9
1 INTRODUÇÃO
A crescente busca por lazer em ambiente natural, caracterizado por
diversas atividades de aventura ao ar livre, causa preocupação em relação a
procedimentos adotados por muitos de seus adeptos. Considera-se, entre as
preocupações, a redução dessa vertente do lazer em bem de consumo e o uso
indiscriminado da natureza, que acaba por provocar impactos ambientais profundos.
Em incursões na natureza, seja em atividades de curta duração, seja
em expedições que duram dias, nos deparamos com áreas cada vez mais
degradadas por seus visitantes. Adeptos de atividades de aventura, quando
despreparados, ingressam no ambiente natural de forma predatória, causando
impactos ambientais dos quais, muitas vezes, não têm consciência, como: poluição
(por exemplo: visual, sonora, do ar, do solo, da água); contaminação (por exemplo:
de nascentes e do solo); perturbação local e modificação da paisagem (por exemplo:
início de processos erosivos, compactação do solo), entre outros. Os conseqüentes
problemas são muitos e esses podem ocorrer não somente por desconhecimento de
causa, mas, até mesmo com o consentimento do adepto, quando este concebe e
pratica sua atividade de lazer de forma a atender exclusivamente seus prazeres e
desejos pessoais.
Serão apontadas perspectivas da realização de atividades de
aventura que considerem suas implicações ambientais e promovam ações, se não
de recuperação direta, de mínimo impacto, que resultem em uma convivência mais
sustentável entre o adepto de atividades de aventura e o meio ambiente.
Para tanto, torna-se necessário compreender a prática do lazer sob
a forma de atividades de aventura ao ar livre e discutir interfaces do fenômeno no
contexto atual, identificando significados atribuídos a essas atividades por
10
praticantes divulgadores1, articuladas a reflexões de estudiosos do tema.
Uma das indagações geradoras desse trabalho é se, a partir de
prováveis registros de termos e expressões correntes no meio e difundidos pela
mídia2, como adrenalina, radical, liberdade, válvula de escape, entre outras, pode-se
interpretar que atitudes de seus praticantes são fundadas prioritariamente em
entendimentos que remetem a um fator compensatório do lazer, na fuga das
dificuldades e insatisfações vividas na rotina do cotidiano urbano.
Outro questionamento é se ocorre um processo de sensibilização e
aprendizagem de novos valores, por meio dessas atividades ao ar livre e de maneira
desejada e pré-planejada, que resultem em ações e relações mais harmônicas e
sustentáveis do ser humano consigo mesmo, com o meio e demais seres vivos.
Entendemos ser importante identificar em quais perspectivas as atividades de
aventura são promovidas e vivenciadas e se mudanças comportamentais são
geradas no indivíduo a partir dessa (con)vivência.
Responder a essas perguntas torna-se a base dos objetivos:
compreender a prática do lazer sob a forma de atividades de aventura ao ar livre no
contexto atual analisando, tanto o trabalho de pesquisadores do tema, como a
atividade desenvolvida por praticantes divulgadores de atividades de aventura na
natureza; e identificar os significados de tais atividades atribuídos por esse grupo de
praticantes.
O texto está dividido em duas partes, sendo que a primeira, revisão
de literatura, abarca os temas envolvidos com o fenômeno atividade de aventura e 1 Por praticantes divulgadores, nesta pesquisa, entende-se como sendo pessoas envolvidas tanto na prática de atividades de aventura ao ar livre, bem como, no processo de orientação e coordenação de atividades para grupos interessados na vivência desta perspectiva. 2 Termos como, por exemplo, adrenalina e válvula de escape, se apresentarão ao longo desse trabalho com sentido conotativo, ou seja, em entendimentos que remetem a idéias e associações, como, por exemplo, as idéias de aventura e de emoção e associações com o risco e/ou com a liberdade.
11
de interesse dessa pesquisa, como o lazer, o meio ambiente e a educação. Nossa
intenção foi unir esses temas de forma que, espontânea e linearmente e na medida
do possível, cada um deles seja apresentado, incluindo citações de autores e
estudiosos, em diálogos com o todo já apresentado e de maneira a incitar novos
assuntos e raciocínios.
A segunda parte é referente ao percurso metodológico e apresenta
os dados sobre os sujeitos que participaram da pesquisa e a análise e interpretação
dos dados obtidos.
12
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Lazer e educação em ambiente natural
O entendimento da atividade de aventura ao ar livre nesse trabalho
insere-o como conteúdo do lazer. Dessa forma, antes de qualquer outra ponderação,
devemos visualizar o tema lazer em uma perspectiva atual, concisa e que se alinhe
a esse trabalho.
Magnani (2002, s/p.) observa que o lazer “a despeito de estar
presente, de uma forma ou de outra, na vida de todos, ainda é pouco valorizado
como objeto de reflexão”:
O lazer, justamente pelo fato de ser um tema tão familiar, termina sendo alvo de considerações que raramente ultrapassam o senso comum, numa perspectiva na maioria das vezes meramente consumista (MAGNANI, 2002, s/p.).
Reflexões sobre o lazer devem ser conduzidas para o seu
entendimento como algo merecedor de atenção, seriedade e preparo.
O lazer é uma esfera da vivência fundamental e um direito
inalienável, que pode promover a dignidade humana e os desenvolvimentos pessoal
e social. Segundo Marcellino (2002), esse desenvolvimento é uma das importantes
contribuições do lazer (juntamente com o descanso e o divertimento). Porém, não
lhe é dada relevância devida, talvez pelo entendimento do aspecto desenvolvimento
inerente ao lazer ser pouco divulgado e vivenciado, em comparação com os demais.
Ou, talvez, por ser muito abrangente, dando margem a inúmeras interpretações.
Afinal, que desenvolvimento é esse que estamos abordando?
13
Trata-se do desenvolvimento pessoal e social que o lazer enseja. No teatro, no turismo, na festa, etc., estão presentes oportunidades privilegiadas, porque espontâneas, de tomada de contato, percepção e reflexão sobre as pessoas e as realidades nas quais estão inseridas [...] (MARCELLINO, 2002, p. 14).
As atividades de aventura ao ar livre podem ser vistas como
propostas de lazer na perspectiva do desenvolvimento, visando contribuir para a
formação de um ser humano integral, crítico e criativo, consciente “[...] de sua
responsabilidade para com o meio que o cerca” (DUMAZEDIER, 1980, p. 24), capaz
de participar intelectual e culturalmente da vida em grupo, num acampamento, no
bairro, no país, no planeta, vivenciando e gerando valores questionadores da ordem
social vigente, de modo a promover mudanças na sociedade como um todo.
A lógica de desenvolvimento desenfreado e de consumo exacerbado domina as atitudes do ser humano. O lazer, longe de ser “uma tábua de salvação” [...], pode contribuir para uma inversão de tais valores. Alguns valores vividos no lazer podem vir a transformar as atitudes adotadas na vida de cada um e na vida da sociedade (BAHIA, 2005, p. 40).
O lazer apresentado por Bahia (2005), em contraposição aos valores
do sistema produtivo atual, leva, naturalmente, a se pensar em educação; e em
processos ensino-aprendizagem realizados de forma fruída e prazerosa (Marcellino,
2003) e que busquem não o controle, mas a emancipação do indivíduo.
Nas palavras de Sampaio (2006), esta é uma educação que se dá
por meio da vivência consciente do lazer, compreendendo outros valores que não
sejam os de mercado e rompendo com a lógica hegemônica.
Segundo Marcellino (2002), atividades de lazer não abrangem
somente as situações de prática, uma vez que a atitude ativa independe da situação
de prática ou de consumo. Uma pessoa pode, por exemplo, participar ativamente de
uma escalada, ao fazer a segurança passiva do escalador, ou, simplesmente, ao
assistir, no contemplar de seu desenvolvimento sobre a rocha.
14
Dumazedier (1980, p. 19) considera o lazer como:
conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.
Nesta afirmação, o mesmo autor retoma as três possibilidades do
lazer: divertimento, descanso e desenvolvimento. Esse último é definido por
Dumazedier (1980) como fator de formação do indivíduo de forma desinteressada.
Marcellino (2002) reforça tal possibilidade do lazer, dizendo que
devemos levar em conta que, se o conteúdo das atividades de lazer pode ser
educativo, também a forma como são desenvolvidas abre possibilidades
pedagógicas muito grandes.
Desse modo, as atividades de aventura ao ar livre podem constituir-
se, repetindo Marcellino (2002), nessas possibilidades pedagógicas muito grandes
de educação pelo e para o lazer e, entre outros fatores, pelo caráter de experiência
vivida e catalisadora de relações concretas e afetuosas, entre o indivíduo e o meio,
que tais atividades propiciam.
As abordagens de lazer aqui adotadas podem abranger uma série
de atividades como sendo conteúdos para sua execução. Para fins de análise,
adotamos a divisão proposta por Dumazedier (1980) e complementada por
Camargo (1992) e Schwartz (2003).
Dumazedier (1980) distingue os conteúdos de acordo com as áreas
de interesse. Os conteúdos culturais do lazer são divididos em cinco áreas de
interesse: manuais (marcados pela capacidade de manipulação, seja para
transformar objetos ou materiais, seja para lidar com o meio ambiente natural);
intelectuais (a busca de novas informações reais, objetivas e racionais); sociais
15
(buscam-se relacionamentos e contato com outras pessoas); artísticos (marcados
pelas diferentes manifestações artísticas, baseadas no imaginário, nas emoções e
nos sentimentos); e os físico-esportivos (onde ocorre prevalência de movimentos ou
exercícios físicos).
Camargo (1992) e Schwartz (2003) acrescentam a esses cinco
conteúdos mais dois, respectivamente: o conteúdo turístico e o conteúdo virtual.
Dumazedier (1980) aventa o turismo como possibilidade de
lazer, porém, sem desenvolvê-lo como um conteúdo cultural, fato
realizado por Camargo (1992). O conteúdo turístico é caracterizado pela
quebra da rotina, pela busca de novas paisagens e de novos conhecimentos.
Schwartz (2003) expõe o conteúdo virtual, gerado a partir dos
avanços tecnológicos e das novas práticas propiciadas pela adesão ao ambiente
virtual, com suas especificidades.
Mesmo que em determinada atividade de lazer ocorra predominância
de um conteúdo de interesse sobre os outros, esses não devem ser separados e sim,
trabalhados de forma integrada, pois se encontram interligados.
Marcellino (2003) defende que o ideal é que cada indivíduo conheça
as atividades de lazer que satisfaçam seus interesses e que, no seu tempo
disponível, vivencie atividades que façam parte de todos os grupos de interesse,
exercitando o corpo, a imaginação, o raciocínio, a habilidade manual e o
relacionamento social, quando, onde, com quem e da maneira que quiser.
Assim, Marcellino (2003, p. 31) propõe o lazer “[...] como cultura
compreendida no seu sentido mais amplo, vivenciada (praticada ou fruída) no tempo
disponível”, e afirma que:
16
O importante, como traço definidor, é o caráter desinteressado dessa vivência, não se buscando, pelo menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação. A disponibilidade de tempo significa possibilidade de opção pela atividade prática ou contemplativa (MARCELLINO, 2003, p. 31).
Também Villaverde (2003) lembra que não devemos perder de vista
que a experiência do lazer diz respeito a uma experiência humana de grande
complexidade, sendo marcada pela fruição subjetiva, lúdica e intencional no mundo.
Define a expressão tempo conquistado como mais apropriada, porque associa:
[...] a experiência do lazer à vivência, produção e reelaboração de cultura, num espaço-tempo conquistado pelos sujeitos às imposições da vida no mundo, visando a humanidade mais plena, especialmente em suas expressões de liberdade e ludicidade (VILLAVERDE, 2003, p. 55).
Os conceitos mencionados são adequados para a finalidade deste
trabalho, uma vez que, a partir desses entendimentos, é possível compreender o
lazer em toda sua dimensão e significado sociocultural, compreendendo-o como um
direito social adquirido e do qual surgem valores questionadores da sociedade como
um todo e sobre o qual são exercidas influências da e na estrutura social vigente.
Essa qualidade inerente ao lazer propõe o repúdio às abordagens
funcionalistas3, tais como a moralista4, a utilitarista5 e a compensatória6 (Marcellino,
2002) e que sofrem grande incidência na sociedade e no lazer como atividades na
natureza.
Pimentel (2003) alerta que, no segmento turístico, por exemplo, o
3 “[...] altamente conservadora, que busca a paz social, a manutenção da ordem, instrumentalizando o lazer como recurso para o ajustamento das pessoas a uma sociedade supostamente harmoniosa, ou fator que ajuda a suportar a disciplina e as imposições sociais e a ocupar o tempo com atividades equilibradas e corretas do ponto de vista moral” (MARCELLINO, 2002, p. 48).
4 “[...] motivada pelo caráter ambíguo do lazer [...], enfatiza-o como ocasião para efetivação de valores suspeitos, negativos, perigosos, inconvenientes e desagregadores da tranqüilidade, da ordem e da segurança social” (MARCELLINO, 2002, p. 48). 5 “[...] a redução do lazer à função de recuperação da força de trabalho, ou sua reciclagem”
(MARCELLINO, 2002, p. 48).
6 “[...] o lazer compensaria a insatisfação e a alienação do trabalho e de outras esferas de atuação humana” (MARCELLINO, 2002, p. 47).
17
consumo alienado de seus produtos, concebidos como válvula de escape da
violência, do tédio, da falta de referências, do isolamento e do individualismo
exacerbado, tende a reproduzir a alienação quanto a esses e outros aspectos dos
quais se tenta fugir nas viagens. Dessa forma, o autor sugere uma educação para o
turismo que passe pelo conhecimento sobre a natureza e para a convivência na
natureza.
Consideramos o lazer na natureza como um tempo privilegiado para
a vivência de valores que, potencialmente, podem vir a educar indivíduos, criando
pessoas questionadoras da ordem social estabelecida e contribuindo para
mudanças morais e culturais necessárias para o surgimento de, dentre outras, novas
condutas ambientais.
Werneck, Stoppa e Isayama (2001, p. 104) acreditam “[...] na
possibilidade de resistir e modificar as regras do jogo, buscando vivências de lazer
mais significativas e comprometidas com a mudança da nossa sociedade”. Seguem
os autores, afirmando que:
O lazer não se restringe ao consumo alienado, proporcionado pelas oportunidades que padronizam gostos e preferências, que tratam os sujeitos como se fossem meros objetos desprovidos de histórias de vida particulares e que ignoram as questões culturais, políticas e sociais mais amplas que nos constituem (WERNECK; STOPPA; ISAYAMA, 2001, p. 104).
Ações ambientais vinculadas ao lazer, qualquer que seja seu
conteúdo, podem se tornar, contrariamente a atitudes conformistas, formas de
resistência críticas e criativas (MARCELLINO, 2003) as quais procuramos dentro de
atividades de aventura ao ar livre.
As atividades de aventura na natureza podem ser desenvolvidas
como oportunos processos educacionais que se realizam nos momentos de lazer,
mas é importante verificarmos que, para tal, há a necessidade de reflexão sobre a
18
concepção de educação que está na base desse processo e, a partir daí, moldarmos
sua relação com as atividades de lazer e o meio ambiente.
Educação assistemática e prazerosa, efetuada por livre arbítrio pelo
indivíduo e que o atinge e modifica num processo contínuo e sem fim, são
características possíveis das atividades ao ar livre como lazer.
Porém, Marcellino (2003, p. 50) atenta para o fato de que “para a
prática das atividades de lazer é necessário o aprendizado, o estímulo, a iniciação
aos conteúdos culturais [...]”. Tais pressupostos criados, por sua vez, e ainda
seguindo com o autor, possibilitam “[...] superar o conformismo pela criticidade e pela
criatividade”.
A percepção do crescimento da busca pela prática de atividades
físicas na natureza desde o século XIX, numa perspectiva de vivência de um lazer
mais próximo à natureza (RYBCZYNSKI, 2000) permite afirmar que as atividades de
aventura ao ar livre, como todas as atividades de lazer, são práticas passíveis, tanto
de um reforço da atual crise ser humano/meio ambiente, quanto de apropriado
tempo/espaço para atitudes de contestação e ressignificação. As atividades de
aventura ao ar livre, dessa forma, podem facilitar práticas educacionais e ainda
incitar novas perspectivas para o entendimento da educação.
Torna-se imprescindível catalisar elementos motivadores para que o conceito de educação não fique restrito apenas à transmissão de conhecimentos, mas aliado a este propósito, que ela possa ser, também, motivo de reconhecimento (SCHWARTZ, 2004, p. 34).
A natureza se apresenta como espaço privilegiado para ação
educativa e essa é, conforme Schwartz (2004), uma via capaz de aprimorar o
envolvimento emocional da criança e do adulto, pela facilitação do processo
expressivo, catalisador motivacional de mudanças de atitudes e condutas.
Comparativamente à relação lazer/educação, o envolvimento
19
emocional como facilitador de processos educacionais favorece também um duplo
processo (MARCELLINO, 2003, p. 59), dessa vez entre educação e natureza. A
educação na e pela natureza ou ao ar livre é rica em experiências emotivas
(aventura, risco, medo, superação), que geram mudanças no indivíduo (autonomia e
emancipação). E, na educação sobre a natureza (ou ambiental), há uma busca de
informação e compreensão sobre o meio ambiente e que, também, almeja sua
preservação. Os dois desenvolvimentos desse duplo processo educativo se
desencadeiam simultânea e interdependentemente.
Esse trabalho defende uma educação na e pela natureza, que venha
a sobrepujar imposições do sistema dominante vigente, que se fortalece ao gerar
sociedades numerosas, fragmentadas e apegadas ao consumo impensado e
condutas individualizantes essencialmente competitivas. A natureza perde muito com
isso. E, não nos esqueçamos: também somos natureza. E sendo natureza, defende-
se, também, uma educação contrária a imposições, porém sensível, porque o ser
humano “[...] só consegue preservar as idéias que são úteis e significativas de
alguma forma, como aquelas que possuem caráter lúdico e afetivo, as quais
estimulam a incorporação da natureza como parte de si próprio” (SCHWARTZ, 2001,
p. 53).
Marinho vislumbra uma nova realidade por meio do “[...] estar na e
com a natureza, nos dias atuais, conforme novos códigos e comportamentos [...]”
alinhados aos defendidos por esse trabalho, e com os quais “[...] se busca construir
uma nova realidade, desistindo da lógica dominante das coisas, arriscando um ritmo
menos veloz, tornando-se criativo e contribuindo para a construção de uma outra
história” (MARINHO, 2004, p. 6).
Os dizeres da autora corroboram a defesa do lazer em ambiente
20
natural como meio propício e oportuno, além de privilegiado, para o aprendizado de
formas renovadoras de convívio do ser humano com o planeta. Formas renovadoras
que rompam e que desistam da lógica dominante das coisas. Apoiados nessas
afirmações, nós entendemos que, para lidar com as questões ambientais, devemos
vivenciar o mundo de uma forma diferente do imposto pela lógica vigente.
2.2 Mudanças de percepção: a compreensão sistêmica e a ecologia profunda
Torna-se urgente o “resgate de valores esquecidos e criação de
outros”, numa “busca de reeducação da sociedade humana” (DIAS, 2004, p. 95).
Enfim, é preciso deixar de lado pensamentos fragmentários7, pensamentos
dualistas8 e pensamentos simplistas9 e, contrariamente a esses, é preciso entender
a complexidade existente em toda e qualquer forma de relação, é preciso entender a
compreensão sistêmica como oportuna e necessária para o “redirecionamento da
conduta humana” (DIAS, 2004, p. 95) e, por meio dessa compreensão, lidar
coerentemente com as questões ambientais.
Moreira (2000, p. 206) afirma que a complexidade sistêmica é uma
visão a criar “uma educação cujo valor maior é o humano, em suas relações com
outros seres e em sua interação com o ambiente”. E segue:
7 Pensamentos que dividem, mas não reúnem. 8 Pensamentos que separam em extremos, por exemplo, o ser humano da natureza e cria desigualdades. 9 Pensamentos que furtam raciocínios mais amplos e a noção de união entre tudo e todos.
21
Essa educação, necessariamente, utilizará uma linguagem dialética, buscando o conhecimento mais na interpretação dos fenômenos do que na explicação dos fatos, propiciando critérios de avaliação discente calcados mais em aspectos qualitativos de percepção, intersubjetividade e sensibilidade do que em marcas quantitativas, onde a investigação, sem perder o rigor e a radicalidade, será contextualizada (MOREIRA, 2000, p. 206).
O autor se aproxima ainda mais do entendimento do lazer nas
vivências na natureza como proposta a criar elementos propícios à educação, ao
afirmar que “a educação, por esse novo paradigma, quanto mais estudar o mundo
vivo, mais aperceberá a tendência da criação de vínculos, de associação, da
vivência em cooperação, características fundamentais dos organismos vivos” e,
tomando como base pareceres da teoria sistêmica, conclui Moreira, ao dizer que
“assim, competição e mútua dependência acabam se combinando, estabelecendo
um equilíbrio” (MOREIRA, 2000, p. 206).
Ao contrário dos raciocínios que distanciam o entendimento dos
problemas ambientais de outras dimensões humanas, como as sociais, as políticas e
as técnicas, o pensamento sistêmico vem a interligá-las complementarmente,
reunindo conhecimentos que outrora foram fragmentados e que acabaram por
dominar nosso jeito de entender o mundo. Dessa forma, é primordial, se quisermos
alcançar verdadeiras soluções para as questões ambientais, compreender essas
dentro de um campo relacional com a vida, um todo integrado, onde todas as partes
se comunicam entre si e com a totalidade (MORIN, 1977).
Capra (1996, p. 46) fundamentou a teoria sistêmica e discorre sobre
a proximidade entre essa abordagem e as questões ambientais:
A ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio da análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior [...].
A visualização de Capra (aceita por Morin, Dias e Moreira, entre
22
outros) defende a compreensão de sistemas por meio da observação e interpretação
de suas interações, por meio, também, do entendimento das conexões entre as
partes. Torna-se importante não entender os sistemas, os seres vivos, como objetos
estanques e auto-suficientes, mas como um conjunto indivisível cujas partes são
interdependentes e que ações isoladas influenciam o todo, dialeticamente. A
abordagem sistêmica torna relevante como elementos de observação e para uma
compreensão coerente do mundo, as conexões, físicas ou não, diretas e indiretas
entre os organismos e sistemas.
[...] Desse modo, o pensamento sistêmico é pensamento contextual, e uma vez que explicar coisas considerando o seu contexto significa explicá-las considerando o seu meio ambiente, também podemos dizer que todo pensamento sistêmico é pensamento ambientalista (CAPRA, 1996, p. 46).
É fato que, nos noticiários diários, e com freqüência crescente, o
mundo se depara com informes sobre desastres e destruição ambientais, como
inundações, secas, incêndios florestais e desmatamentos ilegais e com a mesma
freqüência são informadas calamidades sociais, como a fome e a desnutrição, a
epidemia de doenças, a violência urbana, a guerra. É necessário se entender que as
notícias são apresentadas separadamente para melhor compreensão, mas que há
inter-relação entre as mesmas.
Dias (2004, p. 94) afirma que a crise ambiental, e, também, a social
e a econômica, entre outras, “são meros sintomas de uma crise mais profunda, cujas
raízes se encontram na perda e aquisição de novos valores humanos e na carência
de ética”.
A crise ambiental de nossa história atual, interligada a outras crises,
é apenas um de tantos fragmentos de um fenômeno maior chamado por Capra
(1982, p. 13) de crise de percepção. O autor afirma que esse fenômeno se
apresenta com diferentes facetas como, por exemplo: “taxas elevadas de inflação e
23
desemprego, [...] crise energética, crise na assistência à saúde, poluição e outros
desastres ambientais, uma onda crescente de violência e crimes, e assim por
diante”.
A denominada crise de percepção é decorrente de raciocínios que
dividiu o mundo e o conhecimento em áreas, separou sistemas interligados e, em
última instância, reduziu o raciocínio, a compreensão e a percepção das conexões
entre tudo e todos. Como exemplos de resultados dessa falta de entendimento
sistêmico há o “[...] aumento da desigualdade e da exclusão social, [...] uma
deterioração mais rápida e extensa do ambiente natural e uma pobreza e alienação
cada vez maiores. O novo capitalismo global [...] procurou transformar a diversidade
em monocultura, a ecologia em engenharia e a própria vida numa mercadoria
(CAPRA, 2002, p. 217)”.
Na lógica do consumo, os prejuízos não-financeiros não são levados
em conta pelos economistas. Capra (2002) afirma que a maior parte dos
economistas convencionais ignorou o custo ambiental da nova economia. O
aumento e a aceleração da destruição do meio ambiente natural no mundo inteiro é
tão grave quanto, senão mais grave, do que os efeitos sociais.
As conseqüências produzidas pela (rel)ação predatória do ser
humano perante o meio ambiente ao redor do mundo são pesquisadas,
documentadas e discutidas intensamente pelas mais diversas áreas de interesse,
que, por sua vez, se utilizam também das mais diferentes mídias para a divulgação
de resultados e análises, demonstrando o caráter ainda predominantemente
denunciatório e acusatório com que as questões ambientais são tratadas.
Dias (2004) exemplifica o fato quando recorda o Alerta dos Cientistas
do Mundo à Sociedade, publicado em Washington, DC, pela Union of Concerned
24
Scientists em novembro de 1992, e assinado por 1.600 cientistas, incluindo 101
laureados com o Prêmio Nobel, isto é, a maioria dos ganhadores vivos do Prêmio
Nobel, na área científica. O documento, já na última década do século passado e
amparado por inúmeras pesquisas, alertava para a necessidade de mudança na
nossa forma de viver “para se evitar grande sofrimento humano e a mutilação
irreversível do nosso lar global“ (DIAS, 2004, p. 380).
Denúncias e alertas são importantes e necessários, mas esses
devem ser encarados como justificativas inerentes a um processo de mudança, por
meio de atitudes e ações para o avanço de nossos comportamentos, assim como,
avançamos nas últimas décadas em relação à chamada consciência ecológica, ou,
pelo menos, em relação ao discurso ecológico. Pelo exemplo dado anteriormente,
vemos que somente estar a par dos problemas atuais, e nada fazer em relação a
eles, não basta. Tal conhecimento deve demandar reflexão e abertura para novos
raciocínios a serem colocados em prática, cotidianamente.
Não temos a intenção de personificar o inimigo a ser eliminado e,
tampouco, repetindo um dualismo cartesiano ingênuo, promover um suposto
extremo oposto aparentemente benéfico. Verdades extremistas agem contra a
criação de propostas de equilíbrio entre o que é idealizado e o concreto.
Pretendemos, apenas, relembrar que há flexibilidade em nosso
modo de pensar e agir, de que não precisamos estar presos em todo momento ao
pensamento fragmentário e dualista dominante que nos diferenciou e nos afastou da
natureza e coisificou10 a felicidade humana. O ambientalista e educador Joseph
10 Evidencia-se, na atualidade, a procura pela felicidade por meio da aquisição e acúmulo de bens e serviços, e não mais nos elementos intrínsecos ao indivíduo e suas relações, como a paz, a amizade e o conhecimento.
25
Cornell11 argumenta que:
As pessoas definitivamente estão divorciadas da natureza. Os conservacionistas [...] dizem que não é a questão de cuidar do rio, mas dos corações humanos. Todos somos parte de um mesmo todo. É realmente uma questão de mudança de consciência que trará uma mudança de percepção que mudará o nosso comportamento.
Afinal, por que novas condutas são necessárias? O que há de tão
negativo em nossas percepções de mundo? Por que mudanças de consciência e
percepção são exigidas?
Porque, segundo Dias (2004, p. 95), “os modelos de
desenvolvimento vigentes, impostos e suas influências nos sistemas políticos, de
educação e informação, em quase todo o mundo, legaram-nos uma situação sócio-
ambiental insustentável”.
Ainda seguindo com o autor, vários são os sintomas que motivam
mudanças de consciência e percepção: padrões de consumo insustentáveis;
excessivo crescimento populacional de sociedades cada vez mais injustas, desiguais
e insensíveis; colapso de ética e de valores humanísticos, permitindo o crescimento
da corrupção e da desigualdade social.
Padrões de consumo insustentáveis e o colapso de ética e de
valores fazem Baudrillard (1991) afirmar que:
À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objetos, dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de mutação fundamental na ecologia da espécie humana (BAUDRILLARD, 1991, p. 15).
O crescimento desenfreado do consumo está exercendo uma
pressão sem precedentes sobre o ambiente, ameaçando duplamente os que menos
11 Entrevista concedida por Joseph Cornell ao Programa Repórter Eco da TV Cultura, em 04/02/2007. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/reportereco/materia.asp?materiaid=542>. Joseph Cornell é um dos mais respeitados educadores naturalistas do mundo. Seus métodos conduzem as pessoas a estados de concentração que proporcionam experiências profundas com o mundo natural. Disponível em: <http://www.institutoroma.com.br/>.
26
consomem, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(ONU - PNUD, 1998), além de criar uma inversão de valores: a vida do indivíduo
sofre influência, mais pelo que este tem ou não tem materialmente (ou pelo que
aparenta ter ou não ter) e menos pelo que ele é.
A distribuição desigual da renda traduz-se em exclusão social quando o sistema de valores de uma sociedade confere demasiada importância ao que uma pessoa possui, desvalorizando o que uma pessoa pode fazer. Um adolescente que não use um par de sapatos de marca pode sentir-se envergonhado perante os seus colegas de escola (ONU - PNUD, 1998, s/n).
A falsa sensação de infinitude dos recursos do planeta acarreta
problemas correlacionados, apesar da crise de percepção também dificultar mais
esse raciocínio. Apesar de esforços em contrapor tais problemas, aparentemente os
mesmos tendem a se agravar, visto que nós totalizamos hoje mais de 6,5 bilhões de
pessoas habitando a Terra (entende-se: consumidores do planeta), e com
perspectiva de chegarmos a 10 bilhões de habitantes em 2050, conforme números
da Organização das Nações Unidas (ONU, 2005, s/n).
As reações ambientalistas aos ataques à natureza que produzem
prejuízos sociais, em cujo cerne ainda se mantém a percepção antropocêntrica,
foram classificadas pelo filósofo Naess (1989) de ecologia rasa ou superficial.
Ecologia definida como rasa porque, dentro desse raciocínio, conscientemente, o
indivíduo valoriza a natureza, porém, inconscientemente, o que realmente se procura
é a manutenção da própria qualidade de vida (ou da de seus descendentes), ou
seja, prevalece o antropocentrismo e o individualismo.
Exemplifica a ecologia rasa, Aveline (1999, p. 5):
Ao nível superficial, o homem coloca-se como centro do mundo e quer preservar os rios, o oceano, as florestas e o solo porque são instrumentos do seu próprio bem-estar. Quando olha para o meio ambiente com esta preocupação, o homem só enxerga os seus próprios interesses, já que, inconscientemente, se considera a coisa mais importante que há no universo.
27
O autor identifica na ecologia rasa, a separação da humanidade do
mundo natural e a criação de uma relação de domínio/submissão. O ser humano
regido pela ecologia rasa:
[...] olha a árvore e vê madeira. Olha o solo e vê o potencial agrícola ou a possível exploração de minérios. Olha o rio e vê um curso d’água navegável por barcos de determinado porte. Ele sabe que deve preservar os chamados recursos naturais, porque são preciosos. A natureza para ele é um grande cofre, abarrotado de riquezas renováveis, mas que deve ser cuidadosamente preservado (AVELINE, 1999, p. 5).
Propostas de soluções para os desequilíbrios ambientais sem
mudanças de percepções, ou seja, mantendo-se a postura antropocêntrica e
individualista regidas pela lógica de produção e consumo, demandam muito esforço
e apresentam grande risco de terem seus objetivos não cumpridos. Ações em
andamento, inseridas em raciocínios da ecologia rasa, são fundamentalmente
paliativas, de amenização, de desaceleração, de compensação ambiental aos
malefícios impostos à natureza, quando não são ações de puro marketing.
A crise ambiental pela qual passamos não deve ser vista como
objetivo final da lógica de mercado em si (o que seria uma lógica auto-destrutiva),
mas sim, como um subproduto indesejado, o conflito entre o modo de pensar gerado
pela mesma e pensamentos, como a complexidade sistêmica, antagônicos
renovadores.
A crise é fundamentalmente um momento de ruptura, uma mudança
de uma situação para outra(s), ou mudança de um modo de ver o mundo para
outro(s). A crise é momento propício para mudanças paradigmáticas. Ao relembrar o
historiador Thomas Kuhn, na defesa da complexidade sistêmica como alternativa a
sobrepujar nossa crise de percepção, Capra (1996) define um paradigma científico
como:
28
Uma constelação de realizações – concepções, valores, técnicas, etc. – compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por essa comunidade para definir problemas e soluções legítimos. Mudanças de paradigmas ocorrem sob a forma de rupturas descontínuas e revolucionárias (CAPRA, 1996, p. 24).
Obstante a distância das discussões acadêmicas da comunidade
científica, Barros (2000) nos dá um exemplo de como mudanças paradigmáticas
evoluem próximas a nós, em nosso cotidiano, quando afirma que a perpetuação da
biodiversidade é um dos componentes fundamentais de um novo paradigma da
sociedade contemporânea, internacionalmente conhecido por desenvolvimento
sustentável.
Outros valores que, colocados em prática, podem vir a atenuar os
problemas causados pela nossa crise de percepção foram concebidos por Naess
(1989, p. 3), que propõe contrapor a visão da ecologia rasa hoje disseminada, “[...]
utilizando conceitos básicos da ciência da ecologia – como, por exemplo,
complexidade, diversidade, e simbiose – para a compreensão da posição de nossa
espécie na natureza [...]”. Naess, baseado em estudos inseridos no que definiu com
ecofilosofia, concebeu um novo paradigma ou, simplesmente, uma diferente
percepção do mundo: a ecologia profunda.
Em linhas gerais, a ecologia profunda reivindica um novo
relacionamento entre ser humano e meio ambiente: a passagem da relação dual
dominador/dominado para o convívio harmonioso. A natureza deixaria de ter
importância apenas por ser aceita como recurso a ser consumido, mas pelo valor
intrínseco à sua existência e essa valorização seria igualitária entre as diferentes
espécies. O ser humano, enfim, se reencontraria como natureza.
Juntamente com abordagens da complexidade sistêmica, novas
percepções surgiriam como prática a partir dessa relação de harmonia, valorização e
igualdade da natureza, defendidas pela ecologia profunda, como, por exemplo, a
29
consciência de que o planeta é limitado.
Dessa forma, hábitos e vontades consumistas seriam deixados de
lado e trocados pela conduta de utilização do necessário; a percepção de que a
auto-realização deve sobrepor objetivos materiais; entre outras novas formas de agir.
Este nível da consciência ecológica tem importância, porque faz com que os seres humanos questionem seu comportamento econômico e comecem a perceber mais claramente que a ética, afinal, dá bons resultados. A postura mais primitiva, de mera pilhagem, vem sendo deixada de lado em grande parte da economia (AVELINE, 1999, p. 6).
A vida e obra do norte-americano Thoreau é um exemplo a destacar,
como postura alinhada, com inconteste radicalismo, aos pensamentos da ecologia
profunda. Inicialmente, chama a atenção pela época em que o autor viveu, no século
XIX, mais precisamente entre 1817 a 1862. Após se formar em Harvard, Thoreau
decidiu se distanciar dos valores e modo de organização social que o rodeava.
Resolveu construir sozinho em um bosque, um pequeno chalé próximo a um lago de
nome Walden. Viveu ali isolado por dois anos e suas experiências deram origem à
obra Walden (CABRAL, 2001).
Na introdução da versão traduzida para o português, Cabral (2001)
relata que na época de Thoreau, quando mal começava a destruição da natureza,
“[...] ele se deu conta da ameaça que significa para os valores humanos a sociedade
materialista, e de modo enérgico protestou contra seus aspectos negativos
sugerindo soluções” (CABRAL, 2001, p. 11).
Assim, segue Cabral, num movimento revés, a doutrina pragmática
de Thoreau orienta-se no sentido da economia, do anticonsumismo, numa
expressão mais moderna:
30
A redução das necessidades ao estritamente essencial acarreta uma libertação para o homem dos detalhes que estilhaçam sua vida, do perigo de se tornar seu próprio capataz. “Por que teríamos de viver com tanta pressa, esbanjando a vida? Decidimos morrer de fome antes de sentir fome”. Para contrabalançar a incessante ansiedade e tensão da vida civilizada, Thoreau apela para a simplicidade, uma volta decisiva ao fundamental, uma vida o quanto possível livre e descompromissada (CABRAL, 2001, p. 11.).
Radicalismos à parte, as reflexões de Thoreau dão provas de que os
problemas ambientais enfrentados hoje não são recentes como possam parecer, já
vem de longa data. E, longe de incentivar um retorno à vida nas cavernas, busca-se,
ao relatar essa passagem, apresentar paralelos com pensamentos ambientalistas
atuais e também da ecologia profunda e com as vivências e os aprendizados
proporcionados pelas atividades ao ar livre que reivindicamos. São atividades de
lazer em essência, imersões na natureza propícias ao resgate da “simplicidade, de
uma volta decisiva ao fundamental, de uma vida o quanto possível livre e
descompromissada”, defendida por Thoreau há quase dois séculos atrás.
2.3 Atividades de aventura ao ar livre: aulas em unidades de conservação
Os avisos de Thoreau parecem não ter surtido efeito. O uso e o
abuso do meio ambiente, por parte do ser humano, causam grandes malefícios para
ambas as partes, muitas vezes, tendo como justificativa o chamado
desenvolvimento.
A década de 60 começava, exibindo ao mundo as conseqüências do modelo de desenvolvimento econômico adotado pelos países ricos, traduzido em níveis crescentes de poluição atmosférica nos grandes centros urbanos [...]; em rios envenenados por despejos industriais [...]; em perda da cobertura vegetal da terra, ocasionando erosão, perda da fertilidade do solo, assoreamento dos rios, inundações e pressões crescentes sobre a biodiversidade (DIAS, 2004, p. 77).
Formas alternativas de convívio entre o ser humano e o planeta se
31
mostram necessárias para uma reversão do quadro. Capra (1996, p. 158) sugere
que: “[...] a maneira apropriada de nos aproximarmos da natureza para aprender
acerca da sua complexidade e da sua beleza não é por meio da dominação e do
controle, mas sim, por meio do respeito, da cooperação e do diálogo”.
Se ainda há muito a se caminhar em busca do convívio igualitário e
harmonioso ser humano/meio ambiente calcado em pensamentos não-
antropocêntricos, por outro lado (e, de certa forma, ironicamente), foi a importância
estética e a oportunidade de usufruto de determinadas áreas naturais, consideradas
ilhas de beleza, que garantiu a proteção das primeiras regiões delimitadas com fins à
conservação (COSTA, 2002, p.15).
O advento das unidades de conservação é uma das estratégias que
contribui para a perpetuação das áreas naturais. Essas áreas “são importantes
patrimônios da sociedade, como lugar de lazer, recreação e que também podem, e
devem, ter um relevante papel no exercício de cidadania” (BARROS, 2000, p. 106).
No Brasil, o conjunto de Unidades de Conservação (UCs) ostenta
normatizações recentes para sua criação, implantação e gestão: o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC). Seu artigo 2º as define como:
Espaço territorial [...] com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, p. 1).
O documento, em seu artigo 8º, divide as UCs em dois grupos com
características específicas: as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso
Sustentável. Encontram-se no primeiro grupo: Estação Ecológica; Reserva Biológica;
Parque Nacional; Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. No segundo
grupo: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta
Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento
32
Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
Entre os objetivos do SNUC, elencados em seu artigo 4º, destaca-se
o inciso XIII: “favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental,
a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico”. E, entre as diretrizes
pelas quais é regido o SNUC, no artigo 5º, destaca-se o inciso IV:
Busquem o apoio e a cooperação de organizações não-governamentais, organizações privadas e pessoas físicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas, práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras atividades de gestão das unidades de conservação (BRASIL, 2000, p. 3).
A menção da íntima relação das atividades ao ar livre com o lazer,
com a educação, com o turismo (ou, mais especificamente, com o turismo ecológico
ou ecoturismo) e com ações de conservação das áreas naturais, anteriormente
citadas, é também exemplo de que devemos entender o mundo de modo sistêmico,
se estamos em busca de ações ambientais nas atividades de aventura ao ar livre.
Soluções para problemas ambientais podem ser pensadas por diferentes áreas –
turismo, educação física, biologia, geologia, ecologia, educação, entre outras – que
coabitam o mesmo equipamento, ou seja, as áreas naturais representadas pelas
unidades de conservação. Dessa forma, a interdisciplinaridade é recorrente nas
atividades de aventura ao ar livre e os objetivos de desenvolvimento individual,
social e ambiental (enfim, a criação de um mundo melhor, que valorize a vida de
todos os seus habitantes, numa visão da ecologia profunda) são alguns dos elos
entre as diversas áreas de conhecimento.
Obstante a interdisciplinaridade característica de qualquer vivência
na natureza, a procura pelas atividades de aventura ao ar livre, como propostas de
cunho educativo, ainda possui um viés de lazer a satisfazer desejos pontuais, como
consumo rápido de fim-de-semana a compensar a insatisfação e a alienação do
33
trabalho e da rotina diária. Rybczynski (2000, p. 24) exemplifica o fato quando afirma
possuir:
[...] muitos conhecidos que parecem considerar as atividades de fim-de-semana mais importantes do que as cotidianas e agem como se a semana fosse apenas uma irritante interferência nas suas verdadeiras vidas, longe das obrigações.
Pela sua característica de compensar as agruras diárias, somada à
sua conotação de risco, intensidade, prazer, emoção e contato direto, a exemplo de
outros segmentos (e modismos) nessa era de contatos e relacionamentos cada vez
mais virtuais e impessoais, a recente expansão das chamadas atividades de
aventura ao ar livre no Brasil, encontrou seguidores ávidos por novas experiências
antes mesmo de criada uma cultura dentro da área. Relata-nos Rodrigo Bastos12, da
Outward Bound Brasil (OBB)13, que “hoje a oferta de cursos e as possibilidades que
a Internet oferece, ajudam muito quem quer começar ou quem pratica e quer
melhorar”, porém:
A única coisa que atrapalhou foi a excessiva mercantilização antes da formação de uma cultura sólida compartilhada por muitos praticantes. Essa mercantilização sem a cultura abriu portas para muita gente sem capacidade técnica ganhar dinheiro e, pior, disseminar uma idéia de que sem prestadores de serviço as atividades ao ar livre não existiriam (informação verbal)14.
O depoimento demonstra um dos lados perversos do significativo
crescimento da procura por atividades de aventura ao ar livre: o interesse pelos
12 Rodrigo Bastos é formado em Engenharia de Materiais pela POLI/USP, trabalhou por 5 anos com desenvolvimento de produtos em uma indústria. Apaixonado pela vida ao ar livre desde garoto, inicialmente com o campismo, depois com o escotismo. Em 1994 começou a escalar e fazer travessias, mas só resolveu mudar de carreira ao fazer o Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre (FEAL), em 2004. Está completando uma especialização em Educação Democrática e hoje é coordenador da Outward Bound Brasil para cursos abertos, escolas e programas de ação social. Disponível em: http://www.obb.org.br/OBB/i_escritorio.asp 13 A Outward Bound é uma organização educacional, sem fins lucrativos. Pioneira mundial em educação experiencial ao ar livre. Presente em mais de 30 países e com mais de 65 anos de história, atua no desenvolvimento humano de jovens e adultos, despertando valores como confiança, espírito cooperativo, liderança e responsabilidade pessoal, social e ambiental. Desde 2000, a Outward Bound Brasil oferece cursos voltados a públicos diversos como executivos, educadores, estudantes, jovens carentes ou em situação de risco social. Disponível em: http://www.obb.org.br/OBB/default.asp
14 Depoimento informal de Rodrigo Bastos ao entrevistador, em São Paulo, SP, Brasil, em 1 jul. 2008.
34
ambientes naturais como equipamentos a serem explorados comercialmente por
empreendedores com pouca experiência e capacitação para articular ações que
sejam, no mínimo, seguras, tanto para os indivíduos que ingressam na natureza,
quanto para o meio visitado.
Barros e Dines (2000, p. 47) observam que “o advento do
ecoturismo no Brasil coincide com a emergência das questões ambientais [...] no
início dos anos 80”. Os autores afirmam, ainda, que as primeiras iniciativas foram
empreendidas por grupos de ecologistas, ao perceberem que a popularização das
questões ambientais criava uma nova demanda para as incursões em ambientes
naturais.
Apesar da crescente atenção dada às questões ambientais poder
ser relacionada e ter incentivado as visitações à natureza, outro aspecto que
pesquisadores suscitam, ao discorrer sobre essas incursões, é que muitos
empreendedores, turistas e atletas que adentram o meio natural, o fazem ainda
despreparados, agindo sem a mínima responsabilidade ambiental.
Atividades inseridas como propostas de consumo pressionam a
natureza, como exemplifica Marinho (2003), ao citar as corridas de aventura, quando
seus praticantes “[...] reduzem o ambiente natural a um cenário teatral [...]” e que:
[...] o marketing, ao trabalhar com o imaginário das pessoas, rotula a natureza de mito e este, por sua vez, ao ser devidamente tomado pelo mercado, ilustra a exacerbada estetização do consumo de nossos dias. [...]. As atividades de aventura, por fim, como práticas de lazer, igualmente se transformam em mercadoria, assim como as paisagens (MARINHO, 2003, p. 21).
A mesma autora afirma que “as almejadas sensações de adrenalina,
de riscos extremos e radicais parecem ter forte relação com a popularização dos
termos, desencadeada, principalmente, pela mídia” (MARINHO, 2003, p. 14). Essa
popularização de expressões, de sentido conotativo e usadas pela mídia em
35
substituição a vivências de fortes emoções, também ligadas às atividades de
aventura ao ar livre, suscitam o fator compensatório do lazer, na necessidade do
indivíduo de abstrair as dificuldades e insatisfações da rotina do cotidiano.
Mendonça (2000, p. 137) afirma que as visitas ecoturísticas hoje
praticadas revelam um desperdício de oportunidade e, muitas vezes, são altamente
impactantes aos ambientes visitados, porque elas “[...] obedecem ao mesmo ritmo
urbano, os interesses estão no final da linha, nos chamados atrativos, e não na
experiência em si, não no caminho”.
Essa reprodução do “ritmo urbano” no ambiente natural vem ao
encontro da crítica de Guattari (1990, p. 8): “o turismo [...] se resume quase sempre
a uma viagem sem sair do lugar, no seio das mesmas redundâncias de imagens e
de comportamento”.
Serrano (2000, p. 18) coloca o fato de que a busca do equilíbrio
entre a prática e impactos causados por praticantes de atividades em áreas naturais
deve considerar o modo de agir de uma sociedade, de nossa sociedade:
Se a mediação do mercado para o ecoturismo e a educação ambiental pode ser vista como algo que invalida os esforços na constituição de uma conduta ‘ambientalmente correta’, por parte de seus praticantes, é impossível negar que não há um modo de se estar no mundo hoje que dispense algum grau de consumo – mais ou menos impactante.
Esse é um aparente e inevitável paradoxo: como agir, num primeiro
momento, num mundo regido pela lógica de consumo, sem que nossas ações
deixem de causar impactos ambientais ao que nos rodeia?
Se impactos ambientais são inevitáveis quando de nosso ingresso
na natureza, devemos constituir e nos regrar em condutas que minimizem esses
impactos ao máximo. Os valores da ecologia profunda mais raciocínios
desencadeados por percepções da abordagem sistêmica podem vir a constituir tais
36
condutas de mínimo impacto, não restritas aos momentos de lazer em ambientes
naturais, mas que se ampliam para nossos compromissos diários.
Nos dizeres de Serrano (2000, p. 17), “procurar a natureza para lazer,
descanso e relaxamento [...], não deve servir para que esqueçamos o humano que
marca nosso cotidiano, mas para que reflitamos sobre ele”.
Mendonça (2000, p. 136) acrescenta que não devemos esquecer do
humano e demais seres com quem convivemos, numa aproximação da teoria
sistêmica e da ecologia profunda:
As áreas naturais hoje existentes podem ajudar-nos a perceber quem somos e para que estamos aqui, permitir que seja desenvolvida a consciência de que fazemos parte daquele conjunto, mesmo estando esquecidos disso em nossos ambientes e afazeres urbanos. Podem, por fim, permitir que conheçamos a nós mesmos.
Seguindo com Mendonça (2000, p. 136), a autora afirma que nos
vemos na iminência de perder os espaços naturais e a intimidade que com eles
tínhamos. Acredita que quando “visitamos os espaços naturais impregnados de nossa
cultura de dominação e consumo e de nossa vivência urbana”, deixamos poucas
possibilidades de expressar os potenciais de nossos órgãos dos sentidos e de nossos
sentimentos.
Não há, em incursões que reproduzem em ambientes naturais as
mesmas condutas do ambiente urbano, possibilidades de práticas para sensibilização
ou novas formas de compreensão do meio. Dessa maneira, para se evitar a completa
separação ser humano/natureza, torna-se importante levar nossos semelhantes às
unidades de conservação, em contatos separados, desvinculados de pensamentos ou
condutas de subjugação da natureza. Devemos todos nos reencontrar com o meio
natural e conosco mesmos.
Esse reencontro, nos dizeres de Schwartz (2002, p. 161), “[...] que
permite uma íntima exploração da própria pessoa, da situação e das vivências, com a
37
perspectiva de interiorização posterior dessas sensações no cotidiano”. O contato com
o ambiente natural, quando isento de perspectivas de dominação ou consumo,
sensibiliza o indivíduo e o resgata como parte da natureza, gerando mudanças de
condutas mesmo em ambiente urbano.
Delineiam-se formas extremas de visitações à natureza. Formas que
vão do contato reprodutor dos valores de dominação e consumo para contatos
totalmente desvinculados desses valores e mais receptivos a novas propostas de
reconciliação ser humano/natureza.
A distinção de visitações tão diversas entre si é elaborada por Kinker
(2002). A autora sugere que imaginemos uma linha contínua, na qual em um extremo
está a pouca responsabilidade do visitante em relação ao meio ambiente natural.
Nesse ponto, qualquer tipo de turismo causará grande impacto. No outro extremo, o
visitante tem uma grande responsabilidade para com o meio ambiente, respeitando a
natureza e aprendendo com as culturas diferentes da sua. Nesse ponto, é gerado
impacto mínimo e o esforço para a conservação do ambiente.
Especificamente dentro do grupo de praticantes de atividades de
aventura, Mascarenhas (2003, p. 92) visualiza essa mesma linha de atitudes extremas
e dois grupos distintos de praticantes: os que privilegiam a aventura e/ou a competição
esportiva, e aqueles que priorizam o contato profundo e respeitoso com a natureza.
O autor (MASCARENHAS, 2003, p. 92) afirma que “o primeiro grupo
valoriza a adrenalina, os feitos atléticos e o grau de sofisticação dos equipamentos
utilizados”, que “priorizam a competição” e tomam “a natureza como divertido palco
para suas peripécias esportivas, terreno repleto de emoções, desafios, incertezas”,
enquanto, do segundo grupo, fazem parte aqueles que buscam “conhecimento e
contemplação do meio ambiente”.
38
Mendonça (2000), Kinker (2002) e Mascarenhas (2003) amparam a
visualização de perspectivas diversas e conflitantes entre os visitantes de áreas
naturais, que se distinguem pelo grau de interação desses com a natureza. Visitas
que possuem viés compensatório se baseiam na reprodução, em ambiente natural,
da cultura de consumo e modismos criados em meio urbano. Por outro lado,
visitações com interesses mais integrativos valorizam a conservação da natureza e
procuram se conduzir por ações de mínimo impacto ambiental, aprendidas em novas
experimentações sensoriais e sentimentais com o meio e consigo próprio.
Em relação aos interesses do último grupo, Villaverde (2003, p. 67)
diz que o que parece evidenciar-se nas vivências das atividades de aventura ao ar
livre (ou, utilizando seu termo, das práticas corporais de aventura) é “a possibilidade
de o praticante exercitar uma nova relação consigo mesmo, de vivenciar de maneira
diferente o mundo” e, também, a possibilidade da experiência de formas renovadas
de sociabilidade e subjetividade.
Formas renovadas de sociabilidade e subjetividade são elementos
que aproximam as atividades de aventura ao ar livre como conteúdo do lazer
educativo, na formação de um indivíduo crítico e criativo, que compreende o meio de
maneira sistêmica.
Assim, as unidades de conservação, representantes do ambiente
natural preservado, podem ser consideradas grandes equipamentos de lazer
recreativo e educativo, convenientes salas de aula, locais de aprendizado e
facilitadoras de processos de desenvolvimento pessoal, onde são aprendidas lições
que podem se fixar no indivíduo por toda sua vida (HATTIE et al, 1997, p. 77).
As mudanças de atitude e comportamento, a formação de um turista
mais responsável ambientalmente, podem acontecer como resultado de uma
39
adequada condução e disponibilidade de informações sobre o meio ambiente
visitado.
E essas mudanças extrapolam a visitação à natureza, quando os
novos valores aprendidos são transportados ao lugar de origem do visitante, em
questionamentos sobre como o ambiente urbano está sendo tratado e,
conseqüentemente, na busca de soluções também para esses problemas (KINKER,
2002, p. 31).
O conjunto de atividades de aventura ao ar livre necessita educar a
humanidade, a fim de criar condutas de mínimo impacto na natureza e maior
responsabilidade ambiental no dia-a-dia. Essa educação é gerada na e por meio da
própria atividade realizada.
De uma perspectiva conceitual, e a despeito da multiplicidade de definições encontradas para a atividade ecoturística, é possível apontarmos para um consenso em torno de seu caráter intrinsecamente educativo, de seu compromisso com a modificação de comportamentos e com a criação de uma consciência ambientalista. (SERRANO, 2000, p. 8).
Esteja o foco na educação na natureza, esteja ele na educação por
meio da natureza, ou sobre a natureza (FORD, 1986), as atividades de aventura ao
ar livre devem ser entendidas como processos educativos que tendem a criar
mudanças – de raciocínios, de valores, de atitudes, de condutas – por intermédio de
oportunidades geradas pelo contato direto e íntimo do ser humano com a natureza.
Mendonça (2000, p. 137) cita Joseph Cornell e sua crença em
renovadas relações da humanidade com a natureza e a efetiva conservação dos
espaços naturais, por meio da afetividade. Argumenta que “[...] informações,
conhecimento, ainda que absolutamente necessários, são insuficientes para
engendrar processos de efetiva transformação na organização social e formas de se
relacionar com o mundo”. Numa aproximação à abordagem sistêmica e valores da
40
ecologia profunda, é sugerido o equilíbrio entre a razão e o sentimento para
fundamentar um entendimento mais amplo da natureza.
Alves (1999, p. 50) comenta sobre nosso distanciamento do mundo
sensível, do entorpecimento de nossos sentidos e enumera sugestões de cursos
que se alinham à criação de condutas ambientais como resultado de vivências
educacionais diretas na natureza:
O corpo não é formado apenas por músculos. [...] os olhos, os ouvidos, a boca, o nariz, a pele são também parte do físico. Podem também ficar atrofiados como ficam atrofiados os músculos. O corpo atrofiado pela inércia e pelo acúmulo de gordura pode terminar em obesidade, diabetes, colesterol alto e infarto. Mas um corpo de sentidos atrofiados termina numa doença terrível chamada “tédio”. Imagino [...] cursos do tipo “Curso de cheiração avançada I”, “Curso de cheiração avançada II”, “Curso de observação de cores”, “Curso de audição de ruídos da natureza”...
A citação demonstra a necessidade de se entender o lazer nas
atividades ao ar livre como fenômeno interdisciplinar ou, aproveitando a abordagem
sistêmica, como fenômeno que reintegra áreas como a Educação Física, a
Psicologia e a Ecologia, por exemplo.
Bruhns (2003, p. 41) entende que a caminhada na natureza, uma
atividade de aventura ao ar livre, possui qualidades que respondem as
reivindicações de Alves. Afirma, ainda, que nessa prática, uma série de estímulos
sensoriais se apresenta, e exemplifica: “olfativos (odores de plantas, flores, detritos e
outros), táteis (calor temperado pela brisa, temperatura da água, por exemplo),
visuais, auditivos”. A autora compreende que “a experiência sensível mostra-se
bastante pessoal e duradoura, que perdura além do efêmero”.
A caminhada, assim como o excursionismo, o ciclismo, o
montanhismo e a escalada, a canoagem, o mergulho e toda a sorte de atividade de
aventura ao ar livre próximas, antecessoras ou derivadas e correlacionadas a essas,
são experiências ativas de lazer, lúdicas e de sensibilização, que favorecem e
41
exacerbam a curiosidade, a aproximação natural, a criatividade, a sensibilidade e a
afetividade (SCHWARTZ, 2001), agregando um forte caráter emocional à relação.
Emoções proporcionadas e amplificadas por fatores reais ou
percebidos, muitos desses encontrados raramente fora desse tipo de integração: a
aventura, o risco, o desejo e a sensação de auto-superação, de autoconhecimento,
a observação, a contemplação, a reflexão. Bem conduzidas, tais experiências
sensíveis e emocionalmente ricas podem potencialmente incutir no indivíduo,
simultaneamente ao desenvolvimento de um caráter crítico-criativo, uma conduta
ambiental mais responsável.
Educadores e adeptos das atividades ao ar livre do mundo todo,
acreditando nas possibilidades do aprendizado ao ar livre, estruturadas na
experiência sensível vivida pelo indivíduo junto ao ambiente natural, delinearam
programas e propostas de intervenção. São exemplos: a educação pela aventura15
(adventure education), a educação experiencial (experiencial education), a educação
pelo ambiente natural16 (wilderness education) e a educação ao ar livre (outdoor
education). Apesar das diferentes designações, as fundamentações teóricas e
metodologias que essas propostas possuem (e quando identificadas) são
extremamente próximas entre si, o que sugere a compreensão dessas, senão como
sinônimas, como muito similares.
Assim como a educação ao ar livre e a educação experiencial, a
educação pela aventura (adventure education) utiliza atividades como caminhadas
de longa duração, expedições em veleiros e escaladas, por exemplo, para o
aprendizado da liderança, do gerenciamento de riscos, do trabalho em equipe, de
relações interpessoais e para o autoconhecimento, objetivando o desenvolvimento 15 Tradução livre. 16 Tradução livre.
42
pessoal de seus praticantes. A educação pelo ambiente natural (wilderness
education), em seus fundamentos, se caracteriza por afirmar que esses mesmos
aprendizados, de técnicas de gerenciamento e liderança ao ar livre e para o
autoconhecimento, por exemplo, são importantes em si e, apresentando um
diferencial discreto, porém, importante a essa pesquisa, também enfatiza esses
aprendizados como necessários para a conservação das áreas naturais.
No exterior, ao contrário de escasso material acadêmico disponível
no Brasil, em países como o Reino Unido e a Nova Zelândia, essas propostas (pela
similaridade, não sendo relevante nesse trabalho, com que designações são
definidas) já fazem parte de programas de cunho educativo e como objetos de
pesquisa e análise (HATTIE et al, 1997; NEILL; RICHARDS, 1998; LUO et al, 2002;
LITTLE; PETERSON, 1985; STEVENS; RICHARDS, 1992; FORD, 1986;
BONIFACE; BUNYAN, 1999; KIELSMEIER, 1988; WAGNER, 2000).
Salienta-se que programas de educação em ambientes naturais,
embora ganhando espaço como prática no Brasil, o que os torna atrativos como
tema de estudo em contextos da Educação, do Lazer, da Educação Física e do
Turismo, por exemplo, ainda possuem pouca atenção tanto do crescente número de
praticantes de atividades de aventura como do meio acadêmico.
Por fim, antes de avançar nos conteúdos interessantes a esse
trabalho, e relembrando o duplo processo educação/natureza, é necessário notar
que essas propostas de intervenção não podem ser confundidas com a educação
ambiental, por essas se tratarem, fundamentalmente, de educação por intermédio da
natureza e não de educação sobre a natureza, como defende a educação ambiental.
Apoiados nos conceitos de Barros (2000, p. 98), esses programas
têm em comum a metodologia experiencial de aprendizado, na qual são
43
proporcionadas vivências onde os indivíduos constroem conhecimentos, aprendem
técnicas e adquirem valores por meio da experiência direta. A educação experiencial,
também freqüentemente citada como aprender fazendo, é uma teoria pedagógica
que reconhece o valor da experiência como a base do aprendizado.
Oliveira (2000) diz que a idéia de impelir pessoas em situações de
aventura com objetivos educacionais não é nova e afirma que até mesmo Platão e
Aristóteles, entre outros, já falavam que o aprendizado de virtudes estava
diretamente relacionado com a educação e que isto é a base da filosofia que
permeia os programas educacionais junto à natureza.
Mendonça (2000, p. 138) observa que “ao caminhar pelos espaços
naturais, somos convidados não mais a observar o que vemos, mas observar a nós
mesmos enquanto componentes daquele ambiente”:
A vivência é essencial para engendrar esse processo. Não é possível “compreender” esta proposta sem a experiência. É o tipo da coisa que não se explica, que não se ensina. O educador facilita, sugere, propicia. É como a vida, que não pode ser apreendida sem a experiência.
A experiência sensível de vivências ao ar livre é o motivo que leva o
grupo de praticantes divulgadores às atividades de aventura. Esse grupo adentra os
ambientes naturais, em busca de raras possibilidades sensitivas e perceptivas que o
contato com a natureza propicia de forma intensa.
Porém, para a maioria das pessoas, essa experiência é dificultada
pelas obrigações da vida moderna, que criam distância do mundo natural e oprimem
sensibilidades. Mendonça (2000) afirma que, apesar de vivermos numa sociedade
racionalista, tecnológica e objetiva, o sentir é algo inerente ao viver. Não é
valorizado, mas fica latente, aguardando sua oportunidade para ser revelado.
Marinho (2004, p. 6) constata o fato de que muitas pessoas que
visitam a “natureza na tentativa de se aventurar [...], de contemplar ou de fazer algo
44
que ainda não descobriram o que é, podem encontrar em simples experimentações,
oportunidades transformadoras”. A vivência dessas experimentações repletas de
aventura, emoção e risco, transformam o visitante esporádico de áreas naturais, no
denominado praticante divulgador.
O risco inerente à vivência do real em ambiente não-habitual, em
oposição a vivências cada vez mais virtuais no conforto do ambiente urbano, é
característico e grande atrativo de programas educacionais ao ar livre.
Spink (2001), estudiosa do tema específico, revela várias facetas do
risco, em reflexões sobre sua aparição como prática e como conceito metafórico de
linguagem, entre outros. Sendo elemento adjacente à aventura, suas variações
interpretativas e práticas são identificadas nas atividades ao ar livre, como
exemplificado em trechos de discursos de praticantes divulgadores na análise dos
significados, referente à segunda parte desse trabalho.
Algumas variações do risco, especificamente quando da vivência de
atividades de aventura, também são apresentadas por Barros (2000, p. 95), sendo
dois tipos relevantes aos propósitos desse trabalho, os denominados pela autora
como risco social e o risco espiritual.
O risco social aparece “[...] quando as pessoas são confrontadas
com o medo de expor seus receios para os demais e serem julgadas por isso”. O
risco espiritual ocorre quando, por exemplo, “[...] um estudante encontra uma
situação em que é preciso encarar a si mesmo ou talvez o significado da vida e da
morte”.
Os aprendizados conseguidos por ocasião dos riscos social e
espiritual vêm ao encontro do que Spink (2001) define como resultantes da formação
de caráter e demonstram o valor educativo da aventura.
45
Obstante o inegável destaque dado ao risco (talvez o gerador da
mítica adrenalina), não somente este, mas todo um conjunto tempo e atitude
(MARCELLINO, 2002, p. 7) que envolve o lazer nas atividades de aventura ao ar
livre, pode ser vivenciado como oportuno e estruturado meio para uma educação em
ambientes naturais. Educação para a formação de caráter, ou para o
desenvolvimento individual, por meio do aprendizado sobre si mesmo e sobre o
mundo, que é o objetivo maior da educação ao ar livre.
Por fim, Barros (2000, p. 90) conceitua “outdoor education ou
educação ao ar livre como uma prática educacional que utiliza como recursos
educativos desafios encontrados em ambientes naturais” e que almeja o
desenvolvimento educacional do ser humano “impelindo-o a situações de aventura
de modo que ele possa confrontar aspectos de si mesmo, os quais ele
possivelmente não conhecia”.
Dessa maneira, dentre outros, com o amparo de Barros (2000), para
o desenvolvimento de uma legítima educação ao ar livre, é necessário que se
estabeleça uma relação experiencial (indivíduos tendo as suas próprias
experiências), em que as respostas são criadas dentro do próprio sujeito a partir da
sua relação significativa com o ambiente. As atividades de aventura se apresentam
como vivências alinhadas com essa educação e seus objetivos.
O contato físico direto com a natureza oportuniza a exacerbação dos
sentidos, incita a observação, a reflexão e a criatividade, possibilitando “a passagem
de níveis menos elaborados, simples, para níveis mais elaborados, complexos, com
o enriquecimento do espírito crítico” (MARCELLINO, 2003, p. 59).
A interação e integração com o ambiente natural são capazes de
modificar percepções que temos do meio e de nós mesmos, colocando-nos num
46
contexto de um todo mais amplo, interligado e interdependente.
Mendonça (2000, p. 139) cita a ampliação de nossa capacidade
perceptiva para experienciar a natureza, criando a suposição de um vínculo dialético
entre vivências significativas em ambiente natural e mudanças perceptivas:
Se mudamos nossa maneira de pensar, mudamos nossa maneira de nos relacionarmos com ela, mudamos a nós mesmos, mudamos todo o sistema do qual fazemos parte. Toda vivência é uma auto-observação, uma observação de nós mesmos que leva à observação de que estamos ligados uns aos outros (MENDONÇA, 2000, p. 139).
A educação ao ar livre, caracterizada pelas vivências das atividades
de aventura como experiências sensíveis e sensoriais, a desenvolver novas
percepções de mundo, pode potencialmente gerar novas condutas e valores.
Assim, apresentadas como propostas de lazer e educação, nos
dizeres de Bahia (2005, p. 40), “longe de ser uma tábua de salvação, as atividades
de lazer na natureza podem vir a transformar as atitudes adotadas na vida de cada
um e na vida da sociedade”.
Também, Marinho (2003) reconhece aqui a riqueza no
desenvolvimento de tais atividades, como possibilidades de extrapolação da mera
visitação consumista e, muitas vezes, alienada nesses ambientes, possibilitando
uma vivência representativa em termos de mudanças de valores e comportamentos
que tangenciam a relação humana com a natureza.
São propostas além de necessárias, muito oportunas. Oliveira (2000,
p. 116) também acredita na superação de atitudes regidas pelo consumismo, e cita
mudanças relacionadas com o desenvolvimento e autoconhecimento do praticante:
47
A prática do montanhismo e de outras atividades na natureza nas quais aventura e aprendizagem são protagonistas, podem cunhar pessoas mais equilibradas e responsáveis, através da vivência de experiências, nas quais sobressaem o exercício da consciência, o autocontrole em situações adversas e a vitória por seus próprios meios. Certamente uma alternativa nos dias de hoje quando há tantas pessoas egocêntricas e indolentes cujas vitórias se limitam a saciar apetites consumistas e mundanos com o mínimo esforço (OLIVEIRA, 2000, p. 116).
Embora citações de autores e pesquisadores aventarem a
possibilidade do aprendizado de novas relações entre o ser humano e o ambiente
natural, a realidade que se apresenta em áreas preservadas (ou, pelo menos,
destinadas a esse fim), por exemplo, em unidades de conservação, indica que esse
aprendizado tem urgência em sua realização, por meio das mais diversificadas
formas possíveis.
2.4 Condutas de mínimo impacto em ambiente natural
Compactação e erosão do solo pela sobrecarga de trilhas;
mudanças de hábitos da fauna silvestre (como um lobo-guará ou um mão-pelada
que se condiciona a vasculhar restos de comida no lixo deixado em áreas de
acampamento, para dar um exemplo singelo); contaminação da água de rios por
dejetos humanos; e até mesmo vandalismo (pichações em grutas e cavernas, por
exemplo), são alguns dos inúmeros impactos que ocorrem em visitações
inconseqüentes a áreas naturais.
Para reverter esse quadro, experientes praticantes de atividades em
ambientes naturais se viram obrigados a desenvolver e divulgar programas de
educação para as práticas de mínimo impacto, partindo do princípio de que,
recebendo informações pertinentes e de modo adequado, o visitante estará disposto
48
a mudar suas práticas e hábitos em suas incursões à natureza (BARROS; DINES,
2000).
Dentro do raciocínio de que são necessárias mudanças de
percepção do mundo, por parte de todos, como via a reverter os problemas
ambientais atuais, somente o acesso à informação, como método isolado, não
eliminará os impactos nocivos causados ao meio ambiente natural protegido, por
parte de seus visitantes. Porém, dentro da proposta de identificar ações em prol da
conservação da natureza, vinculadas aos momentos de lazer e às atividades de
aventura, os programas de divulgação de condutas de mínimo impacto são
meritórios, como iniciativas pioneiras a direcionar novas propostas e, também, por
possuir grande poder de alcance, atratividade e mobilização do público específico.
Existe um raciocínio simples para justificar a adoção de técnicas de
mínimo impacto por adeptos de atividades de aventura, diretamente relacionado com
uma atual lógica da sustentabilidade, muito utilizada e divulgada por ambientalistas,
sintetizado na frase “pense globalmente, aja localmente”:
A adoção de técnicas de mínimo impacto baseia-se na premissa de que os usuários de áreas naturais devem assumir a sua parcela na responsabilidade pela manutenção do bem-estar destas. É uma forma de pensar sobre essas áreas, sobre a nossa relação com elas, e perceber que, embora as ações de uma só pessoa talvez não sejam visíveis no ambiente, as ações de milhares de pessoas fazendo a mesma coisa será um caso completamente diferente (BARROS; DINES, 2000, p. 72).
Entre as iniciativas de divulgação de técnicas de mínimo impacto,
duas são atraentes, não somente pelo sucesso e abrangência, mas também porque
seus fundamentos se alinham a um dos objetivos desse trabalho, que é o de buscar
ações ambientais nas atividades de aventura ao ar livre. Primeiramente, fundado nos
EUA, temos o Leave No Trace (LNT)17 e, no Brasil, temos o Pega Leve!18
17 Tradução livre: Não deixe rastros. Disponível em: http://www.lnt.org/
49
Esses programas e seus similares, antecessores ou deles
decorrentes, possuem históricos semelhantes: são iniciativas desenvolvidas e
divulgadas em forma de campanhas ao grande público por grupos preocupados com
as causas ambientais, como escoteiros, biólogos e ecólogos, montanhistas,
espeleólogos e excursionistas.
O Pega Leve!, por exemplo, é um programa criado pelo Centro
Excursionista Universitário (CEU), associação sem fins lucrativos fundada em 1970,
na Universidade de São Paulo. Os técnicos envolvidos nessa campanha realizaram
um levantamento abrangente sobre códigos de conduta para atividades em
ambientes naturais, em modalidades como a caminhada, a escalada, a exploração
de cavernas e outras atividades de lazer ao ar livre. A divulgação desses códigos
objetiva a sensibilização dos visitantes para a conservação dos ambientes naturais
(PEGA LEVE!, 2008, s/n):
Pega Leve! é mais que uma campanha para garantir o bom uso das trilhas e acampamentos limpos. É um programa voltado à convivência responsável com o ambiente natural, dedicado a construir a conscientização, apreciação e, além de tudo, o respeito por nossas áreas naturais. Uma ética, que orienta a conduta adequada do cidadão consciente da importância da conservação da biodiversidade no Brasil.
Ainda caminhando com o Pega Leve!, esta campanha brasileira,
assim como similares internacionais, procura difundir princípios e práticas de mínimo
impacto em área natural19:
• Planejamento é fundamental;
• Você é responsável por sua segurança;
• Cuide dos locais por onde passa, das trilhas e dos
acampamentos;
18 Disponível em: http://www.pegaleve.org.br/ 19 Parte de Pega Leve! Princípios e Práticas encontra-se em Anexos.
50
• Traga seu lixo de volta;
• Deixe cada coisa em seu lugar;
• Evite fazer fogueiras;
• Respeite os animais e as plantas;
• Seja cortês com outros visitantes e com a população local.
Porém, demonstrando um avanço frente a propostas estrangeiras,
seus documentos sugerem a compatibilização das atividades – textos da Série
Aventura: Caminhada e Acampamento; Cavernas; Corridas de Aventura; e Escalada
em Rocha – com especificidades de nossas geografias e ecossistemas – textos da
Série Biomas: Cerrado e Pantanal; Florestas Tropicais; Serras e Chapadas; e Zonas
Costeiras.
O exemplo da campanha do Pega Leve! demonstra que as
atividades de aventura ao ar livre, associadas a um programa eficiente de educação
para a prática e a ética de mínimo impacto, representam uma das melhores
oportunidades para a educação ambiental em contextos informais (BARROS;
DINES, 2000).
Os programas de conscientização e ensino de condutas de mínimo
impacto nas atividades em ambiente natural, que propagam suas idéias,
basicamente, por meio de folhetos que são entregues aos excursionistas antes de
suas atividades, e o relativo sucesso na adoção dessas idéias, podem indicar que
visitas a natureza não necessitam, obrigatoriamente, serem assistidas, monitoradas
ou, em outra perspectiva, indicam que diferentes e diversificados meios de
conscientização podem e devem ser colocados em prática para a superação da
realidade.
Evidencia-se que, mais importante que vigiar as ações do visitante
51
da natureza, é o seu próprio estímulo pessoal para a apreensão dessas novas
condutas e para o convívio mais salutar com o ambiente visitado, divulgados por
programas de mínimo impacto e projetos educacionais na natureza.
Porém, o praticante motivado, predisposto a receber informações
para o início de vivências mais profundas com a natureza tem suas chances de obter
sucesso sensivelmente aumentadas, caso possa ser auxiliado, instruído (e não
vigiado) por adeptos experientes, para a apreensão dessas novas condutas e na
prática de renovados modos de convívio com o ambiente natural.
2.5 Imersão na natureza
Visitações esporádicas, breves e superficiais ao ambiente natural,
mesmo com objetivos educacionais e amparadas por adeptos experientes, são
pouco eficientes para engendrar reordenações de valores que embasam as ações
dos praticantes de atividades de aventura.
A experiência significativa pode estar diretamente relacionada com o
aparecimento de algumas prerrogativas, necessárias, então, para que novas
percepções se apresentem e se consolidem. O conjunto dessas prerrogativas é a
imersão na natureza.
Define-se imersão na natureza (aproveitando o contexto metafórico
utilizado pela ecologia profunda), a circunstância adequada de vivências de
atividades assistidas por praticantes divulgadores e baseadas em elementos como a
freqüência, o tempo de duração, o estímulo individual e a intensidade.
Assim, quando esses elementos são identificados nas atividades de
aventura ao ar livre, elas se apresentam como potenciais oportunidades capazes de
52
transformar as percepções do sujeito praticante, para a concepção do contato
ambientalmente mais coerente e para uma ressignificação do lazer por meio das
atividades de aventura ao ar livre.
Tais fatores podem ser compreendidos tanto como causas, quanto
como conseqüências das vivências, num relacionamento dialético característico
desse contato extremo com o meio natural. Os elementos da imersão na natureza
podem agir sobre o sujeito concomitantemente ou se apresentarem em fases
distintas no processo de (re)aproximação à natureza, por exemplo, podendo
aparecer antes de qualquer vivência, ou somente após muito tempo de contato com
a natureza. Eles se potencializam apesar de independentemente uns dos outros.
Os parâmetros a seguir definem a imersão na natureza:
1. Estímulo pessoal: o sujeito necessita de motivação interna e
predisposição para identificar as oportunidades de aprender e apreender novas
maneiras de vivenciar as atividades ao ar livre. Valores incutidos por livre escolha do
indivíduo são assimilados e se refletem em condutas e ações por longo prazo.
Somente o entendimento da natureza como parceira e não mais como obstáculo e/
ou como ambiente agressivo tornam as atividades de aventura momentos propícios
para o desenvolvimento pessoal, interpessoal e ambiental;
2. Tempo de duração da vivência: dentre os fatores que definem
uma consistente imersão na natureza, esse é um ponto que requer atenção, por ser
talvez o menos compreendido ou identificável devido à falta de hábito do brasileiro
(diferentemente de outros povos, por exemplo, os ingleses, os canadenses e os
neozelandeses) em conceber com naturalidade e executar incursões mais
duradouras no meio ambiente natural. Apesar do grande número de unidades de
conservação e atrativos naturais no Brasil, existe ainda forte resistência a vivências
53
que não sejam as de curta duração (as atividades de um dia). Por terem tempo
limitado, tais atividades de curta duração são consumidas de maneira rápida e
superficial (em oposição à imersão), em perspectivas conflitantes com os objetivos
propostos por esse trabalho. Atividades ao ar livre que se desenvolvem
ininterruptamente por dias, semanas e até por meses, são oportunas ao que
definimos como uma real e sensível imersão na natureza aonde se inicia a vivência
com e não somente no meio ambiente natural;
3. Freqüência: vivências regulares que oportunizam o contato
direto e sensível, ao mesmo tempo em que oportunamente desconstroem a imagem
veiculada pela mídia do meio natural como ambiente hostil a ser sobrepujado,
acabam por criar no indivíduo o vínculo afetivo sujeito/ natureza necessário para que
condutas de mínimo impacto ambiental sejam acatadas e disseminadas
espontaneamente;
4. Intensidade: obstante ser assimilável apenas pelo sujeito que a
vivencia, a intensidade é elemento que bem caracteriza a imersão na natureza,
podendo ser identificado menos como causa e mais como efeito dos outros três
elementos supracitados. A intensidade pouco pode ser encontrada em situações do
cotidiano controlável, e talvez seja o legítimo elemento atraente de novos adeptos
das atividades ao ar livre. Ela é inerente à experiência da aventura. A intensidade é
compreendida como proporcionada e promotora da vivência e da experimentação de
uma imensa diversidade de situações e ambientes, sensações e emoções, contínua
e ininterruptamente. Essa experiência profunda de humores e a exacerbação
sensorial decorrente do contato com a natureza são capazes da criação de vínculos
afetivos entre o visitante e a área visitada tornando a atividade representativa ao
sujeito. A intensidade surge quando é possibilitado ao praticante vivenciar atividades
54
de aventura ao ar livre que sejam realizadas com freqüência, que tenham duração
expressiva e que sejam, ao praticante, estimulantes ao aprendizado de novos
valores e condutas.
O surgimento desses elementos nas vivências do lazer,
caracterizado pelas atividades de aventura ao ar livre pode vir a propiciar, àqueles
que as vive, uma legítima imersão na natureza, necessária a mudanças de
percepção e condutas e, potencialmente, capazes de prover o surgimento do que
vislumbramos como um novo ser humano:
[...] ‘experto’ nos conhecimentos, formais ou experimentais, versado nas ciências naturais, do inerte e do vivo, à parte das ciências sociais de verdades mais críticas que orgânicas e de informação banal e não rara, preferindo as ações aos relatórios, a experiência humana às enquetes e aos dossiês, viajante por natureza e socialmente [...] enfim, sobretudo ardente de amor para com a Terra e a humanidade (SERRES, 1991, p. 109).
No final desse longo percurso, a natureza, conosco a ela reatados,
enfim, é a grande ganhadora. A análise e interpretação de falas de praticantes
divulgadores, desenvolvidas no próximo capítulo, objetivam a identificação dos
significados das atividades de aventura ao ar livre e o reflexo dessas vivências no
cotidiano de seus praticantes, e ampara a possibilidade de vivências, não mais na
natureza, mas, com a natureza.
55
3 PERCURSO METODOLÓGICO
3.1 Caracterização da pesquisa e delimitação do seu universo
Os objetivos desse trabalho norteiam a identificação de significados
das vivências do lazer ao ar livre, experimentada e veiculada pelos praticantes
divulgadores da atividade de aventura na natureza, bem como, de que ações
exercem no sentido de minimizar os malefícios causados por conduções impróprias
de atividades de aventura. Foram coletadas informações para entender em quais
perspectivas as atividades de aventura são promovidas e vivenciadas e quais os
reflexos destas experiências em ambiente natural na rotina diária dos que se
envolvem em tais atividades.
Para tanto, a metodologia possui caráter qualitativo, combinando
pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo (SEVERINO, 2000).
A pesquisa bibliográfica foi realizada nos sistemas de bibliotecas da
UNIMEP, UNESP e UNICAMP (livros, periódicos, artigos, teses, dissertações, anais
de seminários, congressos e encontros, e em websites acadêmicos da Internet,
entre outros) e utilizando, tanto em língua portuguesa quanto inglesa, temas-chave
como: atividade de aventura, atividade de aventura ao ar livre, esporte de aventura,
educação ao ar livre, lazer e meio ambiente. Após o levantamento das obras
relevantes ao estudo, realizamos as análises textual, interpretativa e crítica
(SEVERINO, 2000) para, num segundo momento, de posse dessas análises,
estabelecer diálogos com os dados da pesquisa de campo.
A pesquisa de campo foi estruturada na técnica de elaboração e
análise de unidades de significado, de autoria de Moreira, Simões e Porto (2005). A
técnica percorre os seguintes momentos: relato ingênuo, identificação de atitudes e
56
interpretação.
A técnica de elaboração e análise de unidades de significado nos
pareceu propícia porque, sem perder as prerrogativas científicas do rigor,
radicalidade e contextualização, visa compreender e interpretar os relatos dos
sujeitos de uma pesquisa, que emitem opinião sobre determinado assunto, opinião
essa carregada de sentidos, de significados e de valores (MOREIRA; SIMÕES;
PORTO, 2005).
Lembram, ainda, Moreira, Simões e Porto (2005) que, ao
estabelecer a categoria de abordagem (o ponto de vista fundamental em relação ao
ser humano e ao mundo que o cientista traz ou adota, com relação ao seu trabalho
como cientista), devemos levar em consideração o próprio pesquisador no
empreendimento da ciência.
A técnica para a elaboração e análise de unidades de significado
deve percorrer, conforme Moreira, Simões e Porto (2005) os seguintes momentos:
1) Relato ingênuo
A importância está na construção da pergunta geradora. Esta não pode ser na direção de respostas monossilábicas, o que impediria os sujeitos de emitir seus pensamentos com detalhes. Também a pergunta deve ser feita após explicação do por quê da pesquisa, dando aos sujeitos o tempo necessário para organizarem o pensamento antes da resposta (MOREIRA; SIMÕES; PORTO, 2005, p. 11).
Para atender aos objetivos desse trabalho, que é entender o lazer
sob a forma de atividades de aventura ao ar livre no contexto atual analisando, tanto
o trabalho de pesquisadores do tema, como a atividade desenvolvida por praticantes
divulgadores de atividades de aventura na natureza; e identificar os significados de
tais atividades atribuídos por esse grupo de praticantes, três perguntas geradoras
foram formuladas. O universo da pesquisa de campo, formado por indivíduos com
larga vivência nas atividades de aventura ao ar livre no Brasil, desenvolveu suas
57
falas a partir dos seguintes questionamentos:
I. O que você entende por atividade de aventura ao ar livre?
II. Fale sobre sua relação com as atividades de aventura ao ar livre.
III. Quais os reflexos desta prática em sua vida cotidiana?
Nosso interesse em seus depoimentos, e em registrar
detalhadamente suas vivências e seus significados, resultou numa especial atenção
dada à explicação da proposta da pesquisa e ao tempo disponibilizado para que os
sujeitos organizassem seus pensamentos, antes de emitirem suas respostas.
2) Identificação de atitudes: nesse momento da pesquisa (numa
adaptação da designação atitude dada pelos autores da técnica) busca-se, nas falas
dos sujeitos, expressões, termos ou idéias que direcionem a condutas relacionadas
aos objetivos da pesquisa.
3) Interpretação: o que se pretende, neste momento, é encontrar
insights gerais, ou seja, a estrutura do pensamento individual dos sujeitos que pode,
como um todo, pertencer a vários outros indivíduos (MOREIRA; SIMÕES; PORTO,
2005, p. 13). Assim, os discursos individuais foram lidos e relidos para identificação,
em suas estruturas, de quais proposições podem e quais não podem ser tomadas
como verdade no contexto geral.
O universo da pesquisa de campo foi do tipo não-probabilístico
intencional, por competência e experiência (RUDIO, 1997). Formado por indivíduos
adultos, praticantes divulgadores de ambos os sexos, com formação interdisciplinar
e com larga experiência nas atividades de aventura ao ar livre e cujas ações e
esforços em prol e por meio dessas atividades de aventura são reconhecidos e lhes
conferem papel de destaque dentro do meio. Pela acessibilidade e
representatividade, o universo de pesquisa contou com praticantes que residem e/ou
58
atuam no Estado de São Paulo.
As falas dos participantes foram gravadas e registradas digitalmente
(gravador de voz digital Panasonic RR-US450) e transcritas sem alterações de
ordem ortográfica ou de concordância. Foram escolhidos praticantes divulgadores do
tipo não-probabilístico intencional (isto é, os sujeitos foram previamente
selecionados e convidados a participar da pesquisa) por critérios de
representatividade e acessibilidade (BRUYNE et al, 1977).
Dessa forma, a pesquisa teve abrangência de municípios do Estado
de São Paulo, onde residem e/ ou trabalham os sujeitos participantes. Os contatos
iniciais e recrutamento foram efetuados por meio de convites pessoais, por
telefonemas, contatos por correio eletrônico e mensagens instantâneas pela Internet.
Os locais de coleta de dados foram escolhidos pelos sujeitos
participantes, não lhes conferindo despesas com locomoção ou de qualquer outro
tipo. Foi necessário o aceite na participação da pesquisa e, para isso, foi utilizado o
termo de consentimento livre e esclarecido, apresentado antes do início da
entrevista. Os sujeitos participantes tomaram ciência: dos objetivos do trabalho, e, se
assim quisessem, poderiam suspender suas participações a qualquer momento; que
os resultados para a pesquisa acadêmica seriam tornados públicos na dissertação
de mestrado e que os dados pessoais seriam guardados em sigilo; entre outras
garantias constantes por escrito no termo de consentimento livre e esclarecido, os
quais asseguram a privacidade dos sujeitos envolvidos.
Todos os procedimentos metodológicos descritos, antes de suas
execuções, passaram por análise e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Metodista de Piracicaba, sob a designação de Protocolo de Pesquisa
número 10/08.
59
A pesquisa contou com a participação total de onze sujeitos, sendo
três do gênero feminino e oito do masculino. Os participantes estavam, no período
da coleta de dados, numa faixa etária entre 28 e 50 anos de idade. Todos os onze
sujeitos concluíram o ensino superior e seis possuíam, além disso, também pós-
graduação em alguma área correlata às atividades de aventura ao ar livre.
Para melhor visualização do gênero e idade de cada participante da
pesquisa, esses referenciais serão expostos subseqüentemente às suas falas, de
forma abreviada, como, por exemplo, um sujeito do gênero feminino e com 35 anos
de idade será identificado como Sujeito ‘X’ f 35. São aspectos dos sujeitos,
relevantes a esse trabalho:
O Sujeito 1, gênero feminino, 29 anos (Sujeito 1 f 29), é especialista
em ecoturismo e é co-fundadora e diretora de projetos de uma instituição dedicada à
educação experiencial, aonde também executa oficinas de formação para crianças,
jovens e adultos. Participou também da tradução e coordenação da edição do livro
“Vivências com a Natureza 1”, de Joseph Cornell. Tem vivências em atividades de
aventura como, por exemplo, canoagem em Baños de Água Santa (Equador),
travessia em caminhada Petrópolis-Teresópolis (RJ/Brasil) e travessias em
arvorismo (conhecidas como canopy tours) (Costa Rica), entre outras.
O Sujeito 2, gênero masculino, 30 anos (Sujeito 2 m 30), é praticante
da canoagem, integrante da Seleção Brasileira entre 1994 e 1997, membro da
Confederação Brasileira de Canoagem, no Comitê Nacional para a modalidade no
ciclo olímpico 2005-2008 e atual diretor de capacitação da Federação Paulista de
Canoagem. É mestre e professor universitário em Educação Física, especificamente
em estudos das atividades de aventura, entre outros.
O Sujeito 3, gênero masculino, 39 anos (Sujeito 3 m 39), é
60
mestrando em Educação Física, montanhista e canoísta há vinte anos, tendo maior
expressividade e vivência na segunda atividade, na qual totaliza aproximadamente 3
mil milhas náuticas em viagens em caiaque e canoas canadenses por rios e pelo
mar, no Brasil e exterior. É também instrutor em quatro instituições especializadas
em educação ao ar livre, com atuação no Brasil e no exterior.
O Sujeito 4 é do gênero feminino e possui 28 anos (Sujeito 4 f 28),
sendo a mais nova dentre os sujeitos de nosso universo de pesquisa. É mestre em
Ciências Sociais (defendendo a dissertação: “O excursionismo e o gosto pela
natureza”), trabalha em instituição especializada em educação ao ar livre e pratica
“caminhadas, canoadas, bicicletadas e escaladas em rocha como lazer e
independentemente do mercado turístico”.
O Sujeito 5, gênero masculino, 48 anos de idade (Sujeito 5 m 48), é
empresário e como parte de suas atividades estão estudos para o ambiente natural
em áreas como a espeleologia, o montanhismo, o mergulho e a gestão de áreas
naturais. Identificou e elaborou relatórios sobre cavernas subaquáticas da Chapada
Diamantina (BA/ Brasil) para a Sociedade Brasileira de Espeleologia, ministrou
cursos de cartografia e orientação no SENAC e é instrutor de uma escola
especializada em educação ao ar livre, dentre outros feitos.
O Sujeito 6 possui 35 anos e é do gênero masculino (Sujeito 6 m
35). É formado em Turismo, praticante de cicloturismo (tendo, entre outros feitos,
uma expedição São Paulo/Brasil – Buenos Aires/Argentina e outra pela Patagônia
Chilena), montanhismo e parapente. É empresário de ecoturismo e educador ao ar
livre.
O Sujeito 7, gênero masculino, tem 50 anos de idade (Sujeito 7 m
50). Doutorando em Geografia do Turismo, há mais de 15 anos se dedica às
61
atividades de aventura ao ar livre, tendo e sendo, entre muitos outros cargos e feitos,
idealizador e coordenador do Programa Pega Leve!, fundador e diretor da
Federação Paulista de Montanhismo e da Confederação Brasileira de Montanhismo
e Escalada, diretor do Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável, membro-ancião20
do Centro Excursionista Universitário e consultor e elaborador de planos de manejo
de áreas protegidas e unidades de conservação com trabalhos para instituições
como o Ministério do Meio Ambiente, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São
Paulo, SOS Mata Atlântica e World Wildlife Foundation (WWF-Brasil).
O Sujeito 8 possui 31 anos e é do gênero masculino (Sujeito 8 m
31). Entre outros feitos, acumula mais de 250 dias de campo em caminhadas de
longo percurso e longa duração, em locais como, por exemplo, a Patagônia Chilena,
Terra do Fogo (arquipélago dividido entre a Argentina e o Chile), Lake District
National Park (Reino Unido), Chapada Diamantina (BA/Brasil), Chapada dos
Veadeiros (GO/Brasil) e Serra do Cipó (MG/Brasil). Na atividade escalada em rocha,
ele possui mais de 35 dias em montanhas como a Pedra do Baú e Ana Chata (São
Bento do Sapucaí – SP/Brasil), Cuscuzeiro (Analândia – SP/Brasil), Anhangava
(PR/Brasil) e Pão de Açúcar (Rio de Janeiro – RJ/Brasil). O Sujeito 8 já trabalhou no
World Challenge Expedition do Reino Unido e é atualmente instrutor e gestor de
segurança de escola especializada em educação ao ar livre, no Brasil.
O Sujeito 9, mestre em Educação Física, é do gênero masculino e
tem 29 anos (Sujeito 9 m 29). É praticante de atividades como canoagem, ciclismo
de montanha e surfe há 20 anos. Integrou em 11 ocasiões a Seleção Brasileira de
Canoagem, participando de campeonatos mundiais, panamericanos e
sulamericanos, entre outras experiências.
20 Termo utilizado internamente pelos membros do grupo para designar os sujeitos fundadores e/ou
mais experientes.
62
O Sujeito 10 é do gênero feminino, com 36 anos (Sujeito 10 f 36), é
engenheira florestal pós-graduada em Ciências Florestais. Escaladora, nos
momentos de lazer, do Grupo Alpino Paulista, e é uma das fundadoras e instrutoras
de renomado instituto de educação ao ar livre no Brasil e, atualmente, trabalha no
manejo de áreas silvestres e na elaboração de planos de manejo de unidades de
conservação.
Nosso último participante, com 50 anos, o Sujeito 11, do gênero
masculino (Sujeito 11 m 50), agrega, entre outras atividades, a de fotógrafo
profissional da natureza. Essa profissão o iniciou na aventura ao ar livre no fim da
década de 1970, em caminhadas de longa duração, escaladas em rocha e
espeleologia. É precursor da atividade de canionismo no Brasil, possuindo mais de
4.000 cachoeiras catalogadas, por meio dessa atividade. É co-fundador da
Associação Brasileira de Canionismo e já formou mais de 600 praticantes em cursos
específicos e oportunizou atividades de aventura de curta duração para mais de
30.000 pessoas, entre outros feitos.
3.2 Análise dos significados das vivências ao ar livre para praticantes divulgadores
Uma das indagações precursoras desse trabalho é se a
interpretação de atitudes de praticantes das atividades de aventura se fundamenta
prioritariamente em entendimentos que remetem a uma característica compensatória
(MARCELLINO, 2002) ou amenizadora (SCHWARTZ, 2002) do lazer, na fuga das
dificuldades e insatisfações vividas na rotina do cotidiano urbano, a partir de
prováveis registros de expressões correntes no meio e difundidas pela mídia, como
63
adrenalina, radical, liberdade, válvula de escape, entre outros21.
Já na identificação de termos comuns e no início da interpretação dos
depoimentos, o conjunto de significados relembra a metáfora proposta por Kinker
(2002): a linha contínua na qual em seus extremos encontram-se diferentes condutas
em meio natural.
Em um extremo da linha, encontra-se a pouca responsabilidade do
visitante em relação ao meio ambiente natural e que, dessa maneira, causa grande
impacto ambiental. Esse tipo de visitação pode ser reflexo de incursões esporádicas
efetuadas por sujeitos, não necessariamente iniciantes, mas cujas vivências, com
periodicidade irregular, baseiam-se no consumo de atividades de breve duração (por
exemplo: um rapel ou uma tirolesa que duram, em média, um período do dia) e
mediadas, em sua maioria, por agentes comerciais.
A crescente procura por incursões à natureza, seguindo esses
moldes, pode estar diretamente relacionada e deve sofrer influência da também
crescente divulgação das atividades de aventura pela mídia. Salienta-se que esse
grupo não é foco desse trabalho.
No outro extremo da linha metafórica de Kinker (2002), encontra-se o
visitante que age com responsabilidade para com a natureza, se esforçando para sua
conservação e gerando impacto ambiental mínimo. Esse extremo, com base nos
relatos colhidos, delimita o perfil de nosso universo de pesquisa, os praticantes
divulgadores de atividades de aventura ao ar livre.
Dessa forma, expressões como adrenalina, radical, entre outras, não
encontraram espaço expressivo dentro de seus depoimentos. Quando, porventura,
21 Termos como, por exemplo, adrenalina e radical, são apresentados nesse trabalho com sentido conotativo, ou seja, em entendimentos que remetem a idéias e associações, como, por exemplo, as idéias de aventura e de emoção e associações com o risco e/ou com a liberdade.
64
algum sujeito utilizava algum desses termos, não objetivava expressar suas visões
sobre as atividades de aventura ou a suas vivências (ou caracterizar o grupo de
praticantes divulgadores).
Em contrapartida ao não-vínculo de expressões que remetem a um
lazer compensatório ou amenizador em suas atividades, um elemento teve grande
destaque, aparecendo em vários depoimentos, quando os sujeitos participantes
eram indagados sobre suas concepções de atividades de aventura ao ar livre: o
risco.
Iniciamos com os dizeres do Sujeito 10 f 36: “Eu acho que atividades
de aventura ao ar livre são todas as práticas que envolvem algum tipo de risco,
realizada em ambientes naturais [...]” (grifo nosso).
Esse sujeito entende que não existe apenas um, mas alguns tipos
de riscos, e que a aventura está fundamentalmente ligada a esses riscos, apesar de
não definir quantos e quais são eles. O conjunto de relatos desse trabalho apresenta
variações do repertório interpretativo do risco e sua relação com a aventura.
O Sujeito 3 m 39 encontra o elemento risco nas atividades ao ar
livre, entendendo-as como: “Atividades recreativas praticadas em ambientes
naturais, que envolvem riscos à integridade física e psicológica do praticante [...]”
(grifo nosso).
Esse praticante entende as atividades na natureza como lazer,
especificamente, como recreação. Quando o sujeito identifica o elemento lúdico no
vínculo natureza/recreação, ele, ao mesmo tempo em que expande os efeitos do
risco, ao ir além do âmbito físico e adentrar o campo psicológico, reconhece o ser
humano em toda sua integridade, o que pode ser considerado como uma
abordagem para a ressignificação das atividades de aventura ao ar livre.
65
Ao adentrar em tipificações do elemento risco nas atividades de
aventura, encontra-se o Sujeito 2 m 30 que, quando questionado sobre sua
compreensão das atividades de aventura ao ar livre, responde: “Compreendo as
atividades de aventura ao ar livre como atividades de caráter físico-esportivo, na
qual o elemento risco está presente, seja esse risco previsível ou calculado [...]”
(grifo nosso).
Esse sujeito entende as atividades de aventura como conteúdos
físico-esportivos do lazer (DUMAZEDIER, 1980) e parece distinguir dois níveis de
um tipo apenas de risco. O Sujeito 2 m 30 não concebe o risco desejado presente
nas atividades de aventura.
Machlis e Rosa (1990 apud SPINK, 2001, p. 1278), encontram o
risco desejado nas “atividades ou eventos que tem incertezas quanto aos resultados
ou conseqüências, e em que, as incertezas são componentes essenciais e
propositais do comportamento”.
Já Spink (2001, p. 1280) conceitua, dentro da análise dos riscos, que
o “cálculo dos riscos consiste na identificação dos efeitos adversos potenciais do
fenômeno em análise, a estimativa de sua probabilidade e da magnitude de seus
efeitos”.
O Sujeito 8 m 31, em seu discurso, diferencia o risco desejado
(porém, carregado de incertezas) e o risco calculado, e, assim como o Sujeito 2 m
30, concebe apenas o segundo como imbricado à aventura, ao criticar o risco
desejado, afirmando que: “[...] o risco não gerido, desmedido e incontrolável não
deve entrar na aventura. Esse risco existe na desventura, sonhadora de malucos e
poetas”.
66
Dessa maneira, o risco somente pode ser calculado (ou seja, a
identificação de efeitos adversos possíveis, somados às suas probabilidades de
ocorrência e magnitude de seus efeitos), dentro das atividades de aventura, apenas
por praticantes bastante experientes. Desconsiderando esse fato, a mídia, por sua
vez, se utiliza de um discurso que enviesa os riscos (calculados) inerentes às
atividades de aventura, e potencializa o risco desejado, ao criar imagens de um risco
imprevisível como fator de exacerbação da emoção, e que, paulatinamente, se
cristaliza no imaginário das pessoas.
Nesse tocante, o Sujeito 2 m 30, em mais um trecho de seu relato,
também corrobora, quando sugere que: “[...] muitas vezes, esse mesmo risco
(carregado de incertezas) passa a ser um dos principais motivos da busca das
pessoas em praticar determinada atividade [...]” (adendo nosso).
E em mais um entendimento, agora do Sujeito 8 m 31, que remete
aos riscos desejado e calculado: “A aventura só existe quando ela carrega uma dose
de risco, de conseqüências reais e significativas [...]” (grifo nosso).
Essas “conseqüências reais e significativas”, por se tratar do
discurso de um praticante divulgador, dentre outras formas, podem ser interpretadas
como resultantes na formação de caráter, e demonstram o valor educativo da
aventura (SPINK, 2001). O aprendizado de valores formadores do caráter é um risco
que praticantes divulgadores estão cientes e dispostos a correr no vivenciar das
atividades de aventura.
Essa predisposição dos praticantes divulgadores para o risco com
viés educativo, ou seja, conforme La Mendola (1999), para o risco entendido como
uma interpretação do enfrentamento do perigo ou do desconhecido na busca para
alcançar objetivos, fundamenta as propostas educacionais na e pela natureza, como,
67
por exemplo, a educação ao ar livre.
O Sujeito 11 m 50 possui uma visão abrangente das atividades de
aventura ao ar livre. Esse adepto divulgador classifica as atividades de aventura ao
ar livre como: “Todo evento de cunho desportivo ou recreativo coletivo [...]. Acredito
que atividades dessa natureza praticadas ao ar livre expõem as pessoas a certos
riscos controlados [...]” (grifo nosso).
Nesse depoimento, no qual o sujeito, também, menciona o controle
de riscos (SPINK, 2001) como numa fusão dos registros anteriores, o risco aparece
amparando tanto o conceito de esporte como de atividade recreativa ao ar livre. O
diferencial encontrado é o caráter coletivo associado às atividades na natureza, o
que denota a valorização desse praticante divulgador para com as relações
interpessoais vivenciadas nas atividades de aventura.
O aparecimento do termo risco, não somente em estudos de teóricos
do tema, mas, e em diálogos com esses, em definições do que são atividades de
aventura ao ar livre para praticantes divulgadores, faz pressupor que esse elemento
se encontra intrínseco, fundamentando de maneira dialética as vivências dessas
atividades.
A mídia direciona a divulgação das atividades de aventura e seus
riscos como adequados contrapontos à insatisfação gerada pela rotina urbana.
Muitos praticantes buscam a aventura para vivenciar, especificamente, os elementos
correlacionados a esse risco-compensação-amenizador. Dessa forma, alinhamos,
comparativamente, a busca pelo risco ao que Caillois (1990, p. 43) define como Ilinx
(“vertigem”):
68
[...] uma tentativa de destruir, por um instante, a estabilidade da percepção [...]. Trata-se de atingir uma espécie de espasmo, de transe ou de estonteamento que desvanece a realidade com uma imensa brusquidão (CAILLOIS, 1990, p. 43).
Essa citação reforça o entendimento do risco como elemento
atraente de novos adeptos de atividades de aventura, suscetíveis aos apelos da
mídia, e que buscam “[...] distanciar-se do cotidiano urbano, em busca da evidência
de suplantar a anestesia provocada pela mesmice, pela rotina estressante [...]”
(SCHWARTZ, 2002, p. 149).
Porém, o praticante divulgador, universo desse trabalho, como
observado em seu discurso, não procura em suas vivências “destruir, por um
instante, a estabilidade da percepção” (CAILLOIS, 1990), mas, talvez, encontrar
novas formas de perceber, não somente suas atividades na natureza, como também,
a si próprio e o mundo.
Por meio da reunião e interpretação de termos e expressões com
significados em comum coletados em depoimentos, supomos que os adeptos
divulgadores, apesar de conscientes de que o risco, como contraponto às
insatisfações da rotina urbana, também está presente nas atividades de aventura e
entendendo esse elemento, nesse contexto, como quesito atraente de novos
praticantes, não necessariamente e/ ou prioritariamente buscam o risco-vertigem em
suas vivências.
Para a tipificação de risco, recorrente no conjunto de praticantes
divulgadores, retorna Barros (2000, p. 95), que tabula, nas atividades de aventura ao
ar livre, além de outros, o risco social e o risco espiritual. Nesses contextos, o risco é
visto como elemento a ser confrontado em uma perspectiva menos física e mais
ligado ao âmbito de valores e condutas.
Ao contrário do risco como elemento “que desvanece a realidade”
69
(CAILLOIS, 1990), nos riscos social e espiritual, o sujeito é forçado a encarar suas
particularidades, sejam qualidades ou defeitos, e, a partir do confronto desses riscos,
novas percepções acabam surgindo. Percepções sobre o meio, sobre os outros e
sobre si próprio.
Dessa forma, se há alguma disposição em correr risco por parte de
praticantes divulgadores, esse interesse se encontra nas particularidades dos riscos
social e espiritual, que agem como uma “conexão entre risco e formação de caráter,
expressa no valor educativo da aventura” (SPINK, 2001).
Se o risco que “[...] suplanta a anestesia provocada pela mesmice”
(SCHWARTZ, 2002, p. 149) deixa de ser fundamental fator motivador para a
vivência das atividades de aventura pelos praticantes divulgadores, outros
elementos, intimamente ligados ao valor educativo, como já exposto, são atraentes a
esses sujeitos. Interpretando relatos, esse grupo prioriza, entre outras vivências:
O contato mais consistente e constante com o ambiente natural [...] inclusive, para promover atitudes que beneficiem a preservação do ambiente, fator preponderante para o equilíbrio existencial de todas as espécies (SCHWARTZ, 2002, p. 150).
Em diálogo com a autora e alinhada à proposta de Capra (1982) da
busca pela superação da atual crise de percepção, toma-se, por exemplo, o Sujeito
1, que confirma que o “contato mais consistente e constante” lhe propiciou o
“despertar” para uma relação mais estreita e equilibrada com os seres vivos.
Entendemos esse “despertar” como uma nova percepção:
Antes de conhecer os esportes de aventura não tinha quase nenhum contato com a natureza. [...] foi por meio deles que meu interesse pela natureza foi despertado. A partir daí fui buscar outros tipos de atividades que me levassem a estreitar meus laços com os outros seres vivos (Sujeito 1 f 29).
Praticantes divulgadores optam por minimizar os riscos inerentes às
suas atividades de maneira planejada, consciente e racionalmente, por conhecerem
70
a real dimensão desses riscos, por meio de seus cálculos (SPINK, 2001). A
minimização de riscos ocorre pela assimilação e aprimoramento de procedimentos e
atitudes, técnicas e equipamentos utilizados em suas vivências no meio ambiente
natural. Esses elementos devem seguir a premissa do mínimo impacto ambiental,
para que condutas de segurança não conflitem com condutas conservacionistas.
Porém, apesar de praticantes divulgadores salientarem um cenário
no qual, quanto mais atividades vivenciam, proporcionalmente também, uma
crescente responsabilidade ambiental lhes acomete (ou, é aprendida) e que
influencia e direciona suas condutas e atitudes em ambiente natural, não fica claro
se, ao mesmo tempo em que essa nova perspectiva é criada, outras acabam por
desaparecer. Veja o depoimento do Sujeito 8 m 31, quando perguntado sobre os
reflexos das atividades de aventura ao ar livre em sua vida cotidiana:
[...] (sinto) uma certa inquietação em morar na cidade grande. Uma vontade de sair que só arrefece quando estou ao ar livre e que volta mais forte quando estou na companhia de pessoas que possuem a mesma inquietação e que compartilham do mesmo olhar (grifo e adendo nossos).
Esse trecho de relato pode ser indício de que esse sujeito, entre
outros fins, ainda recorre às atividades de aventura ao ar livre (também) como
oportunidade de compensar ou amenizar sua “inquietação em morar na cidade
grande”, ou seja, aproveitando termo difundido no meio, como válvula de escape.
Essa constatação cria precedente e dúvidas quanto a possíveis conflitos entre
relatos e procedimentos de nossos integrantes do universo de pesquisa, os
praticantes divulgadores, e deve instigar novas e aprofundadas observações e
pesquisas no tema.
Outra passagem semelhante e que amplia nossas suspeitas quanto
às condutas de praticantes divulgadores, ou, pelo menos, quanto à coerência entre
seus valores e suas atitudes, vem do Sujeito 6 m 35, ao falar sobre o conjunto de
71
atividades de aventura ao ar livre afirma que:
Serve como desabafo, serve como comemoração, serve para passar momentos só, serve para eu me socializar. Com certeza contribui para minha saúde, para meu humor, criatividade, disposição e inspiração (Sujeito 6 m 35) (grifo nosso).
Esse sujeito, obstante o fato de ter todo o tempo desejado para
formular suas idéias antes de expô-las, se utilizou bastante do verbo servir para
definir sua relação com as atividades na natureza. O entendimento do Sujeito 6 m
35, da natureza como algo servil, é constante como visão da ecologia rasa, causa
estranheza e não condiz com o discurso geral do conjunto de relatos coletados com
praticantes divulgadores.
Ao interpretar esses últimos depoimentos e, somando a isso, a
identificação de tipificações antagônicas em torno do elemento risco, que, ora
suscita a abstração da realidade, ora a reflexão sobre a mesma, levanta-se a
suspeita de que o caráter compensatório do lazer caracterizado nas atividades de
aventura ao ar livre não se anula quando vivenciado por praticantes divulgadores.
A busca pela amenização da rotina urbana, familiar em discursos e
condutas de praticantes recentes atraídos pela divulgação da mídia comercial,
parece (como pôde ser anteriormente interpretado) não desaparecer por completo
como perspectiva dentro das atividades em ambiente natural, mas apenas perder
importância dentro das vivências, em detrimento de novas percepções, novos
conhecimentos e novas responsabilidades adquiridos.
Assim sendo, quanto mais os sujeitos se envolvem na e com a
natureza e adquirem vivências sensíveis, mais dão atenção, prioridade e valorização
para condutas que, não somente minimizam o caráter compensatório ou o risco, mas
que ambientalmente causem menos impactos.
O Sujeito 5 m 48 corrobora essa suposição em relato de suas
72
próprias mudanças de percepção:
No início, era parte de uma procura pessoal, mas envolvia um grupo de amigos que acrescentava mais adrenalina às experiências, ainda que desde o início tivéssemos cuidado e preocupação com segurança e impacto no ambiente. O caráter de aventura foi aos poucos substituído por um caráter de contemplação e apreciação, ainda que muitas vezes, exigindo níveis mais técnicos (Sujeito 5 m 48).
Aqui ocorre a única aparição do termo adrenalina (em sentido
conotativo e utilizado em substituição à palavra emoção) no conjunto de
depoimentos coletados. Esse termo mais a palavra aventura, exaustivamente
alardeados pela mídia, são utilizados pelo Sujeito 5 m 48 para dar significado e
justificar suas primeiras vivências na natureza, ou seja, como elemento motivacional
inicial para suas incursões em ambientes naturais.
Dando seqüência à interpretação de seu relato, o Sujeito 5 m 48,
conforme suspeita, faz entender que sua busca inicial por vivências emocionantes
(suscitadas pelo termo adrenalina) foi substituída pela busca de outros interesses,
conforme suas vivências se ampliavam conjuntamente com suas técnicas.
Porém, mudanças de percepção não ocorrem espontaneamente
dentro das atividades de aventura. É necessário o direcionamento, a educação e a
divulgação dos valores ambientalmente corretos ou a vivência de imersão na
natureza.
O mesmo Sujeito 5 m 48 entende os praticantes esporádicos ou o
grupo de indivíduos que é atraído pelas atividades de aventura ao ar livre, na
atualidade, como:
[...] quem busca uma alternativa para o lazer, escape ou crescimento interior, mas que nem sempre tem a informação ou a educação necessária para fazer isso sem causar impacto ao meio, às outras pessoas e a si mesmo. [...] Vemos que o turista que migra da praia para a montanha e, assumindo, sem qualquer critério científico, que a maioria das atividades de aventura está no ambiente não-praieiro, nem sempre é educado para o novo cenário, mais frágil e perigoso (Sujeito 5 m 48).
73
O relato desse sujeito sugere que muitos dos novos adeptos de
atividades de aventura e, inclusive, como aconteceu com ele próprio, iniciam suas
incursões e atividades na natureza, atraídos essencialmente por elementos a essas
atividades correlacionadas (pela mídia e incutidos no senso comum) como a
aventura, o risco, a emoção exacerbada, a quebra da rotina, entre outros.
O Sujeito 5 m 48 segue afirmando que o praticante que define como
sem informação ou sem acesso à educação para o ambiente, ou seja, aquele sem
auxílio para sobrepujar o nível conformista (MARCELLINO, 2003) de interação com
o ambiente natural, acaba por se manter estagnado em suas percepções e valores,
consumindo vivências esporádicas e buscando apenas satisfazer desejos pessoais,
agindo sem minimização de riscos ou de impactos ambientais causados pela sua
presença na área visitada. Mantém-se no extremo da ausência de consciência e
responsabilidade ambientais, relembrando a linha de Kinker (2002).
Em contrapartida, não apenas com o amparo de estudiosos, mas,
também, com a interpretação dos depoimentos de praticantes divulgadores, há o
entendimento de que, quando novos adeptos são auxiliados em suas vivências, as
atividades ao ar livre se transformam em adequadas vivências de sensibilização e
aprendizagem de novas percepções e condutas, em imersões na natureza, em cujas
vivências, potencialmente, o indivíduo pode sobrepujar o nível conformista de
consciência e adentrar os níveis crítico e criativo (MARCELLINO, 2003).
A imersão na natureza é proposta a qual, nas palavras do Sujeito 1 f
29:
[...] Transforma a vida das pessoas, amplia a percepção em relação aos outros seres, facilita a reflexão sobre o papel de cada um perante as questões ambientais e conceitos como coerência, ética, afetividade e eqüidade se tornam cada vez mais claros.
Nesse trecho de seu depoimento, esse sujeito enumera valores
74
adquiridos em imersões na natureza muito próximos às prerrogativas da ecologia
profunda, do ecofilósofo Naess (1989), e às mudanças percebidas pelo naturalista e
educador Cornell (1996, p. 4):
Nunca subestimei o valor desses momentos de contato e comunhão com a natureza. [...] percebi que podemos desenvolver uma profunda conscientização até adquirirmos um entendimento vital e verdadeiro do lugar que ocupamos neste mundo.
O surgimento de um praticante mais perceptivo, reflexivo e crítico
por meio da vivência de contatos profundos não é o único fenômeno constatado.
Talvez, diretamente influenciado por essas mesmas qualidades, o praticante de
atividade de aventura que vivencia imersões na natureza e, tendo como referência,
tanto os dados coletados, como os perfis de nossos entrevistados, também é
acometido pela necessidade de divulgar as atividades ao ar livre e levar outros
indivíduos à natureza e dividir com esses suas vivências intensas e profundas em
ambiente natural.
Praticantes que acumulam vivências intensas são ávidos em
compartilhar suas experiências, as quais influenciam para mudanças
comportamentais e de valores e condutas. Os praticantes se tornam promotores de
educação por meio e para a natureza. Seja como instrutores de atividade de
aventura, educadores ambientais, guias turísticos ou qualquer outra denominação
próxima a essas. Todos os onze sujeitos participantes desse trabalho corroboram
esse fenômeno.
O surgimento espontâneo de um querer divulgar e compartilhar
vivências é exemplificado pelo Sujeito 5 m 48 quando esse relata que: “a partir de
um certo momento, um desejo de compartilhar e inspirar outros me levou à
instrução”. Assim, também sinalizam os demais depoimentos de nossos
entrevistados. A identificação desse fenômeno nos mostrou ser acertada a decisão
75
de definir o universo de pesquisa como praticantes divulgadores.
O Sujeito 1 f 29, ao entender a necessidade de amparar as vivências
de novos praticantes, apresenta um indício dos motivos do querer divulgar, por parte
de seus praticantes mais experientes:
Penso que somente a prática [...] não é suficiente para criar um laço profundo e sincero (entre o praticante) com o meio natural. Na minha opinião, isso acontece porque a maioria das empresas que oferecem este tipo de atividade e mesmo as pessoas que conduzem, utilizam a natureza como cenário e não como parte integrante. Você acaba praticando [...] na natureza e não com ela, não há uma interação profunda ou uma preocupação em incluí-la nas atividades (grifo nosso).
O discurso sugere que praticantes divulgadores, conforme adquirem
consciência de que é possível uma relação ser humano/natureza calcada no
convívio igualitário entre ambos22, se sentem responsáveis pelo compartilhar dessa
relação e pelo repúdio e crítica a relações de submissão do meio ambiente.
Por ocasião da menção da utilização e redução da natureza como
cenário para a prática das atividades de aventura, citamos o Sujeito 9 m 29, que
define as atividades ao ar livre como: “atividades praticadas em meio à natureza...
céu, florestas, montanhas, cidades, rios, mares, lagoas... que tem como objetivo
transpor obstáculos naturais criados por ela mesma”.
Essa afirmação corrobora a crítica do Sujeito 1 f 29 quando denuncia
que somente a prática não é suficiente para criar profundas relações ser
humano/ambiente natural, resultantes da imersão na natureza.
O trecho de relato do Sujeito 9 m 29, que considera os ambientes
naturais como “obstáculos”, faz lembrar também a crítica de Mendonça (2000, p.
137), a qual afirma que vivências utilizando o ambiente natural somente como
cenário são apenas reflexos de condutas em meio urbano: “[...] os olhares são
22 Afinal, somos um só.
76
rápidos, consumidores de paisagens e não interativos; a relação de dominação se
expande, o lixo se espalha e o descompromisso com os lugares e culturas visitados
também se amplia”.
Portanto, vivências que não consideram suas implicações
ambientais perpetuam a submissão da natureza e sua redução a mero cenário para
o consumo das atividades de aventura, numa relação dialética.
Assim como alguns outros depoimentos registrados, o relato do
Sujeito 9 m 29, contrasta e o coloca em oposição à maioria dos significados
coletados e interpretados, ou seja, seu conteúdo não pode ser entendido como
significado comum ao grupo pesquisado, de praticantes divulgadores, dentro da
análise proposta.
Mais uma vez, a presença de afirmações contrárias aos significados
comuns pode motivar o início de futuras pesquisas e de diferentes análises
interpretativas e o avançar do entendimento do fenômeno lazer caracterizado pelas
atividades de aventura ao ar livre no Brasil.
Encontrar exemplos de praticantes de atividades de aventura ao ar
livre que buscam relacionamentos com a natureza em prol de sua conservação e o
surgimento espontâneo de uma percepção de que os valores aprendidos nas
vivências ao ar livre devem ser divididos e perpetuados, nos aproxima positivamente
de um questionamento desse trabalho: ocorre de maneira desejada e pré-planejada
e por intermédio do lazer nas atividades de aventura ao ar livre, um processo de
sensibilização e aprendizagem de novos valores que resultem em mudanças de
conduta? Em ações e relações mais harmônicas e sustentáveis do ser humano
consigo mesmo, com o meio e demais seres vivos?
Trechos de discursos nos falam, por exemplo, em um “despertar do
77
interesse pela natureza” e um “estreitar de laços com os outros seres vivos” (Sujeito
1 f 29), em concordância com Marinho (2006, p. 47), autora que entende as
atividades em contato com a natureza como uma nova possibilidade de lazer que
permite:
[...] que as experiências na relação corpo-natureza (ou ser humano/natureza) expressem uma tentativa de reconhecimento do meio ambiente e dos parceiros envolvidos, expressando, ainda um reconhecimento dos seres humanos como parte desse meio (adendo nosso).
Num depoimento prático, o Sujeito 3 m 39 enumera alguns
ensinamentos aprendidos na vivência das atividades na natureza, que também vão
ao encontro da citação de Marinho (2006). Esse sujeito expressa algumas mudanças
de percepção, mudanças de conduta e mudanças comportamentais:
(São) muitos (os) reflexos (das vivências das atividades de aventura ao ar livre em minha vida), alguns certamente não percebidos por mim. Entre os percebidos e as aprendizagens, poderia inferir: melhor tolerância a alguns desconfortos da vida; capacidade de colocar em perspectiva situações que tendem a estreitar a visão; [...] aprendi muito sobre história natural e sou um melhor apreciador da natureza, mesmo em ambientes urbanos; aprendi a olhar para cima e ver o céu; [...] aprendi muito sobre minhas qualidades e meus defeitos [...]; basicamente minha história pessoal está profundamente relacionada às atividades ao ar livre (adendo nosso).
Assim como o Sujeito 3 m 39, o Sujeito 8 m 31 também lembra
alguns ensinamentos aprendidos e colocados em prática mesmo fora do ambiente
natural, ou seja, nas cidades: “Muitos são os reflexos (das atividades de aventura ao
ar livre em minha vida): mudança na maneira de gerir o lixo; apreciar o meio; olhar
para as pessoas; enfrentar desafios” (adendo nosso).
O Sujeito 4 f 28 também relata mudanças de conduta, tanto suas
como de praticantes auxiliados em suas experiências na natureza:
78
Acredito que ampliação da zona de conforto é o reflexo imediato e mais visível (de minha vivência das atividades de aventura ao ar livre) [...]. Isso significa que baixei meu nível de ansiedade quanto às necessidades da vida civilizada e consumista. Sim, há outros reflexos além deste: maior consciência ambiental que levam a atitudes ecologicamente corretas, diferente percepção da paisagem, interesse por assuntos diversificados além da minha formação pessoal. O reflexo principal que percebo em educandos [...] é a percepção da paisagem diferente da paisagem urbana. Depois disso, vem a consciência sobre a responsabilidade de seus atos, tanto para com a natureza quanto para consigo mesmo (Sujeito 4 f 28) (adendo nosso).
Nas palavras do Sujeito 11 m 50, as atividades de aventura ao ar
livre possuem forte caráter educativo: “Acredito que atividades dessa natureza
praticadas ao ar livre [...] encurtam os caminhos para o mais amplo aprendizado
para uma convivência social e ambiental saudáveis”.
Da mesma maneira que o Sujeito 11 m 50, os dizeres do Sujeito 7 m
50 evidenciam o caráter educacional vinculado às atividades na natureza. Esse
sujeito discorre sobre a necessidade do auxílio a novos praticantes para o
aprendizado de novas condutas, tanto na natureza, como em ambiente urbano:
[...] tento transmitir esse gosto pelas atividades ao ar livre e a ética de praticá-las ou planejá-las sempre com vistas ao mínimo impacto, princípio fundamental ao Programa Pega Leve! [...]. Na minha vida, além de tentar separar o lixo e reciclá-lo [...] atualmente eu levo os meus filhos às trilhas e canoadas sempre que possível (Sujeito 7 m 50).
O Sujeito 10 f 36 enfatiza como a vivência das atividades de
aventura ao ar livre podem potencialmente transformar o indivíduo: “a natureza e a
prática de atividades ao ar livre são parte integrante da minha vida e influenciam
desde onde eu moro até meus valores morais”.
O Sujeito 5 m 48 também demonstra expressivas mudanças
proporcionadas pelas atividades de aventura ao ar livre, mudanças perceptivas, que
influenciaram todo o seu modo de viver. Esse depoimento é caro à pesquisa, no que
diz respeito à nossa busca por relatos de processos de sensibilização e
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aprendizagem de novos valores que resultem em mudanças comportamentais, em
ações e relações mais harmônicas e sustentáveis do ser humano consigo mesmo,
com o meio e demais seres vivos, por meio do lazer nas atividades de aventura ao
ar livre:
(A vivência das atividades de aventura ao ar livre) gerou uma transformação radical em meu estilo e projeto de vida, permitindo uma re-conexão com valores mais fundamentais, como família, saúde, solidariedade, criatividade, versatilidade, liberdade, etc., substituindo a acumulação material pelo desapego; do consumismo pela valorização da simplicidade; da ambição desmedida pelo foco em projetos sustentáveis. Motivou-me a desfazer de um empreendimento bem sucedido [...] e investir num projeto sustentável num município pobre da Bahia, abrindo mão de um bom conforto material em troca de um enorme conforto espiritual (Sujeito 5 m 48) (adendo nosso).
Esse trecho do depoimento do Sujeito 5 m 48, somado ao contexto
geral dos discursos coletados, sugere que as vivências proporcionadas pelo lazer
nas atividades de aventura ao ar livre podem sobrepujar a chamada crise de
percepção (CAPRA, 1982) e sensibilizar adeptos para mudanças de modo de vida,
para a construção de uma nova realidade, de uma nova história (MARINHO, 2004),
sensibilizar para a compreensão e adoção de outros valores que não sejam os de
mercado e que rompam com a lógica hegemônica (SAMPAIO, 2006).
Os últimos trechos de discursos de praticantes divulgadores
expostos identificam, também, atitudes alinhadas com a ecologia profunda, como,
por exemplo, o reencontro do ser humano como natureza, num relacionamento
igualitário e a percepção de que a auto-realização deve sobrepor objetivos materiais,
entre outras novas formas de agir. São identificadas, por influência do lazer nas
vivências das atividades de aventura ao ar livre, em imersões na natureza, modos de
vida que propiciam o resgate da simplicidade e de uma volta decisiva a uma vida
livre o quanto possível.
Percebe-se que os valores adquiridos nas vivências de imersões na
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natureza repercutem inicialmente no cotidiano de cada sujeito, em revoluções
individuais. Num segundo momento, numa visão de conjunto, mais ampla, a adoção
de condutas sensíveis com e em defesa do ambiente natural pode ser entendida
como a mudança para novos paradigmas que vão ao encontro de pensamentos da
abordagem sistêmica (CAPRA, 1982) e da ecologia profunda (NAESS, 1989).
Embora mais pesquisas e interpretações dos significados das
vivências das atividades de aventura ao ar livre sejam necessárias para uma maior
compreensão do fenômeno, criar ao crescente número de adeptos de atividades de
aventura, oportunidades de experiências na natureza ao lado de praticantes
divulgadores (que levam em consideração o estímulo pessoal, a freqüência e a
duração, e a intensidade em suas vivências), torna-se alternativa adequada para a
realização de reais imersões na natureza e para uma ressignificação do fenômeno
atividade de aventura ao ar livre.
Resultado do diálogo entre estudiosos do tema e praticantes
divulgadores, em torno dos significados das vivências das atividades de aventura ao
ar livre, é possível entendê-las como propostas a superar a crise de percepção,
quando:
• ocorrem não influenciadas por aspectos modistas e/ou
consumistas amparados por imposições mercadológicas amplamente divulgadas
pela mídia, mas como lazer prazeroso e efetuado por livre escolha;
• o fenômeno deixa de ser somente uma compensação ou uma
amenização da rotina urbana e se torna vivência significativa cujos ensinamentos
aprendidos e apreendidos são referenciais para um melhor relacionamento
indivíduo/ sociedade/meio ambiente (natural ou não)/ demais seres vivos. Um melhor
relacionamento almejado pela abordagem sistêmica;
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• identificadas como reais possibilidades educacionais, de
desenvolvimento humano, de maneira desejada e pré-planejada, por meio de
experiências e sensações possíveis e atraentes no lazer ao ar livre;
• o praticante segue crítica e conscientemente princípios e
condutas de mínimo impacto e agregando novas percepções e sensibilidades;
• criadoras de uma relação ser humano/natureza calcada na
afetividade;
• estímulos espontâneos à apreensão de novos valores de
igualdade e não-submissão da natureza; novos valores defendidos, por exemplo,
pela ecologia profunda;
• geradoras de transcendência humana e ambiental.
Por meio da realização das atividades de aventura ao ar livre,
embasadas e sustentadas por esses parâmetros, em atividades de imersão na
natureza, então potencializadas por e propiciadoras de sentimentos e o afloramento
de sensibilidades, são vivenciadas experiências com significados marcantes.
Nesse contexto de arrebatamento causado pelo contato e convívio
diretos com outros seres vivos e em ambientes naturais, são criados no sujeito o
respeito, o fascínio, o afeto e o amor, a si próprio, aos nossos semelhantes (ou nem
tanto) e ao nosso mundo (NABETA, 2006).
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ações ambientais vinculadas às atividades de aventura ao ar livre
são possibilitadas quando há predisposição do visitante do ambiente natural a
aprender e contribuir com a conservação da natureza e quando são delineadas
estratégias a promover vivências que agreguem responsabilidade ambiental.
Pensamentos sistêmicos e valores da ecologia profunda, obstante o
fato de parecerem paradigmas distantes de serem criados, surgem
espontaneamente quando da vivência de atividades de aventura ao ar livre como
lazer com cunho educacional. Surgem por ocasião do contato direto e intenso e a
criação do afeto pela natureza.
A realidade apresentada por estudiosos da área demonstra que
ainda ocorre o desperdício de oportunidades para o desencadeamento desses
novos valores. Muitas possibilidades de atividades em curso na natureza ainda
possuem, em seus cernes, objetivos indiferentes à conservação de ambientes
protegidos.
Somado a esse perfil atual de indiferença, há uma gestão dificultosa
das áreas protegidas nacionais, tanto pelo poder público como por usuários, sejam
entidades civis ou turistas esporádicos, influenciados pela divulgação, por parte da
mídia, de uma natureza reduzida a cenário, para o lazer compensatório/amenizador
da rotina urbana. Nesse contexto, as atividades de aventura ao ar livre parecem não
se encaixar como ações ambientais, ou seja, não propiciam benefícios evidentes à
natureza quando de suas execuções e sempre causarão impactos, por mínimos que
possam ser.
Porém, mesmo dentro dessa realidade, identificam-se propostas,
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como programas de mínimo impacto ambiental e programas educacionais na e com
a natureza, que, mesmo não beneficiando o meio ambiente num primeiro momento,
propiciam o desenvolvimento individual do praticante de atividades ao ar livre em
vivências de contato direto.
Em decorrência da grande incidência nos discursos da pesquisa de
campo, caracteriza-se a estreita e dialética relação entre a aventura e o risco. Fica
evidente que a relação aventura/risco, apesar de assumir diferentes sentidos,
práticos e interpretativos e diferentes conotações metafóricas, também é entendida
por praticantes divulgadores experientes nas vivências das atividades na natureza, e
não somente pelo senso comum, muito suscetível aos apelos da mídia do consumo
e dos modismos.
É notória a atenção dada ao risco calculado e gerenciado por parte
dos praticantes divulgadores. A vivência desse risco pode ir além de mero reforço do
lazer compensatório e se tornar grande aliado de uma educação no e com o
ambiente natural, ao se inserir como elemento sensibilizador e gerador de vivências
emocionantes e sentimentais, oportunidades para o aprendizado de novos valores e
percepções no e do meio.
Praticantes divulgadores, por meio de seus discursos, e em
concordância com o vislumbrado por estudiosos do tema, demonstram que
mudanças de percepções, de condutas e de valores podem ocorrer, quando da
vivência de experiências profundas em atividades de aventura e amparadas por
adeptos mais experientes, ou seja, em imersões na natureza.
Temas como programas de educação em ambientes naturais,
embora em expansão como prática no Brasil, ainda possuem pouca atenção do
meio acadêmico, e, bem estudadas e desenvolvidas, podem servir de base
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metodológica para a elaboração de futuras intervenções educacionais e de lazer.
Esse trabalho apresentou propostas em curso e esboçou caminhos
para futuras pesquisas e observações por parte dos estudiosos do lazer e das
atividades de aventura e meio ambiente, na crença de que o aprendizado de novos
valores e mudanças perceptivas, propiciados pela experiência do lazer na e com a
natureza, extrapolam as condutas em ambiente natural, e se refletem em todo o
contexto vivencial do indivíduo e recriam a relação harmônica ser humano/natureza
há tanto tempo despercebida.