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Semelhanças entre Brasil e Itália nas tentativas de introdução
de um modelo econômico de mercado na área da educação
Cássio Ricardo Fares Riedo1, Marta Fernandes Garcia2
Eixo temático 1: Políticas Públicas e Gestão da Educação
RESUMO
Este texto, fundamentado em revisão bibliográfica e análise documental, se propõe a refletir sobre reformas educacionais propostas no Brasil e na Itália. No Brasil, a Secretaria de Assuntos Estratégicos apresentou um documento propondo políticas para o ensino básico, constituído pela promoção de um currículo nacional ancorado num sistema de avaliação nacional, na responsabilização docente por mérito e na abertura da área educacional ao mercado empresarial. Na Itália, o parlamento aprovou em 13 de julho de 2015 a Lei n. 107, na qual, além de proposições semelhantes às brasileiras, o papel gerencial do diretor foi ampliado em direção à um modelo de gestão empresarial. Percebe-se como as propostas governamentais procuram introduzir o modelo econômico de mercado na área da educação.
Palavras-chave: Educação Pública. Reforma Educacional. Legislação.
Similarities between Brazil and Italy in the attempts to introducea marketable business model in education
ABSTRACTThis paper, based on literature review and documental analysis, will reflect on proposals for educational reforms in Brazil and Italy. In Brazil, the Secretary of Strategic Affairs presented a paper proposing policies for basic education, based on the promotion of a national curriculum anchored in a national evaluation system, in the teacher´s responsibility for merit, and in the opening of the education area to the business market. In Italy, the parliament approved on July 13, 2015 Law n. 107, in which, as well as all the related Brazilian proposals can be found in the Italian Law, the managerial role of director was expanded toward a business managerial model. It is perceived how the government proposals seek to introduce an economic business model into the educational area.
Keywords: Public Education. Educational Reform. Law.
Introdução
A educação, como um dos patamares fundamentais da democracia devido à sua
importância na formação do cidadão, se constitui como uma preocupação para todo tipo de
governo. Desde a Revolução Francesa, que serviu de inspiração para a criação de sistemas
educacionais nacionais, a educação pode ser considerada um valor em si ao possibilitar o
acesso ao conhecimento e à cultura científica e artística (PIKETTY, 2014).
1 Faculdade de Educação – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – 13083-865 – Campinas – São Paulo – Brasil – [email protected]
2 Faculdade de Educação – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – 13083-865 – Campinas – São Paulo – Brasil – [email protected]
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No Brasil, a primeira lei sobre o Ensino Elementar foi aprovada em 15 de outubro de
1827, vigorando até 1946 (ARANHA, 2009). Na Itália, a escola pública e controlada pelo
Estado se originou no século XVIII, inicialmente no Reino da Sardenha (GENOVESI, 2006;
BIANCHI, 2007). Percebe-se que os modelos brasileiros e italianos de escola laica e pública
surgiram em momentos e contextos muito diferentes e tiveram de se adaptar às
transformações sociais e econômicas com o passar do tempo.
No atual contexto, apesar das reformas serem uma constante na história da educação, a
necessidade de reforma nos sistemas educacionais continua muito discutida e, mesmo com
toda diferença histórica e de contexto social, é possível perceber a existência de aproximações
entre sistemas tão distintos como o brasileiro e o italiano. Por exemplo, no Brasil foi
divulgado em 24 de abril de 2015 um documento chamado “Pátria Educadora: a qualificação
do ensino Básico como obra de construção nacional”, embora ainda em versão preliminar, que
propõe justamente reformar o sistema de ensino; enquanto que na Itália foi promulgada, em
13 de julho de 2015, a Lei n. 107, chamada “Boa Escola”, que oficializou legalmente mais
uma reforma educacional.
Ao considerar tais reformas enquanto políticas públicas, este trabalho, por meio de
análise documental e revisão bibliográfica, buscará possíveis pressupostos teóricos que
possam ter servido para a elaboração do documento “Pátria Educadora” e da lei “Boa Escola”.
O foco na leitura econômica se justifica pelo fato do documento brasileiro ter sido originado
na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), de modo oficialmente independente do
Ministério de Educação e Cultura, que deveria ser o centro emanador das políticas e reformas
educacionais. Já a lei italiana foi questionada justamente por possíveis reflexos econômicos
tanto na gestão do sistema como no direcionamento de verbas públicas destinadas à
manutenção do mesmo, sendo possível recordar que, segundo Piketty (2014), o crescimento
econômico é incapaz de satisfazer as esperanças meritocráticas e democráticas, devendo se
apoiar na existência de instituições específicas, e não apenas nas forças do progresso
tecnológico e do mercado. Ainda que o processo de convergência tecnológica possa ser
favorecido pela abertura comercial, trata-se de um processo de difusão e partilha do
conhecimento, um bem público por excelência, e não de um mecanismo de mercado.
Entretanto, a tecnologia, assim como o mercado, não tem limite ou moral e, no longo prazo, a
melhor maneira de reduzir as desigualdades do trabalho, além de aumentar a produtividade
média da mão de obra e o crescimento global da econômia, é investir na formação.
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Descrição do trabalho desenvolvido
De modo geral, a educação, além de ser um meio de “padronização” cultural, associa
anseios da população às obrigações do Estado, sendo fundamental para o processo de difusão
e apropriação do conhecimento, o qual está intimamente relacionado ao processo de
construção de uma potência pública legítima e eficaz. Deve-se considerar também, que, no
longo prazo, a difusão do conhecimento e a disseminação do acesso à educação de qualidade
são os principais instrumentos para aumentar a produtividade, além de forças que
impulsionam o aumento da igualdade social (PIKETTY, 2014). Portanto, aspectos sociais e
econômicos afetam e são afetados, direta ou indiretamente, pela educação.
A evolução tecnológica aumentou a necessidade de cada vez mais qualificações e
competências, contudo não basta contar com os caprichos da tecnologia para fundar uma
ordem social mais justa e racional. Tal aumento na necessidade de qualificação e
competências apresenta reflexos diretos nos sistemas de ensino, principalmente por cobrança
social em relação à formação escolar, uma vez que o ensino tradicional passou a ser
considerado insuficiente para a inserção de seus cidadãos no mundo do trabalho, tendo sido
responsabilidade do Estado a promoção, direta ou indireta, da formação por meio dos sistemas
educacionais, abrindo, a partir de então, as discussões sobre reformas na área da educação.
Contudo, visões e concepções diferentes de Estado, também em transformação,
assumem posturas muitas vezes antagônicas em relação ao modo como o Estado deve
organizar os sistemas educacionais. Numa simplificação suficiente para a análise neste
trabalho, uma visão voltada para o desenvolvimento social, que deveria buscar mais justiça e
racionalidade, possivelmente por meio de maior igualdade na distribuição de renda,
favorecendo assim a sociedade como um todo e encarando todo e qualquer conhecimento
como um bem público e a formação como investimento social, se contrapõe à uma visão
econômica que pretende transformar o conhecimento de bem público a bem privado, a
formação em mercadoria e fonte de lucro de companias mais aptas a tratarem estudantes
como consumidores, por meio de um modo de administração empresarial na qual a relação
entre custos e benefícios deve se voltar sempre para a diminuição dos custos a fim da
ampliação das margens de lucro. É diante do confronto dessas duas visões de Estado que os
documentos brasileiro e italiano e as resistências sociais à implantação destes serão
analisados.
O documento “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de
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construção nacional”, divulgado em 24 de abril de 2015 pela SAE da Presidência da
República do Governo Dilma Roussef, sob liderança de Roberto Mangabeira Unger,
representa um claro posicionamento aos pressupostos e estratégias que defendem a adoção do
modelo de mercado na educação pública. Estão presentes no documento elementos que
denotam mecanismos de responsabilização, meritocracia e privatização, os quais, em conjunto
e articulados entre si, compõem o que Freitas (2012) vem denominando “reformas
empresariais” da educação brasileira. O termo foi emprestado de Diane Ravitch (2011), que
cunhou o corporate reform moviment para explicar a evolução das reformas de mercado no
sistema escolar dos Estados Unidos nas últimas décadas. Os princípios empresariais de gestão
e contratação de profissionais, a “livre escolha”, os sistemas de recompensas e punições para
incentivar a força de trabalho, as decisões e metas baseadas no sistema de dados dos testes
padronizados, são alguns elementos que compõem a “reforma empresarial” nos Estados
Unidos, que adquiriu impulso decisivo a partir de 2002 com a lei federal “No Child Left
Behind” (NCLB), aprovada no governo Bush.
No Brasil, o documento Pátria Educadora (SAE, 2015) segue na esteira dessas
influências, com objetivo de melhorar a “situação dramática” em que se encontra a educação,
tomando como sinônimo de qualidade educacional o resultado do país no Programme for
International Student Assessment (PISA). A proposta de Mangabeira Unger aposta em uma
nova estratégia de desenvolvimento para o país, o “produtivismo includente pautado por
democratização de oportunidades econômicas e educacionais” (SAE, 2015, p.4).
O documento parte da consideração de que foram positivos os experimentos que
seguiram a lógica empresarial no Brasil, pautados em práticas como fixação de metas de
desempenho, continuidade dos mecanismos de avaliação como medida quantitativa, uso de
incentivos e métodos de cobrança. Tais práticas e ideias reforçam a aferição de resultados
educacionais por meio das avaliações externas de larga escala, fortalece a responsabilização
docente e a meritocracia, bem como a abertura da área educacional ao mercado empresarial. A
proposta defende a construção de um Currículo Nacional fundado em capacitações, busca
desenvolver capacidades analíticas (interpretação e composição de texto e raciocínio lógico) e
comportamentais (disciplina e cooperação). Além da já conhecida Prova Brasil de avaliação
de desempenho estudantil, introduz-se a Prova Nacional Docente para certificar professores
depois da licenciatura, com objetivo de testar se estes estão aptos a utilizar os protocolos do
Currículo Nacional. Ademais, a carreira docente também prevê o uso da avaliação como
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forma de verificar o desempenho contínuo dos professores, condicionando a melhoria salarial
a uma prova de certificação que comprove padrão de desempenho.
A Prova Brasil adquire novo uso na proposta. Defende-se que seja utilizada para
compor o Cadastro Nacional de Alunos, o que favoreceria medidas de apoio a alunos com
baixo desempenho e admissão de alunos a programas e escolas de referência. Segundo Freitas
(2015), essa é mais uma medida que confere legitimidade à desigualdade sancionada pela
lógica liberal, pois aprofunda-se o dualismo do sistema educacional. Além de legitimar a dualidade do
sistema educacional para os alunos, as avaliações utilizadas sob essa perspectiva podem
colaborar para fragmentar a carreira docente, à medida que atrela a melhoria salarial a testes
de desempenho. Além de aparecer na composição da carreira especial para professores que
atinjam metas e na Prova Nacional Docente, a meritocracia também se concretiza na proposta
por meio do estabelecimento de um sistema de incentivos a escolas e diretores que serão
premiados pelo alcance de metas de desempenho.
A meritocracia, enquanto um dos elementos fundantes das “reformas empresariais”
(FREITAS, 2012), pode vir a cumprir um papel de legitimação das desigualdades entre
alunos, entre escolas, entre profissionais. Deve-se deixar claro que o mérito em si não
pertence exatamente à lógica de mercado. Trata-se de uma prova de mérito. Da mesma forma
como os professores devem ser estimulados a engajar-se constantemente em práticas
pedagógicas inovadoras, a refletir sobre sua profissão, a aprimorar sua formação. No entanto,
deve-se atentar a que critérios está atrelada a avaliação que certifica uns como mais bem
sucedidos e outros como fracassados, bem como à complexidade dos fatores que ajudam a
conformar as diferentes condições de escolas, profissionais e alunos de atingirem esses
critérios. Pesquisas têm demonstrado que resultados em testes padronizados de língua e
matemática são critérios rasos e insuficientes para avaliar o mérito de um professor, de um
aluno, ou de escolas. Da mesma forma condicionar melhores salários, ou ações de amparo
diferenciadas, a resultados em testes gera entre outras distorções, desigualdade, estreitamento
curriculare e fraudes (RAVITCH, 2011).
Por fim, além da responsabilização e meritocracia, a categoria “privatização” ajuda a
compor a análise da proposta do documento Pátria Educadora (SAE, 2015). À semelhança do
Programa Universidade para Todos (Prouni), propõe-se criar um programa que concede bolsas
de estudo a estudantes que queiram ingressar em cursos de pedagogia e licenciatura em
instituições privadas. Trata-se de uma modalidade de privatização por voucher, que é uma
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forma de transferência de verbas públicas para a iniciativa privada. O documento defende
também que o poder público divida suas responsabilidades pela execução dos serviços
educacionais com Organizações Sociais (OS) e Sociedades de Propósito Específico, com
objetivo de “facilitar o engajamento experimental de equipes de educadores vindos de fora do
sistema público na construção desse sistema” (SAE, 2015, p. 23). Trata-se de outra
modalidade de privatização, que adquiriu impulso na última década, pela qual se abre a
possibilidade do público ser administrado privadamente. Desta forma, a escola continua sendo
pública, o financiamento da educação básica permanece uma atividade exclusiva do Estado
(BRASIL, 1995), porém divide-se com instituições da sociedade civil uma gama de tarefas de
gestão, assessoria e execução dos serviços públicos. Freitas (2012, p.386) atenta que a
categoria “privatização” deve ser olhada sob um novo ângulo, pois “o conceito de público estatal e
público não estatal abriu novas perspectivas para o empresariado: a gestão por concessão. Desta forma, aquela
divisão fundamental entre público e privado ficou matizada”.
Na Itália, a lei n. 107 (SENATO, 2015), que ficou conhecida por “Boa Escola”, propôs
a reforma do sistema de ensino e, depois de passar pelo Senado, foi aprovada no dia 13 de
julho de 2015 na Câmara dos Deputados e dois dias depois promulgada no Diário Oficial. O
governo, por meio de um documento oficial (PASSODOPOPASSO, 2015), sem identificação
de autoria e em forma ilustrativa, apresentou como pontos principais o aumento no número de
docentes, a ampliação dos recursos destinados à educação e a abertura de mais oportunidades
e autonomia para as instituições de ensino, a admissão imediata de 100 mil docentes, a
abertura de concurso para docentes até dezembro de 2015, alterações na formação e
atualização dos docentes na ativa, bônus para premiar o mérito individual dos docentes, salas
de aula menos cheias, responsabilização dos dirigentes pela gestão financeira e dos serviços
escolares, um plano nacional para a escola digital, estímulo à integração escola e mundo do
trabalho e incentivo econômico por meio de crédito de impostos para quem financiar a escola
por meio de doações.
De modo geral, a reforma, desde o início de sua apresentação em 3 de setembro de
2014 (LA BUONA SCUOLA, 2014a), passando por um período de consultas públicas entre
15 de setembro e 15 de novembro, com o resultado das consultas apresentado em 15 de
dezembro (LA BUONA SCUOLA, 2014b), foi muito questionada, tanto pelos sindicatos de
professores quanto pelos estudantes e mesmo por intelectuais. O governo ainda promoveu um
encontro oficial de dois dias, entre 12 e 13 de maio de 2015, para discussão sobre a
contestação dos temas com associações de estudantes, representantes de pais e sindicatos (LA
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BUONA SCUOLA, 2015). Scrima (2015), secretário geral do sindicato CISL Scuola,
apontou, além do desequilíbrio em relação aos papéis e competências dos diversos
componentes da autonomia escolar, escolhas erradas realizadas com arrogância e presunção
por parte do governo. Diante da inexistência de instrumentos e parâmetros cientificamente
reconhecidos, questionou a eficácia de processos retributivos tomando como base a avaliação
do mérito docente, apontando o risco de incentivar uma falsa lógica de meritocracia que
enfatizaria a competição ao invés de favorecer a colegialidade e a cooperação. Foi criticado
também o ponto de vista governamental no qual os recursos privados poderiam transformar a
escola em um investimento coletivo, favorecendo o fluxo de recursos a fundações ou entes
com autonomia patrimonial sem sobrecarregar a burocracia escolar, criando, assim, vantagens
para instituições privadas e declaradamente sem fins lucrativos. Em 26 de março de 2015, o
sindicato (CISL, 2015) ressaltou possíveis problemas decorrentes do ampliação das funções
dos dirigentes escolares para garantir a imediata e rápida gestão de recursos humanos,
financeiros, tecnológicos e materiais, além de detalhar pontos de interesse em relação à
carreira docente.
Em março de 2015, a União dos Estudantes, depois de analisar o documento oficial,
afirmou que estaria sendo feito o que nem Berlusconi teria conseguido com a Reforma
Gelmini em relação à privatização do sistema educacional, a imposição de uma reforma sem
nenhum diálogo e em tempo reduzido para diminuir as contestações, onde a avaliação e o
mérito seriam apenas instrumentos de seleção para uma competição sobre a miséria,
ressaltando a falta de comprometimento do governo com a desigualdade social (L'UNIONE
DEGLI STUDENTI, 2015). Em relação aos poderes atribuídos aos dirigentes, apontou o
afastamento dos estudantes e de seus genitores no processo de gestão escolar, abrindo espaço
para entidades privadas e criticou a nova postura do diretor enquanto administrador de
empresa, a se ocupar da eficiência econômica entre recursos empregados e resultados obtidos,
responsável pelo recrutamento e avaliação dos docentes, além da necessidade de tornar a
escola atrativa ao buscar financiamentos externos, ou por meio de contribuições voluntárias,
para seu autofinanciamento, inclusive em relação ao desenvolvimento de competências
digitais e suas necessidades materiais e tecnológicas. Do ponto de vista da suposta
meritocracia dos docentes, afirmou que ensinar estaria deixando de ser um serviço público e
tornando-se um ato de prestação individual a serviço da escola-empresa do diretor-
administrador e que a abertura à deduções fiscais apenas contribuiria para aumentar a
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competitividade entre as escolas.
Abravanel (2015), ao analisar as propostas do governo e as críticas recebidas, afirmou
que os sindicatos e os estudantes estariam apenas repetindo o mantra de “mais direito ao
estudo”, uma vez que estava implícito na reforma a necessidade de tratar melhor os docentes,
estabilizando-os nas escolas e pagando-os mais. Diante de sondagens que mostrariam que,
para os empregadores, a escola italiana não ensinaria de maneira suficiente as competências
necessárias no século XXI, relacionou o elevado desemprego juvenil com a falta de formação
recebida na escola, principalmente depois do advento da massificação da educação. A partir
de tais premissas, alegou que as escolas italianas não sabem avaliar e que as notas nos
históricos escolares deveriam ser capazes de certificar o mérito pessoal de cada estudante para
que as empresas consigam selecionar mais facilmente os melhores. Diante das críticas contra
a escola-empresa e dos poderes em excesso dado ao diretor-administrador, além de atingir a
adequação da formação para o mercado de trabalho, o articulista apoiou a mudança nos papéis
profissionais e a avaliação “séria” das escolas, as quais deveriam ser avaliadas,
preferencialmente por meio de avaliações externas e objetivas.
Daconto (2015), da revista Panorama, explicou que a greve conseguiu unificar os
sindicatos COBAS, CGIL, CISL, UIL, SNALS e GILDA, o que não acontecia desde 2007,
sendo contestado principalmente a ampliação dos poderes dos dirigentes, que seria até
inconstitucional; o corte de recursos às escolas públicas, com a não atribuição de fundos para
a segurança das edificações e para introdução de novas tecnologias; o financiamento das
escolas privadas, por meio de dedução fiscal para famílias que inscrevem os filhos em escolas
não estatais; a admissão insuficiente de docentes precários, estimados em 600 mil; e o método
adotado para as avaliações externas, que pode penalizar atividades mais criativas e pessoais
de estudos se avaliadas apenas por meio de questões fechadas.
Resultados Obtidos
As principais críticas feitas ao documento “Pátria Educadora” – currículo nacional
ancorado num sistema de avaliação nacional, responsabilização docente por mérito e abertura
à privatização da área educacional – também aparecem na lei italiana “Boa Escola”. Em
ambos os países, governos teoricamente com preocupações mais sociais (centro-esquerda)
parecem sucumbir a propostas economicistas e favoráveis à economia de mercado, deixando a
população, mesmo quando se manifesta, refém de imposições legais e bem articuladas em
favor da transformação do conhecimento como bem público em bem privado. Segundo
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Piketty (2014), desconsidera-se que a experiência histórica indica a difusão do conhecimento,
tanto no âmbito internacional quanto no doméstico, como principal mecanismo que permite a
convergência entre países, devendo ser acessível a todos (bem público) e não restrito por
limitações econômicas.
Nota-se, em ambos os países de histórias e contextos tão diferenciados, certa falta de
esperança em relação ao futuro ao constatar a ausência de uma opção política viável à
promoção de uma educação sustentada em princípios mais humanista. Diante das
semelhanças em relação à orientação de caráter neoliberal nos documentos brasileiro e
italiano, não é impossível pensar em coincidências superfíciais, sendo necessário uma
reflexão mais profunda sobre quais serão as consequências desses movimentos que levam a
uma cada vez maior concentração da renda, à alienação da população e à desestruturação da
formação dos cidadãos, e que, consequentemente, acabará por colocar em risco a própria
democracia. Enfim, a República Romana não sobreviveu ao Império, nem esse aos bárbaros.
Considerações Finais
Que este texto contribua para a intensificação de debates tão urgentes em nosso
contexto e que os profissionais da educação possam nele retirar elementos para repensar sua
prática e compreender os caminhos trilhados pelas atuais políticas de educação, como forma
de resistência e luta em busca de uma avaliação inclusiva e uma política emancipatória que
promova uma sociedade mais justa e que consiga formar com qualidade seus cidadãos.
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