27/11/11 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do PortoProcesso: 0722734
Nº Convencional: JTRP00040484
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
REGISTO DE MARCA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP200706260722734Data do Acordão: 26-06-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 251 - FLS 66.
Área Temática: .
Sumário: I – A apreciação da validade dos títulos de propriedadeindustrial em geral, e designadamente das marcas, deve ser
feita com base na lei em vigor à data da concessão do registo
da marca.II – Se o principal, em contrato de agência ou distribuição, não é
titular do direito à marca, no respectivo país de origem, pode o
agente ou distribuidor proceder ao registo da marca,
independentemente de qualquer autorização, sendo inaplicável
o disposto nos artºs 169º do CPI de 1995 ou 226º do CPI de
2003.III – A essência da tutela conferida pelo artº 8º da Convenção da
União de Paris consiste na atribuição de um direito à identidadeda designação da empresa, que não é um direito exclusivo,
nem se funda no registo ou na prioridade do uso, permitindo acoexistência, em situação anómala, mas de leal concorrência,
dos titulares convencionais com os titulares de direitos
protegidos pelo registo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo
ordinário nº…/05.7TYVNG, do .º Juízo do Tribunal de Comérciode Vª Nª de Gaia.
Autora – B………., S.R.L..
Ré – C………., S.A.
Pedido
Que seja declarada a reversão total, a favor da Autora, da marca
concedida à Ré em 5/2/01, sob o nº ……., pelo Instituto Nacional
da Propriedade Industrial, ao abrigo das disposições
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conjugadas dos artºs 226º e 34º nº2 C.P.I.Caso assim se não entenda, que seja anulada a referida marca
concedida à Ré, com base nas disposições conjugadas dos
artºs 226º e 34º nº1 al.b), 266º nº1 al.a) e 239º al.f), 317º als. a) e c)
e 266º nº1 al.b), todos do C.P.I., e ainda artº 8º da C.U.P.
Mais deve a Ré ser condenada no pagamento de uma
indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, em
valor a liquidar em execução de sentença, acrescido dos
respectivos juros de mora, desde a data da citação até integral
pagamento.
Que, em qualquer caso, seja a Ré condenada a se abster de
utilizar o sinal distintivo “B1……….” nos seus produtos, papeltimbrado, facturação ou quaisquer outros elementos utilizados
na sua actividade comercial, bem como em abster-se de
proceder ao pedido de registo como marca de sinal distintivo
de qualquer forma semelhante ou confundível com o sinaldistintivo “B1……….”.Tese da Autora
A Autora dedica-se à actividade de design, fabricação e vendade fornos eléctricos e a gás para utilização doméstica,
profissional e industrial, bem como de equipamento derefrigeração rápida e refrigeração, comercializando produtos
com a marca “B1……….”.A Ré distribuiu e vendeu esses produtos no mercado
português, recebendo, em contrapartida, comissões de vendas.A Autora requereu o registo da marca B1………. em Itália, em
19/4/99, tendo a mesma sido concedida em 23/5/02; é titular dadenominação social B………., SRL desde 19/1/89 e dosdomínios Internet “B………..it” e “B………..com”, desde 13/7/97
e 7/11/00, respectivamente. Requereu o registo da marcacomunitária nº……. B1………. – nominativa – em 11/2/03.
A Ré, em tentativa de usurpação do prestígio comercial daAutora, requereu para si o registo da marca nacional B1……….,
apresentado em 12/10/00 e concedido em 5/2/01; registoutambém a marca internacional B1………. em Espanha, França e
Inglaterra.Por via dos factos descritos, o volume de negócios da Autora
tem diminuído, a nível nacional e internacional; a nível do danonão patrimonial, existe uma efectiva diminuição da credibilidadecomercial, inclusive a nível da qualidade dos produtos
vendidos, com perda de mercado.Tese da Ré
No momento em que a licença foi atribuída à Ré, nenhum direitopossuía a Autora sobre a marca, que a Ré não utiliza em
produtos semelhantes àqueles que a Ré comercializa.Os consumidores destes produtos são especializados e
distintos, consoante os ditos produtos.Não existe violação do artº 226º C.P.I., não existe concorrência
desleal ou violação da cláusula 8ª da Convenção da União de
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Paris; não existe dano.
SentençaA Mmª Juiz “a quo” conheceu de mérito no despacho saneador
e a acção foi julgada integralmente improcedente, com aconsequente absolvição da Ré do pedido.
Conclusões do Recurso de Apelação (resenha):
I – A sentença não só ignora factos alegados pela Autora,como, perante os factos que considerou assentes, não se
pronuncia sobre a base legal do pedido de condenaçãoefectuado pela Autora.II – Tais factos podem já implicar a condenação da Ré no
pedido, uma vez que integram o disposto no artº 226º C.P.I. (asentença não se pronuncia sobre a matéria), ou, em alternativa
à oposição, permitem declarar a anulabilidade da marca (artº34º nº1 al.b) C.P.I.) ou pedir a reversão do título (artº 34º nº2
C.P.I.).III – O registo da marca é anulável quando se reconheça que o
seu titular pretende fazer concorrência desleal (artº 266º C.P.I.)ou nos termos do disposto nos artºs 266º nº1 e 239º al.f) C.P.I.,
disposições conjugadas.IV – Tem aplicação ao caso o artº 8º da Convenção de Parispara Protecção da Propriedade Industrial.
V – O pedido do registo da marca goza de prioridade, nostermos do artº 11º nº1 C.P.I.
VI – As similaridades entre os contratos de agência edistribuição são bem conhecidas e o seu regime comum – D.-L.
nº178/86 de 3 de Julho, alterado pelo D.-L. nº118/83 de 13 deAbril.VII – Encontram-se reunidos os requisitos necessários para a
reversão da marca “B1……….” em favor da Autora, ora
Apelante (ou, caso assim se não entenda, da sua anulação): a)
a prioridade da marca registada da Autora, face à prioridade doseu pedido de registo; b) são ambas as marcas destinadas a
assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade
manifesta e c) têm semelhança gráfica, figurativa e fonética queinduz facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que
compreende o risco de associação com a marca anteriormente
registada.
Em contra-alegações, a Ré pugna pela manutenção do
decidido.
Factos Julgados Provados em 1ª InstânciaA) A Autora B………., SRL, foi constituída em 19/1/89, com a
denominação social B………., SRL, denominação social que
usa, até à presente data, na sua actividade comercial, tendo porobjecto projecto, produção e comércio de equipamentos de
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electricidade e gás para uso doméstico, profissional, industrial,
além de abatedores de temperatura, instalação e aparelhos
para refrigeração.B) A Ré C………., S.A., foi constituída em 30/1/90 e tem por
objecto a importação e representação de máquinas e comércio
por grosso e a indústria de construção civil, a compra, venda erevenda de propriedades e revenda de adquiridos.
C) No decurso da sua actividade, a Autora requereu o registo
da marca B1………. em Itália, em 19/4/99, para assinalar os
seguintes produtos: fornos (com excepção dos fornosutilizados em experiências), sistemas de arrefecimento para
fornos, congeladores, equipamento de produção de calor, de
vapor, de cozedura e congelação, bem como equipamento de
ventilação, de distribuição de água e para instalaçõessanitárias.
D) Tendo a mesma sido concedida sob o nº ……, em 23/5/02.
E) Em Portugal, a Autora recorreu, entre outras sociedades, àRé como distribuidora e vendedora dos produtos B1………. no
mercado português, desde 1994.
F) A Autora requereu, em Julho de 1997 e Novembro de 2000,
respectivamente, os nomes de domínio de Internet “B………..it”e “B………..com”.
G) A Autora requereu o registo da marca comunitária nº …….
“B1……….” – nominativa – em 11/2/03, para assinalar fornos,
aparelhos, instrumentos, dispositivos e recipientes derefrigeração e de congelação, aparelhos de iluminação, de
aquecimento, de produção de calor, de cozedura e de
congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, deprodução de vapor, de cozedura, de refrigeração, de secagem,
de ventilação, de distribuição de água.
H) A Ré, sem que em momento algum informasse a Autora,
requereu para si, junto do Instituto Nacional da PropriedadeIndustrial, o registo da marca nacional B1………., em 12/10/00,
destinando-se a assinalar os seguintes produtos: fornos
eléctricos e a gás, incluindo fornos mistos, fornos de padaria e
pastelaria, fornos de convecção e abatedores de temperatura(aparelhos de arrefecimento), tendo-lhe o mesmo sido
concedido em 5/2/01, sob o nº …….. .
I) Com base no pedido de registo português, a Ré apresentouigualmente pedido de registo da marca internacional em
Espanha, França e Inglaterra, indicando a data do pedido
português como data de prioridade e fundamento para a marca
internacional, que veio a ser concedida em 5/3/01, sob o nº …….
Fundamentos
A questão substancialmente colocada pelo presente recurso é
a de conhecer do bem fundado da sentença recorrida, sob oponto de vista da totalidade da pretensão formulada, devendo,
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ainda que incidentalmente, conhecer-se da questão danulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a
decisão, e da necessidade de produção de prova no processo,
acerca de pontos da matéria de facto alegados no petitório e
ainda controvertidos.Apreciaremos tal questão de seguida.
I
Dispõe o artº 1º C.P.Ind. que a propriedade industrial
desempenha a função social de garantir a lealdade daconcorrência pela atribuição de direitos privativos.
Encontram-se, desta forma, sujeitos aos regimes jurídicos da
propriedade industrial, entre outros, as marcas. Tomando em conta o disposto no artº 224º nº1 C.P.Ind.03, a
marca pode ser definida como o sinal distintivo que serve para
identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor
(assim, Carlos Olavo, O Direito, 127º/46).A propriedade da marca não resulta do seu uso, mas do seu
registo, pois no sistema de eficácia constitutiva e atributiva do
registo, que é o nosso, prevalece o direito de quem primeiro
registou a marca, e não daquele que primeiro a usou (Ac.R.C.23/11/93 Bol.431/570).
A Autora visa, com a presente acção, impugnar o registo de
uma determinada marca, requerido junto do Instituto Nacionalda Propriedade Industrial e concedido por este organismo da
administração. O registo em referência foi apresentado em
12/10/00 e concedido em 5/2/01.
Acontece que a Autora vem impugnar o citado registo cominvocação de normas do C.P.Ind.03 - de facto, a propriedade
industrial mostrava-se regulada, à data do registo dos autos,
pelo disposto no Código publicado pelo D.-L. nº15/95 de 24 deJaneiro, diploma entretanto revogado e substituído pelo
Código publicado com o D.-L. nº36/2003 de 5 de Março.
Na exegese do disposto no artº 12º nºs 1 e 2 C.Civ., que regula
o princípio geral da aplicação das leis no tempo, fixou-se queaquilo que importa evitar, por aplicação do princípio da não
retroactividade das leis, é a valoração ex novo de factos
passados, cujos efeitos de direito se fixaram ou cristalizaram
de uma vez por todas. Daí que a lei nova se não aplique“quando a sua aplicação envolva retroactividade no sentido
preciso de retroconexão, isto é, de apreciação ex novo de
factos passados de que resulte a atribuição a esses factos deefeitos que eles não produziram” (ut Baptista Machado, Sobre a
Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, pgs, 326, 39 e 40,
cit. in Ac.R.P. 4/5/95 Col.III/198).
Tudo isto para concluir, desde logo, que a invocação feita, nosarticulados e alegações de recurso, por reporte a normas
relativas ao C.P.Ind.03, deve ser entendida como efectuada
para o Código de 95, pois que a apreciação da validade dos
títulos de propriedade industrial, por força da doutrina exposta,
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deve ser feita com base na lei em vigor à data da concessão do
registo da marca.
IINos termos do artº 169º C.P.Ind.95, “o agente ou representante
do titular de uma marca num dos países da União (refere-se a
norma à União Internacional para a Protecção da Propriedade
Industrial, criada Convenção de Paris de 20/3/1883 e suasrevisões – artº 3º nº1) pode pedir o seu registo mediante
autorização do mesmo titular”.
Acontece que resulta dos “factos provados”, de acordo com a
alegação da Autora, que, apesar de a mesma Autora ter
efectuado um pedido de registo da marca B1………. em Itália no
dia 19/4/99, ainda não era ela Autora titular da marca na data emque a Ré efectuou o pedido de registo dessa mesma marca, em
Portugal, pelo que se deve excluir liminarmente a hipótese
(para o caso dos autos) de a Autora dever ter pedido
autorização ao titular da marca, titular esse que não o era ainda.
A norma (equivalente do citado artº 226º C.P.Ind.03) não é
aplicável ao caso dos autos.
Nem igualmente ao caso é de aplicar o disposto no artº 11º nº1C.P.Ind. – se é verdade que o registo é concedido por ordem de
prioridade do respectivo requerimento, não menos certo é que
tal norma se aplica apenas aos registos efectuados em
Portugal, não tendo o alcance de disciplinar registos
requeridos em outros países.
Nos termos do artº 8º da Convenção da União de Paris, “o
nome comercial está protegido em todos os países da Uniãosem obrigação de registo, quer faça ou não parte de uma marca
de fábrica ou de comércio”.
A norma conjuga-se com o disposto no artº 2º nº1 C.U.P.,
segundo o qual, “os nacionais de cada um dos países da União
gozarão em todos os outros países da União, no que respeita à
protecção da propriedade industrial, das vantagens que as leis
respectivas concedem actualmente ou venham a conceder no
futuro aos nacionais, sem prejuízo dos direitos especialmenteprevistos na presente Convenção. Por consequência, terão a
mesma protecção que estes e o mesmo recurso legal contra
qualquer ofensa dos seus direitos, desde que observem as
condições e formalidades impostas aos nacionais”.
“A essência da tutela conferida pelo artº 8º C.U.P. consiste
assim na atribuição de um direito à identidade da designação
da empresa, que não é um direito exclusivo, nem se funda noregisto ou na prioridade do uso. O efeito do artº 8º C.U.P., para
os países que conhecem um direito privativo ao nome
comercial, por intermédio do registo, é assim o de limitar o
exclusivo que a lei interna atribui. Há que admitir a coexistência
com direitos não registados. Mas paralelamente, também os
titulares convencionais não poderão impedir que os direitos
titulados pelo registo continuem a ser usados” (Ol. Ascensão, A
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Aplicação do Artº 8º da Convenção da União de Paris nos
Países que Sujeitam a Registo o Nome Comercial, in R.O.A.
56º/469).
Daqui resulta uma “situação anómala, mas de leal
concorrência, de utilização no mesmo espaço territorial (país
de destino) de dois nomes comerciais ou firmas caracterizadas
por elementos distintivos análogos”; trata-se de umaconsequência da aplicação do artº 8º cit. (cf. Ac.S.T.J. 3/10/02
Col.III/80).
Assim, o artº 189º nº1 al.f) C.P.Ind. não era fundamento para a
recusa do registo da marca (isto é, ainda que a designação
“B1……….” contivesse firma que não pertencesse ao
requerente do registo e fosse susceptível de induzir o
consumidor em erro ou confusão), posto que nenhuma
disposição nacional impunha a recusa do registo.III
Poder-se-ia ponderar a recusa de registo, com base em
concorrência desleal - artºs 260º e 253º al.e) C.P.Ind.95.
O tipo legal do crime de concorrência desleal protege
basicamente “as normas e usos honestos de qualquer ramo de
actividade económica”, nomeadamente os “actos susceptíveis
de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, osserviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o
meio empregue” (artº 260º al.a) C.P.Ind.95).
Encontra-se hoje doutrinariamente assente que não existe
confusão ou coincidência entre a concorrência desleal e a
violação de direitos privativos. Basicamente, pode haver
concorrência desleal sem qualquer violação de direitos
privativos (neste sentido, Ol. Ascensão, Dtº Industrial - DireitoComercial – III, 1988, pg. 51).
Todavia, considerando o regime do Código de 95, a
investigação da existência, no caso concreto, de qualquer
espécie de concorrência desleal, revelar-se-ia, por um lado, um
exercício de consequências inúteis, já que não conducente à
anulação do registo e, por outro lado, a natureza constitutiva
do registo da marca mostrar-se-ia contraditória com a
imputação ao proprietário do conceito de “concorrênciadesleal”.
Desde logo, a anulação do registo não procedia da
concorrência desleal – as causas dessa anulação constavam
do disposto no artº 33º nº1 C.P.Ind.95.
É certo porém que o elenco das causas de anulação,
constantes da invocada norma, nas als. a) e b), não se
afigurava exaustivo, antes exemplificativo, daí a locução“nomeadamente”, com a qual o proémio introduzia as citadas
alíneas.
Mas há que distinguir – uma coisa é a recusa do registo, outra
coisa diferente é a declaração da sua invalidade.
A recusa de registo articula-se com a ponderação de meios
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preventivos da invalidade do registo – ut Couto Gonçalves,
Direito de Marcas, 2ªed., pg. 165. Este Autor salienta que oobjectivo da recusa por concorrência desleal tem a ver com
situações como, por exemplo, o pedido de registo de uma
marca de facto usada há mais de seis meses por um outro
concorrente ou o pedido de registo de uma marca cujo registo
houvesse já sido pedido num dos países da C.U.P. e fosse
passível da reivindicação prevista no artº 4º C-1 da C.U.P. e 12º
nº1 C.P.Ind.03.
Mas, como salienta o mesmo Autor, atenuar o sistema não podeser sinónimo da sua perversão – o titular de uma marca de
facto não pode, por via da mera invocação da concorrência
desleal, vir a possuir um direito tão forte ou mesmo mais forte
(na medida em que prevalecente) que o titular de uma marca
registada.
Estes considerandos compaginam-se, por igual, com a tradição
do direito português.Como exprimiu Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I,
1965, pg. 356 (cit. in Ac.R.P. 25/1/93 Col.I/209), “o utente da
marca não registada, desde que não concorram os
pressupostos da aplicação do artº 187º nº4, está sujeito à
contingência de ver o seu direito de uso prejudicado pelo
registo de marca idêntica ou semelhante que um terceiro venha
a fazer; feito o registo, não só o primeiro ocupante da marcafica impedido de a registar em seu nome, mas pode mesmo vir
a ser proibido para o futuro de continuar a usar aquela marca”.
Note-se que, com base nas orientações doutrinais expostas, no
regime do Código da Propriedade Industrial de 1995, alguns
arestos já negavam explicitamente a possibilidade de anulação
do registo por via da invocação da concorrência desleal – v.g.,
Ac.S.T.J. 1/2/00 Col.I/56.
O Ac.R.P. 21/1/93 Col.I/209 cit. (Carlos Matias), com base nopensamento de Ferrer Correia, aceita a noção de concorrência
desleal como meio de reagir contra uma tentativa de usurpação
de uma marca de facto, através do seu registo por terceiro,
porém já não como fundamento da anulação de um registo já
efectuado; mas, com particular interesse, acrescenta ainda a
tese doutrinal de que “não tem sentido falar em concorrência
desleal quando o registo concede a propriedade e o usoexclusivo da marca”.
Relembremos aliás a já falada natureza constitutiva do registo –
a propriedade da marca adquire-se pelo registo.
No mesmo sentido, decidiram os Acs.S.T.J. 30/10/03 e de 3/4/03
respectivamente in dgsi.pt, pº nº03B2331 e pº nº03B540, ambos
relatados por Oliveira Barros.
É certo que alguma doutrina se pronunciou já no sentido deconsiderar a orientação do Supremo (e da Relação) bastante
restritiva – neste sentido, Ol. Ascensão, Concorrência Desleal, §
255.
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Para o Autor, no entanto, torna-se muito difícil contornar o
princípio da liberdade – tudo é livre antes do registo não estar
organizado, sem prejuízo de situações muito particulares
poderem conduzir à violação de normas e usos honestos.
Como exemplo, oferece as hipóteses previstas para a tutela deinvenção não patenteada, em caso de confusão.
Também Couto Gonçalves, op. cit., pg. 166, entende que seria
de considerar inválido o registo de uma marca efectuado de má
fé, isto é, em circunstâncias particularmente graves e
chocantes, reveladoras de uma actuação consciente e
intencional do titular da marca em prejudicar terceiros.
De todo o modo, neste particular, assumem relevância algumasconstatações da decisão recorrida, que aqui sublinhamos e a
que aderimos, nomeadamente:
- não foi alegado que os produtos da Autora, comercializados
em Portugal, fossem identificados pela marca “B1……….”;
- ou que a Ré soubesse, por via das relações comerciais que
mantinha, que a Autora pretendia, desde 1999, obter registo de
marca em consonância com tal denominação.Desta forma, é de afirmar, face à alegação da Autora, em pleno,
o princípio da liberdade de registo, bem como do carácter
constitutivo deste último.
A sentença é nula quando os fundamentos se encontrem em
oposição com a decisão (artº 668º nº1 al.c) C.P.Civ.). Pelos
fundamentos aqui enunciados, torna-se claro que inexistiu
qualquer espécie de contradição no raciocínio da Mmª Juiz “aquo”.
Por outro lado, a questão posta ao tribunal é meramente
jurídico-conclusiva, inexistindo outros factos alegados pela
Autora que necessitassem de ulterior prova, em vista de uma
decisão conscienciosa.
O recurso da Autora improcede, desta forma, impondo-se a
confirmação da sentença recorrida.
A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – Nos termos do disposto no artº 12º nºs 1 e 2 C.Civ., a
apreciação da validade dos títulos de propriedade industrial em
geral, e designadamente das marcas, deve ser feita com base
na lei em vigor à data da concessão do registo da marca.II – Se o principal, em contrato de agência ou distribuição, não é
titular do direito à marca, no respectivo país de origem, pode o
agente ou distribuidor proceder ao registo da marca,
independentemente de qualquer autorização, sendo inaplicável
ao caso o disposto nos artºs 169º C.P.Ind.95 ou 226º C.P.Ind.03.
III – A essência da tutela conferida pelo artº 8º da Convenção da
União de Paris consiste na atribuição de um direito à identidade
da designação da empresa, que não é um direito exclusivo,nem se funda no registo ou na prioridade do uso, permitindo a
coexistência, em situação anómala, mas de leal concorrência,
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dos titulares convencionais com os titulares de direitos
protegidos pelo registo.
IV – No regime do C.P.I. de 95, a invocação da concorrência
desleal valia apenas como fundamento da recusa de registo
(meio preventivo da respectiva invalidade), não já como
fundamento da extinção do registo.
V – Ainda que se entendesse aplicável o Código daPropriedade Industrial de 2003, para o qual a anulação da
marca pode ter por fundamento o facto de o seu titular ter por
objectivo a concorrência desleal, se não foi alegado que os
produtos da Autora, comercializados em Portugal, fossem
identificados pela marca registada a favor da Ré ou que a Ré
soubesse, por via das relações comerciais que mantinha, que a
Autora pretendia, desde 1999, obter registo de marca emconsonância com tal denominação, a pretensão formulada não
possui viabilidade.
Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº
202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se
neste Tribunal da Relação:Julgar integralmente improcedente, por não provado, o recurso
da Autora, e, em consequência, confirmar integralmente a
sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Porto, 26 de Junho de 2007
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
José Gabriel Correia Pereira da Silva
Maria das Dores Eiró de Araújo