensosquanto maior a velocidade de aumento e maior adosagem via oral. Em caso de efeitos colaterais,reduzir para dose imediatamente inferior e con-fortável, aguardar tempo maior de adaptação etentar aumento de dose novamente.

Dosagem via oral habitual: 400 a 1600 mg aodia, divididos em duas ou três tomadas diárias.

Efeitos colaterais comuns quando do uso devalproato: náuseas, sedação, ganho de peso, tre-mores. De forma pouco comum, vômitos, diar-réia, ataxia, perda de cabelo, elevação persistentede transaminases hepáticas. De forma rara, he-patite tóxica fulminante e agranulocitose.

Dosagem via oral habitual: inicialmente dosesde 500 a 1000 mg ao dia, divididas em duas to-madas são bem toleradas. Os aumentos podemser de 250 a 500 mg a cada sete dias, com che-cagem de nível sérico.

De forma alternativa, a Gabapentina tem-semostrado uma medicação bem interessante, poiscostuma ser bem tolerada e apresenta pouca in-teração medicamentosa. Tem sido indicada paratratamento de dor neuropática, dor em câncer, dorna esclerose múltipla e em patologias relativas àcabeça e pescoço. Além do efeito analgésico,possui um discreto efeito ansiolítico associado.

CONCLUSÃO

O objetivo principal deste capítulo é facilitar aprática diária, através de informações introdutóriassimples e comuns. Para fins de pesquisa, umaprofundamento é necessário. Apesar do costu-me de uso de psicotrópicos para a dor crônica,conhecimentos mais sólidos são provenientes depoucos agentes como aqueles mostrados anteri-ormente. Mesmo entre os antidepressivos tricícli-cos, há dúvidas a respeito da eficácia e utilidadedos demais medicamentos, ainda hoje poucoexplorados pelos estudos. A amitriptilina estabe-leceu-se como mais eficaz por ser a mais comu-mente utilizada, tanto na prática, como em ensaiosterapêuticos, e esta tradição mantém-se ao redordo mundo. Mesmo que seu resultado seja duvi-doso em alguns pacientes, não tem havido sufi-ciente incômodo que suscite a testagem de outrasalternativas, a não ser de forma pontual. De for-ma semelhante, o uso de neurolépticos tem-se

apoiado em tradição à investigação clínica. Tal-vez a ainda frágil compreensão dos processosfisiopatológicos da dor crônica e suas múltiplas evariadas facetas dificultem a generalização dosresultados terapêuticos dos psicotrópicos.

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21CAPÍTULO

Depressão eDor Crônica

ROGÉRIO WOLF DE AGUIAR

LORENA CALEFFI

Sintomas depressivos são muito comuns empacientes com dor crônica. Entretanto, depres-são maior, com os critérios da DSM-IV preenchi-dos, ocorre na minoria, embora esta não deixede ser significativa, pois tem sido registrado que25% dos pacientes com dor crônica apresentamao menos um episódio de depressão maior aolongo da vida.

O tratamento da dor crônica deve ser in-terdisciplinar, ou seja, os vários especialistasenvolvidos devem agir integrada e complemen-tarmente, e não isoladamente.

Uma das razões para a falha no tratamentoda dor crônica é a falta de um diagnóstico dedepressão.

Depressão nunca é “apropriada”, seja qualfor a sua causa (por exemplo, como dizer “estehomem tem um câncer pulmonar inoperável commetástase cerebral e está deprimido, o que éapropriado ou compreensível”). Um estado de-pressivo, principalmente quando assume umadimensão mais grave, é uma complicação comumquando a doença básica piora. Não reconhecera gravidade dessa complicação é colocar o paci-ente em perigo e negligenciar uma das piores for-mas de sofrimento humano1.

Uma revisão sistemática da literatura de 1975até meados de 19902, sobre transtorno do humor

depressivo, transtornos somatomorfos e transtor-no de somatização, encontrou apenas 14 publi-cações que abordam estes quadros clínicosquando estão associados entre si. Apenas 13abordaram depressão e dor concomitantes. To-mados juntos, estes estudos indicam que:1. Há alta prevalência de depressão em pacien-

tes com Transtorno de Somatização.2. Em pacientes com depressão maior, há altos

níveis de sintomas hipocondríacos e de soma-tização.

3. Em comorbidade com Transtorno de Somati-zação, a depressão pode ser eficientementetratada.

4. Em pacientes com dor crônica há alta preva-lência de Transtornos Depressivos.

5. Em pacientes com depressão maior, a dor éuma queixa freqüente.

6. A dor melhora com o tratamento da depres-são.

A prevalência de queixas e mesmo doençasorgânicas entre deprimidos é elevada. No Ambu-latório de Distúrbios Afetivos do Hospital Univer-sitário de Santa Maria, Rio Grande do Sul, umestudo realizado sobre uma amostra de 45 pa-cientes que o freqüentaram entre janeiro de 96 ejaneiro de 97 mostra que 68,9% deles referiramsintomas orgânicos, sendo a cefaléia, com

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13,75%, o mais freqüente. A maioria (63,2%) refe-riu que o episódio depressivo sucedeu o apareci-mento da doença ou dos sintomas orgânicos3.

DIAGNÓSTICO DE DEPRESSÃO

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans-tornos Mentais, em sua 4a edição (DSM-IV), des-creve os seguintes critérios para que sediagnostique a presença de depressão4:

A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas esti-veram presentes durante o mesmo período deduas semanas e representam uma alteração apartir do funcionamento anterior; pelo menosum dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2)perda de interesse ou prazer:

1. humor deprimido na maior parte do dia,quase todos os dias;

2. interesse ou prazer acentuadamente dimi-nuídos por todas ou quase todas as ativi-dades na maior parte do dia, quase todosos dias;

3. perda ou ganho significativo de peso (maisde 5%/mês), sem estar de dieta, ou altera-ção do apetite para mais ou para menosquase todos os dias;

4. insônia ou hipersonia quase todos os dias;5. agitação ou retardo psicomotor (observá-

veis por outros);6. fadiga ou perda de energia;7. sentimentos de inutilidade ou culpa exces-

siva ou inadequada (não meramente auto-recriminação por estar doente);

8. capacidade diminuída de pensar ou con-centrar-se, ou indecisão;

9. pensamentos de morte recorrentes (nãoapenas medo de morrer), ideação suicidarecorrente com ou sem plano, tentativa desuicídio.

B. Os sintomas não são concomitantes com sin-tomas maníacos.

C. Os sintomas causam sofrimento clinicamentesignificativo ou prejuízo no funcionamento so-cial ou ocupacional.

D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisioló-gicos de uma substância ou de uma condiçãomédica geral.

E. Os sintomas não são melhor explicados porluto, ou seja, após a morte de um ente queri-do, os sintomas persistem por mais de doismeses ou são caracterizados por acentuado

prejuízo funcional, preocupação mórbida comdesvalia, ideação suicida, sintomas psicóticosou retardo psicomotor.

Há fatores que dificultam o diagnóstico dedepressão em pacientes com um quadro clínicosomático, particularmente doloroso. Sintomascomo fadiga e anorexia, que fazem parte do di-agnóstico de depressão maior, também são fre-qüentemente encontrados em outras patologias.O sono é alterado muitas vezes em quem temdor crônica.

Quatro dos nove sintomas necessários parao diagnóstico de depressão maior pelo DSM IVnão podem ser atribuídos exclusivamente à de-pressão5:• alterações do sono;• anorexia;• fadiga ou perda de energia;• dificuldade de concentração.

Muitas vezes o paciente não relaciona sinto-mas tais como fadiga, anorexia e distúrbios dosono com depressão. Assim, é necessário sepa-rar os sintomas neurovegetativos dos conceitosdo próprio paciente sobre depressão. Ele podedizer que não se sente deprimido, mas relatar umasérie de sintomas que fazem parte do quadro dedepressão maior.

Ainda é importante destacar que, mesmo queseja diagnosticada uma síndrome depressivaconcomitante, o paciente pode necessitar conti-nuar recebendo tratamento adequado para a dor.Um diagnóstico não exclui necessariamente ooutro.

Fernandez e Turck6 concluem que as pesqui-sas tradicionalmente têm enfocado mais a ansie-dade e a depressão associadas à dor crônicaporque a maioria destes pacientes encobre sen-timentos, especialmente a raiva, através do me-canismo de defesa inconsciente da negação. Araiva, por sua vez, é fortemente associada à de-pressão e à dor crônica. Com a negação, a co-municação dos impulsos agressivos ficamascarada, de mais difícil percepção por partedo examinador.

OUTROS ASPECTOS LIGADOS AO

DIAGNÓSTICO DE DEPRESSÃO

A dor crônica sempre ameaça dois funda-mentos da sobrevivência: comportamentos deapego e defesas intrapsíquicas. Lidar com a dorcrônica demanda ter pessoas ao redor que pos-sam reforçar a coragem para enfrentar a dor e ter

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isso, a dor deve ser adequadamente tratada, commedidas vigorosas e corretas.

Vários fármacos são utilizados como anal-gésicos adjuvantes no tratamento tanto da doraguda como da dor crônica, entre eles os an-tidepressivos monoaminérgicos tricíclicos,benzodiazepínicos, anticonvulsivantes como acarbamazepina e a gabapentina, hipnóticos,estimulantes, neurolépticos, anti-histamínicos,peptídeos e inibidores das prostaglandinas.

Antidepressivos

A grande maioria de pacientes com dor crô-nica e depressão associadas responde positiva-mente ao tratamento com tricíclicos. Váriastentativas têm sido feitas para explicar este resul-tado clínico. Têm sido encontradas evidências deque a ação terapêutica não é apenas sobre adepressão, mas que estes medicamentos têmuma ação especificamente analgésica9.

Os antidepressivos tricíclicos têm múltiplosmecanismos de ação, agindo nos sistemas no-radrenérgico, serotonérgico e dopaminérgico aomenos.

Pelo menos quatro mecanismos são conhe-cidos pelos quais os tricíclicos agem como anal-gésicos. Primeiro, aumentam o controle inibitórioda dor do feixe espinhal periaquedutal descen-dente, mediados pela serotonina e noradrenali-na. Segundo, potencializam a ação dos opiáceosendógenos e exógenos. Terceiro, a ação anti-his-tamínica e nos alfarreceptores pode ser impor-tante. Quarto, parece haver um efeito estabilizadorde membrana, com alívio secundário de sintomascomo insônia e ansiedade.

Na literatura, encontra-se referência a de quehá resultados melhores quando a depressão pre-cede ou é concomitante com o início da dor, doque quando ela sucede o aparecimento da dor.

Vários autores encontraram que houve me-lhora da dor na ausência de depressão ou demelhora da depressão.

Em nossa experiência no ambulatório de dordo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, tambémobservamos vários casos em que houve o inver-so. Pacientes melhoraram significativamente dadepressão clínica, sem melhora correspondenteno quadro doloroso, usando antidepressivos emdoses terapêuticas para depressão.

Há fortes evidências em pesquisas realiza-das nos últimos dez anos que apontam paramelhores resultados obtidos pelos antidepressi-

mecanismos intrapsíquicos adaptativos que aju-dem a negociar com os pensamentos e sentimen-tos que afloram na mente. As formas de lidartambém são dependentes do contexto e são maisefetivas quando incluem o casal ou a família.

Os aspectos psicodinâmicos envolvem con-flitos sobre a autonomia e cuidados. Antigos confli-tos com os cuidados maternais podem provocarsentimentos ambivalentes com os métodos dereabilitação. A vergonha pode imitar a depressãoe desencadear comportamentos evitativos e con-tra a dependência. Um certo grau de regressão énecessário para que o paciente se submeta aoscuidados indicados para a sua reabilitação, maspode-se manifestar como não-aderência e quei-xas contra a ajuda.

ALGUNS ASPECTOS PSICODINÂMICOS

Bibring7 definiu “depressão” como uma res-posta à injúria narcísica. Cassem e Bernstein8

propõem o sentimento misto de derrota e de de-sesperança (despondency) para se referir a talestado depressivo, uma vez que depressão é umtermo já comprometido com critérios diagnósti-cos definidos nas classificações psiquiátricasatuais. Essa sensação de derrota é o dano psíqui-co causado na auto-estima do doente e pareceser uma resposta comum em doenças graves,correspondendo ao que Bibring denominou de“depressão”, e é uma mistura de desespero,amargura e terror, e apresenta o self como que-brado, arranhado, arruinado.

O trabalho e os relacionamentos estão ame-açados e ao paciente parece tarde demais pararealizar aspirações profissionais ou pessoais.Desapontamento com o que foi e não foi al-cançado preocupa o paciente, que agora podepassar a se sentir velho e fracassado. As preo-cupações deste tipo se tornam conscientes pre-cocemente, já na fase aguda de uma doença.Mesmo quando os pacientes estão confiantes deque não têm um quadro fatal, usualmente se tor-nam preocupados com algum “defeito” que adoença poderia deixar. A incapacitação psicoló-gica é um achado freqüente na lesão orgânica. Arestauração da auto-estima é suficiente para pro-teger o paciente da manutenção deste estado psi-cológico. Mesmo quando o corpo não tem espaçopara melhora, a mente pode ser reabilitada.

Tratamento

Assim como os deprimidos são mais queixo-sos, inclusive de dor, esta também deprime. Por

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vos com ação mista, serotonérgica e noradre-nérgica, do que os que possuem ação mais es-pecífica.

As ações inespecíficas atribuídas aos tricícli-cos para a melhora da dor são sedação, diminui-ção da ansiedade, relaxamento muscular emelhora do sono. Somente estas ações não ex-plicam a eficácia dos tricíclicos, pois são superio-res aos benzodiazepínicos.

Nos casos em que a depressão está associ-ada à dor crônica, os antidepressivos devem serusados em doses e tempo adequados ao trata-mento da depressão. As doses antidepressivassão maiores do que as analgésicas. Como osdeprimidos são mais queixosos, inclusive de sin-tomas dolorosos, a melhora da depressão fre-qüentemente é acompanhada por diminuição dasqueixas de dor.

Anticonvulsivantes

Carbamazepina, clonazepam, gabapentina,ácido valpróico e fenitoína são cinco agentes usa-dos para tratar dor central. Bloqueiam o disparoespontâneo e de alta freqüência nos neurôniosaferentes, no corno dorsal da medula e tálamo. Oalívio da dor pode ser conseqüência do bloqueioda hiperexcitabilidade dos neurônios mecanorre-ceptores centrais de baixo limiar. Uma dose de100 a 600 mg/dia de gabapentina tem sido bemtolerada e tem apresentado considerável suces-so no alívio da dor. Clonazepan, em dose de 1 a 4mg/dia, é útil, por ter poucos efeitos colaterais,diminuir a alodínia e ser compatível com outrosagentes, como antidepressivos e opióides. Lo-razepan intravenoso foi superior à morfina, li-docaína e placebo em um estudo sobre dorneuropática. Carbamazepina tem sido geralmen-te superior à fenitoína no tratamento da dor, sen-do eficaz para neuralgia do trigêmio, dorpós-herpética, dor pós-simpática, neuropatia di-abética, esclerose múltipla e neuralgias diversas.Níveis altos, porém, são necessários para umaboa eficácia. Ácido valpróico também pode serutilizado em neuralgia pós-herpética, bem comocefaléia em cluster, enxaqueca, dor pós-operató-ria e várias neuralgias.

A associação dos anticonvulsivantes com tri-cíclicos tem mostrado bons resultados no trata-mento de dores neuropáticas.

Antipsicóticos

A eficácia desses medicamentos no tratamen-to da dor parece estar relacionada aos seus efei-

tos opióides. As experiências com modelos ani-mais sugerem ser este o mecanismo de ação prin-cipal. Os chamados antipsicóticos atípicostambém têm mostrado bons resultados, mesmoem casos resistentes aos benzodiazepínicos, oque reforça a idéia de que não são apenas osefeitos inespecíficos que obtêm melhora da dor.Também chama a atenção que os pacientes me-lhoram da dor, mesmo aqueles que não estãopsicóticos9.

Tranqüilizantes

Benzodiazepínicos e buspirona têm obtidomelhora da dor. Atribui-se sua eficácia aos efei-tos inespecíficos, tais como sedação, efeito mior-relaxante e melhora do sono. Também nestescasos as pesquisas não têm sido categóricas emmostrar os efeitos analgésicos específicos quepoderiam ter.

Em pacientes com dor crônica é necessárioestar atento à possibilidade de desenvolver de-pendência com o uso prolongado de substânciaspotencialmente capazes de fazê-lo, o que incluios benzodiazepínicos. Os efeitos sobre a memó-ria, a lentificação dos reflexos motores e a sono-lência são alguns dos efeitos colaterais queindicam cautela em seu uso. O abuso de drogasé um dos achados associados à dor crônica. Emnossa experiência clínica não é raro termos deestabelecer um programa de retirada de benzo-diazepínicos nestes pacientes que chegam aoambulatório ou ao consultório após o uso conti-nuado por muitos anos. Alguns casos se mos-tram bastante resistentes à retirada. Deve-se levarem conta também o comportamento doloroso crô-nico, com dependência psicológica, como umfator predisponente à dependência química.

A conclusão é de se ter muita cautela com ouso dos benzodiazepínicos. Quando indicados,o paciente deve ser bem monitorado para evitarabuso e dependência.

Hipnóticos

Nos casos em que há alteração do ciclo sono-vigília pode ser indicado o uso de hipnóticos paraa higiene do sono. É importante para a eficáciado tratamento da dor que o sono do paciente sejaregularizado. Sabe-se que é durante a fase desono mais profundo que ocorre com maior efici-ência a retirada dos metabólitos da musculaturaacumulados durante a atividade diurna. Particu-larmente nos casos em que há contratura mus-

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cular, como na síndrome miofascial e na fibromi-algia, é fundamental que o relaxamento musculardurante o sono seja restabelecido para o suces-so do tratamento. Por esse motivo, a indicaçãode medicamentos que melhorem o sono pode sernecessária. Os cuidados em relação à dependên-cia química devem ser adotados aqui também.Em alguns casos, a melhora do sono pode serobtida através dos efeitos sedativos da amitriptili-na, o que pode ser uma boa alternativa quando énecessário o uso prolongado de um medicamentocom esta finalidade, pois se evitaria a dependên-cia química, além de aproveitar o efeito analgési-co dessa substância nas doses de 25 ou 50 mg/dia à noite.

Lítio

O lítio mostrou eficácia no controle de algunscasos de cefaléia e síndrome do ombro doloro-so. Não foram encontradas evidências de efici-ência de seu uso em dor crônica, a não ser noscasos em que sua indicação tenha sido feita parao tratamento de transtorno do humor bipolar as-sociado à dor crônica.

Eletroconvulsoterapia

Pode existir indicação de eletroconvulsotera-pia (ECT) em casos graves de depressão maior.Porém, assumir que os quadros de dor crônicatêm sempre um diagnóstico associado de depres-são maior e, assim, indicar ECT no intuito de tra-tar a depressão e, secundariamente, aliviar a dor,é uma conduta fadada ao insucesso e está pro-gressivamente sendo abandonada.

Psicoterapia

Em geral, os pacientes com dor crônica as-sociada à depressão desenvolvem comportamen-tos regressivos, com diminuição da autonomia eda auto-estima. Além da psicofarmacoterapia,procedimentos psicoterápicos são de grandevalia, tanto para aumentar a adesão ao tratamen-to como para resolver conflitos inconscientes quepossam estar contribuindo para manter o cha-mado comportamento doloroso crônico. Essecomportamento, bastante freqüente em pacien-tes dolorosos crônicos, é composto por depen-dência, reivindicação, insatisfação com osresultados de todos os tratamentos, diminuiçãoda auto-estima, acompanhados de sentimentosde raiva e culpa.

As intervenções psicoterápicas mais utiliza-das têm sido as de apoio, cognitivo-comporta-mental, de grupo e de orientação psicanalítica. Aindicação de cada uma delas depende de umaavaliação abrangente que inclua a motivação dopaciente e a sua capacidade de acesso a um dostratamentos disponíveis.

Em outros capítulos deste livro são encontra-dos maiores detalhes sobre algumas destas abor-dagens psicoterápicas.

OUTRAS ABORDAGENS

A educação se relaciona tanto com os paci-entes e seus familiares como com a equipe te-rapêutica. Os familiares devem evitar atitudesque favoreçam comportamentos regressivos queretardam a reabilitação. Os pacientes tambémse beneficiam de algum grau de informação diri-gida, prevenindo períodos de desânimo associ-ados a recaídas. Quanto à equipe terapêutica, éimportante esclarecer aspectos relacionados àdosagem e ao uso da medicação “se necessá-rio”. Às vezes pode envolver reuniões com aequipe de uma enfermaria, freqüentemente pre-ocupada em não criar dependência química oupsicológica, assim subdosando a quantidadeadequada de analgésico para o controle eficazda dor.

Uma reabilitação bem-sucedida tem por meta:

• diminuir sintomas;

• aumentar a independência;

• retornar às atividades habituais.

Mesmo em dores lombares, nas quais 50%dos pacientes têm uma recorrência dentro de trêsanos a partir do episódio inicial, não há evidênciade que o retorno ao trabalho seja nocivo ao cursoda síndrome dolorosa.

O médico, como figura protetora, é alvo desentimentos tanto idealizados como de raiva.Quando a cura não acontece, uma das tarefasdo psiquiatra é esclarecer como estes problemasinterferem na relação médico-paciente. A compre-ensão destes sentimentos e papéis pode ajudaro médico a ser um continente adequado para opaciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Aguiar RW, Caleffi L. Dor Crônica. In: Fráguas Jr R, Figueiró JAB(ed). Depressões em Medicina Interna e em Outras CondiçõesMédicas — Depressões Secundárias. São Paulo, RJ e BH:Atheneu. p. 407-18, 2001.

Page 218: Dor e Saúde Mental

208 CAP›TULO 21© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

2. Smith GR. The epidemiology and treatment of depression whenit coexists with somatoform disorders, somatization, or pain. GenHosp Psychiatry 14(4):265-72, 1992.

3. Deitos F, Noal MHO, Garcia CR, Rodrigues TC. Prevalência dedoenças orgânicas em pacientes deprimidos. Jornal Brasileirode Psiquiatria 48(2):71-4, 1998.

4. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico eestatístico de transtornos mentais, 4th ed (DSM-IV). Porto Alegre:Artes Médicas, 1995.

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8. Cassem NH, Bernstein, JG. Depressed patients. In: Cassem NH,editor. Massachusetts General Hospital handbook of generalhospital psychiatry, 4th ed. St. Louis: Mosby; pp. 35-68, 1997.

9. Monks R, Merskey H. Psychotropic drugs. In: Wall PD, MelzackR, editors. Textbook of Pain, 4th ed. London: Churchill Livingstone,1999.

Page 219: Dor e Saúde Mental

›NDICE REMISSIVO 209© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

ÍNDICE REMISSIVO

AAAAA

α-adrenérgico, 198Acetilcolina, 198Aconselhamento noutético, 76Adolescentes e crianças, dores específicas em, 7Adultos

e crianças, 5dores específicas em, 5dores múltiplas em, 5

síntese de estudos epidemiológicos sobre doresespecíficas em, 9, 11múltiplas em, 9

Agency for Health Care Policy and Research, 163Alívio da dor, técnicas específicas para o, 134

alucinação de anestesia, 134deslocamento da dor, 134dissociação, 135substituição sensorial, 134

Alucinação de anestesia, 134American Association for Headache, 163Amígdalas, 114, 123, 192Amitriptilina, 199Analgesia controlada pelo paciente, 44Análise

de estudos epidemiológicos sobre dor, 4funcional, 154

Ansiedade e dor, 151Anticonvulsivantes, 200, 206Antidepressivos, 197, 198, 205

monoaminérgicos tricíclicos, 205tricíclicos, 205

Anti-histamínicos, 205Antipsicóticos, 206Aprendizagem

de evitação por reforçamento negativo, 161discriminativa por reforçamento positivo, 161

Áreas nervosas vinculadas às emoções,identificação de, 35

Aspectos psicológicos da dor, 181-1851o pressuposto, 1812o pressuposto, 1813o pressuposto, 181

mecanismos neuróticos, 184confluência, 184introjeção, 184projeção, 184retroflexão, 184

Associação Internacional para o Estudo da Dor, 51, 85Atividades sociais e de lazer, 154Auto-hipnose, 135Avaliação

Comportamental da Dor, 58psicológica da dor, 51-65

diagnóstico da dor, 53dimensões da avaliação psicológica em

pacientes com dor, 54introdução às teorias da dor, 51métodos de investigação da dor e seus

instrumentos, 55testes psicológicos na avaliação da dor, 57

BBBBB

β-adrenérgico, 198Behavioral Assessment of Pain, 65Benzisoxazol, 200Benzodiazepínicos, 206Bio, 159Biofeedback, 101, 124Bion, 107Biorretroinformação, 159Braid, James, 131Bulbo, 189Buspirona, 206Butirofenona, 200

CCCCC

Cannon, Walter, 115Carbamazepina, 200, 205Catastrophizing, diferenças relacionadas ao

sexo e, 82Cientologia, 76

Page 220: Dor e Saúde Mental

210 ›NDICE REMISSIVO© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Circuito de Papez e as emoções, 35Citalopran, 199Clomipramina, 199Clonazepam, 206Clorpromazina, 200Comorbidade psiquiátrica, 171Comportamento(s) doloroso(s), 117

crônico, 206Condicionamento, 161

operante, 162Conexões empíricas entre sexo, gênero e

comportamento doloroso, 82Confluência, 184Controle da dor

do câncer, 143e educação, 140no pós-operatório, 140hipnose no, 132

Coping, 168Cordotomia, 47Córtex, 114

ínfero-temporal, 192Crianças

e adolescentes, dores específicas em, 7e adultos, dores, 5

específicas em, 5múltiplas em, 5

Cultura e dor, 69-78cultura e personalidade, 74diferenças culturais, 71

entre paciente e terapeuta, 73na percepção da dor, 71

dor, 72gênero e etnia, 75variando de acordo com o significado

atribuído ao contexto, 72etnocentrismo, 72formas culturais de expressão emocional, 71influência dos fatores culturais sobre o

diagnóstico, prognóstico e tratamento, 74significados da dor para o médico e o paciente, 73sintomas como comunicação, 72terapias com influência religiosa praticadas no

Brasil, 75aconselhamento noutético, 76cientologia, 76cura interior, 76nova era, 76psicotranse, 76terapia, 75

de vidas passadas, 76noossofrológica, 75

terpsicore-transeterapia, 76trilogia analítica, 75

Cura interior, 76Curadores, 131

DDDDD

Déficits de memória e dor crônica, 187-195fundamentos neurológicos da memória, 191

de curto prazo operacional, 192de longo prazo, 191

hipocampo: matriz multifuncional de memória, 192memória de curto prazo e dor crônica, 193modelo neurocognitivo dinâmico: processos

cognitivos, 193processos mnemônicos, 190

base dos processos cognitivos superiores, 190e os diferentes tipos de memória, 190

regulação da dor: mecanismos neurológicos, 188Dependência

psicológica, 206química, 206

Depressão e dor crônica, 203-208aspectos psicodinâmicos, 205

tratamento, 205anticonvulsivantes, 206antidepressivos, 205antipsicóticos, 206eletroconvulsoterapia, 207hipnóticos, 206lítio, 207psicoterapia, 207tranqüilizantes, 206

diagnóstico de depressão, 204Desenvolvimento de habilidades sociais e treino

assertivo, 155Desequilíbrio psicológico, 96Desligamento das atividades pessoais e sociais, 151Deslocamento da dor, 134Diário, 173

do doente, 142Diferenças culturais, 71

entre paciente e terapeuta, 73na percepção da dor, 71

Dificuldades financeiras, 151Dissociação, 135Distração, 155Doctor shopping, 171Dopamina, 198Dor

aspectos psicológicos da, 181-185avaliação psicológica da, 51-65crônica

e déficits de memória, 187-195e depressão, 203-208e grupoterapia, 167-179

e cultura, 69-78e gênero, 79-84e hipnose, 131-137e psicofármacos, 197-201e religião, 85-90

Page 221: Dor e Saúde Mental

›NDICE REMISSIVO 211© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

tipos e qualidades de dor, 149aguda, 149crônica, 149

de origem não-nociceptiva, 149de origem nociceptiva, 149

tratamento cognitivo-comportamental, 153Drogas, sistema de infusão de, 49Duloxetina, 199

EEEEE

Educação e controle da dor, 140Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, 124Eletroconvulsoterapia, 207Eletrodermógrafo, 160Eletroencefalógrafo, 160, 162Eletromiógrafo, 160, 162Emic, 69Emoção, fisiologia da, na dor, 33-39

circuito de Papez e as emoções, 35dor e medo, 36emoção e sensações, 33formação reticular e organização de quadros

comportamentais, 37identificando áreas nervosas vinculadas às

emoções, 35integração de quadros comportamentais

vinculados à dor, 38mecanismos neuronais plásticos de adaptação

à dor crônica, 38teoria das emoções, 34

Enfrentamento, 172Engel, George, 118Equipe de saúde mental, funções da, 94Escalas para avaliação da dor, 55

alfanuméricas, 55analógicas visuais, 55gráficas verbais, 55

Escitalopram, 199Esdaile, James, 131Estados de pânico, 126Estimulação

cortical, 49da medula espinal, 48do sistema nervoso periférico, 48elétrica encefálica, 49encefálica profunda, 49

Estimulantes, 205Estratégias de enfrentamento (coping), 187Estruturas do lobo temporal, 192Etic, 69Etnocentrismo, 72, 73Etnofarmacologia, 70Etnomedicina, 70Exercícios físicos, 154

fisiopatologia da, 23-32modulação, 26

central da dor, 27dor mantida pelo simpático, 31dor neuropática, 30

transdução, 24mediadores da dor e modulação periférica, 25nociceptores viscerais, 25

transmissão, 26lombar crônica, 82operante, 151princípios do tratamento da, 41-50programas educativos junto a pacientes

com, 139-146Dor, epidemiologia da, 3-21

análise de estudos epidemiológicos sobre dor, 4dor(es)

crônica, 3específicas em crianças, 5

e adolescentes, 7e adultos, 5

múltiplas em crianças e adultos, 5estudo epidemiológico brasileiro, 4

dor, 10nas crianças e nos adolescentes, 10nos adultos, 16nos idosos, 18

método e casuística, 4síntese de estudos epidemiológicos sobre dores

específicas, 9em adultos, 9, 11em idosos, 9

múltiplas, 9em adultos, 9em idosos comunitários, 12

musculoesqueléticas, 9Dor, tratamento cognitivo-comportamental da, 147-157

abordagem cognitivo-comportamental nacompreensão da dor, 150

avaliação inicial, 153dor, 151

e ansiedade, 151e depressão, 152e stress, 153

técnicas cognitivo-comportamentais, 154atividades sociais e de lazer, 154desenvolvimento de habilidades sociais e

treino assertivo, 155distração, 155exercícios físicos, 154informar os resultados obtidos na avaliação

inicial, 154reestruturação cognitiva, 155reforço diferencial de comportamento

adequado, 155relaxamento muscular progressivo, 154

Page 222: Dor e Saúde Mental

212 ›NDICE REMISSIVO© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Existência, 147Expressão emocional, formas culturais de, 71Eysenck Personality Test, 59

FFFFF

Fatores culturais, influência dos, sobre odiagnóstico, prognóstico e tratamento, 74

Feedback, 159Fenitoína, 206Fenotiazina, 200Ferenczi, Sandor, 113Fluoxetina, 198, 199Food and Drug Administration, 76Formação de identidade do grupo, 170Franz Alexander, 113Freud, 105, 120Fundamentos neurológicos da memória, 191

de curto prazo operacional, 192de longo prazo, 191

GGGGG

Gabapentina, 200, 205Gênero e dor, 79-84

conexões empíricas entre sexo, gênero ecomportamento doloroso, 82

diferenças relacionadas ao sexo, 81à depressão e à ansiedade, 82e catastrophizing, 82e estratégias de enfrentamento, 81na utilização dos sistemas de atendimento da

saúde, 81no controle da dor, 82

histórico, 79mecanismos envolvidos nas diferenças entre os

sexos, 80sexo e gênero, 80teorias psicossociais sobre a determinação do

gênero, 80Gestalterapeutas, 181Gestaltistas, 181Grupo(s)

básicos de psicoterapia, 98como apoio e referência, 170

Grupoterapia e dor crônica, 167-179associação com somatização, 175comorbidade psiquiátrica, 171enfrentamento, 172família, 170formação de identidade do grupo, 170grupo, 170

como apoio e referência, 170

de pacientes fibromiálgicos da clínica dedor – HUPE/UERJ, 177

histórico do paciente, 169importância de, 168instrumentos, 173

diário, 173hipnose, 173psicoterapia cognitivo-comportamental, 174relaxamento e terapias do movimento, 173terapia analítica e abordagem

psicodinâmica, 174maior dificuldade – expectativa de cura, 168nossa experiência em grupoterapia com

pacientes fibromiálgicos, 176processo educativo/informativo, 169técnicas, 177

mandamentos do fibromiálgico, 178transferência, 172

HHHHH

Habilidade social ou ocupacional, 151Haloperidol, 200Harvard Group Scale of Hypnotic Susceptibility, 133Hipertimia, 125Hipnose, 101, 124, 173

e dor, 131-137auto-hipnose, 135desenvolvimento histórico, 131entendendo o alívio da dor, 135hipnose no controle da dor, 132mecanismos de ação hipnótica, 132principais aplicações clínicas, 136requisitos para a otimização dos resultados, 133técnicas específicas para o alívio da dor, 134

alucinação de anestesia, 134deslocamento da dor, 134dissociação, 135substituição sensorial, 134

Hipnoterapia, 101Hipnóticos, 205, 206Hipocampo, 114, 124

matriz multifuncional de memória, 192Hipoexcitação excessiva, 127Histeria, 113Histórico do paciente, 169Horney, Karen, 118

IIIII

Identificação, 113Idosos

comunitários, síntese de estudosepidemiológicos sobre dores múltiplas em, 12

Page 223: Dor e Saúde Mental

›NDICE REMISSIVO 213© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

síntese de estudos epidemiológicos sobre doresespecíficas em, 9

Imipramina, 199Inibidores

das prostaglandinas, 205seletivos de recaptação de serotonina, 199

Integração de quadros comportamentaisvinculados à dor, 38

Introjeção, 184Inventário

de Atitudes Disfuncionais, 59de Depressão Beck, 59Multifásico de Personalidade Minnesota, 57

LLLLL

Lamotrigina, 200Lazarus, Richard, 116Lembranças encobridoras, 114Lesão do trato de Lissauer e do corno posterior da

medula espinal, 47Limiar de tolerância, 125Lítio, 207Lobo temporal, estruturas do, 192

MMMMM

MacDougall, Joyce, 113Magnetismo, 131Mandamentos do fibromiálgico, 178Massagem, 44Mecanismos

de ação hipnótica, 132envolvidos nas diferenças entre os sexos, 80homeostáticos do organismo, 115neurológicos de regulação da dor, 188neuronais plásticos de adaptação à dor crônica, 38neuróticos, 184

confluência, 184introjeção, 184projeção, 184retroflexão, 184

Mediadores da dor e modulação periférica, 25Medicamentos utilizados para o controle da dor, 41Medicina comportamentalista, 161Meditação, 126Medo e dor, 36Medula espinal, 47

estimulação da, 48lesão do trato de Lissauer e do corno posterior

da, 47Memória, déficits de, e dor crônica, 187-195

fundamentos neurológicos da memória, 191de curto prazo operacional, 192

de longo prazo, 191hipocampo: matriz multifuncional de memória, 192memória de curto prazo e dor crônica, 193modelo neurocognitivo dinâmico: processos

cognitivos, 193processos mnemônicos, 190

base dos processos cognitivos superiores, 190e os diferentes tipos de memória, 190

regulação da dor: mecanismos neurológicos, 188Mens sana, 75Mesencefalotomia, 47Mesmer, Franz Anton, 131Mesmerismo, 131Método(s)

de biofeedback e sua utilização em doentescom dor, 159-166

de investigação da dor e seus instrumentos, 55físicos para o tratamento da dor, 44

biofeedback, 45calor, 44frio, 44massagem, 44relaxamento, 45técnicas de distração, 45terapias cognitivo-comportamentais, 45vibração, 45

Meyer, Adolph, 118Milnaciprano, 199Mirtazapina, 199Modalidade psicoterápica, escolha da, 98Modelo

biopsicossocial, 168neurocognitivo dinâmico: processos cognitivos, 193teórico de Melzack-Wall, 52

Modulação, 26central da dor, 27dor, 30

mantida pelo simpático, 31neuropática, 30

Moduladores, 94Movimento, terapias de, 173

NNNNN

National Institute of Health, 80Nemiah, John C., 113Neurolépticos, 199, 205Neurose histérica conversiva, 112Neurotomias, 46Neurotransmissores excitatórios, 86Nociceptores viscerais, 25Noradrenalina, 198Nortriptilina, 199Nova era, 76Nucleotomia trigeminal pontina, 47

Page 224: Dor e Saúde Mental

214 ›NDICE REMISSIVO© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

PPPPPPacientes fibromiálgicos, 176

grupo de, da clínica de dor – HUPE/UERJ, 177nossa experiência em grupoterapia com, 176

Pain Patient Profile, 59Pain prone personality, 176Pânico, estados de, 126Papez, circuito de, e as emoções, 35Paroxetina, 199Peptídeos, 205Percepção da dor, diferenças culturais na, 71Personalidade e cultura, 74Perturbações neuróticas na fronteira de contato, 184Princípios do tratamento da dor, 41-50

efeitos colaterais, 42farmacológico, 41intervenções não farmacológicas, 44medicamentos utilizados para o controle da dor, 41métodos físicos, 44

biofeedback, 45calor, 44frio, 44massagem, 44relaxamento, 45técnicas de distração, 45terapias cognitivo-comportamentais, 45vibração, 45

neurocirúrgico, 46procedimentos endocrinológicos, 48procedimentos neuroablativos, 46

cordotomia, 47lesão do trato de Lissauer e do corno

posterior da medula espinal, 47mesencefalotomia, 47neurotomias, 46nucleotomia trigeminal pontina, 47psicocirurgia, 48rizotomias, 46simpatectomias, 46talamotomia, 48

procedimentos neuroaumentativos, 48estimulação, 48

cortical, 49da medula espinal, 48do sistema nervoso periférico, 48elétrica encefálica, 49encefálica profunda, 49

sistemas de infusão de drogas, 49vias de administração, 42

analgesia controlada pelo paciente, 44oral, 43parenteral, 43peridural e intratecal/subdural ou

subaracnóidea, 43sublingual, 42transdérmica, 43

Processos mnemônicos, 190

base dos processos cognitivos superiores, 190e os diferentes tipos de memória, 190

Programas educativos junto a pacientes comdor, 139-146

do câncer, 143educação e controle da dor, 140no pós-operatório, 140razões e conseqüências do inadequado

controle da dor, 139Projeção, 184Psicanálise e dor, 106Psicocirurgia, 48Psicofármacos e dor, 197-201

definição de psicotrópicos, 198anticonvulsivantes, 200antidepressivos, 198fluoxetina, 198neurolépticos (antipsicóticos), 199

Psicologia da Saúde, 123Psico-relax, 75Psicossomática, 111-121Psicoterapia(s), 93-104, 207

avaliação, 95critérios de encaminhamento para a avaliação

psicológica e psiquiátrica de paciente comdor, 96

preparo e encaminhamento, 97biofeedback, 101clássicas, 98

cognitiva, 99cognitivo-comportamental, 100comportamental, 100de apoio, 99

classificação, 94cognitivo-comportamental, 174comportamentais, 98de grupo, 102definição, 94escolha da modalidade psicoterápica, 98familiar, 102funções da equipe de saúde mental, 94grupos básicos de, 98hipnoterapia, 101indicações, 95objetivos das, no tratamento da dor, 94psicodinâmicas, 98relaxamento, 101

Psicotranse, 76Psico-tron, 75Psicotrópicos, 197

RRRRR

Receptores nociceptores, 125Reestruturação cognitiva, 155

Page 225: Dor e Saúde Mental

›NDICE REMISSIVO 215© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Reforço diferencial de comportamento adequado, 155Registros Diários de Pensamentos Disfuncionais, 56Regulação da dor: mecanismos neurológicos, 188Relação stress-dor e uso do relaxamento comoterapêutica coadjuvante, 123-130

base neurofisiológica do uso do relaxamentocomo terapia coadjuvante do stress e da dor, 124

caminhos, 124da dor, 124do relaxamento, 125

cuidados especiais no uso de relaxamento nocontrole da dor, 126

na hipoexcitação excessiva, 127na liberação de idéias extremamente penosas

ou ameaçadoras, 127na perda de contato com a realidade, 126nos estados de pânico, 126

outro tipo de relaxamento, 129relaxamento, 126

para aliviar a dor, 127stress e dor, 126

Relaxamento, 45, 101, 124e terapias do movimento, 173muscular progressivo, 154progressivo, 162

Religião e dor, 85-90Resposta de relaxamento, 125Retroflexão, 184Risperidona, 200Rizotomias, 46

SSSSS

Selye, Hans, 115Sensações e emoção, 33Serotonina, 198Sertralina, 199Sexo

diferenças relacionadas ao, 81à depressão e à ansiedade, 82e catastrophizing, 82e estratégias de enfrentamento, 81na utilização dos sistemas de atendimento da

saúde, 81no controle da dor, 82

e gênero, 80Sifneos, Peter, 113Simpatectomias, 46Sinal hipnógeno, 135Síndrome(s)

de Adaptação Geral, 115dolorosas, 52

Sistema(s)de infusão de drogas, 49límbico, 114, 123

nervoso periférico, estimulação do, 48simpático, 124

Somatização, 175Stanford Hypnotic Susceptibility Scale, 133Status quo, 99Stress, 95, 114, 123

e dor, 153Substância cinzenta periaquedural, 189Substituição sensorial, 134Sugestão pós-hipnótica, 135

TTTTT

Tálamo, 114, 125Talamotomia, 48Técnicas

cognitivo-comportamentais, 154atividades sociais e de lazer, 154desenvolvimento de habilidades sociais e

treino assertivo, 155distração, 155exercícios físicos, 154informar os resultados obtidos na avaliação

inicial, 154reestruturação cognitiva, 155reforço diferencial de comportamento

adequado, 155relaxamento muscular progressivo, 154

corporais, 86específicas para o alívio da dor, 134

alucinação de anestesia, 134deslocamento da dor, 134dissociação, 135substituição sensorial, 134

Teoria(s)das emoções, 34do Controle do Portal (Gate Control Theory), 52, 187do estado e não-estado, 132do Portão do Controle da Dor, 85fisiológicas/reflexológicas da hipnose, 132psicossociais sobre a determinação do gênero, 80

Terapia(s)analítica e abordagem psicodinâmica, 174cognitivo-comportamental, 124com influência religiosa praticadas no Brasil, 75

aconselhamento noutético, 76cientologia, 76cura interior, 76nova era, 76psicotranse, 76terapia, 75

de vidas passadas, 76noossofrológica, 75

terpsicore-transeterapia, 76trilogia analítica, 75

Page 226: Dor e Saúde Mental

216 ›NDICE REMISSIVO© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

comportamental radical, 124de movimento, 173psicodinâmica, 124

Termógrafo, 160, 162Terpsicore-transeterapia, 76Testes psicológicos na avaliação da dor, 57Tolerância, limiar de, 125Tranqüilizantes, 206Transdução, 24

mediadores da dor e modulação periférica, 25nociceptores viscerais, 25

Transferência, 172Transmissão, 26Transtornos

depressivos, 203somatoformes, 175

Treinamento autógeno, 162Trilogia analítica, 75

VVVVV

Valoração (appraisal), 187Valproato, 200

Venlafaxina, 199Vias de administração de medicamentos no

controle da dor, 42analgesia controlada pelo paciente, 44oral, 43parenteral, 43peridural e intratecal/subdural ou

subaracnóidea, 43sublingual, 42transdérmica, 43

Vidas passadas, terapia de, 76Visual Analogue Scale, 133

WWWWW

Weiner, Herbert, 118West-Haven-Yale Multidimensional Pain Inventory, 59Wolff, Harold, 116

XXXXX

Xamãs, 131